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1 AS PROPRIEDADES DOS BETUMES DE PAVIMENTAÇÃO PARA ALÉM DAS ESPECIFICAÇÕES EUROPEIAS Margarida Sá da Costa 1 , António Correia Diogo 2 1 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Materiais, Av. Do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal email: [email protected] http://www.lnec.pt 2 Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, Departamento de Engenharia Química, Av. Rovisco Pais, 1049-011 Lisboa, Portugal Sumário As atuais especificações europeias colocam numa mesma classe betumes com consistências semelhantes, mas que podem ter diferenças na composição química, estrutura e propriedades reológicas. Deste modo, abre-se a possibilidade dos betumes de uma mesma classe terem distintas contribuições para o desempenho das misturas betuminosas durante o serviço no pavimento. Neste trabalho avaliaram-se betumes do tipo 50/70 com base na: composição em frações genéricas de compostos; estrutura por microscopia de força atómica e por aproximação indireta ao modelo coloidal; análise reológica por espectrometria mecânica. Estes indicadores serviram para avaliar a resistência ao envelhecimento praticado em laboratório, tendo em consideração diferentes etapas. Palavras-chave: Especificações de betumes; envelhecimento; composição química; estrutura; reologia 1 INTRODUÇÃO As especificações de produto estabelecem um conjunto de propriedades e de requisitos que este deve ter para garantir a sua adequabilidade a uma determinada aplicação. No domínio dos ligantes betuminosos para pavimentação, mais concretamente no caso dos betumes, as especificações europeias estão definidas na NP EN 12591 [1]. Estas especificações preconizam as propriedades e os requisitos de avaliação de conformidade de um vasto leque de betumes, de modo a cobrir diversas aplicações e a satisfazer variadas solicitações de tráfego e condições climáticas encontradas no enquadramento europeu. Aquelas especificações baseiam-se em propriedades que tradicionalmente têm sido utilizadas para caracterizar os betumes nos vários Estados Membros. Muito da sua atenção está focada na consistência, abrangendo os regimes das temperaturas intermédias e elevadas encontradas durante o serviço no pavimento. Na gama das temperaturas intermédias é considerada a penetração com agulha a 25ºC e no patamar das temperaturas elevadas é preconizada a temperatura de amolecimento, determinada pelo método do anel e bola. A resistência ao envelhecimento também faz parte das especificações, sendo avaliada através da variação de massa e da consistência (penetração e temperatura de amolecimento) após o condicionamento do betume em película fina, mantida em condições dinâmicas, sob a ação do calor (163ºC) e de um jato de ar. Este método de condicionamento, conhecido pela sigla RTFOT (Rolling Thin Film Oven Test), procura simular o envelhecimento do betume que ocorre durante o fabrico das misturas betuminosas a quente em central. As especificações europeias ainda não incluem a avaliação da resistência ao envelhecimento após condicionamentos artificiais referentes ao envelhecimento a longo prazo que ocorre durante o serviço no pavimento. Esta aproximação fixada nas especificações faz com que, para uma determinada aplicação, sejam selecionados betumes com o mesmo tipo de consistência e de resistência ao envelhecimento após RTFOT, ou seja,

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AS PROPRIEDADES DOS BETUMES DE PAVIMENTAÇÃO PARA ALÉM DAS ESPECIFICAÇÕES EUROPEIAS

Margarida Sá da Costa1, António Correia Diogo2

1 Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Materiais, Av. Do Brasil, 101, 1700-066 Lisboa, Portugal

email: [email protected] http://www.lnec.pt 2 Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, Departamento de Engenharia Química, Av. Rovisco Pais, 1049-011 Lisboa, Portugal

Sumário

As atuais especificações europeias colocam numa mesma classe betumes com consistências semelhantes, mas que podem ter diferenças na composição química, estrutura e propriedades reológicas. Deste modo, abre-se a possibilidade dos betumes de uma mesma classe terem distintas contribuições para o desempenho das misturas betuminosas durante o serviço no pavimento.

Neste trabalho avaliaram-se betumes do tipo 50/70 com base na: composição em frações genéricas de compostos; estrutura por microscopia de força atómica e por aproximação indireta ao modelo coloidal; análise reológica por espectrometria mecânica. Estes indicadores serviram para avaliar a resistência ao envelhecimento praticado em laboratório, tendo em consideração diferentes etapas.

Palavras-chave: Especificações de betumes; envelhecimento; composição química; estrutura; reologia

1 INTRODUÇÃO

As especificações de produto estabelecem um conjunto de propriedades e de requisitos que este deve ter para garantir a sua adequabilidade a uma determinada aplicação. No domínio dos ligantes betuminosos para pavimentação, mais concretamente no caso dos betumes, as especificações europeias estão definidas na NP EN 12591 [1]. Estas especificações preconizam as propriedades e os requisitos de avaliação de conformidade de um vasto leque de betumes, de modo a cobrir diversas aplicações e a satisfazer variadas solicitações de tráfego e condições climáticas encontradas no enquadramento europeu.

Aquelas especificações baseiam-se em propriedades que tradicionalmente têm sido utilizadas para caracterizar os betumes nos vários Estados Membros. Muito da sua atenção está focada na consistência, abrangendo os regimes das temperaturas intermédias e elevadas encontradas durante o serviço no pavimento. Na gama das temperaturas intermédias é considerada a penetração com agulha a 25ºC e no patamar das temperaturas elevadas é preconizada a temperatura de amolecimento, determinada pelo método do anel e bola.

A resistência ao envelhecimento também faz parte das especificações, sendo avaliada através da variação de massa e da consistência (penetração e temperatura de amolecimento) após o condicionamento do betume em película fina, mantida em condições dinâmicas, sob a ação do calor (163ºC) e de um jato de ar. Este método de condicionamento, conhecido pela sigla RTFOT (Rolling Thin Film Oven Test), procura simular o envelhecimento do betume que ocorre durante o fabrico das misturas betuminosas a quente em central. As especificações europeias ainda não incluem a avaliação da resistência ao envelhecimento após condicionamentos artificiais referentes ao envelhecimento a longo prazo que ocorre durante o serviço no pavimento.

Esta aproximação fixada nas especificações faz com que, para uma determinada aplicação, sejam selecionados betumes com o mesmo tipo de consistência e de resistência ao envelhecimento após RTFOT, ou seja,

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enquadrados nas mesmas classes de requisitos, mas que, no entanto, podem ter diferenças na composição química, na estrutura e nas propriedades reológicas. Essas diferenças podem originar distintas evoluções do comportamento do betume na mistura betuminosa ao longo do tempo, enquanto constituinte da camada do pavimento, ou seja, durante o seu processo de envelhecimento em serviço.

No presente trabalho faz-se uma avaliação de betumes do tipo 50/70, conforme estabelecido na NP EN 12591 [1], mas que provém de ramas de petróleo distintas e que foram obtidos através de diferentes processos de refinação. Como primeiro objetivo tem-se a análise comparativa dos betumes relativamente à sua composição química, estrutura e comportamento viscoelástico. O outro objetivo diz respeito à avaliação da evolução das propriedades ao longo de um processo de envelhecimento, envolvendo as seguintes etapas: envelhecimento pelo método RTFOT que, como anteriormente referido, procura simular o envelhecimento do betume que ocorre durante o fabrico das misturas betuminosas a quente em central; condicionamento subsequente, correspondente a um envelhecimento de longo prazo de tempo que ocorre durante o serviço no pavimento e que é simulado numa câmara sob pressão de ar especificamente concebida para o efeito – Pressure Aging Vessel (PAV).

A composição química dos betumes é avaliada em termos de frações genéricas (grupos) de compostos que são separadas com base na polaridade: saturados, aromáticos, resinas e asfaltenos (SARA) – ordenadas por ordem crescente de polaridade. A fração dos asfaltenos reúne os compostos mais polares e tem sido destacada, nomeadamente, como “elemento” estruturante no modelo coloidal [2] e pela importância na sua contribuição para o comportamento viscoelástico dos betumes [3]. Durante o envelhecimento dos betumes ocorrem reações de oxidação, com incorporação do oxigénio nas estruturas das moléculas, podendo-se formar compostos com maior polaridade, e levar, consequentemente, ao aumento da proporção dos asfaltenos.

Uma das interpretações tradicionais da estrutura dos betumes baseia-se num modelo coloidal centrado na presença dos asfaltenos organizados em micelas [2]. Os compostos da fração dos asfaltenos estão rodeados (peptizados) pelas resinas, formando micelas dispersas nos restantes constituintes do betume (frações dos aromáticos e dos saturados). Essas micelas, podem, por sua vez, levar à formação de “edifícios” de diferentes envergaduras, ao constituir-se em aglomerados, criando-se estruturas mais complexas, em que existirá um equilíbrio entre: moléculas ↔ micelas ↔ aglomerados [4]. No presente trabalho, seguindo os estudos de Brûlé et al [5], fez-se uma caracterização da estrutura por aproximação a este modelo coloidal, através de um processo de separação das moléculas/micelas/aglomerados com base no seu volume hidrodinâmico, procurando manter-se as associações moleculares. Deste modo determinou-se a proporção de aglomerados de micelas de asfaltenos dos betumes e avaliou-se a sua evolução no processo de envelhecimento.

No caso dos betumes de origem (não envelhecidos) foi efetuada uma análise da microestrutura através da microscopia de força atómica (AFM - Atomic Force Microscopy). Uma das microestruturas mais tipificada é caracterizada pela presença de elementos de descontinuidade topográfica, representados por um conjunto de zonas claras (elevações) e escuras (depressões) que se sucedem alternadamente e que têm sido denominados por abelhas ou por catanas [6-9]. Tem sido sugerido que as catanas recebem a contribuição dos constituintes dos asfaltenos [3,8,9], embora, haja ainda controvérsia em torno da origem destes elementos estruturantes, apontando-se, por exemplo o trabalho recente de Soenen et al [10] que se reporta à participação de cristais de parafinas.

A análise por espectrometria mecânica permitiu a medição das funções materiais relevantes para a análise do comportamento viscoelástico dos betumes. Determinou-se diretamente o módulo de distorção dinâmico G(ω), que inclui duas componentes: uma elástica, o “módulo conservativo” G’(ω), e uma dissipativa, o “módulo dissipativo”, G”(ω). A partir dos valores experimentais obtidos é possível calcular outras funções materiais características, como por exemplo, a viscosidade complexa. No presente trabalho apresentam-se os valores da viscosidade complexa, em módulo, |η*|, e do módulo conservativo dos betumes ensaiados a diferentes temperaturas.

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2 TRABALHO EXPERIMENTAL

2.1 Betumes

Para a realização do trabalho experimental selecionaram-se dois betumes do tipo 50/70, identificados como 50/70-A e 50/70-B. Estes betumes provêm de ramas de petróleo distintas e foram obtidos através de diferentes processos de refinação.

2.2 Métodos de envelhecimento

Os betumes 50/70 foram submetidos a uma sequência de envelhecimentos em condições artificiais. Primeiramente procedeu-se ao envelhecimento sob ação do calor e do ar pelo método RTFOT (Rolling Thin Film Oven Test), efetuado de acordo com a norma NP EN 12607-1 [11]. Os betumes envelhecidos no RTFOT foram posteriormente submetidos a um outro envelhecimento numa câmara (PAV- Pressure Aging Vessel), com pressão de ar de 2,1 MPa, à temperatura de 100ºC, durante 20h, seguindo a norma EN 14769 [12].

2.3 Caracterização através de propriedades das especificações

Os betumes foram caracterizados em termos de consistência, de acordo com as propriedades definidas nas especificações europeias, NP EN 12591 [1], ou seja, através da penetração com agulha, a 25ºC, e da temperatura de amolecimento, pelo método do anel e bola, determinadas segundo as normas de ensaio NP EN 1426 [13] e NP EN 1427 [14], respetivamente. Estas propriedades foram determinadas nos betumes de origem e após os condicionamentos de envelhecimento (ver 2.2.). Procedeu-se também à determinação da variação de massa após o envelhecimento pelo método RTFOT.

2.4 Caracterização da composição química

Para a análise da composição química dos betumes procedeu-se ao seu fracionamento seguindo uma metodologia que compreende uma sequência iniciada com a precipitação dos asfaltenos em n-heptano (C7-asfaltenos), de acordo com a norma de ensaio ASTM D6560 [15], seguida da separação por cromatografia de fase líquida da parte solúvel em n-heptano (maltenos) nas seguintes frações: saturados, aromáticos e resinas.

Esta última separação foi efetuada por cromatografia de fase líquida em camada fina seguida da deteção por queima com chama enriquecida em hidrogénio (TLC-FID, “Thin Layer Chromatography - Flame Ionization Detection”), estando o detetor montado no analisador Iatroscan MK5 da Iatron Laboratories Inc., Fig. 1. As condições de análise utilizadas estão de acordo com um procedimento anteriormente descrito [16].

Fig.1. Equipamentos de ensaio existentes no LNEC para: a) Análise por TLC-FID; b) Análise por HP-GPC; c) Análise Reológica

(a) (b) (c)

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2.5 Caracterização da estrutura

A estrutura dos betumes foi avaliada por duas vias, uma delas, associada ao perfil coloidal, envolveu a determinação da proporção relativa dos aglomerados das micelas de asfaltenos e a outra envolveu a observação direta da superfície dos betumes através da microscopia de força atómica (AFM - Atomic Force Microscopy). A análise por AFM foi efetuada apenas nos betumes de origem (não envelhecidos).

Através da resposta dos sistemas betuminosos aquando da análise por cromatografia de alta pressão por permeação em gel (HP-GPC, High Pressure Gel Permeation Chromatography), em condições específicas desenvolvidas por Brûlé et al [5], procura-se aceder ao perfil da estrutura coloidal (Fig.2). De acordo com essa aproximação, através da área do pico do cromatograma atribuído à população dos aglomerados das micelas dos asfaltenos (“pico de interação”) determina-se a proporção relativa deste tipo de estruturas. As condições de análise utilizadas estão de acordo com um procedimento anteriormente descrito [16] (Fig.1).

Fig.2. Interpretação do cromatograma HP-GPC de acordo com o modelo de estrutura coloidal dos betumes [5] [17].

A microestrutura da superfície dos betumes de origem (não envelhecidos) foi caracterizada por AFM, usando um microscópio NanoScope 3D da Veeco/Digital Instruments, nas condições ambientais de temperatura e humidade. Usaram-se sondas de silício com pontas de raio nominal < 10 nm, com 42 N.m-1 de constante de mola e com 320 kHz de frequência de ressonância livre nominal. Fizeram-se varrimentos em áreas de 5x5 µm2 até 15x15 µm2 no modo de contacto intermitente adquirindo-se imagens topográficas e de diferença de fases.

2.6 Caracterização reológica

A caracterização reológica dos betumes foi efetuada por espectrometria mecânica, num reómetro (Fig.1) rotacional de tensão controlada, Bohlin Gemini 200 (Malvern), com varrimento de frequência, de 0,1 rad/s a 100 rad/s, em condições isotérmicas de 20ºC, 40ºC, 50ºC e 60ºC. As medições foram realizadas na região de comportamento viscoelástico linear, com a geometria de pratos paralelos com 8 mm de diâmetro (PP8), para as temperaturas até 40ºC, e com 20 mm de diâmetro (PP20), para as temperaturas de 50ºC e 60ºC. A distância entre pratos foi mantida a 1 mm e a 2 mm aquando da utilização, respetivamente, da geometria PP20 e PP8. Para a realização dos ensaios seguiram-se indicações da EN 14770 [18], nomeadamente, no que se refere às condições preparação dos provetes.

Aglomerados de asfaltenos

Micelas individuais de asfaltenos

3,5 4,5 5,5 6,5 7,5 8,5 9,5 10,5 11,5

DO

Meio Intermicelas(saturados e aromáticos)

V (ml)

Aglomerados de asfaltenos

Micelas individuais de asfaltenos

3,5 4,5 5,5 6,5 7,5 8,5 9,5 10,5 11,5

DO

Meio Intermicelas(saturados e aromáticos)

V (ml)

Pico de

interação

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3 APRESENTAÇÃO E ANÁLIE DOS RESULTADOS

3.1 Caracterização através de propriedades das especificações

Os valores da penetração com agulha e da temperatura de amolecimento obtidos na caracterização dos betumes 50/70-A e 50/70-B, antes e após envelhecimento, e os preconizados na NP EN 12591 [1] são apresentados no Quadro 1. Neste quadro apresenta-se também os valores de variação de massa após o envelhecimento pelo método RTFOT.

Quadro 1. Penetração, temperatura de amolecimento e variação de massa – valores preconizados na NP EN 12591 [1] e valores obtidos na caracterização dos betumes 50/70-A e 50/70-B

Betumes Envelhecimento Penetração Penetração retida

Temperatura de

amolecimento

Aumento da temperatura de amolecimento

Variação de massa após

RTFOT [0,1 mm] [%] [ºC] [ºC] [%]

50/70 (1) - 50-70 - 46-54 - -

RTFOT - ≥ 50 - ≤ 11 (2) ≤ 0,5

- 55 - 50,0 - -

50/70-A RTFOT 39 71 52,2 2,2 +0,03

RTFOT+PAV 24 44 57,6 7,6 -

- 56 - 50,8 - -

50/70-B RTFOT 30 54 57,8 7,0 -0,08

RTFOT+PAV 17 30 68,2 17,4 -

(1) Valores preconizados na especificação NP EN 12591 para betumes do tipo 50/70.

(2) Limite recomendado no anexo NA - Classes de betumes de pavimentação mais utilizadas em Portugal - da NP EN 12591.

Os betumes 50/70-A e 50/70-B cumprem as especificações, constatando-se também que inicialmente (antes do envelhecimento) têm entre si valores idênticos. O envelhecimento pelo método RTFOT provoca o endurecimento, traduzido pela diminuição da penetração e pelo aumento da temperatura de amolecimento. Esse aumento da consistência é maior no betume 50/70-B, evidenciando-se a sua menor resistência ao envelhecimento comparativamente ao 50/70-A, mas, contudo, ambos os betumes continuam a cumprir as especificações. Assinala-se também que os dois betumes têm diminutas variações de massa após RTFOT.

Quando se passa para o nível seguinte de envelhecimento, ou seja, após o condicionamento no PAV, há uma demarcação mais acentuada entre os dois betumes, em que o 50/70-A se distingue ainda mais pela sua maior resistência ao envelhecimento. O betume 50/70-B ganha um nível de consistência compatível com a de um betume 10/20 (NP EN 13924 [19], Anexo NA - Classes de betumes duros de pavimentos mais utilizadas em Portugal). Denota-se ainda que o betume 50/70-A atinge uma temperatura de amolecimento idêntica à do 50/70-B após o RTFOT e que a sua penetração fica entre as dos dois níveis de envelhecimento do 50/70-B.

3.2 Caracterização da composição química

Os betumes 50/70-A e 50/70-B são diferentes no que diz respeito à composição química, tal como se pode constatar através dos resultados apresentados no Quadro 2. O betume 50/70-A tem menores proporções de saturados e de asfaltenos e tem uma proporção mais acentuada de aromáticos.

Efetuado o processo de envelhecimento, verifica-se que o balanço final, isto é, a evolução entre os estádios inicial e após a sequência de condicionamento RTFOT+PAV, em ambos os betumes se traduz pelo aumento da

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proporção de asfaltenos acompanhado pela diminuição da fração de aromáticos. Deste modo, confirma-se que o envelhecimento ocorre com o aumento da polaridade dos constituintes dos betumes devido, designadamente, a reações de oxidação com o oxigénio do ar, apontando-se como precursores os compostos da fração dos aromáticos. Contudo, constata-se que esta evolução é mais acentuada no betume 50/70-B. Em termos de asfaltenos, assinala-se que o betume 50/70-A atinge após o processo total de envelhecimento (RTFOT+PAV) um nível de asfaltenos (12,9%) menor que o encontrado no 50/70-B no estádio inicial (14,5%).

Quadro 2. Composição química dos betumes 50/70-A e 50/70-B antes e após envelhecimento

Betumes Envelhecimento Saturados Aromáticos Resinas C7-Asfaltenos

[%] [%] [%] [%]

50/70-A

- 3,1±0,3 58,5±1,6 28,8±1,5 9,6

RTFOT 1,9±0,1 61,8±1,7 26,2±1,6 10,1

RTFOT+PAV 2,0±0,3 54,5±1,8 30,6±1,8 12,9

50/70-B

- 7,4±0,7 48,7±1,6 29,4±1,8 14,5

RTFOT 8,3±0,6 49,3±0,4 25,5±0,7 16,8

RTFOT+PAV 8,3±0,5 40,3±1,2 31,3±0,9 20,1

3.3 Caracterização da estrutura

As imagens topográficas recolhidas à superfície dos betumes de origem (não envelhecidos) por AFM – Fig.3 - são caracterizadas pela presença de elementos de descontinuidade, representados por um conjunto de zonas claras (elevações) e escuras (depressões) que se sucedem alternadamente e que têm sido denominados por abelhas ou por catanas [6-9]. Há, contudo, diferenças de destaque nessas microestruturas: no betume 50/70-A as catanas apresentam-se com dimensões bastante mais reduzidas.

Fig.3. Imagens topográficas de AFM dos betumes 5070-A e 5070-B

Tomando o pico de interação obtido na análise por HP-GPC como resultante da população dos aglomerados das micelas de asfaltenos, denotam-se diferenças entre os betumes 50/70-A e 50/70-B, tal como se pode constatar pelos resultados da Fig.4. O betume 50/70-A é caracterizado por uma proporção de aglomerados cerca de quatro vezes menor que a do 50/70-B.

Com o envelhecimento há o incremento progressivo da proporção de aglomerados com evoluções diferentes consoante o betume. No betume 50/70-A essa evolução ocorre com o aumento para o dobro após o RTFOT e de três vezes com o envelhecimento no PAV. Essa progressão é mais acentuada que no betume 50/70-B, no qual se detetam aumentos de 25% e de 50% no percurso de envelhecimento. Apesar desta evolução, o betume 50/70-A após envelhecimento no PAV continua a ter uma menor proporção de aglomerados que o betume 50/70-B inicial.

50/70-A 50/70-B

7

Betume Envelhecimento Aglomerados

(%)

50/70 A

- 2,1±0,1

RTFOT 4,5±0,1

RTFOT+PAV 6,8±0,1

Betume Envelhecimento Aglomerados

(%)

50/70 B

- 8,0±0,1

RTFOT 10,2±0,2

RTFOT+PAV 12,5±0,4

Fig.4. Cromatogramas HP-GPC e proporção de aglomerados dos betumes antes e após envelhecimento

3.4 Caracterização reológica

A análise por espectrometria mecânica dos betumes 50/70-A e 50/70-B, antes e após envelhecimento, permitiu a determinação do módulo conservativo (G’(ω) - componente elástica do módulo de distorção dinâmico) e da viscosidade complexa (em módulo, |η*|) a diversas temperaturas. As correspondentes curvas são apresentadas na Fig. 5 e na Fig.6.

Os betumes 50/70-A e 50/70-B têm inicialmente, ou seja, antes do processo de envelhecimento, comportamentos viscoelásticos distintos e dependentes da temperatura de ensaio:

− A 20ºC, o betume 50/70-A tem maiores módulos na gama das frequências mais elevadas, mas com o aumento da temperatura é o betume 50/70-B que passa a exibir maiores módulos (Fig.5), sendo mais notório o distanciamento das curvas dos dois betumes a partir de 50ºC, ou seja, a partir da temperatura de amolecimento. O aumento da temperatura leva assim a maiores desfasamentos entre os módulos dos dois betumes;

− A 20ºC é também o betume 50/70-A que tem maiores viscosidades (Fig.6), contudo, a posição das curvas vai-se invertendo com o aumento da temperatura.

Os envelhecimentos provocam o aumento do módulo e da viscosidade, verificando-se a tendência para uma evolução mais significativa no betume 50/70-B acima dos 20ºC. Este betume apresenta, assim, uma menor

0

0,5

1

1,5

2

0 5 10 15 20

Sin

al

do

de

teto

r

Tempo (min)

50/70-B

50/70-B+RTFOT

50/70-B+RTFOT+PAVPico de interação

0

0,5

1

1,5

2

0 5 10 15 20S

ina

l d

o d

ete

tor

Volume (ml)

50/70-A

50/70-A+RTFOT

50/70-A+RTFOT+PAV

Pico de interação

8

resistência ao envelhecimento que o 50/70-A. Denota-se que na gama das temperaturas mais elevadas as funções materiais do betume 50/70-A após RTFOT+PAV estão mais próximas das do betume 50/70-B após RTFOT do que as do mesmo betume após RTFOT+PAV.

Fig.5. Módulo conservativo a diferentes temperaturas (20ºC, 30ºC, 40ºC, 50ºC e 60ºC) dos betumes antes e após envelhecimento

1,00E+01

1,00E+02

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E+06

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

G' (Pa)

ω (rad/s)

Módulo conservativo, T = 50ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

1,00E+00

1,00E+01

1,00E+02

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

G' (Pa)

ω (rad/s)

Módulo conservativo, T = 60ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E+06

1,00E+07

1,00E+08

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

G' (Pa)

ω (rad/s)

Módulo conservativo, T = 20ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

1,00E+02

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E+06

1,00E+07

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

G' (Pa)

ω (rad/s)

Módulo conservativo, T = 40ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

9

Fig.6. Viscosidade complexa (em módulo) a diferentes temperaturas (20ºC, 30ºC, 40ºC, 50ºC e 60ºC) dos betumes antes e após envelhecimento

4 CONCLUSÕES

No presente trabalho fez-se uma avaliação de dois betumes do tipo 50/70 (50/70-A e 50/70-B), provenientes de distintas ramas de petróleo e que foram obtidos através de diferentes processos de refinação, tendo como objetivo a sua caracterização para além das especificações europeias, ou seja, ultrapassando a barreira da consistência dada pela penetração e temperatura de amolecimento. Assim, numa primeira fase fez-se uma comparação dos dois betumes focada no seguinte: a) composição química – através da separação de frações genéricas de compostos, diferenciados pela polaridade: saturados, aromáticos, resinas e asfaltenos; b) estrutura –

1,00E+05

1,00E+06

1,00E+07

1,00E+08

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

|η*| (Pa.s)

ω (rad/s)

|Viscosidade complexa|, T = 20ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E+06

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

|η*| (Pa.s)

ω (rad/s)

|Viscosidade complexa|, T = 40ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

1,00E+02

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

|η*| (Pa.s)

ω (rad/s)

|Viscosidade complexa|, T = 50ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV1,00E+02

1,00E+03

1,00E+04

1,00E+05

1,00E-02 1,00E+00 1,00E+02

|η*| (Pa.s)

ω (rad/s)

|Viscosidade complexa|, T = 60ºC

50/70-A

50/70-A + RTFOT

50/70-A + RTFOT + PAV

50/70-B

50/70-A + RTFOT

50/70-B + RTFOT + PAV

10

através da análise da superfície por microscopia de força atómica (AFM) e por aproximação indireta ao modelo coloidal, mediante a análise por cromatografia de alta pressão por permeação em gel (HP-GPC), com determinação da proporção de aglomerados de micelas de asfaltenos c) reologia - através de ensaios de espectrometria mecânica, com determinação do módulo conservativo e da viscosidade complexa. Numa segunda fase do trabalho fez-se uma avaliação da resistência ao envelhecimento dos betumes, usando a mesma metodologia de caracterização, o que permitiu acompanhar a evolução ao longo de um processo de envelhecimento praticado em laboratório que contemplou duas etapas: envelhecimento pelo método RTFOT e posterior envelhecimento no PAV.

Os betumes 50/70-A e 50/70-B têm valores idênticos de penetração e de temperatura de amolecimento, contudo distinguem-se relativamente à composição química, estrutura e propriedades reológicas. O betume 50/70-A diferencia-se do 50/70-B pelo seguinte: menores proporções de saturados e de asfaltenos e uma maior proporção de aromáticos; microestrutura caracterizada pela presença de uma dispersão bastante mais fina de catanas e com um proporção bastante menor de aglomerados (cerca de quatro vezes menor); valores de módulo conservativo e de viscosidade complexa distintos dos do 50/70-B, salientando-se a tendência para módulos mais baixos, que se vão tornando mais distanciandos na gama das temperaturas mais elevadas.

Confirma-se que o envelhecimento provoca alterações nas propriedades dos betumes. A consistência após o RTFOT é aumentada, mas dentro dos requisitos das especificações europeias. Apesar disso, há um maior endurecimento do betume 50/70-B, constatando-se também que este chega a atingir uma consistência de um betume 10/20 após envelhecimento no PAV; já o 50/70-A mantém-se após o condicionamento no PAV com uma temperatura de amolecimento idêntica à do betume 50/70-B após o RTFOT. Estes resultados dão conta de um betume 50/70-A com maior resistência ao envelhecimento relativamente à consistência.

Quando se comparam os betumes envelhecidos em termos de composição química, mais especificamente em relação à quantidade de asfaltenos, e em termos das propriedades viscoelásticas - módulo conservativo e viscosidade complexa - são demarcadas as diferenças na evolução do grau de envelhecimento: o betume 50/70-A apresenta-se com maior resistência ao envelhecimento. É, no entanto, ao nível da estrutura, associada à proporção de aglomerados de micelas de asfaltenos, que o betume 50/70-A se destaca mas pela evolução mais acentuada. Contudo, nessa evolução atinge-se uma proporção de asfaltenos após o envelhecimento no PAV que mesmo assim fica abaixo do valor encontrado no outro betume no estado inicial (antes do envelhecimento).

Como conclusão final refere-se que dois betumes cujas consistências cumprem as especificações europeias típicas de betumes 50/70 se revelam diferentes quando se atende à sua composição química, estrutura e propriedades viscoelásticas. O envelhecimento praticado em laboratório mostra diferenças entre os betumes na resistência à evolução daquelas propriedades, o que dá indício de possíveis comportamentos com desenvolvimentos diferentes ao longo do tempo de serviço no pavimento.

5 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Doutora Elsa Pereira, do Núcleo de Materiais Metálicos do LNEC, e à Engª Olga Regina pela realização das análises por microscopia de força atómica. Agradece-se também à Galp Energia pela disponibilização dos betumes analisados neste estudo.

6 REFERÊNCIAS

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