as políticas culturais de frança e estados unidos no brasil

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Fernando Santomauro “As Políticas Culturais de França e Estados Unidos no Brasil” MESTRADO EM HISTÓRIA Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Pedro Tota SÃO PAULO 2007

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Tese de Mestrado em História, de Fernando Santomauro, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ano de 2007.

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC-SP

    Fernando Santomauro

    As Polticas Culturais de Frana e Estados Unidos no Brasil

    MESTRADO EM HISTRIA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    como exigncia parcial para a obteno do ttulo

    de MESTRE em Histria, sob a orientao do

    Prof. Dr. Antonio Pedro Tota

    SO PAULO

    2007

  • Banca Examinadora

    Prof. Dr. Hugo Suppo (Histria e Relaes. Internacionais

    / UERJ)

    Prof. Dr. Cludio Couto (Cincia Poltica e Relaes

    Internacionais/ PUC-SP)

    Prof. Dr. Antonio Pedro Tota Orientador (Histria e

    Relaes Internacionais / PUC-SP)

  • Para o brilho nos olhos de minha me e ao sorriso luminoso de meu pai.

  • AGRADECIMENTOS

    Gostaria de agradecer Capes pela bolsa de estudos durante o primeiro semestre de

    2007 na PUC/SP e principalmente todos aqueles que fizeram parte de minha trajetria

    at agora. No meu caminho pessoal, os meus pais, Edgar e Silvia, meus irmos, Beatriz

    e Renato, meus tios, primos e avs, por todo amor e sem os quais eu no seria o mesmo;

    agradeo minha namorada, Maria Carolina, minha fonte de alegria e amor, sem a qual

    eu mesmo no seria possvel, pela sua amizade, companhia e confiana nestes ltimos

    anos; agradeo tambm aos meus amigos do Brasil: Alberto, Ana Luza, Borny, Brunos

    (Benatti e Langeani), Car, Cler, Felipe, Jean (pela amizade e ajuda na traduo), Jos

    Maurcio, Juliana, Laio, Lo, Marcelo, Marco Antnio, Maurcio, Nardini, Paulinha,

    Ricardos (Cruz, Drummond e Neves) e Vivian, pela fora e alegria de sempre.

    Muito obrigado tambm aos amigos e companheiros da Frana, pelo calor humano e

    nimo: agradeo muitssimo principalmente a Andrea Fuentealba, pelo estmulo e ajuda

    inestimvel que tornaram possvel a minha viagem a Paris, meus estudos e pesquisa na

    Frana. Tambm agradeo imensamente a Alain, Benou, Diogo, Gabriela, Iulia, Kelly,

    Lo, Liliana, Luisa, Mathieu, Marina, Marlia, Paola e Yann.

    Tambm agradeo aos professores, fundamentais na minha formao e no processo de

    amadurecimento deste tema: Jos Augusto Guilhon Albuquerque, Henrique Altemani,

    Oliveiros S. Ferreira, o diplomata Jos Roberto de Andrade Filho e a meu orientador e

    amigo Antnio Pedro Tota. Tambm agradeo aos meus professores e orientadores na

    Frana: Dennis Rolland, Pierre Melandri (Sciences Po) e Olivier Compagnon (IHEAL).

    As crticas e contribuies dos Professores Oliveiros S. Ferreira e Cludio Couto

    durante minha qualificao, tambm foram de extrema importncia para o

    enriquecimento desta dissertao.

    Gostaria tambm de agradecer colaborao dos Departamentos de Histria da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, do Instituto de Estudos Polticos de Paris

    (Sciences Po) e Instituto de Altos Estudos de Amrica Latina / Sorbonne III por

    acolherem minha pesquisa, alm das equipes dos Arquivos do Ministrio das Relaes

    Exteriores da Frana, em Paris, e do Arquivo Histrico do Itamaraty, no Rio de Janeiro,

    pelo seu precioso trabalho e por abrirem a mim suas portas.

  • As Polticas Culturais de Frana e Estados Unidos no Brasil

    Fernando Santomauro

    RESUMO

    O objetivo principal desta dissertao observar como a Poltica Cultural nas

    Relaes Internacionais se estrutura e dirigida quando adotada como instrumento

    poltico ou um complemento importante para a consecuo dos interesses de um pas no

    exterior. Para isso, com base nos estudos sobre o assunto e principalmente na pesquisa

    documental dos arquivos diplomticos, foram analisadas as Polticas Culturais de

    Frana e Estados Unidos no Brasil no perodo do entre-guerras.

    Palavras-chave: Poltica Cultural Internacional, Cultura e Relaes Internacionais,

    Service des Oeuvres Franaises ltranger, Office of the Coordinator of Inter-American Affairs.

  • The Cultural Policies of France and United States in Brazil

    Fernando Santomauro

    ABSTRACT

    The main goal of this Masters Thesis is to observe how a Cultural Policy is

    structured and directed in International Relations as a political instrument or important

    complement to achieve the interests of a country abroad. Based on the main studies of

    the area and mainly on the documental research of diplomatic files, the Cultural Policies

    of France and United States in Brazil in the interwar period were analysed.

    Keywords: International Cultural Policies, Culture and International Relations,

    Service des Oeuvres Franaises ltranger, Office of the Coordinator of Inter-American Affairs.

  • Sumrio

    A.Introduo......................................................................................................................2

    A.1.Justificativa e Delimitao do Tema...........................................................................3

    A.2. A Cultura nas Relaes Internacionais: Poltica Cultural, Diplomacia Cultural e

    Diplomacia Pblica............................................................................................................4

    A.3. Uma anlise metodolgica sobre as escolas das Relaes Internacionais e a Poltica

    Cultural Internacional........................................................................................................9

    A.4. A contribuio da Histria para o estudo da Cultura nas Relaes Internacionais

    (Histria Cultural e Relaes Internacionais)..................................................................13

    1. Primeiro Captulo: A Poltica Cultural Francesa e sua atuao no Brasil at a 1

    Guerra Mundial................................................................................................................20

    2. Segundo Captulo: A formao da estratgia da Poltica Cultural Francesa e a ao

    cultural francesa de 1920-1939........................................................................................40

    2.1 A criao do Service des Oeuvres Franaises ltranger.......................................46

    2.2. As Misses Universitrias francesas e dois personagens emblemticos: Georges

    Dumas e Claude Lvi-Strauss..........................................................................................54

    2.3. A Frana de Ptain e de Gaulle (1940-1944): a diviso do SOFE...........................74

    3. Terceiro Captulo: a Poltica Cultural Americana at o fim da 2a Guerra................86

    3.1. A Poltica Cultural Norte-Americana no exterior antes da 1 guerra.......................87

    3.2. Wilson, George Creel e a experincia do CPI na 1 Guerra.....................................89

    3.3. Dcada de 20 e 30 As Fundaes americanas fazem a Poltica Cultural americana

    no exterior........................................................................................................................93

    3.4. Roosevelt e a Diviso de Relaes Culturais.........................................................100

    3.5. Os EUA, a 2a Guerra e o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs103

    3.6. OSS e OWI: Outras agncias americanas durante a 2 Guerra...............................111

    3.7. A Diplomacia Cultural americana no ps-2 Guerra: Fulbright e USIA................115

    4. Concluso.................................................................................................................117

    5. Anexos......................................................................................................................126

    6. Bibliografia e Referncias de fontes de documentos............................................130

  • 2

    INTRODUAO

    A histria das relaes internacionais deve imperativamente estar conjugada s outras

    histrias. Quando o cultural se torna, pela ausncia de outras, a alma retrica e s vezes

    sentimental de uma relao poltica, o historiador deve, mais do que nunca, procurar no

    fechar o espectro de seu ponto de vista sob pena de miopia1

    Denis Rolland

    1 Lhistoire de relations internationales doit imprativement tre conjugue dautres histoires.

    Lorsque le culturel devient, par dfaut, lme rhtorique et parfois sentimentale dun lien politique, lhistorien doit, plus que jamais, veiller ne pas fermer langle de prise de vue sous peine de myopie. (Traduo minha com Jean Tible). Em ROLLAND, Denis. La crise du modle franais: Marianne et

    Lmrique latine: culture, politique et identit. Paris, LHarmattan. 2000. P. 20.

  • 3

    A. Introduo : A Poltica Cultural nas Relaes Internacionais

    O objetivo principal desta dissertao observar como a Poltica Cultural nas

    Relaes Internacionais se estrutura e dirigida quando adotada como instrumento

    poltico ou um complemento importante para a consecuo dos interesses de um pas no

    exterior. Pretende-se fazer isso atravs da anlise das Polticas Culturais de Frana e

    Estados Unidos no Brasil no perodo do entre-guerras.

    A.1. Justificativa e Delimitao do tema

    Entre as anlises de Poltica Internacional, as dimenses militares, estratgicas e

    econmicas so tradicionalmente as mais levadas em considerao2, mas outros

    importantes aspectos para a compreenso da estratgia dos Estados e das Relaes

    Internacionais muitas vezes so deixados de lado3.

    Em um mundo que assistiu a potencializao da cultura de massas e a

    intensificao das relaes entre os pases, os estudiosos de Relaes Internacionais

    devem pensar a racionalidade das aes dos Estados atravs de seus diversos

    instrumentos e de seus mltiplos aspectos4.

    O seguinte estudo se debruar sobre as Polticas Culturais de Frana e Estados

    Unidos no Brasil e como foram usadas como armas de mobilizao e influncia das

    elites polticas e econmicas brasileiras durante o perodo do entre-guerras (1919-1939).

    Atravs destes casos especficos, a dissertaao destacar a Poltica Cultural

    Internacional como tema relevante nos estudos polticos internacionais.

    2Principalmente na viso realista das Relaes Internacionais, que tem uma grande tradio de pensadores

    desde Tucdides, Maquiavel, Hobbes e mais recentemente Kissinger e Brzezinski. Mais adiante este

    debate ser desenvolvido. 3 Joseph S. Nye Jr. defende a importncia do Soft Power nas Relaes Internacionais e como os EUA

    podem utilizar no s os instrumentos clssicos (Hard Power) para atender os seus interesses no exterior, em NYE, Joseph. Soft power. New York, Public Affairs, 2004. 4 Neste sentido, o historiador francs Jean-Franois Sirinelli tambm aponta para a importncia deste tipo

    de anlise para melhor entender o perodo, no Prefcio do livro Histoire Culturelle des Relations internationales: Carrefour methodologique. Diz Sirinelli na pg.9: Quer dizer que esse campo, de anlise comum entre historiadores da cultura e historiadores das relaes internacionais, no s estendeu-

    se em tamanho, mas tambm como elemento de anlise e explicao do metabolismo das sociedades do

    sculo XX (traduo minha com Jean Tible).

  • 4

    Desde os anos 1960 os estudos das relaes culturais entre os pases se

    desenvolvem principalmente na Frana e nos Estados Unidos, valorizando-se a chamada

    4 dimenso da poltica exterior, que segundo Coombs completaria as dimenses

    poltica, econmica e estratgica da Poltica Externa5.

    A partir da pesquisa documental nos arquivos dos Ministrios das Relaes

    Exteriores da Frana (Quai dOrsay) e do Brasil (Itamaraty), observaremos que a

    questo da Poltica Cultural Internacional foi presente na Poltica Externa francesa

    desde o sculo XVI, e atravs da anlise dos documentos e obras sobre os Estados

    Unidos (principalmente sobre o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs),

    veremos que a cultura como elemento de Poltica Externa tambm apareceu

    principalmente a partir das primeiras dcadas do sculo XX.

    Por essa razo fundamental que o estudo das relaes internacionais no ignore

    estas estratgias e d maior ateno s aes estatais que tentam atingir os interesses

    nacionais em outros pases atravs da cultura. isso o que a seguinte dissertao se

    prope a discutir.

    A.2. A Cultura nas Relaes Internacionais: Poltica Cultural, Diplomacia

    Cultural e Diplomacia Pblica

    Com o aumento das relaes culturais internacionais em vrias reas e o avano

    das comunicaes entre os pases, principalmente desde o final do sculo XIX, a

    questo do contato cultural presente nas relaes internacionais, indiscutivelmente,

    mas ela pode ser analisada de diferentes maneiras.

    Para definirmos nosso objeto de pesquisa, antes de tudo temos que partir de trs

    distines fundamentais: a primeira, que diferencia as relaes culturais internacionais e

    a poltica cultural internacional estatal; a segunda, que diferencia a Poltica Cultural

    5 Em Coombs, Philip H. The Forth Dimension of Foreign Policy: Educational and Cultural Affairs. New

    York: Harper & Row, 1964.

  • 5

    Internacional da Poltica Cultural Nacional e a terceira, entre os conceitos de Poltica

    Cultural Internacional, Diplomacia Cultural e Diplomacia Pblica.

    No que diz respeito primeira distino, podemos dizer que as relaes culturais

    internacionais so marcadas pela mutualidade e cooperao, seguindo uma das tradies

    norte-americanas (analisada mais frente). Segundo J. Mitchell6 "O objetivo das

    relaes culturais no necessariamente o de atingir uma vantagem unilateral. Na

    maioria das vezes, seu objetivo alcanar o entendimento e a cooperao entre as

    sociedades nacionais para o seu mtuo benefcio.

    J a Poltica Cultural Internacional, seria definida nesta mesma obra: "Como um

    aspecto da diplomacia, ela normalmente conduzida por diplomatas. Ela se alinha

    poltica oficial e ao interesse nacional. Seu objetivo principal o poltico ou o

    econmico.

    A segunda diferenciao entre a Poltica Cultural Internacional e a Poltica

    Cultural no mbito nacional que esta ltima " entendida habitualmente como

    programa de intervenes realizadas pelo Estado, instituies civis, entidades privadas

    ou grupos comunitrios com o objetivo de satisfazer as necessidades culturais da

    populao e promover o desenvolvimento de suas representaes simblicas".7

    Enquanto que a Poltica Cultural Internacional especfica por ser implementada

    pelo Estado (na maioria dos casos pela Diplomacia e em outros por outros atores

    estatais), por agir no mbito internacional e por ser dirigida para a consecuo de

    objetivos estatais, sejam eles polticos, estratgicos, econmicos ou ideolgicos.

    A terceira diferenciao pretende distinguir conceitos comuns que muitas vezes

    so usados para o mesmo objeto, dependendo da abordagem e do campo de estudo, so

    eles: Poltica Cultural Internacional, Diplomacia Cultural e Diplomacia Pblica.

    6 The purpose of cultural relations is not necessarily, and in advance thinking hardly at all, to seed one-

    sided advantage. At their most effective, their purpose is to achieve understanding and co-operation

    between National societies for their mutual benefit" e As an aspect of diplomacy it is normally carried out abroad by diplomatic staff. It is closely aligned to official policy and national interest. Its ulterior

    purpose is political or economic". Em MITCHELL, J. M. International Cultural Relations. London,

    Allen&Unwin, 1986. (traduo minha) 7 Teixeira Coelho, Dicionrio Crtico de Poltica Cultural, pg.293, Iluminuras, SP, 1999.

  • 6

    Entre estes trs termos, o que ser aqui adotado o de Poltica Cultural

    Internacional, pois contempla a idia de uma Poltica Cultural do Estado no exterior,

    abrangendo no s as aes de Poltica Cultural executadas pela Diplomacia estatal

    (normalmente regida especificamente pelo Ministrio das Relaes Exteriores ou rgo

    equivalente), mas tambm atravs das polticas de educao, propaganda, informao

    ou comunicaes, estabelecidas por outros ministrios ou departamentos do Estado.

    Geralmente usado pelos estudiosos americanos, o conceito de Diplomacia

    Cultural8 no carrega em si uma definio exata e em muitos casos confundido com

    conceito de Diplomacia Pblica, que tem outras peculiaridades.

    Arndt9 define bem os principais problemas do conceito de Diplomacia Cultural:

    A Diplomacia Cultural mal-entendida porque ela complexa, prolfica e multi-

    facetada. Tambm discreta, pois seus benefcios so quase invisveis. Na rea da

    Informao, livros americanos auto-elogiosos sobre a United States Information Agency

    ou sobre Diplomacia Pblica, como chamada desde 1978 - enchem as prateleiras.

    Mas os raros livros sobre diplomacia cultural que formam conceitos, padres e do

    contribuies. Na maioria das vezes se perdem na densa linguagem do mundo

    universitrio.

    H ainda o conceito de Diplomacia Pblica, que como dito acima, aparece

    principalmente nos estudos sobre a Agncia de Informao dos Estados Unidos (USIA).

    Edward R. Murrow, diretor desta agncia durante o governo Kennedy, define a

    Diplomacia Pblica como interaes desejadas no somente pelos governos

    estrangeiros, mas principalmente por indivduos e organizaes no-governamentais,

    8 Este conceito tambm utilizado em um dos nicos textos brasileiros que tentam discutir

    metodologicamente esta abordagem, em HERZ, Mnica. A dimenso cultural das relaes

    internacionais: proposta terico-metodolgica, "Contexto Internacional", vol.6, Julho/1987. 9 Em ARNDT, Idem, Ibidem. Cultural diplomacy is ill-understood because it is complex, proliferant and

    multi-tasked. It is also reticent - its successes are most often invisible. On the information side, self-

    congratulatory American books on United States Information Agency - or on Public Diplomacy, as it has

    been called since 1978 line the shelves. But the rare book on cultural diplomacy, revealing concepts, patterns, and values, too often dips into the denser language of the university world

  • 7

    porm quase sempre vista como uma demanda dos governos, antes das necessidades

    particulares.10

    Segundo Nye11

    , a Diplomacia Pblica se caracteriza por trs aspectos: 1- A

    comunicao diria, atravs das agncias de notcias e imprensas externa e interna; 2- A

    comunicao estratgica, que visa nos mesmos moldes de uma campanha poltica,

    fortalecer smbolos e a imagem do pas no exterior em longo prazo; 3- Estabelecer

    vnculos duradouros com indivduos-chave de outros pases, a partir de convites para

    seminrios, cursos, conferncias e atravs de bolsas de estudo e treinamentos.

    Portanto o conceito de Diplomacia Pblica se distingue do de Diplomacia

    Cultural tambm pela participao de iniciativas no-governamentais e por dirigir as

    informaes e imagem positiva do pas, para construir relaes de longa durao com

    outros pases12

    .

    J os complexos conceitos de cultura e relaes culturais devem ser

    definidos com cuidado, pois abrangem uma ampla gama de discusses e podem trazer

    outros significados, diferentes aos que se propem neste estudo.

    Como exemplo do sentido que pretendemos considerar nesta dissertao,

    podemos citar o trecho que aparece na criao da Aliana Francesa, em 1883, que

    define uma ao cultural no exterior, como bem observa Matthieu: A Aliana

    Francesa se revelava aos olhos de muitos diplomatas e polticos como um instrumento

    indispensvel agora indispensvel para a ao cultural francesa na Amrica Latina. 13

    10

    Em NYE, idem, p.107, interactions aimed not only at foreign governments but primarily with nongovernmental individuals and organizations, and often presented as a variety of private views in

    addition to government views (traduo minha). 11

    Em NYE, idem, p.107. Segundo Nye, nesta mesma obra (p. 14), a capacidade de cooptao de um pas

    no depende s do governo, mas tambm de suas instituies privadas, imprensa e sociedade civil. 12

    Em TUCH, Hans N. Communicating with the world : U.S. public diplomacy overseas. New York, St.

    Martins Press, 1990, h uma definio de Diplomacia Pblica que aponta para o perfil essencialmente governamental da Diplomacia Pblica, ao contrrio da definio de Murrow, o que mostra a profuso de

    definies e falta de clareza de conceitos nesta rea. Diz Tuch: I define Public Diplomacy as a governments process of communicating with foreign publics in attempt to bring about understanding for its nations ideas and ideals, its institutions and culture, as well as its nationals goals and currents

    policies. 13

    lAlliance franaise se rvlait aux yeux de nombreux diplomates et hommes politiques comme um instrument dsormais indispensable laction culturelle franaise en Amrique latine (traduo minha com Jean Tible), em MATTHIEAU, Gilles. Une ambition sud-americaine: Politique Culturelle de la

    France (1914-1940). Paris, LHarmattan, 1991, Pg.101.

  • 8

    Nesse caso, o uso do termo cultura se aproxima mais da idia de civilizao e viso

    francesa de que os valores nacionais franceses so universais. 14

    Porm nem sempre os estudiosos de histria das relaes culturais internacionais

    tomam o devido cuidado no uso destes termos. Entende-se aqui como mais apropriado o

    termo de cultura que se aproxima de sua definio antropolgica, que traduz os valores,

    pensamentos e costumes de um grupo determinado ou uma Nao15

    .

    O termo relaes culturais entendido aqui como o conjunto de valores,

    costumes e idias ligadas a uma nao, que podem se estender e entrar em contato com

    outras culturas.16

    A seguinte dissertao se limita a fazer uma anlise histrica das formaes

    burocrticas estatais e das estratgias adotadas por Frana e EUA no Brasil, atravs das

    aes educacionais, da criao de institutos, departamentos ou at de ministrios

    especficos que visavam alcanar os interesses estatais no exterior.

    O perodo do entre-guerras uma ocasio propcia para percebermos o avano e

    a complexificao das estratgias culturais de Frana e Estados Unidos no Brasil, suas

    pecularidades e o uso poltico que estes Estados fazem de sua ao cultural no exterior.

    14

    Como definida tambm em ARNDT, RICHARD T. The first resort of kings American cultural diplomacy in the twentieth century. Washington D.C., Potomac Books, 2005. 15

    No so considerados nesta dissertao os dois outros sentidos conhecidos de cultura: o que foi

    primeiramente usado, que remonta aos romanos e que define cultura como cultivo (aproximado idia de

    produo); assim como o outro sentido, tambm geralmente usado, que traz a idia de cultura para definir

    as pessoas que teriam costumes mais sofisticados, pertencentes aos mais cultos e nobres, daqueles que tem domnio da etiqueta. H grande discusso sociolgica sobre esses conceitos. Uma referncia fundamental o livro Os alemes de Elias (ELIAS, NORBERT. Os alemes a luta pelo poder e a evoluo do habitus nos sculos XIX e XX. Rio de Janeiro, Ed. Jorge Zahar, 1997), onde so discutidos os

    conceito de Cultura e Civilizao - que depois sero retomados em Roger Chartier e na Histria Cultural.

    Um bom texto comentador de Elias o de WAIZBORT, Leopoldo. Questes no s alems. In Revista

    Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo, jun/1998. 16

    Este estudo no tem a pretenso de discutir o impacto das relaes culturais sob o vis sociolgico e

    antropolgico e de que maneira as relaes culturais entre os pases aconteceriam de acordo com estas

    vises.

  • 9

    A.3. Uma anlise metodolgica sobre as escolas das Relaes Internacionais e a

    Poltica Cultural Internacional

    Ao tentarmos justificar a relevncia da Poltica Cultural Internacional como

    instrumento efetivo das atividades estatais, atravs da pesquisa de fatos histricos e da

    anlise institucional das configuraes burocrticas estatais, preciso que antes

    situemos esta discusso entre as principais escolas de pensamento das Relaes

    Internacionais.

    Para contextualizar o tema proposto nas discusses tericas das Relaes

    Internacionais necessrio recorrermos aos conceitos mais bsicos da cincia poltica,

    que definem a formao do Estado Moderno e estabelecem a forma de anlise do poder

    entre os Estados Nacionais.

    Segundo a corrente Realista, paradigma terico das Relaes Internacionais, a

    questo central do Estado seria a obteno e a manuteno do poder necessrio para

    alcanar a realizao de seus interesses nacionais na relao com outros Estados.

    Neste sentido, os Estados Soberanos com interesses diversos causariam um

    conflito permanente no sistema internacional, j que no haveria um poder

    supranacional que detivesse os meios legtimos de coero e regulasse os conflitos

    interestatais efetivamente. 17

    Neste sistema internacional, os pases detentores de maior poder de influncia

    usam vrios instrumentos para consecuo de seus objetivos polticos e para manterem

    seu poder. Na lgica realista o aparato estratgico-militar o definidor das relaes de

    conflito de poder entre os Estados em ltima instncia.

    17

    Em HOBBES, Thomas. O Leviat, parte I e II, "Os Pensadores".SP, Abril Cultural, 1979. Fazendo uma

    breve e simplificada analogia com o Leviat de Hobbes, por exemplo, h entre os homens uma

    possibilidade latente de conflitos individuais, causados pela natureza egosta humana. A nica sada para

    que os homens garantissem sua segurana e sassem dessa anarquia seria abrindo mo de parte de sua

    liberdade e delegando seu poder ao Estado (Leviat), atravs do contrato social. Atravs de uma leitura

    weberiana, pode-se dizer que o Leviat detm o monoplio legtimo dos meios de coero e deve garantir

    a segurana de seus subordinados. Assim, os homens unidos, abrindo mo de suas liberdades, garantem

    sua segurana na unio de suas foras em torno de um bem comum: a segurana.

  • 10

    Porm, outros meios so usados no jogo de poder para influenciar ou facilitar as

    relaes no sistema internacional. Mesmo Raymond Aron18

    , uma referncia entre os

    tericos realistas, j indicava a importncia da anlise histrica para determinao de

    categorias de comportamento dos Estados. Ele aponta que a situao histrica, as

    condies geogrficas, econmicas e demogrficas, alm das determinantes morais

    resultantes das maneiras de ser e dos comportamentos desses Estados, so elementos

    que devem ser considerados.19

    A teoria Liberal das relaes internacionais se contrape realista e destaca a

    importncia de idias e instituies no ordenamento da sociedade internacional. Para os

    liberais, a paz internacional pode ser alcanada atravs do direito e de valores comuns

    que uniriam os pases e instituies internacionais.

    Esta linha considera a diplomacia como instncia "pacfica", pois agiria

    eficazmente na soluo dos conflitos entre os pases e na formao de compromissos

    jurdicos, como tratados e acordos bilaterais ou multilaterais. Para alcanar este

    consenso a diplomacia utiliza vrios meios para a cooperao entre os pases, seja nos

    campos econmico, poltico e cultural.

    Um representante contemporneo da escola Neoliberal o americano Joseph

    Nye. O autor desenvolve o conceito de Soft Power, que representaria a importncia de

    elementos no-militares na consecuo dos interesses estatais no sistema internacional

    atual. O Soft Power age pela cooptao ao invs da coero, se contrapondo ao que ele

    chama de Hard Power, conceito representante dos aspectos militar-estratgicos,

    prioritrios para a tica realista.

    18

    O prprio Aron tambm se insere como ator das Polticas Culturais francesas e americanas durante o

    ps-1 Guerra e na Guerra Fria.Ver documento do Ministrio das Relaes Exteriores da Frana, com

    instrues dirigidas a Aron para seminrio na URSS e observaes em SAUNDERS, F.S. The Cultural

    Cold War: The CIA and the World of Arts and Letters. USA, Ed. New press, 2000, sobre a participao

    de Aron no Congresso para a Liberdade Cultural. Outros intelectuais tambm passaram a ser personagens

    de polticas culturais, como por exemplo Jean Paul Sartre, Michel Foucault e Harold Laski.

    19

    Um timo texto comentador de Aron e de sua teoria das relaes internacionais se encontra no livro de

    GRIFFITS, Martin. 50 Grandes Estrategistas das Relaes Internacionais. So Paulo, Ed. Contexto,

    2004, pgs. 13 a 18. Sobre as categorias descritas, ver em ARON, Raymond. Peace and War. New York:

    Praeger, 1968, pg. 279.

  • 11

    A crtica de Nye a Nicolau Maquiavel, fundador da cincia poltica e da viso

    realista das relaes internacionais, ilustra bem esta oposio: Mais de quatro sculos

    atrs, Nicolau Maquiavel aconselhava prncipes na Itlia sobre a importncia de ser

    temido, mas do que amado. Mas no mundo atual, o melhor ser os dois. Ganhar

    coraes e mentes sempre foi importante, mas mais ainda na era da informao

    global.20

    Para a ao internacional dos pases, Nye prope uma combinao do Hard

    Power, til na preveno de ataques militares, proteo de fronteiras e aliados, com o

    Soft Power, fundamental para promover a democracia, os direitos humanos e abrir

    mercados no exterior.

    A viso Marxista uma possibilidade de anlise alternativa s correntes realista

    e liberal21

    e representa a abordagem cultural mais recorrente na bibliografia brasileira

    das relaes internacionais22

    , atravs do conceito de Imperialismo cultural.

    Um bom exemplo disso aparece em Octvio Ianni23

    , que afirma que Para que

    possam reproduzir-se, as relaes imperialistas de produo dependem da produo

    cultural, tanto quanto da material. Assim a viso marxista v o uso da cultura

    imperialista como elemento da dominao da burguesia imperialista sobre a

    burguesia dependente.

    Armand Matterlart tambm segue nesse sentido e destaca que a

    internacionalizao da produo colocou o problema da internacionalizao das

    mercadorias culturais.24

    A ltima corrente citada como referncia dentre as teorias de Relaes

    Internacionais o Construtivismo, que prope a viso mais crtica para uma sociologia

    20

    Em NYE, idem, p. 1. More than four centuries ago, Niccolo Machiavelli advised princes in Italy that it was more important to be feared than to be loved. But in todays world, it best to be both. Winning hearts and minds has always been important, but it is even more so in a global information

    age.(traduao minha) 21

    Tambm denominada Teoria Crtica das Relaes Internacionais. 22

    Segundo HERZ, idem, p. 84. 23

    IANNI, Octvio. Imperialismo e Cultura. Petrpolis, Vozes, 1979. 24

    MATTERLAT, Armand. Multinacionais e sistemas de comunicao. SP, Ed. Cincias Humanas, 1976,

    pg.10.

  • 12

    das relaes internacionais25 e pretende considerar a poltica, o contexto histrico, a

    economia e outros fatores na sua anlise, como a Cultura e a Sociedade.26

    Como bem define Stuart, O construtivismo sustenta, como uma de suas

    premissas mais importantes, que as estruturas profundas no sistema de estados so de

    natureza intersubjetiva e no somente material e que os interesses e identidades so

    sempre socialmente construdos, em processos histricos determinados e no esto

    objetivamente dados ou exogenamente determinados. Segundo essa viso, um sistema

    de Estados est composto tambm por uma sociedade de Estados que compartilham

    um repertrio de interesses, valores e normas, constituindo, em definitiva, a garantia de

    funcionamento do sistema 27.

    Como descreve Hopf, O Construtivismo considera tanto os poderes materiais

    quanto os discursivos como necessrios para o entendimento das relaes no mundo. Eu

    enfatizo ambos os poderes porque constantemente os construtivistas so

    desconsiderados por serem irRealistas, por acreditarem no poder do conhecimento,

    das idias, da cultura, da ideologia, da linguagem, ou seja, do discurso. A noo de que

    as idias so uma forma de poder, que poder mais do que a fora bruta e que os

    poderes materiais e discursivos esto relacionados, no so idias novas. A articulao

    do nexo entre poder/conhecimento de Michel Foucalt, a teoria de Antonio Gramsci de

    hegemonia ideolgica e a distino entre coero e autoridade feita por Max Weber, so

    todos precursores da posio construtivista sobre o poder na vida poltica. 28

    Apesar do reconhecimento da amplitude e das similitudes entre o

    Construtivismo e a proposta desta anlise, no se pretende escolher uma das correntes

    25

    Uma boa definio da abordagem construtivista a obra de HOPF, Ted. The promise of Constructivism

    in International Relations Theory. Ohio, Massachusetts Institute of Technology, 1998. 26

    I demonstrate the power of constructivist analytic frame to combine several related theories of political, economic and cultural behaviours into a comprehensive social theory COLLIEN, Michael Foreign Policy in a Constructed World, New York. Sharpe, 2000- pg.198. 27

    STUART, Ana Maria. Regionalismo e Democracia - uma construo possvel. So Paulo, Tese de

    doutorado em C. Poltica-FFLCH/USP, 2002. p.14. 28

    Hopf, idem, pg.177. Constructivism argues that both material and discursive power are necessary for any understanding of world affairs. I emphasize both because often constructivists are dismissed as

    unRealistic for believing in the power of knowledge, ideas, culture, ideology, and language, that is,

    discourse. The notion that ideas are a form of power, that power is more than a brute force, and that

    material and discursive power are related is not new. Michel Foucalts articulation of the power/knowledge nexus, Antonio Gramscis theory of ideological hegemony, and Max Webers differentiation of coercion from authority are all precursors to constructivisms position on power in political life.

  • 13

    das escolas tericas das Relaes Internacionais, pois os conceitos e a viso da cincia

    poltica e da Poltica Internacional no abarcam a proposta do seguinte estudo.

    Acima de tudo, o que se busca aqui uma anlise histrica das relaes

    internacionais. Como alerta Aron29

    , a anlise das relaes internacionais no pode se

    furtar de, conjuntamente, analisar seu contexto histrico.

    a viso da Histria Cultural, especificamente no seu mbito internacional, que

    dever ser adotada aqui como campo de anlise, no entanto sem a inteno de limitar as

    relaes internacionais a uma s tica.

    A.4. A contribuio da Histria para o estudo da Cultura nas Relaes

    Internacionais (Histria Cultural e Relaes Internacionais)

    A Histria Cultural, corrente que nasce a partir dos anos 1960 com as

    perspectivas abertas pela Nova Histria e pela Histria das mentalidades, apesar de

    recente, j conta com uma extensa bibliografia, principalmente na Frana.

    Roger Chartier, historiador francs fundamental para o desenvolvimento da

    Histria Cultural, destaca que nos anos 60, a histria cultural emerge como o campo

    mais utilizado e mais inovador da histria30, e absorve muitos elementos da anlise

    sociolgica da cultura e da sociedade moderna, como por exemplo a j citada

    abordagem sociolgica da Cultura com o sentido de Civilizao, de Norbert Elias. Por

    isso, a Histria Cultural de Chartier se firmou como um dos movimentos mais

    importantes dentro da Nova Histria.

    Entre os historiadores brasileiros, recentemente temos bons exemplos de obras

    que seguem neste sentido, como os volumes da obra Histria da vida privada no

    29

    ARON, Raymond. Quest-ce que quune thorie des Relations Internationales. Paris, RFSP, 1967. 30

    dans les annes 60, lhistoire culturelle merge comme le domaine le plus frquent et plus inovateur de la histoire (traduo minha com Jean Tible). Em CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise,

    lhistoire entre certitudes et inquietudes. Paris, Albin Michel, 1998, pg. 40.

  • 14

    Brasil31, que representam um importante e vasto trabalho sobre a histria social e

    cultural do Brasil.

    Porm so os estudos histricos que discutem as relaes entre Cultura e a

    Poltica Internacional que mais se aproximam da abordagem ambicionada nesta

    dissertao. Entre os estudos brasileiros sobre a Histria das Relaes Internacionais,

    podemos citar O imperialismo sedutor, de Antonio Pedro Tota, obra que inspira e

    dialoga diretamente com o que se pretende fazer neste trabalho. Paulo Eduardo Arantes,

    em Um departamento francs do ultramar, tambm foi importante referncia para o

    objeto estudado.32

    No entanto com exceo dos estudos j citados, no h muita variedade de

    estudos brasileiros no campo da Histria Cultural Internacional. A maior quantidade de

    obras nesta rea se localiza principalmente entre os autores franceses e norte-

    americanos, que se dedicam a estudar a Histria das Relaes Internacionais e a

    Cultura, no ou com o Brasil.

    Na Historiografia francesa mais recente so fundamentais as obras de Dennis

    Rolland, historiador do Instituto de Estudos Polticos de Strausbourg, que tem uma

    vasta obra sobre as relaes culturais Frana-Brasil33

    , principalmente o livro La crise

    du modle franais: Marianne et lAmrique latine. Culture, Politique et identit, que

    referncia fundamental para melhor entender as relaes entre estes dois pases e a

    anlise da Histria Cultural Internacional, tambm pela sua bibliografia e suas fontes

    documentais.

    Outro importante estudo francs entre as obras de Histria Cultural

    Internacional, enfocando principalmente as relaes entre Frana e Amrica do Sul, a

    31

    NOVAIS, Fernando A. (dir). Histria da vida privada no Brasil. So Paulo, Companhia das Letras,

    1997. O livro de SCHWARTZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador : D. Pedro II, um monarca nos

    trpicos. So Paulo, Companhia das Letras, 1998, tambm um bom exemplo, e faz um interessante

    dilogo entre a Histria e a Antropologia, abordando inclusive as relaes pessoais do imperador com

    intelectuais franceses da poca.

    32 TOTA, Antnio Pedro. O imperialismo sedutor. SP, Companhia das Letras, 2000. E ARANTES, Paulo

    Eduardo. Um departamento francs do Ultramar - estudos sobre a formao da cultura filosfica da Usp.

    So Paulo, Ed. Paz e Terra 1994 . Outros estudos tambm so importantes, como o livro de MOURA,

    Grson. Tio Sam chega ao Brasil, A penetrao cultural norte-americana, So Paulo, Brasiliense, 1985. 33

    As muitas obras de Denis Rolland sobre este tema esto descritas na Bibliografia desta dissertao.

  • 15

    do historiador Gilles Matthieu, chamada Une ambition sud-americaine: politique

    Culturelle de la France (1914-1940), pela sua anlise competente e vasta pesquisa

    documental deste perodo.

    O historiador argentino Hugo Suppo, hoje radicado no Brasil, tambm

    desenvolveu na Frana importantes estudos de Histria Cultural Frana-Brasil, se

    dedicando ao mesmo perodo aqui estudado, enfatizando as instituies, personagens-

    chave e a estratgia de propaganda francesa no Brasil at o fim da 2 Guerra

    mundial34

    .

    Por fim, para a descrio da Poltica Cultural Internacional da Frana no mundo

    aps a 2 Guerra, o livro Histoires de diplomatie culturelle des origines 1995,

    dirigido por Franois Roche e publicado em 1995 pelo prprio Ministrio das Relaes

    Exteriores da Frana, referncia para o estudo da estratgia cultural francesa do ps-2

    Guerra.

    Nos Estados Unidos, a bibliografia relacionada ao tema bem mais ampla e aqui

    se destacaro principalmente as produes dos tcnicos e funcionrios de instituies

    governamentais fundadas para desenvolver a Poltica Cultural Internacional.

    Para o caso da Poltica Cultural norte-americana no Brasil, referncia o livro

    The americanization of Brasil, de Gerald K. Haines, historiador e ex-funcionrio da

    CIA. Entre os estudos para a chamada Public Diplomacy, Wilson P. Dizard Jr., ex-

    funcionrio da United States Information Agency, escreve o Inventig public Diplomacy

    - The story of U.S. Information agency.35

    Mas entre os livros norte-americanos, a referncia mais importante para esta

    dissertao, pelo vasto cenrio traado sobre a Diplomacia Cultural Norte-americana,

    o The first resort of Kings American Cultural Diplomacy in the Twentieth Century,

    de Richard T. Arndt, ex-funcionrio da United States Information Agency (USIA).

    34

    O artigo de SUPPO, Hugo, Intelectuais e artistas nas estratgias francesas de propaganda cultural no Brasil (1940-44). Revista de Histria, So Paulo, SP. Usp, uma boa amostra de seus estudos. 35

    O livro Communicating with world- U.S. Public Diplomacy Overseas. An Institute for the study of Diplomacy Book, de Hans. N Tuch, tambm uma obra que ilustra bem o trabalho da United States information agency, onde seu autor trabalhou como agente de relaes pblicas.

  • 16

    Entre os acadmicos norte-americanos, os historiadores raramente se referiam

    Poltica Cultural norte-americana no exterior, mesmo quando estudaram seus principais

    personagens, em biografias de Nelson A. Rockefeller ou mesmo o Senador Fulbright36

    .

    Um destaque importante para os estudos de histria da Diplomacia Cultural

    norte-americana o livro de Frank Ninkovich, chamado The diplomacy of ideas: US

    Foreign Policy and Cultural Relations 1938-1950 e outra referncia a de Richard

    Pells, no livro Not like us how europeans have loved, hated and transformed

    american since World War II, que se aproxima mais da anlise de Histria Cultural,

    para as relaes EUA-Europa durante a Guerra Fria.

    O outro tipo de abordagem presente na bibliografia norte-americana sobre o

    assunto tenta situar metodologicamente a importncia da Cultura como varivel

    relevante nas Relaes Internacionais, como os trabalhos j citados The fourth

    dimension of Foreign Policy, de Philip Coombs e Soft Power, de Joseph Nye.

    No entanto podemos afirmar que o campo da Histria Cultural Internacional tem

    uma limitada bibliografia em relao ao vasto campo a ser estudado. Entre as anlises

    de Histria Cultural, as relaes culturais internacionais so muitas vezes esquecidas.

    Mesmo entre os estudos de Histria das Relaes Internacionais do Brasil, muitos s se

    concentram na Histria Diplomtica, ignorando outras questes tambm relevantes.

    Seguindo este raciocnio, Rolland37

    faz algumas sugestes de temas interessantes

    para o desenvolvimento da pesquisa histrica das Relaes Culturais Internacionais do e

    com o Brasil, compartilhadas por esta dissertao como possibilidades interessantes

    para futuras pesquisas. So elas:

    36

    ARNDT, (idem, 2005: pg. 557), descreve: On the one hand, the historical mainstream has paid a little attention to cultural diplomacy. Biographers of key players like Sumner Welles, Nelson Rockefeller,

    Willian Benton, Archibald Macleish, Dean Acheson, and even Fulbright rarely mention the subject. 37

    Em livro fundamental para uma metodologia da Histria Cultural no Brasil, organizado pelo prprio

    autor e pela historiadora brasileira Ktia de Queiroz Mattoso, chamado Matriaux pour une histoire culturelle du Brsil, Denis Rolland escreve o notvel captulo intitulado Lhistoire culturelle et les relations internationales: propositions. Neste mesmo captulo, Rolland tambm prope uma histria das comunicaes de massa brasileiras e suas relaes no mundo, como uma Histria da Televiso, e Histria

    do Futebol-que so propostas tambm interessantes, mas fogem da proposta de anlise deste estudo.

  • 17

    1- Uma histria do ensino estrangeiro (congregaes, liceus e escolas

    estrangeiras) e de lnguas estrangeiras no Brasil, alm da formao de

    brasileiros no exterior;

    2- Uma histria da importao de modelos polticos estrangeiros no Brasil, seus

    principais personagens e estratgias da importao/exportao desses

    modelos;

    3- Uma histria da literatura brasileira a partir dos movimentos literrios

    internacionais;

    4- Uma histria da imprensa brasileira, suas relaes com o Estado (tanto no

    incentivo - Estados estrangeiros com rgos de imprensa brasileira, ou na

    censura estatal em alguns perodos) e agncias de notcias estrangeiras (e

    relaes destas com seus Estados);

    5- Uma histria das linhas intelectuais e reflexes destes de acordo com as

    escolas estrangeiras;

    6- Uma histria das congregaes religiosas estrangeiras no Brasil, atravs da

    educao e formao das elites brasileiras;

    7- Uma histria, tanto poltica quanto cultural, das relaes das Igrejas com os

    Estados;

    8- Uma histria das representaes dos estrangeiros no Brasil e a maneira como

    eles vem o pas;

    9- E finalmente Rolland aponta a necessidade de explorao do campo de uma

    histria dos organismos governamentais brasileiros, como o Itamaraty, seus

    departamentos, relaes com outros ministrios e rgos do Estado.

    O enorme acervo documental disponvel no Brasil, nos arquivos governamentais

    como o Arquivo Histrico Diplomtico do Itamaraty, no Rio de Janeiro ou no CPDoc,

    da Fundao Getlio Vargas, assim como outras fundaes, instituies privadas,

    Teatros Municipais e Bibliotecas Nacionais, permitem uma gama variada de assuntos

    que ainda no foram explorados pela Histria Cultural Internacional.

    Os arquivos no exterior tambm disponibilizam imenso material sobre as

    relaes do Brasil com outros pases. Na Frana, os Arquivos do Ministrio das

    Relaes Exteriores, tanto em Paris quanto em Nantes, alm da Biblioteca Nacional e

  • 18

    do Arquivo Nacional, tambm renem documentos, revistas, filmes, fotos e diversas

    outras fontes que podem ser base de inmeros estudos relacionados ao tema.

    De acordo com os campos de pesquisa propostos por Rolland, esta dissertao

    freqenta muitos destes temas, principalmente o da tentativa de mapear

    institucionalmente a criao e organismos estatais criados para a Poltica cultural,

    tambm considerando as iniciativas de ensino de lnguas, escolas laicas, misses

    universitrias e congregaes religiosas financiadas pelo Estado no exterior.

    Alguns dos outros pontos levantados tambm so reflexos das polticas culturais

    internacionais, mas apresentam dificuldades de mensurao e anlise de seu grau de

    efetividade. Na maioria das vezes, as influncias literria, artstica e a importao de

    modelos polticos derivam dos esforos de educao de um pas no exterior.

    Pelo grande potencial levantado para pesquisa destes temas e pela reduzida

    bibliografia nacional (em comparao com a bibliografia francesa ou americana sobre o

    Brasil), o seguinte estudo tambm uma tentativa de fortalecer os estudos de temas

    como este e contribuir com uma anlise brasileira das Polticas Culturais que envolvem

    o Brasil. Um dos maiores objetivos desta dissertao tentar articular os principais

    estudos e fontes documentais sobre o tema e traz-los para uma perspectiva brasileira.

    O perodo escolhido interessante por ilustrar a criao ou a mudana de

    estratgia das principais potncias mundiais em suas Polticas culturais internacionais,

    aps o final da 1 Guerra Mundial. A presena cultural francesa no Brasil

    principalmente desde a segunda metade do sculo XIX e primeiras dcadas do sculo

    XX indiscutvel e isso se deve em grande parte Poltica Cultural do Estado francs

    dirigida ao pas.

    Com a subida ao poder do Partido Nacional Socialista Alemo, sua poltica de

    propaganda do regime no exterior e com a presena da propaganda britnica, os

    franceses fortaleceram ainda mais os esforos de sua poltica cultural no exterior e o

    Brasil do entre-guerras foi um dos palcos desta luta.

  • 19

    Os EUA posteriormente tambm criam Polticas Culturais no Brasil e no

    exterior, mas com uma estratgia mais ousada e poderosa do que a da Frana.

    O interessante notar que as Polticas Culturais surgem e se fortalecem em um

    momento onde as tenses entre os pases esto acirradas e justamente na ocasio de

    iminncia de um grande conflito mundial entre as principais potncias. Isto denota a

    importncia estratgica das Polticas Culturais destes pases no exterior, neste momento

    chave da histria poltica internacional do sculo XX.

    Ao longo dos prximos captulos, as principais obras e autores j mencionados

    nesta introduo so articulados com as fontes documentais consultadas, atravs do

    relato histrico dos fatos que reforam a relevncia aqui reivindicada de uma Poltica

    Cultural Internacional.

    No primeiro captulo a tradio da Poltica Cultural Francesa e sua atuao no

    Brasil at o fim da 1 Guerra Mundial analisada, desde as congregaes religiosas

    francesas, as Alianas Francesas e os diversos Comits criados entre Frana e Brasil.

    O segundo captulo aponta a mudana da Poltica Cultural Francesa no Brasil

    aps o fim da 1 guerra, com as misses universitrias francesas, pontuando a trajetria

    de Claude Lvi-Strauss e Georges Dumas no Service des Oeuvres Franaises

    ltranger.

    O terceiro captulo traa as principais caractersticas da estratgia da Poltica

    Cultural dos EUA no Brasil, desde as atividades do CPI, as Fundaes americanas e

    principalmente as aes comandadas por Nelson Rockefeller, com a criao do Office

    of the Coordinator of Inter-american Affairs.

    A concluso faz um contraponto entre as principais caractersticas das Polticas

    Culturais de Frana e Estados Unidos no Brasil, suas peculiaridades, os seus erros e

    vantagens comparativas e seus desdobramentos. Tambm indica a tentativa de uma ao

    cultural brasileira no exterior.

  • 20

    1. PRIMEIRO CAPTULO:

    H um pacto de vinte sculos entre a grandeza da Frana e a liberdade do mundo

    Charles De Gaulle38

    (frase talhada na esttua de Charles De Gaulle, localizada na esquina da avenida

    Champs Elise com a avenida Franklin Roosevelt, em Paris).

    A cultura no conhece as naes menores, ela s conhece as naes fraternais. Todos

    juntos esperamos da Frana a universalidade, porque s ela a reivindica para si39

    Andr Malraux

    38

    Il y a un pacte vingt fois sculaire entre la grandeur de la France et la libert du monde. (traduo

    minha) 39

    La culture ne connat pas des nations mineures, elle ne connat que des nations fraternelles. Tous ensemble nous attendons de la France luniversalit, parce quelle seule sen reclame (traduo minha)

  • 21

    1. PRIMEIRO CAPTULO: A Poltica Cultural Francesa e sua atuao no Brasil

    at a 1 Guerra Mundial

    Usar a ao cultural como instrumento para a assimilao de informao,

    tecnologias estrangeiras, dominao poltica e relaes comerciais com outros povos

    uma tradio da Poltica Externa Francesa, desde a sua formao como Estado

    Moderno, feita por Franois I (1496-1597)40

    . Ele estabeleceu a idia de uma nao que

    traduz valores universais, principalmente atravs da religio. At o sculo XVIII, a

    Frana reunia os maiores intelectuais do mundo na sua poca e ao mesmo tempo se

    propunha a ser um imprio cristo universal.41

    Mesmo aps a Revoluo francesa, o carter universalista da Poltica Cultural no

    exterior continuou com os valores republicanos e no mais atravs dos valores

    religiosos da nobreza. A idia de um Imprio cristo universal como princpio norteador

    da nao francesa foi substituda pelas da Declarao Universal dos Direitos do

    Homem.42

    Apesar da modificao no contedo dos valores universais franceses, a estratgia

    da Poltica Cultural Exterior da Frana no mudou. A educao como princpio

    40

    Em ARNDT, idem, pg.8. Franois I viveu na Itlia e Leonardo da Vinci freqentava sua famlia.

    Atravs de uma estratgia diplomtica de atrao dos maiores intelectuais e artistas da poca, ele levou as

    maiores obras e artistas da Renascena Italiana para a Frana. Com esta estratgia, a Frana dos sculos

    XVI, XVII e XVIII se baseou totalmente numa massiva poltica cultural internacional: com a importao

    dos livros impressos em toda Europa, a criao da Biblioteca Real e a Biblioteca Nacional; atravs da

    adaptao da arquitetura clssica adaptada s necessidades francesas com a criao de prdios governamentais, monumentos e igrejas, com a criao do Louvre, em 1541; com a importao de obras e

    dos maiores artistas do mundo; e principalmente atravs da educao e da lngua francesa. 41

    ROCHE, 1995, p.9. No campo da educao, Franois I cria o Collge de France, sem a influncia da

    Igreja sobre a Universidade e estabelece uma poltica de atrao de estudantes estrangeiros com a criao

    de albergues para estudantes estrangeiros em Paris. Todo este esforo criou uma elite intelectual que

    formou o corpo diplomtico francs ou parte das congregaes religiosas francesas que se espalharam

    pelo mundo, divulgando a palavra de Deus e os valores universais cristos franceses. Este perfil da

    Diplomacia Cultural francesa criado pelas polticas de Franois I marca as relaes exteriores francesas

    desde ento, continuando com o reinado de Henry IV, com os cardeais Richelieu e Mazarin e at com

    Bonaparte, De Gaulle e seus sucessores. 42

    O prprio Panteo parisiense, um dos principais prdios histricos da cidade, ilustrativo da mudana

    dos valores universais franceses com a Revoluo. Inspirado na arquitetura do Panteo de Roma, ele

    comeou a ser construdo em 1755 para ser uma igreja em uma homenagem Santa Genoveva, por

    encomenda de Louis XV. Aps a Revoluo Francesa, o projeto original de sua construo foi totalmente

    modificado. A Assemblia Nacional francesa decide retomar as suas obras em 1791, tornando o Panteo

    no mais em uma igreja, mas no edifcio que abrigar os corpos dos grandes pensadores e polticos da

    Frana ps-revolucionria (onde jazem Descartes, Alexandre Dumas, Victor Hugo, Rousseau, Voltaire,

    Zola e Andr Malraux).

  • 22

    fundamental para a difuso das idias e valores franceses no exterior continuava sendo o

    veculo para a comunicao oficial do pas no exterior.

    A Revoluo continuava a utilizar todas as frentes para propagar seus valores

    pelo mundo. Diplomatas, intelectuais, jornalistas, militares e at mesmo os religiosos

    participavam do plano sistemtico para reforar a lngua francesa.

    Mesmo com a defesa do ensino pblico e laico, a Frana apoiava as

    congregaes religiosas no exterior.43

    Napoleo utilizava a Poltica Cultural como

    instrumento de sua poltica externa, importando obras de arte e objetos arqueolgicos

    dos territrios conquistados para abastecer os museus franceses44

    e exportando as

    instituies e valores franceses para as elites de suas colnias e de outros pases.

    A Frana, nesta poca centro intelectual do mundo, formou uma gerao de

    alunos estrangeiros que levaram os valores republicanos franceses aos seus pases.

    Thomas Jefferson e Benjamin Franklin, diplomatas americanos em Paris, foram

    fundamentais nesse perodo e conseguiram negociar o apoio da Frana para a

    Independncia americana45

    .

    Nos sculos XVIII e XIX, grande parte dos mentores dos movimentos de

    independncia latino-americana tambm foi influenciada pelos ideais da Revoluo

    Francesa e da Independncia Americana, o que pode ser visto como o incio da sua

    independncia intelectual e o incio da aproximao do pensamento das elites latino-

    americanas com a Frana e com os EUA.

    43

    por exemplo, deste perodo, a renovao de um acordo entre o governo francs e o Imprio otomano,

    para a proteo das escolas crists francesas no Oriente. Em 1868, fruto de um acordo de cooperao

    entre a Frana e o Imprio Otomano, inaugurado o liceu francs de Galatasaray, em Istambul, com

    objetivo de formar as futuras elites turcas. 44

    A disputa entre Frana e Gr-Bretanha pela presena em pases como o Egito, por exemplo, se d

    atravs da instalao de escolas e Institutos franceses nestes pases. A parte dedicada ao Egito no Museu

    do Louvre tambm bem ilustrativa do sucesso da importao de objetos arqueolgicos do exterior. A

    expedio de Napoleo ao Egito, em 1798, marca um esforo de cooperao tpico da Poltica exterior

    francesa, com a assinatura de um acordo de cooperao bilateral com uma ampla gama de assuntos e

    reas, da arte cincia. 45

    Como descreve Arndt, idem, p. 11, Benjamin Franklin, universalista como os franceses, tambm ir

    retomar as idias de Kant e Grocius, nas suas idias de governana mundial e paz perptua.

  • 23

    A partir do sculo XIX, a Frana manteve a base de sua Poltica Cultural

    Internacional na educao e na difuso da lngua francesa e a aperfeioando de acordo

    com as necessidades.46

    Desde 1840 o Quai dOrsay subvencionava as passagens de navio para os

    missionrios lazaristas da Frana e para os funcionrios das escolas catlicas francesas.

    A partir de 1848, a Frana orientava seus diplomatas a desenvolverem os primeiros

    acordos culturais no exterior, que cuidavam da propriedade intelectual, artstica e

    premiavam autoridades estrangeiras com medalhas de honra artstica.

    No sculo XIX os valores franceses se fazem definitivamente presentes na

    Amrica ibrica, inspirando a independncia dos pases hispano-americanos com as

    idias liberais e republicanas. Tambm desta poca a denominao francesa da regio

    como Amrica Latina, unindo estes pases com a Frana pela sua origem lingstica,

    como tentativa de os diferenciar da Amrica anglo-saxnica 47

    .

    Com a presena da colnia francesa no Brasil, que no geral48

    era formada por

    refugiados da Revoluo, do Imprio e da Restaurao, so organizadas as primeiras

    sociedades francesas no pas no sculo XIX, como as Sociedades Mistas de

    Beneficncia e Seguro Mtuo, fundadas em 1836 no Rio de Janeiro; em 1867, em Porto

    46

    interessante notar que apesar das diversas mudanas polticas houve uma continuidade nas aes

    culturais de sua poltica externa. importante delimitar os perodos dos governos ps-revoluo: o

    perodo revolucionrio tem trs fases: 1. a Assemblia Nacional (1789-1792), 2. a Conveno nacional

    (1792-1795), 3. o Diretrio (1795-1799). Aps o 18 Brumrio, Napoleo Bonaparte permanece no poder

    de 1799 a 1814 (sendo que de 1792 a 1814 estabelecida a Primeira Repblica, sob o comando de

    Bonaparte). A Restaurao monrquica marca a fase de 1814-1848, e sucedida pela Segunda Repblica,

    de 1848-1852. Luis Bonaparte (Napoleo III) fica no poder de 1852-1870, no 2 Imprio e substitudo

    pela Terceira Repblica, de 1870 a 1940. De 1940 a 1945, durante a Segunda Guerra, a Frana ocupada

    pelos nazistas comandada pelo governo de Vichy. Ao mesmo tempo, no exterior se organiza o

    movimento de resistncia, a favor da libertao nacional, que aps a guerra ir comandar o governo

    provisrio, de 1945 a 1946. O perodo da Quarta Repblica vai de 1947 a 1958, e de 1958 at os dias

    atuais, o perodo da Quinta Repblica. Uma referncia fundamental para a Histria da Poltica externa

    francesa, o livro de KESSLER, Marie-Christine. La politique trangre de la France acteurs e processus, Paris: Presses de Sciences Po, 1999. 47

    (ROLLAND, 2005, pg. 109) 48

    No Brasil colnia, os artistas franceses tambm se faziam presentes pontualmente, como em 1816, com

    o pintor Debret e o escultor Taunay, que ajudaram na criao da Academia Imperial de Belas Artes, no

    Rio de Janeiro. Ainda no final do sculo (1871-2) D. Pedro II em viagem Frana, recruta acadmicos

    franceses e se corresponde freqentemente com intelectuais e cientistas como Victor Hugo, Pasteur e

    Gobineau. Jean-Baptiste Debret tambm foi responsvel pelo desenho da bandeira do Reino Unido do

    Brasil (com fundo verde e o losango dourado), em 1822, e que inspirar a atual bandeira republicana do

    Brasil. Em MARTINIRE, Guy. Aspects de la coopration franco-brsilienne : transplantation culturelle

    et stratgie de la modernit. Presses Universitaires de Grenoble, 1982.

  • 24

    Alegre; em 1868, na Bahia; em 1890, em Pernambuco; em 1890, em Pelotas e em 1896,

    em So Paulo.

    Nesse perodo a Frana tambm comea agir para o fortalecimento das relaes

    comerciais entre os dois pases e para isso cria em 1900, no Rio de Janeiro, a Cmara de

    Comrcio Frana-Brasil, com 106 membros franceses e 70 brasileiros. O governo

    francs subsidia as despesas iniciais da Cmara, alm de produzir e publicar um boletim

    econmico mensal.

    Segundo Gilles Matthieu, o tamanho limitado da colnia francesa no explica a

    grande presena de valores e costumes franceses no Brasil da poca. Para ele, os

    valores franceses vieram atravs das mercadorias 49, explicando a presena cultural

    atravs da presena econmica.

    Apesar da proximidade de Dom Pedro II com os pensadores franceses da poca,

    as idias que vinham da Frana tambm influenciaram decisivamente o movimento

    republicano e a Proclamao da Repblica no Brasil.

    A verso definitiva da bandeira brasileira adotada em 19 de novembro de 1889 e

    que permanece at hoje com pequenas modificaes50

    , teve marcante influncia

    positivista francesa, sendo elaborada por Raimundo Teixeira Mendes, presidente do

    Apostolado Positivista do Rio de Janeiro, e com a inspirao direta do lema Ordem e

    Progresso pelos princpios do filsofo positivista francs Augusto Comte (O Amor

    por princpio e a Ordem por base; o Progresso por fim)51.

    Na Frana do sculo XIX foi marcada por grandes mudanas sociais de acordo

    com as suas mudanas polticas. A 2 repblica (1848-1852), por exemplo, ficou

    marcada pela abolio da escravatura e o sufrgio universal; o 2 imprio (1852-1870)

    de Napoleo III, marcado pelas reformas urbanas internas e pela derrota do pas na

    guerra franco-prussiana e a 3 Repblica (1875-1940), a mais longa das Repblicas

    49

    Em MATTHIEU, 1991, p.28. Segundo o autor, at o incio da 1 Guerra, no ano de 1914, a Amrica

    Latina a regio extra-europia que mais recebe investimentos da Frana na ocasio. 50

    Como o nmero de estrelas, que aumentou de acordo com o nmero de Estados brasileiros. 51

    FERRARINI, Sebastio. Armas, brases e smbolos nacionais. Instituto de Ensino Cames, Curitiba,

    1979.

  • 25

    francesas, se consagrou pela valorizao da escola pblica internamente e laicizao do

    Estado.

    Desde o comeo da Terceira Repblica Francesa, perodo apelidado de

    Repblica dos Professores, pela presena de intelectuais e professores nos principais

    quadros polticos da poca, a Frana investe maciamente nas aes culturais francesas

    no exterior. A Poltica Cultural francesa reivindica mais fortemente seu espao no

    mundo, disputando a hegemonia mundial com outras potncias (no contexto da

    Revoluo Industrial), notadamente a Itlia, a Gr-Bretanha, a Alemanha, a Rssia e os

    Estados Unidos. Conflito que se acirrar cada vez mais at desaguar na 1 Guerra

    Mundial.

    Na virada do sculo, a intensificao das polticas culturais da Terceira

    Repblica francesa tem foco nas elites polticas e econmicas latino-americanas e

    diversas instituies francesas so criadas. Gabriel Hanotaux, ex-ministro das Relaes

    Exteriores da Frana, funda em 1909 o Comit France-Amrique, com o objetivo de

    reforar os valores de identidade latina entre estes pases e a Frana, atravs das

    misses civilizadoras francesas.

    Dentro do oramento do Ministrio das Relaes Exteriores francs, a

    participao dos investimentos dedicados s aes culturais sobe vertiginosamente, na

    medida em que a 1 guerra se aproxima: ela passa de 250 mil francos em 1875, para 2,3

    milhes de francos em 1912 (em um perodo de estabilidade monetria). Em 1880, as

    aes culturais representavam 1,9% do oramento do Ministrio e crescem para 11%,

    em 1913 (at ento registradas como fundos secretos).

    O acirramento das animosidades entre os pases fez com que a Frana agisse

    secretamente e adotando grande cautela para obscurecer sua estratgia no exterior.

    Roche52

    descreve que ... as iniciativas culturais eram feitas em um tal clima de suspeita

    que em 1900, um deputado sugeriu que os servios fossem mais bem explicados

    publicamente, para que todos conhecessem o esforo que o governo francs despendia

    em favor das Artes e responderam a ele explicando que no campo era exigida uma

    52

    ROCHE, ibidem, pg. 14

  • 26

    certa confidencialidade. Alm disso, uma boa parte dos gastos destinados para a ao

    cultural e lingstica no exterior durante esse perodo no pde ser identificada,

    simplesmente porque provinha dos fundos secretos do Ministrio das Relaes

    Exteriores.53

    A ajuda do Ministrio do Interior para as aes culturais no exterior tambm

    sobe neste perodo, chegando a 1,2 milho de francos em 1913, o que representava 52%

    dos investimentos governamentais dedicados s aes culturais no exterior naquele ano.

    Como se pode ver no grfico dedicado ao oramento das aes culturais

    francesas no exterior no perodo entre 1881-191254

    (em mil francos), o Oriente, o

    Extremo Oriente e Marrocos centralizavam a grande maioria dos investimentos neste

    perodo. Entre os investimentos na Amrica, que s crescem mais a partir dos primeiros

    anos do sculo XX, a grande maioria do oramento destinada especialmente s

    Alianas Francesas.

    Grfico: Oramento das aes culturais francesas no exterior (1881-1912)

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1881 1900 1905 1908 1912

    Europa

    Oriente

    Extremo Oriente

    Marrocos

    Amrica

    Outros escritrios

    Obras beneficentes

    Neste contexto, a disputa pela hegemonia da ao cultural e lingstica no

    exterior se torna fundamental, conjuntamente com aes em outras reas, como misses

    53

    ...les initiatives culturelles sont prises dans un tel climat de suspicion quen 1900, un dput qui avait suggr que les services fissent mieux connatre au public leffort que le gouvernement franais consentait en faveur des OEuvres, il fut rpondu que la situation sur le terrain exigeait une certaine

    confidentialit. Au reste, une bonne partie des crdits consacrs pendant cette priode laction culturelle et linguistique extrieure ne peut tre identifie, tout simplement parce quelle relevait des fonds secrets du ministre des Affaires trangres. (traduo minha com Jean Tible) 54

    Idem, ibidem, pg. 35.

  • 27

    militares, implantao de escolas e universidades, construo de hospitais e

    intercmbios tcnicos nos pases da frica, do Oriente, sia e principalmente na

    Amrica Latina.

    Em nota oficial do Departamento Poltico do Ministrio das Relaes Exteriores

    de 1906, o relator francs aponta para a guerra das lnguas no Egito desde 1891, com

    a presso do Reino Unido para tornar o ingls como a lngua estrangeira a ser ensinada

    nas escolas pblicas egpcias. Como resposta, o Ministrio das Relaes Exteriores da

    Frana patrocinou a criao da Escola de Direito do Cairo.

    No Lbano, a Frana estimula a cooperao tcnica no campo da Medicina para

    concorrer com os presbiterianos norte-americanos, que tinham criado uma Universidade

    naquele pas. Na China, a disputa se d contra a presena alem nas Universidades e em

    1909 uma escola francesa aberta no pas com recursos do prprio governo chins.

    Mesmo que internamente a separao definitiva da Igreja com o Estado tenha

    sido consolidada em 1905, quando a educao pblica e laica foi estabelecida, no

    exterior, ao contrrio, o governo francs continuou incentivando as congregaes

    religiosas como principal via de influncia francesa e fortalecimento do ensino da lngua

    francesa.

    At 1900, as congregaes catlicas enviaram ao exterior mais de 50 mil

    missionrios com ajuda governamental. E em 1902, mesmo com maioria da esquerda

    anticlerical na Cmara dos Deputados francesa, a subveno s congregaes religiosas

    no exterior representou 93% do Oramento dedicado ao cultural francesa no

    exterior55

    .

    55

    Fonte: Ministrio das Relaes Exteriores da Frana. Mesmo em carta de 1926, no entre-guerras, os

    intelectuais franceses que estavam presentes na A. Latina (G. Dumas e Martinenche, entre os mais de 40

    signatrios) enviaram carta ao Congresso, pedindo para o governo francs manter e ampliar as

    subvenes s congregaes francesas na A. latina, para fazer frente s congregaes de outros pases

    tambm presentes no pas. Na carta: Les signataires de cette lettre, Monsieur le Prsident, professent les opinions politiques ou philosophiques les plus diverses; mais, pour des raisons nationales, dont ils ont t

    mme de peser tout la gravit, ils sont unanimes vous demander de sauver les congrgations

    franaises dAmrique latine en leur accordant des noviciats. Ils sont tous convaicus, par leur exprience directe, que lenseignement de ces congrgations est une des conditions pralables du rayonnement intellectuel et moral de la France en Amrique latine., em Matthieu, idem, p. 220.

  • 28

    De 1860 at 1914, alm do apoio s misses catlicas, o Ministrio das Relaes

    Exteriores da Frana tambm apoiou a criao de estabelecimentos judaicos e

    evanglicos franceses no exterior, para assegurar o ensino da lngua francesa tambm

    nestas comunidades. At 1914, 200 escolas e estabelecimentos de ensino do francs no

    exterior j haviam sido criados56

    .

    No plano multilateral, os diplomatas franceses se esforavam em manter o

    Francs como a lngua diplomtica oficial mundial. Em 1902, em sua primeira tentativa

    neste sentido, os norte-americanos solicitam na Corte arbitral de Haia, durante

    julgamento sobre conflitos com o Mxico, que o ingls fosse adotado como a lngua

    oficial nesta Corte. Com manobra diplomtica comandada pelo Ministrio das Relaes

    Exteriores da Frana, o Francs reconhecido como a lngua universal do direito e da

    diplomacia57.

    Para assegurar a hegemonia cultural francesa atravs de sua lngua e centralizar

    os esforos dos amigos da Frana no exterior, criada em 1883, uma das mais

    importantes instituies para a ao cultural francesa no exterior: a Aliana Francesa58

    .

    A Aliana Francesa, com sede em Paris, tinha como uma de suas principais

    atribuies polticas articular as aes dos comits locais de apoio Frana,

    principalmente na Amrica Latina e mais especificamente no Brasil e na Argentina (no

    por acaso, os pases que recebiam o maior volume de investimentos franceses no

    continente)59

    .

    Alm dos objetivos polticos, o aspecto comercial da criao da Aliana

    Francesa tambm deve ser ressaltado. A primeira pgina do Boletim de fundao da

    Aliana Francesa indica estes objetivos: A Lngua francesa traz os costumes franceses;

    56

    Roche, idem, pg. 30. 57

    Roche, idem, pg.22. 58

    Como um dos principais instrumentos do projeto de expanso cultural francesa, a Aliana Francesa

    teve patrocnio estatal, advindo dos do Ministrio das Colnias, do Ministrio das Relaes Exteriores

    (que neste perodo, tinha seus recursos no anunciados) e do Ministrio do interior (em 1909, por

    exemplo, este ministrio investiu 150 mil francos para construo do Instituto francs de Madri). 59

    No perodo de 1902-1914, Brasil e Argentina so os pases que mais receberam investimentos franceses

    no perodo na regio. Em 1913, o Brasil recebe 41% dos investimentos da Frana na Amrica Latina e a

    Argentina 23% dos investimentos do Estado francs no continente.

  • 29

    os costumes franceses levam compra dos produtos franceses. Aquele que sabe o

    francs se torna um cliente da Frana60.

    No entanto, esta alternativa para uma educao laica na Amrica Latina no

    pretendia substituir a importante presena das congregaes religiosas francesas na

    regio. Pelo contrrio, mesmo quando defendiam internamente a educao laica, os

    formuladores das polticas culturais francesas durante a 3 Repblica e os universitrios

    franceses presentes no Brasil, defendiam a manuteno do incentivo governamental s

    congregaes francesas no Brasil61

    .

    Georges Dumas, filsofo francs fundamental na formulao da poltica cultural

    francesa para a Amrica Latina nesta poca, explica que na regio a base de nossa

    propaganda depende das congregaes. Para que o pensamento francs pegue, preciso

    que ele encontre um pblico que fale e leia nossa lngua 62.

    A continuao das congregaes religiosas francesas vista como fundamental

    na formao francfila das elites brasileiras, j que no perodo da fundao da Aliana

    Francesa j estavam instaladas mais de 150 escolas, com cerca de 100 mil alunos no

    pas.

    De 1885 a 1895 a implantao das congregaes religiosas no Brasil foi um

    xito, sob o comando confidencial dos diplomatas e investimento do governo francs.

    Em 1897, por exemplo, a congregao marista tinha 46 colgios j instalados no pas,

    com mais de 8 mil alunos, a maioria deles concentrados no Rio Grande do Sul (para

    fazer frente j forte presena da colnia alem no sul do pas)63

    , alm de terem 1100

    60

    Kessler, idem, pg.375. La langue franaise donne des habitudes franaises; les habitudes franaises amnent lachat de produits franais. Celui qui sait le franais devient le client de la France (traduo minha) 61

    Georges Dumas esclarece que no caso latino-americano, para a Frana, Lanticlricarisme nest pas un article dexportation em SUPPO, Hugo, Le Brsil pour la France: la construction dune politique culturelle franaise 1920 1950. In ROLLAND, Denis, Le Brsil et le monde. Pour une histoire des relations internationales des puissances mergentes. Paris, LHarmattan, 1998. Pg. 136. 62

    la base de notre propagande dpend des congrgations. Pour que la pense franaise morde, il faut quelle trouve un public parlant et lisant notre langue (traduo minha).Declarao retirada de artigo de Ren Johanett, na revista Le temps, citada em SUPPO, idem, ibidem. O fundamental papel de Georges

    Dumas na poltica cultural francesa ser retomada detalhadamente no prximo captulo. 63

    O detalhamento das congregaes religiosas francesas no Brasil e na Amrica Latina, pode ser

    encontrado no captulo 7 de MATTHIEAU, Gilles. Une ambition sud-americaine: Politique Culturelle de

    la France (1914-1940). Paris, LHarmattan, 1991. Pg. 76.

  • 30

    alunos somente no Rio de Janeiro e outras escolas primrias e secundrias em So Paulo

    (2 escolas), na Bahia, em Pernambuco, Curitiba, Macei, Santos, Franca e Fortaleza64

    .

    Alm disso, em 1933, os irmos maristas assumiram a direo da recm-criada

    Faculdade de Cincias Polticas e Econmicas criada no Rio de Janeiro. No total, em

    1936, mais de 20 mil alunos foram formados pelos maristas por ano no Brasil em mais

    de 40 estabelecimentos de ensino por eles dirigidos.

    Outras congregaes francesas tambm instalaram escolas no Brasil no mesmo

    perodo, como os Irmos das escolas crists, em 1908, em Canoas (341 alunos),

    Caxias (325 alunos) e trs escolas em Porto Alegre (com quase 650 alunos), alm de

    uma escola em Pelotas, em 1922; os dominicanos de Toulouse abriram escolas em

    Uberaba (MG) e Formosa (GO); os frades trapistas abriram em Trememb; os padres do

    Santo esprito de Teff, em 1932, fundaram uma escola em Belm e os franciscanos

    fundaram escolas em Cceres e Pocom, no Mato Grosso, em 1903.

    Alm da preocupao em reas estratgicas como o sul do Brasil, a capital

    federal (Rio de Janeiro) e o estado de So Paulo, pela sua riqueza, tambm foram alvos

    prioritrios das congregaes religiosas francesas.

    A ordem dos Irmos Capuchinhos de Chambry tambm teve grande

    participao no Brasil e a partir de 1862 fundou escolas e estabelecimentos hospitalares

    em Itu (com mais de 550 alunos no total, entre rfos, crianas carentes, externatos e

    internatos), em Campinas (uma escola com 240 alunos e um hospital), em So Paulo

    nos bairros de Santana e Tatuap (mais de 300 alunos), em Franca (entre pensionato,

    externato e escola, mais de 600 alunos), em Ja (pensionato) e um hospital em So

    Paulo, junto a uma escola e orfanato, com mais 250 alunos.

    Em 1933 os religiosos de So Jos de Chambry tinham 3500 alunos em 12

    estabelecimentos no interior do Estado de So Paulo. Os dominicanos tambm abriram

    estabelecimentos em Minas Gerais, em Uberaba, Porto Nacional, Formosa e Belo

    64

    S em 1925, por exemplo, o colgio marista de Fortaleza, recebe uma subveno de 6 mil francos do

    governo francs, o mesmo que a Aliana Francesa do Rio de janeiro recebeu no mesmo perodo.

  • 31

    Horizonte. O colgio Santa Maria das Dominicanas tambm atendia mais de 300 alunas

    em Belo Horizonte.

    As damas do Sion tambm fundaram diversos estabelecimentos: em 1918, com

    150 alunos em Curitiba e 230 em Campanhas, alm de dois colgios em Petrpolis (at

    1924, educavam 300 alunos), e em So Paulo (230 alunos).

    Pela alta demanda para a educao francesa das jovens da elite brasileira, a

    congregao das Damas do Sion recebeu subveno governamental francesa em 1925

    (125 mil francos), em 1927 (70 mil francos), e em 1928 (50 mil francos), para

    ampliao de suas instalaes na capital federal, com a construo de uma escola de

    mais de 25 mil m2 no bairro de Laranjeiras, para atender a 400 alunas65

    .

    No incio do sculo XX, as jovens das elites brasileiras tambm eram educadas

    pelas Damas do Sacr-Coeur (Sagrado Corao) no Rio de Janeiro e pelas freiras do

    Santo Sacramento nos Colgio das Ursulinas e So Raimundo na Bahia e Nossa

    Senhora de Lourdes, em Aracaj.

    Com a proximidade da primeira guerra, enquanto que as congregaes religiosas

    francesas na Amrica Latina tiveram um papel consolidado de formao das elites

    brasileiras como amigas da Frana, a Aliana Francesa centralizou os esforos laicos

    para a criao de uma propaganda francesa no Brasil, na criao de Associaes e

    Comits locais de apoio Frana, na produo de publicaes pr-Frana e nas relaes

    com o poder pblico local66

    , como uma primeira tentativa de articulao da ao

    poltica e cultural de um pas no exterior.

    65

    A fama da educao de qualidade da congregao das Damas de Sion no Brasil chega a Frana. Em

    carta, o francs Henri Hauser (MATTHIEU, idem, pg.78), descreve: quand une charmante Brsilienne sexprime avec une puret, une aisance lgante, une sret daccent qui semblent acquises par de longs sjours en France, o parfois elle na jamais mis les pieds, il y a dix parier contre un qua vos questions elle rpondra : Jai appris le franais chez les Dames de Sion. 66

    O prprio comit criador da Aliana Francesa compreendia agentes do Estado, professores, jornalistas,

    e profissionais ligados s finanas e ao comrcio - todos, de alguma forma, vem na disseminao da

    lngua francesa, o vetor principal de uma ao poltica internacional interessante a todos estes campos.

    Kessler, idem, pg. 374.

  • 32

    A definio de Chaubet67

    esclarece bem este ponto de vista: Durante o conflito

    e nos dias seguintes, a Aliana Francesa, assim como os vrios Comits formados nessa

    circunstncia (Comits religiosos), assumiu um papel muito ativo de propagandista e,

    com a colaborao do Ministrio das Relaes Exteriores participou na guerra de

    palavras, fez uso das armas psicolgicas, se abriu luta cultural, todo vocabulrio

    agora usado pelos contemporneos68.

    Apesar de no ter uma grande presena de franceses no Brasil (oitava colnia

    estrangeira no Brasil durante o perodo de 1810-1915)69

    e no ser o maior parceiro

    comercial do pas70

    , a Frana manteve sua proeminente presena intelectual na elite

    brasileira, o que era resultado de sua estratgia de poltica cultural no pas.

    Com a criao dos Comits locais dos amigos da Frana a partir de 1886 e sua

    formao no Rio de Janeiro71

    e em So Paulo, a Aliana Francesa se espalha

    rapidamente pelas principais cidades brasileiras com o objetivo declarado de oferecer o

    ensino gratuito e irrestrito da lngua francesa aos brasileiros.

    67

    CHOUBET, Franois. De la propagande la diplomatie culturelle: lAlliance Franaise et la culture de guerre (1914-dbut des annes 1920). In Histoire Culturelle des Relations Internationelles: Carrefour

    mthodologique: XXe sicle. Paris, LHarmattan, 2004. p. 55. 68

    Pendant le conflit et durant ses lendemains, lAlliance Franaise, tout autant que les nombreaux Comits forms pour la circonstance (les Comits confessionnels notamment), assuma un rle trs

    actif de propagandiste et, en collaboration avec le ministre des Affaires trangres, participa la

    guerre des mots , fit usage des armes psychologiques , ouevra la lutte culturelle , tout vocable

    employ alors par les contemporains (traduo minha com Jean Tible). Em Chaubet, idem, p.61. A Aliana francesa se espalha pelo mundo: principalmente nos pases at ento neutros asiticos, europeus,

    anglo-saxes, sempre articulando o ensino, as comunicaes, as publicaes e at exposies que

    favoream a imagem da Frana.. 69

    A colnia francesa no Brasil durante o perodo (1810-1915), com 28 mil pessoas e 0,8% do total de

    imigrantes no Brasil, fica atrs das colnias: 1- Italiana (39,5%, com 1,3 milho), 2- Portuguesa (28,3%,

    com 976 mil), 3- Espanhola (13,6%, com 468 mil), 4- Alem (3,5%, com 122 mil), 5- Russa (3%, com

    103 mil), 6- Austraca (2,3%, com 78 mil), 7- Otomana (1,5%, com 52 mil), e ficando s frente da

    colnia inglesa, a nona, com 0,6%, e 22 mil imigrantes. A Frana, comparativamente tem os maiores

    nmeros relativos entre as colnias estrangeiras no Uruguai (14%) e na Argentina (11%). Dados da Revue

    de lAmrique latine, em ROLLAND, 2005, p. 77. 70

    De 1874 a 1904, a Frana declina vertiginosamente nas suas relaes comerciais com o Brasil (suas

    exportaes para o Brasil neste perodo caem 47% - em 1874 exportava 72 milhes de francos para o

    Brasil, e em 1904 exportou somente 38 milhes). A decadncia continua: em 1929, por exemplo, a Frana

    o quarto pas nas importaes brasileiras (com 10%, perdendo para EUA, Inglaterra e Alemanha).

    As importaes de produtos franceses no Brasil tambm decaem: de 2 pas em 1874 a Frana cai para o

    5lugar entre as importaes brasileiras em 1904. Em 1929, a Frana representa somente 10% das

    importaes brasileiras, atrs de EUA, Inglaterra e Alemanha. Fonte: Roland, 2005. 71

    A Aliana Francesa e os comits pr-Frana tambm se instalam nas principais capitais latino-

    americanas: Caracas (1893), Lima (1913), Montevidu, Buenos Aires (1908) e Santiago (1900), segundo

    Matthieu, idem, p. 100.

  • 33

    Nos primeiros anos do sculo XX a Aliana Francesa se instalou na capital

    federal, em Porto Alegre, em So Paulo (desde 1894 e com 250 alunos em 1898), Ja,

    Santana do Livramento, Curitiba (com 130 alunos em 1908), Santa Catarina,

    Pernambuco e Teresina.

    A criao de Alianas francesas no sul do pas e nas principais cidades que

    recebiam os imigrantes alemes e italianos (como So Paulo e Rio de Janeiro) era a

    estratgia adotada para fazer frente possvel influncia desses imigrantes no pas.

    Desde 1914, com a invaso da Blgica pela Alemanha, Ruy Barbosa72

    liderava a

    voz francfila no Senado brasileiro. Contra a violao da neutralidade da Blgica e a

    favor do direito internacional, declarou que Nesse caso, no h neutralidade possvel.

    Os tribunais, a opinio pblica e a conscincia no so neutros entre a lei e o crime73.

    O senador Irineu Machado, que em 1915 tinha visitado o Comit parlamentar de

    ao no exterior na Frana, tambm tomou posio a favor dos aliados. Desde ento,

    nos sales do Jornal do Comrcio do Rio de Janeiro reunia-se a Liga brasileira pelos

    aliados, presidida por Ruy Barbosa e formada por intelectuais, polticos, professores,

    jornalistas e militares74

    . At 1916 outros comits a favor da entrada do Brasil na guerra

    do lado aliado foram formados na Bahia, em Minas e em Pernambuco.

    Vrios jornais se posicionavam a favor da entrada do Brasil na guerra. O Estado

    de S. Paulo um deles. Graa Aranha, um dos intelectuais de maior destaque na poca

    (autor de Cana), declarou em 1916, durante a Primeira Semana da Amrica Latina

    em Lyon, que As adeses brasileiras causa francesa se multiplicaram nos primeiros

    meses da guerra. A elite inteira - intelectual e social tomou posio contra a barbrie

    alem. O povo seguiu a elite e foi um exemplo excepcional de unidade sentimental... A

    atmosfera, pode-se dizer, completamente aliada. E isso chegou a um ponto em que os

    72

    Em 1918, Barbosa ganha medalha da Legio de Honra da Frana, e em 1921 eleito membro

    correspondente da Academia de cincias morais e polticos do Instituto da Frana. Um dos principais

    polticos franceses durante a 3 repblica e na 1 Guerra, o senador Georges Clemenceau, que defendeu a

    Frana na Conferncia de Paz de Versailles, denominou Ruy Barbosa de um idealista humanitrio. 73

    Matthieu, idem, pg.55. 74

    Matthieu, idem, p.58.

  • 34

    representantes diplomticos das potncias centrais desapareceram: no os vemos mais

    em pblico.75