as imagens jornalÍsticas na tribuna da luta … · 1979 e 1980 e leituras de documentos...

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AS IMAGENS JORNALÍSTICAS NA TRIBUNA DA LUTA OPERÁRIA E A PRODUÇÃO DE SENTIDO(S) Por Verusa Pinho de Sá 1 As imagens utilizadas no periódico Tribuna da Luta Operária constituem uma rede de sentidos que juntamente com a linguagem escrita (titulo, legenda, texto) expressam uma unidade de interpretação. Tais imagens produzem sentidos e fomentam as práticas de leitura da militância, por meio da popularização do discurso político do periódico para compreensão da realidade social, no momento de transição entre o final do Regime Militar e inicio da redemocratização brasileira. Jornal vinculado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), a Tribuna da Luta Operária oscilou entre o discurso jornalístico/polêmico e partidário/autoritário, teorizados por Orlandi (2003), no sentido de apresentar diversidade dos acontecimentos sociais e pluralidade de vozes/fontes, mas, em outros momentos, restringir-se à valorização de aspectos inerentes à memória do coletivo. Este artigo faz uma análise das imagens jornalísticas inerentes à imprensa partidária a partir da observação de técnicas (tamanho, planos, enquadramento) e sentidos, construídos pela seleção temática e articulação texto- imagem. Procura comprovar também que as imagens são elemento constitutivo do discurso jornalístico, ora têm a finalidade de ilustrar o texto em seu aspecto denotativo, ora existem numa significância construída a partir de uma leitura interpretativa (BARTHES, 1990). As imagens abrangem registros de acontecimentos (general news), retratos e histórias em fotografia, com base nos estudos de Sousa (2004), bem como ilustrações de caráter opinativo, a exemplo de caricaturas, cartoons e histórias em quadrinho (MELO, 2003). A autoria das fotografias é, em geral, de profissionais autodidatas, sendo algumas 1 Graduanda de Jornalismo, UNEB, Campus III, e pesquisadora voluntária do Projeto “História da Imprensa em Juazeiro: a Tribuna da Luta Operaria e a organização do Partido Comunista do Brasil (PC do B)” coordenado por Andréa Santos, Ms em Historia Social e professora do curso de Comunicação Social: Jornalismo em Multimeios, da UNEB, Campus III, Juazeiro-BA.

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AS IMAGENS JORNALÍSTICAS NA TRIBUNA DA LUTA OPERÁRIA E A

PRODUÇÃO DE SENTIDO(S)

Por Verusa Pinho de Sá1

As imagens utilizadas no periódico Tribuna da Luta Operária constituem uma rede

de sentidos que juntamente com a linguagem escrita (titulo, legenda, texto) expressam

uma unidade de interpretação. Tais imagens produzem sentidos e fomentam as práticas de

leitura da militância, por meio da popularização do discurso político do periódico para

compreensão da realidade social, no momento de transição entre o final do Regime Militar

e inicio da redemocratização brasileira.

Jornal vinculado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), a Tribuna da Luta

Operária oscilou entre o discurso jornalístico/polêmico e partidário/autoritário, teorizados

por Orlandi (2003), no sentido de apresentar diversidade dos acontecimentos sociais e

pluralidade de vozes/fontes, mas, em outros momentos, restringir-se à valorização de

aspectos inerentes à memória do coletivo.

Este artigo faz uma análise das imagens jornalísticas inerentes à imprensa partidária

a partir da observação de técnicas (tamanho, planos, enquadramento) e sentidos,

construídos pela seleção temática e articulação texto- imagem. Procura comprovar também

que as imagens são elemento constitutivo do discurso jornalístico, ora têm a finalidade de

ilustrar o texto em seu aspecto denotativo, ora existem numa significância construída a

partir de uma leitura interpretativa (BARTHES, 1990).

As imagens abrangem registros de acontecimentos (general news), retratos e

histórias em fotografia, com base nos estudos de Sousa (2004), bem como ilustrações de

caráter opinativo, a exemplo de caricaturas, cartoons e histórias em quadrinho (MELO,

2003). A autoria das fotografias é, em geral, de profissionais autodidatas, sendo algumas

1Graduanda de Jornalismo, UNEB, Campus III, e pesquisadora voluntária do Projeto “História da Imprensa

em Juazeiro: a Tribuna da Luta Operaria e a organização do Partido Comunista do Brasil (PC do B)”

coordenado por Andréa Santos, Ms em Historia Social e professora do curso de Comunicação Social:

Jornalismo em Multimeios, da UNEB, Campus III, Juazeiro-BA.

fotografias retiradas de jornais da grande imprensa, como o Diário de Pernambuco e O

Globo (JOFILLY, 22/09/07).

Como diretriz metodológica para este estudo, foram utilizadas as contribuições da

Análise do Discurso, História do Fotojornalismo e Gêneros, bem como leituras sobre a

História Política e Newsmaking (critérios de noticiabilidade) referentes aos critérios de

seleção e produção de notícias (WOLF, 1987). Além da análise dos periódicos dos anos de

1979 e 1980 e leituras de documentos partidários, a fim de compreender o poder de

mobilização da Tribuna na cultura partidária e vida social do país.

As imagens da Tribuna Operária e sua natureza metodológica

A historiadora Marialva Barbosa (2004) considera que para fazer análise histórica

de um periódico significa entendê-lo como um processo complexo, no qual estão

engendradas relações sociais, culturais, falas e não-ditos, silêncios que dizem mais do que

qualquer forma de expressão, tendo, muitas vezes, uma razão política. Na análise em

questão, o conhecimento do contexto histórico e social relacionado a cada imagem,

constitui-se base para interpretação das representações e dos sentidos produzidos e/ou

suscitados pela Tribuna.

Para a lingüista Eni Orlandi (2003), estudar a prática da linguagem compreende a

mediação necessária entre o homem e a realidade social, refere-se à tensão entre o dizível,

a memória, o retorno aos mesmos espaços do dizer, e o deslocamento, equívoco, ruptura

de processos de significação. “É nesse jogo entre o mesmo (paráfrase) e o diferente

(polissemia/metáfora), entre o já dito e o a se dizer, que os sujeitos e os sentidos se

movimentam, fazem seus percursos, (re) significam”.

No discurso da Tribuna, esse movimento contínuo é marcado por uma práxis social,

compreendida pelo “contrato de leitura” (VÉRON,1983) estabelecido entre o periódico e

seus leitores, o que ressalta a importância do contexto (tempo e espaço), bem como dos

produtores e receptores das mensagens, sujeitos com intenções marcadas pela narrativa

jornalística.

Desde a década de 20, as publicações ilustradas ganham um novo perfil, marcando a

estreita relação entre palavra e imagem, bem como entre a construção da narrativa dos

acontecimentos e o posicionamento do fotógrafo como testemunha “desapercebida” dos

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fatos, o que caracterizaria as imagens como documento histórico (KOSSOY,1989) .

Ocorre, então, a construção de uma comunidade de imagens em torno de determinados

temas, pessoas, lugares que corrobora o processo de construção de identidades sociais,

políticas e econômicas ao longo do século XX (MAUAD, 2007).

No final do século XX, a experiência da imprensa partidária ressurge no contexto da

luta pela redemocratização do país, influenciada pela disseminação da imprensa alternativa

e pelos novos movimentos sociais, entre os anos 1970 e 1980, que contribuíram para

constituição da “sociedade civil” como espaço de conflitos e mobilização (BOBBIO,

1999). O jornal caracteriza-se, pois, como lugar de transição entre a teoria “pura” e o apelo

à ação, indispensável ao êxito da agitação e propaganda, com base na teoria marxista-

leninista (LENIN, 1979).

O recurso das imagens aparece como uma prática de leitura e educação política do

militante, com o objetivo de influenciar a opinião pública em torno da formação de

alianças, a exemplo da operário-camponesa, vista como necessária ao desenvolvimento de

um Estado que haja em prol dos trabalhadores.

Nesse sentido, o jornal estabelece uma identificação com os leitores e militantes, por

meio da constante presença de lideranças renomadas, mas também personagens

esquecidos pela grande imprensa. São os representantes do povo, bem como os “inimigos”

do partido que aparecem por meio de uma comunidade de imagens responsáveis pela

construção de identidades sociais.

Devido ao partido ser visto nas sociedades contemporâneas como lugar de mediação,

entre as necessidades sociais e as relações político-afetivas (BERSTEIN, 1996), a

identificação de elementos de uma “cultura política”, tradição, símbolos e heróis comuns,

reivindicados pelos seus porta-vozes, palavras e expressões-padrão são fontes de análise

que contribuíram para o desenvolvimento deste estudo.

Na unidade texto-imagem da Tribuna, a essência informativa da notícia traz um

sentido denotativo, mas há uma interpretação obtusa, segundo concepção do semiologista

Roland Barthes, que deixa para o campo da significância, das indagações e dúvidas, a

interpretação do discurso do periódico. Algumas das imagens vinculadas aos textos dos

leitores eram produzidas por colaboradores da Tribuna, e na unidade texto-imagem, cada

ilustração carrega uma rede de significados e anseios de natureza da imprensa partidária.

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Nos dois primeiros anos de circulação, a Tribuna pautou diferentes temáticas

articuladas em torno das manifestações sociais que podem ser categorizadas como greves,

manifestações camponesas e a luta contra a carestia. Nesse contexto, aparecem novos

“atores sociais” (SADER, 1988), a exemplo de personagens que fazem parte da história

política partidária do país, como Miguel Arraes, José Inácio Lula da Silva, e trabalhadores

que se destacam nos encontros e manifestações ao discursar sobre as lutas populares. Tais

temáticas foram determinantes para a concretização das metas partidárias do PC do B,

defendidas pelo jornal, como a conquista da Anistia Irrestrita e formação de uma

“Assembléia Nacional Constituinte sem João Batista Figueiredo”, por meio da articulação

de uma frente democrática em parceria com organizações sociais e partidos, como a

Tendência Popular do PMDB.

As greves: da Denotação à Interpretação

Desde a edição zero, a Tribuna apresentou imagens que em seu discurso reforçam a

necessidade de desenvolver uma consciência política no trabalhador urbano e do campo,

na luta contra a ditadura militar e a favor do socialismo. Para tanto, é utilizada uma

estética inerente à linguagem partidária evidenciada pelo enquadramento de populares,

líderes políticos e expressões-padrão. Na manchete de capa Trabalhadores unem-se para

enfrentar a política salarial e a repressão, a fotografia mostra populares gritando em

primeiro plano, e uma multidão em segundo plano, no enquadramento aberto, com braços

levantados que indicam movimento, ação.

Há uma relação intrínseca com a legenda:

Votando pela greve, a única linguagem

que os patrões entendem, e o subtítulo em

caixa alta: “Novo arrocho não passará”.

A matéria discorre sobre a greve

dos 4.500 metalúrgicos da Bellgo

Mineira, de Monlevade (MG), contra o

projeto em tramitação no Congresso que

impede a reposição de perdas salariais ocorridas nos últimos quinze anos. O texto

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demonstra a união entre as lutas sociais pelo país, e oscila entre gênero informativo e

opinativo ao citar dados, mas evidenciar o discurso partidário/autoritário diante dos fatos

sociais: “E como diz o Ministro do Trabalho ‘greve prejudica a democracia (que

democracia é esta que não reconhece o direito de greve?)’” (T.L.O: 0, 18/10/79).

Analisando o discurso contido na unidade texto-imagem, pode-se afirmar que há um

aspecto conotativo na sua leitura para além da mera elucidação dos fatos. A conotação

seria o segundo sentido, que depende da ação do criador (fotógrafo/editor), do significado

estético, ideológico e do contexto da época (BARTHES, 1990).

Se, de acordo com o discurso partidário, “o povo se une contra a repressão salarial”,

subentende-se mobilização, movimento. Por isso, a multidão é representada com braços

levantados, o que também remete à força coletiva como “única linguagem entendida pelos

patrões”. O subtítulo em caixa alta tem uma relação direta com a fotografia para chamar a

atenção ao arrocho salarial e a disposição dos metalúrgicos de lutarem contra sua

permanência. A fotografia poderia ser considerada general news, já que representa a

essência do acontecimento, uma manifestação coletiva, com caráter de retrato coletivo,

explorando traços dos sujeitos (SOUSA, 2004).

O sentimento de coletividade e interdependência é reforçado na última página (nº 4),

na qual a Tribuna apresenta um quadro do pintor Elifas Andreato, em que se acentuam

traços alusivos à vida do trabalhador, identificado pelos capacetes e roupas características.

Por sua vez, a labuta extenuante é retratada por rugas, olhar perdido e cansado. O texto

“UMA TRIBUNA A SERVIÇO DA CLASSE OPERÁRIA, DE SEU PRESENTE E DE

SEU FUTURO” tem relação direta com a imagem, na qual o presente pode ser entendido

pelos traços da velhice dos dois personagens (à esquerda), e o futuro nos traços de

jovialidade do personagem à direita. Tal caracterização demonstra a esperança de um

futuro mais digno ao trabalhador e ressalta a participação dos jovens na luta popular.

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.

Nos demais exemplares, a Tribuna dá continuidade à pauta de reivindicações dos

movimentos sociais insurgentes, relacionando a carestia, repressão policial e greves dos

metalúrgicos à necessidade de luta organizada no intuito de fornecer um conjunto de

informação que mobilize e seja instrumento de formação política do leitor. As imagens,

por sua vez, costumam apresentar-se em plano aberto, retratando multidão de pessoas,

com instrumentos como faixas e piquetes.

No exemplar nº 10 (TLO: 22/03/1980 a 04/04/1980) a matéria São Bernardo começa

a parar traz retratos individuais de líderes como Lula e retratos-ambiente em que o

público é o elemento principal na

composição da imagem. Em uma das

fotos, revela-se a alegria (através do

sorriso) de quem vê a força de sua classe.

Em outra, o mar de mãos levantadas

para votar pela luta até a vitória final

dos metalúrgicos. O texto de Bernardo

Jofilly, com colaboração de Carlos

Oliveira e Iara Santos, sincronizado às imagens, autoria de Marisa Uchiyama, constrói

uma história em fotografia que dá idéia da dimensão do acontecimento e a mobilização da

classe trabalhadora, reforçados na matéria Máquinas paradas, nº 11 (TLO: 05-

19/04/1980) na qual a unidade da greve é ressaltada como fonte de disposição já que

“nem foi preciso fazer piquetes”. Os trabalhadores e lideranças políticas aparecem nas

fotografias como forma de aproximar o leitor do acontecimento, pois a simbologia da

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imagem refere-se à luta dos metalúrgicos como a da unidade popular, à época, uma das

bandeiras do PC do B.

Com o fim da greve do ABC Paulista, a Tribuna preocupa-se em divulgar estratégias

desenvolvidas pelos metalúrgicos como forma de continuação da luta, a exemplo da

“marcha lenta”. O objetivo é lutar pela libertação de presos, contra a Lei de Segurança

Nacional (LSN), pela recuperação dos sindicatos sob intervenção e negociações em torno

da melhoria das condições de trabalho e de salários.

Desse modo, a Tribuna registra parte de uma história que tem profunda afirmação na

atualidade, levando-se em conta a mudança de foco dos movimentos sociais que, de

manifestações nas ruas, passam a enfatizar políticas públicas aliadas ao conhecimento dos

deveres e direitos dos cidadãos (GOHN, 2005).

Personagens e bandeiras: elogios e criticas na Tribuna

A necessidade de alianças entre partidos e movimentos populares diante da proposta

de reforma partidária idealizada pelo governo de João Batista Figueiredo é evidenciada

pelo discurso do jornal a partir do exemplar nº 2. No editorial Por uma unidade mais

avançada, propostas como as do PT, de Luis Inácio Lula da Silva, de Aurélio Peres, da

“frente social” sugerida por Miguel Arraes e da “tendência popular” dentro do Partido do

Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) são apresentadas estrategicamente unidas e

coincidentes na oposição firme ao regime militar, pela convocação de uma Assembléia

Constituinte livre e soberana.

Nesse momento, percebe-se a medição praticada pelo jornal no cenário político

brasileiro. Ilegal, o partido não podia atuar livremente, e então, ensaiava alianças para

publicizar suas propostas, por meio de representações como a frente popular do PMDB.

Reivindicando-se como partido da classe operária, o PC do B passou a disputar espaço

com outros grupos, e, por meio dos jornais, declarava criticamente oposição a

determinadas organizações partidárias.

Na matéria A Classe Operária e os Partidos, nº 8

(TLO: 23/02/1980 a 07/03/1980) assinada por Rogério

Lustosa, há imagem que representa quadros com letras

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aludindo aos partidos PT, Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), PMDB. No texto, defende-

se o fortalecimento da Tendência Popular do PMDB em detrimento do PT.

No exemplar nº 11, já citado anteriormente, o quadro OS PARTIDOS DE

OPOSIÇÃO I traz matéria intitulada Qual é a

proposta do PT, autoria de Carlos Azevedo, ironizada

por um cartoon2. Na imagem, trabalhadores e patrões

discutem propostas na mesa, como pertencentes a

mesma classe, o que iria de encontro à luta de classes

teorizada pelo marxismo-leninismo pregado no

partido comunista, e evidenciaria uma política

conciliatória. O conteúdo do texto tem referência

direta com a imagem, criticando a concepção do PT de negar a “classe operária e o

socialismo”, no intuito de promover a legalização do partido.

No discurso da Tribuna, personagens populares incomuns à grande imprensa

aparecem como participantes das lutas sociais, bem como lideranças políticas, como o

líder do PCB, Luis Carlos Prestes, e do PT, Luis Inácio Lula da Silva, freqüentemente

apresentados pela Tribuna para reforçar uma memória em disputa na interpretação da

realidade (SANTOS: 2007). No exemplar nº 6 (TLO: 17/01/08 a 09/02/1980) a matéria

Líderes operários condenam agressão soviética ao

Afeganistão “Estados Unidos e Rússia: dois

imperialismos com duas facetas diferentes” há afirmação

de Lula condenando a invasão do Afeganistão por tropas

soviéticas. As fotos são perfis/retratos de quatro

personagens da luta operária, autoria de Cristina Villares

e João Bittar, e formam uma história em fotografia ou

picture story, segundo Sousa (2004), já que se debruçam

sobre um problema social, um acontecimento. Na mesma

página, existe a matéria vinculada E Prestes é a favor, ilustrada por um caricatura em que

Prestes está com uma faixa “é a última que morre” sobre um cavalo cadavérico, o que

2 segundo José Marques de Melo (2003), representação de expressão criativa que pertence ao domínio da fantasia, mantendo-se vinculado ao espírito do momento, incorporando eventualmente fatos e personagens.

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alude ao conteúdo da legenda: “o ‘cavaleiro da esperança’ gosta de ser chamado de

‘agente de Moscou’”.

Nesse caso, a invasão ao Afeganistão é mais uma demonstração de que o

imperialismo se espalha até mesmo pela antiga União Soviética, e, para a Tribuna, há

necessidade urgente das classes trabalhadoras se conscientizarem dessa exploração e

promoverem transformações no sistema. Como líder do PCB, Prestes é constantemente

alvo de críticas, resquícios da cisão de 1962. No exemplar nº 11, Prestes diz que PCB não

é vanguarda. Caricaturado, o líder afirma ser o principal responsável pelos ‘erros e

deformações’ do partido.

Paulo Maluf, então governador de São Paulo, é outro personagem criticado pela

Tribuna. Nas fotografias, é representado

apenas por retratos ambientes, mas no texto,

percebe-se o tom combativo das palavras. Na

seção Fala O Povo, exemplar nº 10, há uma

ilustração fotográfica com um balão, como nas

revistas em quadrinho. A matéria é uma

espécie de explicação sobre a recepção popular

dada a Maluf no bairro Parque Boa Esperança, SP, na qual “puxas”, “maluk’s”, “Maluf &

Cia” estiveram presentes: “quando o povo grita, a canalhada apita (na curva)” T.L.O: 10,

22/03/1980 a 04/04/1980.

Mulheres e camponeses como sujeitos ativos nas lutas sociais

No final dos anos 70, surgem “novos atores sociais” (SADER,1988) dando mais

visibilidade e força às manifestações populares. As mulheres e os camponeses passam a

ser referenciadas pela unidade texto-imagem da Tribuna como símbolo de organização.

As mulheres ganham importância cada vez maior passando a se organizar em

congressos para discutir seus direitos como cidadãs. No exemplar nº 6 (TLO: 17/01/08 a

09/02/1980) a matéria Mulheres preparam vários congressos reforça essa idéia. Com

subtítulo elas são metade da população e cada vez mais participam das lutas populares, a

matéria traz uma fotografia ambiente em que mulher e filhos estão em primeiro plano, e a

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favela ao fundo. A legenda: a mulher suporta em dobro os

problemas do povo brasileiro tem relação direta com

imagem, que demonstra a dupla jornada do trabalho

feminina, da fábrica ao lar. Discriminação sexual, prazer e

virgindade são temas constantemente discutidos nos

encontros, o que leva à inclusão da mulher no cenário

político.

É o caso da história em quadrinhos, comics,

segundo Melo, do caderno Fala o Povo, nº 14 (TLO: 17/05/1980 a 31/051980). A idéia

principal é facilitar o entendimento das irregularidades

praticadas por multinacionais que empregam, em geral,

mulheres. Enviada por uma leitora paulista, a história em

quadrinhos denuncia a exploração praticada pela

multinacional Toko, apresentando como solução a

organização de assembléias com todos os setores, a fim de

dignificar o exercício da profissão e o cumprimento dos

direitos dos cidadãos, registrados, mais tarde, na

Constituição de 88.

Em 1980, os conflitos no campo ganham

destaque no periódico, o jornal destaca a morte de

Raimundo Ferreira, líder sindical em Conceição do

Araguaia. O fato torna-se acontecimento jornalístico

pelo protesto

que reuniu 4

mil pessoas.

As fotografias

reforçam a essência de protesto, já que uma

multidão com faixas “companheiro gringo; teu

martírio reforça mossa luta e esperança!” e a

imagem de Raimundo Ferreira, no lado direito, identifica de quem se fala e com que

intenção se realizou a manifestação.

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No exemplar nº 08, a capa traz um desenho que ocupa praticamente a metade da

página (34 x 20,5 cm). A manchete: A guerra pela terra, constituinte da própria imagem,

tem relação com o editorial, que reforça a luta e a resistência camponesa contra os

latifundiários e grileiros, a necessidade de se firmar uma aliança operário-camponesa para

instituir um governo democrático e popular, incentivando a integração entre o campo e a

cidade.

Com seleção temática da crise financeira, que

atinge principalmente a classe trabalhadora do país, as

fotos IMAGENS DA SECA, da sucursal de Fortaleza,

nº 16 (TLO: 14 a 28/06/1980), discorrem sobre a

situação de fome, forçando os camponeses a invadirem

cidades para conseguir mantimentos nos armazéns

locais. Autoria de José Feitosa, as imagens

apresentam: No alto, à esquerda, boi morto pela seca;

ao lado, longa caminhada em busca de água; em baixo, a cacimba que começa a secar.

Na segunda, há profundidade de campo que sugere a “longa caminhada”.Juntas, formam a

história em fotografia sugerida pela legenda, citada anteriormente.

Carestia: informação e opinião pela ótica da Tribuna

A inflação é pauta recorrente no discurso da Tribuna, no qual se ressaltam

conseqüências da crise financeira, como demissões em

massa, o crescimento da influência norte-americana na

economia do país, e o aumento da dívida externa. O

conjunto de imagens que representa essa situação

permite ao leitor a formação do seu ponto de vista a

partir do entendimento e do uso que faz das

mensagens difundidas pelo jornal, já que o discurso é

inacabado, estando sempre em processo de produção

(ORLANDI, 2003).

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A matéria A carestia de mal a pior (nº 16) apresenta

diversos recursos infográficos: gráficos explicativos,

quadros comparativos, numa linguagem clara e

contextualizada aos leitores, por meio de desenhos de

alimentos básicos, e uma charge em que o ministro do

Planejamento, Delfim Netto, parece esmagar o povo,

instigando a interpretação dos leitores por meio da

capacidade de criação do sujeito (KOSSOY, 1989).

No mesmo exemplar, o tema é apresentado de forma aprofundada, dinamizando a

leitura. A matéria principal 94,7%. E agora Delfim? traz

um panorama da crise econômica e da passividade

governamental para resolver a situação. Nas charges, FMI,

Figueiredo e Delfim se deliciam em um banquete, enquanto

sacos de dólares estão aos pés do representante

internacional. Na placa, um lembrete: “pobre não entra”, o

que reforça a desigualdade social. Os subtítulos formam

uma história, narrativa fragmentada que facilita a

compreensão do texto, por meio do humor opinativo e

contextualizado.

A dívida externa aparece no discurso jornalístico como uma das conseqüências da

carestia e fator determinante da submissão do país aos norte-americanos. Dizer NÃO ao

pagamento da dívida é quase uma obrigação proferida pelo periódico, reforçada pelo lema

nacionalista do petróleo e o crescimento de favelas nas grandes cidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imagens jornalísticas da Tribuna são parte integrante do seu discurso, pois é na

unidade texto-imagem que o periódico populariza sua mensagem para o público-leitor,

instigando-o na luta pela militância política contra a ditadura militar. As manifestações

organizadas pela sociedade civil e o surgimento de novos sujeitos históricos são temas

recorrentes no discurso da Tribuna, que em seu ideal de formação política do militante,

constrói a noção de resistência e desperta nos cidadãos o valor dos direitos humanos,

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sociais, culturais, do sentimento de justiça e igualdade social, qualidade de vida e

liberdade.

Como um documento histórico (KOSSOY, 1989) as fotografias da Tribuna revelam

uma sociedade organizada em torno da luta contra o regime militar. Sindicatos,

associações de bairro, camponeses, estudantes, diversos grupos aparecem no jornal como

construtores das mudanças, que, mais tarde, desembocam nas Diretas Já e na

Constituição de 1988. As charges e caricaturas demonstram o perfil partidário do jornal

ao ridicularizar lideres políticos, e, outras vezes, elogiar os que eram adeptos à luta

popular e democrática contra o regime militar.

Uma parte da história brasileira é narrada aos olhos do jornal, um recorte das massas

é exibido diante das páginas da Tribuna, por vezes, chocante, cruel, despertando a revolta

dos trabalhadores. Em outras, irônico, divertido, levando ao riso, à graça em meio à

reflexão proposta pelos próprios desenhos, pelas imagens. A produção de sentidos se

pretende unívoca: unir, mobilizar e resistir aos resquícios da ditadura militar, preparando

a consolidação da proposta partidária defendida pelo PC do B.

Assim, esta pesquisa em desenvolvimento tem por meta desvendar os sujeitos

produtores das mensagens, o modo como o discurso era difundido aos leitores, as

estratégias, apelos e valores que essa imprensa invocava, a partir do pressuposto de que

“fazer história é construir a nossa própria história” (BARBOSA, 2004, pág. 8).

REFERÊNCIAS

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