as fantásticas fábricas reais

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Cartola de página: Economia Cartola de assunto: Pequenas empresas e Grandes negócios As fantásticas fábricas reais Os pequenos empreendimentos enganam e mais parecem filmes de ficção do que um modo de sustento familiar. Os simples negócios que dão certo são responsáveis pelo giro da economia brasileira e apresentam, ao mesmo tempo, elevado índice de falência. Empresas que surgiram de ideias humildes, muitas delas por necessidade, hoje abraçam o mundo Pequenos tocos de madeira formam um trilho que une o estacionamento simples ao barlavento. No caminho, um tronco de árvore talhado com o rosto de um homem, há quem chame de „totem‟, e um barco de pesca desbotado, deixando vagamente a impressão do amarelo, azul, verde e vermelho que antes o decorava. O chalé é forrado de vidro, que reflete os primeiros raios do sol da manhã junto ao verde da mata que o cerca. As cores do barco se repetem no ambiente interno, porém, desta vez mais intensas e vibrantes. O calor do fogão campeiro repele a brisa que fica lá fora, nos cerca de 8ºC das manhãs geladas do inverno caxiense, na saída da cidade para Vila Oliva, na Rota do Sol. Assim como a empresa de Willy Wonka (Johnny Depp) no filme A Fantástica Fábrica de Chocolate, de Timothy William Burton, representava tipicamente o mundo encantado do personagem, com cascatas e rios de chocolate e um cenário colorido repleto de todos os doces que lhe haviam sido negados na infância, o pequeno recanto de Maurício Fedrizzi retrata exatamente as lembranças que mais o marcaram na juventude. Velejador desde menino, ele utilizou todos os adereços que remetem ao mar

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Page 1: As fantásticas fábricas reais

Cartola de página: Economia

Cartola de assunto: Pequenas empresas e Grandes negócios

As fantásticas fábricas reais

Os pequenos empreendimentos enganam e mais parecem filmes de ficção do que um

modo de sustento familiar. Os simples negócios que dão certo são responsáveis pelo

giro da economia brasileira e apresentam, ao mesmo tempo, elevado índice de falência.

Empresas que surgiram de ideias humildes, muitas delas por necessidade, hoje

abraçam o mundo

Pequenos tocos de madeira formam um trilho que une o estacionamento simples

ao barlavento. No caminho, um tronco de árvore talhado com o rosto de um homem, há

quem chame de „totem‟, e um barco de pesca desbotado, deixando vagamente a

impressão do amarelo, azul, verde e vermelho que antes o decorava. O chalé é forrado

de vidro, que reflete os primeiros raios do sol da manhã junto ao verde da mata que o

cerca. As cores do barco se repetem no ambiente interno, porém, desta vez mais

intensas e vibrantes. O calor do fogão campeiro repele a brisa que fica lá fora, nos cerca

de 8ºC das manhãs geladas do inverno caxiense, na saída da cidade para Vila Oliva, na

Rota do Sol.

Assim como a empresa de Willy Wonka (Johnny Depp) no filme A Fantástica

Fábrica de Chocolate, de Timothy William Burton, representava tipicamente o mundo

encantado do personagem, com cascatas e rios de chocolate e um cenário colorido

repleto de todos os doces que lhe haviam sido negados na infância, o pequeno recanto

de Maurício Fedrizzi retrata exatamente as lembranças que mais o marcaram na

juventude. Velejador desde menino, ele utilizou todos os adereços que remetem ao mar

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para embelezar o Rio do Vento, como âncoras, cordas, pranchas, canoas, remos, boias e

mesas de madeira maciça.

Nos fundos, uma grande estufa abriga a alma do negócio: os morangos

hidropônicos. No Rio do Vento, o „prato principal‟ recebe atenção especial diária de

quatro funcionários, música clássica e o melhor do rock‟n roll. Cultivado sem terra, o

alimento apresenta poucas chances de contaminação por pragas e doenças, o que

viabiliza sua produção sem a utilização de agrotóxicos. Outro diferencial é a renovação

de mudas, importadas do Chile, a cada dois anos.

A ideia de cultivar produtos hidropônicos surgiu em 1998, quando Fedrizzi

ainda trabalhava com recursos humanos e informática. Depois de uma experiência em

laboratórios com flores produzidas em estufa, o proprietário pensou em desenvolver um

trabalho na área e ter o seu próprio negócio. Ignorando as flores, plantas para extração

de óleo e a alface, por já estar em foco no mercado, a saída foi investir na produção de

morangos. “Conversei com 30 especialistas e todos eles disseram que eu era louco, que

não daria certo”, conta.

Em 2002, a safra dos morangos foi completamente comprometida por uma praga

que não pôde ser controlada a tempo, causando prejuízo de 60% na produção. Para

recuperar os gastos, no ano seguinte, ele resolveu utilizar as frutas excedentes da época

de safra para fabricação e venda de sucos e vitaminas. Com a alta procura, o

proprietário decidiu ampliar e investir no estabelecimento, que hoje possuí uma série de

diferentes pratos e uma gama de clientes que lotam o barlavento durante os fins de

semana para provar as variedades que contém os morangos.

Além da culinária criativa e do espaço aconchegante, o Rio do Vento oferece

atividades como tirolesa, que assim como o barlavento precisa ser agendada durante os

dias de semana. No domingo, dia de maior movimento, a pequena empresa chega a ter

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20 funcionários trabalhando, incluindo a própria esposa de Fedrizzi. “Devido à boa

recepção, hoje apostamos também na produção de tomate-cereja e manjericão, que são

utilizados nos pratos de entrada”, diz o proprietário.

Segundo o coordenador geral do Núcleo de Economia e Estatística (NECE) de

Caxias do Sul, André Gobbato, cerca de 90% das empresas caxienses são de pequeno

e/ou médio porte. “As pequenas empresas são muito importantes porque participam do

crescimento e do desenvolvimento da cidade”, afirma. Gobbato lembra ainda do papel

desses empreendimentos na geração de renda familiar. “Precisamos ter em mente que

são poucas as empresas que conseguem alcançar uma alta produtividade. A maior parte

delas permanece pequena”, avalia.

Tempos Modernos

Pequena, mas com uma história de causar inveja, é a empresa Santella Madeiras,

que hoje possui 20 funcionários, um galpão improvisado e um vasto estoque de material

bruto. Os irmãos Roberto e Décio Baggio escolheram o interior de Nova Pádua, a cerca

de 45Km de Caxias do Sul, para apostar em um mercado que há 10 anos se apresentava

deficiente: a produção de pinos de madeira para móveis. Hoje 15% da produção da

empresa é direcionada para o mercado internacional, abrangendo principalmente a

Argentina. A maior parte dela é distribuída para todo o país.

A ideia inicial viu suas primeiras concretizações com a contratação de três

funcionários. Em um aviário que antes pertencia ao sócio Roberto Baggio, as primeiras

máquinas foram instaladas em agosto de 2001. Há dois anos o galpão recebeu reformas.

O chão de terra batida foi substituído pelo piso de concreto e plataformas de metal

ganharam lugar onde antes só havia pedaços de lona que impediam a passagem do

vento.

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A principal dificuldade, segundo um dos proprietários, ainda se encontra na

contratação de funcionários, que não se interessam pelo trabalho devido às condições do

ambiente, que apresentam muito pó e barulho. “Estamos investindo em maquinário e o

objetivo é futuramente substituir o máximo de empregados por equipamentos”, afirma

Roberto.

O cenário lembra uma cena clássica do filme Tempos Modernos, de Charlie

Chaplin. Cerca de 10 máquinas enfileiradas abrigam os trabalhadores que, como

pequenas peças de um maquinário, repõem as estacas de madeira nos suportes. Na

esteira onde os pinos chegam prontos, dois funcionários são responsáveis pela seleção

dos produtos com qualidade que serão negociados no mercado. “O diferencial de uma

empresa hoje é a qualidade”, analisa o proprietário.

A gerência e o controle da Santella Madeiras é compromisso dos irmãos, que

dividem as tarefas na empresa. Roberto também é agricultor e destina o turno da tarde

para o sustento de sua propriedade. O irmão Décio mora em Caxias do Sul e trabalha

com serviços de consultoria durante a manhã. À tarde, a empresa é de sua

responsabilidade. “O negócio deu certo porque nenhum dos dois largou seu trabalho

inicial. Cada um continua com seus projetos individuais, responsabilizando-se por 50%

de tudo”, acredita o agricultor.

Outro „segredo‟ que pode se tornar armadilha para as pequenas empresas é

negociar somente com uma companhia a produção total. Depois de três anos

funcionando, a madeireira passou muito perto de fechar suas portas em virtude desta

ação. Vendendo para uma das maiores empresas do Brasil no ramo moveleiro, quando

os pedidos foram cancelados e os acordos de compra e venda extintos, a experiência de

Décio „salvou‟ o empreendimento. “Ele trabalha há 25 anos com consultoria e sua ação

foi fundamental”, conta Roberto.

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Para o economista Eduardo Borile, a principal causa de falência das pequenas

empresas é a inexperiência dos microempresários. “Eles não fazem uma pesquisa antes

de abrir as portas e entram no mercado sem noção de aceitação ou até mesmo preço”,

afirma. Os pequenos empreendimentos, no Brasil, recebem ajuda estatal na questão

tributária, o que para Borile não é suficiente. “A tributação simples coloca a empresa em

melhor grau de competitividade, mas ela acaba perdendo na sua estrutura fabril e na

negociação de matéria-prima”, diz o economista.

De porta em porta

Outra opção e oportunidade de ter seu próprio negócio é o trabalho autônomo.

Na comunidade de São Cristóvão, em Flores da Cunha, enquanto a filha mais velha

estuda, Edit Angela Marini Piroli enxuga a louça da casa e cuida de quatro dos sete

netos. A avó é autoritária e mesmo depois de um dia inteiro de trabalho encontra forças

para sair de sua casa e utilizar sua habilidade de comunicação para persuadir os

„pestinhas‟ a tomar banho e trocar o play station pelos livros. Encantada por crianças, a

vendedora e dona de casa assume o papel de mãe e avó com brilho nos olhos e um

sorriso de satisfação.

Quando se casou, há cerca de 30 anos, Edit começou a trabalhar como

vendedora de joias e produtos de beleza, conquistando prêmios no setor, um ano com

perfumes e outro com joias, consecutivamente. As colocações eram definidas de acordo

com a quantidade de produtos vendidos durante o ano e o prêmio era um curso de

treinamento para vendas, oferecido em Santa Catarina, com todas as despesas pagas.

“Ainda hoje ponho em prática muito do que aprendi com as aulas. Um exemplo é nunca

dizer ao cliente que se está vendendo algo, pois pode intimidá-lo. Diga que está

mostrando o produto”, aconselha.

Novos projetos acabaram afastando por um tempo a vendedora do que mais

gostava de fazer: bater de porta em porta à procura de um cliente. Edit envolveu-se em

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trabalhos comunitários, assumiu alguns serviços voluntários, tornou-se assistente social

e ingressou no grupo de alcoólatras anônimos da cidade com o objetivo de ajudar o filho

adotivo que enfrentava dificuldades na luta contra o álcool. “Depois de muito tempo,

hoje digo que posso dormir aliviada”, desabafa.

Os momentos de recuperação e crise que o filho enfrentou motivaram a

vendedora a continuar suas atividades na associação. Embora engajada em diversos

compromissos, Edit resolveu retomar o antigo trabalho. “Sempre tive uma queda por

vendas. Como um pé-de-leque, não larguei nada, só acumulei funções”, revela. Assim

como o personagem Bill Porter (William H. Macy), do filme De porta em porta, de

Steven Schachter, a vendedora enfrentou suas próprias barreiras e assim que iniciou

novamente as atividades nunca mais parou.

A mulher que estudou até a 5ª série viu-se instigada a voltar ao seu trabalho

quando comprou calcinhas de uma vendedora que desempenhava exatamente o mesmo

papel daquela que há alguns anos ganhava prêmios de melhor vendedora. Edit procurou

a fábrica que produzia o material e ofereceu-se para vender os produtos. A primeira

sacola foi negociada ainda na mesma semana, quando ela participou de um ensaio do

coral em que cantava. Das roupas íntimas, ela passou a negociar pijamas, casacos,

produtos alimentícios e assumiu mais de seis confecções e pequenas empresas.

O trabalho ganhou proporções maiores e hoje a caminhada em busca dos clientes

já não é mais rotina. Edit conseguiu se tornar representante das empresas e atualmente

atende às cidades de Flores da Cunha, Caxias do Sul, Antônio Prado, Ipê, São Marcos,

Capão da Canoa, Capão Novo e Arroio do Sal. “Nunca „comprei‟ a mercadoria, sempre

consegui o material consignado. Se não vendesse, devolvia e não tinha prejuízo algum”,

afirma.

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O público fiel não parou de procurar a comunicadora nata que, para atender à

antiga clientela, montou uma pequena loja na sala de sua casa com um mostruário de

pronta entrega de todas as mercadorias que vende. “Eu tenho cara de pau, por isso deu

certo”, admite Edit. Muito ligada a Deus, disposta e dinâmica, a dona de casa, como

ainda gosta de ser chamada, agradece todos os dias por tudo o que tem e pela

oportunidade de unir todas as atividades sem precisar deixar nada para trás.

O alerta final (Box1)

Um negócio pode ser o sonho de muitos brasileiros e caxienses, povos

considerados empreendedores pelos estudiosos de Administração de Empresas.

Segundo o professor de administração e coordenador dos Serviços de Desenvolvimento

Corporativo da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Sidnei Alberto Fochesatto, difícil

não é abrir sua própria firma, mas sim sustentá-la. “O empreendedor precisa estar ciente

de que durante um ano a empresa não vai gerar lucros”, lembra. Conforme Fochesatto,

as principais dificuldades se encontram na excessiva burocracia e no período necessário

para que o estabelecimento ganhe maturidade e identificação com seu público. De

acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), de cada 10 empresas de micro

e pequeno porte instaladas no Brasil, somente três „sobrevivem‟ depois de cinco anos,

ou seja, 70% delas „quebram‟ antes de completar cinco anos de vida. Para o professor

de administração, a falta de informação é a principal causa que leva os pequenos

empreendimentos à falência. “As pessoas abrem uma empresa sem saber aonde querem

chegar. Elas não têm planejamento estratégico, nem planilha de preços, por isso

„chutam‟ o valor da mercadoria”, diz. Fochesatto afirma ainda que não existe o

momento ideal para se abrir um negócio, mas revela que a situação de crise econômica é

a que gera os resultados mais positivos. “O segredo é montar algo que seja um

diferencial no mercado, que abranja um nicho onde você possa atuar e receber bem”,

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aconselha. O segredo parece dar certo no Brasil, ao menos é o que aponta o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo os índices apresentados em 2010,

95% das indústrias do país são representadas por micro e pequenas empresas,

totalizando 50% dos empregos no setor industrial. O alerta fica para a baixa obtenção de

lucros, fator que pode fechar as portas do empreendimento. Conforme dados

apresentados pelo IBGE menos de 15% do PIB do setor é colaboração das micro e

pequenas empresas, representando somente 21,8% dos salários pagos pela indústria.

Quer montar sua empresa? (Box2)

Aos que desejam ter seu próprio negócio, o professor de administração e

coordenador dos Serviços de Desenvolvimento Corporativo da UCS, Sidnei Alberto

Fochesatto, enfatiza sete dicas fundamentais para empreender:

* observe o segmento de atuação;

* reflita se você tem recursos suficientes para investir;

* pergunte a si mesmo se você está disposto a dedicar todo o seu tempo para o

empreendimento;

* monte um plano de negócio com orçamentos e custos;

* contrate pessoas com capacidade para desenvolver o que você pretende;

* acompanhe o desempenho da empresa;

* invista em marketing, pois a empresa que não é vista também não é lembrada.