as crônicas de bane 07 a queda do hotel dumort

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A Queda do Hotel Dumort

Julho de 1977

— O que você faz? — perguntou a mulher.

— Isso e aquilo — disse Magnus.

— Você está na moda? Parece estar.

— Não. Eu sou a moda.

Foi uma observação um pouco ousada, mas parecia encantar sua

companheira de voo. O comentário foi meio que um teste, na verdade.

Tudo parecia deliciar sua companheira – o encosto na frente dela, suas

unhas, o copo, seu próprio cabelo, o cabelo de todos, o saco para vomitar...

O avião estava no ar fazia apenas uma hora, mas a companheira de Magnus

tinha levantado para ir ao banheiro quatro vezes. Cada vez que ela surgia

momentos depois, estava esfregando furiosamente o nariz e tremendo

visivelmente. Agora ela estava inclinado sobre ele, seu cabelo loiro

angelical mergulhando na taça de champanhe, o pescoço cheirando a Eau

de Guerlain. O traço fraco do pó branco ainda se agarrava ao seu nariz.

Ele poderia ter feito essa viagem em segundos através de um Portal, mas

havia algo agradável sobre aviões. Eles eram charmosos, intimistas e

lentos. Você pode conhecer pessoas. Magnus gostava de conhecer pessoas.

— Mas a sua roupa? — ela falou. — O que é isso?

Magnus olhou para o seu terno de vinil com estampa xadrez vermelho e

preto com uma camiseta desfiada por baixo. Eram as cores regulares da

Londres punk, mas Nova York não chegara lá ainda.

— Eu faço RP — disse a mulher, aparentemente esquecendo a questão. —

Para discotecas e clubes. Os melhores clubes. Aqui. Aqui.

Ela vasculhou em sua maciça bolsa e parou por um momento, quando

encontrou os cigarros. Empurrou um deles entre os lábios, acendeu-o e

continuou procurando até que retirou um pequeno estojo de cartões feito de

casco de tartaruga. Abriu-o e escolheu um cartão que dizia: ELECTRICA.

— Vamos — disse ela, batendo no cartão com uma longa unha vermelha.

— Vamos. É a inauguração. Vai arrebentar. Será MUUUUITO melhor que

a do Studio 54. Oh. Espere um segundo. Você quer?

Ela mostrou-lhe um pequeno frasco na palma da mão.

— Não, obrigado.

E então ela se moveu para fora do assento mais uma vez, sua bolsa batendo

no rosto de Magnus quando ela voltou para o banheiro.

Os mundanos haviam se interessado bastante nas drogas novamente. Eles

passam por estas fases. Agora era cocaína. Ele não tinha visto tanto disso

desde a virada do século, quando estavam colocando-a em tudo – tônicos e

poções e até mesmo na Coca-Cola. Pensou por um tempo que a droga havia

ficado para trás, mas ela estava de volta mais uma vez, com força total.

Drogas nunca interessaram Magnus. Um bom vinho, absolutamente, mas

ele evitava poções, pós e comprimidos. Você não usa drogas e faz mágica.

Além disso, as pessoas que usavam drogas eram chatas. Desesperadamente,

incansavelmente chatas. Elas o deixam demasiado lento ou rápido e,

principalmente, só conversam sobre isso. E então começa o horrível

processo de morrer. Nunca houve um passo no meio.

Como todas as fases mundanas, esta também passaria. Esperançosamente,

em breve. Ele fechou os olhos e decidiu dormir o resto do caminho através

do Atlântico. Londres estava atrás dele. Agora chegou a hora de ir para

casa.

***

Pisando fora do aeroporto JFK, Magnus teve seu primeiro lembrete de por

que deixou sumariamente Nova York dois verões antes. Nova York era

malditamente quente no verão. Estava quase nos quarenta graus, e havia o

cheiro do combustível do avião e de cigarro misturado com os gases

pantanosos que pairavam em torno desta ponta distante da cidade. O cheiro,

ele sabia, só faria piorar.

Com um suspiro, ele se juntou à fila de táxis.

A cabine era tão confortável quanto qualquer caixa de metal ao sol, e seu

motorista suado acrescentava o perfume geral no ar.

— Para onde, amigo? — perguntou ele, analisando o traje de Magnus.

— Esquina da Christopher com a Sexta Avenida.

O taxista grunhiu e bateu no taxímetro, e em seguida, eles entraram no

tráfego. A fumaça do cigarro do motorista ia diretamente para o rosto de

Magnus. Ele levantou um dedo e a redirecionou para fora da janela.

A rodovia de JFK para Manhattan era curiosa, tecendo através bairros

familiares e trechos desolados, este último alastrando-se como cemitérios.

Era uma tradição milenar. Mantenha os mortos fora da cidade, mas não

longe demais. Londres, onde ele tinha acabado de estar, era rodeada de

cemitérios antigos. E Pompéia, que ele tinha visitado há alguns meses,

possuía toda uma avenida dos mortos, túmulos erguidos até a muralha da

cidade. Passado todos os bairros e cemitérios de Nova York, ao final da via

expressa lotada, cintilando à distância – esta era Manhattan – havia torres e

picos acesos, preparados para a noite. Da morte para a vida.

Ele não tinha a intenção de ficar longe da cidade por tanto tempo. Tinha

acabado de fazer uma viagem brevíssima a Monte Carlo... mas então, as

coisas poderiam se desenvolver. Uma semana em Monte Carlo se

transforma em duas na Riviera, que se transforma em um mês em Paris, e

dois meses na Toscana, e depois você acaba em um barco dirigindo-se para

a Grécia, e então está de volta a Paris para a temporada, e depois vai a

Roma um pouquinho, e Londres...

E às vezes você acidentalmente fica fora por dois anos. Acontece.

— De onde você é? — perguntou o taxista, olhando Magnus no espelho

retrovisor.

— Oh, de todo lugar. Aqui na maior parte.

— Você é daqui? Esteve fora? Parece que veio de longe.

— Por um tempo.

— Ouviu sobre esses assassinatos?

— Não li o jornal há um tempo — Magnus disse.

— Algum maníaco. Chamam-no Filho de Sam. Ou assassino calibre-

quarenta-e-quatro também. Sai por aí atirando em casais na rua, sabe?

Bastardo doente. Realmente doente. A polícia não o pegou. Eles não fazem

nada. Bastardo doente. A cidade está cheia deles. Você não deveria ter

voltado.

Taxistas de Nova York – sempre pequenos raios de sol.

***

Magnus desceu na esquina arborizada da Sexta Avenida e com a

Christopher Street, no coração de West Village. Mesmo ao cair da noite, o

calor era sufocante. Ainda assim, parecia encorajar uma atmosfera de festa

no bairro.

O Village era um interessante local antes de ele ter ido. Parecia que, em sua

ausência, havia assumido um novo nível de festa. Homens fantasiados

caminhavam pela rua. Os cafés ao ar livre estavam cheios. Havia uma

atmosfera de carnaval que Magnus classificou instantaneamente como

convidativa.

O apartamento de Magnus ficava no terceiro andar de uma das casas de

tijolos que contornavam a rua. Deixou-se ir e saltou levemente degraus

acima, cheio de alto astral. Seu espírito caiu quando ele chegou ao seu

patamar. A primeira coisa que notou junto à porta, foi um forte mau cheiro,

algo podre, misturado com gambá, misturado com outras coisas que ele não

tinha nenhum desejo de identificar.

Magnus não vivia em um apartamento fedorento. Seu apartamento cheirava

a piso limpo, flores e incenso. Ele colocou a chave na fechadura, e quando

tentou empurrar a porta, ela estava emperrada. Teve que empurrá-la com

muita força para abri-la. O motivo ficou imediatamente claro – havia caixas

de garrafas de vinho vazias do outro lado. E, para sua surpresa, a televisão

estava ligada. Quatro vampiros estavam caídos em seu sofá, assistindo

desenhos animados.

Ele sabia que eram vampiros no primeiro olhar. A falta de cor sob a pele, a

postura lânguida. Além disso, esses vampiros sequer se preocuparam em

limpar o sangue dos cantos duas bocas. Todos eles tinham gotas do

material seco em torno do rosto.

Um disco estava rodando no player. A música tinha chegado ao fim e o

aparelho esperava ser desligado, sibilando suavemente em desaprovação.

Apenas uma dos vampiros se virou para olhá-lo.

— Quem é você? — ela perguntou.

— Magnus Bane. Eu moro aqui.

— Oh.

Voltou-se para o próximo desenho animado.

Quando Magnus saiu dois anos antes, deixara seu apartamento aos

cuidados de uma dona de casa, a Sra. Milligan. Enviou dinheiro a cada mês

para as contas e a limpeza.

Claramente ela havia pago as contas. A eletricidade ainda estava ligada.

Mas não tinha limpado nada, e Sra. Milligan provavelmente não tinha

convidado estes quatro vampiros que vieram e permaneceram, e lotaram o

lugar de lixo. Em todos os lugares que Magnus olhou havia sinais de

destruição e decadência.

Uma das cadeiras da cozinha havia sido quebrada e estava em pedaços no

chão. As outras foram empilhadas com revistas e jornais. Lá estavam

cinzeiros e cinzeiros improvisados transbordando, e depois era só trilhas de

cinzas e pratos cheios de bitucas de cigarro. As cortinas da sala de estar

estava tortas e rasgadas. Tudo estava torto, e algumas coisas estavam

simplesmente faltando. Magnus tinha muitas peças encantadoras de arte

que colecionara ao longo dos anos. Procurou sua porcelana de Sèvres, uma

de suas favoritas, que ficava em uma mesa no corredor. Ela, é claro, se

fora. Assim como a mesa.

— Eu não quero ser rude — Magnus falou, olhando infeliz uma pilha de

lixo fedorento em um de seus melhores tapetes persas — mas posso

perguntar por que vocês estão na minha casa?

A vampira virou-se para ele com um olhar turvo.

— Nós vivemos aqui — falou finalmente.

— Não — disse Magnus. — Acho que acabei de explicar que eu moro

aqui.

— Você não estava aqui. Então, nós vivemos aqui.

— Bem, estou de volta. Então vocês precisam procurar outro local.

Sem respostas.

— Deixe-me ser mais claro — Magnus falou, de pé em frente ao aparelho

de televisão. A luz azul crepitava entre seus dedos. — Se estão aqui, devem

saber quem sou. Devem saber o que sou capaz de fazer. Talvez gostariam

de me contratar para ajudá-los? Ou talvez eu possa abrir um Portal e enviá-

los para longe, que tal o Bronx? Ohio? Mongólia? Onde gostariam de ser

abandonados?

Os vampiros no sofá não falaram nada por um minuto ou dois. Em seguida,

eles conseguiram olhar um para o outro. Houve um grunhido, um segundo

grunhido, e então eles se levantavam do sofá com enorme dificuldade.

— Não se preocupe com as suas coisas — Magnus comentou. — Posso

enviá-las também. Para o Dumont?

Os vampiros há muito clamaram o antigo Hotel Dumont. Era o endereço

principal de todos os vampiros de Nova York.

Magnus olhou para eles mais de perto. Nunca tinha visto vampiros como

estes. Eles pareciam estar... doentes? Vampiros não ficavam realmente

doentes. Eles têm fome, mas não ficam doente. E esses vampiros tinham

comido. A prova estava em seus rostos. Além disso, eles estavam tremendo

um pouco.

Considerando o estado do lugar, ele não tinha vontade de se preocupar com

a saúde deles.

— Vamos lá — disse um deles.

Os vampiros se arrastaram para a porta e, em seguida, escada abaixo.

Magnus fechou a porta com firmeza e, com um movimento de mão, moveu

uma pia seca de mármore para bloquear a porta por dentro. Pelo menos ela

tinha sido muito pesada e resistente para quebrar ou remover, mas estava

cheia de roupas velhas e sujas que pareciam estar cobrindo algo que

Magnus instintivamente sabia que não gostaria de ver.

O cheiro era terrível. Aquilo tinha que ir primeiro. Um raio azul preencheu

o ar, e o fedor foi substituído pelo cheiro de jasmim-da-noite. Ele tirou o

disco do toca-discos. Os vampiros tinham deixado para trás uma pilha de

álbuns. Magnus analisou e escolheu o novo álbum de Fleetwood Mac que

todos estavam escutando. Gostava deles. Havia uma luz mágica soando

com a música. Magnus passou a mão através do ar de novo, e lentamente o

apartamento começou a endireitar-se. Como agradecimento, ele enviou o

lixo e os vários pequenos montes nojentos ao Dumont. Havia prometido

que lhes enviaria suas coisas, afinal.

***

Apesar da magia que usou em seu ar-condicionado da janela, apesar da

limpeza, apesar de tudo o que tinha feito, o apartamento ainda parecia

pegajoso, sujo e desagradável.

Magnus dormido mal. Estava de pé por volta das seis da manhã e saiu em

busca de café e comida. Ainda estava no horário de Londres, de qualquer

maneira.

Na rua, algumas pessoas estavam claramente voltando para casa depois

noite. Houve uma mulher pulando em um salto alto e um pé descalço.

Havia três pessoas cobertas de glitter e suor, todas segurando casacos de

penas, emergindo de um táxi na esquina.

Magnus se estabeleceu na mesa de canto de um restaurante do outro lado

da rua. Era a única coisa aberta. Estava surpreendentemente cheio. Mais

uma vez, a maior parte das pessoas parecia estar no final do dia, não no

começo, e estavam devorando panquecas para absorver o álcool em seus

estômagos.

Magnus comprara um jornal no caixa. O taxista não mentiu – as notícias

em Nova York eram ruins. Ele tinha deixado uma cidade conturbada e

voltou para uma quebrada.

A cidade estava sem dinheiro. Metade dos edifícios no Bronx tinham

queimado em ruínas. O lixo estava amontoado nas ruas porque não havia

dinheiro para coletar. Assaltos, assassinatos, roubos... e sim, alguém

chamado Filho de Sam e afirmando ser um agente de Satanás estava

correndo com uma arma e atirando em pessoas de forma aleatória.

— Pensei que fosse você — disse uma voz. — Magnus. Onde estava, cara?

Um jovem deslizou do outro lado da sema. Ele usava calça jeans, um colete

de couro sem camisa e uma cruz de ouro em uma corrente ao redor do

pescoço. Magnus sorriu e dobrou o jornal para longe.

— Greg!

Gregory Jensen era um extremamente bonito jovem lobisomem com

ombros largos e cabelos loiros. Loiro não era a cor de cabelo favorita de

Magnus, mas em Greg certamente era uma boa combinação.

Magnus tivera uma quedinha por Greg por um tempo, uma paixão que ele,

eventualmente, deixou ir quando conheceu a mulher de Greg, Consuela. O

amor de lobisomem era intenso. Você não chega perto dele.

— Estou te dizendo — Greg puxou o cinzeiro debaixo da jukebox da mesa

e acendeu um cigarro — as coisas foram confusas recentemente. Quero

dizer, confusas mesmo.

— Confusas como?

— Os vampiros, cara — Greg tomou uma longa tragada. — Há algo de

errado com eles.

— Encontrei alguns no meu apartamento ontem à noite quando cheguei em

casa — disse Magnus. — Eles não pareciam bem. Estavam nojentos, para

começar. E pareciam doentes.

— Eles estão doentes. Estão se alimentando como loucos. Está ficando

ruim, cara. Está ficando ruim. Eu estou lhe dizendo...

Ele se inclinou e baixou a voz.

— Os Caçadores de Sombras irão atrás de todos nós se os vampiros não

estiverem sob controle. Não tenho certeza se os Caçadores de Sombras

sabem o que está acontecendo. A taxa de homicídios na cidade é tão alta,

talvez eles não possam dizer. Mas não vai passar muito antes de

descobrirem.

Magnus se recostou na cadeira.

— Camille normalmente mantém as coisas sob controle.

Greg deu de ombros pesadamente.

— Eu só posso dizer que os vampiros começaram a frequentar todos os

clubes e discotecas. Eles adoram essas coisas. Mas, então, passaram a

atacar pessoas o tempo todo. Nos clubes, nas ruas. O NYPD pensa que os

ataques são assaltos estranhos, então tudo tem estado quieto até agora. Mas

quando os Caçadores de Sombras descobrirem, irão cair sobre nós. Eles

estão ficando rápidos no gatilho. Sem desculpas.

— Os Acordos de proíbem...

— Os Acordos a minha bunda. Estou te dizendo, não vai demorar muito

antes de começarem a ignorar os Acordos. E os vampiros estão em

desacordo que algo possa acontecer. Eu estou lhe dizendo, está tudo tão

confuso.

Uma bandeja de panquecas foi depositada na frente de Magnus, e ele e

Greg pararam de falar por um momento. Greg apagou o cigarro mal

fumado.

— Tenho que ir. Eu estava patrulhando para ver se alguém tinha sido

atacado, e o vi através da janela. Queria dizer oi. É bom vê-lo de volta.

Magnus deixou cinco dólares na mesa e empurrou as panquecas para longe.

— Vou com você. Quero ver isso por mim mesmo.

***

A temperatura tinha subido na hora em que ele saiu da lanchonete. Isso

ampliou o cheiro do lixo – que transbordava para fora de latas de metal

(que só cozinhava e intensificava o cheiro), sacos dele amontoados no

meio-fio. Lixo simplesmente jogado para baixo na própria rua. Magnus

passou por cima de invólucros de hambúrguer, latas e jornais.

— Duas áreas básicas para patrulhar — disse Greg, acendendo um novo

cigarro. — Esta área e a oeste do centro. Vamos rua por rua. Estou

trabalhando a oeste daqui. Há uma grande quantidade de clubes mais à

beira do rio, no Distrito de Meatpacking.

— Está muito quente.

— Esse calor, cara. Acho que ele poderia ser o calor fazendo-os pirar.

Afeta a todos.

Greg tirou o colete. Havia certamente coisas piores do que dar um passeio

com um bonito homem sem camisa em uma manhã de verão. Agora que

era uma hora mais civilizada, as pessoas estavam saindo. Casais gays

caminhavam de mãos dadas, ao ar livre, durante o dia.

Isso era bastante novo. Mesmo que a cidade parecesse estar caindo aos

pedaços, uma coisa boa estava acontecendo.

— Lincoln tem falado com Camille? — Magnus perguntou.

Max Lincoln era o líder dos lobisomens. Todo mundo só o chamava pelo

seu sobrenome, que se encaixava perfeitamente com seu corpo alto e magro

e a cara barbuda – e porque, como o mais famoso Lincoln, ele era um

famoso líder calmo e resoluto.

— Eles não se falam — Greg disse. — Não mais. Camille vem aqui para o

clubes, e é isso. Você sabe como ela é.

Magnus sabia muito bem. Camille sempre fora um pouco distante, pelo

menos com estranhos e conhecidos. Ela tinha o ar de realeza. A Camille

secreta era uma besta inteiramente diferente.

— E Raphael Santiago? — Magnus perguntou.

— Ele se foi.

— Foi?

— O rumor é que foi mandado embora. Ouvi dizer de uma das fadas.

Afirmam ter ouvido isso de algum subjugado no Central Park. Ele deve ter

sabido sobre o que estava acontecendo e teve algumas palavrinhas com

Camille. Agora ele está acabado.

Isto não era um bom presságio.

Eles caminharam pelo Village, passando por lojas e cafés, em direção ao

Distrito de Meatpacking, com suas ruas de paralelepípedos e armazéns em

desuso. Muitos deles eram agora os clubes.

Havia uma sensação desolada aqui de manhã – apenas os restos das festas

abandonadas e o rio descendo vagarosamente. Mesmo o rio parecia

ressentir-se do calor.

Eles checaram todos os lugares – os becos, perto das latas de lixo. Olharam

embaixo de vans e caminhões.

— Nada — disse Greg, depois olhou e cutucou a última pilha de lixo no

último beco. — Penso que foi uma noite tranquila. Já checamos tudo. Está

tarde.

Isso exigiu uma rápida caminhada no crescente calor. Greg não podia pagar

por um táxi e recusou-se a permitir que Magnus o fizesse, de modo que

Magnus juntou-se infeliz à caminhada até a Rua Canal.

O quartel dos lobisomens estava escondido por trás da fachada de um

restaurante delivery em Chinatown. Uma lobisomem estava atrás do

balcão, sob o menu e as fotos de vários pratos chineses. Ela olhou para

Magnus. Quando Greg acenou com a cabeça, ela os deixou passar através

de uma cortina de contas para a parte traseira.

Não havia cozinha no fundo do lugar parede. Em vez disso, havia uma

porta que dava para uma instalação muito maior – a antiga Segunda

Delegacia de Polícia. (As celas vêm a calhar durante a lua cheia.)

Magnus seguiu Greg pelo corredor mal iluminado para a sala principal da

delegacia, que já estava cheia. A matilha estava reunida, e Lincoln estava

na cabeceira da sala, ouvindo um relatório e balançando a cabeça

gravemente. Quando viu Magnus, ele levantou a mão em saudação.

— Tudo certo — Lincoln falou. — Parece que todos estão aqui. E nós

temos um convidado. Muitos de vocês conhecem Magnus Bane. Ele é um

bruxo, como podem ver, e um amigo para esta matilha.

Esta proposta foi aceita de primeira, e houve acenos e cumprimentos de

todos os lados. Magnus recostou-se num armário de arquivos para assistir

aos procedimentos.

— Greg — Lincoln disse — você é o último. Alguma coisa?

— Não. Minha área estava limpa.

— Bom. Mas, infelizmente, houve um incidente. Elliot? Quer explicar?

Outro lobisomem avançou.

— Nós encontramos um corpo. No centro, perto de Le Jardin.

Definitivamente um ataque de vampiros. Retiramos a marca no pescoço.

Cortamos a garganta, por isso as marcas de perfuração foram escondidas.

Houve um gemido geral em torno do cômodo.

— Isso vai manter as palavras “assassino vampiro” fora dos jornais por um

tempo — Lincoln apontou.

— Mas, claramente, as coisas ficaram piores, e agora alguém está morto.

Magnus ouviu vários comentários em voz baixa sobre vampiros, e alguns

em vozes nem tão baixas assim. Todas as observações continham

sortilégios.

— Certo — Lincoln ergueu as mãos e silenciou os sons gerais de

desânimo. —Magnus, o que você acha sobre isso?

— Eu não sei — Magnus respondeu. — Acabei de voltar.

— Nunca viu nada parecido com isso? Ataques aleatórios em massa?

Todas as cabeças se viraram em sua direção. Ele firmou-se contra o

arquivo. Não estava pronto para fazer uma apresentação sobre as maneiras

dos vampiros a esta hora da manhã.

— Eu vi o mau comportamento — disse Magnus. — Realmente depende.

Estive em lugares onde não havia força policial e nem Caçadores de

Sombras nas proximidades, por isso às vezes pode ficar fora de mão. Mas

nunca vi nada assim aqui, ou em qualquer área desenvolvida.

Especialmente não perto de um Instituto.

— Precisamos cuidar disso — uma voz falou.

Várias vozes de assentimento ecoaram pelo quarto.

— Vamos conversar lá fora — Lincoln pediu a Magnus.

Ele acenou com a cabeça na porta, e os lobisomens separaram para que

Magnus pudesse passar.

Lincoln e Magnus pegaram algum café do Corner Deli e sentaram-se em

frente à loja de um acupunturista.

— Algo está errado com eles — Lincoln falou. — Seja o que for, bateu

rápido, e bateu duro. Se temos vampiros doentes ao redor fazendo este tipo

de derramamento de sangue... eventualmente teremos que agir, Magnus.

Não podemos deixá-los ir. Não podemos deixar que os assassinatos

aconteçam, e correr o risco de trazer os Caçadores de Sombras para cá. Não

podemos ter problemas de novo. Vai acabar mal para todos nós.

Magnus examinou a rachadura no degrau abaixo.

— Você já contatou o Praetor Lupus? — questionou.

— É claro. Mas não podemos identificar quem está por trás dos ataques.

Não parece ser o trabalho de um patife inexperiente. São ataques múltiplos

e em vários locais. A nossa sorte é que todas as vítimas estavam sobre

efeito de várias substâncias, então não conseguem articular o que aconteceu

com eles. Se um deles diz “vampiro”, a polícia pensará que é porque eles

estão altos. Mas, eventualmente, a história vai tomar forma. A imprensa

ficará sabendo disso, os Caçadores de Sombras terão seu estopim e a coisa

toda vai desenrolar rapidamente.

Lincoln estava certo. Se isso ocorresse, os lobisomens estariam em seu

direito de reagir. E então haveria sangue.

— Você conhece Camille — Lincoln apontou. — Poderia falar com ela.

— Eu conhecia Camille. Você provavelmente a conhece melhor que eu

neste momento.

— Eu não sei como falar com Camille. Ela é uma pessoa difícil de se

comunicar. Eu já teria falado com ela se soubesse como. E o nosso

relacionamento não é exatamente a que você tinha.

— Nós realmente não nos damos bem — disse Magnus. — Não nos

falamos por várias décadas.

— Mas todo mundo sabe que vocês dois eram...

— Isso foi há muito tempo atrás. Cem anos atrás, Lincoln.

— Para vocês dois, o que esse tempo importa?

— O que você quer que eu diga a ela?

É difícil encontrar alguém depois de um longo tempo e apenas dizer: “Pare

de atacar as pessoas. Ah, e como tem estado desde a virada do século?”

— Se houver algo de errado, talvez você pudesse ajudá-los. Se é apenas um

caso de superalimentação, eles precisam saber que estamos preparados para

agir. E se você se importa com ela, o que penso ser verdade, ela merece

este aviso. Para o bem de todos.

Ele colocou a mão no ombro de Magnus.

— Por favor — disse Lincoln. — É possível que ainda possamos corrigir

isso. Porque, se continuar, vamos todos sofrer.

***

Magnus tinha muitos ex. Eles estavam espalhados ao longo da história. A

maioria deles estava nas memórias, mortos há muito tempo. Alguns eram

agora de muito idade. Etta, um de seus últimos amores, estava agora em

uma casa de repouso e já não o reconhecia. Tinha se tornado muito

doloroso visitá-la.

Camille Belcourt era diferente. Ela entrou na vida de Magnus sob a luz de

uma lâmpada à gás, parecendo real. Isso fora em Londres, num mundo

diferente.

Seu romance tinha acontecido na névoa. Acontecera em carruagens girando

em estradas de paralelepípedo, em sofás cobertos de seda cor de ameixa.

Eles se amaram no tempo das criaturas mecânicas, antes das guerras

mundanas. Parecia haver mais tempo, então, tempo para ocupar, tempo

para gastar. E eles ocuparam. E gastaram.

Se separaram de maneira ruim. Quando você ama alguém intensamente e

não é amado de volta da mesma forma, é impossível terminar bem.

Camille tinha chegado a Nova York no final da década de 1920, enquanto a

Grande Depressão acontecia e tudo desmoronava. Ela possuía um grande

senso de drama e um bom faro para lugares que estavam em crise e

precisavam de uma mão orientadora. Em um momento ela se tornou a líder

dos vampiros. Vivia no famoso edifício Eldorado, no Upper West Side.

Magnus sabia onde ela vivia, e ela sabia onde Magnus morava. Mas

nenhum deles havia contatado o outro. Cruzaram-se uma vez ou outra,

puramente por acaso, em vários clubes e eventos ao longo dos anos.

Apenas trocavam um aceno rápido. Aquela relação estava terminada. Era

um fio com eletricidade, para não ser tocado. Era uma tentação na vida que

Magnus sabia deixar de lado.

E, no entanto, ali estava ele, a apenas vinte e quatro horas em Nova York,

entrando no Eldorado. Era um dos grandes edifícios de apartamentos com

art deco de Nova York. Ficava diretamente a oeste do Central Park, com

vista para o reservatório. Era notável por suas duas torres quadradas

combinando sobressaindo-se como chifres. O Eldorado foi a casa dos

antigos endinheirados, celebridades, as pessoas que simplesmente tinham.

O porteiro uniformizado era treinado para não tomar conhecimento do traje

ou do rosto de ninguém, contanto que parecesse vir ao edifício por um

motivo legítimo.

Para a ocasião, Magnus decidiu pular o seu novo visual. Não haveria

nenhum punk aqui – nada de vinil ou rasgos. Hoje foi um dia de paletó

Halston preto, com largas lapelas de cetim. A roupa passou no teste, e ele

recebeu um aceno de cabeça e um sorriso reluzente.

Camille morava no vigésimo oitavo andar da torre norte, com um

silencioso elevador de painéis de carvalho e trilho de latão subindo direto

para um dos imóveis mais caros de Manhattan.

As torres eram bastante pequenas, andares muito íntimos. Alguns tinham

apenas um ou dois habitantes. Havia dois neste caso.

Camille morava no 28C. Magnus podia ouvir a música vindo por baixo da

porta. Lá havia um forte cheiro de fumaça e o resquício do perfume de

alguém que acabara de passar pelo corredor. Apesar do fato de que havia

atividade ali dentro, demorou cerca de três minutos antes que alguém

respondesse à sua batida na porta.

Ele ficou surpreso ao descobrir que reconheceu a pessoa primeiramente.

Era um rosto de há muito tempo. Na época, a mulher tinha o cabelo preto

cortado bem curto e usava vestidos Flapper. Ela era jovem, então, e

enquanto tinha retido a juventude básica (vampiros realmente não tem

idade), parecia desgastada pelo mundo. Agora seu cabelo foi descolorido

até o loiro e formava pesados cachos longos. Usava um vestido colante

dourado que deslizava até os joelhos, e um cigarro pendia de um lado da

boca.

— Bem, bem, bem. O feiticeiro favorito de todos! Eu não o vi desde que

acabou com o bar clandestino. Faz um longo tempo.

— Sim — Magnus concordou. — Daisy?

— Dolly — ela abriu mais a porta. — Olhem quem é, todo mundo!

A sala estava cheia de vampiros todos vestidos muito bem. Magnus tinha

que dar esse crédito a eles. Os homens usavam os ternos brancos que eram

tão populares nesta temporada. Todas as mulheres tinham vestidos de noite

fantásticos, principalmente branco ou dourado. A mistura de spray de

cabelo, fumaça de cigarro, incenso, colônias e perfumes tirou seu fôlego

por um momento.

Além dos aromas fortes, houve uma tensão no ar que não tinha base real.

Magnus não era estranho para os vampiros, mas este grupo estava tenso,

olhando um para o outro. Examinando ao redor. À espera de alguma coisa.

Não houve convite para entrar.

— Camille está? — Magnus perguntou finalmente.

Dolly apoiou um quadril contra a porta.

— O que o traz aqui hoje à noite, Magnus?

— Acabei de voltar de férias extensas. Apenas parecia certo fazer uma

visita.

— É mesmo?

Ao fundo, alguém baixou o volume do toca-discos até que a música era

apenas audível.

— Alguém vá chamar Camille — Dolly falou sem se virar.

Ela permaneceu onde estava, bloqueando a porta com seu pequeno corpo.

Fechou um pouco a porta para reduzir o espaço que tinha de preencher.

Continuou sorrindo para Magnus de uma forma que foi um pouco

enervante.

— Só um minuto — disse ela.

No fundo, alguém se moveu para o corredor.

— O que é isso? — Dolly perguntou, arrancando algo do bolso de Magnus.

— Electrica? Nunca ouvi falar deste clube.

— É novo. Eles afirmam ser melhor do que o Studio 54. Nunca fui num ou

noutro, então não sei. Alguém me deu os ingressos.

Magnus tinha enfiado os ingressos no bolso enquanto caminhava para a

saída de casa. Afinal, tinha se esforçado para vestir algo ótimo. Caso esta

missão acabasse tão mal quanto ele pensava, seria bom ter um lugar para ir

depois.

Dolly balançava os ingressos em um giro e acenou-os levemente na frente

de seu rosto.

— Pegue-os — Magnus falou.

Era evidente que Dolly já tinha tomado posse e não lhe devolveria, pelo

menos parecia educado torná-lo oficial.

Um vampiro emergiu do corredor e conferenciou com alguns outros no

sofá e ao redor da sala. Em seguida, um vampiro diferente aproximou-se da

porta. Dolly deu um passo para trás da porta por um momento, fechando-a

mais. Magnus ouviu um murmúrio. Em seguida a porta se abriu

novamente, o suficiente para admiti-lo.

— É a sua noite de sorte — ela falou. — Este caminho.

O tapete branco de parede a parede era tão felpudo e grosso que Dolly

vacilou em seus saltos altos enquanto o percorria. O carpete tinha todo tipo

de manchas – bebidas entornadas, cinzas e poças de algo que ele

supostamente pensava ser sangue.

Os sofás e cadeiras brancas estavam em semelhante condição. As muitas

plantas grandes e envasadas, palmeiras e outras folhas, estavam todas secas

e caídas. Vários quadros nas paredes estavam tortos. Havia garrafas e copos

vazios com vinho seco no fundo em todos os lugares. Era o mesmo tipo de

desordem que Magnus encontrara em seu apartamento.

O mais preocupante foi o silêncio de todos os vampiros na sala que o

assistia sendo conduzido juntamente com Dolly para o corredor. E, em

seguida, havia o sofá cheio de seres humanos imóveis – subjugados, sem

dúvida, atordoados e caídos, a boca entreaberta, contusões e feridas nos

pescoços, braços e mãos com aparência muito feia. A mesa de vidro na

frente deles tinha uma fina camada de pó branco e algumas lâminas de

barbear. O único ruído era a música baixa e um leve estrondo do trovão do

lado de fora.

— Por este caminho — instruiu Dolly, segurando Magnus pela manga.

O corredor estava escuro, e havia roupas e sapatos por todo o chão. Sons

vinham das três portas ao longo do corredor. Dolly caminhou até o fim,

parando em frente às portas duplas. Ela bateu uma vez e as abriu.

— Vá em frente — disse ela, ainda sorrindo seu sorrisinho estranho.

Em contraste com a brancura tudo na sala de estar, este quarto era o lado

escuro do apartamento. O tapete era um preto índigo, como um mar

noturno. As paredes estavam cobertas por um papel de parede prata

profundo. Os abajures estavam todos cobertos por xales dourados ou

prateados. As mesas eram todas espelhados, refletindo a visão atrás e na

frente novamente. E no meio de tudo isso, uma cama de laca preta com

folhas negras e um pesado edredom dourado. Em que estava Camille, num

quimono de seda cor de pêssego.

E cem anos pareceram sumir.

Magnus sentiu-se incapaz de falar por um momento. Agora poderia muito

bem ser Londres outra vez, todo o século XX enrolado em uma bola e

atirado para o lado.

Mas, então, o momento presente desabou de volta quando Camille

começou um desajeitado rastejar em sua direção, deslizando sobre as folhas

de cetim.

— Magnus! Magnus! Magnus! Venha aqui! Venha! Sente-se!

Seu cabelo loiro-prata estava longo e baixo, o olhar, selvagem. Ela deu um

tapinha no final da cama.

Esta não era a saudação que ele estava esperando. Esta não era a Camille

que ele lembrava, ou até mesmo a que ele tinha visto de passagem.

Quando foi passar por um amontoado de roupas, Magnus percebeu que

havia um ser humano no chão, de bruços. Ele se curvou para baixo e

gentilmente retirou a massa de longos cabelos negros para virar o rosto da

pessoa para cima. Era uma mulher, e ainda havia um pouco de calor nela, e

um pulso batendo fraco em seu pescoço.

— Isso é Sarah — disse Camille, se jogando na cama e deixando a cabeça

pendurada na beira da cama para assistir.

— Você está alimentando-se dela — Magnus falou. — Ela é uma doadora

por vontade?

— Oh, ela adora. Agora, Magnus... Você parece maravilhoso, por sinal.

Sabe o Halston? ... Estamos prestes a sair. E você vem com a gente.

Ela saiu da cama e tropeçou seu caminho até um closet enorme. Magnus

ouviu cabides sendo raspados na armação. O feiticeiro examinou a menina

no chão novamente. Ela tinha perfurações em todo o pescoço, e agora

estava sorrindo fracamente para Magnus e empurrando o cabelo para trás,

oferecendo-lhe uma mordida.

— Eu não sou um vampiro — disse ele, apoiando a cabeça dela

suavemente no chão novamente. — E você deve sair daqui. Quer minha

ajuda?

A menina fez um som entre uma risada e um gemido.

— Qual desses? — Camille perguntou enquanto vinha tropeçando para fora

do closet, segurando dois vestidos de noite pretos quase idênticos.

— Essa menina é fraca — ele falou. — Camille, tomaram muito sangue

dela. Ela precisa de um hospital.

— Ela está bem. Deixe-a em paz. Ajude-me a escolher um vestido.

Tudo sobre este encontro estava errado. Não era assim que a reunião

deveria ter acontecido. Deveria ter sido tímido, com muitas pausas

estranhas e momentos de duplo sentido. Em vez disso, Camille estava

agindo como tivesse encontrado Magnus ontem. Como se eles fossem

simplesmente amigos. Foi o suficiente para fazê-lo chegar ao ponto.

— Estou aqui porque há um problema, Camille. Seus vampiros estão

matando as pessoas e deixando corpos nas ruas. Eles estão se alimentando

demais.

— Oh, Magnus — Camille balançou a cabeça. — Posso estar no comando,

mas eu não os controlo. Você tem que permitir certa quantidade de

liberdade.

— Isso inclui matar mundanos e deixar seus corpos na calçada?

Camille já não estava escutando. Ela tinha soltado os vestidos em cima da

cama e foi escolher um monte de brincos. Entrementes Sarah estava

tentando rastejar na direção de Camille. Sem sequer olhar para ela, a

vampira fixou um espelho cheio de pó branco no chão. Sarah foi direto

para ele e começou a cheirá-lo.

E então Magnus compreendeu.

Enquanto as drogas humanas não chegavam a fazer efeito em Seres do

Submundo, não havia como dizer o que aconteceria quando a droga

corresse através do sistema circulatório humano e então ingerida através do

sangue humano.

Tudo fazia sentido. A desordem. O comportamento confuso. A alimentação

delirante no clubes. O fato de que todos eles pareciam tão doentes, que suas

personalidades parecesse ter mudado. Ele tinha visto isso milhares de vezes

em mundanos.

Camille estava olhando para ele agora, seu olhar inabalável.

— Venha com a gente hoje à noite, Magnus — ela balbuciou. — Você é

um homem que aproveita bons tempos. Eu sou uma mulher que oferece

bons tempos. Venha com a gente.

— Camille, você tem que parar. Sabe como isso é perigoso.

— Isso não vai me matar, Magnus. É completamente impossível. E você

não entende como nos faz sentir.

— A droga não pode matá-la, mas outras coisas sim. Se continuar assim,

você sabe que há pessoas lá fora que não a deixarão assassinar mundanos.

Alguém vai agir.

— Deixe-os tentar. Eu poderia dominar dez Caçadores de Sombras uma

vez que tivesse um pouco disto.

— Esta pode não ser...

Camille se jogou no chão antes que ele pudesse terminar e escondeu o rosto

no pescoço de Sarah. Sarah se debateu uma vez e gemeu, então ficou em

silêncio e imóvel. Ele ouviu o som doentio do beber, a sucção.

Camille levantou a cabeça, sangue ao redor de sua boca, escorrendo pelo

queixo.

— Você vem ou não? — ela perguntou. — Eu simplesmente adoraria levá-

lo ao Studio 54. Você nunca teve uma noite como as nossas.

Magnus teve que forçar-se a ficar olhando para ela desse modo.

— Deixe-me ajudá-la. Algumas horas, alguns dias, eu poderia tirar isso do

seu sistema.

Camille arrastou as costas da mão em sua boca, espalhando o sangue para

sua bochecha.

— Se você não está vindo junto, então fique fora do nosso caminho.

Considere isso um aviso educado, Magnus. Dolly!

Dolly já estava na porta.

— Acredito que você esteja saindo daqui — disse ela.

Magnus assistiu Camille afundar suas presas em Sarah novamente.

— Sim — ele concordou. — Acho que estou.

***

Lá fora, uma chuva torrencial estava em andamento. O porteiro segurou um

guarda-chuva sobre a cabeça de Magnus e chamou-lhe um táxi. A

incongruência da civilidade no andar de baixo e o que ele tinha visto no

andar de cima era...

Não era para ser pensado. Magnus entrou no táxi, deu o seu destino, e

fechou os olhos. A chuva tamborilava no metal. Sentia como se ela batesse

diretamente em seu cérebro.

Magnus não se surpreendeu ao encontrar Lincoln sentado nos degraus de

sua porta. Cansado, ele acenou para o lobisomem, já no lado de dentro.

— E então?

— Não é nada bom — Magnus respondeu, retirando o paletó molhado. —

São as drogas. Eles estão se alimentando do sangue de pessoas drogadas.

Isto deve estar aumentando a necessidade deles e diminuindo seu controle

de impulsos.

— Você está certo. Isso não é bom. Imaginei que pudesse ter algo a ver

com as drogas, mas pensei que eles fossem imunes a coisas como o vício.

Magnus serviu uma taça de vinho para cada um. Sentaram-se e ouviram a

chuva para um momento.

— Você poderia ajudá-la? — perguntou Lincoln.

— Se ela me permitisse. Mas você não pode curar um viciado que não quer

ser curado.

—Não — concordou Lincoln. — Eu vi o mesmo com a nossa própria

espécie. Mas você entende... não podemos deixar que esse comportamento

continue.

— Sei que não.

Lincoln terminou seu vinho e baixou a taça suavemente.

— Sinto muito, Magnus. Realmente sinto. Mas se acontecer de novo, você

precisa deixar conosco.

Magnus assentiu. Lincoln deu-lhe um aperto no ombro, então dirigiu-se à

saída.

***

Durante os próximos dias, Magnus ficou sozinho. O tempo estava brutal,

alternando entre calor e tempestade. Ele tentou esquecer a cena no

apartamento de Camille, e a melhor maneira de esquecer era manter-se

ocupado. Realmente não tinha trabalhado nos últimos dois anos. Havia

clientes para chamar. Havia magias para estudar e traduções a fazer. Livros

para ler. O apartamento precisava de um redecoração. Havia novos

restaurantes, novos bares e novas pessoas...

Toda vez que ele parava, um flash o levava de volta para a visão de

Camille de cócoras sobre o tapete, a menina torcendo em seus braços, o

espelho cheio de drogas, o rosto de Camille coberto de sangue. A bagunça.

O fedor. O horror. Os olhares vazios.

Quando você perde alguém para o vício – e ele já tinha perdido muitos –

você perde algo muito precioso. Você os assiste cair. Você espera que eles

atinjam o fundo. Era uma terrível espera.

Ele não tinha nada a ver com isso. O que aconteceu agora não era problema

seu. Ele não tinha nenhuma dúvida de que Lincoln e os licantropos

cuidariam de tudo, e quanto menos soubesse, melhor.

Isso o manteve acordado durante a noite. Isso, e os trovões.

Dormir sozinho era o Inferno, então ele decidiu não dormir sozinho.

Ele continuou acordado.

Era a noite de treze de julho – treze da sorte. A tempestade lá fora estava

incrivelmente alta, mais alta que o ar condicionado, mais alta que o rádio.

Magnus estava apenas terminando uma tradução, prestes a sair para jantar,

quando as luzes piscaram.

O rádio parou e continuou a tocar. Então tudo ficou muito brilhante quando

o poder percorreu os fios. Então...

Apagão. Ar condicionado, luzes, rádio, tudo. Magnus balançou sua mão

distraidamente e acendeu uma vela na mesa. A falta de energia não era

incomum. Antes de perceber que as coisas haviam ficado muito tranquilas

e realmente escuras, Magnus ouviu vozes gritando do lado de fora. Ele foi

até a janela e abriu-a.

Tudo estava escuro. As luzes da rua. Cada edifício. Tudo, exceto os faróis

dos carros. Ele pegou a vela e cuidadosamente desceu os dois lances para a

rua, juntando-se às massas animadas de pessoas. A chuva havia parado, era

só o trovão resmungando em segundo plano.

Nova York... estava apagada. Tudo estava desligado. Não havia nenhum

horizonte. Não houve brilho do Empire State Building. Estava realmente,

absolutamente, escuro. E uma palavra estava sendo gritada de janela em

janela, da rua para os carros para as portas...

“BLECAUTE”

As festas começaram quase ao mesmo tempo. A sorveteria na esquina

estimou-se com isso, vendendo casquinhas do estoque para quem tinha uma

moeda, e depois apenas doando o sorvete a qualquer um que viesse com

uma tigela ou copo.

Em seguida, os bares começaram a servir coquetéis em copos de papel para

os transeuntes. Todo o mundo desceu para as ruas. Pessoas apoiavam

rádios movidos a bateria nas janelas, de modo que houve uma mistura de

música e notícias. A falta de energia fora causada por um raio. Toda a

Nova York estava no escuro. Seriam necessárias horas – dias? – antes de

ser restaurada.

Magnus voltou para o seu apartamento, pegou uma garrafa de champanhe

em sua geladeira, e voltou para a rua para beber, compartilhando-a com

algumas pessoas que passavam.

Estava quente demais para ficar dentro de casa, e do lado de fora estava

interessante demais para perder. As pessoas começaram a dançar na

calçada, e continuaram assim por um tempo. Ele aceitou um martini de um

homem jovem e bonito, com um belo sorriso.

Em seguida, houve um assobio. As pessoas se reuniram em torno de um

dos rádios, onde tocava notícias.

Magnus e seu novo amigo, cujo nome era David, se juntou a eles.

— ...ogo ao longo dos cinco distritos. Mais de uma centena de incêndios foi

relatada na última hora. E temos vários relatos de saques. Tiros estão

sendo trocados. Por favor, se for sair hoje à noite, tenha extrema cautela.

Apesar de toda a polícia ter sido chamada ao dever, não há oficiais o

suficiente...

Outro rádio a poucos metros de distância, em uma estação diferente, deu

um relatório semelhante.

— ...tenas de lojas foram vandalizadas. Há relatos de total avaria em

algumas áreas. É fortemente aconselhado que fiquem em casa. Se você não

pode ir para casa, busque abrigo em...

No curto silêncio, Magnus podia ouvir sirenes à distância. O Village era

uma comunidade isolada, por isso comemorou. Mas era evidente que este

não era o caso de toda a cidade.

— Magnus!

Magnus virou-se para encontrar Greg passando através do grupo. Ele

puxou Magnus para longe da multidão, em um espaço tranquilo entre dois

carros estacionados.

— Pensei que fosse você — disse ele. — Tudo isso que está acontecendo.

Eles ficaram malucos. O blecaute... Os vampiros estão enlouquecendo

naquele clube. Eu não consigo nem explicar. Fica na Décima Avenida, a

uma quadra. Não há táxis neste apagão. Você tem que correr.

Agora que Magnus estava tentando chegar a algum lugar, ele percebeu a

pura loucura das ruas escurecidas. Como não havia semáforos, as pessoas

normais estavam tentando orientar o tráfego. Carros estavam ou congelados

no lugar ou se movimentando muito rápido. Alguns estavam estacionados e

virados para o meio-fio, os faróis utilizados para iluminar as lojas e

restaurantes.

Todos estavam fora – o Village tinha se derramado de cada prédio, e não

havia espaço em qualquer lugar. Magnus e Greg tiveram que costurar

através das pessoas, por meio dos carros, tropeçando no escuro.

A multidão diminuiu um pouco mais ao chegarem ao rio. O clube ficava

em um dos antigos armazéns frigoríficos. A fachada industrial de tijolos

tinha sido pintada de prata, e a palavra “ELECTRICA”, juntamente com

um raio, fora colocada acima das antigas portas de serviço.

Dois lobisomens estavam nas portas segurando lanternas, e Lincoln

esperava ao lado. Ele estava em profunda conversa com Consuela, sua

segundo em comando. Quando viram Magnus, Consuela se afastou para

uma van esperando, e Lincoln se aproximou.

— Isto é o que temíamos — disse Lincoln. — Esperamos tempo demais.

Os lobisomens que guardavam a entrada se separaram, e Lincoln abriu as

portas.

Dentro do clube estava inteiramente preto piche, salvo as lanternas dos

lobisomens. Havia um forte cheiro exalando, licor misturado com algo

desagradavelmente picante e afiado.

Magnus ergueu as mãos. As luzes de néon ao redor da sala piscaram e

acenderam. As luzes suspensas – desfavoravelmente fluorescentes –

crepitaram adiante. Uma bola de discoteca voltou à vida, girando

lentamente, enviando milhares de pontos coloridos em torno do quarto. A

pista de dança, feita de grandes peças de plástico colorido, também foi

iluminada por baixo.

O que tornou a cena ainda mais terrível.

Havia quatro corpos, três mulheres e um homem. Todos pareciam ter

corrido para diferentes pontos de saída. Suas pele eram da cor de cinzas,

marcadas em todos os lugares com contusões verde arroxeadas e dezenas

de marcas iluminadas pelas luzes vermelha, amarela e azul abaixo deles.

Havia bem pouco de sangue. Apenas algumas pequenas poças aqui e ali.

Não tanto sangue quanto deveria haver.

Uma das mulheres mortas, Magnus notou, tinha longos cabelos loiros

familiares. Ele a tinha visto pela última vez no avião, entregando-lhe os

ingressos...

Magnus teve que se virar rapidamente.

— Todos foram drenados — disse Lincoln. — O clube não tinha aberto

para a noite ainda. Eles estavam tendo problemas com seu sistema de som

mesmo antes de a energia cair, por isso as únicas pessoas aqui eram os

funcionários. Dois ali...

Ele apontou para a plataforma elevada do DJ com suas pilhas de toca-

discos e alto-falantes. Alguns lobisomens estavam lá em cima examinando

a cena.

— Dois por trás do bar — ele continuou. — Outro correu e se escondeu no

banheiro, mas a porta estava quebrada. E estes quatro. Nove total.

Magnus sentou-se em uma das cadeiras nas proximidades e colocou a

cabeça entre as mãos por um momento para recompor-se. Não importa

quanto tempo você viveu, nunca se acostuma a ver coisas terríveis. Lincoln

deu-lhe um momento para se recompor.

— Isto é minha culpa. Quando fui ver Camille, um deles pegou os

ingressos para este lugar que estavam em meu bolso.

Lincoln puxou uma cadeira e sentou-se ao lado de Magnus.

— Isso não significa que é sua culpa. Pedi-lhe para falar com Camille. Se

Camille veio aqui por sua causa... não coloque a culpa em qualquer um de

nós, Magnus. Mas você pode ver agora, isso não pode continuar.

— O que você planeja fazer? — Magnus perguntou.

— Há incêndios esta noite. Por toda a cidade. Aproveitaremos esta

oportunidade e queimaremos este lugar. Acho que pouparia as famílias das

vítimas pensarem que seus entes queridos morreram em um incêndio, em

vez de...

Ele indicou a terrível cena logo atrás deles.

— Você está certo — disse Magnus. — Nada de bom poderia vir de

qualquer um que visse seus amados assim.

— Não. E nada de bom viria da polícia ao ver a cena. Seria enviar a cidade

em um pânico completo, e os Caçadores de Sombras seriam obrigados a vir

para cá. Mantenhamos assim. Nós temos que lidar com isso.

— E os vampiros?

— Vamos pegá-los e trancá-los aqui enquanto o lugar queima. Temos

permissão do Praetor Lupus. Todo o clã deve ser tratado como infectado,

mas vamos tentar ser criteriosos. A primeira a ser capturada, porém, é

Camille.

Magnus exalou lentamente.

— Magnus, o que mais podemos fazer? Ela é a líder do clã. Precisamos

acabar com isso agora.

— Dê-me uma hora — disse Magnus. — Uma hora. Se eu puder tirá-los

das ruas em um hora...

— Já existe um grupo seguindo para o apartamento de Camille. Outro vai

para o Hotel Dumont.

— Há quanto tempo eles foram?

— Há cerca de meia hora.

— Então eu vou agora — Magnus pôs-se de pé. — Tenho que tentar fazer

alguma coisa.

— Magnus — Lincoln disse — se você ficar no caminho, a matilha irá

removê-lo da situação. Você entendeu?

Magnus assentiu.

— Sairei assim que terminarmos aqui — Lincoln falou. — Vou para o

Dumont. É onde eles vão acabar, de qualquer maneira.

***

Um Portal era necessário. Dada a situação das ruas, havia a possibilidade

de os lobisomens não terem chegado ainda ao apartamento de Camille – se

era mesmo lá onde ela estava. Ele apenas precisava chegar até ela. Mas

antes que pudesse começar a traçar as runas, ele ouviu uma voz no escuro.

— Você está aqui.

Magnus virou-se e ergueu uma mão para iluminar o beco.

Camille estava se movendo em direção a ele, instável. Ela usava um longo

vestido preto – não, o vestido estava preto agora por causa da grande

quantidade de sangue. Ainda estava molhado e pesado, e se agarrava às

suas pernas enquanto ela fazia seu caminho para frente.

— Magnus...

Sua voz estava grossa. Manchas de sangue cobriam o rosto, braços e o

cabelo loiro prateado de Camille. Ela estendeu a mão em direção à parede

em busca de apoio enquanto ela se movia pesadamente para ele, como

passos de criança.

Magnus se aproximou dela lentamente. Assim que chegou perto o

suficiente, ela desistiu do esforço de ficar de pé e caiu para frente. O

feiticeiro a pegou no meio do caminho até o chão.

— Eu sabia que você viria — disse ela.

— O que você fez, Camille?

— Eu estava procurando por você... Dolly disse que você estava... que você

estiava aqui.

Magnus baixou-a suavemente para o chão.

— Camille... você sabe o que aconteceu? Sabe o que você fez?

O cheiro vindo dela era nauseante. Magnus respirou com força através do

nariz para se firmar. Os olhos de Camille estavam revirando para trás em

sua cabeça. Ele balançou-a.

— Você precisa me ouvir. Tentar ficar acordada. É preciso convocá-los.

— Eu não sei onde eles estão... Eles estão em todos os lugares. Está tão

escuro. É a nossa noite, Magnus. Para os meus pequeninos. Para nós.

— Você precisa de uma cova — disse Magnus.

Ela acenou levemente.

— Tudo bem. Precisamos de uma cova. Você a usa para convocá-los. Onde

ela fica? — Magnus perguntou.

— No jazigo.

— E onde está o jazigo?

— Green-Wood... Cemitério. Brooklyn...

Magnus se levantou e começou a desenhar as runas. Quando terminou e o

Portal começou a se abrir, ele ergueu Camille nos braços e segurou-a com

força.

— Pense agora — ele instruiu. — Veja claramente em sua mente. O jazigo.

Considerando-se o estado de Camille, esta era uma proposta arriscada.

Segurando-a mais perto, sentindo o sangue em sua roupa molhar sua

camisa... Magnus atravessou.

***

Havia árvores aqui. Árvores e um fino feixe de luar no céu nublado da

noite. Absolutamente nenhuma pessoa, nenhuma voz. Apenas o ressoar

distante do tráfego. E centenas de placas brancas se projetando do chão.

Magnus e Camille estavam na frente de um mausoléu que não parecia ter

utilidade real – a parte da frente possuía uma pequena colunata de templo.

Fora construído bem ao lado de uma colina baixa.

Magnus olhou para baixo e viu que Camille tinha encontrado forças para

envolver esbeltos braços ao redor dele. Ela estava tremendo um pouco.

— Camille?

Ela inclinou a cabeça para cima. Ela estava chorando. Camille não chorava.

Mesmo sob estas circunstâncias, Magnus foi comovido. Ele ainda queria

consolá-la, queria tomar um tempo para dizer-lhe que tudo ficaria bem.

Mas tudo o que pôde dizer foi:

— Você tem a chave?

Ela balançou a cabeça. Não tinha havido chance de pegá-la. Magnus

colocou a mão nas trancas de segurança das largas portas de metal, fechou

os olhos e concentrou-se até que sentiu uma luz piscar sob as pontas dos

dedos.

O jazigo era quadrado, com cerca de 2,5 metros quadrados e feito de

concreto. As paredes estavam forradas com prateleiras de madeira, do chão

ao teto. E aquelas prateleiras estavam cheias de pequenos frascos de vidro

contendo terra. Os frascos variavam bastante – alguns eram verde e

espessos, outros de vidro amarelo queimado com pequenas bolhas. Havia

garrafas mais finas, algumas extremamente pequenas, umas marrons e

minúsculas. As mais antigas eram fechadas com rolhas. Alguns frascos

tinham tampa de vidro. Os mais novos possuíam tampas de rosca.

A idade também era observada pelas camadas de pó, a sujeira, a quantidade

de teias de aranha entre eles. Na parte de trás, você não seria capaz de

retirar algumas das garrafas das prateleiras, de tão espesso era acúmulo de

resíduos. A história do vampirismo de Nova York contida aqui

provavelmente interessaria a muitos, havia tanto que possivelmente valeria

a pena estudar...

Magnus esticou as mãos, e com uma grande explosão de luz azul, todos os

frascos estouraram de uma vez. Houve uma grande nuvem de sujeira e pó

de vidro.

— Para onde eles irão? — perguntou a Camille.

— Para o Dumont.

— É claro. Eles e todos os outros. Vamos lá, e você deve fazer o que eu

digo. Precisamos fazer isto direito, Camille. Você tem que tentar.

Entendeu?

Ela assentiu com a cabeça uma vez.

***

Desta vez, Magnus estava no controle do Portal. Eles surgiram na Rua 116,

no meio do que parecia ser uma rebelião em grande escala.

Havia incêndios aqui. Os ecos de gritos e vidro quebrando iam de uma rua

para a outra. Ninguém tomou qualquer conhecimento do fato de que

Magnus e Camille apareceram de repente no meio deles. Estava também

escuro, e muito louco. O calor era muito pior nesta área, e Magnus sentiu

seu corpo inteiro pingando de suor.

Havia duas vans estacionadas diretamente na frente do Dumont, e uma

inconfundível multidão de lobisomens já estava saindo. Eles tinham

bastões de beisebol e correntes. Era apenas o que estava visível. Havia, sem

dúvida, algumas garrafas de água benta. Já havia bastante fogo ao redor.

Magnus puxou Camille para trás de um Cadillac estacionado que tivera

todos os seus vidros quebrados. Ele estendeu a mão para dentro e abriu a

porta.

— Entre — ele falou para Camille. — E fique abaixada. Eles estão atrás de

você. Deixe-me ir falar para eles.

Enquanto Magnus fazia seu caminho ao redor do carro, Camille encontrou

forças para rastejar pelo banco da frente coberto de vidro e estava caindo

pela porta do lado do motorista. Quando Magnus tentou levá-la de volta

para dentro, ela o empurrou.

— Saia do caminho, Magnus. É a mim que eles querem.

— Eles vão matar você, Camille.

Mas ela tinha sido vista. Os lobisomens atravessaram a rua, bastões prontos

pronto. Camille levantou uma mão. Vários vampiros tinham acabado de

chegar na frente do hotel. Vários já tinham lutado, e outros ainda estavam

deitados na calçada. Uns poucos mais estavam sendo contidos.

— Vão para dentro do hotel — ela ordenou.

— Camille... Eles irão nos queimar — disse um deles. — Olhe para eles.

Olhe o que está acontecendo.

Camille olhou para Magnus, e ele entendeu. Ela estava deixando isso para

ele.

— Vá para dentro — ela falou novamente. — Isso não é um pedido.

Um a um, ao longo das próximas horas, todos os vampiros de Nova York –

não importando em que condições estavam – apareceram nos degraus do

Dumont. Camille, apoiando-se contra as portas, ordenou-lhes que

entrassem. Eles passaram pela falange de lobisomens com seus bastões e

correntes, observando-os cautelosos. Já estava quase amanhecendo quando

o último grupo apareceu.

Lincoln chegou ao mesmo tempo.

— Estão faltando alguns — Camille falou quando ele saiu do carro.

— Alguns estão mortos — Lincoln respondeu. — Você tem que agradecer

a Magnus por não serem mais.

Camille acenou com a cabeça uma vez, em seguida, entrou no hotel e

fechou as portas.

— E agora? — Lincoln perguntou.

— Você não pode curá-los sem seu consentimento, mas pode limpá-los por

dentro. Eles ficarão trancados lá dentro até que estejam limpos — Magnus

respondeu.

— E se isso não funcionar?

Magnus olhou para a fachada quebrada do Dumont. Alguém, ele percebeu,

tinha mudou o N por um R. Dumort. Hotel dos mortos.

— Vamos ver o que acontece — Magnus disse.

***

Durante três dias, Magnus manteve-se de guarda no Dumont. Ele passava

por lá várias vezes ao dia. Lobisomens patrulhavam o perímetro todas as

horas, certificando-se de que ninguém saiu. No terceiro dia, logo depois do

pôr-do-sol, Magnus caminhou até a porta da frente, entrou e fechou-a

novamente atrás dele.

Claramente houve um princípio de organização no trabalho dentro do hotel.

Os vampiros que não haviam sido afetados pela droga enchiam todo o

lobby, as varandas e os corredores. Estavam em sua maioria dormindo. Os

lobisomens agora lhes permitia subir e sair.

Com Lincoln e seus ajudantes ao seu lado, Magnus refez os mesmos passos

de quase 50 anos antes, para o salão de baile do Dumont. Mais uma vez, as

portas estavam seladas – desta vez com uma corrente.

— Peguem o alicate na van — Lincoln ordenou.

Havia um cheiro verdadeiramente terrível vindo por debaixo da porta.

Por favor, Magnus pensou. Esteja vazio.

Claro que o salão não estava vazio. Era um desejo bobo que todos os

eventos dos últimos três dias simplesmente não tivessem acontecido.

Porque no final, nada é pior do que ver a queda do que você já amou. É de

alguma forma pior do que perder um amor. Faz tudo parecer questionável.

Faz o passado ser amargo e confuso.

Os lobisomens voltaram com o alicate e a corrente foi quebrada, pousando

no chão com um barulho oco. Alguns dos vampiros não afetados tinham

ficado para trás para assistir, e estavam reunidos com os lobisomens ao

fundo.

Magnus abriu a porta.

O piso de mármore branco do salão de baile estava estilhaçado. Fora

realmente aqui, há cinquenta anos, que Aldous abrira o Portal para o

Vazio?

Os vampiros estavam espalhados por todas as partes do salão, talvez trinta

ao todo. Estes eram os enfermos, e estavam todos em um estado de

profundo sofrimento. O cheiro era suficiente para dar náuseas. Os

lobisomens ergueram as mãos até o rosto para bloqueá-lo.

Os vampiros não fizeram nenhum movimento ou saudação. Apenas alguns

levantaram o rosto para ver o que estava acontecendo. Magnus passou por

eles, olhando para cada um deles. Encontrou Dolly perto do centro da sala,

imóvel. Camille encontrava-se deitada atrás de uma das longas cortinas que

pendiam na extremidade do salão de baile. Como os outros, ela estava

cercada por uma série de poças sujas de sangue regurgitado.

Seus olhos estavam abertos.

— Eu quero andar — disse ela. — Ajude-me, Magnus. Ajuda-me a andar

um pouco. Preciso parecer forte.

Havia uma firmeza em sua voz, apesar do fato de ela estar fraca demais

para se levantar por conta própria. Magnus inclinou-se e colocou-a de pé,

então apoiou-a enquanto ela caminhava, com toda a dignidade que pôde,

sobre os corpos caídos de seu clã. Ele fechou as portas novamente quando

foram embora.

— Vamos — ela disse. — Eu preciso andar. No andar de cima.

Ele podia sentir a tensão enquanto ela dava cada passo. Às vezes, ele estava

praticamente carregando-a

— Você se lembra? O velho Aldous abrindo o Portal aqui... lembra-se? Eu

tinha que avisá-lo sobre o que ele estava fazendo.

— Eu me lembro.

— Mesmo os mundanos sabiam ficar longe do lugar e deixá-lo apodrecer.

Odeio que alguns dos meus pequeninos vivam em lugares estragados, mas

é escuro. É seguro.

Era muito difícil falar e andar, então ela calou-se novamente e encostou-se

no peito de Magnus. Quando chegaram ao andar de cima, apoiaram-se no

corrimão e olharam os destroços do átrio do hotel.

— Para nós nada nunca realmente vai embora, não é? Nunca houve outro

de verdade... não como você. É a mesma coisa para você?

— Camille...

— Sei que não posso voltar atrás. Eu sei. Basta me dizer que nunca houve

outro igual a mim.

Na verdade houve muitos outros, embora Camille tivesse uma categoria

para si mesma, a dos grandes amores – pelo menos da parte de Magnus. No

entanto, havia uma centena de anos de dor nessa questão, e Magnus

precisava saber se havia sido tão sozinho em seu sentimento.

— Não — disse Magnus. — Nunca houve outra como você.

Ela pareceu ganhar um pouco de força com a confirmação.

— Não foi feito para acontecer — ela falou. — Havia um clube centro

onde alguns mundanos gostavam de ser mordidos. Eles tinham as drogas

em seu sistema. São bastante poderosas, estas substâncias. Apenas pegou.

Deram-me um pouco do sangue infectado para beber como um presente.

Eu não sabia o que estava bebendo, só conhecia o efeito. Não sabia que era

capaz de viciar. Nós não sabíamos.

Magnus olhou para as rachaduras no teto. Velhas feridas. Nada nunca

realmente vai embora.

— Eu vou... Vou ficar no comando — ela falou. — O que aconteceu aqui

nunca mais vai se repetir. Você tem a minha palavra.

— Não é a mim que você tem que comunicar.

— Diga ao Praetor — respondeu ela. — Aos Caçadores de Sombras, se

necessário. Isso não vai acontecer novamente. Perderei a minha vida antes

de permiti-lo.

— É provavelmente melhor você falar com Lincoln.

— Então falarei com ele.

O manto da dignidade havia retornado aos seus ombros. Apesar de tudo o

que tinha acontecido, ela ainda era Camille Belcourt.

— Você deve sair agora — ela falou. — Isto não é para você.

Magnus vacilou por um instante. Algo – uma parte dele – queria

permanecer. Mas ele descobriu que já estava descendo os degraus.

— Magnus — Camille chamou.

Ele virou-se.

— Obrigada por ter mentido para mim. Você sempre foi gentil. Eu nunca

fui. Foi por isso que não podia ser, não é?

Sem responder, Magnus virou-se e continuou a descer as escadas. Raphael

Santiago passou por ele no caminho para cima.

— Sinto muito — disse Raphael.

— Onde você estava?

— Quando vi o que estava acontecendo, tentei impedi-los. Camille tentou

me fazer beber um pouco de sangue. Ela queria que todos em seu círculo

interno participassem. Ela estava doente. Já vi essas coisas antes e sabia

como iria acabar. Então fui embora. Retornei quando um frasco de terra da

minha sepultura foi quebrado.

— Não o vi entrar no hotel — Magnus comentou.

— Entrei através da grade quebrada de uma janela. Pensei que era melhor

permanecer escondido por um tempo. Eu tenho cuidado dos doentes. Tem

sido muito desagradável, mas...

Ele olhou para cima, sobre o ombro de Magnus, na direção de Camille.

— Tenho que ir agora. Temos muito o que fazer aqui. Vá, Magnus. Não há

nada para você aqui.

Raphael sempre foi capaz de ler Magnus um pouco bem demais.

***

Magnus tomou sua decisão quando estava no táxi para casa. Uma vez que

estava em seu apartamento, ele se preparou, sem hesitação, reunindo tudo o

que precisara. Teria de ser muito específico. Ele escreveria tudo.

Então chamou Catarina. Bebeu um pouco de vinho enquanto a esperava

chegar.

Catarina era, talvez, o mais próximo de um verdadeiro amigo de Magnus,

além de Ragnor (cujo relacionamento ficava muitas vezes em um estado de

fluxo). Catarina era a única que tinha recebido cartas ou telefonemas

enquanto ele esteve em seus dois anos de viagem. Ele não tinha, no

entanto, lhe falado que estava em casa.

— Sério? — Ela perguntou quando ele abriu a porta. — Dois anos, e

depois você volta e nem sequer liga por duas semanas? E então é, “Venha,

eu preciso de você?” Nem sequer me contou que estava em casa, Magnus...

— Estou em casa — ele revelou, dando o que considerava ser seu melhor

sorriso. Tomou um pouco de esforço, mas esperava que parecesse genuíno.

— Nem tente essa expressão comigo. Eu não sou uma das suas conquistas,

Magnus. Sou sua amiga. Devemos ficar com o doce, não com o amargo.

— O amargo? Mas eu...

— Não — ela levantou um dedo em advertência. — Escute. Eu quase não

vim. Mas você soou tão patético ao telefone que tive que vir.

Magnus examinou-a. camiseta de arco-íris e macacão vermelho. Ambos se

contrastando fortemente em sua pele azul. As cores feriam os olhos de

Magnus. Ele decidiu não comentar sobre o traje. Os macacões vermelhos

eram muito populares. Só que a maioria das pessoas não era azuis. A

maioria das pessoas não usavam arco-íris.

— Por que você está me olhando assim? Sério, Magnus...

— Deixe-me explicar. Depois grite comigo se quiser.

Então ele explicou. E ela escutou. Catarina era uma enfermeira, e uma boa

ouvinte.

— Feitiços de memória — ela falou, balançando a cabeça. — Não é

realmente a minha área. Eu sou uma curadora. Você é que lida com esses

tipos de coisas. Se eu fizer errado...

— Você não vai.

— Eu poderia.

— Eu confio em você. Aqui.

Ele entregou Catarina o pedaço dobrado de papel. Nele havia uma lista de

cada vez que ele tinha visto Camille em Nova York. Cada vez que em todo

o século XX. Estas eram as memórias que tinham que ir.

— Você sabe, há uma razão para nos lembrar — ela falou mais

suavemente.

— Isso é muito mais fácil quando a vida tem uma data de validade.

— Pode ser ainda mais importante para nós.

— Eu a amava. Não posso aguentar o que vi.

— Magnus...

— Ou você faz, ou tento fazê-lo eu mesmo.

Catarina suspirou e balançou a cabeça. Ela examinou o papel por alguns

instantes e, em seguida, tocou com muito cuidado as têmporas de Magnus.

— Você se lembra de que tem sorte por me ter, certo?

— Sempre.

***

Cinco minutos depois, Magnus estava intrigado por encontrar Catarina

sentada ao seu lado no sofá.

— Catarina? O que...

— Você estava dormindo — disse ela. — Deixou a porta aberta. Entrei.

Você tem que trancar a porta. Esta cidade é uma loucura. Você pode ser um

bruxo, mas isso não significa que não vai ter seu rádio roubado.

— Eu costumo travá-la — Magnus respondeu, esfregando os olhos. —

Nem percebi que adormeci. Como você sabia que eu estava...

— Você me ligou e disse que estava em casa, e queria sair para comer uma

pizza.

— Eu ligue? Que horas são?

— Hora para a pizza — ela respondeu.

— Eu te liguei?

— Aham — ela se levantou e estendeu a mão para ajudá-lo. — E você

voltou faz duas semanas e me ligou hoje à noite, de modo que está em

apuros. Você parecia arrependido no telefone, mas não arrependido o

bastante. Será necessário rastejar mais.

— Eu sei. Sinto muito. Eu estava...

Magnus buscou as palavras. O que ele fez no último par de semanas?

Trabalhando. Chamando clientes. Dançando com estranhos bonitos. Outra

coisa também, mas ele não conseguia pensar nisso. Não importava.

— Pizza — ela falou novamente, puxando-o de pé.

— Pizza. Claro. Parece bom.

— Hey — ela disse enquanto ele estava trancando a porta.

— Você ouviu falar alguma coisa sobre Camille recentemente?

— Camille? Eu não a tenho visto em pelo menos... 80 anos? Algo parecido

com isso. Por que está perguntando sobre Camille?

— Por nada. O nome dela apenas surgiu em minha mente. A propósito, é

sua vez de pagar.