as aspas em ana cristina cesar - do dossie

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BOLETIM DE PESQUISA NELIC V° 9 - N° 14 Ahead of print DO COMEÇO AO FIM DO POEMA Alberto Pucheu BOLETIM DE PESQUISA NELIC: Edição Especial V° 3 – Dossiê Ana Cristina Cesar Artigos A INTERMITÊNCIA DAS ASPAS A leitura em Ana Cristina Cesar Davi Pessoa Carneiro Barbosa 2010.1

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Discurso citacional, Cesar

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BOLETIM DE PESQUISA NELIC V 9 - N 14 Ahead of print DO COMEO AO FIM DO POEMA Alberto Pucheu BOLETIMDEPESQUISANELIC:EdioEspecialV3DossiAnaCristinaCesarArtigosAINTERMITNCIADASASPASAleituraemAnaCristinaCesarDaviPessoaCarneiroBarbosa2010.1Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 Ler fazer nosso corpo trabalhar. Roland Barthes Comocolocarocorpoparatrabalharatravsdaleitura? Como escrever a leitura? Alis, como escrever sobre a leitura de umaescrituraquenossuscitasempreoutrasleituras?Como no se deixar tomar pela autoridade de uma leitura e fazer com quenossaleituratambmpossaimprimiralgodenovo,ou talvez,algonemtonovoassim,noprpriotextoquelemos? Estas perguntas se tornam mais que prementes ao discutirmos o aspectoestticoquealeituranosindica.Mashoutroaspecto quedeveserlidosimultaneamentecomaquele,equenem semprediscutidopelacrticaliterria,ouseja,aticada leitura,oualeituraquenosexigeumaposturatica.Alguns escritores,comoMarcelProust,ItaloCalvino,RicardoPiglia, entreoutros,discutiramasquestescolocadasacimaemuitas outrastantoemsuasficesquantoemseusensaioscrticos, ou melhor, atravs de suas fices tericas ou teorias ficcionais. Obviamentenopodemosdeixardeladotodooesforode Roland Barthes ao colocar o leitor e a leitura em foco, indicando-nos uma espcie de teoria da leitura. Barthes aprofundou temas 117 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 comoaleituradesejante,oprazerdotexto,osujeito-leitor,o desejo na escritura, a leitura como gesto do corpo etc. Algunsescritoresbrasileirossepreocuparamdamesma forma em colocar o leitor em cena. Logo surge em nossa mente onomeMachadodeAssis,emMemriasPstumasdeBrs Cubas (1881), mas no somente, pois temos a uma lista plural compostaporMuriloMendes,Manuel Bandeira, Waly Salomo, CarlosDrummonddeAndrade,sparacitaralguns.Mascomo nenhumdessesleitores-escritoressesustentaporsis,ento desejonesteartigopensarosprocedimentosdeumaescritora queprocuroujustamenteatravsdaleitura,daescrituraeda traduoproporumaaberturaparaliberaraleituraaoinfinito. Refiro-meaAnaCristinaCesar(1952-1983).Importante ressaltar que as trs prticas a que me referi anteriormente no possuemumahierarquia,aocontrrioelassesobrepem,eao mesmotempoemquemarcamasrefernciasdeleitura,elas tiramasaspasdestasparapossibilitarocontatocomoutras leituras,relacionandosriesdeleiturasque,apriori,poderiam nosparecerimpossveis.Estaseriaaminhahiptesedeleitura sobre a qual tentarei discutir aolongo do texto: a intermitncias das aspas a leitura em Ana Cristina Cesar. Aproduodapoetanostrazvriasdiscusses, apresentando-nosoratemasqueestavamcomeandoaser discutidosporescritoresecrticosdesuageraoora abordandoassuntosquesoprpriosdaliteratura,nonuma progressolinear,masatravsdeumaabordagemanacrnica. Estaconceposemostrapresente,porexemplo,noEscritos noRio,inseridonolivroCrticaeTraduo(1999),quefoi organizadoeprefaciadoporArmandoFreitasFilho.Nessa seleolemosalgunsensaiosescritosporAnaCristinadurante adcadade70,nosquaiseladiscuteaspectosestticosda literatura,comoemOsLusadas,easpectosticos,comono artigo publicado em 12 de dezembro de 1975, no jornal Opinio, com o ttulo Os professores contra a parede. Todos os ensaios soesforosedesejosdeleitura,svezesumaspecto sobressaimaisdoqueooutro,outrasvezesosdoiscaminham lado a lado. Mas voltarei a essa organizao, pois ali a reflexo sobre a leitura constante. Nopargrafoanteriorfizrefernciaaumsignificanteque pareceseramolamestradaescrituradapoeta:desejo.Ana Cristina possui um olhar mvel sempre em direo ao outro, ao diferente, ao velho e ao novo. Em 1983, em seu depoimento no CursoLiteraturadeMulheresnoBrasil,ministradopela professoraBeatrizRezende,Anadeclara:Agentenosabe direito para quem a gente escreve. Mas existe, por trs do que a gente escreve, o desejo do encontro ou o desejo de mobilizao 118 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 do outro (Cesar, 1999, p. 258). Em outra passagem, no ensaio LiteraturaeMulher:essapalavradeluxo,publicadono Almanaque10,CadernosdeLiteraturaeEnsaio,em1979,a poetasequestiona:-Haverumapoesiafemininadistinta,em suanatureza,dapoesiamasculina?Enocasodeexistiressa poesiaespecial,dever-se-procurarnelacaracterestaiscomo umasinceridadelevadaatoexibicionismo,umasexualidade quenadamaisdoqueodesejodesefazeramarpelos leitores?(1999,p.224,grifomeu).Portanto,sehdesejoh escritura, reescritura, h o desejo pelo desejo do outro. A leitura-escritura desejante de Ana Cristina Cesar Parece-me fundamental relembrar aqui algumas reflexes de Roland Barthes sobre o desejo, esteja este vinculado leitura ou escritura, alis, a dissociao de ambos os desejos parece serumequvocoparaele.Voufazerrefernciaaalgunstextos seusemqueesteconceitosefazpresente,confrontando-os comalgunsfragmentosdetextosdeAnaCristinaCesarcomo intuito de pensar, e no decifrar, o seu percurso potico. ComosabemosaelaboraotericadeRolandBarthes estsemprecoladaaleiturasdediversosescritores.Notexto-leituradeBartheslemosMarcelProust,Mallarm,Brecht, Bash,Lacan,Hegelemuitosoutros,poisseugestofazer com que a leitura se torne dispersa, disseminando outras ideias, outrasimagens.CasosingularolivroS/Z(1970),ondeele analisa a novela Sarrasine (1831), de Honor de Balzac. Barthes abreotextodoescritorfrancs,buscandoavozdaleitura, escrevendo ao mesmo tempo crtica e fico.NotpicoAleitura,oesquecimento,Barthesdiz:Esse euqueseaproximadotextojelemesmoumapluralidade deoutrostextos,decdigosinfinitos,oumaisexatamente: perdidos (cuja origem se perde) (Barthes, 1992, p. 44). Assim, o elementomoventedaleituraseriaoesquecimento.Esteno compreendidocomofalta,mas,aocontrrio,comotrao moventequepromoveoutrasleituras.Nonosesqueamosda leitura de Barthes e de Samuel Beckett (Proust, 1931) sobre la recherchedutempsperdu(1913-1927),deMarcelProust.O esquecimento,paraambos,ogestoquedeflagraanarrativa deProust,compostaem7volumes.Barthesvno esquecimentoumvalorafirmativo:Oesquecimentodos sentidosnoumerro:umvalorafirmativo,umamaneirade afirmar a irresponsabilidade do texto (...) precisamente porque esqueoqueleio(Barthes,1992,p.45).EmAteusps,no poema Pour mmoire, Ana Cristina Cesar escreve: 119 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 No me toques nesta lembrana. No perguntes a respeito que viro me-leoa ou pedra-lage lvida ereta na gramamuito bem-feita. (...) E mais no quer saber a outra, que sou eu, do espelho em frente. Ela instrui: deixa a saudade em repouso (em estao de guas) tomando contadesse objeto claro e sem nome(Cesar, 1998, p. 68-69). Interessanteperceberocontra-sensopresenteentreo ttulodopoemaeoprpriopoema.Talvezestejaa,como tambmnottulolarecherchedutempsperdu,ovalor afirmativo do esquecimento: porque esqueo que leio podemos lerdomesmomodoporqueesqueoqueescrevodadoo retorno de algo que ainda se mostra presente. No tpico Quantas leituras?, Barthes discute a liberdade presentenaleitura,estacompreendidainclusiveapartirda possibilidade tambm de no se ler. Para ele a leitura deve ser plural, e dentro dessa pluralidade temos a liberdade de reler um livroquantasvezesdesejarmos,semestarmossubmetidos lgica comercial e ideolgica de uma sociedade que nos ensina a jogar fora tudo o que acabamos de consumir ou mesmo aquilo quenemsequerchegamosaconsumir.Dessemodo,noh umalgicadeentradaoudesada,poisaleiturapodeser contnua e descontnua ao mesmo tempo, e nesse percurso no linearoqueelabuscanoaorigemdaleitura,masum comeo que liga uma singularidade a outra. NopoderiadeixarderelembrarafiguradeMacedonio Fernndez, que em seu Museo de la Novela de la Eterna (1967) desenvolveumpensamentosobrealeituraatravsdeseus vrios leitores, tais como o lector artista, lector de desenlace, lector personaje, lector seguido, lector salteado etc. Durante aleituradoromancehvriasmetamorfosesdessafigura,que paraMacedonionuncanica,sendoimaginadaaomesmo tempopeloescritorepeloleitorreal,poissdessamaneirao romance pode ser lido, ou seja, atravs do contato entre os dois 120 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 se produz uma espcie de leitor virtual1. Outro dado: o romance deMacedonioinsisteemnocomear,desfazendoassima noodeorigemapartirdosprlogos,querefletemsobreos personagens,sobreosleitores,sobreoautoresobreoprprio gnero.NoprlogointituladoAloslectoresquepadeceransi ignorasen lo que la novela cuenta, Macedonio escreve: En que seobservaqueloslectoressalteadosson,lomismo,lectores completos.Ytambin,quecuandoseinauguracomoaqu sucedelaliteraturasalteada,debenleercorridosisoncautosy desean continuarse como lectores salteados (Fernndez, 2007, p. 30). O escritor argentino busca ler o prprio leitor, escrevendo uma biografa del lector.AnaCristinaCesardeseja,assimcomoMacedonio,um leitorquesintaumavertigemdiantedaleituraequepossa, mesmo nesse estado, ser colocado em movimento: movimentar-seancoradonoespao.Em10desetembrode1976,na entrevistaParaconseguirsuportaressatonteira,comCarlos Sussekind,publicadanojornalOpinio,osdoisconversam sobre o livro Armadilha para Lamartine, de Carlos, que tinha sido publicadonomesmoano.Anacolocasuasreflexessobrea sua leitura e deseja saber como Carlos trabalhou a organizao do texto, que estruturado a partir de dois documentos, o dirio deumpaieostextosescritospelofilhoduranteinternamento numhospcio.AnaCristinadescrevenoexatamenteasua leitura, mas o sentimento que o leitor (talvez aqui o leitor virtual a queMacedoniosereferia)possuiaolerArmadilhaspara Lamartine:Quandosecomeaalerasmensagensdo sanatrio,quesoemocionadssimasemuitotrabalhadas literariamente,oleitorvainumcrescendodetenso,edepois que entra no dirio h um esfriamento desconcertante o leitor fica com uma vertigem, uma expectativa frustrada (Cesar, 1999, p. 172). Em outro momento, no artigo Um livro cinematogrfico eumfilmeliterrio,nomesmojornal,em22deoutubrode 1976, a poeta retoma o livro de Carlos Sussekind e estabelece a relao deste com o cinema. Para Ana o que Carlos Sussekind realizaaquelaoperaoquemuitoimportanteparao cinema,ouseja,amontagem1 O leitor virtual seria o leitor por vir, o leitor futuro, que na sua leitura escreve domesmomodoumlivroporvir.ElsaMorante,poderamospensar, maneira de Maurice Blanchot, argumenta: o verdadeiro poeta sente (mesmo que no o saiba) que muitos dos seus leitores devem ainda nascer (Morante, 1987, p. 60, trad. minha). 2.Eoleitorsesente desequilibradodiantedeumnarradorquenonico,pois 121 2ImportanteressaltaraleituradeWalterBenjaminsobreoteatropicode Brecht, o qual nomeado como pico, segundo Benjamin, justamente pela interrupodaao,estasendoobtidapeloprocedimentodamontagem. ConfernciaOautor comoprodutor, emWalterBenjamin,Magiaetcnica, arte e poltica. Traduo Sergio Paulo Rouanet. 4 edio. So Paulo: Editora Brasiliense, 1994, p. 120. Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 atravsdamontagemmuitosnarradoresentramemcena.Ela faz tambm referncia ao romance A festa, de Ivan ngelo, e adaptaocinematogrficadeMacunama(1969),deJoaquim Pedro de Andrade. Sobre o primeiro, Ana Cristina escreve: Comocadaepisdiodolivrotemumenfoque distinto,oleitornoficasempreamesma distnciadamatrianarrada,comonoromance tradicional.Seanarraoemcadaepisdio contadadeumpontodevistadiferente,com diferentesgrausdeenvolvimento,oleitor tambmsevobrigadoamudardeposio,a ocupar sempre um novo lugar. O enfoque muda comopodemudaraposiodacmeranum filme. Rompe-se assim a leitura contemplativa. O leitormudadegalhoacadacorte.Evira descobridordenexosnoexplcitosda montagem (Cesar, 1999, p. 179). Dessemodo,AnaCristinaestlendoadescentralizao donarradoremmeioaumanarrativaquetentaarticularalgo querompacomasconvenesdoromancerealista.Epara realizaresseprojeto,quebuscaumaleiturapluraldaliteratura, Ivanngelopropeumacinematografiaparaotexto.Segundo AnaCristina:Afestaumlivroquerecusaopaternalismode umnarradorqueguiaoolhardoleitoresttico;querecusa paternalizar tanto o leitor quanto a dramtica matria que narra (1999, p. 179). Nosegundocaso,AnaCristinaencontraocaminho contrrio,porm,ameuver,complementaraorealizadoemA festa, e no paralelo como destaca a poeta. Ela argumenta que dentro do cinema brasileiro, o Macunama de Joaquim Pedro de Andraderealizaummovimentoinversoeporissomesmo paralelo a este. Em Macunama h como que um movimento de literatizaodalinguagemcinematogrficaquedefine irredutivelmente a sua coerncia crtica e lucidez poltica (1999, p.180).Segundoanossaautoraalgunsrecursosso responsveisporessamudanadefoco,comoapresenada vozdonarrador,queabalaasupremaciadaimagem,eo movimentodacmeraqueparecequerertransmitiroestado psicolgicodospersonagens.Emambososcasosoque podemosperceberamudanadeumapostura,quecritica tanto uma leitura linear do texto quanto uma leitura horizontal do cinema.Eaquioquelemoseoquevemosnoapenasuma leituraesttica,mas,simumaleituraestticaeticadeambas asartes.Anasensvelaesseduplocarteraoafirmar: AcontecequetantoemMacunamacomoemAfestaso utilizadas tcnicas que, parecendo pertencer a outro espao, na 122 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 verdadesosoluesradicaisquefuncionamsimultaneamente comoreviravoltadeumalinguagemtradicionalecomo manipulaoconsequentedeumamatriapoltica(1999,p. 180-181,grifomeu).Ecomonosomenteumtextopodeser lido,jqueaimagemdeveserpornsdomesmomodolidae nosomentevista,AnaCristinaCesarconclui:Naliteratura,a tcnicadamontagemedamultiplicaodeenfoquesabre estranhosespaosnoromance,emqueograndepai-narrador cala e o leitor chamado a pr o livro em movimento (1999, p. 181,grifomeu).Poderamosacrescentar:oleitorchamadoa pr o livro e o filme em movimento. OqueAnaCristinaCesarargumentanosdoisartigosa quemereferianteriormentenosedistanciadaquiloque Macedonio Fernndez chamava de lector salteado e literatura salteada.RicardoPiglia,noDiccionariodelaNovelade Macedonio Fernndez (2000), define juntamente com a narrativa deMacedoniocadaumdosleitorespresentenoromance.Na entradalectorsalteado,lemos:esellectorsabioporque practicaelentreleerqueesloquemsfuerteimpresinlabra (y,segnlateoradeMacedonio,lospersonajesysucesos hbilmentetruncossonlosquemsquedanenlamemoria). Es el lector completo, que, sin saberlo, se vuelve lector seguido puesleecorridoestaliteraturasalteadaparamantener desunidalalecturayseguirsiendolectorsalteado(Piglia, 2000,p.58).Portanto,manteraleituradesunida,naquala disseminaodeoutrasleiturasrealizamaisdoqueuma biografia del lector, assim como acreditava o escritor argentino, parece-mequeoperaumabiografiadaleitura.RolandBarthes nos chama ateno, ao falar da sua leitura sobre o romance de Balzac,Sarrasine,paraumaleituraqueproduzumterceiro sentido,eestesuplementodesentidoaquiloqueolevaa escreverasualeituradesteromance.Noentantoelenos informa:noreconstituumleitor(fossevocoueu),masa leitura.Querodizerquetodaleituraderivadeformas transindividuais(Barthes,2004,p.28).Escreveraleitura, reforomaisumavezoqueestoudiscutindotambmnessa minhaleitura-texto:essaumaquestofundamentalpresente no percurso potico de Ana Cristina Cesar.Escrever a leitura ou ler para escrever3, este jogo circular estpresentenaprimeiratesededoutoradosobreapoeta,de MariaLuciadeBarrosCamargo,defendidaem1990,na Universidade de So Paulo, com o ttulo Atrs dos olhos pardos: 123 3ComonopensarnaperguntacolocadaporRolandBarthes,notpico Questoprvia:ler/escrever,emApreparaodoromancevol.II:A questoaseguinte:pode-se(oumesmodeve-se)ler,enquantoseest dedicadoaumTrabalhodeescrita?QuandoseentranaEscritura(esteo Retiroqueestoudescrevendo),pode-secontinuarlendo,praticandoa leitura? (Barthes, 2005, p. 254). Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 uma leitura da poesia de Ana Cristina Cesar, que somente aps 13anosfoipublicadaemformadelivro.Nosegundocaptulo, Ensaiando a crtica, Maria Lcia d para Ana Cristina um lugar dedestaque,aoladodegrandespoetasmodernos(eno somentemodernistas),poisAnaexerceuotrpliceofcio: poesia,traduoecrtica.Trsatividadesmutuamente iluminadorasefecundantes,trsatividadesoriginriasdeum nicoemesmoato:oatodeler(Camargo,2003,p.49,grifo meu).Aautorapercebesensivelmentequealeiturasendoum desejo se mostra sempre desejante, j que no possui um nico objeto e que no cessa de desejar quando tem acesso ao objeto desejado,poisomovimentodoprpriodesejojdirecionaa leitura para outro objeto de desejo, este podendo ser inclusive o objetodedesejodooutro(notoalemosumndice onomsticoaofinaldeAteusps,masvoltareiaissomais adiante).Ostrsatosdeleitura(poesia,traduoecrtica) ocorremmutuamente,ouseja,omesmopensamentoque RolandBarthesdesenvolvenoensaioDaleitura,aocolocar que no campo da leitura e isto mais grave tambm no h pertinnciadeobjetos:overboler,aparentementemuitomais transitivodoqueoverbofalar,podesersaturado,catalisado, commilobjetosdiretos:leiotextos,imagens,cidades,rostos, gestos, cenas, etc. E logo em seguida Barthes argumenta o que lhe parece mais perigoso ainda: No campo da leitura e isto mais grave tambm no h pertinncia de nveis, no existe a possibilidadededescrevernveisdeleitura,porquenoh possibilidadedefecharalistadessesnveis(Barthes,2004,p. 32). Maria Lcia atenta a essa premissa percebe que a leitura e aescrituradeAnaCristinaCesarborramessesnveis.Eaqui estoelementochavedesuatese:apoticadeAnaCristina ecoaatravsdeumgestomuitotrabalhadoporJorgeLuis Borges,ouseja,opalimpsesto.MariaLucianovapenaso palimpsestopresentenasleiturasdeAna,mastambmnuma escrituraquefundegneros,operandoumajustaposiode textos.Esegundoela,apoetaapontaemseustextosparaa possibilidade,ounecessidade,decontaminaesmtuasentre acriaoeacrtica,deeliminaroespaoembrancoqueas divide, apontando ainda para a escrita a partir da leitura, para a idia borgeana do palimpsesto, de mltiplas vozes ecoando num texto.ComoacontecenapoesiadeAnaCristina(Camargo, 2003, p. 52, grifo meu).AnaC.nosdalgumaspistassobrecertasreferncias presentesemseuspoemas,ondiceonomsticonofinaldeA teuspsindicaalgunsescritores,masobviamentealinose encerramasvozesdesenhadaseborradasemsuaescritura. 124 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 MariaLciaevidenciaemsualeituraessejogotranstextual operado pela poeta: AnaCristinaserefereaondiceOnomstico quelemosnofinaldeAteusps:vinteetrs nomesemordemalfabtica,sematradicional remissoaotexto,incluindopoetasfamosos, amigos pessoais, analista. Equiparando-os. Mas um ndice tambm fingido: nem todos os que estonaobraincluem-senondice,oqueo torna, portanto, apenas parcialmente verdadeiro, jqueoprofissionalaquelequeescondeu seusladres,nonondiceonomstico,mas simdondiceonomstico.Comodescobrira ladroagem?Esteodesafio.Desafioparao leitor (Camargo, 2003, p. 148). Assim, o desafio para o leitor est lanado, pois ele nunca encontraraentradaoriginalnestejogoderelaesenem mesmodescobrirasadaparaoenigmaquealiseinstaura, cria-se o jogo entre autor e leitor, um jogo de segredo, o jogo da esfinge(Camargo,2003,p.148).Porisso,escolhicomottulo paraessamonografiaAintermitnciadasaspas:aleituraem Ana Cristina Cesar, justamente por causa desse gesto de dar a referncianumdeterminadomomento,paradepoistiraras aspasdessamesmaeabriraleituraaoinfinito.Odesafiodo leitor, parece-me, no est apenas na possibilidade de decifrar o enigma4, mas, ao contrrio, est em colocar mais enigma ainda, colocandoemcontatoescrituras,leiturasqueatentono vamostoclaramente.NopoemaSetechaves,emAteus ps, Ana escreve: Vamos tomar ch das cinco e eu te conto minha grande histria passional, que guardei a sete chaves, e meu corao bate incompassado entre gaufrettes. Conta mais essa histria, me aconselhas como um marechal-do-ar fazendo alegoria. Estou tocada pelo fogo. Mais um roman cl? Eu nem respondo. No sou dama nem mulher moderna. No te conheo. Ento: daqui que eu tiro versos, desta festa com arbtrio silencioso e origem que no confesso como quem apaga seus pecados de seda, seus trs monumentos ptrios, e passa o ponto e as luvas(Cesar, 1998, p. 40). 125 4Noentanto,houtrasleiturasquebuscampensaraleituracomoarteda decifrao,movidaporumainabalvelcuriosidadeintelectual,pressupondo umaidnticaatitudeinquisitivadiantedoslivrosedouniverso,talcomo pensaDaviArrigucciJr.,noensaioEnigmaecomentrio(eplogo),em Enigmaecomentrio:ensaiossobreliteraturaeexperincia.SoPaulo: Companhia das Letras, 1987, p. 227. Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 Neste poema lemos o jogo que Ana Cristina Cesar deseja jogar: apagar as pegadas, desfazer a origem e no responder a pergunta mais um roman cl?. Sabemos que neste tipo de romanceachavecostumaserumpersonagemfamoso,e,s vezes, o prprio autor do romance. Aqui podemos ler tambm a questomaisprofunda,discutidaporMauriceBlanchot,emA conversa infinita: a palavra plural (2001): Questionar buscar, e buscarbuscarradicalmente,iraofundo,sondar,trabalharo fundo e, finalmente, arrancar (Blanchot,2001,p.41).Porm,a questosemostracomopalavraquenuncapoderser acabada,elaseapianoinacabamento.Elanoincompleta enquantoquesto;ela,aocontrrio,apalavraqueofatode declarar-seincompletarealiza(...)Aquestoodesejodo pensamento(2001,p.43).Masarrancararespostasignifica, paraBlanchot,entraremcontatocomadesgraadaquesto, poissomentearesposta,respondendo,deveretomaremsia essnciadaquesto,quenoextintaporaquiloquelhe responde (2001, p. 45). E, por conseguinte: questionar jogar-senaquesto.Aquestoesseconviteaosalto,quenose detmnumresultado(2001,p.53).Eperguntaquebuscaa origemouarefernciaopoemaresponde:daquiqueeutiro versos,destafesta.Enestafestaopensamentonosefixa numdeterminadoponto,poisestsempreemmovimento.Em Cenasdeabril,nopoemaRecuperaodaadolescncia, lemos: sempre mais difcil ancorar um navio no espao (Cesar, 1998, p. 87). Portanto,tirarasaspassituar-senesseespaoondeo naviomesmoqueancoradonosedetmnumlugarpreciso. Alis,podeopoemasedeter,fixar-se?Oqueestportrsdo pensamentodaescrituradeAnaCristinaCesar?Nomesmo momentoemqueopensamentopeaperguntaemrelaoao princpio do pensamento, aos poucos, a prpria leitura vai sendo colocadaemaspas,equantomaisoincentivamoso pensamentosetornasufocadopelasaspas.Ogestoaquiseria justamente esse revelar pelas aspas, ocultar sem as aspas e, ao mesmotempo,revelareocultarcomasaspas.Acreditoque essasejaumaoutrapossibilidadedeleituraparaondice onomstico ao final de A teus ps. Giorgio Agamben nos lembra, noensaioIdeadelpensiero,osperigosdacitao,poisesta nosaprisionadentrodocrculoqueaprpriacitaoinstaura. Porm,seasaspastrazemconsigoumacitaodirecionada 126 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 linguagem,entooprocessonodeveficarpendente,deve liberar aquele que fala, pois todo ato realizado de pensamento, deve, de fato, para ser tal isto , para poder referir-se a algo queestforadopensamentoresolver-se inteiramentenalinguagem:umahumanidade quepudessefalarsomenteentreaspasseria umahumanidadeinfeliz,queteriaperdido,na friadepensar,acapacidadedelevaraofimo pensamento.Porissooprocessointentado linguagempodeserconcludoapenascomo cancelamentodasaspas(Agamben,2002, p. 90, trad. minha). Umapossvelreflexosobreasaspasquemostrame ocultamarefernciasurgesintomaticamentenumapassagem emCorrespondnciacompleta(1979),umacarta-poema, assim como definiu Silviano Santiago: Fica difcil fazer literatura tendo Gil como leitor. Ele lpara desvendar mistrios e faz perguntas capciosas, pensando que cada verso oculta sintomas, segredos biogrficos. No perdoa o hermetismo. No se confessa os prprios sentimentos. J Mary me l toda como literatura pura, e no entende as referncias diretas(Cesar, 1998, p. 120). No poema h o leitor que busca desvendar os mistrios e outroqueacreditanumaescrituralimpa,semasrasuraseos rastros de outras leituras da poeta. O primeiro deseja colocar as aspas para que sua leitura possa estar ancorada num ponto fixo, enquantoqueosegundoleitor,mesmoquediantedas referncias diretas, acredita numa produo que se encerra em si mesma. A presena-ausnciadas aspas joga com o leitor de AnaCristinaCesar.Alis,oseupercursocrtico-poticono constitui um nico leitor, mas, sim, uma biografia de leitura, pois muitossoospoetasinseridosnessetecidotextual.Segundo Maria Lucia de Barros Camargo: Gil e Mary esto equivocados, mas no completamente. Enganam-se ao pensar que a razo uma s: a prpria. No vem que se complementam: que ambos tm e no tm razo (Camargo, 2003, p. 241). Atomomentoestoutentandoseguirasquestes colocadasporRolandBarthes,noensaioDaleitura:Oque ler? Como ler? Por que ler? (Barthes, 2004, p. 30), com o intuito de percorrer alguns rastros da produo de Ana Cristina Cesar, que, alis, tornam-se cada vez mais meus desejos, para pensar 127 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 juntamentecoma(s)leitura(s)dapoetacomooautortransa mais diretamente com o leitor, como o leitor chamado a pr o livroemmovimento5ecomoaliteraturalidapelos documentriosdecultura.EatravsdessejogoAnaCristina Cesarfazumarevisocrticadassuasprpriasleituras,onde passado e presente se misturam. Uma viso circulante da literatura A postura tica diante da literatura e com a literatura est muitopresentenostextosdeAnaCristinaCesar.Asua dissertaodemestrado(exemplarnesseponto),intituladaA literaturabrasileiranocinemadocumentrioedefendidaem 1979,naUFRJ,foipublicadaem1980,financiadapela FUNARTE,agoracomonomeLiteraturanodocumento, presentenaediodeCrticaetraduo(1999).Logona apresentaodapesquisa,Anaescreve:Estapesquisana verdadecomeouondehojetermina:nofichriodefilmes documentriossobreautoresouobrasliterriasproduzidasno Brasileatualmenteemcirculao(Cesar,1999,p.13).Ela enfatizaqueosdocumentriosnosoemsioobjetodesua dissertao,massimosconceitosourepresentaesdo literrioqueessesfilmes,explcitaouimplicitamente,acabam utilizando. Que definio de literatura, que viso do autor literrio sopostasemcirculaoporessesfilmes?(1999,p.13).Nos cincocaptuloslemosumadiscussoemrelaoproduo dessesfilmesvinculadaaosprojetospolticosculturaisdo Estado Novo (1937-1945) ao governo de Ernesto Geisel. O que noschamaatenonessetextoa leitura realizada por alguns cineastassobreosautoresnacionais,querefleteaideologia oficialequeimpossibilitaaoleitorumdilogoabertocoma prpria literatura.5MarcelProustemSobrealeituravernafiguradoletrado,enodoleitor umaposturasemelhanteadeAnaCristinaCesar.Oletradoaoinvsde colocaraleituraemmovimentojuntamentecomomovimentodoseucorpo, umacolhendoooutro,ele,segundoProust, l porler,pararetero queleu. Para ele, o livro no o anjo que esvoaa assim que se abrem as portas do jardim celeste, mas um dolo imvel que ele adora pelo que , que, em vez de receber uma dignidade verdadeira dos pensamentos que desperta, comunica uma dignidade factcia a tudo que o cerca (Proust, 2003, p. 38). Noprimeirocaptulo,CromosdoPas,apoetadeclara umacaractersticadosfilmesfinanciadospeloEstado,quese identificacomaconcepooficialdecultura:exaltaoda personalidadedoautorepreocupaoemfixarparaa posteridadeaimagemdovultoedosfetichesquemarcamsua presena(registrodememrianacional)(Cesar,1999,p.18). Aquijencontramosalgoqueserelacionacomareflexode Giorgio Agamben, a que me referi anteriormente: a questo dos 128 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 documentrios sobre os autores nacionais mais do que tocar via linguagem cinematogrfica a linguagem literria da produo de um determinado autor, limita-se a colocar aspas na sua trajetria pessoal,indicandoondeelenasceu,mostrandoseusobjetos pessoais,seuslivros,prmios,focandoalenteobjetivamente naquiloquepurarepresentaopedaggica,eoleitor-espectadornoconsegueprofilmeemmovimento.Jno captulo,Herispstumosdaprovncia,AnaCristinadestaca queoregistrodessesdocumentriosnoinocente,poiseles constroemmonumentosquenopodemsertocados.Eesta atitudecalaoleitor,poisaleituraautoritriaedeviademo nica.SegundoAna:Estavisoseproduznaanulaoouno mascaramento de uma relao especfica de leitura. E como se no existisse um processo de leitura, com a sua especificidade e subjetivao(...)amanipulaodorealizadoramortecidae encobertaporimagens/texto/montagemqueseapresentam como reflexo objetivo da realidade do autor, verdade natural. Nohleitorpossvelnessecircuitodenaturalizaes(Cesar, 1999,p.45,grifomeu).NopoemaQuatroquartetos,escrito duranteoperodo1975-1979,epublicadoemInditose dispersos(1985),lemosdomesmomodoumaespciede recusamemriaeaonome,ouseja,amesmaquesto presente em sua dissertao de mestrado: (...) extremidades ainda que me Dylan tome a mo ainda que desaprender sonetos reivindicar o nome os mortos no precisam(Cesar, 1998, p. 85) Em outro poema, agora do perodo 1982-1983, lemos: No adianta. Antes havia o registro das memrias cadernos, agendas, fotografias. Muito documental(Cesar, 1998, p. 192). OsensaiosdeAnaCristinaCesarassimcomoseus poemasquestionamemmuitosmomentosomonoplioda memria,jquesuapoesiavivecomoquemdespedearaiva detervisto.Noentanto,naprpriaorganizaodeseus poemasemInditosedispersostemosoacessoauma iconografia,quesetornaumverdadeiroensaiofotogrfico iluminadopelascitaesdaobradapoeta,deacordocom 129 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 ArmandoFreitasFilho.Masnoeraapoetaquedesejava rasurar a paisagem?: a fotografia um tempo morto fictcio retorno simetria secreto desejo do poema censura impossvel do poeta(Cesar, 1998, p. 79) Esta concepo de imagem legendada, a meu ver, parece que est distante do percurso potico de Ana Cristina Cesar. O poemaPourmmoire,jcitadoanteriormente,presenteemA teusps,comeacomaseguintedeclarao:nometoques nesta lembrana. Ou quando ela argumenta no captulo Heris pstumos da provncia, que a relao redundante entre texto e fotografiapassaumnveldeleituraquepercebeumarelao imediataetranspareceentrealeitura e o real (Cesar, 1999, p. 51).Portanto,apoetaestpreocupadaemrealizaruma intervenocrticasobreosmonumentos,poisosregistros dessesmonumentosdistanciamoleitordaobraatravsdeum processo de naturalizao da literatura, do cinema, ou de ambas as artes.NoquintocaptulodeLiteraturanodocumento, Desafinar o coro, Ana Cristinaprocura desfazer a ideia de um documentrio que se projeta como aula, restando ao espectador apenas a comprovao de que a narrao no desdiz a imagem. A poeta faz a crtica: Emvezderetratar,expor,explicar,naturalizar, poderentosubjetivar,metaforizar,silenciar, encenar, ignorar, ironizar ou intervir criticamente nosmonumentos,documentoseoutrostraos domuseudoautor;recusarerigiressemuseu; assumiraparcialidadedetodaleitura;buscar umaanalogiacomoprocessofragmentriode produodoliterrio;mencionaroprpriofilme, tornarconscienteainterveno,referir-se feituracinematogrfica;desbiografizar,como quedesfazendoacomplementaridadesadia entrevidaeobra:htensesnestejogo,e tenses que no limpam a funo documental, comtodooseupoderderegistroverdadeiro, mas se fazem no seu interior (Cesar, 1999, p. 57). 130 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 Assim, a utilizao de umaimagemquerevelaedeuma vozqueconfirma,almdeserumaleituramuitoprimriado processoderealizaodeumdocumentrio,estatraduzum conceitodeliteraturae,claro,umconceitofixosobre documentrio. Portanto, a discusso levantada por Ana Cristina Cesar nos indica que a sua leitura sobre literatura e cinema est conjugandoestticaetica,poisoquenopodeserignorado emsuaproduoocontatocomoleitor,emaisdoqueisso, elabuscafazercomqueoleitorpossaterliberdadede movimentar o seu corpo enquanto l, que ele possa no apenas ler, mas que possa ser, ao mesmo tempo, lido. Leia com o corpo, meu caro hipcrita! Arelaoentreleituraecorpoestsintomaticamente presentenaproduopoticadeAnaCristinaCesar.OttuloA teuspsjindicaumaespciedeentregadoleitor,doautore da prpria poesia . Relao mtua, onde no h uma hierarquia entre sujeito e objeto, o hspede passa a ser hospedeiro e vice-versa,pormoacolhimentoestnogestodeumacolhero outro6.RolandBarthes,autorqueestpresentenasreflexes

6DestacoaleituradeJaquesDerridasobreosdilogosplatnicos,ondea questodahostilidadeedahospitalidadediscutidacomorelao dapoeta,lembraemOprazerdotexto(1973)quenacenado texto no h ribalta: no existe por trs do texto ningum ativo (o escritor)ediantedeleningumpassivo(oleitor);nohum sujeitoeumobjeto(Barthes,2006,p.23).Eleaindarecorda como os eruditos rabes chamavam o texto: o corpo certo. Mas quecorposeriaeste?Bartheslanaapergunta:Otextotem uma forma humana, uma figura, um anagrama do corpo? Sim, masdenossocorpoertico(...)oprazerdotextoesse momentoemquemeucorpovaiseguirsuasprpriasidias poismeucorponotemasmesmasidiasqueeu(2006,p. 24). E esse corpo em contato com o corpo do leitor, que por sua vezproduzoutrasideiasquediferemdaquiloqueosujeito acredita ser a verdade nica, abre uma fenda no mostrada pela revelaodeumstrip-teasecorporal,comodestacaBarthes, poisaintermitncia,comoodissemuitobemapsicanlise, que ertica (2006, p. 16). Portanto, estar a teus ps seria uma encenaodeumaparecimento-desaparecimento,deuma revelaoedeumsegredonapresena-ausnciadasaspas. Dessemodo,oautorparecetransarmaisdiretamentecomo 131 complementar entre o hspede e o hospedeiro. In: DERRIDA, Jacques. Anne DufourmantelleconvidaJacquesDerridaafalardaHospitalidade.Traduo deAntonioRomane.SoPaulo:Escuta,2003.Estanoseriaamesma relao entre autor e leitor? Um hospeda o outro, invertendo os papis: esta no uma questo profunda para a literatura? Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 leitor,ondeaquelenomaisoelementoquepermitea participaodestenogestoertico,masambossemostrame se ocultam nessa relao, movidos por uma paixo.NodepoimentodeAnaCristinaCesarnocurso LiteraturademulheresnoBrasil,em1983,ministradopor Beatriz Rezende, a poeta declara: A gente no sabe direito para quemagenteescreve.Masexiste,portrsdoqueagente escreve,odesejodoencontroouodesejodemobilizaodo outro (Cesar, 1999, p. 258). Ou seja, mobilizar o outro para ser damesmaformatocadaporalgoquenoconhecido, revelado,comoaprpriaAnaenfatiza:lermeiopuxarfios,e nodecifrar.Eelanodecorrerdeseudepoimentopergunta: Quem esse interlocutor? Inclusive, no sei se vocs notaram ottulodolivro,Ateusps7,jcontmumarefernciaao interlocutor.Ateusps,psdequem?Muitagenteme perguntou:aospsdequem?Muitagentebrincoucomesse ttulo(1999,p.258).Porqueserquemuitasvezesoleitor deseja decifrar tudo? Ser essa a funo da literatura, dar a cifra daquilo que no conseguimos ver abertamente? questo mais profunda a resposta vem seno atravs de outra questo, assim como argumenta Blanchot, e, no entanto, o leitor busca sempre arespostaderradeira.Deondeherdamosanecessidadepelo exato,peloltimoenicofim?Quando,nessedepoimentode AnaCristina,umparticipantedopblicoinsistenaquestodo ttulo, vendo ali um tom irnico, e pergunta: Ento, como que fica?irnico?,eAnainsistemaisumavez:Noirnico, gente. Olha, vamos l. A teus ps... Tem uma poro de coisas emAteusps.Eugostodessettulo,porque,emprimeiro lugar, ele sugere uma devoo religiosa, a primeira coisa, no ?Depois,elesugereumacertahumilhaodiantede...Ele sugere tambm um romantismo, e mais adiante:7 Outra leitura plural da poesia de Ana Cristina Cesar o livro organizado por ManoelRicardodeLima,quenoporacasofoiintituladoanossosps.14 poetaspresentesnaorganizao,cadaumescrevendoumpoemaquetraz consigovestgiosdeleiturasdapoetamesclados(s)leitura(s)decada convidado.OlivrofazpartedaSrieAlpendredePoesia,publicadopela Editora da Casa e Dantes Editora, em Florianpolis, 2008. agora,ateusps,comoeutedisse,eusinto comoumarefernciaaooutro.Inclusiveo assuntodotextoumapaixo.Quandovoc falaemateusps,vocestfazendo fragmentosdeumdiscursoamoroso.Como possvel estar a teus ps? Esquisito isso, estar ateusps.Quandovocescreve,voctem essedesejoalucinadoe,sevocest escrevendonaperspectivadapaixo,ousobre apaixo,arespeitodapaixo,hessedesejo 132 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 alucinado de selanar,queoteutextomobilize (Cesar, 1999, p. 264). ApoesiadeAnaCristinaCesarestinseridanocorpoe pelocorpo8eestmovidaporumapaixonoabandonadano poema,masqueoprpriopoema,anterioraolivro.Anase mostrava tambm muito crtica e sensvel a toda uma relao do livro com o mercado editorial. Na Correspondncia completa h a seguinte passagem: Passei a tarde na grfica. O coronel implicououtra vez com as idias mirabolantes da programao. Mas isso que bom. Escrever a parte que chateia, fico com dor nas costas e remorso de vampiro. Vou fazer um curso secreto de artes grficas. Inventar o livro antes do texto. Inventar o texto para caber no livro. O livro anterior. O prazer anterior, boboca(Cesar, 1998, p. 119). Eparaqueolivrosefaaposterioroautordeveestar presente no enquanto, ou seja, no momento em que o livro est sendo preparado, para que ele possa a partir de outro percurso tambm transar mais diretamente com o leitor. Dessa maneira oautorpodeestaremcontatocomoprocessodeproduode seulivronoapenasparasedarcontadetodaatcnica envolvidanapreparaodolivro,masparaassumiruma posiopoltica,ondeescrituraecorposetocamdeoutra maneira,talcomoaliodocordelaqueAnaCristinase refere.Oqueapoetaestdiscutindonosedistanciada reflexoqueWalterBenjaminpropenaconfernciaOautor comoprodutor,pronunciadanoInstitutoparaoEstudodo Fascismo,em27deabrilde1934,naqualBenjaminaponta paraumadiscussoquevaialmdapropostapelacrtica materialista, cuja abordagem se centrava na pergunta: Como se vinculaumaobracomasrelaesdeproduodapoca?.E aoinvsdessapergunta,elelanaumaoutra:comoela(a obra)sesituadentrodessasrelaes(deproduo)? (Benjamin, 1994, p. 122).8EmCenasdeabrilAna Cristinaparecequererdeslocaro corpodopoema para outro lugar. Cito um fragmento do poema: olho muito tempo o corpo de um poema/ at perder de vista o que no seja corpo. Portanto, o corpo no mais visto de fora, agora o corpo se inserenaintermitnciadeseuprojetopotico,mostrandopor fendas uma postura crtica que se torna ficcional e vice-versa, ou atravsdeumpoemaqueaomesmotempoumaprosa, observandoumcorpoquesedivideemmuitosoutros, excedendoanossamemria,ouanossapretensaobjetividade diante de um texto. Este gesto esttico e tico opera uma leitura 133 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 quenoprocuraapenasopoema,masopotico,ouqueno procuraapoltica,masocarterpoltico,quenoprocurao corpo,masogestodocorpo.AleiturapluralpropostaporAna CristinaCesarrompecomoeuiluministaeprope compreender o movimento do corpo. No toa nos deparamos comoensaioQuatroposiesparaler,publicadonojornal Opinio,em27defevereirode1976.Apoetanosindicauma leituraqueseefetuadep,sentado,brincando,detrs paraafrente.Postura(s)nomuitodiferente(s)daquela(s) imaginada(s)porItaloCalvino,noprimeirocaptulodeSeum viajantenumanoitedeinverno(1979).Onarradorfazuma espcie de prembulo para o comeo da leitura do romance do escritoritaliano(masquejnaquelemomentoaprpria leitura?), e antes que os fatos do cotidiano comecem a perturbar oseuprazer,oleitordeveravisaratodosquealeituraest comeando,eparaisso,onarradoraconselhaaoleitoruma posturaquelhepermitalerempaz:Escolhaaposiomais cmoda:sentado,estendido,encolhido,deitado,mesmoque estadecisonosejafacilmentetomada:comcerteza,no fcilencontraraposioidealparaler(Calvino,1999,p.11). Ana Cristina Cesar exige tambm do seu leitor: Por que essa falta de concentrao? Se voc me ama, por que no se concentra?(Cesar, 1998, p. 156). Em outro momento: para voc que escrevo, hipcrita. Para voc - sou eu que te sacudo os ombros e grito verdades nos ouvidos, no ltimo mo- mento. Me jogo aos teus ps inteiramente grata(Cesar, 1998, p. 136). Portanto, a potica desejada por Ana Cristina Cesar pede umleitorquetrabalhecomocorpo,queleiacomocorpo,e justamente pelo fato de sua poesia criar uma viso circulante da literatura, movida por uma leitura penetrada de desejo, cujo jogo no agrupar as peas no tabuleiro, mas, ao contrrio, realizar adispersoeadisseminaodeleituras.Porissomesmoa necessidadedeconcentrao,porissomesmoopoema sacode os ombros do leitor. Gostaria de apontar mais um gesto, que na poesia e para apoesiadeAnaCristinaCesarfundamentalecomplementar ao processo de escritura e leitura, ou seja, a traduo. Sabe-se queapoetapreparouumcursosobrePoesiaModerna Traduzida,queacontecerianaPUCdoRiodeJaneiro,em 134 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 agostode1983.MariaLuizaCesar,tradutoradosestudosque AnaCristinarealizounoCursodeLiteraturaTeoriaePrtica daTraduoLiterria,ocorridonaUniversidadedeEssex,na Inglaterra,duranteoperodo1979-1981,edatesedapoeta sobreocontoBliss,deKatherineMansfield,comoqualAna obtmograudeMasterofArts,explicanasuaapresentao paraolivroEscritosdaInglaterraqueaorganizaodesses textos refora e amplia o curso que a poeta daria na PUC, pois seriaumatentativadeconcretiz-loeampli-locoma apresentaodeestudosereflexesdeAnaC.sobrepoesiae prosamodernatraduzidas(Cesar,1999,p.277).Nesses estudoslemossuaexperinciatantocomotradutoradepoetas, comoT.S.Eliot,Baudelaire,SylviaPlath,Mallarm,Emily Dickinson,DylanThomas,WaltWhitman,entreoutros,quanto sua reflexo terica da traduo, que se apia em nomes como George Steiner, Augusto de Campos e Octavio Paz.AnaCristina,aocomentarastraduesrealizadaspor algunspoetas,taiscomoAugustodeCamposeManuel Bandeira,parececolocaralgoquelhemuitoprximo,jque atravs da traduo dos poetas escolhidos por ela encontramos a reflexo sobre uma releitura de poetas modernos. Maria Lucia de Barros Camargo declara que a obra de Ana Cristina Cesar aobradeumaleitora,deumatradutoraquelparaescrever, sugandoetransformando,comoumvampiro.Vidaeliteratura emmtuacontaminao.Lendoparaserlida,trazoleitorpara dentro do texto (Camargo, 2003, p. 151). Assim, a poeta est o tempotododesafiandooleitor,inserindoaomesmotempoem seuprojetopoticoleitura-escritura-traduosimultaneamente. Atraduoparecepotencializaraindamaisasualeiturae escritura.ItaloCalvino,noensaioTradurreilveromododi leggere un testo (1982), argumenta que: traduzir o verdadeiro modo de ler um texto; acredito que isso j tenha sido dito muitas vezes; posso acrescentar que para um autor a reflexo sobre a traduodeumtextoseu,adiscussocomotradutor,o verdadeiro modo de ler a si mesmo, de compreender bem o que escreveu e o porqu (Calvino, 2002, p. 87, trad. minha). AcreditoqueaexperinciadeAnaCristinaCesarcomo leitora, escritora e tradutora nos conduz a uma experincia sem fim,poisaocontrriodedecifraroleitordesuapoesia/prosa convidadoacolocarmaiscifra,eaofazerissoeleest buscando situar-se atrs de um pensamento que no suporta as aspas,desconfiandodetodapossvelrefernciaimediata,pois seestaestalijnoseencontrasozinha.RicardoPiglia,no poracaso,emOltimoleitor(2006),vatravsdareflexode JorgeLuisBorgessobreoleitordispersoumaaberturapara umasrienuncaimaginada,equeumfundamentalparaa 135 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 existnciadafico.SegundoPiglia:Umadaschavesdesse leitorinventadoporBorgesaliberdadenousodostextos(...) umacertaarbitrariedade,umacertainclinaodeliberadapara ler mal, para ler fora do lugar, para relacionar sries impossveis (Piglia,2006,p.27).EstamosdiantedeAnaCristinaCesar circundados por uma prateleira improvvel, onde o contato entre livrosqueaparentementenosetocamnosoferece,como leitores e autores de uma determinada leitura, o instante de uma multiplicidadequepurodescontrole,noentantoquenos proporcionaaquiloquesemprenosescapa,eporissomesmo temostantoprazercomaleitura,ouseja,odesejo(serque Ana Cristina leu Aby Warburg?). Meu caro leitor, tirar as aspas um gesto de liberdade para que outras venham habitar o nosso desejo, e as que surgem so como resduos, precisamos buscar aspistasparaseguirosrastros (estes so como aspas sempre propensasacair),mascomaesperanadenuncadecifraro enigma. Humleitorqueestpresentenondiceonomsticode Clarice,quecompartilhacomaquiloquetenteiproporcomo estticaeticadaleitura.EmTextodeConsulta,deMurilo Mendes, lemos: 1 A pgina branca indicar o discurso Ou a supresso o discurso? A pgina branca aumenta a coisa Ou ainda diminui o mnimo? O poema o texto? O poeta? O poema o texto + o poeta? O poema o poeta - o texto? O texto o contexto do poeta Ou o poeta o contexto do texto? O texto visvel o texto total O antetexto o antitexto Ou as runas do texto? O texto abole Cria Ou restaura?9 (...) Houtroleitor,umaespciedeausncia-presenteno ndiceonomsticodeAnaCristinaCesar:WalySalomo.Seu poema Devenir, devir dialoga com a nossa reflexo: Trmino de leitura de um livro de poemas no pode ser o ponto final. 136 9 In: MENDES, Murilo. Convergncia. So Paulo: Duas Cidades, 1970.

Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 Tambm no pode ser a pacatez burguesa do ponto seguimento. Meta desejvel: alcanar o ponto de ebulio. Morro e transformo-me. Leitor, eu te reproponho a legenda de Goethe: Morre e devm Morre e transforma-te. (Salomo, 2000, p. 46). Comoaquestodaleituranopassaporumaorigeme porumfim,entoaquestomaisprofunda,comopensava Blanchot,retornamovidaporumapretensiosaeesperada pergunta:Quetarefaapoesiacumpre?.Eestasedesdobra emoutras.Apontomaisuma,tambmcolocadaporManoel RicardodeLima(masquenolhepertencemaisjque compartilhada),duranteocursoPoesiabrasileira contemporneaAnaCristinaCesar,naUFSC,nosegundo semestrede2009:Comoencontraruminterlocutorparao poema?.Mal acabamos de ancorar o navio no espao... Referncias: AGAMBEN,Giorgio.Ideadellaprosa.Macerata:Quodlibet, 2002. BARTHES,Roland.Orumordalngua.TraduoMrio Laranjeira. So Paulo: Martins Fontes, 2004. .S/Z.TraduoLaNovaes.Riode Janeiro: Nova Fronteira, 1992. .Apreparaodoromancevol.II. TraduoLeylaPerrone-Moiss.SoPaulo:MartinsFontes, 2005. .Oprazerdotexto.TraduoJ. Guinsburg. So Paulo: Perspectiva, 2006. .RolandBarthesporRolandBarthes. Traduo de Leyla Perrone-Moiss.So Paulo: Cultrix, 1977. BECKETT,Samuel.Proust.TraduoArthurNestrovski.So Paulo: Cosac & Naify, 2003. 137 Artigo A INTERMITNCIA DAS ASPAS Davi PessoaBoletim de Pesquisa NELIC Edio Especial V. 3 2010.1 138 BENJAMIN, Walter. Magia e tcnica, arte e poltica. Traduo Sergio Paulo Rouanet. 4 edio. So Paulo: Editora Brasiliense, 1994. BLANCHOT,Maurice.Aconversainfinita:apalavraplural. Traduo Aurlio Guerra Neto. So Paulo: Escuta, 2001. CAMARGO,MariaLciadeBarros.Atrsdosolhospardos: umaleituradapoesiadeAnaCristinaCesar.Chapec: Argos, 2003. CALVINO,Italo.Seumviajantenumanoitedeinverno. TraduoNilsonMoulin.SoPaulo:CompanhiadasLetras, 1999. .Mondoscrittoemondononscritto.Milano: Oscar Mondadori, 2002. CESAR,AnaCristina.Ateusps.SoPaulo:Editoratica, 1998. .Inditosedispersos.SoPaulo:Editora tica e Instituto Moreira Salles, 1998. .Crticaetraduo.SoPaulo:Editora tica e Instituto Moreira Salles, 1999. FERNANDEZ, Macedonio. Museo de la Novela de la Eterna. 2 edio. Buenos Aires: Corregidor, 2007. MENDES,Murilo.Convergncia.SoPaulo:DuasCidades, 1970. MORANTE, Elsa. Pro o contro la bomba atomica. Milano: Adelphi Edizioni, 1987. PIGLIA, Ricardo. Diccionario de la Novela de Macedonio Fernndez. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econmica de Argentina, 2000. .Oltimoleitor.TraduoHeloisaJahn.So Paulo: Companhia das Letras, 2006. PROUST,Marcel.Sobrealeitura.TraduoCarlosVogt.4 edio. Campinas: Pontes, 2003. SALOMO, Waly. Tarifa de Embarque. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.