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AS ARTES PLÁSTICAS E O TEATRO

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A relação entre as artes visuais na contemporaneidade e as ar-tes cénicas – ou o teatro, em particular – é um diálogo acidenta-do que tem naquilo que se convencionou denominar happening, performance ou ação um território privilegiado de intersecção entre aquelas áreas de criação artística. Sobretudo nas déca-das de 60 e 70 foram várias as formulações duma atuação que resultasse da urgência em transferir ideias para a ordem viven-cial e segundo a aproximação a um público, numa atualização da linhagem criativa que unia artes visuais e teatralidade, des-de as experiências do futurismo italiano à Bauhaus e a uma das suas herdeiras diretas, o Black Mountain College. Outras experiências conservaram-se na sombra dos grandes feitos da história da arte moderna. Pelo contexto ideológico de que vie-ram a ficar reféns (o futurismo italiano do fascismo e o russo do comunismo) ou pelo espírito de anarquia em que se desen-volveram ou ainda, pelo escasso rasto documental que dessas atividades subsiste, o conhecimento das teorias e práticas da performance primitiva do século XX revelou-se tardio.Em 1910, Marinetti e os futuristas rumam a Trieste, centro do conflito austro-italiano, e no Teatro Rosetti afrontam o público, com inflamados discursos nacionalistas e beligerantes. A partir de então, os pintores futuristas descobrem, na defesa da ve-locidade e do perigo, novos meios de ação, entre os quais, as montagens teatrais que recorrem às parole en libertà, aos ins-trumentos artesanais de produção de ruído, aos fantoches e manequins que contracenam com os atores, a peças condensa-das num desenho de luz sobre volumes em metamorfose ou ao denominado teatro sintético que comprimia uma narrativa ou mais (por vezes da dramaturgia clássica) numa apresentação em palco de breves minutos. Os artistas plásticos participavam, assim, na reelaboração das possibilidades do teatro moderno – ou duma teatralidade na modernidade –, na aurora do novo século.Na Rússia, Maiakovsky passeava-se com os futuristas, com ca-ras pintadas e em trajes excessivos, pelas ruas de São Peters-burgo. Faziam, ainda, a apologia de uma nova estética da co-municação, através da complementaridade dos jornais falados, dos posters, do filme e do teatro procurando fazer chegar a informação e a ideologia da Revolução a um público alargado. O Futurismo (tanto em Itália como na Rússia, onde estava asso-ciado ao Construtivismo) proclama uma doutrina da ação, pug-nando pela abolição do psicologismo e fazendo o apelo a “uma nova escuta da matéria” capaz de matar o lirismo contemplati-vo e o humanismo clássico.

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Em 1916, o Cabaret Voltaire, durante cinco meses, propõe a per-formance, a leitura ao vivo, a poesia sonora e a poesia simultâ-nea como actividades afins que movem os filhos da burguesia e os estudantes universitários de Zurique. Desde cedo, Tristan Tzara se entusiasma pela ideia de uma antologia Dada, enquan-to Hugo Ball e Richard Huelsenbeck se opunham por repudia-rem todas as formas de organização. Ball antecipava: “Toda a living art será irracional, primitiva, complexa: falará uma lingua-gem secreta e deixará atrás de si documentos não de edifica-ção, mas de paradoxo.” A dança, sobretudo no período da Ga-leria Dada e por provável influência de Sophie Tauber, prende a atenção do grupo e Ball refere-se-lhe como a arte de suporte mais próximo e íntimo, comparando-a a práticas das socieda-des selvagens que interpelam a individualidade e a possessão.O Dada de Berlim, por sua vez, confere uma dimensão política ao movimento. Usam o cartaz para disseminar ideias e slogans pela cidade, advogam o aumento progressivo do desemprego para que o indivíduo alcance um conhecimento concreto do mundo e influenciam homens do teatro como Piscator e Brecht. Em Paris, os dadaístas desafiam o teatro realista (marcadamen-te influenciados por Raymond Roussel e as suas Impréssions d’Afrique, pelo trabalho de dança Parade com texto de Cocteau, figurinos de Picasso e música de Satie e, ainda, por Les Mamel-les de Tirésias de Appolinaire), criando espectáculos de varie-dades com figurinos exuberantes, mestres de cerimónias - re-cuperados do vaudeville - que anunciam e explicam ao público o scketch seguinte e multidões representadas num único ator. Organizaram ainda, sob a mesma vontade de ultrapassar as disciplinas artísticas tradicionais, excursões que se propunham mostrar lugares sem razão para existir e o Julgamento de Mau-rice Barrès, que não constituirá senão o exame da rivalidade entre Tzara e Bréton e a efetivação da ruptura. O Surrealismo, criado em 1925 e guiado por Breton, não aban-dona o simultaneísmo e o acaso do Dada mas resgata conceitos operativos da psicanálise. O ballet burlesco de Picabia, Relâche, com a colaboração de Satie, Man Ray, Duchamp e o jovem cine-asta René Clair constitui um trabalho de referência na expres-são transdisciplinar surrealista, que integra um prólogo cine-mático, a exibição do filme Entr’act de Picabia durante o tempo de intervalo e códigos do teatro popular que desconcertam as elites e conquistam o público.Na Bauhaus, Schlemmer coreografa a matematização e a me-canização do corpo, opondo as imagens da tecnologia ao Ex-pressionismo instalado. As festas temáticas que ocorriam re-gularmente na instituição eram oportunidades únicas para Schlemmer e os alunos experimentarem a improvisação e a geometria das marcações, as máscaras e os figurinos de evoca-ção maquínica, as projecções de luz, e a animação de espaços exteriores ao palco. Ainda na Bauhaus, e em estreito diálogo com Schlemmer, vários arquitetos elaboraram hipóteses de prolongamento do novo entendimento do espaço e da dança à morfologia do palco. Walter Gropius projecta um Teatro Total

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para Piscator, com uma localização da cena que devolvesse a tridimensionalidade do espetáculo em arena. Andreas Weinin-ger ensaia um Teatro Esférico que, acomodando os especta-dores na parede interior do globo, propiciasse novas relações físicas, visuais e acústicas e colocasse a nu o aparato técnico e os bastidores.Todos os movimentos referidos se interessavam pelo circo, pelo music hall, pelo teatro de variedades, pelo vaudeville, pelas ma-rionetas, e alguns ainda pelo teatro japonês. Esse território hí-brido de interpelação direta de um público continuará, depois da Segunda Grande Guerra e da fuga de muitos intelectuais e artistas da Europa, noutros moldes nos Estados Unidos e, so-bretudo, com John Cage e Merce Cunningham. O primeiro de-fende , a partir do seu manifesto de 1937, O Futuro da Música, as noções de acaso e indeterminação, pelo que a nova música seria flexível, mutável e fluente e cada concerto um aconteci-mento único e irrepetível. A música não intencional, por lidar com o “campo completo do som”, exigia novos métodos de notação e transferia para o ouvinte a responsabilidade central na experiência da música. Cunningham, por seu turno, acolhia os movimentos naturais e ordinários do corpo como dança e libertava a escrita coreográfica da sujeição à música. Ambos eram herdeiros daquelas práticas de cruzamento ensaiadas na Europa, mas profundos devedores de Duchamp (Cage chega a escrever: “one way to write music: study Duchamp”) que, até aos anos 60, permanecia um artista obscuro e secundarizado pelas grandes instituições da arte.No Verão de 1952, o Black Mountain College, por iniciativa dos dois artistas, acolhe o Untitled Event, um conjunto de propostas simultâneas com desenvolvimento e desfecho imprevisíveis. Num sistema de quatro bancadas triangulares, o público tinha a oportunidade de assistir a partir de dentro a um evento anár-quico em que um Cage de fato e gravata lia textos em torno das relações entre música e o budismo zen além de apresentar uma composição com rádio, Robert Rauschenberg passava velhos discos num velho gramofone, David Tudor tocava num piano preparado, Cunningham e outros bailarinos dançavam por en-tre as bancadas, recitava-se poesia, eram projetados diapositi-vos e pequenos filmes e servia-se café a todos os participantes. A herança de Dada e do Surrealismo emergia, assim, vigorosa-mente, numa lógica da collage e numa reflexão em torno da mi-se-en-scène, que conheceria uma inusitada expansão nas duas décadas seguintes com Allan Kaprow e a noção de happening, o movimento da Judson Church, Joseph Beuys e o Fluxus, e a prática da performance que visava, numa crescente multiplica-ção de abordagens e declinações, uma experiência partilhada e simultânea entre criadores e público. No contexto internacio-nal, vários artistas visuais prolongaram estas experiências his-tóricas e contribuíram, nas últimas décadas de modo indelével para uma redefinição do teatro contemporâneo como são os casos referenciais do norte-americano Robert Wilson e do bel-ga Jan Fabre.

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Em Portugal, existe um conjunto de artistas cujo trabalho man-tém uma relação matricial com o happening como Ana Hather-ly e com a performance como Silvestre Pestana, João Vieira e Albuquerque Mendes. Ou ainda, de modo mediado pelo registo fotográfico, Helena Almeida que cruza o gesto do desenho e do corpo no espaço com os elementos essenciais da prática da pintura. Outros artistas procuraram ainda dialogar diretamen-te com a tradição teatral, seja em projetos cenográficos como Almada Negreiros, Ângelo de Sousa e José Rodrigues e – mais recentemente António Lagarto e Pedro Tudela –, seja no apro-fundamento das possibilidades de um teatro de imagens como Lourdes Castro e Manuel Zimbro com o seu “teatro de som-bras” que alia a evocação de situações do quotidiano às figura-ções do maravilhoso ou do encantatório.Mais recentemente, Pedro Barateiro [IMAGEM QUE ESTÁ NO SITE] tem apresentado propostas de instalação onde o espec-tador é confrontado com uma cenografia por ativar ou, pelo contrário, com aquilo que poderá ser o lastro cenográfico duma ação performativa já decorrida; o artista plástico Vasco Araú-jo (com um trabalho imbuídos das estratégias do espetáculo teatral e da ópera, em particular) tem desenvolvido projetos de criação com a companhia de teatro Cão Solteiro; e Mariana Silva propôs, no âmbito da exposição Às Artes, Cidadãos, no Museu de Serralves, uma intervenção performativa no espaço do Teatro Nacional São João, onde questionava as instâncias formais e protocolares das artes cénicas e a relação que man-têm com o espectador. O amplo espaço onde as artes plásticas e o teatro, ao longo da modernidade e da contemporaneidade, se foram cruzando con-tinua hoje a ser um território natural de trabalho sobre as ques-tões mais complexas de ordem individual, política e social (don-de a predominância das temáticas identitárias e dos discursos étnicos, de género e das minorias, no decurso dos anos 1990) explorando uma lógica da presença física dos atores e o eco imediato por parte de um público. As artes plásticas continuam, pois, a descobrir nas artes performativas – mais do que o peso da sua tradição – a vitalidade das formas em processo que as podem revivificar ou o anfiteatro privilegiado para o “discurso direto” que, independentemente das mediações tecnológicas ou institucionais, conserva as qualidades do jogo imprevisível da criação “ao vivo”.

João Sousa Cardoso

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