artigo - o ensino da farmácia

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 O  nsino de  Farmácia Iracema Joana Salim Es tefan * Farmacêutica  -Assessora MINISTÉRIO  D A  SAÚDE INTRODUÇÃO N a  história antiga e contemporânea da profissão de Farmá- ci a  temos testemunhado  a  dualidade  na  ênfase profissional  so - b re  o s  medicamentos,  os  produtos  e o  interesse comercial  q u e lh e  corresponde. Inúmeros estudos  e  publicações manifestam o conflito bem como o sinergismo provocados por esta duali- dade.  Apesar  d a s  implicações  teóricas  e  práticas  d a s  caracte- rísticas  da  Farmácia,  é uma  realidade  o  fato  de que a  profissão farmacêutica, mais  qu e  qualquer  outra profissão  d a  área  d a saúde, entrelaça interesses profissionais com interesses co- merciais. A  profissão farmacêutica  não é uma  ilha  em si  mesma.  A natureza  de seu exercício está profundamente imbricada na malha  de normas legais, infra-estrutura  política,  aspectos em- presariais  e inter-relações  profissionais. Assim, pode-se afir- m a r  que o  exercício  d a  Farmácia  se  processa  em um  entorno complexo, às vezes  favorável,  outras vezes hostil. o  obstante,  a  sobrevivência  d a  profissão farmacêutica deriva de seu  entorno,  não de  maneira distinta  a dos  modelos biológicos e físicos que descrevem a natureza de seu conteú- do. Assim, vemos hoje na Farmácia uma necessidade urgente de  compreender e assimilar a essência de sua própria identida- d e  profissional  b em como  do  entorno mais amplo  d e  onde emana  su a  existência.  Se de um  lado necessitamos compreen- d er  essas variáveis para poder controlá-las,  p o r  outra parte, devemos  te r  pleno conhecimento  do s  fatores externos,  o u  seja, aquelas  variáveis que não estão sob nosso controle e que de- sempenham  u m  importante papel  n a  configuração  de  nossa profissão. Esta compreensão nos situará em um contexto ade- quado e nos  ajudará  a  planejar  e  compreender nosso  futuro. Faz-se necessário, pois, buscar saber  o que é a  Farmácia,  a quem  serve, como  o  faz,  e em que  contexto. A  Farmácia  é u m  sistema  d e  conhecimento  que tem  como característica  fundamental  o estudo dos medicamentos em to- dos os seus  aspectos. Em  1966 Pourchet  Campos 8  integra ao medicamento o alimento  e o  tóxico  e  conceitua Farmácia como sendo  o  co- nhecimento amplo  e  pleno  d a s  substâncias que, direta  ou in- diretamente,  te m  significado para  a  saúde . N o  estudo  d e  Millis,  PHARMACISTS  FOR THE  FUTU- RE 7 ,  a Farmácia é conceituada como um serviço de saúde, posto  que a  única razão para pesquisar, produzir,  distribuir, prescrever   dispensar medicamentos  é que  através  d o s  mes- m os  se  podem produzir efeitos benéficos  na  saúde  da  popula- ção, curando, prevenindo,  controlando  a s  doenças  e  reduzindo o  sofrimento humano.

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  • O Ensino de Farmcia

    Iracema Joana Salim Estefan* * Farmacutica -AssessoraMINISTRIO DA SADE

    INTRODUONa histria antiga e contempornea da profisso de Farm-

    cia temos testemunhado a dualidade na nfase profissional so-bre os medicamentos, os produtos e o interesse comercial quelhe corresponde. Inmeros estudos e publicaes manifestamo conflito bem como o sinergismo provocados por esta duali-dade. Apesar das implicaes tericas e prticas das caracte-rsticas da Farmcia, uma realidade o fato de que a profissofarmacutica, mais que qualquer outra profisso da rea dasade, entrelaa interesses profissionais com interesses co-merciais.

    A profisso farmacutica no uma ilha em si mesma. Anatureza de seu exerccio est profundamente imbricada namalha de normas legais, infra-estrutura poltica, aspectos em-presariais e inter-relaes profissionais. Assim, pode-se afir-mar que o exerccio da Farmcia se processa em um entornocomplexo, s vezes favorvel, outras vezes hostil.

    No obstante, a sobrevivncia da profisso farmacuticaderiva de seu entorno, no de maneira distinta a dos modelosbiolgicos e fsicos que descrevem a natureza de seu conte-do. Assim, vemos hoje na Farmcia uma necessidade urgentede compreender e assimilar a essncia de sua prpria identida-de profissional bem como do entorno mais amplo de ondeemana sua existncia. Se de um lado necessitamos compreen-der essas variveis para poder control-las, por outra parte,devemos ter pleno conhecimento dos fatores externos, ou seja,aquelas variveis que no esto sob nosso controle e que de-sempenham um importante papel na configurao de nossaprofisso. Esta compreenso nos situar em um contexto ade-quado e nos ajudar a planejar e compreender nosso futuro.

    Faz-se necessrio, pois, buscar saber o que a Farmcia, aquem serve, como o faz, e em que contexto.

    A Farmcia um sistema de conhecimento que tem comocaracterstica fundamental o estudo dos medicamentos em to-dos os seus aspectos.

    Em 1966 Pourchet Campos8 integra ao medicamento oalimento e o txico e conceitua Farmcia como sendo o "co-nhecimento amplo e pleno das substncias que, direta ou in-diretamente, tem significado para a sade".

    No estudo de Millis, PHARMACISTS FOR THE FUTU-RE7, a Farmcia conceituada como um servio de sade,posto que a nica razo para pesquisar, produzir, distribuir,prescrever e dispensar medicamentos que atravs dos mes-mos se podem produzir efeitos benficos na sade da popula-o, curando, prevenindo, controlando as doenas e reduzindoo sofrimento humano.

  • O sistema Farmcia tem, portanto, como escopo o estudodo frmaco-medicamento em todos os seus aspectos, quer se-jam tecnolgicos quer os decorrentes da passagem dos medi-camentos de uma dimenso tcnica para uma dimenso clnica.

    Entretanto, como conseqncia da evoluo da Farmcia epor fora de um "curriculum" extremamente ecltico, outrasreas como as anlises clnicas e lexicolgicas e a de alimentosforam incorporadas pela profisso. Estas reas representamhoje, legtimas conquistas da Farmcia, avaliadas pela socieda-de, atravs dos servios prestados, e muito embora no sendoatividades privativas, devero ser aprimoradas e preservadasno conjunto das cincias farmacuticas.O MBITO PROFISSIONAL

    O exerccio da profisso farmacutica tem respaldo em di-plomas legais sendo suas atribuies divididas em privativas eno-privativas.

    O Decreto Federal no 85.878 de 07 de abril de 1981, esta-beleceu normas para a execuo da Lei 3.820 de 11 de no-vembro de 1960, sobre o exerccio da profisso farmacutica,fixando as atribuies profissionais do farmacutico em:

    a) Privativas- Magistrio superior (mat. privativas constantes, currculo

    de farmcia);- Percia Tcnica Legal;- Fiscalizao tcnica de empresas farmacuticas;- Fiscalizao profissional;- Farmacotcnica prescricional humana;- Pesquisa e Planejamento de frmacos;- Dispensao farmacutica (pblica, hospitalar, privada);- Indstria de especialidades farmacuticas;- Cosmticos com indicao teraputica;- Produo e dispensao de fitoterpicos.b) No Privativas- Indstria de insumos para fins farmacuticos;- Indstria de insumos bioqumicos para fins farmacuti-

    cos;- Fabrico de produtos higinicos e cosmticos sem indica-

    o farmacutica;- Indstria de produtos biolgicos;- Bromatologia e qumica bromatolgica;- Tratamento de gua;- Anlises clnicas para fins clnicos;- Anlises qumicas para fins industriais;- Fbrico de produtos farmacuticos para fins veterinrios;- Indstria de extratos opoterpicos;- Indstria de raticidas, inseticidas e congneres.

    O ENSINO DE FARMCIA NO BRASILExistem hoje 35 estabelecimentos que ministram ensino

    superior de Farmcia a nvel de graduao. Conforme pode

  • ser visto na Tabela I e II esto distribudas por todas as re-gies do pas, havendo uma maior concentrao delas nas re-gies mais desenvolvidas.

    Do ponto de vista da dependncia Administrativa Finan-ceira (TABELA III), a maioria das Escolas ou Faculdades deFarmcia so Federais, tendo ocorrido um aumento substan-cial de estabelecimentos privados, nos ltimos 6 anos localiza-dos sobretudo no Estado de So Paulo.

  • Com relao procura da Farmcia como carreira pelosjovens, continua sendo relativamente alta. Segundo dados daSEEC/MEC, no Vestibular do 1o Semestre de 1984, 17.193

  • candidatos apresentaram-se para disputar 1.964 vagas, o queaponta 8,76 candidatos por vaga. Neste perodo (1o Semestrede 1984) o nmero total de alunos matriculados era de 13.369.J o nmero de concluintes (1983) foi de 2.547.

    Embora no se disponha de dados atualizados, tudo leva acrer que a constatao feita no estudo - "O ENSINO DACINCIA FARMACUTICA NO BRASIL"4 - Anlise eRecomendaes de 1974, ainda continuam vlidos. Neste tra-balho, o que estudou exaustivamente a questo foi verificadoque apenas 4% do alunado faziam opo por farmcia, 82%pelo setor de anlises clnicas e toxicolgicas e 14% pela reade tecnologia.

    Vrios fatores contriburam para esta situao que teve umsaldo negativo para a profisso e para a sade da populao.

    O IMPACTO DA CRISE ECONMICA SOBRE OENSINO DE FARMCIA

    A Economia tem um impacto muito elevado sobre a quali-dade e a quantidade dos programas de ensino oferecidos. NoBrasil, o grande perodo recessivo gerou srias conseqnciassobre o assunto em geral.

    No caso especfico da Farmcia, onde a maioria das escolasou faculdades dependente de recursos federais, os problemasgerados foram grandes em todos os setores.

    REA FSICA e EQUIPAMENTOS - A grande maioriadas escolas de Farmcia se ressente de equipamentos, (e atmesmo reagentes e vidraria) para oferecer um ensino de bomnvel. Os equipamentos so obsoletos e carecem de manuten-o, por falta de recursos, aguardam anos para sua recupera-o.

    O CORPO DOCENTE - No Brasil sempre houve escassezde verdadeiros cientistas farmacuticos, quer a nvel de insti-tuies de ensino quer a nvel de indstria farmacutica. Estefato agravado pelo pequeno nmero de cursos de Ps-gra-

  • duao no pas (apenas 8) (Tabela IV) e a pouca sada de pro-fissionais para capacitao no exterior.

    Enfrenta-se tambm a concorrncia com a Indstria far-macutica para a obteno de pessoal qualificado. Com re-cursos limitados, a Universidade como um todo, enfrenta pro-blemas srios para manter seus docentes mais qualificados ouinvestir na contratao e formao de novos professores.Consideramos estratgica a questo do preparo de docente.H necessidade de se buscar alternativas para o traado de umprograma nacional de capacitao de docentes na rea deFarmcia (frmaco-medicamento), como forma de atualizar emodernizar o ensino de farmcia, hoje com um atraso de cercade 20 anos em relao ao ensino de pases mais desenvolvidos. imperiosamente urgente a implementao do ensino da far-macocintica, biofarmcia, farmcia hospitalar, farmcia clni-ca, administrao farmacutica, sade pblica, fisiopatologiaapenas para citar algumas disciplinas. Ainda no que diz res-peito a docentes, importante se pensar em cursos de educa-o continuada, como forma de manter a qualidade do ensino.

    Reiteramos mais uma vez a necessidade de se estruturarprogramas de formao de docentes para nossas escolas. Estanfase devida a importncia definitiva para o futuro das Es-colas ou Faculdades de Farmcia em nosso pas. Os professo-res necessitam manter sua capacidade no manejo de novos ecomplexos equipamentos, necessitam que suas prprias ativi-dades no sofram uma defasagem no contexto do mundocientfico e tecnolgico moderno, sem deixar de ser sensveis anatureza mutante da prestao de servios de sade e ao papela ser desempenhado pelos farmacuticos, nestas mudanas.

    AS BIBLIOTECAS - Como regra geral podemos afirmarque as escolas de farmcia so extremamente pobres em bi-bliografias especficas. Tomando como exemplo a farmciahospitalar, inexistem textos nacionais bem como estrangeiros.Bibliografias para rea de administrao farmacutica, farm-cia clnica, biofarmcia, farmacocintica clnica so pratica-mente inexistentes no pas. Peridicos da rea so pouco co-muns. Acreditamos que no momento existem condies parase modernizar o acervo das bibliotecas de nossas escolas atra-vs do PROJETO BIBLOS, recentemente lanado pela SE-SU/MEC dentro do Programa Nova Universidade.

    A PESQUISA - Poucas escolas de Farmcia do nosso pasdesenvolvem pesquisas, e estas tm sofrido as conseqnciasdas limitaes impostas pela crise financeira. Entretanto, aspesquisas nesta rea so absolutamente vitais para se alcanaro objetivo de se proporcionar "Sade para todos no ano2000". Os produtos farmacuticos continuam sendo o mtodomais barato de terapia sanitria, e os novos descobrimentos napesquisa farmacutica freqentemente tem forte impacto emoutras reas.

    A pesquisa na rea de produtos naturais, num pas comuma flora to rica necessita ser fortalecida, como forma de seencontrar alternativas medicamentosas eficazes e de baixocusto para a populao brasileira.

  • Especial ateno deve ser dada a natureza interdisciplinardas atividades de pesquisa de nosso tempo, j que a maioriados trabalhos fruto da integrao de recursos de diferen-tes disciplinas. necessrio motivar mais as escolas de Farm-cia a desenvolverem trabalhos de investigaes, a exemplo dasFaculdades de Farmcia das universisades federal do RioGrande do Sul e da Paraba, esta atravs do seu Laboratriode Tecnologia Farmacutica - L.T.F.

    O CURRICULUM - O atual curriculum mnimo de Far-mcia, estabelecido pela Resoluo no 4/69 do Conselho Fe-deral de Educao3, deixa claro o carter multidisciplinardestes cursos, possibilitando aos farmacuticos diferentescampos de atuao. Nas escolas de Farmcia so formadosprofissionais com ttulos diferentes:

    - Farmacutico- Farmacutico Industrial- Farmacutico Bioqumico com 2 opes

    I - Tecnologia de alimentosII - Anlises clnicas e lexicolgicas

    Esta reforma curricular surgiu em meio a uma crise institu-cional do ensino quando at mesmo a extino dos Cursos deFarmcia chegou a ser proposta. Essa crise teve por funda-mento, em realidade, o fosso existente entre o ensino e a reali-dade de sade do povo brasileiro. O acordo MEC/USAID,que d causa reforma do ensino a gnesis dos descaminhossubseqentes. importante analisar os antecedentes histricosgerados da crise que culminou com o currculo vigente. Se-gundo o Professor Jos Aleixo Prates e Silva "esta reforma,longe de oferecer solues adequadas qualificao de pro-fissionais para dispensao sob uma tica moderna, evidencioumanifesta substima a esse campo de atividade por excelnciado farmacutico, preferindo, antes, oferecer mais e melhoresperspectivas para o ensino das Anlises Clnicas e Toxicolgi-cas..."10

    At 1930 os procesos industriais estavam limitados a mani-pulao de produtos (vegetais e minerais) tendo como sede a"botica" ou pequenos estabelecimentos industriais. Os medi-camentos aqui produzidos no se diferenciavam dos demaisproduzidos na Europa ou EEUU. Nesta poca os americanoscomo europeus se preocupavam em constituir unidades de in-vestigao cientfica o que no ocorreu aqui.

    As pesquisas desenvolvidas culminaram com a descobertade novos produtos dentre os quais se pode destacar: VitaminaB1, Sulfas, Hormnios, Antimicrobianos, Reserpina, Dexa-metasona, etc.

    Estes produtos comearam a entrar no Brasil atravs dascasas representativas, com objetivos comerciais: O desenvol-vimento tecnolgico surgido aps a Segunda Guerra Mundial,levou a que a pesquisa cientfica se transformasse em fonte delucro industrial ao mesmo tempo que proporciona o apareci-mento de novos produtos, gerando monoplios e lucros fan-tsticos para as empresas. Isto culminou com uma elevadaconcentrao econmica e a oligopolizao do mercado.

  • As pequenas empresas nacionais, sem condies de acom-panhar a evoluo tecnolgica ficam merc da entrada noBrasil, destas empresas econmicas e financeiramente fortes,ocorrendo da o fenmeno da "desnacionalizao". Esta en-trada macia de capital estrangeiro no setor farmacutico,provoca, a nvel de oferta, uma aproximao do mercao na-cional ao mundial.

    Os grandes laboratrios estrangeiros aqui instalados assu-mem progressivamente o controle da produo farmacuticano Brasil, implantando novas fbricas, adquirindo laboratriosnacionais e assumindo o controle de outros.

    O farmacutico, deslocado de sua atividade nobre de mani-pulao na farmcia, cercado por produtos industrializadosque proliferam desordenadamente, e dos quais de pouco ounada sabe, se sente desestimulado a continuar nessa atividade.A nvel de indstria, suas funes tambm se limitam a "ge-rente de produo", posto que as pesquisas, a sntese das ma-trias-primas e a pesquisa tecnolgica propriamente dita sofeitas nas matrizes instaladas no exterior. Aqui so executadasapenas as operaes referentes s 3a e 4a fases ou seja, a 3afase basicamente de procedimentos fsicos, (sem grande sig-nificado tecnolgico) e a 4a fase a de comercializao e"marketing" dos produtos industrializados. Tenha-se presen-te, s para um referencial no tempo, que a 1a regulamentaofederal das atividades da indstria farmacutica j estavamsolidamente instaladas no Brasil.

    Naquele momento de crise, entenderam as lideranas daprofisso e as autoridades responsveis pelo ensino superior,ser oportuna a reviso curricular com abertura de novas op-es, do que resultou a Resoluo 4/69 C.F.E.3 O medica-mento relegado a um plano secundrio, entendendo-se queprofissionais de nvel superior de curta durao poderiam as-sumir a direo das farmcias de dispensao que proliferamno pas, fortemente supridas de medicamentos sofisticados.Assim no ocorreu porque o profissional no se sentia capazde assumir esta tarefa pela deficincia de conhecimentos defarmacologia, de sade pblica e de administrao farmacuti-ca. Como esta uma atividade privativa da profisso farma-cutica, alterou-se a legislao, a farmcia passou a ser tam-bm de propriedade de leigos, com a responsabilidade tcnicado farmacutico na qualidade de simples empregado. Istoacarretou prejuzos enormes para a profisso, mas sobretudopara a populao que comprovadamente tem na farmcia oseu primeiro posto de socorro, e que vem sendo assistida porleigos sem nenhum conhecimento sobre o potencial dos pro-dutos farmacuticos modernos postos comercializao. No o que ocorre nos pases desenvolvidos, onde a farmcia umestabelecimento profissional, diversamente do que ocorre noBrasil, onde a farmcia e a drogaria, so casas comerciais ape-nas.

    Quanto ao ensino da habilitao industrial, apenas 14 das35 escolas ou faculdades de farmcia oferecem esta habilita-o tendo em vista um mercado de trabalho restrito, sendo

  • que dessas 14, a maioria no conta com equipamentos e instala-es adequadas.

    Entretanto, as 35 instituies mantm, habilitao em an-lises clnicas e toxicolgicas.

    O atual Curriculum de Farmcia vem sendo motivo dequestionamento e anlises, de forma sistemtica, por profis-sionais e educadores, bem como a questo, dos seus ttulose sua durao. Estes problemas devem ser resolvidos com oobjetivo de buscar uniformidade, mantendo, entretanto, possi-bilidades de inovao dentro de cada curso buscando atenderas peculiaridades regionais. Ainda com relao ao "curricu-lum", questes fundamentais que emergem em todas as dis-cusses so:

    - O fosso existente entre as disciplinas do ciclobsico e do profissional a comprometer o prprioperfil curricular;

    - disciplinas clssicas no currculo de Farmciacomo a Botnica e a Farmacognosia esto em francoabandono. necessrio retom-las, fortalec-las,como forma de implementar a pesquisa na rea deprodutos naturais. Recentemente tem se ressaltado aimportncia da botnica no apenas no conhecimentodas plantas medicinais, mas em outros problemas re-lacionados com a sade ambiental. Os novos con-ceitos de pisos bioclimticos demonstram sua im-portncia em epidemiologia, como ficou claramentedemonstrado atravs dos trabalhos do Dr. Rioux doDepartamento de Ecologia Mdica e Patologia Para-sitria da Faculdade de Medicina de Montpellier9.

    Com base nos pisos bioclimticos se estabelece-ram relaes entre a distribuio de Phlebotomose focos epidemiolgicos de Leishmaniose no Marro-cos;

    - A Farmacotcnica necessita urgentes transfor-maes quanto ao contedo. Dentro das cinciasfarmacuticas esta disciplina foi uma das que teveum desenvolvimento muito significativo nos ltimos15 anos;

    - A Farmacologia e a Farmacodinmica necessi-tam de cargas horrias condizentes com o peso desua importncia na formao dos farmacuticos;

    - A incluso da disciplina de Sade Pblica eFarmacocintica no podem mais ser postergadas;

    - Programas de Farmcia Hospitalar devem serimplantados, de forma sria e criteriosa objetivandodar resposta s necessidades dos pacientes e do hos-pital e tendo em vista o necessrio exerccio da far-mcia clnica.

    vital que a profisso enfrente a questo da dispensao anvel de farmcia pblica ou comunitria com a responsabili-dade que o assunto requer. Os fundamentos do ato profissio-nal farmacutico tem seus alicerces em trs princpios bsicoscapazes de gerar novas possibilidades para a profisso:

  • - Conhecimento efetivo do medicamento;- O relacionamento com o usurio do medicamento;- O relacionamento com os prescritores de medicamentos

    - os mdicos.No h dvida, de que a realidade primeira e primria, o

    conhecimento amplo, profundo e atualizado dos medicamen-tos. Sem este conhecimento dos medicamentos, no h pers-pectivas possveis para a profisso farmacutica.

    A segunda realidade (que conforma o ato da dispensao) a relao farmacutico/usurio de medicamento. Se no conhe-cimento profundo dos medicamentos repousa a base de novasperspectivas profissionais, esta segunda, a peculiar, essen-cial, a que caracteriza "o que fazer do farmacutico" (dife-rente em alguns aspectos da farmcia hospitalar).

    O relacionamento com os prescritores de medicamentos,deve ser perseguido, porque neste elo surgem possibilidadesinesgotveis de novas perspectivas profissionais, com benef-cios para ambas as categorias e maior segurana para o usu-rio do medicamento.

    OS FARMACUTICOS E SUA DISTRIBUIONO TERRITRIO NACIONAL

    Segundo dados fornecidos pelo Conselho Federal de Far-mcia (CFF) em 1985 estavam registrados nos Conselhos Re-gionais de Farmcia (CRFs) 31.272 profissionais farmacuti-cos em todo o territrio nacional. Considerando a populaogeral de 124.128.374 habitantes a relao de farmacuticospor habitantes de 1: 3.969 habitantes.

    No tocante rea fsica, a relao de farmacuticos porKm2 de 1:270 Km2.

    No dispomos, no momento de dados relativos ao nmerode farmacuticos que exercem atividades junto farmcia dedispensao e hospitalar, drogarias, laboratrios de anlisesclnicas e indstria farmacutica.

    A EVOLUO DAS CINCIAS FARMACUTICASO estudo da evoluo das cincias farmacuticas requer

    que se estude os fatores que incidem sobre ela e acompanharcomo o sistema de conhecimentos "Farmcia" evolui de acor-do com a evoluo destes fatores. Os mais importantes e sig-nificativos so:

    -A inovao farmacoteraputica;- Modificaes legais na rea do medicamento e a situao

    atual no Brasil;- Modificaes no sistema de sade - propostas atuais;- A poltica industrial qumico-farmacutica.A indstria farmacutica atual teve suas bases no sculo

    passado. Pasteur, com sua teoria dos germes e sua compreen-so bsica da imunologia, conduziu as bases da indstria comoa conhecemos hoje. Ao identificar um agente causai para umainfeco especfica, coloca-se em cena os mecanismos paracontrol-la. Posteriormente, a teoria de Ehrlich sobre a "balamgica" que mataria os germes sem causar danos ao hospe-

  • deiro, tambm foi fundamental. A descoberta das bases qu-micas do controle do sistema nervoso autnomo responsvelpelas funes automticas do organismo tais como a digestoe a respirao por Barger e Dale trouxeram uma contribuiovaliosa. Quando se verificou que determinados produtos po-deriam produzir falhas sobre estes sistemas, estavam lanadasas bases para o desenvolvimento de produtos bioqumicos emedicamentos que corrigiriam tais defeitos. Estas descobertasconduzem ao aparecimento de medicamentos que passaram aatuar a nvel de tecidos ou a nvel intercelular, que trouxe, co-mo conseqncia uma inovao farmacutica espetacular, tor-nando realidade o sonho da "bala mgica" de Ehrlich porvolta de 1930, com a descoberta do primeiro antibacteriano, oProntosil. Como conseqncia, nos anos quarenta e seguintes,apareceram a penicilina, os antibiticos de amplo aspecto, osanti-hipertensivos, os psicotrpicos, mais tarde os antiinfla-matrios e os betabloqueadores para as doenas cardiovascu-lares.

    Toda esta revoluo teraputica afetou de forma conside-rvel a prtica mdica e farmacutica. Os xitos das pesquisasefetuadas pelos laboratrios farmacuticos se traduziram emmedicamentos que permitiram aos mdicos salvar, prolongar emelhorar a vida de milhes de pessoas no mundo inteiro.

    Rapidamente se evidenciou que o sucesso comercial da in-dstria farmacutica significava que os conhecimentos eramcada vez melhores. Porm, trabalhar nas fronteiras da cinciatem seu preo. Aps a tragdia da talidomida no incio dosanos sessenta, os Governos comearam a regulamentar commais rigor a produo e experimentao de novos medica-mentos, fazendo pensar que dificilmente se conseguiriam gran-des novas descobertas na rea.

    Indubitavelmente, uma reflexo mais profunda do tema,nos leva a cogitar que se as descobertas tericas e doutrinriasdo sculo XIX conduziram a esta primeira revoluo farma-colgica, as pesquisas e o desenvolvimento cientfico desta d-cada que se iniciou com a descoberta e a pesquisa da estruturado DNA por Watson-Crick em 1953, junto com os trabalhosde Biologia Molecular abriro o caminho para o desenvolvi-mento da bioqumica intracelular e da segunda revoluo far-macolgica. H trs exemplos bvios de doenas que prova-velmente se beneficiaro com estas novas descobertas, as in-feces vricas e j se conhecem agentes antivirais especficostais como o ACICLOVIR bastante eficaz no herpes genital, ocncer ou doenas neoplsicas que como no caso dos vrus soprocessos que tm lugar no interior das clulas humanas. Acompreenso desta bioqumica intracelular certamente condu-zir ao desenvolvimento de medicamentos ou mtodos queprevinam e controlem o crescimento das clulas cancerosas e muito provvel que estes novos agentes sejam menos txicosdo que os atualmente conhecidos. No sculo XXI se desen-volvero mtodos e medicamentos que nos permitiro a nomais considerar o cncer um flagelo, tal como no sculo pas-sado se considerava a tuberculose.

  • Outro grupo de doenas que certamente tero respostasso as chamadas auto-imunes, que ainda no esto identifica-das e que so condies em que se desenvolvem os mecanis-mos de defesa do organismo que fogem ao controle e que aoinvs de atacar microorganismos estranhos, se voltam contraos tecidos do prprio corpo. A complexidade deste processoainda no est bem esclarecida mas e provvel que muitasdoenas como a esclerose mltipla, a doena de Parkinson, aartrite reumatide possam ter origem desta forma.

    O desenvolvimento da engenharia gentica e da genticamolecular permitiro que doenas ligadas aos gens como a fe-nilcetonria hoje tratada com dieta especial, no futuro serpossvel detectar, corrigir e at mesmo substituir os gens de-feituosos. Alm disso a bioqumica intercelular ou de tecidoster grande desenvolvimento, de forma que reas de pesquisa,que hoje j esto dando resultados prticos cresam ainda maise assim teremos as prostaglandinas, as encefalinas, as endorfi-nas que constituiro fantsticos avanos teraputicos. Aquesto da liberao de medicamentos em quantidades ade-quadas para evitar que doses macias circulem na correntesangnea, com os inconvenientes de reaes adversas, modi-ficaro o marco farmacoteraputico existente hoje.

    Esta anlise do que poder ocorrer no campo farmacotera-putico nos leva a concluir que as inovaes tecnolgicas epesquisas hoje realizadas daro lugar segunda revoluofarmacolgica. Estes medicamentos sero muito mais especfi-cos e portanto ser necessrio conhec-los melhor para quepossam causar os efeitos desejados. Se educar uma atividaderetrospectiva, pois formamos hoje para o amanh, estes dadosdevero ser necessariamente considerados desde agora quanto modificao do sistema de Farmcia para o futuro.

    ASPECTOS LEGAIS NA REA DOS MEDICAMENTOSA questo do registro de medicamentos uma das vari-

    veis que devem ser mais seriamente avaliadas, pois influenciaa prtica da Farmcia. Fundamentalmente, pode-se dizer queexistem trs sistemas bsicos de registro de medicamentos asaber:

    - o de liberdade de registro no qual o Estado ga-rante a segurana do frmaco;

    - o Estado garante a eficcia do medicamento deacordo com as indicaes do fabricante. Este tipo deregistro existe na Sucia desde 1944 e foi adotadopelos EEUU como conseqncia da emenda Ke-fauer-Harris, A Food, Drugs and Cosmetic Act;

    - o da exigncia de eficcia relativa, isto , o me-dicamento a ser registrado deve ser mais eficaz queseus similares existentes no mercado. A Noruega onico pas que adota este sistema.

    No Brasil, desde 1941, sempre houve um organismo oficialincumbido da fiscalizao dos setores que interessavam sa-de pblica. Inicialmente, apenas a Medicina foi objeto de aten-o pois, na poca, a produo de medicamentos ainda era ati-

  • vidade artesanal. Criou-se ento pelo Decreto-lei 3.171/41, oServio Nacional de Sade. Em seguida, pela Lei 3.062/56,suas funes foram ampliadas, passando a chamar-se ServioNacional de Fiscalizao de Medicina e Farmcia (SNFMF),subordinado ao Ministrio da Sade.

    Pelo Decreto no 79.065 de 30.12.76, foi criada a SecretariaNacional de Vigilncia Sanitria (SNVS), que sucedeu ao an-tigo SNFMF, tendo como finalidade, de acordo com a Lei no6.360, de 23.09.76 e esta, regulamentada pelo Decreto no79.094 de 05.01.77, promover, elaborar, controlar, aplicar efiscalizar as normas e padres de vigilncia sanitria.

    Posteriormente, pela Portaria no 270-Bsb, de 10 de junhode 1978, do Ministrio da Sade aprovou-se o Regimento In-terno da SNVS em cuja estrutura encontra-se a Diviso Na-cional de Vigilncia Sanitria de Medicamento, a DIMED.

    Este rgo est revestido de dois poderes:- o poder de homologar, que normaliza os proce-

    dimentos, atravs de decises tcnicas;- o poder policial, que fiscaliza o cumprimento

    das tcnicas do poder homologador.Cada produto novo com registro concedido pela

    SNVS/DIMED/MS, significa que o governo garante a segu-rana do frmaco e d seu aval a investimentos das empresas.O produto novo tambm cria concorrncia a produtos antigose, conforme sua origem, influi na balana comercial importa-o/exportao do pas e, o que principal, a liberao de umnovo produto tem influncia na dependncia tecnolgica dopas. Portanto, o poder homologador, tem a possibilidade dedirecionar o pas para a independncia ou para o colonialismotcnico.

    No Brasil, o nmero de especialidades farmacuticas licen-ciadas, nas suas diversas formas de apresentao, em oferta nomercado, tem sido objeto de grandes preocupaes junto aostcnicos do setor. Segundo a DIMED, hoje, este nmero, bemcomo suas formas de apresentao, encontra-se por volta de24.000 e 47.000, respectivamente. Comparando-se com ou-tros pases, como a Frana, Blgica, Inglaterra e Espanha,vemos que em mdia tais valores giram em torno de 3.500 e11.000, respectivamente, mostrando que grandes quantidadesno refletem necessariamente que um Pas mantm um padrode atendimento satisfatrio.

    A Organizao Mundial de Sade considera que poucomais de 300 medicamentos atenderiam a exigncia bsica dequalquer pas, bem como, recomendou aos pases filiados a suaadoo. No Brasil a CEME elaborou a Relao de Medica-mentos bsicos que passou a chamar-se Relao de Medica-mentos Essenciais - RENAME. Esta lista vem sendo cons-tantemente aperfeioada e, hoje composta de menos de 300frmacos, atendendo perfeitamente as necessidades dos pro-gramas governamentais especficos do Ministrio da Sade(Tuberculose, Sade Mental, Hansenase, Cncer, Diabetes,Hipertenso, Imunizao e Campanha de Sade Pblica) e aclientela previdenciria assistida pelo INAMPS e os HospitaisUniversitrios.

  • A REFORMA DO SISTEMA DE SADE

    O Sistema Nacional de Sade, institudo pela Lei 6.229 dejulho de 1975, consolidou na prtica a fragmentao do setorsade, criando distores enormes, com prejuzos para a po-pulao que em nmero significativo no tem acesso a ne-nhum servio de sade. Mesmo sendo o Brasil a 8a economiado mundo nossos indicadores de sade nos nivelam nesta reaaos pases menos desenvolvidos.

    Das concluses da VIII Conferncia Nacional de Sade,no TEMA 1 - Sade como Direito, emergiu unnime a ques-to de que sade um direito de todos os cidados brasileirose um dever do Estado.

    No TEMA 2 - Reformulao do Sistema Nacional de Sa-de, ficou explcito:

    "A reestruturao do Sistema Nacional de Sade deve re-sultar na criao de um Sistema nico de Sade que efetiva-mente representa a Construo de um novo arcabouo institu-cional separando totalmente sade de previdncia atravs deuma ampla Reforma Sanitria".

    Com relao ao novo Sistema Nacional de Sade ficou ex-presso:

    O novo Sistema de Sade dever reger-se pelos seguintesprincpios:

    a) referente organizao dos servios:- descentralizao na gesto dos servios;- integralizao das aes, superando a dicotomia

    preventivo - curativa;- unidade na conduo das polticas setoriais;- regionalizao e hierarquizao das unidades

    prestadoras de servios;- participao da populao, atravs de suas enti-

    dades representativas, na formulao da poltica, noplanejamento, na execuo e na avaliao das aesde sade;

    - fortalecimento do papel do municpio;- introduo de prticas alternativas de assistn-

    cia sade no mbito dos servios de sade, possibi-litando ao usurio o direito democrtico de escolhera teraputica preferida.

    b) atinentes s condies de acesso e qualidade:- universalizao em relao cobertura popula-

    cional a comear pelas reas carentes ou totalmentedesassistidas;

    - eqidade em relao ao acesso dos que necessi-tam de ateno;

    - atendimento oportuno segundo as necessidades;- respeito dignidade dos usurios por parte dos

    servidores e prestadores de servios de sade, comoum claro dever e compromisso com a sua funo p-blica;

  • - atendimento de qualidade compatvel com oestgio de desenvolvimento do conhecimento e comrecursos disponveis;

    - direito de acompanhamento a doentes interna-dos, especialmente crianas;

    c) relacionados com a poltica de recursos huma-nos:

    - remunerao condigna e isonomia salarial entreas mesmas categorias profissionais nos nveis fede-ral, estadual e municipal, e estabelecimento urgente eimediato de plano de cargos e salrios;

    - capacitao e reciclagem permanentes;- admisso atravs do concurso pblico;- estabilidade no emprego;- composio multiprofissional das equipes, con-

    siderando as necessidaes de demanda de atendimentode cada regio e em consonncia com os critriosestabelecidos pelos padres mnimos de coberturaassistncial;

    - compromissos dos servidores com os usurios;- cumprimento da carga horria contratual e in-

    centivo a dedicao exclusiva;- direito greve e sindicalizao dos profissionais

    de sade;- formao dos profissionais de sade integrada

    ao Sistema de Sade, regionalizado e hierarquizado;- incluso no currculo de ensino em sade do

    conhecimento das prticas alternativas;- incorporao dos agentes populares de sade

    como pessoal remunerado, sob a coordenao do n-vel local do Sistema nico de Sade, para trabalharem educao para a sade e cuidados primrios.

    Como este novo Sistema de Sade, descentralizado, regio-nalizado e hierarquizado afetar ou modificar 6 exerccio dafarmcia?

    Julgamos que este momento de extrema importncia parao futuro da profisso farmacutica. Devemos, todos unidos,aceitar este grande desafio de um profundo questionamentointerno, para podermos dar respostas s necessidades da so-ciedade brasileira. Esta , na verdade, a hora de resgatar aimensa dvida que nossa profisso tem com o povo brasileiro.

    TENDNCIAS DA SOCIEDADEAps uma anlise da evoluo da Farmcia no tempo, no

    campo teraputico, diante das modificaes do Sistema deSade, seria importante discutir alguns aspectos relativos tendncia da sociedade. O que a sociedade exige dos farma-cuticos? No resta dvida, que a sociedade cada vez quer sa-ber mais, quer saber como se cuidar, e esta exigncia trarcomo conseqncia, um aumento da automedicao. Nesteaspecto, o farmacutico tem um papel essencial a cumprir por

  • ser o nico elemento que vai servir de controle para um usoadequado dos medicamentos. O direito de saber, da comuni-dade explodir, e a avidez de conhecimentos, a necessidade desaber, como usar adequadamente os medicamentos, para queservem, como atuam sobre sua doena, ser cada dia mais umaexigncia da sociedade. Este fato far com que a Farmciaassuma um carter cada vez mais clnico tanto em seu alcancecomo em sua funo, modificando o papel tradicional do far-macutico, de ser um dispensador de medicamentos para um"consultor de medicamentos", na medida em que os farma-cuticos ampliarem suas tarefas de dispensadores de medica-mentos para uma implicao direta com o paciente. Estas no-vas funes exigiro um melhor preparo tcnico dos profis-sionais.

    importante que os farmacuticos estejam envolvidos noprocesso de planejamento deste objetivo, para que a sociedadepossa se beneficiar de melhores servios de sade e da redu-o de custos resultante da otimizao dos servios farmacu-ticos.

    A POLTICA NO SETOR QUMICO FARMACUTICONeste setor de importncia estratgica para o pas, para a

    profisso farmacutica e para a Segurana Nacional, foi ape-nas a partir de 1964/65 que efetivamente se instituram meca-nismos e instrumentos potencialmente capazes de induzir e in-centivar o seu desenvolvimento.

    O Decreto no 55.759 de 15.02.65 estabeleceu estmulo aodesenvolvimento da indstria qumica em diferentes aspectosquer fiscal ou creditcio. Entretanto as respostas obtidas noforam as esperadas.

    A criao da Central de Medicamento/CEME em25.06.71, pelo Decreto no 68.806 (modificado pelo Decreto no69.451, de 01.11.71), como rgo vinculado Presidncia daRepblica, representou um novo marco para o setor farma-cutico nacional, se bem que ainda com caractersticas exclu-sivas de instituio destinada a atuar na racionalizao e noinventivo s atividades de pesquisa.

    Com o advento do Decreto no 71.205, de 04.10.72, a com-petncia da CEME estendida no sentido de,incentivar a ins-talao no pas de fbricas de matrias-primas necessrias aproduo de medicamentos essenciais. Embora os instrumen-tos de apoio no ficassem explcitos o que se buscava era ten-tar garantir, pelo menos o mercado oficial de medicamentosaos projetos aprovados.

    Assim, passou-se finalmente a estudar um modelo articula-do de ao governamental, quer de especialidades farmacuti-cas, quer de frmacos, permitiram determinar o campo de ne-cessidades prioritrias de medicamentos e o grau de adequa-o dessas necessidades a uma oferta j fortemente condicio-nada pela ao do segmento empresarial multinacional.

    Esse modelo ficou explicitado no Plano Diretor de Medi-camentos integrado pelo conjunto de polticas e diretrizes queorientariam no somente a demanda de medicamentos, como

  • tambm, e de forma relevante, o sistema de oferta relacionan-do-o ainda ao desenvolvimento tecnolgico da rea.

    Outro dos instrumentos estratgicos, e talvez, o de maiorimportncia do Plano Diretor foi o estabelecimento e oficiali-zao da Relao Nacional de Medicamentos Essenciais -RENAME, que alm de permitir concentrar a incidncia douso de medicamentos essenciais (importante fator de orienta-o do desenvolvimento industrial), possibilitaria tambm ra-cionalizar a demanda governamental, de modo que o seu cres-cimento pudesse trazer comprometimentos ao balano de pa-gamentos. Do conjunto de medicamentos essenciais brotaria oconjunto das matrias-primas prioritrias, cuja produo de-veria ser estimulada.

    Isso ficou expresso na Resoluo CDI no 36, de 19.12.74,que estabelecia a poltica de incentivos a ser adotada para osetor qumico-farmacutico, que embora do ponto de vistaquantitativo permanecessem os mesmos previstos no Decreto-lei no 1.137/70, explicitava critrios qualitativos, bem comoinseria a relao de matrias-primas farmacuticas prioritriasextradas da RENAME. Essa relao foi posteriormente re-vista e publicada atravs da portaria CDI no 408, de 04.09.75.

    Tambm a concentrao da incidncia do uso da demandagovernamental, sobre a Previdncia Social, permitiria a ado-o de incentivo de garantia de mercado na primeira fase dedesenvolvimento das unidades produtoras de matrias-primasprioritrias.

    Apesar do relativo desprestgio desse instrumento, conse-guiu-se estimular empresrios e pesquisadores nacionais parao estudo e produo de frmacos bsicos, viabilizando algunsprojetos importantes.

    Conforme se verifica, a partir da instituio do Plano Di-retor de Medicamentos e, por conseqncia, da RENAME eda Resoluo CDI no 36/74, houve reverso tanto no nmerode projetos nacionais como no nvel de investimentos por elesrealizados que passaram a se tornar maioria. bem verdade,que a pouca representatividade dos incentivos fiscais concedi-dos pelo CDI, a partir de 1977/78, levaram, principalmente asempresas estrangeiras, a investirem sem o beneplcito doCDI.

    Como decorrncia do explcito no prprio Decreto no72.552, de 30.7.73 (que previa em seu artigo 2o pargrafonico, item VII, alnea a), j se tentava desde o incio de 1979,a retomada dos estudos para agregar os diversos rgos en-volvidos no setor, no sentido de instituir um rgo colegiadonormativo e de coordenao setorial.

    Tal providncia s veio a ser concretizada com a criao daGIFAR em 23.10.81.

    Por outro lado, em antecipao ao prprio GIFAR, a CE-ME, o CDI e BNDE, firmaram em 25.06.81 um Convniopara o estabelecimento de normas de atuao conjunta visando implantao e ao desenvolvimento de indstrias sob controlede capital nacional, os primeiros resultados na rea industrialesto produzidos em empreendimentos em sistema tripartite,tais como a Companhia Brasileira de antibiticos (CIBRAN),

  • Guanabara Qumica Industrial S/A (GETEC), Bioqumica doBrasil S/A (Biobrs) e Insumos Qumicos Farmacuticos S/A(BIOFAR).

    Vale acrescentar, no elenco de tais medidas, o constante doartigo 9o do Cdigo de propriedade industrial que no consi-dera privilegivel tudo quanto diga respeito a meios e pro-cessos para a obteno de matrias-primas e produtos finaisrelativos a frmacos e medicamentos, um claro estmulo tc-nica de copiao no apropriado adequadamente em nossopas.O SETOR DE FARMCIA HOSPITALAR

    Existem hoje no Brasil um total de 5.854 hospitais com asseguintes caractersticas:

  • Estes dados, considerando apenas os hospitais de mdio ede grande porte, apontam uma necessidade imediata de cercade 2.000 farmacuticos hospitalares devidamente preparadospara assumirem as complexas tarefas que a moderna farmciahospitalar comporta. Este outro dos grandes desafios que aprofisso como um todo deve enfrentar. Existem inmerosobstculos, iniciando com o nmero insignificante de escolasde Farmcia que ministram ensino de farmcia hospitalar ain-da de forma precria por no contarem com estgios estrutu-rados com base na articulao com os servios. A nvel de es-pecializao apenas 2 cursos so oferecidos, um junto ao Hos-pital Universitrio da UFRJ, cuja clientela constituda basi-camente de farmacuticos que atuam em farmcias de hospitaisde ensino. O outro curso, coordenado pelo Projeto de Capa-citao de Recursos Humanos para o Controle da InfecoHospitalar do Ministrio da Sade realizado junto ao serviode farmcia do Hospital Universitrio Onofre Lopes daUFRN. Destina-se a farmacuticos que j atuam em hospitais.Somadas as capacidades dos 2 cursos, so treinados por ano30 farmacuticos, muito pouco para quem necessita 2.000.

    Neste sentido, buscando capacitar um contingente maiordestes profissionais, o Projeto de Capacitao de RecursosHumanos para o controle de Infeco Hospitalar, submeter apreciao do Ministrio da Educao e da Previdncia e As-sistncia Social um Projeto Interministerial, propondo a esco-lha de 05 centros de treinamento na rea, como forma de ca-pacitar 100 farmacuticos anualmente, entretanto, estas medi-das ainda so insuficientes; necessrio que as AssociaesProfissionais se associem a este esforo.

    O servio de farmcia hospitalar teve e est tendo um sig-nificativo e promissor desenvolvimento, depois de reconheci-da sua importncia estratgica. As mudanas ocorrem clere-mente, os sistemas de gesto utilizam modernas tcnicas deadministrao. O sistema de distribuio de medicamentos temevoludo rumo a distribuio por dose unitria como forma dediminuir os erros de medicao e garantir ao paciente a me-lhor teraputica a um menor custo. necessrio que os far-macuticos hospitalares com o respaldo do conhecimentoprofundo e atualizado do medicamento, caminhem firme rumoa cabeceira do paciente. O medicamento passou de uma di-menso tcnica para uma dimenso clnica, e a Farmcia seguecom ele. A Farmcia Clnica um conceito ou uma filosofia,

  • que d nfase ao uso seguro e apropriado dos medicamentosno paciente. Refere-se quelas atividades farmacuticas quese relacionam com o paciente ou esto orientadas para ele. Oponto central na prestao de cuidados de sade o paciente,portanto a qualidade do resultado dos cuidados implica nodilogo e interaes entre os profissionais que prestam cuida-dos de sade, e o paciente. No Brasil h apenas uma experin-cia de Farmcia Clnica da UFRN. necessrio cultiv-la comcarinho para que sirva de modelo ao resto do pas, e com a ur-gncia necessria.

    A Farmcia Clnica um processo orientado para o servioe somente ser eficaz com sua utilizao e consecuo tradu-zido em um resultado positivo para o paciente. Algumas dasatividades de Farmcia Clnica podem ser assim descritas.

    1 - Desenvolvimento e manuteno de dados sobre medi-camentos;

    2 - Avaliao e reviso dos perfis medicamentosos do pa-ciente;

    3 - Desenvolvimento de critrios para assegurar as res-postas do paciente ao tratamento medicamentoso;

    4 - Comprovao das reaes adversas ao medicamento einternaes;

    5 - Divulgao e fornecimento de informaes sobre omedicamento aos pacientes e outros profissionais da sade;

    6 - Clculo de doses individualizadas usando princpios defarmacocintica;

    7 - Participao na pesquisa clnica sobre medicamentos;8 - Conduo da reviso sobre o uso de medicamentos e o

    controle da terapia medicamentosa;9 - Participao em outras atividades diretas de cuidados

    ao paciente;10 - Detectar e corrigir incompatibilidades em misturas

    intravenosas de medicamentos;11 - Informar aos pacientes sobre o uso correto dos me-

    dicamentos com o objetivo de assegurar o cumprimento dasordens mdicas proporcionar ao pblico educao sobre cui-dados de sade;

    12 - Capacidade para avaliar a literatura sobre medica-mentos e a forma correta de utiliz-la.

    Eis um grande desafio para todos. Os obstculos so gran-des, mas no intransponveis, na Capacitao Tcnica esto asarmas para enfrentar esse mais novo desafio.

    A realidade de farmcia, conhecida como comercial ou dedispensao trgica no Brasil, est ao abandono servindoapenas como postos de venda de medicamentos, e creio quetodos os profissionais farmacuticos envolvidos com mudan-as, preocupados com a sade da populao sabem que pre-ciso mudar, que necessrio resgatar esta dvida com a popu-lao.

    Esta farmcia, que prefiro chamar de comunitria tem quemudar de acordo com as tendncias e as foras que vimosoperar sobre o Sistema. Na proposta de modificao do Sis-tema Nacional de Sade, regionalizado e hierarquizado vo

  • aparecer os postos de sade e os centros de sade. Como fi-car a farmcia dentro deste esquema? Como atuar o farma-cutico no Centro de Sade ou na Farmcia? minha opinioque a Farmcia recomposta em suas funes de Servio deSade integre efetivamente o Sistema e passe a ser de seuslegtimos donos - os farmacuticos. Quais funes poderiamos farmacuticos realizar nestas farmcias, nos Centros ou nosPostos de Sade? Creio que h muito a fazer, e para isso pre-cisamos nos capacitar, pois no estamos preparados para exe-cutar todas as tarefas. Entre as funes assistenciais os farma-cuticos podero efetuar aes direcionadas para:

    - Farmcia clnica comunitria;- prestar informao sobre medicamentos;- executar tarefas de educao sanitria;- desenvolver estudos epidemiolgicos;- desenvolver a formao e avaliao dos custos

    de assistncia Sade do consumo e funes de fis-calizao.

    Cada um dos itens descritos comportam subitens. Porexemplo, na rea de assistncia temos funes de elaboraode critrios para a programao de medicamentos, elaboraode instrumentos para o acompanhamento da utilizao de me-dicamentos e controle do tratamento medicamentoso aos pa-cientes crnicos (diabticos, hipertensos, reumticos, etc.)Estudos de farmacovigilncia, histria medicamentosa e con-trole de psicotrpicos e entorpecentes.

    Na rea de informao de medicamentos, os farmacuticospodero atuar na elaborao de instruo farmacoteraputica,informao tcnica e cientfica sobre medicamentos ao pessoaldas unidades bsicas de sade, orientao aos pacientes trata-dos nestas unidades de sade sobre o uso racional de medica-mentos.

    Na rea de educao sanitria, elaborar mensagens, textos,instrues, materiais audiovisuais para melhor utilizao,administrao, conservao e armazenamento dos medica-mentos nas residncias prevenindo acidentes e intoxicaescom crianas. Elaborao de instrues para gestantes sobre ouso de medicamentos na gravidez e na fase de amamentao.Elaborar instrues sobre prticas de higiene em geral e con-taminao ambiental. Educao para a populao sobre o va-lor real dos medicamentos na recuperao da sade.

    Na parte de epidemiologia, podemos avaliar o consumo demedicamentos e sua relao com a morbidade e mortalidadena rea de abrangncia do servio de sade, estudos prospec-tivos e retrospectivos sobre reaes adversas de medicamen-tos na populao, estudos sobre iatrogenia, estudos compara-tivos sobre o consumo de diferentes medicamentos em regiesde sade equiparadas, etc.

    Sem pretender esgotar o assunto, podemos ver que o far-macutico comunitrio pode realizar inmeras funes de im-portncia fundamental para a Sociedade, para as quais no hsubstituto. Neste momento em que grandes mudanas se avi-zinham, temos que ser geis, melhorar, evoluir, buscar uma

  • capacitao adequada, adotar novos critrios, super-los, eisto, em ltima anlise, servir a sociedade.

    A Farmcia um sistema complexo, so muitas as forasque atuam sobre ela e imprescindvel que todas as aes se-jam coordenadas e contem com o esforo de todos. Programascurriculares de graduao, programas de ps-graduao, as-sociaes profissionais, associaes cientficas. necessrioque as autoridades do pas reconheam o farmacutico comoum elemento da equipe de sade, com um papel definido acumprir e que a sociedade como um todo contribua exigindodestes profissionais os cuidados a que tem direito.

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