artigo juliana versão final com revisão da revista
TRANSCRIPT
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
1/12
Prezados autores, fiz algumas marcaes, onde preciso completar ou esclarecer algumas
dvidas. Peo, por favor, que os acrscimos ou modificaes no texto ou referncia sejam
feitos com letra azul, facilitando minha visualizao. Quando o texto voltar para a editora,
faremos a ltima reviso e formatao antes de pass-lo para a diagramao. Obrigada!
Entre a cena e o som: uma abordagem do
Cavalo Marinho pernambucano
Juliana Macedo Carneiro
Licenciada em Educao Musical pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).Co-fundadora do Teatro da Figura, em que atriz e diretora. Musicista integrante (intrprete e
compositora) no grupo de msica instrumental Cataventor.
Moacyr Laterza Filho
Doutor em Literaturas de Lngua Portuguesa e Mestre em Teoria da Literatura. Pianista e
cravista, professor da Escola de Msica da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)e da Fundao de Educao Artstica.
Resumo
Este trabalho trata da investigao acerca de elementos formais, cnicos e musicais do Cavalo
Marinho da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Folguedo popular do nordeste, que incluiteatro, dana, msica e poesia, o Cavalo Marinho tem sido fonte de estudo de pesquisadores
de vrias reas. Alm disso, serve de inspirao esttica para encenadores, msicos, poetas e
artistas-plsticos brasileiros e estrangeiros. Nosso olhar se deteve em analisar mais amide
como a msica dialoga com os elementos cnicos e contribui para a evoluo da textura
cnica como um todo, aspecto ainda pouco explorado.
Palavras-Chave: Cultura popular; folclore; msica; teatro.
mailto:[email protected]:[email protected] -
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
2/12
Abrindo o terreiro
O Cavalo Marinho uma manifestao da cultura tradicional da Zona da Mata Norte de
Pernambuco. Localmente chamado de brinquedo, sambada ou folguedo. Agrega
indissociavelmente o teatro, a msica, a dana e a poesia. Possui caractersticas cnicas
especficas, estando no limiar entre espetculo de rua e brincadeira popular. Brincar, para os
participantes, um misto de tocar, cantar, representar, jogar.
Brincadores ou folgazes so os atuantes da brincadeira, sejam eles os msicos ou figureiros
(aqueles que botam figuras). As figuras so as personagens. Um Cavalo Marinho, que
pode durar at dez horas, terminando ao amanhecer, possui cerca de 70 delas. Oliveira (2006)
as divide em humanas, animais, fantsticas e bonecos. Essas personagens so caracterizadas
de diversas maneiras: ora homens com rostos pintados como Mateus, Bastio e Catirina; ora
atores mascarados como o Soldado da Gurita, o Empata Samba, a Via do Bambu; ora
animais e seres fantsticos como o boi, a ona, a burrinha, o cavalo, o parece-mas-no- (que
so tambm bonecos), e ora os bonecos em si que representam figuras humanas de tamanho
desproporcional como a Margarida e o Z Pequenino.
Este trabalho s foi possvel, primeiramente, pelo encantamento que a pesquisadora Juliana
Macedo viveu em uma brincadeira no ms de dezembro de 1999, na cidade de Olinda,
Pernambuco. Outro fator imprescindvel foi o contato da pesquisadora com os mestres e
artistas locais, mais especificamente Manoel Salustiano (falecido em 2008), Biu Alexandre E
seu filho Agnaldo, e o rabequeiro Lus Paixo, com quem ela pde vivenciar momentos raros
de uma msica instintiva, viva e criativa.
Msica
A msica elemento indispensvel numa apresentao de Cavalo Marinho, pontuando os
vrios momentos do brinquedo. Ela perpassa toda a brincadeira: apresentando ou interagindo
com as figuras (toadas dramticas), nas partes instrumentais e vocais que no esto ligadas
a figuras (as toadas soltas), no elemento rtmico (pulsao da dana e mtrica potica).
A msica um fator importante para sustentar uma brincadeira de cavalo-marinho durante muitas horas ou uma noite inteira. [...] usada paraestruturar o tempo e o sabor da performance, a fim de manter a ateno daassistncia e de conservar a energia dos brincantes (MURPHY, 2006, p.105).
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
3/12
O conjunto de executantes musicais da brincadeira, chamado de banco denominado assim
por que os msicos se sentam num banco de madeira , composto por rabeca, um pandeiro
(membranofone), um mineiro ou ganz (chocalho de metal - idiofone) e dois bages
(ganz ou reco-reco feito de taboca idiofone raspador). H um vocalista principal - que na
maioria dos casos o pandeirista ou o tocador de bage - e os outros vocalistas de apoio, que
respondem ao canto principal seja cantando em unssono, seja produzindo intervalos de
teras, quintas e oitavas. As vozes secundrias no so padronizadas.
A rabeca ou rebeca uma espcie de violino rstico, artesanal, confeccionado por artesos
da regio. considerado pelos artistas como o instrumento do brinquedo mais difcil de ser
tocado. Sem a rabeca, uma brincadeira no acontece.
No Cavalo Marinho, as rabecas so de quatro cordas, afinadas em intervalos de quinta, com
padro de afinao determinado pelo prprio msico, de acordo com o vocalista principal do
brinquedo. Murphy define trs afinaes bsicas (FIG. 1)
FIGURA 1 - Diferentes afinaes da rabecaFonte: Murphy, 2008, p. 63.
Entre os instrumentos de percusso, o pandeiro talvez seja o mais importante na brincadeira.
Utiliza-se, no Cavalo Marinho, o pandeiro de dez polegadas com cobertura sinttica,
geralmente de produo industrial, dotado de timbre relativamente mais agudo.
A bage um tipo de reco-reco. Confeccionada pelos prprios integrantes do folguedo. Ela
feita de Taboca, que uma espcie de bambu mais fino. So sulcados anis em toda a suaextenso e depois so feitos quatro cortes longitudinais. Ao serem raspados por uma baqueta,
produzem um som estridente.
O ganz - ou mineiro, como chamado na regio - tem forma cilndrica, com peas rolias
dentro. Ao ser chacoalhado, ele emite um som que complementa as clulas rtmicas das
bages. de origem africana, e muito difundido no Brasil (ANDRADE, 1989, p. 239).
Alm dos instrumentos musicais tradicionais usados - rabeca e percusso -, podemos
mencionar ainda outras fontes sonoras importantes para a formao de uma textura prpria epeculiar: o apito do capito, as bexigas de boi cheias de ar, os adereos de personagens que
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
4/12
emitem som, a fala/sonoridade onomatopaica de algumas figuras, alm dos trupes (padres
de movimento que utilizam a batida forte com os ps no cho).
As bexigas so mesmo as bexigas de boi, limpas e secas, depois cheias com ar e amarradas.
Ao serem percutidas no corpo, geram um som volumoso e grave, contrastando com o
pandeiro, que emite um som mais agudo. Funcionam tambm como adereo de Mateus e
Bastio, as figuras das mais importantes da brincadeira.
O apito, geralmente de produo industrial, tem papel fundamental de reger entradas, sadas e
coreografias. usado somente pelo mestre da brincadeira.
Enredo
O enredo do Cavalo Marinho trata de aspectos relativos vida camponesa, cultura de cana-
de-acar e aos elementos de origem religiosa. Dramatiza a relao entre patro e empregado,
conflitos cotidianos, figuras comprometidas com a ordem e autoridade social, vendedores,
ambulantes, escravos, caboclos e figuras do imaginrio popular, mticas ou necessrias
evoluo da trama. Cada figura possui passos especficos (pisadas), versos falados (loas)
e uma msica tocada e cantada (toadas).
No desenrolar da brincadeira se articulam, de forma cmica, elementos sociais, morais e
religiosos, amalgamados no que poderamos chamar de ritual da festa, do riso e da
representao teatral. Os brincantes possuem grande liberdade para improvisar rimas e
adivinhaes, jogar com o banco e com o pblico, transformar em brincadeira qualquer
interferncia do momento. O elemento cmico uma tnica constante na brincadeira.
Oliveira (2006) define trs instncias principais para entender a dinmica do brinquedo e de
como o cmico se d: a da festa, a do jogo e a do riso. Esses elementos esto na
ancestralidade da manifestao humana, sendo encontrados em todas as sociedades humanas.No Cavalo Marinho, observa-se, ainda, o fenmeno do prazer, do divertimento como fim em
si ou at como veculo de escape de problemas sociais atravs do corpo, da arte, da
brincadeira. Oliveira (2006) chama esse fenmeno de corpo prazenteiro e o liga noo de
festa:
A busca ou redescoberta deste corpo prazenteiro que ri, que goza, que sediverte e que ama, traz tona esta noo, determinada por ns deancestralidade festiva, na qual o homem suporta e redimensiona seucotidiano atravs da prtica da festa, da brincadeira e do jogo, criando e
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
5/12
fixando formas espetaculares que subvertem as estruturas rgidas das normasdo dever-ser(MAFFESOLI, 1985 apudOLIVEIRA, 2006, p. 44)1.
O jogo (HUIZINGA, 1993 apudOLIVEIRA, 2006) 2 possui quatro caractersticas marcantes
e principais que o definem. A primeira a liberdade, a segunda o divertimento e a terceira
um intervalo da vida real que, integrado prpria vida, interrompe os mecanismos de desejo e
a necessidade das atividades cotidianas. A quarta caracterstica seu tempo e espao
limitados, com estabelecimento de incio, meio e fim. Situa-se entre o plano individual e
coletivo, na representao ou na luta para se adquirir algo e tambm na criao de uma lgica
prpria para acontecer. Podemos encontrar esses mesmos elementos na festa e nos eventos
espetaculares. Por espetacular deve-se entender uma forma de ser, de se comportar, de se
movimentar, de agir no espao, de se emocionar, de falar, de cantar e de se enfeitar
(PRADIER, 1999, p. 24).
Entre a cena e o som
Funo
A msica ao vivo, ou o msico fazendo parte do jogo cnico e dramtico, est na origem do
teatro e das manifestaes populares com teor dramtico. Tragtenberg afirma: importante ter em mente que a chamada msica aplicada ou trilha sonora,que designo genericamente como msica de cena, resultado de umatradio que remonta aos primrdios da expresso artstica humana. Ela seinsere numa tradio que no ocidente, j mesmo antes dos dramas gregos,dramatizava temas retirados do Antigo Testamento (TRAGTENBERG,1999, p. 17).
Segundo Tragtenberg, a msica de cena no a msica em estado puro, mas em estado
dialgico, o que no a impede de ter a sua poro de livre especulao (TRAGTENBERG,
1999, p. 89). Para ele, esta msica se articula basicamente de dois modos: como fenmeno
acstico e como elemento referencial dentro da narrativa. E ele ainda classifica as
principais funes da narrativa sonora, que so apoio, contraste e voz paralela.
No caso da comdia e tambm do teatro popular, a narrativa sonora tem principalmente a
funo de apoio, com o uso referencial e gestual do som (TRAGTENBERG, 1999, p. 34).
Observamos vrios momentos do brinquedo onde a funo de apoio acontece: parece-nos
claro que o som da bage remete ao trote de um cavalo ou tem a funo de mover algo, fazer
1 MAFFESOLI, M.Lombre de Dionysos. Paris: Librairie ds Mridiens, Klincksieck et Cie, 1985.2 HUINZINGA, Johan.Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Traduo Joo Paulo Monteiro. SoPaulo: Perspectiva, 1993.
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
6/12
andar. A clula rtmica bsica do pandeiro alterada em termos de acentuao e diviso
rtmica para enfatizar e compor sonoramente o bater dos ps no cho do brincador. Nos
momentos de dana, a msica tambm cumpre essa funo.
Outro fator relevante o uso da transformao de objetos cotidianos em instrumentos
sonoros, deslocando, assim, o objeto de seu contexto e uso originais. Para Tragtenberg (1999),
o instrumento-adereo caracteriza-se pelo desempenho integrado de diferentes funes
sonoras, dramticas e coreogrficas a partir de um mesmo objeto. Aqui citamos dois
exemplos claros: a bexiga usada por Mateus e a vara de bambu da figura do Pisa Pilo.
Peguemos o caso da bexiga: ela tem a dupla funo citada por Tragtenberg (1999): a
transformao do objeto (uma bexiga de boi que vira instrumento) e a de instrumento-
adereo a partir do momento em que instrumento, o uso da bexiga tem a funo de bater,
assustar com seu barulho e ao mesmo tempo dar a sonoridade grave do conjunto musical,
substituindo uma zabumba ou bumbo, muito comuns em formaes musicais populares.
A figura do Pisa-Pilo o outro exemplo. Ele representa um trabalhador que soca gros de
milho ou caf. Ele entra em cena com uma vara de bambu grossa e faz repetidas vezes a ao
de socar. Esse socar feito no ritmo da toada e produz tambm um som grave.
Outra articulao de apoio, ou voz paralela, tambm classificada por Tragtenberg (1999), a
do som como elemento referencial dentro da narrativa, trazendo uma carga simblica e
relacionando esse som emitido a um estado de esprito da figura, por exemplo. o caso da
rabeca, que, em trs momentos bem distintos, toca, acompanhando a voz sem o uso da
percusso: na Toada de Reis, na Toada do Caboclo de Arub e na Toada do Boi ou Aboio.
So esses os fragmentos do brinquedo no qual a atmosfera da brincadeira se modifica e o
andamento musical passa de mais rpido (recorrncia maior dentro da brincadeira) para mais
lento, tambm as frases musicais so mais longas.
Acreditamos que o brincador do Cavalo Marinho, alm de seguir formalmente uma
tradio, articula materiais a partir de um movimento natural, gestual, improvisacional e queest em relao com a lgica de jogo da cena. O msico tambm improvisa, principalmente a
partir do gesto do atuante.
Gnero
A partir da anlise de material coletado em vdeo, no Cavalo Marinho Estrela de Ouro,
encontramos basicamente cinco gneros musicais: toada, baiano, incelena, marcha e aboio.O cco mencionado por estudiosos como outro gnero do Cavalo Marinho, mas no o
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
7/12
encontramos especificamente no material coletado. Esses gneros citados so encontrados em
praticamente todos os grupos de Cavalo Marinho da Zona da Mata Norte pernambucana.
Andrade em seu Dicionrio Musical Brasileiro define:
Toada Cantiga. Sem forma fixa. Se distingue pelo carter no geralmelanclico, dolente, arrastado (ANDRADE, 1989, p. 518).
Baiano Dana brasileira. Mais ou menos o mesmo que samba eprovavelmente originado deste. Na minha viagem de 1928 pude notar que opovo em geral, no Rio Grande do Norte, Paraba e Pernambuco, quandofalava em baiano se referia a uma dana no cantada ((ANDRADE, 1989, p.35).
Excelncia (Incelena) Cantiga fnebre cantada nos velrios do nordeste.Segundo Renato Almeida, as excelncias ou incelncias so cantadas ao
p do defunto, enquanto os benditos so cantados cabeceira ((ANDRADE,
1989, p. 207).Marcha Gnero de composio caracterizada pela escrita em compasso
binrio, ou mais raramente quaternrio, com o primeiro tempo forte,acentuado, principalmente instrumental. [...] no Brasil passou de passosmilitares a dana (ANDRADE, 1989, p. 307).
Neste Cavalo Marinho, a marcha no apenas instrumental e a encontramos no momento do
Baile do Divino com a temtica de pedir licena para brincar no terreiro em louvor a Nossa
Senhora da Conceio e na cena da Via do Bambu.
Sobre o aboio, Mrio de Andrade faz um extenso estudo que basicamente o classifica comoadvindo da voz de chamado ou de acalmar, oooo, eeee. No caso do Cavalo Marinho,
aboio feito no fim da brincadeira. O que se v a inflexo boi!. No observamos,
porm, a nfase em certa caracterstica, muito comum em cantos de aboio, que consiste no
prolongamento das vogais e de sua utilizao melismtica.
Para os brincadores, as toadas esto mais ligadas a sua funo na brincadeira que ao seu
gnero especfico. Vilar (2001) classifica basicamente duas: toadas soltas, que podem ser
instrumentais ou com letra, e toadas de figura, que, como o prprio nome diz, so
executadas durante a apresentao das figuras.
FIGURA 2 - Exemplo de Baiano. Instrumental.Fonte: GONALVES, 2001, p. 23
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
8/12
FIGURA 3 - Toada do Boi ou aboioFonte: MURPHY, 2008, p. 75
Musicalidade da cena
Nos propomos aqui um olhar sobre a composio cnica como um todo para compreender
como a musicalidade acontece, em termos do evento sonoro (som), em relao ao visual
(gesto) e o sensorial (ritmo), este ltimo, latente ou no.
Podem-se verificar algumas pontes entre som, cena e movimento no fluxo dramatrgico do
Cavalo Marinho pernambucano, bem como a gama sonora presente na estrutura da
manifestao eprincipalmente como esta sonoridade est em relao com o corpo que dana,
que toca, que fala e ri. (ACHEI QUE NO INCIO DESSE TRECHO EST FALTANDO
ALGUMA COISA, POR FAVOR, D UMA LIDA PRA VER SE ISSO MESMO)
atravs desses elementos que se constri uma textura sonora peculiar, uma musicalidade que
se ouve no contexto da cena, para a cena e com a cena. Sabemos que a msica pode ser
observada como elemento independente e autnomo, mas ressaltaremos, aqui, a sua
complexidade quando inserida nesse contexto plurilingustico.
Podemos dizer que, na brincadeira, a msica o elemento de ligao, aglutinador e unificadordo brinquedo. Ao mesmo tempo, podemos acrescentar que o elemento plstico o corpo do
brincador, seus deslocamentos, pausas e danas extremamente relevante. A evoluo das
figuras, mais do que pelas palavras, se d pelo corpo, dana, aes. Aqui, talvez, esteja a
importncia fundamental da msica: ela necessria para esse corpo que dana a fim de
dramatizar. Podemos ainda mencionar certa circularidade e constncia da msica. Essa
mesma caracterstica observada no espao cnico. A brincadeira acontece numa roda.
Estabelece a um dilogo contnuo entre as linguagens corporal, espacial e musical.Para Meyerhold3, a msica como "uma corrente que acompanha os deslocamentos do ator
sobre o espao cnico e os momentos estticos de seu jogo" (MEYERHOLD, 1973 apud
PICON-VALLIN, 1989, p. 35) 4. Segundo Picon-Vallin, a msica para Meyerhold no um
pano de fundo, mas um sistema de interpretao e dramaturgia, um ponto de apoio para a
composio cnica, um no-naturalismo, pois coloca em cena um ritmo que difere do
cotidiano.
3 Vsevolod Meyerhold (1874-1942), diretor, encenador, pedagogo teatral. Foi ator do Teatro de Arte de Moscou,quando foi discpulo de Stanislaviski4 MEYERHOLD, Vsevolod.crits sur le thtr. v. I, L'Age d'Homme:1973, pg. 66.
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
9/12
Castilho aponta que a musicalidade, ou sensao musical de um espetculo, resulta da forma
como se articulam suas partes e seus movimentos; e que o principal elemento aglutinador para
este fim o ritmo (CASTILHO, 2007, p. 01). A autora prossegue dizendo que:
Ao reconhecermos essa organizao rtmica/dinmica, estamos de certaforma valorizando o esforo de organizao do artista, que produz em ns,intencionalmente, uma sensao de movimento ou da ausncia dele. Seutrabalho consiste exatamente em dominar os meandros de tempo e espao,moldando-lhes a forma, ritmo, pulsao, intensidade etc., quer seja na dana,na arquitetura, na literatura, conforme sua habilidade na articulao entresuas partes, sejam elas movimentos, linhas ou palavras. Por isso levanto aquia hiptese de ampliar o termo musicalidade para designar, enfim, ahabilidade de articular intencionalmente os signos da obra artstica(CASTILHO, 2007, p. 02).
A noo de ritmo algo que est presente em qualquer apresentao cnico-teatral. De fato,
ritmo, pulsao ou dinmica so termos recorrentes na dinmica da preparao de obras
cnica: mesmo que de uma forma intuitiva, a noo rtmica algo que perpassa a de criao e
composio na atividade teatral.
No Cavalo Marinho, observamos que o ritmo muitas vezes se mantm no corpo do figureiro,
sendo que seus movimentos e aes esto em constante relao com essa rtmica, como se
aquilo que artifcio (msica) se tornasse natural no seu corpo, mesmo em momentos de
pausa gestual. Pela experincia, improvisao e jogo, o ritmo se mantm. Na utilizao dos
objetos cnicos isso tambm acontece.
Abaixo, eis um quadro de anlise com algumas das partes do brinquedo:
QUADRO 1Eventos cnicos e sonoros
Espao cnico Espao gestual
(das figuras)
Voz - fala ou
onomatopeia
Msica
Instrumental e/ou vocal.
A
Primeira parte:
pisadas
Indefinido
Dinmico
Vrias pessoas em
linha, intercalando com livre.
Avanos e recuos.
Plano alto.Dinmico.
Pausa Apito do capito. Incio do baiano:
msica mais rpida e movida para
danar. Intercalado com cantada e
instrumental. Batidas dos ps no cho
B
Segunda parte:
entrada Mateus
(momento 1:
chamada)
Dinmico
Abertura da
roda para
entrada da
figura
- - Baiano de entrada para chamar Mateus.
Msica mais rpida e movida. Cantada.
C
Segunda parte:
entrada Mateus(momento 2:
Definido
Fecha a roda
Esttico
Uma pessoa com trajetria
livre, mas avanando com
direo definida
Rarefeitos:
gritos
onomatopeicos de
cumprimento
Baiano. Msica mais rpida e movida.
Cantada.
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
10/12
evoluo e
cumprimento)
D
Segunda parte:
Mateus (momento
3: dilogo)
Definido
Esttico
Esttico. Figura e capito
parados, ao lado do banco
Falas e gritos de boa
noite.
-
A ttulo de exemplo, transportemos os conceitos relacionados textura musical e o
apliquemos para a relao cnico-musical. Assim, analisando a tabela acima e o brinquedo
como um todo, vemos que ele tende polifonia, pois relaciona, num mesmo espao-tempo,
materiais distintos e autnomos. Nas chamadas (B) podemos observar uma monodia, um
material sonoro (fala e grito ou o banco), com o espao cnico e gestual estticos. Cada linguagem tem suas especificidades, certo. Porm, acreditamos ser possvel, atravs de
alguns parmetros e definies musicais, fornecer elementos para uma anlise cnica,
sobretudo em se tratando de sua importncia dentro de algum fenmeno artstico especfico.
A investigao das manifestaes populares e de seus elementos de extrema importncia
para o entendimento das relaes cnico-musicais. Essa investigao pode fornecer elementos
e materiais contidos em formas espetaculares seculares que dialogam vivamente com
processos artsticos contemporneos.
Referncias
ACSELRAD, M. Viva Pareia!: a arte da brincadeira ou a beleza da safadeza - umaabordagem antropolgica da esttica do Cavalo Marinho. Tese (Mestrado em Antropologia) IFCS (Instituto de Filosofia e Cincias Sociais) - Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Rio de Janeiro, 2002.
ANDRADE, M. de.Danas dramticas do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1982.
______.Dicionrio musical brasileiro. Coordenao: Oneyda Alvarenga, 1982-84, FlviaCamargo Toni, 1984-89. Belo Horizonte: Itatiaia. Braslia: Ministrio da Cultura. So Paulo:IEB da USP/Editora da Universidade de So Paulo, 1989. AQUI SO DUAS OBRAS COMCOORDENAES, DATAS, CIDADE E EDITORAS DIFERENTES? SIMMM.!!!TEMQUE COLOCAR O NOME DO AUTOR NOVAMENTE??
BAKHTIN, M. Cultura popular na Idade Mdia e no Renascimento: o contexto de Franois
Rabelais. So Paulo: Hucitec, 1987.
-
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
11/12
BIO, A. GREINER, C. (Org).Etnocenologia textos selecionados. So Paulo: Annablume,1999.
CASCUDO, L. da C.Dicionrio do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: Edies de Ouro,1959.
CASTILHO, Jacyan. Tempo, ritmo, dinmica. Comunicao in GT na IV Reunio Cientficade Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas. Belo Horizonte: 2007, pgs. 01-02.Disponvel em: . Acesso em:19 out. 2009.
______. Na cadncia do gesto. In: Mimus/revista on line de mmica e teatro fsico, Salvador,n. 1, ano1. 2009, pgs. 53 a 62. Disponvel em: .Acesso em: 19
out. 2009.
GONALVES, G. V. Msica e movimento no Cavalo Marinho de Pernambuco. Monografia(Especializao em Etnomusicologia). Centro de Artes e Comunicao. Departamento deMsica - Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2001.
GUINSBURG, J. FARIA, J. R, LIMA, M. A. de.(Coord.)Dicionrio do teatro brasileiro. SoPaulo: Perspectiva, 2006.
MALETA, E.A formao do ator polifnico. Tese (Doutorado em Artes Cnicas). NOMEDA FACULDADE - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
MURPHY, J. P. Cavalo Marinho pernambucano. Traduo: Andr Curiati de Paulo Bueno.ed. 1. Belo Horizonte: UFMG, 2008.
NBREGA, A. C. P. da.A rabeca no Cavalo Marinho de Baieux, Paraba. Joo Pessoa:UFPB, 2000.
OLIVEIRA, . J. S. de. A roda do mundo gira: um olhar sobre o Cavalo Marinho Estrela deOuro (Condado PE). Recife: Sesc, 2006.
PACHECO, G.; ABREU, M. C.Rabecas de Man Pitunga. Rio de Janeiro: Funarte, CentroNacional de Folclore e Cultura Popular, 2001.
PAVIS, Patrice.Dicionrio de teatro. Traduo J. Guinsburg e Maria Lcia Pereira. SoPaulo: Perspectiva, 2005.
http://www.portalabrace.org/ivreuniao/GTs/criacaoExpressaohttp://www.mimus.com.br/http://www.portalabrace.org/ivreuniao/GTs/criacaoExpressaohttp://www.mimus.com.br/ -
8/6/2019 Artigo Juliana verso final com reviso da revista
12/12
PEREIRA, B. Mscaras portuguesas. Lisboa: Junta de Investigaes do Ultramar/Museu deEtnologia do Ultramar, 1973.
PICON-VALLIN, Batrice. (aqui havia um erro no nome da autora que acabei de corrigir) Amsica no jogo do ator meyerholdiano. In: PICON-VALLIN, Batrice.Le jeu de l'actor chezMeyerhold et Vakhtangov, Laboratoires d'tudes theatrales de l'Universit de Haute
Bretagne, tudes & Documents. Traduo de Roberto Mallet, T. III, Paris, 1989, pgs. 35-56.
PRADIER, J.-M. Etnocenologia. In: GREINER, C.; BIO, A. (org.).Etnocenologia: textosselecionados, (orgs). So Paulo: Annablume, 1999.
SANTAELLA, L. O que semitica.So Paulo: Brasiliense, 1992.
TRAGTENBERG, L. Msica de cena: dramaturgia sonora. So Paulo: Perspectiva/FAPESP,1999.
Between scene and sound: an approachof the Cavalo Marinho of Pernambuco
Abstract
This work deals with the investigation about formal elements of the performing and musical
art of the Cavalo Marinho from the coastal forest area of the state of Pernambuco. Popular
Folguedo (revelry) of the Brazilian northeast, this musical drama tradition includes theater,
dances, music and poetry. The Cavalo Marinho has been a source of study for researchers of
several areas and inspiration for theatre directors, musicians, poets and Brazilian and foreign
fine artists. The analysis dealt with the importance of the music as a vehicle for dialogue with
the theatrical elements and how it contributes to the evolution of the theatrical texture of the
performance, a subject little explored.
Keywords: Popular culture; folklore; music and theater.