arthur conan doyle...se achava em seu quarto. mas, em pouco, a luz da lua, entrando pela claraboia,...
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ARTHURCONANDOYLE
OANELDETOTH
FREEBOOKSEDITORAVIRTUAL–CLÁSSICOSESTRANGEIROS
TERROR-HORROR-FANTASIA
Título:OANELDETOTH.
Autor:ArthurConanDoyle(1859–1930).
Tradução:Autordesconhecidodoiníciodoséc.XX.Apresentenarrativa,umaversãocondensada,emportuguês,doconto"TheRingofThoth",foipublicadaoriginalmentenarevista“EuSeiTudo”,ediçãodejunhode1921.Atualizou-seaortografiaefizeram-sepequenasadaptaçõestextuais.
Imagemdacapa:Jean-FrançoisChampollion(1790–1832).
Leiautedacapa:Canva.
Série:ClássicosEstrangeiros–vol.26.
Editor:FreeBooksEditoraVirtual.
Site:www.freebookseditora.com
Direitos: Original e tradução de domínio público (art. 41, caput e art. 40,“caput”eparágrafoúnicodaLeinº9.610,de19defevereirode1998).
Direitos da adaptação textual:©Paulo Soriano. Proibida a reprodução semautorizaçãopréviaeexpressadoeditor.
Ano:2017
Sitesrecomendados:
www.triumviratus.net,www.contosdeterror.com.br
SumárioOANELDETOTH
SOBREOAUTOR
OANELDETOTHOprofessorJohnVansittartSmith,membrodaRealSociedadeBritânica,já
eranotávelporseusestudosnodomíniodazoologia,dabotânicaedaquímicaquando se dedicoumais especialmente às ciências orientais, chamando logo aatençãodosespecialistasemumaMemóriasobreas inscriçõeshieroglíficasdeElKab.
E apaixonou-se a tal ponto por esses assuntos que desposou uma jovemegiptóloga, autora de vários volumes sobre a 4ª.Dinastia, e começou a reunirdadosparaumlivroemquepretendiaresumirosdescobrimentosdeLepsius
1eo
gêniodeChampollion2.
Essetrabalhoobrigou-oairváriasvezesaParisvisitaromuseudoLouvre,onde passava horas inteiras curvado sobre a vitrine dos papiros.Ora, o ilustreJohn Vansittart Smith não era um tipo de beleza e bem o sabia.Mas, apesardisso,teveumaimpressãodesagradávelouvindoatrásdesiumavozexclamar,eminglês:
—Quetipoesquisito!
Osábiomordeuoslábiosecurvou-seaindamais.
—Éverdade—disseoutravoz.—Temumacabeçadisforme.
—Etemumnãoseiquêdeegípcio—continuouaprimeiravoz.—Dir-se-iaque,detantocontemplarmúmias,estásemumificando.
Exasperado, o sábio voltou-se e, com grande surpresa, viu que osinterlocutores eram dois ingleses. De costas para ele, observavam um dosguardasdasala,queacertadistâncialimpavaumabarrademetal.
Instintivamente,osábioobservoutambémoguardaeteveumsobressalto.Naverdade,aquelehomemtinhaumafaceimpressionante,deumasemelhançaespantosacomasmúmiasaugustasdosantigosfaraós.Eraumareproduçãoexatadas estátuas que enchiam a sala: até pela largura dos ombros e estreiteza dosquadris,aquelehomemtinhaoscaracteresdeumegípcio.
O professor Smith aproximou-se com a intenção de lhe dirigir a palavra.Mas,observandomaisdepertooestranhohomem,sentiu-sesemcoragemparainterpelá-lo.Tamanhasemelhançachegavaasersobrenatural.Apeledafrontee
dasfacesdoguardaeralisacomoumpergaminho,parecianãoterporos.
—OndeestáacoleçãodeMênfis?—disseafinalosábio,paranãoficaremsilênciodiantedele.
—Ali—respondeuoguarda,semergueracabeça.
— O senhor é egípcio, não é verdade? — perguntou ainda o professorSmith.
O homem ergueu a cabeça e fitou seu interlocutor com estranhos olhosnegros, vidrados, mas que brilhavam com singular fulgor. E o maisimpressionanteéquehavianessesolhosumaexpressãodecóleraeódio.
—Não,senhor.Eusoufrancês.
Econtinuouoseutrabalho.Osábiotentouvoltaraoseutrabalho,masseuespírito estava absorvido por aquela espantosa visão. E, fosse pela fadigaacumuladadediasanteriores,fosseporumaespéciedefascinaçãoinconsciente,curvoupoucoapoucoa cabeça sobreopeito e adormeceu tãoprofundamentequenãoouviuacampainhaqueanunciavaofechamentodoMuseuealificou.
***
Os ruídos noturnos foram cessando pouco a pouco. O sino da igreja deNotre-Damebateumeia noite e o sábio continuavadormindo.Somente a umahoradamadrugadarecobrouaconsciênciaesuaprimeiraimpressãofoiadequeseachavaemseuquarto.Mas,empouco,aluzdalua,entrandopelaclaraboia,mostrou-lheasfileirasdemúmiasesarcófagosqueorodeavam.Quehorror!Osguardas não o tinham visto oculto naquele recanto, por trás de uma espessacoluna,eagoratinhaquepassaranoiteali,sujeitoaexplicaçõesdesagradáveisnodiaseguinte.
O sr. Smith não era medroso, mas isso lhe causou uma impressãodesagradável.Emtodoocaso,comonãohaviaoutroremédio,oquedemelhortinhaafazereraacomodar-sedomelhormodoecontinuaradormir.
Infelizmente, nem isso lhe era possível, pois, pouco depois, viu a luzamareladadeuma lanternaqueseaproximava.Ficou imóvel,aesperar,eumanovaobservaçãoveioaumentarseuespanto.Apesardosilêncioabsolutodasala,elenãoouviaospassosdapessoaquetraziaalanterna.
Mas, pouco depois, viu um rosto; um rosto que, alcançado pelo pequeno
resplendordalanterna,pareciasuspensonoar;umrostodepalidezcadavéricaepele com tons metálicos; o rosto do estranho guarda, que tanto lhe chamaraatençãoàtarde.
OprimeiromovimentodeSmithfoiadiantar-seerelatar-lheoocorrido,masuminstintosecretodeteve-o,imóvel,norecantoqueoocultava.
Ohomemchegoujuntodeumadasgrandesvitrinese,tirandodobolsoumachave, abriu-a. Tirou dela uma múmia, que deitou no soalho com grandescuidados, colocou ao lado a lanterna e, sentando-se no chão, com as pernascruzadas à moda oriental, começou a desenrolar as longas tiras de linho queenvolviamamúmia.Umforteolordearômatasexalou-sepelasalae,desúbito,oprofessorSmithteveumgestodeimensasurpresa.
Libertadadasbandagensfunerárias,umabastacabeleiranegradesprendia-seecaíaentreasmãosdoguarda.Asegundabandagemretiradadescobriuumrostomoreno,masrosadoetranquilo,comolhosfulgurantesebocadedesenhoperfeitoesoberbo.
Somenteumamanchaescuranafronteperturbavaabelezadaquelamulhermortaháseismilanos.
O guarda fitava-a com enlevo. Depois, enlaçando a múmia nos braços,murmuroucomvoztrêmuladeemoção:
—Amada...minhaamada!
Mas nesse momento seu olhar encontrou o rosto do professor que, nãopodendoconteracuriosidade,adiantara-seumpouco.
Ergueu-secomímpetofuriosoeaproximou-se.
— Desculpe-me — balbuciou o professor. — Eu adormeci à tardeestudandoaquiefiquei...
Oguardatiroudocintoumafiadopunhaleperguntou:
—Entãoosenhorviuoqueeuestavafazendo?
—Sim...
—Se eu o tivesse notado há dezminutos, tê-lo-iamatado comoumcão.Mas,agora,prefiroquevejatudoatéofim.Masnãosemova,nãointervenha...Hajaoquehouver.Masdiga-me:queméosenhor?
—Eu...eusouoprofessorJohnVansittartSmith.
—Ah...FoiosenhorquempublicourecentementeumlivrosobreElKab?...Imbecil!...Epensouencontrarosegredodenossacivilizaçãonasinscriçõesdosmonumentos?...Louco!...Esse segredoestáemnossa filosofiaherméticaeemnossaciênciamística.
—Mas...mas...—balbuciouoprofessor,atônito—osenhordisse"nossacivilização".
Mas o guarda já não lhe dava atenção.Volvendo os olhos para amúmia,soltaraumgemidoprofundo.Osábiovoltou-setambémequedou-segeladodeespanto.
Expostoàaçãodoar,orostodamúmiadesfigurara-serapidamente.Apelesecara, os olhos tinham-se afundado nas órbitas e os lábios, encolhendo-se,descobriramosdentesamarelados.NãofosseamanchaescuranafronteeoSr.Smithnãoacreditariaqueeraaqueleomesmorostoqueelevira,poucoantes,comumatãosoberanabeleza.
O guarda gemeu ainda, com expressão de mágoa infinita, mas fez umesforçoedissecomexaltação:
—Não faz mal. Agora, pouco importa seu corpo inerte, pois que possoafinalirreunir-measeuespírito.
E,comooprofessorofitava,convencidodequeestavadiantedeumlouco,eleacrescentou:
—Chegou omomento que eu tanto esperei. Afinal... afinal!..Mas antesprecisoqueeuofaçasairdaqui.Venha...venha!
Apanhoualanternaeprecedeuosábioatravésdasextensassalasdomuseu.Desceramumaescadaechegaramaumaportaquedavaparaarua.Mas,emvezdeguiá-loporaí,oguardaempurrou-oparaumaportabaixa,queseabriadeumladodocorredor.
Oilustreegiptólogohesitou,masacuriosidadefoimaisfortedoqueomedoeeleseguiuoestranhohomem.
Alieraumaespéciedeportariacomumamesa,umacadeiraeumacamadeferro.Oguardaindicouacadeiraaosábio,sentou-seàbeiradacamaecomeçou:
—Estavaescritoquenãovoltariaaodescansoeternosemfazeraummortal
anarraçãodemeussofrimentos,comoumavisoaostemeráriosquetentamopor-seàs leisdaNatureza.Souegípcioenasci,soboreinadodeTutmósis,noano
16003 antesdaquelequechamamCristo.Chamo-meSenra.Meupai erachefe
dossacerdotesdeCairis,notemplomagníficodeAbaris.Antesdecompletar17anos,jáeupossuíaosconhecimentosdasartesmísticasdequefalaaBíbliadoshomensdehoje.Depois,continueiaestudarossegredosdaNaturezaealcanceinaciênciapináculosquenenhumoutrohomemlogrouconhecer.Porém,oquemaismeatraíaeraoestudodoprincípiovital,buscandoummeiodeimunizarascriaturas contra todas as enfermidades e, talvez, contra a morte. Acabei pordescobrir uma substância que, injetada no sangue, dava ao corpo energia pararesistir ao tempo, às enfermidades e aos acidentes.Uma substância que podiamanter suas prodigiosas faculdades, senão eternamente, pelo menos durantemilharesdeanos.Notequenão se tratavadecoisa sobrenaturaloumisteriosa.Não. Tratava-se de uma simples operação de química. Com louca alegria,inoculei emminhas veias esse líquido.Depois, busquei um companheiro paraminha existência eterna e escolhi um jovem sacerdote de Thoth, chamadoParmés,quehaviaconquistadominhasimpatiaporseuelevadocarátereporsuainteligência.Fiz-lhe,também,apreciosainjeçãoe,desdeaquele,diaabandoneios estudos para viver percorrendo os campos e cidades, para contemplar comorgulho homens emonumentos destinados àmorte, enquanto eu continuaria aviverindefinidamente.
“Umdia, passeando assimemcompanhiadeParmés, encontrei a filhadeumoficialdorei,umamoçachamadaAthma,famosaporsuabeleza,eoamorferiumeucoraçãocomoumraio.JureiporToth
4queaquelamulherseriaminha
e, no mesmo instante, vi Parmés afastar-se de mim com um olhar de ódio.Soube, depois, que ele já havia declarado seu amor aAthma. Ela, porém,mepreferiueaceitou-mecomoseunoivo.
“Foi nessa épocaqueumahorrível epidemia de peste branca fez terríveisestragos entre apopulação.Então, aterrorizado, relatei aAthmao segredoquehavia descoberto e quis fazer-lhe a inoculação do líquido de vida eterna. Ela,porém,recusou,entendendoqueeraumaofensaaosdeusesperturbarasregrasdamorte.Insisti.Ela,todavia,pediu-meumanoitepararefletir.
“No dia seguinte, apenas termineiminhas orações no templo, corri à suacasa.Encontrei-ajágravementeenfermaetendonafronteamanchavermelha,queeraosinaldapeste.Emalpousouosolhosemmim,morreu.
“Quanto sofri! Tudo quanto era possível, tentei paramorrer.Mas era emvão.Olíquidopreciosotornara-meimortal.
“Umdia,quandoeuchoravamergulhadoemprofundodesespero,Parmés,sorrindo,comumaexpressãodeódioinfernal,disse-me:
‘—Nemumoceanode lágrimas será capazdevencero sortilégioque tumesmocriaste.Hãodepassarmuitosséculosantesquetepossasreuniraela.Eeu...’
‘—Tuestás,comoeu,condenadoaviver.’
‘—Enganas-te—exclamouele,comumaexpressãodealegriaferoz.—Eudescobriumprincípiotãofortequeanulaopoderdolíquidoqueinoculasteemminhasveias.Dentrodeumahora,estareimorto.’
“Eretirou-se.Nodiaseguinte,foiencontradojáfriodiantedoaltar.
“Mediante um inquérito paciente e minucioso, consegui descobrir queParmésocultaraoformidávelvenenodesuainvençãonoaneldoídolodeThoth.Euconheciaessajoia.Eraumgrossoaneldeplatinacomumapedradecristaloco.Masoaneldesapareceradodedodoídolo.
“Onde encontrá-lo? Em vão eu o procurei no templo e seus arredores.Depoishouve agrandeguerra comosHicsos.Os capitãesdonosso rei foramderrotados,nossacidadecaiuempoderdoinimigoeeu,comomuitosoutros,fuilevado como escravo. Anos e anos passei guardando rebanhos no vale doEufrates.Depoisviviemtodosospaíses,conhecitodosospovos,faleitodososidiomas,duranteséculoseséculos.
“Hácercadeumano,euestavaemSãoFranciscodaCalifórniaquandolianotíciadequehaviam,pelaprimeira,vezdescobertoemumtúmuloegípcioumajoiadeplatina.Eeraexatamenteumanelcomumapedradecristal.
“Só podia ser o anel de Thoth. Na mesma noite, parti. A joia foraencontradaporumsábiofrancês:portanto,deviavirparaoLouvre.Apesodeourofalsifiqueipapeisdeidentidadeeconseguiumlugardeguardanestemuseu.Masoanelsóhojefoiexpostoaquieeuvouafinalreunir-meàminhaamada”.
Osábioouvira-osemumgesto,semumapalavra,mudodeassombro.
Quandoanarraçãoterminou,elesemantevenomesmolugar,perguntandoasimesmosenãoestariasonhando.Masoestranhohomenzinhoempurrava-o
comimpaciência.
—Vá.Saia.EstaportadáparaaruaRivoli.
No dia seguinte, chegando a Londres, o professor Smith leu no Times oseguintetelegrama:
UMACIDENTESINGULARNOLOUVRE
Paris, 12 — Hoje pela manhã foi encontrado morto na sala egípcia doLouvreumdosguardasdessemuseu.O infelizapertavaaindaentreosbraçosumamúmia,ecomtalforçaquefoidifícilsepará-lodela.Deumadasvitrinesdamesmasaladesapareceuumaneldegrandevalor.Aoqueparece,oguardamorreudeumarupturadeaneurisma.Nãoseconhecemparentesdomorto.Seuscostumeseramumtantoexcêntricosenãofoipossívelaveriguarcomsegurançasuaidade.
SOBREOAUTOR
Arthur Ignatius Conan Doyle (1849 - 1930) é sobretudo famoso por seuscontoseromancesprotagonizadosporSherlockHolmes,odetetivemaisfamosode todos os tempos. Embora preponderem a lógica, a racionalidade e averossimilhançaemseusromancespoliciais,SirArthurConanDoyleenveredou,também,pelassendasdofantástico,doterroredohorror.Dobrilhanteescritorescocêsrecomendamosaleiturade“OFunildeCouroseguidodeComoTudoAconteceu”.
Notes
[←1]Karl Richard Lepsius (1810 — 1884), arqueólogo, egiptólogo e linguista alemão, autor de“MonumentosdoEgitoedaEtiópia”,obraem12volumes,resultadodeseusestudoseescavaçõesnaspirâmidesdeGizé,Abusir,SakaraeDahchur.
[←2]Jean-François Champollion (1790 — 1832), linguista e egiptólogo francês, notabilizou-se peladecifraçãodoshieróglifosegípciosapartirdafamosaPedradeRosetta.
[←3]Naverdade,TutmósisouTutmésIreinouentreosanosde1494e1482a.C..
[←4]DeusdopanteãodoantigoEgito.Muitoculto,eraantropomorfo:homemcomacabeçadeíbis,umaavedebicoalongado.Eraodeusdasmaisaltasesferasdoconhecimento,dasabedoria,daescrita,damagia,daescrita,damedicinaedamúsica.Teriaensinadoaoshomensaartedeescrevere,poristo,eraoprotetordosescribas.