arte e cultura gÊnero e diversidade trabalho · especialmente a relação entre velhice e...
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ISSN 1983-8921
ARTE E CUL TURA
GÊNERO E DIVER SIDADE
TRA BA LHO
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 1-74, jan./jun. 2010
ISSN 1983-8921
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
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Divers@ Rev. Elet. Interdisc. Matinhos v. 3, n. 1 p. 1-74 jan./jun. 2010
ISSN 1983-8921
Ficha Catalográfica: Biblioteca da UFPR Litoral,Sistema de Bibliotecas, UFPR
Divers@ Rev. Elet. Interdisc. Matinhos v. 3, n. 1 p. 1-74 jan./jun. 2010
DIVERS@! REVISTA ELETRÔNICA INTERDISCIPLINARv. 3, n. 1: 1-74, jan./jun. 2010
UFPR Litoral – Matinhos, 2010.
Periodicidade SemestralISSN 1983-8921
1. Arte e Cultura. 2 Gênero. 3. Diversidade. 4. Saúde. 5. Trabalho. I. Universidade Federal do Paraná. Setor Litoral. II. Título.
CDD XXX
ISSN 1983-8921
EDITORIAL
Apresentamos o volume “três”, número “um” da Revista Divers@!, um veículo eletrônico
para a socialização da produção científica e das experiências relacionadas às diversas áreas do
conhecimento. Conforme a edição anterior, a Revista Divers@! continua privilegiando a
abordagem interdisciplinar e a contribuição das diferentes perspectivas teóricas e empíricas
para questões atuais. Ao fazer a leitura da Revista, vocês verificarão que as normativas
sofreram algumas mudanças e que houve ampliação das áreas de contribuição. Nessa
perspectiva, a presente edição reúne artigos relativos às temáticas: Arte e Cultura; Gênero e
Diversidade; Trabalho, contribuindo para ampliação do nosso olhar sobre as relações
existentes na sociedade. No tema Arte e Cultura o artigo formula e apresenta algumas
hipóteses para se analisar o papel da música popular na cultura brasileira contemporânea. Já o
tema Gênero e Diversidade traz uma contribuição à discussão da questão dos Direitos
Humanos relacionados à homossexualidade, através de uma revisão de literatura. E no
terceiro tema que é Trabalho, o primeiro artigo traz o foco do processo de envelhecimento,
especialmente a relação entre velhice e trabalho. Dessa forma, o segundo artigo também busca
abordar o tema Trabalho, mas na perspectiva de avaliar a influência das comunicações na
carga de trabalho do controlador de tráfego aéreo. Para completar esse número temos uma
entrevista com Dra. Angela Taft, que trará contribuições referentes aos estudos desenvolvidos
na Austrália sobre as relações de gênero.
Portanto, a Coordenação Editorial da revista deseja a tod@s uma boa leitura!
Coordenação Editorial
Divers@ Rev. Elet. Interdisc., Matinhos, v. 3, n. 1, p. 1, jan./jun. 2010 1
ISSN 1983-8921
SUMÁRIOEDITORIAL........................................................................................................................................................1
Comissão Editorial
ARTIGO CIENTÍFICO - TEMÁTICA ARTE E CULTURA DA MPB AO RAP – VIRTUOSISMO, TÉCNICA, JULGAMENTOS NA ESTÉTICA MUSICAL................................................................................................3
Pablo Augusto Silva
ARTIGOS CIENTÍFICOS - TEMÁTICA GÊNERO E DIVERSIDADE
DIREITOS HUMANOS E HOMOSSEXUALIDADE: CONQUISTAS E DESAFIOS – UMA CONTRIBUIÇÃO...............................................................................................................................................21
Márcio Luís Hassler
ARTIGO CIENTÍFICO - TEMÁTICA TRABALHO
O TRABALHO NA/DA VELHICE...................................................................................................................37Marisete T. Hoffmann-Horochovski
A INFLUÊNCIA DAS COMUNICAÇÕES NA CARGA DE TRABALHO DO CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO............................................................................................................................................48
Arlete Ana Motter e Leila Amaral Gontijo
ENTREVISTA
INTERVIEW WITH DR. ANGELA TAFT......................................................................................................60Marcos Claudio Signorelli
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO......................................................................................................................72
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Silva
DA MPB AO RAP – VIRTUOSISMO, TÉCNICA, JULGAMENTOS NA ESTÉTICA
MUSICAL
FROM MPB TO RAP – VIRTUOSITY, TECHNIQUE, JUDGMENTS IN THE MUSICAL
AESTHETICS
Pablo Augusto Silva 1
Resumo
Esse artigo formula algumas hipóteses para se analisar o papel da música popular na cultura
brasileira contemporânea, da MPB (música popular brasileira) ao rap. Uma delas é a
correlação entre o predomínio da racionalidade técnica e da especialização nas esferas sociais
do trabalho e da economia e o surgimento, na modernidade, do virtuose, o artista
profissionalmente educado para executar em alto grau técnico a sua arte. Sob a perspectiva da
sociologia compreensiva, tomamos alguns agentes e instituições da esfera musical para
problematização e crítica da cultura contemporânea. Nossas fontes de pesquisa são a música
popular brasileira de vanguarda (a MPB), que desde os anos 1960 vem sendo socialmente
reconhecida como expressão da "genuína cultura brasileira", e o rap, expressão musical de
uma significativa parcela da juventude urbana a partir dos anos 1980 até a atualidade.
Palavras-chave: Música Popular; Rap; Virtuose; Técnica; Julgamento; Sociologia da Música.
1 Mestre em Sociologia/Unicamp. [email protected]
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Silva
Gostos de classe, gostos musicais: o popular e o erudito
A peculiaridade da música, ou da pop music, em relação às outras artes na esfera da
cultura advém do seu caráter de universalidade, “sem fronteiras”, reforçado ainda mais nos
países ocidentais e suas periferias no pós-II Guerra, com o alastramento da indústria cultural.
Se no século XIX a música tomou para si a função de expressar, na esfera estética, a
identidade de povos e nações – de Wagner a Carlos Gomes –, no século XX, nenhuma outra
arte expressou de modo tão veemente as antinomias das identidades nacionais, principalmente
em sua vertente popular (jazz, rock, tropicalismo, rap). O prestígio e a universalidade da
música, de concerto e/ou popular, na esfera da cultura devem-se ao fato dela atrair como um
imã a poesia, a dança, a dramaturgia e as artes visuais com muito mais força e ênfase do que
os outros meios de expressão artísticos fazem com suas vizinhas. Todavia, a sua dimensão e
importância na esfera cultural ainda foram pouco analisadas pelas ciências sociais. Nosso
artigo é um fragmento com o intuito de lançar um grão nesse mar da cultura contemporânea.
Trata-se antes de algumas notas e tentativas de formulação de hipóteses para se analisar o
papel da música popular na cultura brasileira contemporânea, do tropicalismo ao rap. Uma de
nossas hipóteses é que a idéia de utopia e romantismo enquanto crítica da racionalidade da
sociedade burguesa – “o romântico é, por essência, uma reação contra o modo de vida da
sociedade capitalista (Löwy; Sayre, 1995, p. 34)” – talvez esteja presente hoje de maneira
explícita apenas no rap, com sua crítica à arte pela arte; no entanto, os seus produtores, ao
contrário da geração dos CPCs – os Centros Populares de Cultura, iniciados pelos estudantes
da UNE nos anos 1960 (Berlinck, 1984; Hollanda, 1981) –, são jovens originários das classes
populares. Isso acarreta conseqüências no processo de legitimação de seus trabalhos: os
julgamentos estéticos sobre essa produção cultural, analisado sociologicamente, revelam
muito menos crítica cultural e muito mais julgamentos de gostos de classe e de gerações
diferentes das desses jovens, até mesmo por aqueles que simpatizam com tal produção; isso
impede não apenas uma comunicação e interação entre agentes culturais de gerações e classes
sociais distintas, como a própria avaliação estética desses novos trabalhos. Assim, trata-se
aqui de tomar o rap mais como um ponto de partida para uma crítica da cultura
contemporânea por intermédio da esfera musical do que de um estudo sobre o rap enquanto
um novo tipo de gênero ou de estilo propriamente ditos.
O rap “é pobre do ponto de vista estético”; suas batidas “são repetitivas”, o que acaba
tornando a música monótona, ao contrário de outros tipos de música popular. Essas
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afirmações sobre o rap, tiradas das seções culturais de revistas semanais e jornais diários,
revelam não só uma análise estética, mas antes um julgamento de gosto. Enquanto julgamento
de gosto é compreensível, visto que as preferências dos indivíduos são explicadas partindo de
suas trajetórias sociais; julgamento de gosto de classe que também representa um estilo de
vida. A maioria dos críticos que enfatiza a sua ‘pobreza estética’ geralmente são indivíduos
originários da classe média intelectualizada. Isso pode ser lido e visto nas seções culturais dos
principais jornais e programas de TV, ouvido em palestras ou conferências sobre cultura
contemporânea, e em oficinas e cursos oferecidos em importantes instituições culturais.
O gosto musical da classe média intelectualizada costuma ser a “música popular de
vanguarda”2, a MPB, quase um gênero musical com suas ramificações: bossa nova,
tropicalismo, e “músicas populares de qualidade”, segundo as propagandas das rádios que
tocam esse tipo de música e enfatizam (e ao mesmo tempo legitimam) compositores como
Tom Jobim, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Gilberto, Tom Zé dentre
outros. Basta sintonizar uma rádio universitária para se ter maior noção desse gosto musical.
Os livros sobre música brasileira nas estantes das livrarias são deste ‘gênero’ e/ou sobre estes
músicos e até mesmo destes músicos, que costumam ter uma boa recepção crítica e vender
muito bem, como os romances de Chico Buarque ou o livro de Caetano Veloso (1997).
Gênero musical que se torna relativamente autônomo a partir dos anos 1960, com os
movimentos culturais da época e, a seguir, com a inserção profissional desses compositores,
poetas e músicos em uma nascente indústria do entretenimento, época em que se inicia a
hegemonia da indústria cultural no Brasil.
Se perguntado a um acadêmico ou a algum músico erudito – “erudito” aqui utilizado
para demarcar a fronteira simbólica que há entre eles e o “músico popular” (melhor seria dizer
apenas músico, de uma orquestra ou de concerto, mas o universo social é cheio de hierarquias
que não podemos simplesmente ignorar) – melhor dito, se analisado os seus discursos e
estilos de vida das coisas mais “insignificantes” como os ambientes que frequentam 2 O termo MPB enquanto “música popular brasileira de vanguarda”, não é um conceito científico (sociológico) que nós construímos a priori. Parece um paradoxo, mas é a própria história com os seus agentes que, aos poucos, vem legitimando esse termo para diferenciar, de fato, a música popular produzida por músicos originários de ambientes universitários daqueles originários de ambientes não-universitários. Muitas rádios que tocam “música popular brasileira”, raramente tocam as músicas que, de fato, as classes populares brasileiras consomem e ouvem: pagode, forró, axé music, funk, sertanejo, rap, gêneros cujos músicos são majoritariamente não-universitários. Basta sintonizar o rádio em qualquer estação universitária ou correlata para perceber que, quando estes gêneros são tocados, é quase sempre como “objeto de estudo” em programas especiais ou entrevistas com “especialistas” e não para fruição estética. Em S. Paulo temos alguns exemplos: as rádios Cultura Brasil AM, Eldorado, Nova Brasil, USP etc. Caetano Veloso (1997) explica que o termo foi ganhando força no cenário cultural brasileiro depois da bossa nova e de alguns movimentos, como o tropicalismo, ainda que à contragosto dos próprios músicos.
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(antiquários, leilões de raros instrumentos musicais, compra de um pacote anual para
concertos e óperas nos teatros municipais etc.) – qual a sua opinião sobre a obra de um Chico
Buarque ou Caetano Veloso, sua resposta, ao contrário do que reza o senso comum, será a de
se tratar de uma ‘monotonia estética’, sempre o ‘mesmo ritmo’, sempre a ‘ausência de
complexidade’ tão ‘própria da música clássica’ (de concerto). É fato que há grandes músicos
populares com uma formação musical erudita, geralmente arranjadores, no entanto, são eles
mesmos que fazem questão de demarcar tais distinções: Francis Hime, Júlio Medaglia,
respectivamente parceiros de Chico Buarque e Caetano Veloso em importantes obras
musicais, são uma prova disso. E podemos mesmo dizer que o papel do arranjador em música
é semelhante ao do roteirista no cinema. Pode-se ter uma boa música ou uma boa letra, como
se pode ter uma boa história ou um bom argumento, mas se não for feito um bom arranjo,
como um roteiro mal-adaptado, toda a qualidade do trabalho pode ficar comprometida. O
arranjador não muda o gênero musical; acrescenta notas, tira palavras, sugere outras etc. Seria
de grande relevância saber a formação cultural e origem social dos arranjadores da música
popular de vanguarda (jazz, bossa-nova, tropicalismo). Temos a impressão de que os músicos
procuraram aproximar-se da música erudita através dos arranjadores com vistas a dar maior
legitimidade ao seu trabalho (Os arranjos da música Tropicália de Caetano Veloso, por
exemplo, foram feitos por Júlio Medaglia, maestro de formação).
No entanto, historicamente, a relação entre música popular e música erudita foi sempre
muito tensa. Nos EUA, Europa e América Latina, a tentativa de aproximação partiu sempre
dos músicos populares; eles visavam com isso rentabilizar prestígio para si e para os gêneros
musicais de que eram representantes (Hobsbawn, 1990, 1998; Calado, 1990). O músico
erudito foi (e continua sendo, em que pese o discurso politicamente correto) sempre muito
reticente em se aproximar da música popular e quando o faz trata-se de se referir a ela como
algo ‘importante a ser estudado’, mas sempre como algo externo a ele, uma nova roupagem
para o que se chama folclore e exótico3. Quando Villa-Lobos refere-se ao seu interesse pela
música e instrumentos populares, como o violão, e a proibição de seu pai de que ele se
aproximasse do vulgo, tendo que estudar violão escondido, tal argumento não expressa apenas
as angústias de um jovem romântico que quer mergulhar de corpo e alma na cultura popular,
como objetivava a sua geração; também almeja deixar claro que antes de seu interesse por
uma prática cultural extremamente rica, mas desprestigiada, ele é um músico erudito, de um
3 Há inúmeros exemplos em outras áreas culturais; na literatura, Sartre (1961), em sua autobiografia, deixa bem claro a sua posição com relação às leituras de bancas (kiosque à jornaux) em oposição à literatura do cânone.
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ambiente erudito, isto é, ele detém os instrumentos necessários para decodificar uma prática
cultural legitimada: a música de concerto. As reticências do músico erudito não são outra
coisa senão uma maneira de manter o seu prestígio, legitimado pela tradição, como um dos
últimos estetas na era da reprodutibilidade técnica. Assim não será exagero tomar a orquestra
sinfônica, sem nenhum sentido pejorativo, como uma comunidade de estetas tendo como
referências valores qualitativos em oposição à sociedade individualista regida por valores
quantitativos.
Ouvir e escutar
O julgamento estético (de valor) é mais intenso na música, pois essa nos impressiona
imediatamente. Paradoxalmente, a arte mais ‘subjetiva’, de interiorização, universalizante é a
que está mais próxima das complicadas equações e sistematizações científicas. Quando
criança, quase todos escrevemos poemas, rabiscamos desenhos, representamos. Uma
composição musical, todavia, no imaginário ocidental, só um virtuose poderá fazê-lo. Compor
uma música (não estamos nos referindo à letra) significa dominar a notação musical, algo
característico da música moderna no ocidente: “uma obra de arte musical moderna, por menos
complicada que seja, não poderia ser produzida, nem transmitida, nem reproduzida sem os
meios de nossa notação: sem ela uma obra musical moderna não pode em geral existir em
lugar algum e de nenhuma maneira, nem mesmo como uma propriedade interna de seu
criador.” (Weber, 1995, p. 119). Não à-toa o “gênio precoce”, mito moderno nascido no
romantismo nos finais do século XVIII e que tem em Mozart seu tipo-ideal, ser reconhecido
principalmente, pelos homens de seu tempo, na arte musical. Em outras artes este
reconhecimento pelos contemporâneos é possível? – Dificilmente. Alguns exemplos: na
literatura, o nome de Arthur Rimbaud; e, atualmente, muitos poetas e artistas adolescentes da
contracultura, mortos por overdose, suicídio e outras mortes românticas, vêm sendo
“descobertos” pela crítica estadunidense e européia; nas artes dramáticas os “gênios”
costumam desaparecer quando adultos – no cinema, exceto pesquisadores e diletantes,
ninguém mais se lembra de Shirley Temple ou de Macaulay Culkin; e também no Brasil
temos essa miríade de atores-mirins que nunca mais ouvimos falar quando a telenovela
termina. Em suma, mesmo que consideremos a maioria dos artistas consagrados pela
genialidade precoce, tal reconhecimento, todavia, dá-se geralmente pelas gerações seguintes.
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O julgamento estético sobre música que encontramos nas análises de vários trabalhos
de sociologia, de crítica cultural dos grandes jornais e revistas culturais de prestígio são
julgamentos de gosto. Comparar uma letra de rap com uma composição tropicalista ou um
samba de Chico Buarque com uma música clássica para ‘medir’ o seu ‘valor’ estético é
infrutífero se quisermos uma compreensão objetiva das propostas que os diferentes estilos
musicais propõem para o enriquecimento da linguagem musical. Essas afirmações
ultrapassam o relativismo ingênuo e conservador. O importante a salientar é que antes de
fazermos uma comparação, é preciso saber se há a possibilidade objetiva de comparação.
(Comparar bananas com laranjas é possível na medida em que estamos interessados em
determinadas propriedades comuns a todas as frutas. Já as propriedades das bananas só podem
ser obtidas se compararmos elas mesmas.) Que um indivíduo não se identifique ou não
consiga fruir esteticamente a obra machadiana ou uma obra surrealista ou naturalista ou
qualquer outra, não significa que tais obras não tenham ou possuam um valor estético.
O julgamento de gosto tomado como um julgamento estético advém de uma nítida
confusão conceitual entre 1) ouvir e 2) escutar: “o primeiro inclui outros estímulos além da
música, e pode ser um acompanhamento para outras atividades. Escutar requer concentração,
restringindo-se somente aos estímulos musicais articulares” (Walton, 1972, p. 95-96; apud
Callado, 1990, p. 159)4 . É claro que na realidade essa diferenciação não aparece
concretamente àqueles que usufruem esteticamente uma obra musical. Mas, para o crítico que
se debruça sobre a música como uma importante prática cultural, no entanto, tal diferença é de
grande relevância. Mesmo quando muitos estudiosos afirmam não estarem interessados na
questão estética de um determinado fenômeno cultural (já que ultrapassa o seu campo de
análise), interessados apenas no significado e importância históricos ou em sua relevância
política, é difícil não encontrar em tais trabalhos análise estética que são na verdade
julgamentos de valor.
Um crítico literário não se debruça ante uma obra literária do mesmo modo que um
leitor interessado vai a uma livraria, adquire-a e a lê. Se assim o fizesse não haveria
necessidade de crítica literária (ou quaisquer outras críticas), de revistas de literatura ou
cursos universitários. O papel do crítico não se reduz a afirmar que a obra é influenciada pelo
seu contexto, etc., isso é óbvio. O que interessa saber é como esse contexto estrutura-se
4 Se na musicologia, como na sociologia, há muitas vezes uma infinidade de conceitos para falar sobre o mesmo fenômeno, tal distinção perpassa a disciplina e é importante para a avaliação estética de gêneros e estilos musicais. Quando um musicólogo (Schafer, 1991) sugere-nos um ouvido pensante, propõe-nos, sobretudo, uma educação musical que ultrapasse o mero ouvir, que escutemos.
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internamente no texto, isto é, como os indivíduos que produzem uma obra cultural captaram e
lidaram com as contradições de seu tempo. Era isso o que queria dizer Barthes (2002) quando
afirmou que o papel do crítico – como o do gourmet – é auxiliar o leitor a ler melhor, ajudar o
fruidor a ter mais e melhor prazer estético, e não simplesmente fechar a obra com conceitos-
chave de uma disciplina acadêmica. Obras, segundo o crítico francês, são como pratos;
precisamos aprender a degustá-las. Os julgamentos estéticos na crítica musical contemporânea
estão mais para os do leitor interessado do que para os do crítico com embasamento teórico.
A análise de uma obra deve ser feita dentro de sua proposta: qual é a sua recusa
estética e até onde ela chegou com vistas àquilo que propunha? Quanto maior o grau de
coerência e de aproximação aos objetivos propostos inicialmente, maior será a probabilidade e
possibilidade de uma determinada obra ser reconhecida e valorizada em termos estéticos5. A
sociologia já demonstrou a conexão entre um meio de expressão artístico – como a música ou
o teatro, por exemplo – e sua articulação com os grupos sociais que o produzem e o
consomem. O valor estético, para ser legítimo, também depende da articulação artista-obra-
público-instituiçoes-credibilidade. O fato de um artista ser valorizado numa época, esquecido
em outra, ou (re)descoberto posteriormente, exemplifica o argumento.
Porém, a crítica cultural, ela própria um produto da cultura, ao enfatizar que a sua
esfera, assim como as outras (a política, a economia, o direito) encarna os conflitos, discursos
e relações de poder no contexto histórico e social em que se apresentam, corre o risco de se
enforcar na corda que teceu para resgatar dos mares esfera cultural os agentes inconscientes
subjazidos no julgamento estético. Se ela questiona a (suposta) autonomia da estética, o valor
dessa última tende a subsumir seja com o argumento de que o sociólogo ‘não está interessado
no valor estético’ de um fenômeno cultural ou de um determinado meio de expressão
artístico, seja com o argumento de que a própria fragilidade da cultura na sociedade capitalista
indica a pouca relevância (sociológica) do valor estético intrínseco à obra. Para o sociólogo, o
valor estético não deve ser tomado como um campo diverso do seu e nem como tema
secundário do ponto de vista da disciplina. A Estética autonomizou-se6, tornou-se uma esfera
social com suas próprias regras do jogo, e o exemplo de tal emancipação são a enorme
5 A crítica aos músicos e poetas dos CPCs de barateamento da linguagem tem graus de injustiça. É preciso perguntar-se, antes de julgá-los indistintamente, quais deles conseguiram expressar esteticamente aquilo que propunham (a arte como política).6 Na ementa de um curso universitário de Estética, lemos: “O fio condutor do curso será a discussão de questões como as seguintes: o que é o prazer estético, o belo, qual a sua relação, se é que existe, entre sua produção e o meio em que é gerado, qual a relação entre forma e matéria dos objetos estéticos, que é arte, etc”. (Unicamp. Catálogo dos Cursos de Graduação, 2004, p. 564) [Grifo nosso]
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quantidade de livros editados anualmente em seu nome, as disciplinas universitárias que
levam o seu nome, os cursos de férias oferecidos em instituições com o seu nome, além,
naturalmente, dos especialistas chamados a opinar, em seu nome, sobre os ‘valores estéticos”
de uma infinidade de objetos a serem consumidos pela sociedade contemporânea.
Assim, ao desemaranhar-se o que é regido pelo senso comum, é preciso atentar-se para
não sermos ludibriados pelo senso comum do seu próprio meio – das categorias de análise das
disciplinas – e que pode ser ou mais ou menos sofisticado dependendo da posição dos
agentes. Talvez por causa de sua função negativa como “destruidora de mitos” (Elias, 1980) –
mitos modernos principalmente – a sociologia não tenha a simpatia de muitos, ainda que seja
preciso um contínuo exercício de reflexividade para que o destruidor de mitos não se torne
um novo mito, cegando-o para o conhecimento da realidade objetiva dos fenômenos
analisados.
A dicotomia cultura popular x cultura erudita, intrínseca nos trabalhos acadêmicos
sobre a(s) cultura(s), não dá conta da cultura consumida pelas classes sociais. Que há uma
polarização entre ambas, devido aos conflitos e tensões intrínsecos à esfera da cultura, é fato.
Porém, muitos músicos populares não fazem parte do gosto das classes populares; a música
popular de vanguarda poderia ser chamada antes de uma arte média. É um produto cultural
produzido por grupos e indivíduos intelectualizados de uma classe específica com um
interesse pela cultura popular (O programa TIM Festival de Música veiculado num canal de
TV é um dentre inúmeros exemplos; havia duas categorias de premiação: melhor cantor(a)
popular e melhor cantor(a) de MPB).
O fato de alguns indivíduos serem originários das classes populares não significa que
eles mantenham suas “raízes” populares7. Quando jovens de origens modestas chegam a
Universidade, socializam-se num novo ambiente cultural e a consomem. São quatro os tipos
de cultura discutidos, consumidos, prestigiados nos meios universitários, institucionais e
governamentais: 1) a cultura popular tradicional, isto é, de grupos sociais que buscam
preservar suas tradições (como as culturas caipira, quilombola e algumas indígenas) e que
parece servir de material exótico a estudiosos e diletantes da cultura folk; 2) a cultura das
classes populares urbanas, das quais os artistas daí originados (os músicos de estilos como
7 Quando A. Camus, numa polêmica com Sartre, argumentou com ares de ressentimento que ele, ao contrário do seu amigo, tivera uma infância difícil e origem proletária, o filósofo francês arrebatou, não exatamente com tais palavras, que hoje Monsieur A. Camus escreve, publica, vive em Paris; um dia ele foi das classes proletárias, hoje não mais; ontem era oprimido, hoje oprime, como Sartre; hoje, é um autêntico burguês, como Sartre. Essa retórica da lamentação de Camus abre muitas portas atualmente e vem fazendo sucesso na cultura contemporânea, principalmente nas artes audiovisuais (cinema, televisão e documentários).
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pagode, funk, sertanejo etc.) são rentabilizados pelos homens de negócios das grandes
empresas do entretenimento e da TV; 3) a cultura popular de vanguarda (como o tropicalismo,
bossa-nova), isto é, as artes das classes médias; 4) a cultura erudita, a cultura canonizada e
legitimada pela tradição. É incrível a distância entre as suas referências culturais concretas –
misto de cultura popular com a cultura de massa produzida pela indústria cultural,
desprezadas e mal-vistas nos meios universitários – com as discussões feitas sobre cultura
popular (folclore e a arte média) no meio acadêmico.
Técnica e sofisticação
A crítica do universitário intelectualizado à ‘pobreza estética’ de um gênero musical
como o rap também tem um fundamento sociológico de grande relevância: o predomínio da
racionalidade técnica. Sabe-se que uma das características da modernidade é a crescente
especialização e autonomização das diferentes esferas da vida social – economia, política,
cultura, direito etc. – e das inúmeras técnicas que produzem para adaptarem-se às regras do
jogo. Quanto mais um indivíduo tiver o domínio de uma especialização técnica ‘necessária ao
desenvolvimento social’, maior sua inserção e prestígio sociais; basta notar que os acadêmicos
e professores de hoje não tem nada em comum com o scholar anglo-americano ou maitre-
penseur francês tão comuns até os anos 1960, Se hoje sabe-se cada vez mais de cada vez
menos, o scholar era alguém que sabia não só de coisas, mas também das coisas e
especializava-se em um tema porque tinha (e era o que lhe permitia) uma formação não só
ampla, como sólida.
Essa especialização também ocorre na esfera da cultura com o surgimento, na
modernidade, do virtuose, o “artista profissionalmente educado para a execução virtuosa de
sua arte”, primeira e especialmente no seio musical (Weber, 1995, p.119). É nesse contexto
que também surge, por exemplo, os diferentes gêneros literários e artísticos com os seus
especialistas. Fala-se então no romance como uma técnica, nas técnicas da pintura,
posteriormente na técnica da fotografia e com o cinema as diversas técnicas e etapas na
elaboração de um roteiro, como na maioria dos livros especializados sobre roteiro adotada nos
cursos universitários de comunicação social e cinema e vídeo (onde encontramos sempre um
capítulo intitulado As técnicas do Roteiro; O Roteiro e suas técnicas etc.). Assim é que o
crítico de cultura, independentemente de suas referências intelectuais e teóricas, pode falar ou
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escrever com entusiasmo de um artista (músico, escritor, pintor, bailarino) que ‘sua
genialidade advém dele dominar todas as técnicas de sua arte’ – e tal afirmação, aliás, é um
chavão tanto da crítica especializada quanto dos críticos-jornalistas (ou jornalistas-críticos) da
grande imprensa, chavão que está para a cultura do mesmo modo que os termos democracia e
participação estão para os partidos políticos (pois tanto o centro quanto a esquerda, a direita e
seus ‘extremos’ abusam do vocabulário). Se o conceito de progresso está relativamente
abalado hoje em dia, a legitimidade da idéia de se dominar uma técnica, salvo engano, jamais
foi questionada: o profissional técnico-especialista cada vez mais almejado na esfera do
trabalho e da economia, e o virtuose, cada vez mais aplaudido na esfera da cultura, são
indivíduos que desempenham o mesmo papel social nestas duas importantes áreas da
sociedade contemporânea.
Na produção de um rap não se exige uma sofisticação técnica. Não se exige dos atores
que eles dominem determinado tipo de instrumento, em suma que dominem uma técnica
instrumental. O único conhecimento técnico importante é a manipulação do aparelho sonoro
pelo Disc-Jóquei, o DJ; ele o manipula arranjando as bases rítmicas sobre a qual o compositor
de rap encaixa a sua letra. O rapper insere na base sonora das sessões rítmicas de uma música
já gravada as suas poesias; mais nada, absolutamente mais nada. Para o rapper, a questão da
originalidade (e talvez da autonomia) é secundária. Ele sabe da capacidade da indústria
cultural de absorver o novo transformando a (suposta) novidade em “mais do mesmo”. Se na
indústria cultural o novo vira pastiche, o rapper tenciona apropriar-se desse novo
pastichizado, isto é, das bases rítmicas de uma determinada música, com o intuito de
ressignificá-la. Ele se opõe ao virtuose, ao menos sob a perspectiva dessa análise. 8
Tal forma de produção musical conduz a crítica, muitas vezes implicitamente, ao
raciocínio de uma simplicidade (ou pobreza) estética. A crítica moderna estabelece uma
hierarquia de que quanto mais complexa do ponto de vista da técnica apresentar uma obra,
quanto mais se exigir do produtor cultural um pleno domínio técnico na elaboração de seu
trabalho, maior o seu valor estético: as noções de Mais e de Menos (em substituição às de
melhor, pior, bem feito, mal-feito) são termos quantitativos que imperam na crítica estética
contemporânea travestidos de conceitos qualitativos.
Também os jovens artistas que iriam fazer o tropicalismo tinham para si que a técnica
local (atrasada) era insuficiente para a realização dos seus trabalhos estéticos. Quando 8 Refiro-me aqui a esse exército anônimo de jovens que fazem o hip-hop no dia-a-dia e não aos grupos lançados pelas gravadoras para aproveitar o sucesso momentâneo de um determinado fenômeno cultural. Vide o trabalho de Silva, 1998.
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Caetano Veloso simula sua própria morte em uma de suas apresentações, ele não está apenas
frustrando a expectativa de violência das massas como queria Glauber Rocha (Estética da
Fome; Estética do Sonho). É a morte do atraso técnico e o louvor da tecnologia enquanto
extensão da técnica (como até hoje nos discursos de Tom Zé) para a “maior expressão” de sua
arte (a guitarra, os modernos instrumentos de sopro, os amplificadores etc.). Algo similar
ocorre na mesma época com o jazz. O jazz fusion (a fusão do jazz com elementos musicais
totalmente estranhos a ele) até hoje costuma dividir os seus críticos. Quando Miles Davis
(1926-1991), influenciado por Jimmi Hendrix e pela contracultura, talvez pela primeira vez na
história do jazz abusou dos amplificadores no trompete e abandonou o “estilo moderninho”
do jazzista – terno, gravata e sapato – por roupas ‘exóticas’ e/ou primitivas provindas dos
trópicos, ele causou verdadeiro espanto entre os admiradores do gênero. Winton Marsalis nos
anos 1980 chegou a reivindicar uma volta às tradições autênticas (sic!) do jazz, e L.F.
Veríssimo, por exemplo, escreveu em algum lugar que parou de ouvir jazz quando Miles
Davis começou a usar sandálias. Embora o ‘estilo’ Miles Davis tenha sido incorporado pela
indústria cultural nos anos seguintes, o importante a ser notado é o fato de que a juventude,
tanto no primeiro quanto no terceiro mundo, emerge historicamente enquanto um grupo social
específico, buscando referências (‘exóticas’) em outros países com a intenção do choque, e as
influências foram de ambos os lados e não via de mão única. O artista na periferia do
capitalismo com todos os seus complexos de inferioridade, mas também de aguça criatividade
(Ianni, 1977) ao reelaborar o que é velho, transformando-o em algo novo. É surpreendente
como essa influência recíproca é pouco citada pelos estudiosos do assunto (tanto brasileiros
quanto brasilianistas); isso talvez se explique pelo fato da noção de imperialismo cultural ser
tomada como algo dado a priori pela maioria dos estudiosos da cultura que se debruçam
sobre essa época.
A crítica ao “barateamento da linguagem” é, na verdade, a crítica do atraso das
técnicas então disponíveis como recursos para uma melhor utilização estética da linguagem.
A importância (estética) da forma para os concretistas na elaboração poética é também um
avanço na técnica que o poeta precisa dominar para expressar o mais virtuosamente possível
os seus desejos (e só se deseja o que não se tem). Lembremos aqui que o poeta é o não-
romancista, como o romancista é o não-poeta. Mesmo os escritores que dominam várias
modalidades da escrita costumam ser reconhecidos em apenas uma delas, geralmente naquela
em que ele conseguiu a máxima virtuosidade, segundo a crítica; a ideologia da especialização
técnica é de uma grandeza tal que a tendência da crítica cultural contemporânea é considerar
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a priori que “o artista” só pode dominar plenamente uma área. Basta notar os ganhadores do
Prêmio Nobel de Literatura nos últimos vinte e cinco anos: O romancista (Saramago); O poeta
(Derek Walcott); O dramaturgo (Dário Fo); O ensaísta (Elias Canetti) 9.
Se tivermos em mente a noção de técnica tal qual exposto não é difícil compreender
porque apenas com o uso de instrumentos musicais mais avançados tecnicamente (guitarras),
misturados aos seus instrumentos tecnicamente atrasados (geralmente de percussão), a música
de vanguarda – a MPB – procura romper com esse tão propagado e odiado “barateamento da
linguagem” por parte dos nacionalistas culturais. A crítica ao barateamento da linguagem feita
pelos virtuoses não se deve somente ao fato da ‘pobreza’ da linguagem, mas também à
finalidade prática (política) almejada. Com o processo de autonomização estética, na qual o
virtuose domina a técnica de sua arte por ela mesma, em si mesma, a técnica da arte pela arte,
a idéia de instrumentalizá-la, angustia-lhe a má consciência do cristão que peca e mesmo
muitos artistas politizados de seu tempo têm aversão aos usos práticos de sua arte e suas
obras. Assim como a esfera jurídica não aceita ser instrumentalizada para finalidades que
ultrapassem o seu domínio; assim como a esfera religiosa não aceita (em teoria) ser
instrumentalizada para fins políticos ou mundanos: “Dai, pois, a César o que é de César e a
Deus, o que é de Deus”, segundo o profeta religioso (Mateus 22:21); assim como as esferas
econômica e política não aceitam ser instrumentalizadas para fins religiosos; também o
virtuose (o Sol da esfera estética), salvo em regimes ditatoriais quando a própria vida está em
jogo, não aceita ser instrumentalizado por nenhuma delas: “A emoção pela emoção é a
finalidade da arte; e a emoção pela emoção é a finalidade da vida, assim como daquela
organização da vida com fins práticos à qual damos o nome de sociedade’. (Wilde, 1995, p.
39). Esse aforismo sintetiza toda a weltanschauung (“visão-de-mundo”) do artista, do esteta,
do virtuose em suma.
Isso é ainda mais nítido na arte contemporânea a partir dos anos 1970. Com o
esfacelamento dos projetos coletivos das vanguardas ocidentais no pós-guerra e sua
canonização através de prestigiados atores e instituições – museus, bancos, colecionadores – e
megaretrospectivas dos gênios artistas do modernismo (Picasso, Dali, Duchamp, Chagall,
Kandinski, Frida Kahlo, Os Muralistas latino-americanos) rodando as principais metrópoles
mundiais, vê-se o discurso reivindicador de plena autonomia: “Achille Bonito Oliva, no libelo
9 No século XX, a exceção talvez seja J-P Sartre que, salvo a poesia por razões intelectuais, dominou todas as modalidades da escrita: o romance, o conto, o teatro, o roteiro, o ensaio, o tratado filosófico. Todavia, ainda assim persiste uma oposição entre aquele que domina a técnica da narrativa e aquele que domina a técnica da poesia.
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A Transvanguarda, de 1979, caracterizou a produção artística dos anos 70 (...) pela ‘retomada
da posse da subjetividade do artista’ e pela ‘singularidade da obra criada’. O artista, com o
fim das poéticas vanguardistas que confinaram a obra à realização de um projeto (teórico e
coletivo), voltou-se, segundo Oliva, para seu ‘imaginário individual, sem preocupar-se com a
unidade e a coerência de seus trabalhos’. ‘Signos pessoais’ de sua história individual (seus
‘pequenos pensamentos e mínimas sensações’), acrescenta, foram associados livremente aos
‘signos públicos da história da arte e da cultura(...).’” (Fabbrini, 2002, p. 29). Em suma, não
há nenhum programa, nenhum romantismo, nenhuma utopia na arte ‘legítima’
contemporânea, e não é em vão que a crítica atualmente divida a arte em antes e depois das
vanguardas.
A virtuosidade da crítica
Tornou-se senso comum nas ciências humanas do século XX (sociologia,
historiografia, antropologia, crítica literária), em que pese as divergências teóricas e estilos de
pensamento, a afirmação de que o produtor cultural (o ‘artista’) não se faz apenas por si, por
seus méritos somente, mas depende de outros agentes e instituições que lhe servirão de
alicerce até que ele consiga ‘aguentar-se sobre os próprios pés’. No entanto, pouca atenção foi
dada ao fato de que não só os agentes – instituições e críticos – são indispensáveis para que se
forme e se eduque o virtuose, como também o próprio virtuose forma o crítico especialista de
sua área (literatura, música, artes visuais, cinema etc.). O virtuose precisa ser reconhecido por
uma crítica, ao menos inicialmente, também virtuosa. Poucos intelectuais compreenderam tão
bem essa relação de subjetividade/objetividade quanto Júlio Cortazar; em ‘O Perseguidor’, a
relação do virtuose (um jazzista no auge da maturidade e expressão artísticas) com o seu
crítico e biógrafo é de uma intensidade tal que esse último torna-se virtuosamente dependente
do ethos do primeiro. O crítico vive dele, nele, para ele. Mas, a idéia de uma crítica virtuosa
vinda à luz pelos nexos (históricos, estéticos, afetivos, políticos) de sentido que amarraram
um ao outro, ganha importância na medida em que essa relação é socialmente reconhecida
pelos diversos sujeitos e grupos tanto pertencentes aos diversos domínios da esfera cultural
(música, literatura, cinema, dramaturgia etc.) e ‘cientificamente’ legitimada pela academia
(pelos estudiosos das ciências humanas e das artes). (Atualmente, os agentes e instituições que
formam a esfera da cultura são: os próprios artistas que fazem a cultura; as instituições
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culturais privadas e seus intermediários como curadores e/ou marchands que negociam e
avaliam a cultura dos artistas; os colecionadores, que especulam e enriquecem com ela (vide
os leilões); o Estado que, por intermédio de incentivos fiscais, financia o seu
desenvolvimento; as empresas que, além de agregar valor simbólico às suas marcas através
dos produtos culturais (filmes, peças, livros, exposições, catálogos etc.), também agregam
valor material, pois podem abater o investimento no pagamento de impostos; e por fim os
acadêmicos que estudam a cultura enquanto mais uma esfera social relativamente autônoma,
ao lado de outras – econômica, política, jurídica etc.)
Assim é que se fala (e falar é instituir aquilo de que se está a falar) de que todo grande
pensador tem um artista (virtuose) a quem admira e a quem de certo modo lhe forneceu
subsídios tanto para a formação de seu pensamento quanto para o seu prestígio enquanto
especialista de determinada área. Fala-se então em Marx e seu Balzac, em Lukács e o ‘seu’
Thomas Mann, Adorno e o ‘seu’ Beckett, Bourdieu e o ‘seu’ Flaubert, Antônio Cândido e o
‘seu’ Graciliano Ramos, Benjamin e o ‘seu’ Baudelaire, Sartre e o ‘seu’ Genet, Schwarcz e o
‘seu’ Machado de Assis, Alice Walker e a ‘sua’ Zora N. Hurston, E.P. Thompson e o ‘seu’
William Morris, Foucault e o ‘seu’ Borges, e, porque não, Arrigucci e o ‘seu’ Cortazar; a lista
é grande. E tanto o aspecto qualitativo da interpretação, quanto o aspecto quantitativo, isto é,
a própria forma material sobre a qual se apresenta a interpretação do crítico em relação ao
virtuose pode causar um grande efeito. Em palestras, cursos e artigos são freqüentes
entusiastas, mais da crítica que dos autores criticados, falarem nas “monumentais 600
páginas’ que Sartre dedicou a Jean Genet, nas “incríveis 900 páginas” da biografia de E.P.
Thompson sobre o poeta W. Morris, ou nos ‘belos e enxutos’ ensaios de Antônio Cândido
sobre Graciliano Ramos etc.
A virtuosidade da crítica é histórica, podendo ser superada por outros críticos num
determinado período, senão superou os críticos da geração anterior, enquanto outras vencem a
“tirania do tempo”. Um exemplo de êxito é o livro de Edmund Wilson (2004) sobre o
simbolismo, até agora insuperável. Por outro lado, que estudante hoje conhece ou lê, dentre
outros, Tristão de Athaíde ou J-P Sartre, grandes críticos de suas épocas? Um problema que
carece de análises e estudos é o desnível entre a importância que determinados autores
tiveram em sua época e o ostracismo no qual suas obras desvanecem no curso de apenas uma
geração (ou menos). Mas essas observações também não significam que determinado crítico
tenha se debruçado somente sobre o ‘seu’ autor, ao contrário a produção e interesse intelectual
desses críticos costumam ser amplo como pode ser notado pelas suas bibliografias. A nossa
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leitura – fruição estética – está impregnada da leitura virtuosa de determinados críticos.
Quando muitos intelectuais afirmam que Balzac compreendeu como poucos as contradições
sociais de seu tempo (Berlinck, 1984, p. 59), tal afirmação está baseada, por exemplo, na
leitura (virtuosa) de Marx sobre o escritor; os intelectuais, quando lêem o autor francês, já
estão armados dessa premissa, ainda que não se dêem conta. Poucos se debruçaram sobre pelo
menos um terço dos quinze volumes da Comédia Humana. Que Marx, aliás, tenha afirmado
ou escrito algo sobre ele – algo verdadeiro ou falso, bom ou mau – é secundário para o nosso
argumento; o que é relevante é o fato de sua interpretação ser reconhecida enquanto tal,
enquanto um autor à altura do escritor, um crítico à altura do virtuose, em suma.
Também poderíamos listar no cinema, nas artes plásticas e no teatro uma infinidade de
críticos com os ‘seus’ artistas: o diretor e o ‘seu’ dramaturgo, o diretor e o ‘seu’ ator etc. Ou o
regente de uma orquestra com o ‘seu’ compositor e até mesmo o crítico musical com o ‘seu’
regente e a ‘sua’ cantora lírica. Também na música popular isso é visível. 10 Os exemplos são
inúmeros e podem ser buscados ao longo de todo o século XX. Um exemplo de crítica
virtuosa que superou até mesmo a obra em análise é o ensaio Dialética da Malandragem, de
Antônio Cândido (1970) sobre o romance de João Manuel de Macedo, Memórias de um
Sargento de Milícias. Sobre a crítica que chegou a ser equivalente à própria obra do autor,
podemos citar Mikhail Bakhtin (1895-1970) e sua análise da obra de Dostoievski; o crítico
precisou romper com toda uma tradição de abordagem da crítica literária ocidental, e criar
novos conceitos, como o de romance polifônico, por exemplo, para dar conta da
grandiosidade de um virtuose. Que fique claro que as afirmações aqui de superação e
equivalência não são mera opinião nossa, e sim como essa crítica é reconhecida pelos seus
pares no universo cultural em que esses autores estão inseridos.
Isso não significa que tais críticos foram os únicos a interpretar a obra de determinado
autor, ou que só tenham se debruçado sobre ela, e a revelar aspectos antes ignorados; mas
antes que a virtuosidade de sua crítica (ou originalidade ou qualquer outro nome que se queira
dar) atingiu (ou assim foi reconhecida) um grau equivalente e muitas vezes até superior à
expressão virtuosa alcançada pelo virtuose em sua arte.
Músicos e músicas: questão de método
10 Um exemplo de crítica que se pretende virtuosa (mas mais emotiva do que analítica em nossa opinião) é o livro de Zuza H. de Mello (2004) sobre João Gilberto.
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A opinião de um jovem da Geração MTV sobre música de concerto será
provavelmente sobre a sua ‘lentidão’, a sua ‘velhice’ e mesmo muitos, senão a maioria, dos
indivíduos intelectualizados das classes médias não habituados à música de concerto, por não
fazer parte do seu gosto, também concordariam, mas dificilmente o diriam explicitamente
numa pesquisa, por causa da perda de prestígio e do ‘vexame da ignorância’. O músico
erudito, por exemplo, nem se posiciona sobre um gênero como o rap, como anteriormente não
se posicionava sobre o jazz, por exemplo, segundo o historiador Eric Hobsbawn (1998, p.
355) quando afirmou, por exemplo, que nenhum outro autor escreveu tantas idiotices sobre o
jazz quanto Adorno (músico erudito). O historiador tem razão quando aponta muitas idiotices
escritas sobre o jazz pelo sociólogo alemão, mas suas ressalvas quanto a abordagem
sociológica da cultura advém antes de tudo das diferenças de abordagem de um mesmo
fenômeno – a cultura – pelo sociólogo e pelo historiador. O interesse do historiador é
reconstituir, num determinado período histórico, as práticas culturais de um determinado
agente e/ou o significado histórico de um determinado fenômeno cultural. O sociólogo da
cultura tende a ir diretamente para a análise de uma determinada prática ou fenômeno cultural,
buscando compreender através delas as ‘matizes universais’ que regem a sociedade que
permite com que esses fenômenos/práticas aconteçam. Quando o historiador Eric Hobsbawn
debruça-se sobre o jazz, o seu interesse é saber como esse fenômeno cultural originário de um
grupo subalterno conseguiu inserir-se e ganhar espaço na corrente principal (mainstream) da
‘boa música’ no Ocidente. Uma das razões históricas é a própria posição hegemônica dos
EUA, que contribuiu para o desenvolvimento e expansão do jazz, além desse gênero ter sido,
segundo o autor, a grande contribuição americana para a música popular de vanguarda. Os
escritos de Adorno sobre o jazz não refletem apenas a mera “recusa estética” desse gênero,
para o qual nunca teve simpatias; visa apenas, tomando-o como ponto de partida, demonstrar
um fenômeno novo no mundo moderno: a indústria cultural. Ele não se debruça sobre o jazz
enquanto uma prática cultural específica de um grupo social específico porque não é esse o
seu foco. Quem quer que tenha lido os seus textos sobre o tema notará que não há referência
alguma sobre as personalidades jazzísticas, os estilos ou composições. Muitas das polêmicas
que se alastram entre historiadores e sociólogos advêm, talvez, do fato de lermos os trabalhos
uns dos outros, escritos de uma perspectiva diversa da nossa, a partir da nossa própria
perspectiva – historiográfica ou sociológica.
Referências
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Hassler
DIREITOS HUMANOS E HOMOSSEXUALIDADE: CONQUISTAS E DESAFIOS –
UMA CONTRIBUIÇÃO
HOMOSEXUALITY AND HUMAN RIGHTS: ACHIEVEMENTS AND CHALLENGES
– A CONTRIBUTION
Márcio Luís Hassler11
Resumo
Este artigo se apresenta como uma contribuição à discussão da questão dos Direitos Humanos
relacionados à homossexualidade, através de uma revisão de literatura, abordando as
conquistas já realizadas, principalmente por grupos de referência em lutas organizadas, como
os diversos Grupos LGBT existentes Brasil afora, bem como levantar desafios que ainda
existem em nossa sociedade, marcadamente heterocentrista, com situações de preconceito e
discriminação que muitas vezes não são mostradas, ouvidas ou discutidas. Faz-se necessário
“tirar o pano” que esconde esta problemática tão presente em nossa sociedade, para que isso
seja mostrado e visto por todos, pois a homossexualidade se faz presente em nossas casas,
escolas, trabalhos, faz parte de nossas vidas.
Palavras-chave: Homossexualidade; Direitos Humanos; Sociedade.
11 Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Ensino Fundamental e Médio na Rede Pública Estadual em Curitiba/ PR e na Rede Pública Municipal em Araucária/ PR. E-mail: [email protected]
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Hassler
Introdução
É importante problematizar a questão da homossexualidade enquanto vista no âmbito
dos Direitos Humanos. Já cientificamente comprovado, a homossexualidade não é mais
considerada uma opção, como era considerada há algumas décadas atrás, sendo até mesmo
considerada uma doença. Ninguém opta em ser homossexual do mesmo modo como ninguém
optou em ser heterossexual. Simplesmente a pessoa começa a sentir atração afetiva e/ou
sexual por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto ou pelos dois sexos, geralmente essas
manifestações ocorrem na adolescência ou na juventude, sendo que alguns estudiosos ainda
afirmam que essa orientação pode ser definida ainda na infância.
Em nossa sociedade, marcadamente heteronormativa , o que se observa é a imagem e
mensagem de um casal heterossexual sendo colocada como sendo a correta, durante a
socialização formal e informal nos diferentes períodos de formação identitária da pessoa. O
que foge a esta regra é considerado errado e não deve ser seguido, deve ser excluído,
escondido.
Assim sendo, as pessoas, em sua adolescência, que manifestam desejos afetivo-sexuais
predominantemente voltadas à pessoas de mesmo gênero sexual, sentem-se perdidos,
oprimidos, pois sentem que estão fazendo coisas erradas e precisam lutar contra esses
sentimentos que surgem naturalmente, sem controle próprio.
Os modelos de família, de masculinidade e/ou de feminilidades colocadas em nossa
sociedade são construções históricas e sociais que se baseiam em valores instituídos pelos
próprios componentes dessa sociedade. Não são valores naturais e historicamente
incorporados, pois vão se modificando de acordo com conquistas realizadas sobretudo pelos
grupos minoritários, geralmente aqueles que se mostram diferentes e não se encaixam nessa
sociedade.
De acordo com Mott (2009) os homossexuais representam tão somente 10% da
população porque vivemos numa sociedade ditatorialmente heterossexista, posto que as
únicas imagens e mensagens bombardeadas na socialização formal e informal das novas
gerações é a do casal heterossexual.
Dessa forma se colocam os conflitos, por um grupo de minorias não aceitas numa
sociedade predominantemente heterossexual que não respeita a homossexualidade como
sendo algo natural. Como já dita a Declaração universal dos Direitos Humanos todo homem e
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Hassler
toda mulher tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Independentemente do sexo, da cor, da idade, do credo, do país, do grau de escolaridade ou
até de grande cidadania, sendo gente – apenas gente, todo homem e toda mulher são pessoas.
E devem ser reconhecidos como tais na vida de casa e da rua, na família e na sociedade, no
trabalho e no lazer.
Os Direitos Humanos e sua instituição
Os Direitos Humanos, entendidos a partir de seu caráter universalizante e de sua
proposta de realização plena da Humanidade, são referência legítima à limitação de Poder e se
prestam a nortear condutas em diálogos interculturais e intergeracionais.
O que hoje chamamos de direitos humanos fazem parte de uma construção histórica,
de muitas lutas e conquistas que foram expressas pela primeira vez em sua forma atual na
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Declaração Universal dos Direitos
Humanos, 2009). Ela surgiu da preocupação de criar um código de conduta internacional que
diga quais são os “direitos fundamentais da pessoa humana”, que expressam o mínimo
necessário para viver com dignidade. Em outras palavras, os Direitos Humanos surgiram ao
mesmo tempo como ferramenta e como objetivo da luta por uma vida digna. Como
ferramenta porque, através da idéia de direitos humanos, somos capazes de entender os
problemas de nossa realidade. E também são objetivos, pois os direitos humanos também
precisam se tornar realidade, para que as pessoas vivam com dignidade.
Atos de violência e atrocidades, que hoje chamamos de violações de direitos humanos,
fazem parte da história da humanidade – e do Brasil também. Desde o massacre e
escravização dos povos indígenas, assim como dos povos africanos, mesmo a história de um
País jovem como o Brasil é cheia de episódios trágicos e violentos. A Declaração Universal
dos Direitos Humanos (2009) somente foi criada em 1948, como forma de reação contra as
atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu, entre outras
atrocidades, o genocídio de judeus e outras minorias nos campos de concentração.
A Segunda Guerra Mundial foi o grande motivo para a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU), para a revisão das leis que regem as guerras (as Convenções de
Genebra) e a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. A Declaração
foi elaborada também com o propósito de substituir um sistema de proteção às minorias, que
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foi criado depois da Primeira Grande Guerra, mas que se mostrou inútil contra as atrocidades
cometidas na nova guerra. Era necessário estabelecer uma nova forma de os países e as
pessoas se relacionarem.Corpo do texto.
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos
direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade
de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade
foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum, Considerando
essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que
o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a
opressão, Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas
reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no
valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma
liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a
desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos
humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais
alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, A Assembléia Geral
proclama A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que
cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração,
se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos
e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e
internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e
efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos
dos territórios sob sua jurisdição (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS, 2009- Preâmbulo).
A partir do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, podemos listar
os princípios por trás dos direitos humanos como sendo Dignidade, Igualdade, Liberdade e
Justiça. Os direitos humanos nascem do reconhecimento do valor e da dignidade da pessoa
humana. Essa dignidade de todas as pessoas significa que o ser humano vale pelo que é, por
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ser humano, por ser pessoa. Esse valor é inegociável. Não pode ser comprado ou vendido.
Todo ser humano merece respeito. Todo ser humano tem Direitos Humanos.
Após a Declaração Universal de 1948, os Direitos Humanos produziram uma “nova
cidadania”, cuja titularidade é desprendida de um território, tornando os homens não mais
cidadãos de um Estado, mas sim cidadãos de direitos, assim reconhecidos onde quer que
estejam (BOBBIO, 2004). Deste modo, ao falarmos de “cidadania plena”, não nos referimos a
uma completa pertinência a um determinado Estado, e sim a um pleno exercício de direitos,
independente do lugar social e dos laços de pertença.
Do ciclo vital nascimento-crescimento-reprodução-morte derivam estes direitos
básicos, embora com variações aduzidas pelo tempo e pelo espaço (ARAÚJO, 2005).
Homossexualidade e Direitos Humanos
Pacificamente admitidos os direitos à vida, à igualdade, à alimentação, e cada vez mais
firmemente defendido o direito ao envelhecer com segurança e dignidade, o reconhecimento
do direito à liberdade em sua dimensão dos direitos sexuais como um direito humano ainda
encontra barreiras, o que restringe a “cidadania” dos indivíduos.
Direitos sexuais “... são direitos humanos universais baseados na liberdade inerente,
dignidade e igualdade para todos os seres humanos. Saúde sexual é um direito fundamental,
então saúde sexual deve ser um direito humano básico” (WAS, 1999). Direitos sexuais e
direitos humanos têm vínculos para além da saúde: de acordo com Armas (2008), eles
refletem igualmente em habitação, alimentação, emprego, vida privada, segurança pessoal,
liberdade, integridade física, educação para/sobre sexualidade, respeito, planejamento
reprodutivo e realização pessoal.
Para Rios, “... a idéia de direitos sexuais na perspectiva dos direitos humanos aponta
para a possibilidade do livre exercício responsável da sexualidade...” (2006, p. 72). Tais
direitos foram originalmente relacionados à preocupação com a situação subalterna da mulher
e conectados muito intimamente com os direitos reprodutivos, mas vêm sendo agora
reformulados para uma compreensão mais emancipatória e inclusiva, a partir do que Rios
(2006) denomina “direito democrático da sexualidade”.
De acordo com o Artigo 5º da Constituição Brasileira (2000), “todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Sendo assim, não se justifica qualquer
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tratamento de forma diferenciada em razão de adoção de credo, orientação sexual, opção
política ou classe social.
O que se vive, porém, independente da existência da Constituição federal, é que as
pessoas de uma orientação sexual diferente daquela estabelecida pela sociedade
heteronormativa que vivenciamos, como Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e
Transgêneros, não são vítimas só de discriminação na escola ou no trabalho, mas são também
perseguidas e muitas vezes sofrem até agressões físicas, apenas por sua orientação sexual ser
diferente do agressor.
A III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e
outras formas correlatas de Intolerância, conhecida como Conferência de Durban que
aconteceu em 2001 na África do Sul, discutiu como a orientação sexual é uma das formas
mais graves de discriminação. No nosso país, o programa Brasil sem Homofobia do Governo
Federal apresenta um conjunto de ações destinadas ao combate às varias formas de violação
dos Direitos Humanos dos LGBTs.
Ainda hoje, ocorrem muitos casos de espancamento e tortura de gays e travestis. Por
isso os movimentos LGBTs têm organizado eventos como o Dia Mundial do Orgulho Gay,
que acontece em vários estados brasileiros, mobilizando milhões de pessoas para denunciar os
preconceitos e a violação dos seus direitos.
O artigo 5º da Constituição Brasileira, apesar de proibir qualquer tipo de
discriminação, não é explícito quanto à orientação sexual. Nesse sentido, algumas
constituições estaduais e leis municipais trazem avanços, graças aos movimentos de lésbicas,
gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, explicitando a luta contra a homofobia.
Podemos citar as constituições estaduais do Pará, Sergipe e Mato Grosso; e leis específicas de
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul; e outras leis de
proteção sexual criadas em mais de 80 municípios brasileiros.
A sociedade ocidental de hoje ainda é baseada na lógica patriarcal, cujas relações entre
homens e mulheres são marcadamente desiguais, resultando no domínio do masculino sobre o
feminino – é o que chamamos de masculinidade hegemônica. Essa desigualdade também
determina que o “correto” é o relacionamento heterossexual, onde a mulher torna-se objeto
social e sexual do homem. Qualquer manifestação que rompe com essa lógica
heteronormativa é rejeitada e torna-se alvo da homofobia.
De acordo com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal,
atualmente tramita no Senado o PLC 122/06 que criminaliza a homofobia. A aprovação dessa
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lei tornará crime qualquer ação praticada contra as LGBT’s. Porém a bancada evangélica tem
se manifestado contrária por condenar a homossexualidade e incentivado seus fiéis a ligarem
para o Alô Senado, serviço de ouvidoria do Senado, manifestando-se contra o projeto12.
Neste contexto, a abordagem jurídica da sexualidade é instruída pelos princípios da
igualdade, da liberdade e do respeito à dignidade e à diferença e não mais associada a um
grupo específico ou encerrada na proteção identitária deste grupo.
Existem dois princípios jurídicos aos quais Silva (2009) recorre e que, combinados, à
primeira leitura, soam opostos para fundamentar-se a respeito dos direitos sexuais: o princípio
da igualdade e o princípio da diferença. A conjugação destes princípios é realizada por Santos
(1997) em um “imperativo intercultural” que diz ser legítima a reivindicação da igualdade
quando a diferença inferioriza, assim como legítima é a reivindicação do direito à diferença
quando a igualdade descaracteriza.
De mesmo modo, Fraser questiona se “¿requiere la justicia el reconocimiento de lo
que distingue a indivíduos o grupos, por encima del reconocimiento de nuestra humanidad
común?” (2006, p. 49, in SILVA, 2009) para em seguida responder que os “remédios”
ajustam-se aos danos: nos casos em que um reconhecimento errôneo a indivíduos ou grupos
suponha a negação dessa humanidade que nos é comum, então a solução é a busca por este
reconhecimento universal; por outro lado, quando este reconhecimento errôneo nega-lhes os
caracteres distintivos, o “remédio” há de ser a busca do reconhecimento desta especificidade.
A sustentação dos direitos sexuais é conferida ao princípio da liberdade e ao princípio
democrático por Rios:
Liberdade e igualdade, princípios básicos das declarações de direitos humanos e do
constitucionalismo clássico seriam esses princípios cuja afirmação implica o
reconhecimento da dignidade de cada ser humano de orientar-se, de modo livre e
merecedor de igual respeito, na esfera de sua sexualidade (...) [e a efetivação do
princípio democrático na esfera da sexualidade] aponta para a garantia da
participação dos beneficiários e destinatários das políticas públicas a serem
desenvolvidas, participação essa que abrange a identificação dos problemas, a
eleição de prioridades, a tomada de decisões, o planejamento, a adoção e a avaliação
de estratégias (2006, p. 83).
12 Dados da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, on-line, acessados em 20/07/2009 a partir do site: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/
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A eficácia das políticas públicas a serem desenvolvidas no âmbito dos direitos sexuais
está condicionada à participação de seus potenciais beneficiários e destinatários (princípio
democrático). Decisões políticas que afetem à coletividade devem ser por ela discutidas, a fim
de que sejam realmente inclusivas e representativas. As iniciativas de advocacy13, a
organização de plenárias, seminários, abaixo-assinados, a mobilização de associações e redes
de parceria, etc. são, neste sentido, tentativas de estabelecer uma voz protagonista.
Voz protagonista essa que, entre os homossexuais tem se mostrado num constante
crescimento numa incessável luta. Há alguns anos atrás ninguém imaginava passar pela
experiência de olhar para o lado e, então, encontrar um coleguinha chamado Mário maquiado
com o batom da Valquíria. Todavia, quem disse que isso não é a realidade de hoje? A
homossexualidade foi tirada da condição de “doença”. Fez-se da preferência sexual e, junto
com ela, a opção pela identidade social geral, uma questão de decisão individual. Chegou-se,
inclusive, a promover leis de proteção a tais opções, como extensão básica de direitos liberais
em uma sociedade democrática. Tem-se caminhado duramente nisso tudo.
Ao mesmo tempo, tem-se contado com o apoio de toda a plêiade de grupos que se
encaixam no guarda-chuva do título das paradas do “Gay Proud”, no sentido de não deixar
com que essa luta se torne algo vingativo e “sem espírito”. Assim, em termos apropriados,
quando do tempo do filme “Filadélfia” era preciso se conter e não usar a expressão “bicha
louca”, já nos tempos em que estamos vivendo, o do “Breakfast in Pluto”, qualquer
homossexual com quem se conversa usa a expressão “bicha louca” sem achar ofensivo. O
movimento gay fez mais que outros movimentos sociais neste aspecto semântico: conseguiu
vitórias sem precisar, com isso, vestir terno e gravata, perder o “espírito”.
Não existe incompatibilidade em considerar os princípios – e, consequentemente,
recrutá-los como ferramentas de descrição, crítica e mesmo aplicação do Direito – em uma
ordem positivista (CARRIÓ, 2004). Ainda uma concepção de positivismo como o que está
formalmente estabelecido permite que para além das regras específicas haja regras-standards,
que não requerem uma conduta determinada de seus destinatários; standards e regras estritas
têm textura aberta e não apresentam, na realidade, diferença lógica entre si:
13 Advocacy é a busca de apoio para uma determinada causa, através de estratégias de comunicação que conquistem tomadores de decisão, formuladores de políticas e pessoas em posições de influência, a fim de promover mudanças em atitudes, políticas, leis, implementação de programas visando à melhora da situação dos afetados por esta causa específica (Ver ABGLT- Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Guia de Advocacy no Legislativo para GLBT - Projeto Aliadas. Curitiba: ABGLT, 2007).
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não é certo que todas as regras [ao contrário dos princípios] são sempre aplicadas da
maneira “tudo ou nada”. Tampouco é certo que as regras permitem, ao menos em
teoria, enumerar de antemão todas as suas exceções. Para isso se haveria de
imaginar todas as circunstâncias possíveis de aplicação, o que é inviável. Por outro
lado, o conflito entre regras nem sempre se resolve negando a validade de uma
delas; muitas vezes é mister fundamentar a decisão em algo muito semelhante ao
“peso”... (CARRIO, 2004, p. 226).
É neste contexto que, faltando a regra específica ou faltando clareza à regra, revela-se,
à luz dos princípios de Direito positivo, a norma jurídica. Admitir esta possibilidade abre
caminhos para a construção de novas legalidades baseadas no Direito (SILVA, 2009).
Ao situar os princípios no direito pressuposto (aquele que brota na sociedade à
margem da vontade individual dos homens, servindo de inspiração, base e limite para a
atuação do Estado quando o transformará em direito posto), Grau (2005) esclarece que, por tal
razão, eles são desde sempre positivados, fazendo parte do sistema, embora em estado de
latência.
No mesmo sentido, defender a dialogicidade na construção destas legalidades não
importaria também a negação do positivismo jurídico atual. O Direito, mesmo para o
positivismo, é mais que uma simples ordem e não lhe bastam o hábito e a identidade de
comportamentos, sendo imprescindível um pensamento crítico que lhe garanta
reconhecimento (HART, 2004a).
Usualmente, “...a sexualidade só emerge no espaço público quando acompanhada de
uma grande ameaça; no primeiro caso [direitos homossexuais], a Aids; no segundo [aborto],
‘a explosão demográfica’” (CARRARA ; UZIEL, 2005, p. 10). Ademais, direitos sexuais e
reprodutivos tradicionalmente são tratados na esfera da regulação e do controle e não da
emancipação. Assim, discutir a ampliação de um catálogo de direitos e a titulação de novos
sujeitos de direitos implica assumir que o lícito e o ilícito, o “contra” e o “conforme” o Direito
não são dados estáticos, mas social e historicamente construídos (ÁVILA, 2005); promover
tal ampliação dentro do Direito positivo equivale a reconhecer que o Direito é completo, mas
não no sentido do dogma formalista da plenitude jurídica e sim naquele que compreende que a
todas as questões jurídicas é possível responder através de idéias ou critérios jurídicos, seja
através de uma interpretação iluminada por princípios, seja em uma decisão integradora
baseada em analogia ou mesmo em valoração pessoal do agente competente pelo seu especial
posicionamento (ENGISH, 1996).
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Nas palavras do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr, em e-mail circulado pela rede mundial
de internet, explicita um pouco mais sobre a questão da construção social do gênero, onde,
segundo ele:
O filho ou a filha “gay” não deveria ser amado ou amada “apesar de gay”. Está na
hora de invertermos a seta e amarmos os filhos pelo desempenho social que eles
prometem em favor de nossa utopia de uma sociedade em que seremos “versões
melhores de nós mesmos”. Veja, não estou pedindo amor incondicional. Estou
pedindo bem menos! Sendo assim, imagino que na hora em que um filho ou filha se
põe na defesa de sua identidade social, isso pode e deve ser um orgulho para o pai.
O verdadeiro pai é aquele que consegue dar um passo além de sua própria pele
semântica e, então, ver que seu filho, ao “sair do armário” e se redescrever como
gay, antes de tudo, é uma pessoa de coragem. Mesmo nos tempos atuais, uma pessoa
assim ainda é uma pessoa de coragem – e muito! Pois, por mais que existam leis
contra a homofobia, quando alguém se redescreve como gay e, então, põe no jogo
social uma nova semântica em relação a si mesma, o que se está dizendo ao mundo é
um recado filosófico: eu sou suficientemente inteligente e corajoso para abraçar a
contingência. Nos termos de Nietzsche: eu sou aquele que vive o amor fati.
A noção de amor fati, em Nietzsche, está longe de ser a “resignação” de Max
Weber. Amor fati é amor aos fatos, amor ao destino. Não se ama o destino
aceitando-o. Não se ama os fatos tomando-os como pedras na cabeça atiradas por
Saturno. O amor, neste caso, é o amor de poder viver e, então, passar pelas
experiências que só os vivos passam. Uma vez gay, viver isso é uma experiência
fantástica. Mas, é algo de coragem, pois se o desconhecido se abre: o que
acontecerá comigo? Serei menosprezado? Terei dificuldades na escola e no
emprego? E meu pai? Sim, são essas as questões que o adolescente enfrenta.
Principalmente esta: e meu pai? Diferente de outro adolescente, que vai cumprir seu
“Édipo” em “em CNPT”, o adolescente gay sabe, muito bem, que ele pode
sucumbir. Ela sabe que poderá não suportar e, então, em dado momento, terminar
como outros seus colegas, no suicídio.
O pai deveria ser o primeiro a jamais deixar isso ocorrer. O pai dá a vida através do
espermatozóide, deveria, então, mantê-la. Não deveria tirá-la. Vi pais vindos da zona
rural, completamente brutalizados pela vida, terem orgulho de seus filhos gays. Vi
pais urbanos, escolarizados, colocar sob tortura e morte um filho gay
(GHIRALDELLI JR, 2009).
De acordo com Pereira (2008) nos últimos anos surgem trabalhos acadêmicos em
diversas áreas que explicitam novas configurações familiares não mais baseadas na estrutura
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“pai versus mãe versus filhos”. Grossi apresenta “novas” configurações familiares contidas na
literatura cientifica francesa e estadunidense:
Há muitas formas de um homem homossexual viver a paternidade (...) o primeiro
tipo, mais comum, é o de pais homossexuais que tiveram filhos numa relação
heterossexual. O segundo tipo de filiação é por adoção, o que em geral é um
processo muito complicado para homens sozinhos. Uma terceira forma, mais rara, é
o uso do ventre de aluguel, quando um homem paga uma mulher para ter a criança
para ele (ou para um casal de gays). Finalmente, uma ultima possibilidade que me
parece a mais rica como modelo teórico, é o caso de parentalidade envolvendo no
mínimo três adultos. Em alguns casos, trata-se de dois casais (dois homens e duas
mulheres) que resolvem ter filhos juntos, e resulta em uma família que tem duas
mães e dois pais. As crianças são criadas entre duas casas, onde em uma tem dois
pais e na outra duas mães. Um outro tipo de arranjo é um casal, e ai pode ser ou um
casal de duas mulheres, ou um casal de dois homens, com mais um individuo do
outro sexo. O casal escolhe aquele que vai reproduzir com uma das mulheres que
vão ter um filho; essa criança vai ter três adultos que a vão criar (GROSSI, 1995,
p.22).
Assim, pode-se perceber a quantidade de diferentes configurações familiares
homoparentais, ricas e plurais dentro do campo de análise das famílias homoafetivas.
Pereira ainda destaca outra discussão interessante apresentada por Tarnovski (2002,
p.48), sobre as famílias homoafetivas serem consideradas modelos “alternativos”:
Tem se tornado lugar-comum classificar as "famílias gays" como um tipo "novo" ou
"alternativo" de família. Kath Weston (1991), discutindo essa questão em relação ao
contexto estadunidense, faz ver que a proposição de que tais famílias seriam
"alternativas" parte de uma pressuposição questionável: a de que existiria um
modelo hegemônico de referência. Em outras palavras, para que algo seja
alternativo, terá que sê-lo em relação a um ponto fixo, fato que a autora contesta.
Nos Estados Unidos a família nuclear aparece como a construção privilegiada, em
detrimento das várias configurações divergentes observáveis.
Tarnovski sintetiza uma perspectiva critica sobre o que é alternativo nessas
configurações familiares. Pode-se questionar nessas “novas” configurações o que é,
exatamente, a existência da “novidade”, posto que é possível presumir que algumas dessas
configurações já existiam anteriormente, no entanto não eram públicas e notórias, até pelas
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poucas investidas acadêmicas acerca da temática, portanto, a pergunta que intitula este
subcapítulo “o que há de novo?” procura indagar se o que se configura como “novo” não seria
a própria idéia de olhar esses arranjos dentro da categoria de família. Será que este “novo” já
não era parte do cotidiano e estava imerso na invisibilidade por não se encaixar no modelo
construído e naturalizado como hegemônico? Essa indagação não pretende contestar a
validade dos trabalhos supracitados, apenas apontar para outra visão acerca dessas
configurações familiares, talvez sugerindo que a novidade está centralmente na visão destas
enquanto pertencentes a noção de família.
Não poderia deixar de mencionar, nessa perspectiva a homossexualidade enquanto
sexualidade humana. Em diversos estudos Mott aponta para o fato de que não há como negar
ou esconder a realidade de que diversas pesquisas científicas revelam que de cada quatro
famílias, uma tem um filho ou parente gay, lésbica ou transgênero, o que resulta num índice
de 25%, para os apreciadores de dados estatísticos. Embora essas esses dados estatísticos
sejam bastante raros e limitados, o Relatório Kinsey continua sendo a principal referência
para se calcular uma porcentagem a respeito da homossexualidade em nossa sociedade.
Segundo esse relatório, no Ocidente, por volta de 10% da população masculina e 6% da
população feminina é constituída por homens e mulheres predominantemente ou exclusivos
homossexuais (KINSEY, 1948; HART ; RICHARDSON, 1983; MIRABET ; MULLOL,
1985).
Dessa forma, nem todas as pessoas com quem se convive são ‘naturalmente’
heterossexuais. Além disso, uma pessoa, entre dez provavelmente não irá manifestar suas
tendências ou demonstrar que pratica o homoerotismo, o fazendo, secretamente, dada a
intolerância e perseguição que ainda hoje pesam contra os homossexuais (MOTT, 2009).
Diversos estudiosos garantem que todos os indivíduos da sociedade nascem machos
ou fêmeas: a sociedade é quem os faz homens ou mulheres. A sexualidade humana não é fruto
do instinto, mas uma construção cultural. A psicologia também explica que entre os seres
humanos o desejo sexual é perverso e poliformo, fruto de uma paixão estética. A libido pode
encontrar satisfação não apenas na conjunção de dois aparelhos genitais diferentes, mas numa
gama quase infinita de arranjos erótico-sensuais, incluindo objetos ou animais, por exemplo
(FORD ; BEACH, 1952; GUERIN, 1980; SULIVAN, 1996 in MOTT, 2009).
Assim sendo, a sexualidade humana não é instintiva, mas uma construção cultural. A
cultura sexual humana varia de acordo com as diferentes sociedades e se modifica ao longo do
tempo dentro de uma mesma sociedade e não existe moral sexual natural e universal, portanto
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a sexualidade humana é amoral, no sentido de que cada cultura e sociedade determina, por
razões subjetivas e nem sempre salutares, quais comportamentos sexuais serão aceitos ou
condenados.
Existem ainda os que justificam o sexo apenas como forma de procriação, sem que ele
tenha a função de prazer, apoiando-se em argumentos religiosos para garantir a perpetuação
da espécie, culpando ainda os comportamentos famigerados e ousados das últimas décadas
como causa da crise pela qual passa a família tradicional e, indo mais além, atribuindo a esse
comportamento o surgimento de doenças como a Aids como uma forma religiosa punitiva.
Esquecem-se esses que o sexo, mesmo entre muitas espécies animais, não visa
exclusivamente à procriação e que muitos animais copulam fora do período fértil,
documentando-se a prática de relações entre animais de mesmo sexo em mais de trezentas
espécies do reino animal (WALLACE, 1983; DANIEL, 1977).
Considerações Finais
Assim como a família, a sexualidade humana é um conceito construído socialmente, e
que difere radicalmente de uma sociedade para outra, e mesmo em uma mesma sociedade
passadas algumas gerações, os comportamentos podem se modificar e o que ora não era
“aceito”, passa a ser “aceito” pela normatividade da sociedade.
As configurações familiares, por exemplo, são dinâmicas e não se adequam apenas ao
modelo heterocêntrico, ou aos modelos ditados pelos padrões religiosos.
Outro questionamento, embora não conclusivo, diz respeito à denominação “novos”
arranjos familiares em referência às famílias homossexuais (cabendo o questionamento aos
outros arranjos distintos): será que este “novo” já não era parte do cotidiano e estava imerso
na invisibilidade por não se encaixar no modelo construído e naturalizado como hegemônico?
A esta questão se colocam inúmeras outras questões que ainda ficam nas entrelinhas dos
discursos daqueles que lutam pela conquista de reconhecimento e do respeito à diversidade.
As respostas podem ser construídas ao longo do lento passar do tempo, onde se busca a
conquista de cidadania, onde se busca a conquista do respeito já garantido por leis instituídas,
porém não cumpridas.
Há uma polarização jurídica no parlamento brasileiro sobre o reconhecimento do
projeto de lei de união civil das relações homoafetivas entre a bancada religiosa (católica e
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evangélica), conservadora e a bancada favorável ao projeto. Por fim, é necessário reafirmar
que a aprovação de qualquer lei não ocorrerá apenas por interesse de parlamentares, mas a
partir da mobilização de movimentos, a exemplo das incansáveis lutas de grupos GLBTs
(Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
A construção de novas legalidades, especialmente a partir de direitos sexuais, exige o
resgate de conceitos e sua ressignificação: deixamos a cidadania baseada em território,
alcançamos a cidadania baseada em direitos, integramos ao Direito baseado em proteção
contra violações, um Direito baseado na promoção da realização, saímos da solidão para a
solidariedade.
Silva (2009) em suas pesquisas a respeito da conquista de direitos pelas minorias,
especialmente as minorias homossexuais, já fala da nova cidadania, em que as garantias ao
cidadão devem ultrapassar as fronteiras dos países, não dilui o dever de cada Estado; antes
reafirma o compromisso de todos os Estados com o bem-estar da humanidade (ÁVILA,
2002). Acrescer ao Direito o aspecto de promover a satisfação é recuperar seu papel no
desenvolvimento humano para além do modelo litigioso, reparador de danos ou punitivo de
transgressões. Expor anseios “invisíveis”, “inaudíveis”, torná-los públicos e conclamar a
participação de toda a sociedade à sua discussão é transpor a dicotomia minoria/maioria e
aceitar que, no espaço social, não há aflições solitárias, vedadas com isolantes, livres de
repercussões.
É preciso ter em conta que os direitos, conforme Pitanguy (2002), só adquirem
existência social na medida em que são enunciados em normas, legislações e tratados,
configurando o espaço da cidadania formal, mas que esta não pode ser confundida com a
cidadania efetiva, cuja fronteira não tem um traçado definitivo.
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Hoffmann-Horochovski
O TRABALHO NA/DA VELHICE
WORK AT/FROM OLD AGE
Marisete T. Hoffmann-Horochovski14
Resumo
O presente artigo tem por objetivo debater o processo de envelhecimento, especialmente a
relação entre velhice e trabalho. Desse modo, abordo experiências vivenciadas por integrantes
dessa geração, as ações realizadas para ocupar o tempo e a própria permanência no mercado
de trabalho, a despeito da aposentadoria. Por meio de memórias de velhos, com mais de 70
anos e residentes em Curitiba/PR, analiso a importância do trabalho na construção de
identidades e examino até que ponto sua manutenção e/ou a realização de outras atividades é
uma forma de estarem vivos, de manterem os laços, de compartilharem experiências e,
consequentemente, não se sentirem um estorvo para o grupo social.
Palavras-chave: velhice; trabalho; produtividade e utilidade.
14 Professora da UFPR (Setor Litoral); Doutora em Sociologia (UFPR) e pesquisadora do grupo Sociologia da Saúde (UFPR/CNPq). E-mail: [email protected]
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Hoffmann-Horochovski
Introdução
Nos últimos anos o processo de envelhecimento está ocupando um lugar de destaque
na sociedade brasileira, devido à redefinição demográfica15 e as consequentes implicações –
sociais, econômicas e culturais, entre outras – que ela promove. O aumento das pesquisas em
diversas áreas, dos debates e de ações no campo das políticas públicas e também da iniciativa
privada, que concedem à temática importância crucial, figuram como exemplo dessa crescente
visibilidade.
Num país que até muito recentemente preocupava-se basicamente com os jovens, há
esforços significativos de entender o fenômeno do envelhecimento. O silêncio é
gradativamente substituído por diversos discursos que dão voz ao velho e que lhe restituem a
possibilidade de ação. Suas formas de atuação, as experiências vivenciadas, os conflitos
geracionais, as atividades realizadas, as transformações físico-biológicas, a sociabilidade, a
situação econômica entre tantos outros, são alvos de profícuas discussões que procuram
esclarecer a complexidade do processo e propiciar ao seu protagonista condições dignas de
sobrevivência.
Apesar desses avanços, há ainda muito que fazer no que tange à velhice,
especialmente no que se refere a romper com discursos estereotipados que apontam para uma
suposta homogeneização do processo e que acabam gerando discriminações àqueles que nela
não se enquadram. Discursos que idealizam a velhice ativa, “jovem” e saudável ou que a
consideram como um período de fragilidade, de descanso e de reclusão. Enfim, que
simplificam o processo de envelhecimento menosprezando sua complexidade e singularidade.
Esses discursos, fundamentalmente diferentes, são categóricos na questão da
aposentadoria. De um lado, esta reflete um período de novas conquistas e atividades, quando é
possível realizar os sonhos e desejos adiados no decorrer da existência; quando se pode
desfrutar os prazeres da “melhor” idade. De outro, é um período de descanso, mas também de
solidão, quando se vivencia dificuldades de diversas ordens – doenças, problemas materiais e
familiares, perdas de entes queridos, dificuldades financeiras, etc – dentro da “última” idade
(DEBERT, 1999; BEAUVOIR, 1990; ELIAS, 2001). Ou seja, a ausência de trabalho
possibilita a manutenção ou mesmo a construção de uma nova identidade ou, então, promove
uma crise identitária na medida em que estabelece uma ruptura com o outrora desenvolvido. 15 Dados demográficos revelam um crescente envelhecimento populacional, resultante da diminuição da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida. No Brasil, a média dessa expectativa em 2007 era de 72,57 anos, sendo 68,82 anos para homens e 76,44 para mulheres (IBGE, 2007).
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Hoffmann-Horochovski
Uma falsa dicotomia, passível de questionamento, se considerarmos a heterogeneidade
presente no processo.
Este artigo não pretende alargar este debate, mas defender que a velhice encerra uma
pluralidade de experiências (BEAUVOIR, 1990; BOSI, 2001) e que, por extensão, sua relação
com o trabalho, bem como com outras atividades, não é unívoca, nem total. Contudo, ressalta
que para muitos dos que integram atualmente a geração de velhos, o trabalho possui uma
centralidade nas suas vivências. Relatos de oito idosos – quatro homens e quatro mulheres
residentes em Curitiba/PR, com idades entre 74 e 86 anos – que discorreram livremente sobre
suas histórias de vida16, possibilitaram as reflexões aqui expostas.
Velhice e Trabalho: uma Relação Emblemática
Diferentes imagens, às vezes contraditórias, foram construídas em torno da velhice,
variando de acordo com o espaço e o tempo de cada sociedade. Imagens que reforçam que ela
é uma construção social, apesar de ser, em primeira instância, uma experiência individual. A
variedade figurativa permite, no entanto, pensar num ponto de convergência: as condições,
materiais e/ou simbólicas, que permitem a organização e a manutenção dos grupos sociais
foram decisivas na percepção da velhice e no estatuto conferido ao velho. Em outros termos,
parece haver uma relação direta entre as imagens construídas e os conceitos de produtividade
e de utilidade, entre velhice e trabalho – considerado aqui em sua amplitude moderna. Busca-
se, então, um breve panorama sociohistórico – apesar das dificuldades, sempre aludidas,
decorrentes da falta de dados documentais e dos limites etnográficos (BEAUVOIR, 1990) –
que possibilite refletir sobre como se processa essa relação na atualidade.
O respeito e a amabilidade que pareciam caracterizar a velhice em sociedades
primitivas foram há muito contestados ou, pelo menos, relativizados (DEBERT, 1999;
ELIAS, 2001). As diferenças em suas condições de sobrevivência refletem no papel
consagrado ao velho. Em algumas delas, onde a subsistência do grupo era central e duramente
conquistada, o estatuto outorgado ao velho estava ligado à sua produtividade e utilidade.
Quando não conseguia mais trabalhar no sentido de contribuir para a manutenção da
16 Essas histórias foram coletadas originalmente para a confecção de minha tese de doutorado, que versou sobre memórias de morte de velhos católicos. A importância dada ao trabalho e/ou a outras atividades desempenhadas por parte dos narradores, instigaram a elaboração deste artigo que foi apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia, no GT Gerações, realizado em Recife/ 2007.
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coletividade era “descartado” (morto ou abandonado) pelo grupo, mesmo que
ritualisticamente, pois não tinha mais serventia, era um “peso morto”; a continuidade do
social parecia requerer o término de seu tempo individual.
Em outras comunidades, onde a técnica, a magia e a religião eram de extrema
importância, improdutividade e inutilidade não necessariamente eram correspondentes. O
velho, improdutivo materialmente, poderia ser útil espiritualmente (manipulando os segredos
das artes mágicas e/ou se comunicando com seres do “outro mundo”) ou dando “conselhos”,
transmitindo as experiências e os conhecimentos adquiridos ao longo de sua existência
individual. A manutenção da coletividade exigia seus saberes e enquanto fosse capaz de
transmiti-los, contribuindo para com o grupo, era respeitado e “poupado”. É claro que o
respeito ao velho estava presente em algumas sociedades, a despeito de ser útil ou não
(BEAUVOIR, 1990).
Nas sociedades históricas novos elementos são introduzidos na construção social da
velhice aumentando sua complexidade. A relação produtividade/utilidade permanece, mas
conflitos geracionais e, principalmente, diferenças de classe social se tornam decisivos nas
representações produzidas. Na sociedade greco-romana, o velho proprietário, estabelecido na
esfera privada, exercia influência significativa na esfera pública. Considerado sábio contribuía
para a coletividade que, para se manter, precisava da força e coragem dos jovens guerreiros;
havia uma espécie de “equilíbrio” imposto socialmente entre o discurso e a ação, entre a
sabedoria e a força, ou seja, entre a velhice e a juventude. É importante destacar que num
contexto excludente e escravista, o velho pobre era, parafraseando Elias e Scotson (2000), um
outsider, que não mais produz ou contribui, tanto que as próprias fontes documentais não
fazem menção a ele; o que por si só é conclusivo (BEAUVOIR, 1990).
A sociedade medieval, por sua vez, exalta os valores juvenis de forma clara e precisa,
destinando ao velho, principalmente se pobre, um papel para lá de secundário; improdutivo,
inútil e fraco é desvalorizado (BEAUVOIR, 1990). Há de se considerar que em tempos antigo
e medieval, valorizava-se a política, a guerra e a oração; o trabalho que garantia a
sobrevivência material da coletividade era considerado indigno e realizado por escravos “sem
alma” e por servos que se dedicavam com afinco, pois temiam um castigo divino; ou seja, era
efetuado por pobres que quando envelheciam perdiam qualquer possibilidade de
reconhecimento.
O declínio do feudalismo, a ascensão da burguesia, o discurso liberal e a “revolução”
científica, começam a alterar significativamente o cenário que ganha novos contornos e é
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definido com a industrialização, a consolidação do capitalismo e a urbanização. As mudanças
nos hábitos e costumes e o aumento na expectativa de vida devido, principalmente, aos
progressos na área médica são fundamentais na nova concepção da velhice. Não obstante, a
produtividade e a utilidade, as diferenças geracionais e, especialmente, as de classes ainda são
decisivas em sua figuração. “O que falseia as perspectivas é que as reflexões, as obras, os
testemunhos que concernem à última idade sempre refletiram a condição dos eupátridas: só
eles falam e, até o século XIX, só falam de si mesmos” (BEAUVOIR, 1990, p. 261).
Enquanto o burguês tinha status e prestígio, o velho pobre era desvalorizado e
discriminado. Triste ironia. Durante sua vida, incorporou o discurso dominante de que o
“trabalho dignifica o homem”, possibilitando sua realização e a construção de sua identidade.
Mas, ao se tornar improdutivo materialmente, se vê desprovido de qualquer respeito ou
dignidade e é abandonado à “própria sorte”. A ética do tempo útil aqui não condiz com a
incapacidade de produzir, de criar, de consumir.
No início do século XX o Estado institucionaliza aposentadorias17 e pensões e, por
extensão, atua na demarcação do período da velhice que, simbolicamente, inicia com a
retirada oficial do mercado de trabalho. Para muitos isso não significou o fim de uma situação
de exploração e pobreza. “Uma decência hipócrita proíbe a sociedade capitalista de se livrar
de suas ‘bocas inúteis’. Mas ela lhes concede exatamente o que é preciso para manter-se no
limiar da morte” (BEAUVOIR, 1990, p. 299). Para outros, no entanto, a aposentadoria
propiciou dignidade os livrando de um estado de extrema pobreza. Independentemente da
situação, a velhice passa a representar um período de improdutividade, de rompimento com a
identidade construída, de declínio e de dependência (DEBERT, 1999; NERI, 1991).
Nas últimas décadas do século XX, porém, uma representação positiva do
envelhecimento – fruto do aumento de estudos e de inúmeras políticas voltadas para esta
geração, entre as quais destaca-se o Estatuto do Idoso – concede ao idoso a possibilidade de
sentir-se útil, de promover ações, independente de ser ou não produtivo materialmente. Novas
etapas são criadas – meia idade, terceira idade18, aposentadoria ativa – e a aposentadoria deixa 17 Coutinho (2003) informa que o termo aposentadoria apareceu pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1891, mas que estava restrita aos funcionários que, a serviço da Nação, sofriam invalidez. Alguns Decretos, contudo, vão sendo criados para garantir proteção aos trabalhadores. E em 1934 foi criada a “contribuição tripartite: trabalhador, empregador e o Poder Público em igualdade de condições. A Constituição mantinha a competência do Poder Legislativo para instituir normas sobre a aposentadoria; fixava a proteção social ao trabalhador, entre outras” (COUTINHO, 2003, p.06). Mas é na Constituição de 1988 que há inúmeros avanços no que tange à Seguridade Social – Previdência Social, Assistência Social e Saúde – reforçando, entre outros, um interesse jurídico e social pelos interesses dos idosos. 18 O termo “terceira idade” surgiu na França da década de 1970, com a criação e implantação de universidades para esta faixa etária. Popularizado recentemente no Brasil, abrange além de escolas diversas atividades e
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de ser considerada o marco divisor entre a geração de adultos e a de velhos. Dois fatos foram
fundamentais para esse processo: 1) muitos aposentados continuam trabalhando; 2) surgiu
uma “nova linguagem” destinada ao público de aposentados, que procura criar novas imagens
associadas ao envelhecimento, que envolvem formas de lazer, atividades físicas, “manutenção
corporal”, etc. Linguagem que afirma que a velhice, antes de ser um período que acena para o
fim da existência, propicia o desenvolvimento de sonhos e projetos que não puderam ser
desenvolvidos em outras fases da vida (DEBERT, 1999).
Essa nova forma de perceber o processo de envelhecimento é responsável por uma
mudança de valores e atitudes do próprio velho e, especialmente, do grupo para com ele. A
mais significativa, destaca Debert (1999; 2003), é que a juventude deixa de representar apenas
uma geração, um estágio de vida, e passa a denotar um valor específico, um ideal a ser
alcançado. Novos símbolos e novas formas de atuação são acionados e o idoso passa a
participar da arena política e social como um ator. Mas clichês e discriminações não são
estancados; a díade produtividade/utilidade por mais que questionada, continua presente nas
elaborações imagéticas da sociedade e nas representações construídas pelo velho, que é o que,
agora, nos interessa.
O Trabalho em Narrativas de Velhos
Pensar sobre o trabalho na/da velhice a partir de narrativas de velhos implica, num
primeiro momento, considerar a própria arte de narrar como um trabalho. Sua finalidade é
transmitir experiências comunicáveis, dar conselhos, rememorar fatos e eventos que
marcaram uma época, atribuir significados e sentidos. Um trabalho que pode ser desenvolvido
com esmero pelos velhos, afinal quem muito viveu tem muito o quê contar (BENJAMIN,
1993). Suas memórias, atreladas à memória coletiva, possibilitam, através de suas vozes, uma
maior compreensão das mudanças e permanências presentes na sociedade (HALBWACHS,
2004; BOSI, 2001).
Independentemente da forma como vivencia o processo de envelhecimento, de
desenvolver ou não atividades, o velho assume uma espécie de obrigação social. “Neste
momento de velhice social resta-lhe, no entanto, uma função social: a de lembrar. A de ser a
programas voltados para os idosos. Atinge principalmente o público feminino – ao contrário do que ocorre com associações de aposentados – e não possui, pelo menos até agora, conotação “depreciativa” (DEBERT, 1999).
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memória da família, do grupo, da instituição, da sociedade” (BOSI, 2001, p.63). No exercício
de sua função passa pela experiência da releitura, posto que não revive os acontecimentos
passados “tal como o foram”, mas os refaz a partir da concepção que possui do presente
(HALBWACHS, 2004). Assim, a memória é um trabalho de reconstrução das experiências
vividas, socializado através da linguagem. Um trabalho que encontra na memória do trabalho,
das atividades desenvolvidas em vida, o sentido de uma existência (BOSI, 2001).
A heterogeneidade é a marca dos velhos pesquisados. Suas narrativas encerram uma
pluralidade de experiências. Em todas elas, porém, é possível perceber o trabalho como um
elemento imprescindível na construção de suas identidades. Em todas elas, a utilidade e/ou a
produtividade são elementos que possibilitam o sentimento de pertencimento, de inclusão,
fundamental para se sentirem vivos. Foi este sentimento que, aparentemente, os motivou a
concederem as entrevistas, por vezes bastante longas; nelas, uma outra possibilidade de serem
úteis, de contribuírem para com o grupo social (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2008).
A aposentadoria não significou para esses narradores a reclusão ou o “descanso
merecido” após uma vida de trabalho. Seria uma ruptura que promoveria danos irreparáveis;
ser-lhes-ia difícil administrar a ociosidade, pois não foram preparados para ela. Todos
continuam trabalhando e/ou desenvolvendo atividades artísticas, artesanais ou religiosas;
todos se sentem úteis e independentes, consequentemente, ativos e vivos.
As condições econômicas e sociais dos velhos entrevistados são diversas, o que
obviamente interfere em suas concepções e em seus processos de envelhecimento, mas não
parecem ser determinantes na relação que se estabelece entre trabalho e velhice. O executivo
bem sucedido e, hoje, empreendedor de sucesso e o funcionário público que trabalhava (e
ainda o faz) como músico nas horas de folga para aumentar a renda familiar são categóricos
ao afirmarem que sempre gostaram de trabalhar e que dele extraíram e ainda extraem parte de
suas realizações pessoais. Tanto que a despeito da idade, 74 e 76 anos respectivamente,
continuam em atividade o que, obviamente, resulta em alguns conflitos familiares.
É a sensação de utilidade que os motiva. O primeiro, com uma narrativa extremamente
articulada, afirma que são os desafios que possibilitam o trabalho e a superação das
dificuldades: “nós temos que viver com desafios! Sem desafios não se vive, não se progride!”
(A., 74 anos). Não se sente velho, mas crê que a idade lhe trouxe mais experiência; acredita
que enquanto tiver objetivos e puder labutar para alcança-los será jovem, mesmo que um
“jovem” velho. No seu pouco tempo “livre” se dedica à família e a atividade física, ao tênis
especificamente, o que lhe permite envelhecer com saúde e disposição. O segundo retira da
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música sua disposição e energia que lhe permite contribuir com o grupo social – toca em
missas, festas e outros eventos religiosos. Disse que enquanto puder, “enquanto a idade
permitir”, continuará tocando, pois isso não só lhe traz felicidade como confere sentido à sua
existência. Ambos, mesmo que diferentemente, temem a inatividade, pois ela representaria
uma ruptura drástica em suas vidas, abalaria suas identidades e os inseririam dentro de suas
concepções de velhice: um período de perdas, inutilidade e dependência. Para quem preserva
a autonomia e as atividades, independente de sua natureza, isso poderia representar de fato o
que Beauvoir (1990) denominou de “limiar da morte”.
Uma autonomia relativa devido aos problemas decorrentes do envelhecimento,
enxerga e ouve mal entre outros, marca a vida de outro entrevistado de 86 anos. De família
humilde, com “pouco estudo” que “mal dá pra ler e escrever” conseguiu vencer os desafios e
se estabelecer. Jovem ainda resolveu sair da roça e “tentar” a vida na cidade grande, onde se
tornou um marceneiro que, através de muito trabalho, viveu dignamente. Em sua memória
figura os detalhes de momentos importantes: trabalhos desenvolvidos para uma ilustre
família; a construção de um cinema e a reforma de uma farmácia tradicionais na cidade de
Curitiba, entre outros. É na memória do trabalho, tal como já enfatizado por Bosi (2001), que
encontra o sentido de sua existência e a justificativa para continuar desenvolvendo inúmeras
atividades, apesar de suas limitações físicas: corta lenha para utilizar no fogão, faz feira,
organiza o quintal e coloca cabos nos coadores de café (de pano) produzidos pela filha que
clama, sem sucesso, clama para ele parar de trabalhar. Descanso, em sua leitura, é sinônimo
de preguiça, de inutilidade; prefere morrer a ficar restrito a uma existência com tempo ocioso,
livre de atividades.
As atividades desenvolvidas também conferem sentido e serenidade ao processo de
envelhecimento de um casal de aposentados, mas que continuam trabalhando, além de
desenvolver atividades religiosas e físicas. Ela, após aposentar-se como professora primária,
passou a dar aula de trabalhos manuais em presídios e manicômios, bem como no SESC
(Serviço Social do Comércio) onde atuou por dezessete anos. Atualmente, com 80 anos de
idade, continua dando aulas de crochê e tricô em sua residência. Ele jogou futebol
profissionalmente, trabalhou e se aposentou na RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade
Anônima), e, a despeito de seus 83 anos, atua como museólogo em um time de futebol da
capital paranaense.
Com a mesma seriedade se dedicam a atividades religiosas, como ministra da
eucaristia e coordenador de missa, e utilizam boa parte do tempo “livre” para participar de
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reuniões e grupos diversos. Com isso, se sentem úteis, produtivos e importantes para o grupo.
São “jovens” velhos que exercitam o intelecto e cuidam do corpo para garantirem uma velhice
saudável e independente. “Eu tenho que levantar seis horas da manhã pra acompanhar a
madame aqui; levanta que ta na hora, então eu digo: então vamos! Caminhar, fazer
caminhada. Ela faz natação também nas terças-feiras, e na segunda, quarta e sexta, nós
fazemos caminhadas” (J. 83 anos).
A “agenda lotada” também caracteriza outras duas entrevistadas, de 79 e 80 anos, que
moram sozinhas, mas que afirmam não sentirem solidão e sim autonomia. A primeira,
separada, gosta de viajar, passear e desenvolver atividades artesanais. Sua narrativa indica que
está sempre inovando, inventando, enfim, fazendo coisas novas o que lhe traz muito prazer. É
assim que ocupa o tempo e se realiza como pessoa: “Estou sempre fazendo. Eu faço
colagem... eu faço coisas de madeira, eu faço toalhas pra lavabo, jogos de toalhas, todos os
presentes, eu só não faço os presentes das crianças, esses eu compro, porque criança quer
brinquedo” (M. 79 anos). Ativa, se sente jovem, apesar de vivenciar alguns problemas
decorrentes da idade e de cair com facilidade. Seu grande receio é perder a autonomia, passar
a depender dos filhos; em suas palavras, isso significaria perder a vontade de viver.
A segunda, viúva, se dedica com empenho à igreja e obras de caridade. Trabalha em
bailes e bingos beneficentes, arrecada roupas na comunidade para consertar e, posteriormente,
doar para creches e asilos. Além do que, frequenta missas, participa de novenas e de outros
grupos religiosos. Ágil, lúcida e com muita disposição, ajuda em tudo que é possível na vida
comunitária, se sentindo ativa e útil. Para ela, a reclusão e o descanso não só não são
desejados, como promoveriam uma crise identitária numa vida sempre movimentada.
Por fim, uma outra narradora apresenta uma situação singular. Ela também se dedica a
diversas atividades: religiosas, lúdicas, esportivas. Em seu caso, porém, isso não parece
significar uma continuidade e sim uma ruptura. Não que o trabalho não teve a mesma
importância, mas ele chegou ao cabo com o crescimento e a independência de seus nove
filhos e com a morte de seu marido. Antes, todo o seu tempo era destinado aos cuidados com
a casa e com a família. Agora, com tempo disponível encontrou outras formas de se sentir
ativa e de driblar eventuais problemas provenientes da idade ou de sua grande família. Com
74 anos, vivencia as alegrias propiciadas pelas atividades voltadas para a assim chamada
terceira idade: “Eu vou nos baile, vou conversar, vou passear, vou em excursão, eu adoro isso!
Faço ginástica... Eu converso, eu dou risada...”. Bem disposta possui uma liberdade que
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outrora não exercia e é declaradamente feliz: “Tem gente que diz era feliz e não sabia. Tu tem
que ser feliz, saber que tu é feliz e continuar feliz” (G. 74 anos).
Considerações Finais
Diversas são as formas encontradas pelos velhos pesquisados para garantir a sensação
de utilidade e preservar uma identidade que, para além da faixa etária, os define e atribui
sentido às suas existências. É isso que lhes permite participar, pertencer a um determinado
grupo.
Em suas atitudes, relatadas oralmente, pode-se perceber a influência das imagens
construídas socialmente em torno da velhice. Temem a dependência, a perda da autonomia e a
solidão; para além da velhice isso significaria, mesmo que simbolicamente, o fim de suas
existências individuais. Reforçam as atividades, a utilidade, a capacidade de ação e realização
desta etapa da vida sem, no entanto, defender que esta é a “melhor idade”. Conhecem as
dificuldades e os problemas inerentes ao processo do envelhecimento – por vivência ou
convivência –, mas procuram evitá-los, ou pelo menos adiá-los. Não buscam “rejuvenescer”
ou negar a velhice, mas envelhecer com tranquilidade e, acima de tudo, com dignidade. E é o
trabalho e/ou outras atividades que lhes propiciam isso e é, por isso, que sua ausência é tão
temida (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2008).
Finalizo essas breves reflexões com as palavras de Beauvoir (1990, p. 661): “Para que
a velhice não seja uma irrisória paródia de nossa existência anterior, só há uma solução – é
continuar a perseguir fins que deem um sentido à nossa vida: dedicação a indivíduos, a
coletividades, a causas, trabalho social ou político, intelectual, criador”. Ou seja, é continuar
ativo, seja através do trabalho e/ou outras atividades, seja através da transmissibilidade de
suas memórias.
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Motter ; Gontijo
A INFLUÊNCIA DAS COMUNICAÇÕES NA CARGA DE TRABALHO DO
CONTROLADOR DE TRÁFEGO AÉREO
THE INFLUENCE OF COMMUNICATIONS IN THE WORKLOAD OF AIR
TRAFFIC CONTROLLERS
Arlete Ana Motter 19
Leila Amaral Gontijo20
Resumo
Os controladores, em sua rotina laboral, muitas vezes, trabalham sob elevada carga de
trabalho e, certamente devem cumprir elevado nível de segurança. As comunicações, via
radiofonia, tem sido um dos principais problemas técnicos, no complexo sistema de controle
de tráfego aéreo brasileiro. Objetivo: avaliar a influência das comunicações na carga de
trabalho do controlador de tráfego aéreo. Participaram 35 militares do CINDACTA II
(Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo) de Curitiba, (80%
do sexo masculino e 20% do sexo feminino). Foi aprovado pelo CEP da UTP e fez parte da
tese de doutorado, defendida em 2007, no Programa de Pós Graduação em Engenharia de
Produção da UFSC. Nos resultados o item mais desgastante foi freqüências com
interferências ou falhas de comunicações, problema que tem aumentado nos últimos anos
devido à “radio pirata” e telefonia celular, associado à precariedade de equipamentos de
comunicação.
Palavras-chave: controlador de tráfego aéreo; comunicações; carga de trabalho.
19 Doutora, Professora Adjunto I da Universidade Federal do Paraná - Litoral. E-mail: [email protected] Doutora, Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de Santa Catarina.
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Introdução
Há diferentes atores envolvidos no cenário de complexidade do controle de tráfego
aéreo. A segurança na aviação depende de decisões que envolvem habilidades técnicas,
humanas e também a percepção de todo horizonte que está a sua volta. Um desses atores é o
controlador de tráfego aéreo, o qual, além de decidir quem tem prioridade de pouso e de
decolagem, tem de analisar uma gama de informações de profunda complexidade (BISPO e
FERRUCCIO, 2001).
Inicialmente, eles eram formados pela Escola Técnica de Aviação de São Paulo e pela
Escola de Especialistas da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, mais tarde transferida para a
cidade de Guaratinguetá (São Paulo). Atualmente, os controladores são formados pela Escola
de Especialistas da Aeronáutica de Guaratinguetá (militares) e pelo Instituto de Proteção ao
Vôo, em São José dos Campos, São Paulo (controladores civis e formação avançada para
controladores militares e civis).
O controlador de tráfego aéreo é o principal protagonista de todos os tráfegos aéreos
correntes (aeronaves prontas para pouso ou decolagem) e pendentes (aeronaves que estão em
espera para pouso ou decolagem); e, como tal, também responsável por uma série de
informações referentes a eles. Para a realização de sua função, executa uma série de tarefas,
que totalizaram 83 tarefas diferentes, no estudo realizado em 1987, no CINDACTA I, em
Brasília (PASQUALI e LAGO, 1987).
Devido ao elevado nível de tarefas cognitivas, o trabalho do controlador de tráfego
aéreo demanda grande carga mental e emocional, pois é ele quem toma as decisões finais, o
que, quase sempre, dever ser feito em tempo muito restrito. É uma função que exige agilidade
intelectual, velocidade de raciocínio, boa resistência ao estresse e capacidade de adaptação.
Por isso ele é considerado, na Europa, Artesanato Intelectual (MOREIRA e VIDAL, 1999).
Além disso, realiza uma tarefa que exige alta atenção prolongada, relacionada com
elevada responsabilidade (PASQUALI e LAGO, 1987; MOREIRA e VIDAL, 1999). Assim
como Itani (1997, p.198) relata em seu estudo desenvolvido com metroviários de São Paulo, o
ritmo de trabalho para os controladores não é sempre o mesmo, mas é sempre um tempo de
espera: “Quando está atento, o tempo é o da espera, alongado pela incerteza e pela expectativa
da espera [...] O tempo é tecido pela angústia da possibilidade de perder a atenção”. Assim, as
freqüentes mudanças de ritmo de trabalho que se sucedem ao longo da mesma jornada de
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trabalho, segundo essa autora, são altamente estressantes e consideradas nocivas para a saúde
dos operadores.
O controlador é um dos muitos agentes de segurança. Sua função é garantir a
segurança para todos os que estão a bordo da aeronave, passageiros e tripulação, e também de
quem está em terra (BISPO e FERRUCCIO, 2001). Por isso, Rebello (1997, p.18) afirma que:
Os controladores de tráfego aéreo constituem um grupo especial de trabalhadores,
uma vez que exercem sua atividade de alta responsabilidade em um ambiente físico
adverso, onde existem variações ambientais e cronobiológicas devido ao ambiente
de trabalho confinado e à jornada de trabalho em turnos alternados. Eles são o “elo
de ligação da aeronave (mais tripulação, passageiros e carga) entre a terra e o ar”.
Segundo Gras et al. (apud PEREIRA, 2001), a vulnerabilidade do trabalho do
controlador de vôo está relacionada ao confronto entre o trabalho automatizado (controle de
tráfego por radar e computadores) e o aspecto artesanal e sensorial (interpretação de
informações visuais e auditivas). Há uso dos sentidos físicos e, ao mesmo tempo, da memória.
Na concepção do trabalho do controlador de tráfego aéreo, as comunicações utilizadas
pelos operadores são de vital importância, conforme destaca Rebello (1997, p.19): “O
trabalho do controlador de vôo apresenta uma linguagem operacional particular. A linguagem
utilizada durante o trabalho não é uma simples linguagem de comando, pois é um campo em
que são utilizados vários símbolos de muitos significados e formas de expressão”.
Na comunicação verbal, via radiotelefonia, apesar de existir uma fraseologia
mundialmente conhecida, podem surgir alguns embaraços, quando não se domina o idioma
inglês, que é obrigatório para o trabalho dos controladores de tráfego aéreo (e também para os
pilotos), ou então, ruídos, chiados, interrupções no sistema de comunicações. Se houver
demora na compreensão das mensagens, há risco para a segurança nas operações (MOTTER,
2007).
Os controladores usam sistemas computadorizados complexos, interconectados com
seu país e com os outros. Em alguns órgãos de controle (Madri, Espanha e Copenhague,
Suíça), os controladores têm ainda um link de vídeo para saber como os outros controladores
mais distantes estão organizando os tráfegos e como eles estão seqüenciando os vôos na
chegada (MERTZ, 2003).
A radiotelefonia nas condições modernas de controle de tráfego aéreo tem se
configurado com dificuldade, devido à possibilidade de ruídos nas transmissões. Segundo
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Rebello (1997) e Bispo e Ferruccio (2001), não adianta haver um sistema de captação de
radares e de computação totalmente automatizado e moderno, se as radiofreqüências não
funcionarem adequadamente para o controlador poder transmitir e receber informações
orientadas aos pilotos durante os procedimentos aéreos.
Podem se instalar nesses profissionais reações de estresse, demonstradas por meio de
questionários e pela dosagem da excreção de catecolaminas. Num estudo com controladores
de Zurique, observou-se que, nas primeiras quatro a sete horas de trabalho, toma lugar uma
sensível diminuição da capacidade subjetiva de prontidão da produção e as realizações
psicofisiológicas e, após a sétima hora, ocorre forte aumento da fadiga tanto no campo dos
indicadores objetivos quanto dos subjetivos (GRANDJEAN, 2005). Estão expostos a eventos
estressores ligados a atividade de trabalho como urgência de tempo, responsabilidade
excessiva, redução da qualidade do sono (MENDES e CRUZ, 2004).
Para Athènes et al. (2002) o fator tempo e a incerteza, ambas ligadas à carga de
trabalho, tem relação com o estado emocional dos controladores, principalmente durante
situações de alta carga de tráfego. Lamoureux (1999) observou que as comunicações são um
indicador de carga de trabalho e estão relacionadas diretamente a outros fatores, em particular,
ao número de aeronaves sob controle, às coordenações entre setores, às solicitações não
usuais dos pilotos e às emergências.
O estudo realizado no ACC de Curitiba, por Sauki, Filho e Brito (2003), revelou que
muitos controladores sofrem de diferentes doenças causadas pelo trabalho, como: tendinite,
dores nas articulações, danos na visão, problemas psicológicos, dores de cabeça, depressão,
perda de concentração, fadiga e estresse.
Mais especificamente no ACC de Curitiba, existem 19 atribuições operacionais que
competem ao controlador de tráfego aéreo de setor, porém, quando operam como assistente de
controlador de setor, podem-se encontrar mais 15 atribuições prescritas aos trabalhadores
(BRASIL, 2005).
Sauki, Filho e Brito (2003, p.58) citam uma série de requisitos necessários aos
operadores de tráfego aéreo:a) ter excelente raciocínio espacial;
b) ter boa saúde física e mental;
c) ter boa dicção;
d) saber emitir as instruções aos pilotos;
e) saber registrar de forma codificada as instruções emitidas aos pilotos;
f) conhecer profundamente as regras de tráfego aéreo;
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g) consultar e interpretar publicações aeronáuticas, documentos, mapas e cartas aéreas;
h) conhecer as rotas aéreas em geral;
i) saber a localização geográfica dos aeródromos da região onde os sistemas estão inseridos;
j) saber as influências dos fenômenos meteorológicos (ventos, formações de gelo, nuvens,
turbulências, trovoadas, pressões etc.);
k) saber operar o sistema de tratamento de planos de vôos; e
l) saber principalmente identificar as aeronaves e interpretar as imagens fornecidas pelo radar.
A psicóloga Maria da Conceição Pereira (2001) descreve os aspectos psíquicos na
relação pilotos controladores, citando aspectos que devem estar presentes nos perfis
psicológicos ocupacionais de controladores: ser seguro de si, decidido, realista, estável
emocionalmente, perseverante, teórico e orientador consciencioso, questionador e exigente
consigo mesmo. No mesmo estudo, a autora aborda os aspectos que envolvem os processos
cognitivos de pilotos e controladores: atenção, concentração, percepção sensorial, raciocínio
espaço temporal, memória visual e auditiva (de longo e de curto prazo), raciocínio lógico e
fluência verbal (domínio de línguas estrangeiras).
Metodologia
A pesquisa caracteriza-se como exploratória e descritiva, emprega o método estudo de
casos e a metodologia da Análise Ergonômica do Trabalho (Guérin, et al., 2001).
O estudo foi desenvolvido no Centro de Controle de Área de Curitiba (ACC-CW), no
Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA II), o
qual pertence ao Ministério da Defesa – Comando da Aeronáutica. O ACC de Curitiba trata
cerca de 2.000 planos de vôos diários, que inclui o tráfego aéreo de toda região sul do país.
A amostra foi composta por 35 controladores de tráfego aéreo, militares, da Força
Aérea Brasileira (FAB), de ambos os sexos (80% homens e 20% mulheres), cuja idade média
é de 26,8 anos.
A população de referência deste estudo foi acompanhada no período matutino,
vespertino ou noturno, durante a semana ou finais de semana e feriados. Acompanhou-se
operadores dos 7 setores do ACC de Curitiba: setor de chegada de São Paulo, setor de Porto
Alegre, setor de Florianópolis, 2 setores de saída de São Paulo, setor de Foz do Iguaçu e 2
setores de Campo Grande. Nas transcrições das verbalizações, os controladores foram
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identificados por números (de 1 ao 35), com o intuito de manter o sigilo quanto a
identificação dos entrevistados.
O estudo representa um recorte da tese de doutorado defendida em 2007, no Programa
de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, da Universidade Federal de Santa Catarina
(MOTTER, 2007).
Buscou-se respeitar os princípios éticos de acordo com a Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde assim, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Tuiuti do Paraná, Of. CEP- UTP n 085/2006, posteriormente foi
iniciada a coleta de dados.
Os principais métodos e técnicas de coleta de dados foram: análise documental,
entrevistas informais e semi-estruturadas, observações gerais e sistematizadas e registros de
verbalizações.
Resultados e Discussão
A comunicação é elemento essencial no processo de interação controlador-pilotos. Os
controladores afirmam que operar sem radar é possível, mas operar sem freqüência de
comunicações é impossível, por ser essa uma condição mínima necessária para garantir a
segurança na aviação. Dessa forma, o item mais apontado como desgastante no controle de
tráfego aéreo foi sem dúvida a questão de freqüências com interferências ou falhas de
comunicações, problema que tem aumentado nos últimos anos, devido a “rádio pirata” e
telefonia celular, associado à precariedade de equipamentos de comunicação.
O problema de comunicações resulta em dificuldade perceptiva auditiva para
operadores e para pilotos. Wisner (1987) aponta as dificuldades perceptivas como um dos
fatores que aumentam a carga de trabalho. Quando questionados sobre como se sentem
quando há problemas de freqüências para comunicações revelou que 61,8% dos operadores
admitem se sentir totalmente desconfortáveis e 38,2% se sentem desconfortáveis, o que
resulta em 100% deles responderem negativamente quanto a esse tipo de dificuldade técnica
para o trabalho, situação tão comum no cotidiano dos sujeitos da pesquisa, que se tornou
motivo de ironia: “O negócio é rir para não chorar”.
Ao contrário, quando questionados sobre como se sentem operando com freqüência de
comunicação em boas condições (condição tão incomum que provocou risos em vários
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operadores), 60% relataram sentir-se totalmente confortáveis e 40% dos operadores relataram
sentir-se confortáveis. Nesse caso, não houve resposta “desconfortável” ou “totalmente
desconfortável”. As expressões de alguns operadores – “O dia em que isso acontecer vai ser
um sonho”; “Freqüências em boas condições? Isso ainda não passou por aqui”; “É coisa rara”
– ilustram o quanto trabalhar em condições adequadas de comunicações é raro no controle de
tráfego aéreo deste estudo. Tanto é assim que alguns operadores já sabem como resolver o
problema, e não aguardam o técnico de comunicações para resolvê-lo.
As falas a seguir demonstram as estratégias operatórias adotadas pelos controladores,
com relação aos problemas de comunicações, e ilustram a gravidade da situação, que
representa um risco potencial de acidente.
Operador 15: Se você tem problema de freqüências você começa a restringir o
número de aeronaves no setor ou até mesmo fechar o setor. Se você não fala com o
avião e tem dois aviões proa a proa, você não tem como separar, entendeu? Agora,
se você não está vendo e tem freqüência, pela ficha de progressão, pelos [tempos]
estimados, você sabe que os dois aviões estão proa a proa, mas sem a freqüência, é
impossível.
Operador 16: Se não tiver freqüência, o que a gente faz? Se tiver radar, dá a proa
para decolagem ou, dependendo, se for muito grave, na verdade, a gente informa o
problema ao supervisor, que toma todas as providencias. O esquerdinha aqui vai
fazer isso, oh: “Não vai voar ninguém no mesmo nível ou em nível que possa se
conflitar”, porque você sabe que, na hora em que você precisar, pode não funcionar,
ou, se for uma situação de muito caos de freqüência, todo mundo no chão. Ninguém
decola. E aí o supervisor toma essa atitude também. Por isso ele fala: “Viro e chamo
o supervisor”, porque seria isso, o supervisor que vai passar o problema para ele. Ele
vai falar “não vai fazer isso”. Ele sabe que não tem mais o que fazer.
O discurso dos operadores entrevistados denota que esse tipo de perturbação exige
atenção, concentração e agilidade dos controladores, e torna-os bastante tensos.
Operador 16: [...] você tem que repetir três, quatro vezes, porque não chega bem
para ele, entendeu? E às vezes você vai transmitir e aí acontece o quê? É um cuidado
que a gente tem que tomar daquele cotejamento. Você vai transmitir, de repente,
transmite uma rádio junto com ele lá. Ele entende só parte da mensagem que você
falou, só que você não está ouvindo isso, você acredita que ele ouviu inteira. Aí ele
fala “ciente”.
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Operador 17: A tua expectativa é que ele entenda e faça o que tu estás falando.
Principalmente numa situação de separação de rotas conflitantes. Tu queres que ele
entenda e curve logo. Se é situação de seqüenciamento e ele não entender, tu ainda
vais poder corrigir, mas se é uma situação de rota conflitante ou uma rota perigosa,
tu tens que tirar ele dali ou... [interrompido pelo tráfego].
O operador 17 explica a dificuldade de operar quando há problemas de fonia, que pode
ser uma dificuldade do operador em relação ao piloto, do piloto em relação ao controlador ou
de ambos simultaneamente. O ápice da tensão vivida nesse tipo de situação é quando existe
risco iminente de incidente ou acidente. Esse operador levanta a questão da divisão do
trabalho, que ocorre pelo número de tráfego, e não pelo contexto do momento. Interessante
também é observar a percepção do próprio operador em relação a sua carga de trabalho, que
considera principalmente mental:
Operador 17: Eu acho que a parada que mais pega é quando tu planejas uma coisa e
a coisa não acontece, ou então, como tu estavas falando, o problema de freqüência,
que eu acho que é o nosso maior problema. É quando tu estás falando com o piloto e
o piloto não está te ouvindo. Aí tu tens que repetir, tens que repetir, e às vezes é um
negócio de imediato, que tu precisas de uma reação do piloto imediata, e ele não te
ouve, ele te questiona, porque ele não entendeu direito. Esse acho que é o ponto
cume do estresse de quem trabalha. Geralmente isso acontece, não quando você tem
dois ou três tráfegos, assim, sabe? Quando tu tens muito tráfego, tu estás
trabalhando, como agora a gente tem pouco, tu podes ver que a gente tem bastante
trabalho. Não pára de atender telefone. Eu estou falando toda hora, e não tem muito
tráfego. Então, tu imaginas com o máximo de tráfego que eles delimitam por setor.
E tu falando e o piloto não te entendendo. Então eu acho que essa é a parte que mais,
assim, te desgasta, mentalmente falando. Fisicamente, eu não tenho trabalho
nenhum, fico só apertando botão. Agora com relação ao desgaste mental, assim,
estresse maior é nesse tipo de situação, de tráfego e a freqüência com problema.
Operador 19: Você chama e a aeronave não responde. Você tem que ficar mais
atento, restringir nível.
O operador 20 deixa transparecer em seu discurso que o trabalho no controle de
tráfego aéreo não é impessoal, existem afetos, ou seja, há exigência psíquica para a realização
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do trabalho. É o que pode se verificar quando ele classifica os problemas de freqüências em
quatro áreas:
1. Queda na transmissão ou recepção ou ambas as situações. Então, fica sem
comunicação parcial ou total. Esse tipo de problema “preocupa”. [...] Você fica sem
ação, você se sente impotente, você quer passar uma informação e não consegue.
Você não tem o conhecimento técnico para resolver o problema. Você fica muito
preocupado. Apesar de a imprensa dizer que a gente não se preocupa com as pessoas
que estão voando, a gente fica muito preocupado. A gente não fica insensível à
aeronave que caiu.
2. Comunicação entrecortada: quando a mensagem se torna inelegível.
3. Telefonia celular/rádio pirata, rádio FM, piloto ou operador ou os dois ouvem
música, conversas de rádio ou telefone.
4. Chiado. Ocorre principalmente quando há tempestade.
O operador explica que os itens 2, 3 e 4 incomodam, porém, o item que realmente
preocupa é o numero 1. Quando questionado sobre como costuma lidar com esse tipo de
dificuldade, diz que, se a situação do tráfego não exigir ação imediata, aguarda o pessoal
técnico para resolver o problema. Se o tráfego exigir ação imediata, entra na freqüência de
emergência (1.5Mhz), em que todas as aeronaves estão ligadas. Em segundo lugar, iria para
outro setor, onde a freqüência estivesse normal e solicitaria que outra aeronave transmitisse as
informações (o que é chamado de “ponte”).
Ficam nítidos a falta de confiança nos equipamentos de trabalho e o desgaste que isso
causa, segundo a fala do operador 16, o qual utiliza o termo antecipação como sinônimo de
planejamento:
O pessoal fala: “Ah, a profissão é muito estressante”. É estressante se você não tiver
os meios para poder trabalhar. Se você tiver uma estrutura para trabalhar, isso não se
torna estressante. Por quê? Se você soubesse que você poderia contar sempre com as
freqüências, não precisaria ficar se estressando na decolagem. Tem que tomar certas
restrições na decolagem, que ele [o piloto] vai te chamar, você vai tomar as
providências. Lógico, a antecipação faz totalmente parte e é essencial para o
trabalho, situação tipo de tomada de decisão e resolução de conflitos.
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A troca de informações entre o controlador e uma aeronave é compartilhada pelos
demais pilotos de aeronaves que estão utilizando a mesma freqüência para comunicação. Isso
facilita o que o controlador chama de ponte.
No trabalho real, acompanhou-se um operador com assistente e instrutor no setor de
Mato Grosso do Sul e São Paulo operarem com deficiência de transmissão (operador e piloto
não conseguiam ouvir a mensagem), tinham de repetir várias vezes a fraseologia. Fazia
ecofonia quando o operador falava com a aeronave, então, a fraseologia era repetida
lentamente. Após falar ao microfone, com uma das aeronaves, o operador ironizou a situação
dizendo: “...e do raio que o parta”.
Em entrevista, a operadora 26, quando questionada sobre como se sente quando há
falha na freqüência de comunicação, fala que sente muita raiva, mas, como esse sentimento
não resolve nada, então, não tem o que fazer, a não ser aguardar o restabelecimento do
sistema. Em sua opinião, existem coisas bem mais importantes para o operador fazer do que
ficar “resetando”, porque, segundo ela, a primeira pergunta que o supervisor faz quando é
avisado de que a qualidade da comunicação não está boa é: Você já tentou “resetar”? Ela se
sente desqualificada em ter de ficar “apertando botão para tentar comunicação”, uma vez que
sua formação técnica não é para isso.
Para garantir o desempenho operacional, o controlador desenvolve algumas
estratégias, tais como: chamar o pessoal técnico de manutenção; e, enquanto aguarda a
manutenção, ele próprio tenta restabelecer o sistema (“resetar”); suspender decolagens ou
restringir níveis de vôo; repetir mensagens (cotejamento); trabalhar em equipe (cooperação);
fazer comunicação por meio de outra aeronave (ponte); fornecer informação prévia às
aeronaves quanto à freqüência de comunicação alternativa em caso de falha naquela que está
sendo utilizada: “Em caso de falha de comunicações, faça tal e tal coisa”, ao que chamam de
“pagar alternativa”.
Conclusões
Compreende-se que os controladores constroem uma série de estratégias operatórias
para fazer frente às solicitações de intensidade e ritmo de trabalho, as quais servem, também,
para lidar com a imprevisibilidade e variabilidade (de informações, de procedimentos, de
equipamentos e de atribuições) presentes em seu cotidiano.
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Entende-se que as estratégias operatórias são construídas pelo controlador de tráfego
aéreo, a fim de reduzir sua carga de trabalho, principalmente a carga de trabalho mental. Esse
mecanismo faz-se necessário para manter o equilíbrio psíquico dos operadores, e garantir a
continuidade de prestação de serviços no transporte aéreo e na segurança da aviação.
Como proposta de intervenção, sugere-se a atualização do sistema de comunicações e
também do posto de trabalho (console), pois o modelo atual, da década de 80, é considerado
desatualizado. Nesse sentido, novas exigências cognitivas serão impostas aos controladores, e
deve-se prever período de adaptação e treinamento.
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Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 48-59, jan./jun. 2010 59
Signorelli
Entrevista
Interview with Dr. Angela Taft performed and translated to Portuguese by Marcos
Claudio Signorelli, on May 10th 2010, at Mother and Child Health Research, La Trobe
University, Melbourne, Australia.
Entrevista com Dra. Angela Taft, realizada e traduzida para o português por Marcos Claudio
Signorelli, em 10 de maio de 2010, no “Mother and Child Health Research”, “La Trobe
University”, Melbourne, Austrália.
DIVERS@! How did you start to work and study gender issues?
Como você começou a trabalhar e estudar questões de gênero?
AT: Firstly I’d like to thank you for this opportunity, it’s wonderful to have an opportunity to
speak to Brazilian colleagues. Well, I started in this area when I was living in London (UK),
between 1971 and 1988. I read two books that inspired me. One was by Germaine Greer,
”The Female Eunuch” (1971) and there was another by the sociologist Ann Oakley “Women
Confined” (1980), about the experience of birth, medicalisation and control of women’s
bodies and reproduction by obstetricians and gynaecologists. I started to work in London, at
an Adult Education Institute linked closely to the British Refugee Council with refugee
women from all over the world, who were living in London. I taught English as a second
language to women from Indian, Pakistan, Afghanistan, Somalia, Iran, Sudan, Chile, from
everywhere. Beyond teaching English, I learned much from these women not only about their
own health issues. Some of them had not had the opportunity to learn about their bodies and
reproductive health, especially because they were in a foreign country, without their sisters or
mothers that used to teach them in their original countries. Some of them didn’t know when
their babies were coming or issues related to their bodies. They didn’t know in English,
neither in their original language. So I created a special approach in a class called English for
Women’s Health where we discussed important things in their lives, specially related to
health issues. When I returned to Australia, in 1988, motivated by this experience, I started
my Masters in Public Health, also working full time in the Victorian Department of Health in
a Women’s Health Unit, where I had responsibility (amongst other things) for domestic
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Signorelli
violence and sexual violence services. My Masters thesis focused specifically on violence
against women and health issues. I interviewed abused women about their expectations and
experiences of going to the General Practitioner (GP) (local family doctors). Later, on my
Ph.D. I undertook comparative case studies of GPs’ training and management of violence
against women, and how it affected their practice. I also evaluated the effectiveness of the
training. I came to understand how they practised not only with the victims, but also with the
perpetrators and children (Taft et al., 2004). Nowadays my main research interests in applied
social science are on the effectiveness of interventions targeted to health professionals about
partner violence and also in sexual and reproductive health. I use both qualitative and
quantitative analysis. I’m very comfortable to work with epidemiologic and statistical studies
and also with epistemological and theoretical issues. Beyond my academic life I have been for
many years been actively involved in advocacy for the Public Health Association of Australia
(PHAA) in themes related to women’s health, such as, prevention of unplanned pregnancy,
abortion and maternity leave and other interests of the women’s health movement agenda.Em primeiro lugar eu gostaria de lhe agradecer por esta oportunidade, é maravilhoso ter a oportunidade de
falar com colegas brasileiros. Bem, eu comecei nessa área quando estava morando em Londres (Reino Unido),
entre 1971 e 1988. Eu li dois livros que me inspiraram muito. Um deles era de Germaine Greer, “The
Female Eunuch”(1971), e havia outro da socióloga Ann Oakley, "Women Confined "(1980), sobre a
experiência do nascimento, reprodução, medicalização e controle dos corpos das mulheres por obstetras e
ginecologistas. Comecei a trabalhar em Londres, em um Instituto de Educação de Adultos ligado ao Conselho
Britânico de Refugiados, com mulheres refugiadas provenientes de todo o mundo, que viviam em Londres.
Ensinava inglês como segunda língua para as mulheres da Índia, Paquistão, Afeganistão, Somália, Irã, Sudão,
Chile, de diversos lugares. Além de ensinar Inglês, eu aprendi e troquei muitas experiências com essas
mulheres. Eu aprendi muito com as mulheres especialmente as questões relacionadas com a sua própria saúde.
Algumas delas não tiveram a oportunidade de aprender sobre seus corpos e sobre saúde reprodutiva porque
elas estavam em um país estrangeiro, sem a presença de suas irmãs ou mães que usaalmente ensinavam-nas em
seus países de origem. Algumas delas não sabiam quando seus bebês estariam vindo ou questões relacionadas
aos seus corpos. Elas não sabiam nem em inglês, nem na sua língua original. Então eu realizei uma abordagem
baseada no ensino de inglês mas ia também explicando e discutindo com as mulheres coisas importantes em
suas vidas, especialmente relacionadas às questões de saúde. Quando retornei para a Austrália, em 1988,
motivada por essa experiência, comecei o meu mestrado em Saúde Pública. Trabalhava em tempo integral no
Departamento de Saúde do estado de Victoria, em uma Unidade de Saúde da Mulher, onde eu era responsável
(entre outras coisas) pelos serviços de violência doméstica e sexual. Minha dissertação de mestrado focalizou
especificamente na violência contra as mulheres e questões de saúde. Entrevistei mulheres maltratadas, sobre
suas expectativas e experiências em serem atendidas por clínicos gerais (médicos locais que cuidam da saúde
da família). Mais tarde, em meu doutorado, realizei estudos de caso comparativos sobre a formação e manejo
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do clínico geral no campo da violência contra as mulheres, e como isso poderia afetar suas práticas. Também
avaliei a eficácia do treinamento nessa questão. Foi muito útil para entender como eles vinham atuando não só
com as vítimas, mas também com os agressores e com as crianças (Taft et al., 2004). Hoje meus principais
interesses de investigação são em ciências sociais aplicadas sobre a efetividade de intervenções dirigidas aos
profissionais de saúde em relação à violência entre parceiros e também na saúde sexual e reprodutiva. Eu uso
ambas análises qualitativa e quantitativa. Me sinto muito confortável para trabalhar com estudos de cunho
epidemiológico e estatístico e também com questões epistemológicas e teóricas. Além de minha vida acadêmica
tenho há muitos anos me envolvido ativamente em “advocacy” na Associação de Saúde Pública da Austrália
(PHAA), em temas relacionados à saúde da mulher, tais como, a prevenção da gravidez não planejada, aborto,
licença-maternidade e outros interesses da agenda de saúde do movimento das mulheres .
DIVERS@! Can you tell us a little about the pioneer gender studies in Australia?
Você pode nos falar um pouco sobre os estudos de gênero pioneiros na Austrália?
AT: Well, here in Australia we began in the 60s and 70s with two important areas of the
women’s movement, which were: one dedicated to women’s equity issues, like differences in
salaries between men and women (still a problem!). The other was focused on violence
against women. Some of the most important people studying gender here were: Germaine
Greer, who is a theorist and published, “The Female Eunuch” about showing women how
they could look at gender issues differently; Jocelyn Scutt, a feminist lawyer and activist;
Dorothy Broom, Patricia Easteal and Heather McGregor all wrote about the development of
the services dedicated to women victims of violence and assault. And a very important
government that contributed to a minor revolution in gender-based services in Australia was
that of a prime minister during 1973-74, called Gough Whitlam. His government funded the
first public community health centres, women’s health centres, centres against sexual assault,
and implemented several issues from women’s and feminist’s agenda. One influence that
made an important link between the movement and the government was the employment of
feminist bureaucrats who were known as “femocrats” in politics. Since that period, women
here in Australia can be considered privileged compared to other countries.
Bem, aqui na Austrália começamos nos anos 60 e 70 com duas áreas importantes do
movimento de mulheres: uma dedicada às questões de equidade das mulheres, como as
diferenças de salários entre homens e mulheres (que ainda é um problema!); outra focada na
violência contra as mulheres. Algumas das pessoas mais importantes desenvolvendo estudos
de gênero aqui foram: Germaine Greer, que é uma teórica e publicou, “The Female
Eunuch”, mostrando às mulheres como elas podem olhar questões de gênero diferentemente;
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Signorelli
Jocelyn Scutt, uma advogada e ativista feminista; Dorothy Broom, Patricia Easteal e Heather
McGregor, que escreveram sobre o desenvolvimento dos serviços dedicados às mulheres
vítimas de violência e agressão. E um governante muito importante, que contribuiu com uma
espécie de revolução na área de serviços baseados em gênero na Austrália, foi um primeiro-
ministro durante 1973-74, chamado Gough Whitlam. Seu governo criou os primeiros centros
comunitários de saúde pública, centros de saúde da mulher, centros contra violência sexual,
e implementou várias questões da agenda de mulheres e feministas. Uma influência que fez
um importante elo entre o movimento e o governo foi a contratação de burocratas feministas
na política, que eram conhecidas como "femocratas". Desde aquele período, as mulheres
aqui na Austrália podem ser consideradas privilegiadas em relação a outros países.
DIVERS@! Can you give us some details about the institute – Mother and Child Health
Research (MCHR) – that you work for?
Você pode nos dar alguns detalhes sobre o instituto que você trabalha - Mother and Child
Health Research (MCHR)?
AT: MCHR started in 1991 with the feminist obstetrician and epidemiologist researcher
Judith Lumley. She wrote an important book, with a colleague Jill Astbury, named “Birth
Rites”(1980). In that period the main pioneer focus of the centre was to develop surveys with
Victoria’s mothers about their experiences of giving birth. The studies evaluated if women
felt satisfied or not with this experience. And if not, why they were not satisfied and how
could these experiences be improved? The centre also was a pioneer in studies about the
birthing experiences of women from immigrant and refugee backgrounds. They conduct
randomised trials of different methods of childbirth and community trials for the prevention
of postnatal depression. And since then, the centre which is very well recognized nowadays,
and now under direction of Professor Rhonda Small, develops studies involving psychosocial
aspects related to pregnancy, birth, reproductive health, violence against women,
interventions projects on health, etc. We have been fortunately successful in competitive
grants to develop both qualitative and quantitative studies and mixed methods approaches,
like ethnographic studies, randomized trials of interventions and with a staff with clinical (like
GPs and midwifery) and also social sciences background.
O instituto MCHR começou em 1991 com a obstetra, pesquisadora epidemiologista e
feminista Judith Lumley. Ela escreveu um livro importante, com uma colega, Jill Astbury,
chamado "Birth Rites" (1980). Nesse período, o foco pioneiro principal do centro era
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desenvolver pesquisas com mães do estado de Victoria sobre suas experiências relacionadas
ao parto. Os estudos avaliavam esse acontecimento, se as mulheres se sentiam satisfeitas ou
não com esta experiência. E se não, porque elas não estavam satisfeitas e como essas
experiências poderiam ser melhoradas. O centro também foi pioneiro no desenvolvimento de
estudos sobre as diferenças culturais da experiência de dar à luz, com mulheres estrangeiras
imigrantes e refugiadas, bem como a realização de ensaios clínicos randomizados sobre
diferentes métodos de parto e ensaios na comunidade sobre prevenção da depressão pós-
natal. E desde aquele momento até hoje, o centro, que é muito bem reconhecido atualmente,
agora sob direção da Professora Rhonda Small, desenvolve estudos e projetos envolvendo
aspectos psicossociais relacionados à gravidez, parto, nascimento, saúde reprodutiva,
violência contra as mulheres e intervenções em saúde, etc. Nós temos obtido subsídios para
desenvolver tanto estudos qualitativos quanto quantitativos através de abordagem
metodológicas diversificadas, como estudos etnográficos, estudos randomizados de
intervenções e contamos ainda com uma equipe com expertise tanto na área clínica (como
clínicos gerais, enfermeiras e obstetras) e também na área de ciências sociais.
DIVERS@! What are your most significant contributions to this study’s area, Angela?
Quais são as suas mais significantes contribuições aos estudos nessa área, Angela?
AT: There is very little trial evidence anywhere of what works to improve abused women’s
health. I have just finished a five year trial of 12 months non-professional mentor support for
abused pregnant or recent mothers identified in primary care. It was called MOSAIC or
Mothers’ Advocates in the Community (Taft et al., 2009) and I really hope that this study
makes a contribution to how non-professional as well as professional social support improves
women’s lives. Also we have a long way to go before I believe we know how health care
systems (and health care providers) anywhere are well supported, effective and confident to
not only support women well, but also do no harm. Previously, with Kelsey Hegarty from
Melbourne University I led an international consensus group developing clinical guidelines
for family doctors, to work with all family members (victims, perpetrators and children) while
dealing with domestic violence issues. These guidelines were endorsed by the “Royal
Australian College of GPs”. Another one study that I’m excited about is the “MOVE” trial,
which focuses on Maternal and Child Health Care Midwifery Nurses in primary care, trying
to design and evaluate a new model for detecting and caring for women victims of domestic
violence in primary care services. I am a Chief Investigator on the “WEAVE” trial, led by
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Kelsey Hegarty, which aims to identify women victims of domestic violence, testing the
effectiveness of small interventions by doctors to reduce the impact of violence in their lives.
I do a little bit of teaching health professionals and overseas doctors about how identify and
deal with women victims of domestic violence, perpetrators and children. With an
international group including Gene Feder, a colleague from the Bristol University, UK, we are
developing a group of Cochrane reviews (Ramsay et al., 2005) on interventions around
partner abuse, and I’m working also on one of this reviews on screening women at the present
moment.
I supervise and co-supervise Ph.D. theses in Public Health. One of these was a co-supervision
with Kelsey Hegarty, about the relations between lesbian and bisexual women and General
Practitioners. The main question was how women disclose their sexual orientation to doctors
and also trying to develop a specific model of care dedicated to these women. Another thesis
was about the emergency contraceptive pill over-the-counter, which is available in Australia
without a prescription since 2004: what Australian women know about this, how they face it
and also the point of view of the pharmacists, about dispensing this. And this was a very
interesting study, because some women thought it was an abortive medication, which is not
true. And talking about abortion, for PHAA, we have also lobbied the Victorian Government
which has now decriminalized abortion. We hope they will develop a sexual and reproductive
health strategy, including comprehensive sex education, contraceptive services and
recognition of support for GLBTI people. We are also lobbying the federal government to
adopt a similar policy.
Há pouca evidência experimental acerca da efetividade de estratégias para melhorar a saúde
de mulheres abusadas. Acabo de terminar um projeto de cinco anos que consistiu em um
suporte durante 12 meses, feito por mentoras não-profissionais, para mulheres grávidas ou
mães recentes, abusadas e identificadas na atenção primária. Era chamado de “MOSAIC”
ou “Mães Advogadas na Comunidade” (Taft et al., 2009) e eu realmente espero que este
estudo contribua para o debate de como o suporte não-profissional, bem como o apoio social
profissional melhoram a vida das mulheres. Também temos um longo caminho a percorrer
antes que eu acredite que os sistemas de saúde (e os prestadores de cuidados de saúde) em
qualquer lugar são bem suportados, eficazes e confiantes, não só para apoiar bem as
mulheres, mas também não ocasionando danos. Anteriormente, com Kelsey Hegarty,
professora da Universidade de Melbourne, lideramos um grupo de consenso internacional de
desenvolvimento de diretrizes clínicas para médicos de família, sobre como trabalhar com
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todos os membros da família (vítimas, perpetradores e crianças), enquanto lidam com
questões de violência doméstica. Essas diretrizes foram aprovadas pelo "Royal Australian
College of GP's” (Colégio Real Australiano de Clínicos Gerais). Outro estudo que eu estou
muito entusiasmada é o ensaio "MOVE” que tem como público específico as enfermairas
especializadas em Saúde Materno-Infantil e Atenção Obstétrica atuantes na atenção
primária. Estamos tentando projetar e avaliar um novo modelo para detectar e cuidar de
mulheres vítimas de violência doméstica em serviços de cuidados primários, com mães que
deram a luz recentemente. Eu sou também uma investigadora-chefe do ensaio "WEAVE",
liderado por Kelsey Hegarty, que visa identificar as mulheres vítimas de violência doméstica,
testando a eficácia de pequenas intervenções realizadas pelos médicos para reduzir o
impacto da violência em suas vidas. Além disso, ensino um pouco a profissionais de saúde e
médicos estrangeiros sobre como identificar e lidar com as mulheres vítimas de violência
doméstica, perpetradores e crianças. Com um grupo internacional, incluindo Gene Feder,
um colega da Universidade de Bristol, Reino Unido, estamos desenvolvendo um conjunto de
revisões para a “Cochrane” (Ramsay et al., 2005), sobre as intervenções em torno do abuso
por parceiro íntimo, e estou trabalhando também no momento atual em uma revisão,
focalizando o rastreamento das mulheres em situação de violência doméstica. Também
supervisiono e co-supervisiono teses de doutorado em Saúde Pública. Uma delas foi uma co-
orientação com Kelsey Hegarty, sobre as relações entre mulheres lésbicas e bissexuais e seus
clínicos gerais. A principal questão era como essas mulheres revelam sua orientação sexual
aos os médicos e também tentar desenvolver um modelo específico de atendimento dedicado
a estas mulheres. Outra tese foi sobre a pílula anticoncepcional de emergência, disponível no
balcão das farmácias na Austrália, sem necessidade de receita médica desde 2004: o que as
mulheres australianas sabem sobre isso, como encaram-na e também o ponto de vista dos
farmacêuticos sobre essa distribuição. E este foi um estudo muito interessante, porque
algumas mulheres pensaram que era um medicamento abortivo, o que não é verdade. E por
falar em aborto, pela PHAA, nós também temos pressionado o Governo de Victoria, que
recentemente descriminalizou o aborto. Esperamos que eles desenvolvvam uma estratégia de
saúde sexual e reprodutiva, incluindo a educação sexual abrangente, os serviços de
contracepção e de reconhecimento e apoio às pessoas GLBTI. Estamos também tentando
influenciar o governo federal a adotar uma política similar.
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Signorelli
DIVERS@! Can you explain us something about the Australian reality related to gender
issues? What are the Australian most significant public policies and future challenges to
reduce gender inequities?
Você pode nos explicar um pouco sobre a realidade Australiana relacionada às questões de
gênero? Quais são as políticas públicas Australianas mais significativas e futuros desafios
para reduzir as inequidades de gênero?
AT: We are a privileged country, but we still have a big gender gap between public policies
and their implementation and also some lack of political representation. Too few women are
represented in parliament. Only in 2010 did Australia implement paid maternity leave to
women who gave birth. In Australia we will reintroduce a National Women’s (and separately
Men’s Health) policies and we have a National Violence against Women Policy (2009),
which includes legislation that criminalizes violence against women. We have many services
that are funded for this issue around the country. At least the majority areas of the country
have access to it. Australia has also lots of campaigns to stop violence against women, but
unfortunately all these strategies are not sufficient to stop men battering women. We have also
a justice system that sometimes is not totally effective, the prosecution for example of rape is
very poor and the majority of women don’t want to disclose due to the system, which is the
same judicial system as England. On the other hand, I think Australia is a privileged country
compared to the rest of the world. Here more resources are dedicated to violence against
women. Especially, in case for example, of a poor woman who leaves her home. She has
benefits and she will be supported by the government in this situation. So, in this case, women
can choose without shame and being supported on the decision, if they want to stay at home
or leave the violent partner. We also have male behaviour change groups and we have a
growing number of services to support children who have witnessed or experienced violence
in the family.
Nós somos um país privilegiado, mas ainda temos um grande hiato de gênero entre as
políticas públicas e a sua implementação e também alguma falta de representação política.
Demasiadamente poucas mulheres estão representadas no parlamento. Só em 2010 a
Austrália implementou licença-maternidade para as mulheres que deram à luz. Na Austrália
iremos reintroduzir uma Política Nacional para Saúde de Mulheres (e de Homens,
separadamente) e temos a Política Nacional de Violência contra a Mulher (2009), que inclui
legislação que criminaliza a violência contra as mulheres. Temos muitos serviços que são
financiados para esse problema em todo o país. Pelo menos a maioria das áreas do país têm
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acesso a ela. A Austrália tem também muitas campanhas para acabar com a violência contra
as mulheres, mas, infelizmente, todas essas estratégias não são suficientes para parar o
espancamento das mulheres pelos homens. Temos também um sistema de justiça que, por
vezes não é totalmente eficaz. A acusação de estupro, por exemplo, às vezes é muito pobre e a
maioria das mulheres não quer divulgar o problema, devido ao sistema, que é o mesmo
sistema judicial a Inglaterra. Por outro lado, acho que a Austrália é um país privilegiado em
relação ao resto do mundo. Aqui mais recursos são dedicados a violência contra as
mulheres. Especialmente, no caso, por exemplo, de uma mulher pobre que deixa sua casa.
Ela tem vantagens e ela será apoiada pelo governo nessa situação. Então, neste caso, as
mulheres podem escolher, sem vergonha e ainda sendo apoiadas em suas decisões, se elas
querem ficar em casa ou deixar o(a) parceiro(a) violento. Temos também grupos de mudança
de comportamento masculino e temos um número crescente de serviços de apoio às crianças
que presenciaram ou sofreram violência na família.
DIVERS@! And to finalize, can you tell us about your future research interests?
E para finalizar, você pode nos falar sobre seus futuros interesses de pesquisas?
AT: I intend to continue with all the projects I’m developing now and I have special interest
on cross-cultural partner abuse studies from developing countries. I am working with data
from my cross-cultural sub-study in MOSAIC, and want to extend this work with the
Vietnamese and Indian community of Australia. I will continue my studies to evaluate
effective interventions to improve the wellbeing of women abused by partners, especially in
primary care. I am interested in prevention of alcohol-related partner violence and its
relationship to sexual coercion and unplanned pregnancy. I will also continue my work to
improve sexual and reproductive health care services. This is the reason, I was so happy when
you wrote to me, Marcos, asking to stay some time here, because I am keen to extend
international collaborations, and I really want to know more about the Brazilian context. So, I
think international collaborations are valuable and my main area of studies includes human
rights issues and its intersection with health, including themes like: violence against women,
maternal mortality, cultural differences, primary care, gender and equity.
Eu pretendo continuar com todos os projetos que estou desenvolvendo agora e tenho
interesse especial em estudos transculturais sobre abuso por parceiro(a) íntimo(a) em países
em desenvolvimento. Estou trabalhando com os dados do meu sub-estudo transcultural do
“MOSAIC”, e pretendo estender esse trabalho com a comunidade vietnamita e indiana na
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Austrália. Vou continuar meus estudos para avaliar a eficácia das intervenções para
melhorar o bem-estar das mulheres agredidas pelos(as) parceiros(as), especialmente na
atenção primária. Estou interessada na prevenção da violência entre parceiros e sua relação
com álcool, coerção sexual e gravidez não planejada. Além disso, vou continuar meus
trabalhos para melhorar os serviços de saúde sexual e saúde reprodutiva. Essa é a razão,
Marcos, que eu fiquei tão feliz quando você me escreveu, pedindo para ficar algum tempo
aqui, porque eu estou interessada em alargar colaborações internacionais, e eu realmente
quero saber mais sobre o contexto brasileiro. Então, penso que colaborações internacionais
são valorosas e minha principal área de estudos inclui questões de direitos humanos e sua
intersecção com a saúde, incluindo temas como: violência contra as mulheres, mortalidade
materna, diferenças culturais, cuidados primários em saúde e eqüidade de gênero.
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TAFT, A. J.; SMALL, R.; HEGARTY, K. L.; LUMLEY, J.; WATSON, L. F.; GOLD, L. MOSAIC (MOthers' Advocates In the Community): protocol and sample description of a cluster randomised trial of mentor mother support to reduce intimate partner violence among pregnant or recent mothers. BMC Public Health, v. 9, n. 159, p. 1-13, 2009.
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Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 60-71, jan./jun. 2010 69
Signorelli
TIME FOR ACTION: THE NATIONAL COUNSIL’S PLAN FOR AUSTRALIA TO REDUCE VIOLENCE AGAINST WOMEN AND THEIR CHILDREN, 2009-2021. Canberra: Department of Families, Housing, Community Services and Indigenous Affairs, March 2009.
About Dr. Angela Taft:
Angela has an undergraduate degree in English and Russian Language and Literature, Fine
Arts and Philosophy and a Diploma of Education from University of Melbourne. Her masters
(Monash University) and her Ph.D. (Australian National University) are in Public Health. In
the present Angela is a Senior Research Fellow at Mother and Child Health Research
(MCHR), La Trobe University and an Honorary Fellow in the Department of General
Practice, University of Melbourne, in Melbourne, Australia.
e-mail: [email protected]
Sobre Dra. Angela Taft:
Angela é graduada em Língua e Literatura Inglesa e Russa,
Belas Artes, Filosofia e um diploma de Educação pela
Universidade de Melbourne. Seu mestrado (Universidade de
Monash) e doutorado (Universidade Nacional da Australia)
são em Saúde Pública. Atualmente Angela é Pesquisadora Sênior no “Centro de Pesquisas
em Saúde Materno-Infantil (MCHR)”, “Universidade La Trobe” e Colaboradora Honorária
no Departamento de Clínica Geral, na “Universidade de Melbourne”, em Melbourne,
Austrália.
e-mail: [email protected]
About the interviewer and translator to Portuguese:
Marcos Claudio Signorelli is graduated in Physiotherapy, has a Masters Degree in Physiology
and is currently developing his Ph.D. in Public Health. Marcos is performing in 2010 part of
his Ph.D. studies at Mother and Child Health Research (MCHR), La Trobe University, in
Melbourne, Australia under supervision of Dr. Angela Taft and supported by CAPES.
e-mail: [email protected]
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 60-71, jan./jun. 2010 70
Signorelli
Sobre o entrevistador e tradutor para o português:
Marcos Claudio Signorelli é graduado em Fisioterapia pela
Universidade Regional de Blumenau, tem Mestrado em
Fisiologia pela Universidade Federal do Paraná e está
atualmente realizando seu Doutorado em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal de São Paulo. Marcos está desenvolvendo
em 2010 parte de seus estudos de doutorado no “Mother and
Child Health Research (MCHR)”, “La Trobe University”, em Melbourne, Austrália, sob a
supervisão da Dra. Angela Taft e suportado pela Coordenação de Aperfeiçoamente de
Pessoal de Nível Superior - CAPES. Professor Assistente na UFPR Litoral.
e-mail: [email protected]
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 60-71, jan./jun. 2010 71
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bibliográficas devem estar no final do texto, em ordem alfabética. Devem ser seguidas as especificações técnicas da ABNT;
9- Artigos, resultados e notas de pesquisas, ensaios teóricos, relato de experiências e de projetos, traduções, resenhas e
entrevistas devem ter no mínimo cinco e no máximo quinze laudas;
10- Como a apreciação dos textos considera o sigilo quanto à identidade dos autores, deve ser apresentada na primeira página
uma folha de rosto, separada do texto, contendo: título, nome(s) completo(s) do(s) autor(es), formação acadêmica e/ou
experiência profissional, filiação institucional, endereço, telefone e e-mail para contato. Esta página deve ser o único
local onde a autoria aparece. É responsabilidade dos autores verificarem se não existem elementos capazes de identificá-los.
A folha de rosto não será encaminhada aos pareceristas;
11- Na segunda deverá ser omitido o nome e demais dados do(s) autor(es); deverão aparecer o título, acompanhado de sua
tradução para o inglês, em letras maiúsculas, negrito, com alinhamento centralizado. O resumo e abstract de até 10
linhas, três palavras-chaves e keywords, todos justificados, letra 12 e em espaçamento simples.
12- A Coordenação Editorial compromete-se a dar uma resposta aos autores quanto à aceitação ou não dos artigos, por meio
de comunicação eletrônica. Em caso de aprovação poderão ser sugeridas modificações; em caso de recusa não serão
comunicadas as razões;
13- Caso seja necessário os textos serão encaminhados ao(s) autor (es) para revisão, sendo esta de inteira responsabilidade
do(s) autor(es);
14- Não serão aceitos para publicação textos que contenham termos ou idéias preconceituosas ou que exprimam pontos de
vista incompatíveis com a filosofia de trabalho da Revista Divers@!;
15- Os textos devem ser enviados apenas por meio eletrônico através do e-mail: [email protected].
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 72, jan./jun. 2010
CHAMADA DE MANUSCRITOS
Coordenação Editorial da Revista Divers@!
Resumo
A Divers@! Revista Eletrônica Interdisciplinar é um periódico científico semestral vinculado ao Grupo
Interdisciplinar de Estudos, Ensino, Pesquisa e Extensão sobre Representações de Gênero e Diversidade
(REGEDI) do Setor Litoral/UFPR em Matinhos/PR.
A Coordenação Editorial da Revista Divers@! informa que a chamada de trabalhos (artigos, resultados e notas
de pesquisas, ensaios teóricos, relato de experiências e de projetos, traduções, entrevistas, resenhas, entre outras
produções) é de forma contínua sem data específica de recebimento.
Serão priorizados os temas inéditos para a demanda contínua, conforme as áreas temáticas que são: 1. Arte e
Cultura; 2. Cidadania e Sociedade; 3. Educação; 4. Gênero e diversidade; 5. Questões agrárias e urbanas; 6.
Saúde; 7. Tecnologias; 8. Trabalho.
Os textos deverão ser enviados apenas por meio eletrônico através do e-mail: [email protected].
Artigos fora das normas para publicação na revista não serão avaliados e serão devolvidos ao(s) autor(es).
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 73, jan./jun. 2010
Universidade Federal do Paraná
Setor Litoral
Coordenação Editorial da Revista Divers@!
Rua Jaguariaíva, 512 - Caiobá - Matinhos/PR - CEP:83260-000
site: http://www.litoral.ufpr.br/diversa/
e-mail: [email protected]
Divers@ Revista Eletrônica Interdisciplinar, Matinhos, v. 3, n. 1, p. 1-73, jan./jun. 2010