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Resumo: Este ensaio pretende problematizar o termo “Pedagogia Social” tal como é empregado na Europa, mais especificamente na Espanha e Portugal, em comparação às práticas de educação não escolar construídas e consolidadas no Brasil. Propõe explorar possíveis convergências e/ou divergências existentes entre os pressupostos teórico-filosóficos e metodológicos de ambas as experiências. Trata-se, no entanto, de uma primeira aproximação de cunho teórico ao tema, motivada pela inserção das pesquisadoras em áreas de ensino, pesquisa e extensão que privilegiam práticas de educação historicamente (re)conhecidas como não formais. O texto também pretende refletir sobre estas intervenções educativas, estabelecendo com elas um diálogo no sentido de tensionar os seus contornos com diferentes áreas do conhecimento, ao mesmo tempo em que reitera a necessidade de um estudo que se debruce sobre a Pedagogia Social enquanto um conhecimento que ultrapassa fronteiras disciplinares e transversaliza práticas de educação não escolar. Palavras-chave: educação, práticas de educação, educação não escolar, pedagogia social. Abstract: This article discusses the concept of Social Pedagogy as it has been used in Europe, more specifically in Spain and Portugal, comparing it to the experiences of non-formal education constructed and consolidated in Brazil. It explores the possible convergences or divergences between the philosophical theories and methodological assumptions of both experiences. However, it is a tentative theoretical approach to the topic, motivated by the authors’ involvement in the areas of teaching, research and extension courses that emphasize educational practices historically seen as non-formal. The paper also reflects on these educative interventions, establishing a dialog with them in order to relate them to other areas of knowledge. At the same time it reiterates the need for a study on Social Pedagogy as a knowledge that crosses discipline boundaries and transversalizes non-formal educational practices. Key words: education, educational practices, non-formal education, social pedagogy. Explorando outros cenários: educação não escolar e pedagogia social Exploring other scenarios: Non-formal education and social pedagogy Eliana Moura [email protected] Dinora Tereza Zuchetti [email protected] O contexto: concepções e práticas de educação 1 Tomamos a concepção proposta por Humberto Maturana (1999), na qual a educação é um processo de interação que ocorre o tempo todo, confirmando o conviver em socieda- de e ressaltando seus efeitos de lon- ga duração, suas características con- servadoras, além de sua constitui- ção como via de mão dupla onde quem educa é, ao mesmo tempo, edu- cado – bem ao gosto da Pedagogia Freireana – porque demarca sua am- 1 Este artigo é resultado das discussões produzidas a partir do projeto de pesquisa Formação de Educadores em Práticas Socioeducativas, que é financiado pelo CNPq e conta com a participação da Bolsista de Iniciação Científica acadêmica Marcieli Beluczyk, do Curso de Graduação Ensino da Arte na Diversidade da Feevale. Educação Unisinos 10 10 10 10 10(3):228-236,setembro/dezembro 2006 © 2006 by Unisinos 228a236_ART07_Moura[rev].pmd 28/2/2007, 15:23 228

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Resumo: Este ensaio pretende problematizar o termo “Pedagogia Social” tal como éempregado na Europa, mais especificamente na Espanha e Portugal, em comparação àspráticas de educação não escolar construídas e consolidadas no Brasil. Propõe explorar possíveisconvergências e/ou divergências existentes entre os pressupostos teórico-filosóficos emetodológicos de ambas as experiências. Trata-se, no entanto, de uma primeira aproximaçãode cunho teórico ao tema, motivada pela inserção das pesquisadoras em áreas de ensino,pesquisa e extensão que privilegiam práticas de educação historicamente (re)conhecidascomo não formais. O texto também pretende refletir sobre estas intervenções educativas,estabelecendo com elas um diálogo no sentido de tensionar os seus contornos com diferentesáreas do conhecimento, ao mesmo tempo em que reitera a necessidade de um estudo quese debruce sobre a Pedagogia Social enquanto um conhecimento que ultrapassa fronteirasdisciplinares e transversaliza práticas de educação não escolar.

Palavras-chave: educação, práticas de educação, educação não escolar, pedagogia social.

Abstract: This article discusses the concept of Social Pedagogy as it has been used inEurope, more specifically in Spain and Portugal, comparing it to the experiences of non-formaleducation constructed and consolidated in Brazil. It explores the possible convergences ordivergences between the philosophical theories and methodological assumptions of bothexperiences. However, it is a tentative theoretical approach to the topic, motivated by theauthors’ involvement in the areas of teaching, research and extension courses that emphasizeeducational practices historically seen as non-formal. The paper also reflects on these educativeinterventions, establishing a dialog with them in order to relate them to other areas ofknowledge. At the same time it reiterates the need for a study on Social Pedagogy as aknowledge that crosses discipline boundaries and transversalizes non-formal educational practices.

Key words: education, educational practices, non-formal education, social pedagogy.

Explorando outros cenários:educação não escolar e pedagogia social

Exploring other scenarios:Non-formal education and social pedagogy

Eliana [email protected]

Dinora Tereza [email protected]

O contexto: concepções epráticas de educação1

Tomamos a concepção propostapor Humberto Maturana (1999), na

qual a educação é um processo deinteração que ocorre o tempo todo,confirmando o conviver em socieda-de e ressaltando seus efeitos de lon-ga duração, suas características con-

servadoras, além de sua constitui-ção como via de mão dupla ondequem educa é, ao mesmo tempo, edu-cado – bem ao gosto da PedagogiaFreireana – porque demarca sua am-

1 Este artigo é resultado das discussões produzidas a partir do projeto de pesquisa Formação de Educadores em Práticas Socioeducativas, que éfinanciado pelo CNPq e conta com a participação da Bolsista de Iniciação Científica acadêmica Marcieli Beluczyk, do Curso de Graduação Ensino daArte na Diversidade da Feevale.

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plitude – para além da instituição es-cola – e contextualiza o âmbito daspráticas educativas sobre as quaisnos referimos.

Todavia, em nosso contato diáriocom professore(a)s/acadêmico(a)sque atuam, especialmente, em escolasde ensino básico, temos nos depara-do com comentários que revelam eexpressam suas severas críticas emrelação à forma como pais educamseus filhos. Segundo este(a)sprofessore(a)s/acadêmico(a)s, ospais, ao exercitarem a tarefa de educar,às vezes por omissão ou negligência,cada vez mais depositam sobre o(a)sprofessore(a)s a expectativa da boaeducação dos seus filhos. Tais comen-tários induzem-nos a constatar que ascrescentes demandas pela educaçãogeral das crianças, no âmbito da esco-la, têm se traduzido num certo mal-es-tar, o qual o(a)s educadore(a)s/acadêmico(a)s referem como “o pesode administrar os conflitos/problemas/fragilidades familiares” que invademo cotidiano da escola.

Tais discursos revelam, também,uma nítida divisão de atribuições en-tre o que é da escola e o que está paraalém dela, sugerindo que estas ativi-dades não se constituem em tarefaeducativa que mereça a “atenção” doprofessor.

Não obstante, os relatos daquele(a)seducadore(a)s/acadêmico(a)s que atu-am em projetos socioeducativos2 de-nunciam uma crescente “impotência” e/ou “negligência” dos pais diante daeducação dos filhos. Conduzem-nos asuspeitar desconhecerem as atuais ten-dências em relação ao cuidado despen-dido a jovens e crianças, independente-mente da origem socioeconômica, querecomendam seja cada vez mais com-partilhado entre famílias e instituiçõesde educação, entre elas, as escolas, mastambém aquelas reconhecidas como deapoio sociofamiliar.

Neste contexto, em que tanto os/as educadore(a)s/acadêmico(a)s queatuam em projetos socioeducativosquanto seus/suas colegas que atuamem espaços escolares fazem uma am-pla utilização de um discurso que con-diciona a “ignorância” atribuída aospais e/ou responsáveis à causa e/ouconseqüência de sua suposta falta decompromisso e/ou negligência em re-lação à educação de seus filho(a)s,indagamos se não estariam ele(a)sanalisando a realidade vivida pelasfamílias desde uma ótica extremamen-te simplificadora.

Em especial, naqueles casos em quea situação socioeconômica das famíli-as é de desvantagem – como no uni-verso de escolas públicas das perife-rias urbanas e nas ações socioeduca-tivas em geral – não estariam este(a)seducadore(a)s/acadêmico(a)s lançan-do mão de valores preconcebidos paraexplicá-las?

Preocupações dessa ordem sãoválidas quando pensamos no poten-cial de transformação que pode nãovir a se atualizar em práticas de edu-cação que evitam confrontar-se comproblemas e dificuldades de nature-zas diversas, porque não colocam emquestão os contextos dos quais emer-gem e sobre os quais intervêm. Istoporque a idéia hegemônica é a deque a educação está completamenteligada à instituição escola. Há aquium movimento necessário, no senti-do de desestabilizar esta construçãohistórica recente, para que outroscenários possam se agregar à esco-la no compartilhamento da tarefa deeducar. No caso dos saberes das fa-mílias, por exemplo, trata-se de res-gatar o seu papel de lócus afetivodo educar, enquanto um espaço pos-sível e necessário que foi sendosubstituído e desprestigiado pelossaberes e poderes acadêmico-cien-tíficos.

Práticas de educação nãoescolar: formais ou nãoformais

Vivemos num tempo e numa reali-dade em que a sociedade civil temsido chamada a parceirizar com o Es-tado a intervenção sobre os pior si-tuados. Talvez por inspiração na ló-gica cristã que propugna necessáriofazer-se algo para ajudar os necessi-tados ou para reafirmar idéias precon-cebidas de que estes grupos sociais– pais, mães, responsáveis com ousem relação de parentesco – não sãocapazes de educar e, portanto, neces-sitam da intervenção de outrem. Nosanos recentes, temos assistido aocrescimento vertiginoso de projetossociais de caráter educativo, com ca-racterísticas compensatórias, aco-lhendo crianças e jovens e desenvol-vendo, entre outras atividades, umaeducação pautada em valores para avida e para o “bem comum”.

Na sua maioria, esses projetos re-ferenciam uma educação voltada à ci-dadania, não mais no sentido da ga-rantia da participação e organizaçãoda população civil, na luta contra oregime militar – tal como ocorria noperíodo dos anos 70 e 80 – mas nosentido de uma cidadania ressignifi-cada para o exercício da civilidade, daresponsabilidade e para a responsa-bilização social de todos, conformeGohn (2002). Numa proposição, nemsempre experimentada, de vivermos“melhor” em/na sociedade é que açõesde caráter socioeducativo e projetossociais, geralmente (de)marcados porações pontuais, de baixo custo e comrecursos materiais, financeiros e hu-manos escassos, têm sido apresenta-dos como direito dos que deles ne-cessitam, conforme anuncia a Lei Or-gânica da Assistência Social, de 1993.

Resguardados os resultados des-tas práticas que ocorrem mais no en-

2 Entendemos, em consonância com Carvalho e Azevedo (2004), que os projetos socioeducativos são ações complementares à escola e que conjugameducação e proteção social, baseadas em legislações afirmativas que atendem, preferencialmente, crianças, adolescentes e jovens no contraturno escolar.

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torno das atividades do que nelaspróprias3, interessa-nos compreendê-las no atual contexto brasileiro e, mes-mo que numa primeira aproximaçãoteórica ao tema, demonstrar as con-vergências e divergências entre suasdiversas formas de nomeá-las, além derefletir sobre seu lugar nas ciênciashumanas.

Sabe-se que inúmeras experiênci-as de educação não escolar têm sidodefinidas, pesquisadas, estudadas esistematizadas historicamente comoeducação não formal. Nesse sentido,recorremos a Maria da Gloria Gohn(2001a, p. 32) para uma definição des-ta prática que

aborda processos educativos que ocor-rem fora das escolas, em processoseducativos da sociedade civil, ao redorde ações coletivas do chamado terceirosetor da sociedade, abrangendo movi-mentos sociais, organizações não go-vernamentais e outras entidades semfins lucrativos que atuam na área [...]4.

No entanto, na tentativa de melhorcompreender estas formas de educa-ção, pretendemos discutir e pensarconceitos que nos auxiliem na com-preensão destes espaços educativosem ascensão, num universo em queas pesquisas, em geral, debruçam-semais sobre os resultados dos proces-sos educativos que envolvem sujei-tos “excluídos” na busca por brechasde inclusão social do que análisesepistemológicas das ações sociais decaráter educativo.

Partimos, assim, da denominaçãoeducação não escolar com o propósi-to de distinguir esta prática educativadaquela que acontece no intramurosda escola. Embora, historicamente, otermo educação não formal venha sen-

do utilizado, de forma sistemática, paranomear práticas fora do âmbito dasescolas, entendemos que esta nome-ação pode constituir um importantelimitador para a análise das inúmerasexperiências de educação fora da es-cola e sua relação com o complexocontexto atual.

Sabemos que, no âmbito das práti-cas de educação em geral, a expres-são “não formal” opõe-se à formaliza-ção da escola e suas legislações, queimpõem a participação compulsória desegmentos da sociedade de acordocom faixas cronológicas estabeleci-das. No entanto, ressaltamos a emer-gência de legislações afirmativas vol-tadas para as populações mais vulne-rabilizadas que sugerem, direta ou in-diretamente, ações que resgatam e(re)afirmam direitos e que compensamperdas históricas, entre outras. Geral-mente, estas ações afirmativas se apre-sentam como “práticas socioeducati-vas” e, mesmo que realizadas em es-paços diferentes do escolar, constitu-em práticas formalizadas. O Estatutoda Criança e do Adolescente – ECA,no artigo 90, não deixa dúvidas da for-malidade e necessidade de formaliza-ção destas práticas:

As entidades de atendimento são res-ponsáveis pela manutenção das pró-prias unidades, assim como pelo pla-nejamento e execução de programasde proteção e sócio-educativos desti-nados a crianças e adolescentes, emregime de: I - orientação e apoio só-cio-familiar; II - apoio sócio-educativoem meio aberto; III - colocação famili-ar; IV - abrigo; V - liberdade assistida;VI - semi-liberdade; VII - internação.Parágrafo único. As entidades gover-namentais e não-governamentais de-verão proceder à inscrição de seus

3 Ver Zucchetti (2003).4 Deivis P. B. dos Santos (2004) demonstra que a Educação no Terceiro Setor se caracteriza como um campo de ação mais restrito que a Educação NãoFormal. Sugere que ao conceito apresentado por Gohn seja acrescido que a Educação no Terceiro Setor “deve ser voltada para as populaçõespauperizadas e ter, como compromissos centrais, o apoio aos processos de emancipação humana e superação das condições de exploração, às quaisgrandes parcelas sociais estão submetidas” (p. 47). Estas subdivisões e uma ênfase mais nos sujeitos e suas situações do que em característicaspedagógicas comuns poderá ocasionar uma multiplicidade de formas de nomeação, ao infinito, no âmbito do não formal. Algumas experiências dão estadimensão: educação de/na rua, educação comunitária, educação no terceiro setor, entre outras, sugerem uma tentativa de circunscrever as especificidadesem detrimento das convergências.

programas, especificando os regimesde atendimento, na forma definida nes-te artigo, junto ao Conselho Munici-pal dos Direitos da Criança e do Ado-lescente, o qual manterá registro dasinscrições e de suas alterações, do quefará comunicação ao Conselho Tute-lar e à autoridade judiciária.

Este artigo do ECA reitera que asentidades de caráter social, educati-vas ou de qualquer outra natureza, quese dedicam à proteção da infância eda juventude devem formalizar e justi-ficar as suas ações numa rede socialmais ampla a fim de legitimar o seuprojeto e sua prática pedagógica e, decerta forma, ter o “aceite” prévio deum ente reconhecido organizador dapolítica, no âmbito dos municípios.

Além disso, nestas práticas tambémestá presente a questão da obrigatori-edade, em especial naqueles casos emque há determinação judicial para oatendimento de crianças ou adolescen-tes em projetos de (res)socialização,destacando-se o seu caráter educati-vo, mas lembrando-se que, na maioria,constituem práticas de educação nãoescolar.

Deste modo, entendemos que osexemplos citados, na medida em quehá a presença do Estado – direta ouindiretamente – por meio de um apara-to burocrático mais ou menos demo-crático, como nos casos em que existeuma rede de proteção (controle) maisampla, constituem práticas “formais”de educação, ainda que situadas forado contexto escolar.

Um segundo elemento a ser desta-cado, em torno da reflexão sobre a ex-pressão “não formal” para nomear ex-periências educativas fora do âmbitodas escolas, diz respeito ao expressi-vo sentido de oposição que pode ser

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atribuído a estas práticas para, destaforma, definir, a priori, os sujeitos quelhes são atinentes e uma possível dis-tinção entre os que acessam a educa-ção e a cultura erudita e os que têmdemandas por serviços sociais, nopior sentido da expressão, entendidapelo viés assistencialista. Embora re-conheçamos as necessárias distin-ções entre as diferentes formas deeducação, entendemos que é precisoresguardar e, mais, garantir a sua com-plementaridade, além da necessidadede ambas serem asseguradas comodireito da cidadania.

Além disso, um terceiro elemen-to enfatiza a relação formal das prá-ticas de educação não escolar que,de forma crescente, tem se visibili-zado e publicizado por meio de ex-pressões como educação popular,educação comunitária, educaçãonos movimentos sociais, educaçãosocial de/na rua, etc., e que, em ge-ral, apresentam-se formalizadas atra-vés de ações que contam com cor-po docente, metodologias definidas,processos de avaliação e acompa-nhamento, entre outros.

Desse modo, as práticas de edu-cação não escolar parecem estar fixa-das num Sistema tanto quanto a edu-cação escolar, embora não compo-nham o Sistema de Ensino. Talvez,nesta lógica, fosse possível pensarnum Sistema de Formação – na medi-da em que também estão pautadaspor legislações, metas, tempos, prin-cípios, obrigatoriedade, entre outros– sob os auspícios de Ministérioscomo Educação, DesenvolvimentoSocial e Combate à Fome, Trabalho eEmprego, Cidades, entre outros, rei-terando a dimensão intersetorial depráticas desta natureza.

Com efeito, embora preservandocertas características, como concep-ção de direito, garantia de acesso/par-ticipação e permanência, dadas pordemandas internas – de sujeitos vul-nerabilizados – ou externas – ancora-das na sociedade e seu “medo ambi-ente”, expressão cunhada por Bau-man (1999), nos últimos anos, as prá-ticas de Educação Não Escolar têm-se transformado em atividades reco-nhecidas pelo Estado e pela socieda-de. Neste sentido, ao mesmo tempoem que se apresentam, sem dúvidaalguma, como uma alternativa de aces-so à educação, também configurampráticas de educação formal(izadas).

Por fim, no efeito da experiência, adiferenciação entre práticas de edu-cação “não formal” (enquanto sinô-nimo de educação não escolar)5 e prá-ticas de educação formal (como sinô-nimo de educação escolar), além da(de)marcação de lugares sociais, es-camoteia e legitima processos de en-sino e aprendizagem marcados pelapresença de relações poder-saber. Se,no espaço da escola, esta relação seexplicita por meio da presença e dopapel do professor, do currículo es-colar, por exemplo, no campo social,embora mais diluída, ela também semanifesta através da presença demarcadores específicos tais comometas, metodologias, técnicas, pro-cessos de avaliação e acompanha-mento, impacto social, etc.

A partir das reflexões acima e mes-mo correndo os riscos da utilizaçãobinária, propomos a simples denomi-nação “educação não escolar” paradistinguir todas as práticas educati-vas que ocorrem no campo social da-quelas que ocorrem no interior da es-cola. Entendemos que a nomeação

“escolar” e “não escolar”6 permite-nos referenciar a educação mais pe-las suas práticas pedagógicas (eixoque baliza a utilização da expressãoproposta) do que pela ênfase nossujeitos a elas afetos. A partir destadistinção primeira e mais geral, pode-se acolher a expressão “formal” paradesignar qualquer tipo de prática edu-cativa que, a despeito de situar-se,ou não, no espaço escolar, seja de-senvolvida segundo marcadores “ins-titucionalmente” legitimados, taiscomo legislações, metas, tempos, prin-cípios, obrigatoriedade, entre outros.

Entendemos que, mais do que in-sistir numa demarcação nominal, faz-se necessário firmar e afirmar a exis-tência de uma prática de educação nãoescolar, de caráter social, com toda aambigüidade que esta expressão podesignificar.

As mutações das praticaseducativas: para além denomeações e dicotomias

Historicamente, a realidade brasi-leira – caracterizada pela desigualdistribuição de renda – produziu umcontexto de marginalização e exclu-são social cuja solução, necessaria-mente, passa pela instauração deuma nova ordem social que deman-da tempo e investimentos. A fim deamenizar essa situação, tradicional-mente, inúmeras entidades e órgãos(governamentais ou não, laicos ouconfessionais) têm buscado alterna-tivas a partir de intervenções basea-das em práticas educativas. Em ge-ral, trata-se de propostas engajadas(ao menos discursivamente) em pro-jetos de transformação social que,geralmente, desenvolvem-se no âm-

5 Neste caso há ainda a presença de um imaginário que pouco se sustenta, nos tempos atuais, uma vez que o “não formal”, de forma geral, está longede possuir a dimensão política transformadora de outrora.6 A justificativa pela escolha da expressão “educação não escolar” em detrimento da “educação não formal” como prática complementar à educaçãoformal/escolar está fundamentada especialmente pelo caráter formal que experiências socioeducativas têm adquirido nos últimos anos. Este artigoexplicita algumas destas formalizações, entre elas, as legislações afirmativas, a busca pela formação acadêmica dos educadores de projetos sociais emovimentos sociais, a opção por construir projetos pedagógicos que contemplam propostas metodológicas, avaliação, etc. Desta forma e considerandoque a expressão “educação não formal” opõe-se à crescente formalização das práticas não escolares é que optamos pela sua utilização. A dimensãopolítica, na maioria das vezes pouco presente em práticas socioeducativas, é mais um elemento de distinção.

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bito do que se convencionou cha-mar uma educação social. Com efei-to, a matriz teórico-prática da “edu-cação social”7 parece estar alicerça-da nas inúmeras experiências de edu-cação popular latino-americanas,principalmente, ocorridas nos anos1960 e 1970. No entanto, na medidaem que estão voltadas para mudan-ças objetivas no campo social, es-sas propostas também vão sofrendoalterações ao longo do tempo.

Neste sentido, faz-se necessáriomencionar os movimentos ocorridosno Brasil, após a década de 1970, queconduziram tais experiências a umacrescente aproximação com o Esta-do, quer na busca de uma atuaçãoconjunta, quer tomando-o como par-ceiro na disponibilização de recur-sos públicos para a execução dos di-versos projetos. Assim, ao longo dasúltimas décadas, pelo menos, umamudança concreta pode ser obser-vada: a gestão de projetos de educa-ção não escolar, realizada por enti-dades do chamado Terceiro Setor e/ou por Organizações Não Governa-mentais, vem configurando um novocenário para as experiências de edu-cação fora do âmbito escolar e de-monstrando a forma crescente comoo Estado tem se omitido de suas res-ponsabilidades sociais.

Outra mudança relevante podeser observada na forma como as prá-ticas de educação não escolar vêm-se apresentando, perdendo muitode suas características de projetopopular de transformação social ede formação da consciência, com ex-

ceção daquelas experiências vincu-ladas aos movimentos sociais e asegmentos específicos da Igreja,que (de)marcam sua luta nas dimen-sões ético-políticas e educativas.Além disso, no que se refere à atua-ção do(a)s educadore(a)s, temos ob-servado que, na sua maioria,este(a)s não possuem uma compre-ensão mais ampla e crítica sobre estefenômeno, assim como não demons-tram possuir um engajamento polí-tico no sentido de militarem por al-guma questão social.

Assim, a partir do nosso envolvi-mento em projetos de pesquisa e deextensão universitária – uma propos-ta de geração de trabalho e renda e doresgate bibliográfico que temos reali-zado sobre a educação popular8, emer-giu nosso interesse em realizarmos umestudo mais detalhado a fim de com-preendermos a educação não escolarenquanto fenômeno social demarca-do no/pelo tempo presente.

Primeiro, cada vez mais, pode-seperceber que, em sua maioria, taispráticas não parecem tratar-se de umaeducação com o povo e sim para opovo, na qual os sujeitos – sejam elesjovens, crianças, mulheres, desem-pregados ou subempregados – nãose constituem, necessariamente, emautores do processo.

Também se pode observar umdeslocamento no perfil do(a) “clás-sico” educador(a) popular e/ou doeducador social engajado, o qual,hoje, não é necessariamente um(a)ativista ou militante, mas alguém que– com ou sem formação acadêmica –

aproxima-se mais do perfil do(a)professor(a) ou, em alguns casos,do(a) instrutor(a), que, orientado porum projeto maior, constitui um(a)entre o(a)s outro(a)s membros de umgrupo de trabalho que ganha “ares”de atuação/intervenção técnica. Emgeral, a formação deste(a)seducadore(a)s9 ocorre em serviço,mas, em vez de estar assentada napráxis – no sentido marxista – cons-titui uma formação na qual existe apresença de orientadore(a)s/coordenadore(a)s desempenhando afunção de fazer refletir – de fora –sobre uma prática com o propósitode capacitar o(a) educador(a) para otrabalho social.

Também merece ser mencionado oadvento do trabalho voluntário. Semque se pretenda realizar, aqui, umaanálise pormenorizada desta prática,principalmente, no que se refere àscondições de precarização do traba-lho, destacamos as possíveis conse-qüências de suas intervenções sobreo campo social, as quais, geralmente,descontextualizadas dos pressupos-tos ético-filosóficos que as permei-am, correm o risco de tornarem-seações que apenas respaldam e legiti-mam as hegemônicas visões de ho-mem e de sociedade.

Além disso, as práticas de educa-ção não escolar também têm sido,cada vez mais, exercidas via estági-os, concorrendo para que se torneuma ação ainda mais desqualificada,na medida em que a formação acadê-mica oferecida, geralmente, tende aestar prioritariamente mais voltada

7 Marlene Ribeiro (2004, p. 1), questiona: “Se o processo de formação humana é de natureza social, como se poderia falar de uma educação social?Não seria esta qualificação do substantivo educação uma redundância ou mesmo uma redução da responsabilidade do social, tornado adjetivo pelaeducação substantivada?” Reforçando a experiência positiva da Pedagogia Social do Movimento Sem Terra – MST e, ao mesmo tempo, referenciandooutras experiências especialmente voltadas às populações mais vulnerabilizadas e suas demandas por projetos populares, a autora reitera a riquezadestas experiências ao mesmo tempo em que alude que a educação social é uma questão mais complexa do que aparenta.8 A revisão bibliográfica em torno deste tema percorreu autores como Carlos Rodrigues Brandão (1986, 1995), Paulo Freire (1989), Maria da GloriaGohn (2001b), entre outros.9 O educador social, como “profissional híbrido” (Fermoso, 1998, p. 93), pode atuar de diferentes formas, designadamente com a família, com ascrianças ou jovens, no meio onde se registrem focos de violência e mesmo na escola como elemento mediador. Seu campo de ação, segundo Petrus(1997, p. 27) são “os setores sociais em desequilíbrio […] além de solucionar determinados problemas próprios da inadaptação, tem duas funções nãomenos importantes: a primeira, desenvolver e promover a qualidade de vida de todos os cidadãos; a segunda, adotar e aplicar estratégias deprevenção das causas dos desequilíbrios sociais. Paulo Freire (1989) faz uma distinção entre o educador popular e o professor. Sobre o primeiro afirmaser intelectual de classe média comprometido com as lutas populares. A professora ou o professor é “aquela pessoa que se dedica ao assim chamado‘ensino dentro da escola formal’” (p. 45).

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para o contexto escolar do que osespaços não escolares10. Dessemodo, a formação específicadesse(a) educador(a), quando exis-te, constitui-se em “formação em ser-viço”, coordenada por diferentesprofissionais, com distintas visõesde mundo e de sociedade, com su-porte teórico de diferentes matizes,o que fragmenta ainda mais a possi-bilidade de uma prática efetiva de“mudança social” ou, na melhor dashipóteses, esta multidisciplinaridadepode contribuir na sistematização deum trabalho que busca aproximaçãocom uma visão mais integral dos su-jeitos e do ambiente.

Evidentemente, este processo detransformação tem suscitado polêmi-cas e gerado inúmeras críticas, namedida em que as atuais práticas deeducação social têm-se revelado pou-co eficazes e, ao mesmo tempo, têmdemonstrado um grande distancia-mento do caráter de pressão popularsobre o Estado que, outrora, caracte-rizava o “modelo” de educação po-pular/“não formal”. Com efeito, as atu-ais práticas de educação não escolardistinguem-se daquelas porque, ge-ralmente, constituem práticas prota-gonizadas pelo Estado e/ou executa-das pelo Terceiro Setor e por ONGs,que, priorizando ações voltadas paragrupos vulneráveis, tais como jovens,crianças, portadores de necessidadesespeciais, fundamentam-se em con-ceitos como “risco social”, “vulnera-bilidade social”, “exclusão social”que, em geral, pouco ou nada contri-buem para uma efetiva transformaçãodas condições de existência destessujeitos, apenas definindo quem são

os novos sujeitos a serem temidos(Bauman, 1999).

Em suma, nesse panorama pode-se observar que – dentre outras mu-danças – houve um gradual desa-parecimento do(a) militante, o(a)ator/atriz social, o(a) protagonistada cidadania na luta por direitospolíticos e sociais, em favor do sur-gimento do(a) voluntário(a) e/oudo(a) estagiário(a), personagensque foram demandados para lidarcom o(a) jovem em conflito com alei, a mulher vítima da violência do-méstica, o(a) pequeno(a) e precocetrabalhador(a), entre outro(a)s, pormeio de ações que recaem mais so-bre formas de controle e de assis-tencialismo do que de cuidado e fo-mento à cidadania plena.

Pedagogia Social: umcampo de conhecimentostransversais

Antes de apresentarmos as razõespelas quais postulamos pensar a Pe-dagogia Social como um campo deconhecimentos transversais às práti-cas de educação não escolar, faz-senecessário apresentar as diversas for-mas através das quais o fenômeno dapedagogia social e/ou educação so-cial tem sido experimentado. Diferen-tes atores, em diferentes países, de-monstram nuances de um conheci-mento que tem se constituído de for-ma diversa em diferentes espaços eque tem, em geral, procurado delimi-tar campos, definir “sujeitos-usuári-os”, o que, em suma, tende a confor-mar mais uma especialização nas ci-ências humanas.

Ao nos aproximar do tema e de seusinterlocutores – o(a)s educadore(a)ssociais e/ou pedagogo(a)s sociais –encontramos muitos dissensos ealgumas afinidades, especialmenteem experiências em Portugal e Es-panha. Em comum, identificamosque sua origem remonta a uma edu-cação social11 que se prenunciavanas práticas caritativas advindas dodesenvolvimento inicial do capita-lismo e seus reflexos sobre os “nãoempregáveis”, as quais ganharamforça com as concepções e os pres-supostos do Estado de Bem EstarSocial. A partir da crise deste, com ocrescimento desenfreado de popu-lações desassistidas de mínimos so-ciais – desempregadas ou subempre-gadas – a necessidade de lançar mãode ações assistenciais que, pelo ca-ráter eventual e pontual, nem sem-pre podem ser nomeadas de políti-cas públicas na garantia dos direi-tos sociais.

No entanto, apesar da ênfase naatuação socioeducativa, em geral, aspráticas da chamada Educação Soci-al na Europa, predominantemente, re-caem sobre populações vulnerabili-zadas – trabalhadore(a)s infantis, jo-vens em conflito com a lei, mulheres,idoso(a)s, presidiário(a)s, entre outros– abordando as questões sociais des-de distintas perspectivas, umas maisde caráter caritativo, outras com maisênfase política, sindical e uma tercei-ra perspectiva de caráter mais educa-tivo (Hamburguer, 1998, p. 233).

Contudo, no caso europeu, aindaque sob distintas perspectivas, estasexperiências construíram um acúmu-lo que resultou num quadro teórico-

10 As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, embora reconheçam e demarquem o campo da educação não escolar, aindacentram a formação no professor para a escola, no caso, para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, conformea Resolução CNE Nº 1/2006, de 15 de maio de 2006, e nos Pareceres CNE/CP Nº 05/2005, de 13/12/2005, e CNE/CP Nº 03/2006, de 21/02/2006.11 Centramo-nos, especialmente, nas experiências européias, embora reconhecendo que, no âmbito da América Latina, a Pedagogia Social já estáconsolidada em diversos países como Uruguai, Argentina, Venezuela, Chile. Da revisão sobre a sua origem é possível afirmar que, de 1915 a 1960,a Pedagogia Social se caracterizava mais como uma prática de voluntariado sob a inspiração da Igreja para responder aos graves problemas sociaisque surgiam no pós-guerra. Formalmente, ela se instala como disciplina em torno de 1960, quando as Universidades Complutense e de Barcelona aintroduzem no currículo dos cursos de Pedagogia, mesmo que em caráter optativo. Simultaneamente, sob a influência de experiências francesas, surgeno contexto espanhol a figura do educador social, enquanto educador especializado. Apenas em 1991, a Federação de Associações de EducadoresEspecializados pressionou o Ministério da Educação para formalizar a titulação de Bacharel em Educação Social. Disponível em: http://www.fice.deusto.es/nuevosalumnos/educacionsocial/ dealumnos/aparicion/default.asp?lang=SP. Acesso em: 30/08/2005.

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metodológico detalhado e definiu umaespecificidade para a Pedagogia So-cial e/ou a Educação Social, instituin-do-a como profissão, com implícitosinteresses de reserva de mercado, edemandando a formação de um “su-per” profissional – o educador social– voltado para a educação para o con-sumo, a educação de adultos, a edu-cação especial, a educação na tercei-ra idade, a educação para sujeitos em“dificuldades de adaptação social”,entre outras.

Enfatizando tratar-se de uma pro-fissão muito jovem, especialmente,consolidada nas últimas décadas doséculo XX, comprometida em dar res-postas objetivas e guardando dife-renças em relação às especificidadesdas práticas de trabalhadores soci-ais e de assistentes sociais, Marche-na (2004) demarca os diferentes âm-bitos de atuação dessas profissões,e Carreras (1998, p. 257) ressalta seus“atrativos e promissores campos pro-fissionais”.

Segundo os autores, na Europa, aEducação Social precisa dar respos-tas educativas a desafios sociais,econômicos e culturais enquanto queo Trabalho Social – prática que resul-tou das políticas do Estado de Bem-Estar Social – orienta-se para açõesassistenciais e de correção. Por suavez, a prática do Serviço Social, noseu sentido estrito, dedica-se às ne-cessidades individuais ou problemá-ticas coletivas, como as situações depobreza, por exemplo, que demandampor assistência social com o propósi-to de melhorar o “bem-estar” e garan-tir o acesso ao direto da populaçãoatendida. Ante um quadro de profis-sões e regulamentações que demarcaespecificidades muito próximas, Ham-burguer e Lópes (1998) constatam quea linha que divide as diversas práti-cas sociais é muito tênue, advertindoque isto pode resultar em profissõesde difícil definição de seus marcosteóricos e campos de intervenção. Emtodo o caso, o educador social pare-

ce ser o profissional devidamente ti-tulado, ou em vias de titulação, queresponde sobre ações de caráter so-cioeducativo, no âmbito de interven-ções primárias, secundárias e terapêu-ticas. Também reforçam a tese de cria-ção de postos de trabalho através daPedagogia Social, num cenário em queas Faculdades de Pedagogia, para acarreira do magistério ou da formaçãode especialistas, encontram-se, decerta forma, em recesso. SegundoCarvalho e Santos (s.a., p. 9), destaforma reforça-se o risco de incorrerem “reducionismos de caráter empíri-co, racionalista e pragmático” do es-tatuto da pedagogia social, na suarelação com a educação social e coma formação e atuação do educadorsocial, em detrimento de toda umacomplexidade deste universo teórico-prático. Destacam a multidimensiona-lidade do educador social e da educa-ção social, de onde concluem por umeducador que se constitui num práti-co, especialista e militante onde a pe-dagogia social assume-se como “ci-ência e tecnologia do fenômeno e daintervenção sócio-educativa ou pe-dagógico social” (p. 14).

Enfim, conclui-se, com certo con-senso, que os autores afirmam a pe-dagogia social, na Europa, como ci-ência prática, orientada por valores dejustiça, igualdade, fraternidade, entreoutros; sustentada pelos princípiosde uma sociedade democrática, dis-pondo sua orientação para a açãosocioeducativa na perspectiva da in-tegração social.

Reiteramos que, a partir da revi-são da literatura, as experiências dapedagogia social e/ou educação so-cial (expressões que, às vezes, apa-recem como sinônimos) e suas dife-rentes modalidades de formação (noâmbito do Ensino Superior e/ou Mé-dio, principalmente, da Europa), vi-sualiza-se uma prática de interven-ção disciplinar, sustentada numaeducação especializada e voltadapara segmentos muito específicos,

mesmo quando seu caráter genera-lista é ressaltado.

Embora, para Marlene Ribeiro(2006), os termos “pedagogia soci-al” e “educação social” remetam asentidos diversos e diferentes, en-tendemos que esta distinção não érelevante. A educação social e a pe-dagogia social tal como a entende-mos designa uma perspectiva trans-disciplinar de olhar um campo de prá-ticas educativas.

Todavia, consideramos que, maisdo que delimitar contornos discipli-nares, seria interessante explorar aspotencialidades da pedagogia sociale/ou educação social para ofereceruma outra perspectiva a fim de ins-taurar um campo de conhecimentotransversal às práticas de educaçãonão escolar.

Considerando que, em geral, noBrasil as práticas de educação socialestão enraizadas na melhor tradição/filiação da Educação e Cultura Popu-lar, pensamos ser oportuno tomar otermo Pedagogia Social para demar-car as distinções entre, de um lado,aquilo que postulamos como um cam-po de conhecimentos transversais e,de outro, as diversas e diferentes prá-ticas de educação não escolar. Nãose trata, no entanto, de uma mera subs-tituição de nomes, mas de uma distin-ção em relação a algumas novas (nemtão novas assim) práticas de educa-ção presentes de forma crescente,especialmente, no âmbito das Orga-nizações Não-Governamentais.

Apesar da tradição brasileira, emtorno dos estudos de Paulo Freire, nasistematização da Educação Popular,entendemos que a emergência dovoluntariado, a proliferação de ONGse as recentes legislações em torno dosdireitos compõem o ambiente privile-giado dessas novas práticas e suasdemandas por estudos teóricos. Alémdisso, a desregulamentação da eco-nomia, a globalização dos mercados,o predomínio de valores econômicosque arregimenta lugares sociais, o

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Explorando outros cenários: educação não escolar e pedagogia social

(novo) mundo do trabalho e a crisedo emprego definem o contexto deemergência (nos dois sentidos dapalavra) desta discussão.

Contudo, consideramos desne-cessária qualquer preocupação emdelimitar campos teóricos que reme-tam à necessidade e/ou possibilida-de de formação/titulação acadêmica,ao contrário, desejamos pautar estareflexão no sentido da valorização docaráter transdisciplinar que visuali-zamos neste campo de conhecimen-to. Assim, seja na formação em ser-viço ou na formação acadêmica, emnível de graduação e/ou pós-gra-duação, a presente discussão visapensar uma racionalidade ético-afe-tiva e, também, instrumental para aspráticas de educação que exceda osespaços escolares e as tradicionaisanálises da realidade efetuadas sobo limite da classe social.

Por entendermos existir um hiatona formação do(a)s profissionais, noque se refere às práticas de educa-ção não escolar, em vez de novas in-tervenções para as clássicas e tradi-cionais profissões e seus conheci-mentos hegemônicos, interessa-nospensar um corpo de conhecimentostransdisciplinares que opere sobre osocial, tanto em práticas formaiscomo não formais, potencializandouma educação para a cidadania pau-tada na solidariedade. Uma educa-ção assim, voltada para a vida, paraa paz, para a efetiva inclusão social,demanda, portanto, uma pedagogiada complexidade12 que, pela sua di-mensão ético-político-estética, con-cretiza uma educação comprometidacom o cuidado, com o bem viver co-letivo e com a liberdade.

Teria, então, a pedagogia social opoder de agregar diferentes áreas doconhecimento e, sem que se perca ocaráter necessariamente compensató-rio das práticas sócio educativas, res-

gatar a tradição da Educação Populare seu enfoque ético-político? Enten-demos que sim, desde que se pense aPedagogia Social como um recursoque, ultrapassando as cantilenas das“melhorias na” educação da popula-ção “vulnerabilizada”, onde há “défi-cit de humanização” (Baptista e Car-valho, 2004), transversalize o direitode cidadania, indistintamente, a todosos sujeitos independentemente desua posição socioeconômica.

Entendemos que a Educação, en-quanto prática social, precisa (re)criaruma Pedagogia Social que se apre-sente como um campo de saber e fa-zer, no entremeio da Educação e daAssistência Social, e que se abasteçade um arcabouço teórico-metodoló-gico capaz de intervir naqueles fato-res que produzem vulnerabilidades e/ou nos tornam vulnerabilizados.

Fazendo referência ao que ele no-meia como “pedagogia da produçãoassociada”, José Pereira Peixoto Fi-lho (2004, p. 51) afirma que a peda-gogia, entendida como prática soci-al e como movimento que articula sa-beres e conhecimentos, pode e deveser um instrumento poderoso paraque sejam elaboradas estratégias, asquais venham contribuir com a reali-zação de novos modos de se produ-zir e construir novas relações na so-ciedade.

Nossos estudos nesta área perma-necem. Nossos desejos de melhorcompreender os fenômenos sociais esuas demandas por ações de educa-ção, quer no âmbito da escola ou foradela, tensionam a necessidade de re-fletirmos sobre a educação enquantoprática social, na medida em que am-bas, educação e prática social, exigemnovos e generosos olhares sobre umarealidade que se faz e refaz a cada dia.Para tanto, há necessidade de rom-permos com algumas certezas, entreelas, as amarras da educação enquan-

to prática eminentemente escolar, asupremacia do racional sobre o afeti-vo desenhando lugares e fomentan-do racionalidades. Com isso, podem-se explorar outros cenários que vis-lumbrem a possibilidade da educaçãoconstituir-se em potência para os su-jeitos, num encontro com os outros ecom o mundo. Sem perder de vista asua temporalidade, a sua necessáriavinculação institucional sob a respon-sabilidade do Estado, o direito da ci-dadania e o resgate da sua dimensãopolítica – atualmente “esquecida” nose pelos diferentes setores organiza-dos da sociedade – a discussão, paranós, deverá agregar à educação valo-res afetivos que favorecem a emer-gência de uma cultura da solidarieda-de e uma ética do cuidado.

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Submetido em: 25/09/2006Aceito em: 24/10/2006

Eliana MouraFeevale, RS, Brasil

Dinora Tereza ZuchettiFeevale, RS, Brasil

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