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1 ARQUITETURA - ENSINO E PRÁTICA PROJETUAL: AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS ARCHITECTURE – LEARNING AND DESIGN PRACTICE: THE TECNOLOGICAL CHANGES AND ITS UNFOLDINGS Ludmila Cabizuca Carvalho Ferreira de Oliveira, mestranda. Alice Therezinha Cybis Pereria, Phd. Gertrudes Dandolini, Dra. Tarcízio Vanzin, Dr. Resumo Este artigo tem por objetivo discorrer acerca das tecnologias informáticas aplicadas ao processo de projeto de arquitetura e da forma como as Instituições de Ensino Superior (IES) vêm lidando com o tema em suas salas de aula. Não se trata apenas de uma abordagem tecnológica do assunto, mas também dos questionamentos sobre como adaptar o ensino à velocidade em que as transformações tecnológicas ocorrem. No mercado de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC) a transição ocorre no âmbito das ferramentas de projeto, até então, baseadas mais comumente em plataformas CAD (computer aided design) para as plataformas BIM (building information modeling). Transição esta encarada como uma verdadeira corrida onde se pode dizer que sairá na frente aquele que fizer a mudança de maneira planejada e madura dentro do menor espaço de tempo. Cabe assim, questionar como o ensino encara essa transição. Se ele também planejou maneiras de lidar com seu aluno ou se a busca do conhecimento virá de maneira unilateral, ou seja, através da prática profissional apenas. Porém esse questionamento pretende ultrapassar os limites da busca pelo domínio das ferramentas de trabalho. Este servirá, neste contexto, de embasamento para a abordagem principal: A matéria-prima última do ofício da Arquitetura: a busca da solução arquitetônica em sua escala máxima de funcionalidade, qualidade e adequação estética e formal. Palavras-chave: arquitetura, tecnologias, ensino, CAD, BIM.

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ARQUITETURA - ENSINO E PRÁTICA PROJETUAL:

AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E SEUS DESDOBRAMENTOS

ARCHITECTURE – LEARNING AND DESIGN PRACTICE:

THE TECNOLOGICAL CHANGES AND ITS UNFOLDINGS

Ludmila Cabizuca Carvalho Ferreira de Oliveira, mestranda.

Alice Therezinha Cybis Pereria, Phd. Gertrudes Dandolini, Dra.

Tarcízio Vanzin, Dr.

Resumo Este artigo tem por objetivo discorrer acerca das tecnologias informáticas aplicadas ao processo de projeto de arquitetura e da forma como as Instituições de Ensino Superior (IES) vêm lidando com o tema em suas salas de aula. Não se trata apenas de uma abordagem tecnológica do assunto, mas também dos questionamentos sobre como adaptar o ensino à velocidade em que as transformações tecnológicas ocorrem. No mercado de Arquitetura, Engenharia e Construção (AEC) a transição ocorre no âmbito das ferramentas de projeto, até então, baseadas mais comumente em plataformas CAD (computer aided design) para as plataformas BIM (building

information modeling). Transição esta encarada como uma verdadeira corrida onde se pode dizer que sairá na frente aquele que fizer a mudança de maneira planejada e madura dentro do menor espaço de tempo. Cabe assim, questionar como o ensino encara essa transição. Se ele também planejou maneiras de lidar com seu aluno ou se a busca do conhecimento virá de maneira unilateral, ou seja, através da prática profissional apenas. Porém esse questionamento pretende ultrapassar os limites da busca pelo domínio das ferramentas de trabalho. Este servirá, neste contexto, de embasamento para a abordagem principal: A matéria-prima última do ofício da Arquitetura: a busca da solução arquitetônica em sua escala máxima de funcionalidade, qualidade e adequação estética e formal. Palavras-chave: arquitetura, tecnologias, ensino, CAD, BIM.

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Abstract

The paper discourses about the computer technologies applied in the process of

architecture’s design and how the Learning Institutions are dealing with the subject in its

classrooms. Is not only a technological boarding of the subject, but how to adapt education to

the speed where the technological transformations occur. In the market of Architecture, Engineering and Construction (AEC) the transition occurs in the scope of the design tools,

until then, based more easily in CAD (computer aided design) platforms for BIM (building

information modeling) platforms. This transition is faced as a true race where it can be said that it will leave in the front that one who makes the change in a planned and in a mature way

inside the less space of time. It is necessary to know how the education faces this transition. If

it is also planned ways to deal with its pupil or the search of the knowledge will come in an

unilateral way; through the practical professional only. However this question intends to

exceed the limits of the search for the domain of the work tools. That will serve in this context

of basement for the main boarding: The most important tool of the exercise of the

Architecture. The search of the maximum architectural solution in the scale of functionality,

quality, aesthetic, and shape adequacy.

Key-words: architecture, technologies, learning, CAD, BIM.

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1. Instrumentos de apoio ao ensino – AVA’S

Os ambientes virtuais de aprendizagem, atualmente já popularizados pela sigla “AVA” vêm ganhando força no meio acadêmico através de pesquisadores cada vez mais interessadas em promover uma mudança tecnológica na educação desenvolvendo ambientes de ensino que se encaixem cada vez mais no perfil da sociedade contemporânea. Segundo o IBGE, em 2003, 30% dos brasileros já havia acessado a internet em busca de informações, quer seja em seu domicílio ou em seu ambiente profissional. Saindo do lado teórico e passando para uma visão prática, os Ambientes Virtuais de Aprendizagem são caracterizados por softwares ou aplicativos destinados ao suporte de atividades de ensino-aprendizagem mediados por tecnologias de informação e comunicação. Trazem embutidos em seu conceito a multiplicidade de mídias e recursos que visam a interação entre pessoas, metas e produções, em prol da aquisição de conhecimento e do compartilhamento da informação. Tais atividades são elaboradas por meio de um planejamento que visa com isso, atender às demandas específicas de cada aluno em termos de disponibilidade e tempo de dedicação independente do espaço físico em que esteja localizado, sendo assim, considerados uma poderosa ferramenta pela sociedade contemporânea. Hoje já não são raros os cursos realizados integralmente de maneira não presencial, e é crescente a tendência de crescimento desse mercado. São cursos conceituados à partir de atividades elaboradas por meio de AVA’s veiculados ou não pela internet. A aceitação desses cursos por meio de uma parcela da sociedade (que já incorporou as tecnologias computacionais de maneira natural em sua rotina), vem aumentando potencialmente. Por outro lado, o meio acadêmico já direciona seus esforços ao planejamento qualitativo desses. Existem instituições especializadas em cursos na modalidade a distância e algumas universidades vêm implementando o recurso de maneira gradual com a oferta de cursos de especialização e pós-graduação, dentre outros, promovendo a Educação a Distância (EaD).

“Desde que as tecnologias de comunicação e informação começaram a se expandir pela sociedade, aconteceram muitas mudanças na maneira de ensinar e de aprender. Independente do uso mais ou menos intensivo de equipamentos mediáticos nas salas de aula, professores e alunos têm contato durante todo o dia com as mais diversas mídias. (...) Essas mediações já nos encaminham para a compreensão de que é muito difícil pensar que as atividades de ensino-aprendizagem possam ocorrer exclusivamente em ambientes presenciais. Na realidade, o processo educacional é predominantemente uma relação semipresencial. Impossível pensar que todas as atividades educativas previstas ocorram exclusivamente no espaço da escola, na sala de aula, diante de um professor.” (KENSKI, 2005).

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2. A prática da Arquitetura e a tecnologia através dos tempos Se nos focarmos nas críticas que os a EaD poderiam receber, muitos seriam os argumentos que embasariam esse raciocínio. No entanto, mesmo o ensino presencial dentro dos ambientes físicos das escolas mais tradicionais são passíveis de críticas. O questionamento que este artigo propõe é a respeito da maneira como professores, pedagogos ou mestres vêm se preparando para absorver esses recursos. Se considerarmos o fato de que tudo que veicula conhecimento, informação ou entretenimento é considerado mídia, podemos afirmar que no meio acadêmico, as mídias são, em tese, preparadas de maneira articulada de acordo com cada curso. Este artigo levará como foco o curso de Arquitetura. A grade curricular dos cursos de arquitetura é fortemente marcada por disciplinas práticas, além das teóricas encontradas com maior intensidade nos demais cursos. A parte prática do ensino de Arquitetura visa o lado projetual do futuro arquiteto. Por meio dela, os alunos são estimulados desde os primeiros períodos a aprimorar a criatividade através de disciplinas de desenho artístico, desenho de perspectiva, maquetes, plástica e modelagem, etc. Tais disciplinas são geralmente lecionadas de forma a desenvolver aptidões manuais de desenho nos alunos e ainda são raros os casos em que materiais computacionais são ofertados ou mesmo indicados como complemento extra-classe, principalmente nesta fase do curso em que o aluno recebe os insumos iniciais para o desenvolvimento do raciocínio cognitivo necessário em toda a vida acadêmica e profissional. Como ilustração deste raciocínio, vale resgatar alguns instrumentos de estudo ligados à prática de projetos percorridos pela história da Arquitetura. Menezes (2000) aponta três períodos de grande influência na história do desenho de representações:

� Renascimento: Ênfase no surgimento do Método Perspectívico. � Século XVIII: Desenvolvimento do Método Projetivo. � Segunda metade do século XX: Advento da computação gráfica.

“A Perspectiva foi a primeira sistematização da representação arquitetônica. Foi creditado a Brunelleschi(...). O Desenho Projetivo surgiu em decorrência da Perspectiva, cerca de 200 anos depois. A Geometria Descritiva permitiu a precisão demandada pela Revolução Industrial. Com a Revolução Industrial, o Desenho Projetivo ganhou força. O ensino tradicional de Arquitetura se baseia na proeminência do Desenho Projetivo (desenhos bidimensionais – plantas, cortes e elevações).” (MENEZES, 2000)

Cabe frisar ainda que, se os estudos conceituais da Cibercultura forem considerados nessa lógica do ensino de Arquitetura, tecnologia é caracterizada por quaisquer técnicas de projeto, edificação e construção praticadas através dos tempos. Portanto, a Perspectiva e o Desenho Projetivo são tecnologias tanto quanto a Computação Gráfica. Isso nos coloca diante do fato de que o homem cria a tecnologia, que muda o homem, e que por sua vez recria a tecnologia, formando um sistema cíclico e ininterrupto.

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3. Abordagem tecnológica do ensino da Arquitetura Atualmente no ensino de Arquitetura já são praticados métodos onde as tecnologias digitais não só auxiliam nas aulas como agregam qualidade ao ensino de uma forma geral. Existem resultados concretos de pesquisas anteriores que vislumbraram a criação de materiais dessa categoria na tentativa de se testar não só a aceitação por parte dos alunos, como também os resultados no processo de aprendizagem como um todo. Exemplo disso pode ser relatado através de um trabalho desenvolvido por Menezes e Morrow (2000). Uma multimídia interativa denominada “The Drawing Workshop” através da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, entre os anos 2002 e 2004 que exemplifica bem o raciocínio pretendido. O maior objetivo dos pesquisadores, além de testar maneiras de aprimorar a capacidade criativa do aluno de Arquitetura através das tecnologias, era otimizar o aproveitamento do tempo de aula, o que nos moldes tradicionais geralmente não ocorre. Com base no material desenvolvido em Sheffield, Menezes testou o conceito na criação de uma multimídia que foi aplicada ao curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG.

“A multimídia “Desenho Projetivo” vem sendo desenvolvida no LAGEAR - Laboratório Gráfico para Ensino de Arquitetura, da Escola de Arquitetura da UFMG. O seu conteúdo específico está basicamente focado em informações sobre Desenho Projetivo, ou seja, desenho técnico de Arquitetura e traz uma pequena introdução aos sistemas de projeção e sua importância para o universo profissional do arquiteto e do designer. O DVD foi projetado para atender aos estudantes do primeiro período do curso de Arquitetura e Urbanismo e pretende fornecer as informações necessárias para os iniciantes serem capazes de ler e produzir desenhos técnicos, de uma maneira aceita por todos os seus colegas de profissão. Foi projetada para ser usada de duas maneiras. Primeiro, como um produto interativo de aprendizagem e segundo, como uma fonte de revisão de conhecimento.(...) A intenção é utilizar mais tempo de aula para discutir a aplicação dos conhecimentos do que para simplesmente transmití-los, tarefa que pode ser exercida, pelo material didático digital. O objetivo é tornar a multimídia interativa um aliado valioso no ensino do desenho, podendo se estender às demais disciplinas ofertadas dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo. Espera-se que essa maior autonomia do aluno em relação ao seu aprendizado ultrapasse os limites curriculares e atinja de forma mais ampla os conceitos de interdisciplinaridade.” (MENEZES, 2007) Abaixo, imagem da tela inicial da multimídia testada pelo autor.

Figura 1: Interface de navegação DVD Desenho Projetivo – EA/UFMG. Fonte: MENEZES, 2007.

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As palavras de Menezes já apontam para uma mudança de raciocínio da academia em direção à interdisciplinariedade, através da qual, se parte do princípio de que a obtenção de conhecimento fora dos ambientes escolares sempre existiu e hoje com a globalização ultrapassa em segundos as barreiras territoriais físicas e até mesmo geográficas das escolas. No entanto, o lado prático dos cursos de arquitetura demanda especial atenção. As potencialidades das tecnologias são inúmeras, porém como incentivar a criação dos alunos sem que se percam os fatores de sucesso proporcionados pelas técnicas de ensino baseadas em estímulos “manuais”? Será mesmo utópica a idéia de um material 100% informatizado onde o aluno também desenvolva suas atividades 100% no computador ou é desejável que as atividades sejam mescladas ainda que o mercado já tenha praticamente abandonado as ferramentas manuais de projeto? Grande parte dos escritórios atuais já não possui sequer uma prancheta de desenho com as tradicionais réguas paralelas nos espaços físicos, sem mencionar canudos de papel manteiga, estiletes, inúmeras canetas com espessuras, funções e cores diversas, esquadros e todo um arsenal de materiais que outrora foram tão característicos da profissão. As ilustrações na sequência, evidenciam a alteração no espaço de trabalho do arquiteto.

Figura 2: Escritório de arquitetura de Lloyd1 (fonte: www.steinerag.com/.../PhotoWrightPortraits.htm )

Figura 3:Escritório de arquitetura em Nova York (fonte: google.com – acessado em 25/07/09)

1 Frank Lloyd Wright (June 8, 1867 - April 9, 1959): Arquiteto norte-americano.

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O espaço de trabalho do aluno mudou na mesma proporção? As escolas caminharam conceitualmente no mesmo rumo dos escritórios de Arquitetura contemporâneos? Não há dúvidas de que as respostas para questionamentos dessa natureza não são tão simples por envolver inúmeros fatores, dentre os quais os aspectos financeiros que em muitos casos definem essa trajetória. No entanto, pode-se afirmar que esses espaços pelo menos deveriam caminhar para a mudança no mesmo ritmo em que o espaço do escritório caminha. E certamente, tanto escritórios como salas de aula respondem pela demanda daqueles que os regem. Porém, se não se deve acreditar que a “crise” reside unicamente nessas questões. O dilema do ensino de Arquitetura não está no questionamento por parte da academia a respeito da pertinência dessa jornada, pois este é um caminhar natural e inevitável assim, como todas as questões que culminaram com a leitura, a escrita, os livros, a internet, etc. A globalização é um fato cuja existência não deve ser discutida. Ela já acontece e o mundo “simplesmente” responde a ela. Certamente o dilema acerca da melhor maneira de se ministrar disciplinas voltadas à prática de projeto das escolas é um fator natural que a academia vive em resposta ao mercado globalizado, ágil, dotado de grande rotatividade e anseoso por profissionais capacitados a solucionar seus problemas com qualidade.

Figura 4: À esquerda, sala de aula de arquitetura dos anos 40. (Fonte: google.com) À direita, questionamento sobre a sala de aula contemporânea. (Fonte: arquivo pessoal)

Porém não é objeto deste trabalho instigar uma duscussão acerca do futuro das escolas por mais que o tema seja extremamente provocativo. O que se pretende para o momento atual é dar ênfase à necessidade da revisão dos valores sobre os quais o ensino vem se apoiando, considerando o fato de que o mercado já vive o momento do “futuro é hoje!” 4. O ensino de Arquitetura na atualidade Considerada um divisor de águas na aplicação da informática no ensino de Arquitetura no Brasil, a portaria do MEC 1770/94 obrigou as escolas a implantar a informática em suas cadeiras de ensino. Esse fator desencadeou além de um processo de revisão nas metodologias das disciplinas, um vasto campo de discussões para especialistas da área de tecnologia da informação (TI) e AEC, culminando nos AVA’s mais recentes. O risco decorrente dessa portaria reside no fator de que, por força da legislação, muitas escolas tenham implementado soluções sem um planejamento adequado gerando equívocos no processo de formação do arquiteto.

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Se considerarmos que a computação altera o ato de projetar do arquiteto, o seu emprego inadequado nas escolas de arquitetura pode, dentre outros, significar um fator de responsabilidade pela perda da qualidade de muitas edificações contemporâneas que deixaram de expressar valores tão característicos do lado artístico e poético do arquiteto e passaram a expressar a velocidade demandada pelo mercado. Dessas ferramentas incorporou-se muito mais a rapidez que elas imprimiram à fase de projeto executivo e legal frente à obra, do que as potencialidades que elas oferecem no desenvolvimento conceitual e funcional que uma boa Arquitetura deve carregar. Não se trata de uma abordagem meramente estética ou uma apologia à beleza da arquitetura, mas sim da subutilização das ferramentas decorrente da ausência de um preparo maduro e consciente voltado ao raciocínio cognitivo e criativo do futuro profissional, independente da técnica utilizada em seu ofício. A subutilização das ferramentas computacionais e a completa alienação de algumas universidades sobre a maneira que a Arquitetura vem sendo praticada pelo mercado de trabalho, faz com que grande parte dos alunos saiam das escolas verdadeiros artistas em termos de desenho de perspectiva, croquis, etc... Ao ingressarem em um mercado de trabalho onde muitas vezes não há sequer um caderno em seu posto de trabalho, estes jovens profissionais normalmente incorporam a busca das empresas pelo software mais ágil, que ofereça otimização do tempo, manipulado pelo profissional detentor de seu completo domínio. A busca qualitativa da solução arquitetônica muitas vezes perde terreno para a busca qualitativa da ferramenta de trabalho e do conhecimento quase que completo do último software lançado pelo mercado. A partir daí como prosseguir? Como estimular o raciocínio cognitivo desse jovem profissional que não recebeu formação e nem se encontra suficientemente maduro para lidar com este mercado? Infelizmente a resposta à alienação da academia encontra-se devidamente edificada em nossas cidades. Esta deveria ser, portanto, a busca atual:

� trazer o mercado para dentro das universidades; � voltar o raciocínio cognitivo do aluno para o projeto para a ser desenvolvido

e nunca para o domínio da ferramenta que utilizará para tal; e � resgatar as metodologias e as práticas de ensino de projeto adaptando-as ao

contexto acadêmico e profissional da Arquitetura.

Práticas de épocas anteriores em que mesmo uma calculadora era objeto de luxo mas em um contexto em que a riqueza arquitetônica formal e funcional presente nas edificações era inquestionável. Práticas que resistiram às transições tecnológicas e que ainda hoje são tidas como verdadeiras referências para a profissão.

5. O mercado de Arquitetura na atualidade – Abordagem das plataformas de projeto

CAD e BIM

Inicialmente, vamos analisar as duas colocações abaixo:

1. “Desde a idealização do projeto na mente do projetista, passando pelo

compartilhamento da informação entre os diversos agentes envolvidos, até a conclusão da obra, informações podem deixar de ser transmitidas, modificadas ou mesmo perdidas.” (JACOSKI, 2003). A complexidade dos

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projetos atuais e o aumento cada vez maior do número de profissionais envolvidos têm exigido grande empenho nas questões ligadas à comunicação e à transferência da informação. A internet possibilitou o compartilhamento dessas informações entre profissionais situados em cidades ou mesmo em países diferentes dependendo da demanda do empreendimento. Esta globalização permitiu uma comunicação mais dinâmica e eficiente entre profissionais parceiros. Ainda assim, segundo o autor, são estimadas perdas em torno de 35 a 70% do tempo gasto com tarefas manuais, o que serve de base para um outro dado do mesmo autor que afirma que 30% dos custos de projetos poderiam ser reduzidos se os softwares fossem usados corretamente ou se deles fosse extraído o máximo em termos de capacidade.

2. “De acordo com Lúcio Costa (1940, 1994) “arquitetura é construção...”. Partindo desse princípio, a linguagem arquitetônica se manifesta no objeto construído. A Arquitetura, como expressão artística e cultural, manifesta-se para a sociedade no edifício real, no espaço material. A linguagem gráfica não é, portanto, o fim da Arquitetura. Entretanto, a produção de um edifício envolve a criação, processo intelectual e intuitivo, e a execução, processo tecnológico e material. E nesses processos diversos profissionais estão envolvidos, e trabalham muitas vezes concomitantemente ou mesmo em sequência. A perfeita comunicação entre esses profissionais torna-se importante para a boa produção do espaço construído.” (PEREIRA JUNIOR, 2001).

Observemos que, em ambos os raciocínios, é possível perceber duas linhas de pensamento distintas e igualmente relevantes com uma mesma conclusão a respeito da importância da comunicação entre profissionais diante de um mercado cada vez mais globalizado. Jacoski (2003) expõe resultados acerca da produção arquitetônica manifestada principalmente através do tempo gasto pelas empresas nas fases de projeto. Já Pereira Junior (2001) engloba neste processo produtivo o ato de se pensar a Arquitetura como expressão cultural e manifestação social de um determinado tempo. Atualmente, a grande presença de pesquisas acerca do processo produtivo e da comunicação em ambientes colaborativos difundiu práticas organizacionais nas empresas visando mais diretamente dinamizar a fase de projeto. Hoje são comuns os fóruns e workshops de discussões sobre gestão de projetos, gestão do processo de projetos na construção civil, Tecnologias da Informação e Construção (TIC´s) aplicadas ao processo de projeto, dentre outras.

“Têm-se desenvolvido pesquisas buscando-se introduzir princípios das Engenharias Simultânea e Colaborativa na Indústria da Construção. Como resultado, surgiram nos últimos anos na internet Sistemas Colaborativos de Gerência de Documentos (Document Management Systems – DMS).” (ANDRADE JR, 2003).

O presente artigo dá continuidade a tantas outras linhas de raciocínio semelhantes à de Pereira Junior (2001). Ou seja, engloba abordagens ligadas à concepção arquitetônica ao processo produtivo, permitindo assim, um enfoque na Arquitetura como produto edificado resultante de toda essa dinâmica e na responsabilidade que o meio acadêmico desempenha dentro desse contexto. Pretende-se fazer desse, um estímulo para o

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questionamento sobre como preencher essa lacuna que vem sendo vivida há decadas pela profissão. Alguns estudos podem ser absorvidos nessa tentativa. Existem duas teorias sobre as origens do termo BIM. Uma delas defende que o professor Charles M. Eastman no Instituto de Tecnologia de Geórgia inventou o conceito, não o termo, com base na grande utilização do termo Building Product Model em suas publicações literárias desde os finais dos anos 70, que é o mesmo que Building

Information Model. A outra teoria defende a sua criação pela Autodesk para descrever 4D direcionado ao CAD. Mas a disseminação do termo é de responsabilidade de Jerry

Laiserin, arquiteto e analista industrial americano, defensor do conceito “building

smarter”, formado em Princeton. Laiserin postulou o termo como nome comum para uma representação digital do processo de construção visando facilitar a interoperabilidade da informação em meios digitais. De acordo com ele e outros, a primeira aplicação do BIM estava sob o conceito de Edifício Virtual do ARCHICAD

Graphisoft, na sua estréia em 1987. O BIM consiste em uma plataforma de trabalho capaz de abarcar em um único arquivo, todas as informações inerentes a um determinado projeto. Desde características típicas de desenhos, imagens e apresentações que compõem o produto final do projeto enquanto representação gráfica, até informações documentais, orçamentárias, quantitativas, dentre infinitas outras que acabaram por agregar os inúmeros profissionais que se envolvem na concepção de um empreendimento em sua fase projetual. Um dos conceitos de maior avanço que a plataforma BIM propõe como inovador em relação à plataforma CAD, consiste exatamente na chamada interoperabilidade que muito tem a ver com o conceito de interdisciplinariedade colocado no contexto do ensino. A interoperabilidade é definida pela ISO (International Organization for

Standardization) como “Habilidade de dois ou mais sistemas (computadores, meios de comunicação, redes, softwares e outros componentes de tecnologia da informação) interagirem e intercambiarem dados de acordo com um método definido, de forma a obter os resultados esperados.” Ou seja, o projeto interoperável é passível de alterações simultâneas e automáticas por qualquer um dos profissionais responsáveis por sua concepção. O BIM pressupõe ainda uma grande alteração do raciocínio necessário no momento da concepção de projetos arquitetônicos ao englobar os modelos tridimensionais desde a fase inicial dos projetos. É exatamente essa mudança de raciocínio que este artigo aponta como sendo de extrema importância para ser levada ao aluno dentro da sala de aula. Ele enfoca o raciocínio tridimensional desde as etapas mais iniciais, antes mesmo das plantas bidimensionais. Raciocínio este ainda pouco utilizado pela maioria dos arquitetos ao idealizar uma edificação. Enquanto os arquivos “drawing” da plataforma CAD, consistem em meras representações gráficas de um determinado projeto, ainda que compostos de detalhamentos e outros fatores que lhe conferem grande complexidade característica da fase projetual, os “project” dos modelos BIM são o próprio projeto à partir do qual as representações são extraídas automaticamente. Suas alterações também são instantâneas em todas as visadas retiradas tais como cortes, fachadas etc. Em todo o projeto. Todas as disciplinas complementares àquela Arquitetura são desenvolvidas tridimensionalmente e o própio software acusa as inconsistências. Por isso os modelos

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idealizados em BIM vêm sendo chamados de modelos inteligentes ou “building

smarter” segundo Laiserin.

Atualmente os softwares BIM já foram bem difundidos no mundo. Com base no número de versões instaladas que permitem a modelagem paramétrica, rotinas ou outras programações direcionadas à indústria de AEC e permitem ainda a extração de visadas e outros desenhos diretamente de um modelo tridimensional. É possível afirmar que os de maior força são Bentley Architecture, Graphisoft ArchiCAD, VectorWorks

ARCHITECT e Revit e Architectural Desktop, ambos da Autodesk. 6. Conclusão

O artigo fornece a percepção de que o caminho para vencer a inércia de mudança no paradigma do ensino voltado para a prática projetual da Arquitetura, não diz respeito somente à maneira de lidar com a tecnologia e as mudanças socias decorrentes de sua constante transformação, pois mudanças tecnológicas fazem parte da evolução humana e sempre existiram. O “novo” vivido pela sociedade contemporânea é a velocidade com que essas tecnologias mudam e cobram dos profissionais da atualidade uma adaptação e um preparo contínuo em cima do raciocínio voltado ao emprego de qualquer tecnologia. Com relação ao planejamento prévio do ensino para a fase de mudança, é possível aferir que, na pior das hipóteses, ainda que o ensino não tenha se preparado para a fase de mudança, deste momento deve-se retirar a maturidade necessária no manejo da questão. Maturidade esta que pode gerar uma abertura por parte dos profissionais da academia rumo à maior aceitação do novo e ao conceito de interdisciplinariedade em sua máxima interpretação. Por fim, e não menos importante, cabe ressaltar a importância de se absorver os conceitos de interdisciplinariedade e interoperabilidade pelos meios acadêmico e pofissional respectivamente. Porém isso não deve ocorrer de maneira isolada, pois a comunicação entre a academia e o mercado de trabalho é extremamente importante não devendo, por isso, ser negligenciada. Ambos têm manifestada na figura do aluno, futuro profissional, o seu agente comum que leva consigo a capacidade de solucionar problemas conquistada pelos anos de formação desenvolvidos gradualmente nas Instituições de Ensino. 7. Bibliografia

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