argentina, uruguai e paraguai -...

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1 Argentina, Uruguai e Paraguai O atraso e a miséria da América Latina são resultados de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam, mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já disse, a história do desenvolvimento da América Latina”. Eduardo Galeano I. ASPECTOS GEOGRÁFICOS 01. Argentina a) Visão Geral O segundo maior território da América do Sul, 2.780.092 Km², perdendo apenas para o Brasil. No oeste está a cordilheira dos Andes, que forma a fronteira com o Chile. Nela se destaca o pico do Aconcágua (6.959 m), que atinge a maior altitude da América do Sul. As férteis e quentes planícies do Chaco e da Mesopotâmia ficam ao norte e os pampas, polo agropecuário, no centro. No extremo sul, árido e frio, a Patagônia abriga variada fauna marinha, o país é banhado pelo oceano Atlântico. O restante do país é predominantemente plano, com altitudes que diminuem em direção à costa. Seu território que vai desde o Trópico de Capricórnio até a região antártica. Próximo ao litoral sul localizam-se as ilhas Malvinas, possessão inglesa sobre a qual os argentinos reclamam soberania. População de 41,4 milhões de habitantes (2013), a grande maioria dos argentinos é descendente de italianos, espanhóis e outras nacionalidades europeias. Quase todos os indígenas nativos foram exterminados no século XIX, restando apenas algumas comunidades no norte e nas zonas andinas. O cristianismo é a religião majoritária com uma população de 89% de católicos. O país registra uma das maiores taxas de urbanização do continente sul-americano, com a peculiaridade de quase 40% da população residir na área metropolitana de Buenos Aires. Os bons índices sociais caíram bruscamente por causa da crise econômica iniciada em 2001, mas nos anos seguintes já deram sinais de melhora. Os maiores rios argentinos são o Paraná, que separa a nação do Paraguai, seus afluentes Pilcomayo, Bermejo e Iguaçu - este com imensas cataratas - e o Uruguai, limítrofe com o país homônimo. O Paraná e o Uruguai deságuam no rio da Prata. Na bacia atlântica se destacam o Negro, o Limay, o Colorado e o Neuquén. Os principais lagos são o Argentino, o Viedma e o Nahuel Huapí, no sul do país. Sua Capital é a cidade de Buenos Aires. O governo é uma república presidencialista e a língua oficial é o espanhol. O seu PIB é de US$ 474,9 bilhões, sua moeda é o peso argentino. 01. Clima e Vegetação A Argentina tem climas que vão desde o tropical, no norte, até o polar, no sul. No Chaco ocidental, caracterizado por invernos secos e verões chuvosos, a paisagem é de savana, com pastagens e florestas de quebrachos. Na zona oriental, o clima é quente e úmido e impera a floresta tropical. A Pampa tem ambiente temperado, com chuvas irregulares. É ocupada em sua maior parte por pastagens, exceto na área entre os rios Paraná e Uruguai, onde predomina a cultura de cereais. A Patagônia, por sua vez, tem verões suaves e invernos rigorosos. A vegetação é de estepe, salvo nos vales, onde há prados e espécies caducifólias. O extremo sul é frio durante quase todo o ano, com precipitações abundantes. Lá se encontram grandes florestas de coníferas, murtas e ipês. 02. Agricultura e Indústria Com extensas terras férteis e quase todos os tipos de clima, a Argentina desenvolve uma agricultura muito diversificada. O país planta grande variedade de cereais, hortaliças, legumes e frutas, sendo um dos maiores exportadores mundiais de alimentos. A pecuária também tem fundamental importância e propicia abundante produção de carne e . Na região da Pampa predomina o rebanho bovino; na Patagônia, o gado ovino é majoritário. Ainda contribuem de maneira relevante para o setor primário da economia da nação a pesca - tanto no Atlântico quanto nas águas interiores - e a extração de recursos florestais. Autossuficiente em petróleo e fartamente provida de diversas outras riquezas minerais, a

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Argentina, Uruguai e Paraguai

“O atraso e a miséria da América Latina são resultados de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam, mas acontece que aqueles que ganharam, ganharam graças ao que perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já disse, a história do desenvolvimento da América Latina”. Eduardo Galeano

I. ASPECTOS GEOGRÁFICOS

01. Argentina a) Visão Geral O segundo maior território da América do Sul, 2.780.092 Km², perdendo apenas para o Brasil. No oeste está a cordilheira dos Andes, que forma a fronteira com o Chile. Nela se destaca o pico do Aconcágua (6.959 m), que atinge a maior altitude da América do Sul. As férteis e quentes planícies do Chaco e da Mesopotâmia ficam ao norte e os pampas, polo agropecuário, no centro. No extremo sul, árido e frio, a Patagônia abriga variada fauna marinha, o país é banhado pelo oceano Atlântico. O restante do país é predominantemente plano, com altitudes que diminuem em direção à costa. Seu território que vai desde o Trópico de Capricórnio até a região antártica. Próximo ao litoral sul localizam-se as ilhas Malvinas, possessão inglesa sobre a qual os argentinos reclamam soberania. População de 41,4 milhões de habitantes (2013), a grande maioria dos argentinos é descendente de italianos, espanhóis e outras nacionalidades europeias. Quase todos os indígenas nativos foram exterminados no século XIX, restando apenas algumas comunidades no norte e nas zonas andinas. O cristianismo é a religião majoritária com uma população de 89% de católicos. O país registra uma das maiores taxas de urbanização do continente sul-americano, com a peculiaridade de quase 40% da população residir na área metropolitana de Buenos Aires. Os bons índices sociais caíram bruscamente por causa da crise econômica iniciada em 2001, mas nos anos seguintes já deram sinais de melhora. Os maiores rios argentinos são o Paraná, que separa a nação do Paraguai, seus afluentes Pilcomayo, Bermejo e Iguaçu - este com imensas cataratas - e o Uruguai, limítrofe com o país homônimo. O Paraná e o Uruguai deságuam no rio da Prata. Na bacia atlântica se destacam o Negro, o Limay, o Colorado e o Neuquén. Os principais lagos são o Argentino, o Viedma e o Nahuel Huapí, no sul do país. Sua Capital é a cidade de Buenos Aires. O governo é uma república presidencialista e a língua oficial é o espanhol. O seu PIB é de US$ 474,9 bilhões, sua moeda é o peso argentino. 01. Clima e Vegetação A Argentina tem climas que vão desde o tropical, no norte, até o polar, no sul. No Chaco ocidental, caracterizado por invernos secos e verões chuvosos, a paisagem é de savana, com pastagens e florestas de quebrachos. Na zona oriental, o clima é quente e úmido e impera a floresta tropical. A Pampa tem ambiente temperado, com chuvas irregulares. É ocupada em sua maior parte por pastagens, exceto na área entre os rios Paraná e Uruguai, onde predomina a cultura de cereais. A Patagônia, por sua vez, tem verões suaves e invernos rigorosos. A vegetação é de estepe, salvo nos vales, onde há prados e espécies caducifólias. O extremo sul é frio durante quase todo o ano, com precipitações abundantes. Lá se encontram grandes florestas de coníferas, murtas e ipês. 02. Agricultura e Indústria Com extensas terras férteis e quase todos os tipos de clima, a Argentina desenvolve uma agricultura muito diversificada. O país planta grande variedade de cereais, hortaliças, legumes e frutas, sendo um dos maiores exportadores mundiais de alimentos. A pecuária também tem fundamental importância e propicia abundante produção de carne e lã. Na região da Pampa predomina o rebanho bovino; na Patagônia, o gado ovino é majoritário. Ainda contribuem de maneira relevante para o setor primário da economia da nação a pesca - tanto no Atlântico quanto nas águas interiores - e a extração de recursos florestais. Autossuficiente em petróleo e fartamente provida de diversas outras riquezas minerais, a

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Argentina criou um pujante setor industrial que atualmente se encontra bastante diversificado. O país produz desde derivados agrícolas até aeronaves, passando por quase todos os bens de produção e de consumo. Seriamente afetada pela crise econômica deflagrada em 2001, a indústria argentina já mostrava, dois anos depois, sinais de recuperação. Quanto à produção de eletricidade, mais da metade se dá em usinas termelétricas. O restante provém de hidrelétricas e de centrais nucleares. 02. Uruguai a) Visão Geral A República Oriental do Uruguai é um país do Cone Sul americano, banhado pelo estuário do rio da Prata e pelo oceano Atlântico. Seu relevo é constituído pelo extremo sul do planalto brasileiro, que lá se manifesta em suaves ondulações denominadas cuchillas. As mais importantes são as de Haedo, no norte, e a Grande, que se estende de nordeste para sudoeste, com ramificações para sudeste, onde se encontram as maiores altitudes do país. A maior parte do território de 176.065 km² é plana, sulcada por numerosos rios e riachos. Um dos mais importantes é o Negro, que nasce no Brasil, atravessa o país de nordeste a sudoeste, recebe as águas do Tacuarembó e do Yi e enfim se une ao rio Uruguai. Este último, também originário do país vizinho, é o que delimita toda a fronteira com a Argentina. Além do Negro, o rio Uruguai recebe o Cuareim, o Arapey, o Daimán e o Queguay, e corre para o rio da Prata. O principal afluente do estuário do Prata é o Santa Lucía. Na parte leste da nação se situa o lago Merín - porção uruguaia da lagoa Mirim, como é chamada no Brasil -, alimentado pelos rios Cebollatí e Tacuarí. Na costa oceânica, próximos das praias de ar fina, existem outros grandes lagos como os de José Ignacio, Garzón, de Rocha e Negra. Sua capital é Montevidéu. O país é governado por uma república presidencialista, onde a língua oficial é o espanhol. Na economia detém um PIB de US$ 490,1 bilhões, sua moeda é o peso uruguaio. b) Clima e Vegetação As pastagens são o elemento mais característico da vegetação uruguaia. Nelas se alimentam os milhões de bovinos e ovinos criados no país. Nas margens dos rios há galerias florestais com coronilhas, pitangueiras, jerivás, salgueiros e tílias, dentre outras espécies. Na costa foram plantados extensos pinheirais, a fim de fixar a areia ao solo. Os pinheiros, assim como os eucaliptos, também foram introduzidos nas áreas menos férteis do interior. O clima do Uruguai é temperado. As chuvas são relativamente abundantes e bem distribuídas pelo território. Eventualmente, porém, se concentram em determinada época do ano, provocando períodos de seca sucedidos por inundações. O país está localizado numa encruzilhada de ventos, os quais costumam alterar durante vários dias as características da estação vigente. c) Agricultura A pecuária e o cultivo de cereais, oleaginosas e frutos figuram entre as principais atividades econômicas do Uruguai. A criação de gado é o ramo mais tradicional, destacando-se os rebanhos bovino e ovino, que fornecem carne e lã em grande quantidade. Os bosques artificiais de eucaliptos e pinheiros, plantados a partir da década de 1980, deram origem a considerável produção de madeira e polpa de celulose. A pesca marítima também é importante, embora a intensa exploração - praticada tanto por barcos uruguaios quanto argentinos, brasileiros, europeus e asiáticos - tenha posto em risco várias espécies. d) Indústria Dono de escassas reservas minerais, o Uruguai apoiou sua indústria na intensa produção agropecuária nacional, de modo que o ramo de alimentos e o têxtil são alguns dos mais importantes do setor secundário. Quanto à produção de energia, o país dispõe de instalações hidrelétricas capazes de suprir a demanda interna e ainda criar excedentes - comumente exportados para a Argentina. Frequentemente, porém, a produção é afetada pelas secas, sendo então necessário recorrer às centrais termelétricas. Os estreitos laços econômicos que ligam o Uruguai à Argentina fizeram com que o país fosse seriamente atingido pela crise que se abateu sobre a nação vizinha a partir de 2001. e) População A imensa maioria dos 3,4 milhões (2013) da população uruguaia descende de espanhóis e de italianos. Os povos indígenas, que originalmente ocupavam o território, foram exterminados ou expulsos no século XIX. O país tem um dos mais elevados índices de urbanização da América do Sul - 92% -, e quase metade do número total de habitantes vive na região metropolitana da capital, Montevidéu. Os índices de bem-estar social são tradicionalmente satisfatórios, mas sofreram severa redução após a recessão de 1999,

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agravada dois anos depois por influência da crise econômica que assolou a vizinha Argentina. A religião majoritária é o cristianismo com 64%. 03. Paraguai a) Visão Geral A República do Paraguai é um país do Cone Sul americano. Junto à Bolívia, forma o grupo das duas únicas nações sul-americanas que não possuem saída direta para o mar. Seu território, de 406.752 km² de área, é atravessado de norte a sul pelo rio Paraguai, que o divide em duas grandes zonas. A oeste fica o Chaco, uma região com vegetação pobre e muitos pântanos. A partir da margem do rio, ela vai suavemente ganhando altitude. Sua superfície plana só é interrompida pelo cerro León (mil metros), o pico mais alto do país. A leste do rio Paraguai localiza-se uma área muito fértil, que constitui o núcleo vital do país, concentrando as principais cidades e atividades econômicas. Além de uma exuberante flora típica da selva, o setor oriental apresenta alguns sistemas de colinas, como Amambay; Maracajú e Caaguazú, que não ultrapassam os 700 metros de altitude. O Paraguai dispõe de uma importante rede fluvial com três rios principais: o Paraguai, o Paraná e o Pilcomayo. O primeiro, depois de atravessar a nação, marca a fronteira sudoeste com a Argentina e deságua no rio Paraná. Este, que nasce no Brasil, traça o limite sul do país. O Pilcomayo, que deságua no Paraguai, também é fronteiriço com a Argentina, mas mais ao norte. O Paraguai e o Paraná são navegáveis e estabelecem comunicação com o rio da Prata. Existem ainda três grandes lagos: Ypacaraí, Ypoá e Verá. O governo paraguaio é uma república presidencialista, sua capital é a cidade de Assunção, com dois idiomas oficiais, o espanhol e o guarani. b) Economia O Paraguai tem escassas riquezas minerais, mas dispõe de colossais recursos hídricos, que lhe permitem satisfazer todas as suas necessidades de energia elétrica e ainda exportar o excedente para os países vizinhos, Itaipu (compartilhada com o Brasil), Yaciretá (com a Argentina) e Acaray, inteiramente no território nacional, são os principais complexos hidrelétricos instalados no país. O setor industrial dedica-se praticamente todo à produção de derivados agrícolas. Entre os principais itens estão a cana-de-açúcar e os cereais. O PIB do país é de US$ 25,5 bilhões e sua moeda é o guarani. c) População A grande maioria da população paraguaia é mestiça, descendente de indígenas guaranis e de espanhóis. Embora os ameríndios puros sejam apenas uma pequena porcentagem do total de habitantes, existe um forte movimento reivindicatório da história e da cultura das comunidades guaranis. A maioria dos 6,8 milhões de habitantes (2013) concentra-se na região oriental, sendo o Chaco escassamente povoado. Cerca de um quinto dos paraguaios vive fora do país. De maneira geral, os índices de bem-estar social não são satisfatórios. 86,9% da população é católica.

II. HISTÓRIA DA AMÉRICA PLATINA 01. Argentina A região é habitada por querandis, charruas, quíchuas e guaranis quando os conquistadores espanhóis, liderados por Juan Díaz de Solís, aportam no rio da Prata, em 1516. O comércio faz do porto de Buenos Aires, fundado em 1580, capital do Vice-Reinado do Prata em 1776. As derrotas dos ingleses nas tentativas de ocupar a capital, em 1806 e 1807, inspiram a revolução que derruba o vice-rei espanhol (1810) e leva à independência, declarada em 1816. Entre 1817 e 1819, o general José de San Martín, líder da campanha pela independência, cruza os Andes com seu Exército para libertar o Chile e o Peru. 02. Uruguai Até o século XVII, a região do atual Uruguai é habitada pelos índios charruas, chanaés e guaranis. Em 1624, os espanhóis criam uma colônia em Soriano. Em 1680, os portugueses estabelecem a Colônia de Sacramento, mas são expulsos pelos espanhóis, que, em 1726, fundam São Felipe de Montevidéu. Em 1776, a colônia torna-se parte do Vice-Reinado do Prata. Entre 1810 e 1814, José Gervasio Artigas lidera uma insurreição armada e domina Montevidéu. 03. Paraguai

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Os índios guaranis habitam a região quando, na década de 1530, tem início a colonização espanhola Assunção, atual capital, é a base da colônia no século XVI. No inicio do século XVII, para proteger os guaranis da escravidão, os jesuítas implantam cerca de 30 missões, que se tornam alvo de ataques de espanhóis e portugueses caçadores de escravos. Os índios são massacrados após a expulsão dos jesuítas de Portugal (1759) e da América (1767). Os colonizadores pilham as missões e instituem na região uma estrutura social mais igualitária que a das demais colônias espanholas. O Paraguai toma-se independente da Espanha em 1811 e se isola até 1840, quando morre o ditador José Gaspar Rodriguez Francia, no poder desde 1814. Seu sucessor, Carlos Antonio López, dá inicio à industrialização e constrói a primeira ferrovia sul-americana. 04. As Guerras Platinas a) A América espanhola era inglesa.

Em princípios do século. XVIII, a hegemonia do comércio internacional era dividida entre a Ingla-terra, a Holanda e a França. Com o advento da Revolução Industrial, na segunda metade desse século, financiada pelo capital acumulado com o "comércio triangular" - escravos, açúcar, manufaturas -, a Inglaterra consolidou-se como primeira potência mundial. O grande aumento na produção fabril do capitalismo inglês e a conseqüente demanda de consumidores e de matérias-primas determinou a busca de novos mercados. Expandir era a palavra de ordem. Para onde, era a questão.

No início do século XIX, a América Latina vivia um clima revolucionário: expandiam seus anseios libertários, dando início às Guerras de Independência. E, em 25 de maio de 1810, formou-se uma Junta Governativa, em Buenos Aires, festivamente saudada por navios britânicos ancorados na Rio da Prata.

Quase um século depois de libertada das Coroas ibéricas, a América Latina ainda alimentava a fome insaciável do leão britânico: do Chile, saía o cobre; do Peru, o guano e o nitrato; do Brasil, o café; de Cuba, o açúcar; e dos países do Prata, e couro. Em contrapartida, a Inglaterra supria as ex-colônias ibéricas dos mais simples aos mais sofisticados produtos. Há de se observar, contudo, que o mais importante "produto" de exportação inglesa não provinha diretamente de suas máquinas, embora delas resultasse: a ideologia do livre-comércio. Graças a ela, abriram-se as portas e portos latino-americanos à rapina inglesa.

Por outro lado, Buenos Aires, que até a Independência fora uma das mais atrasadas regiões do país, a partir de 1810 ocupou o centro de gravidade da vida econômica. Monopolizou a renda aduaneira, enriquecendo-se às custas da alfândega nacional. Por seu porto saíam as matérias-primas que as fábricas inglesas exigiam e entravam os similares estrangeiros que acabaram por destruir as pequenas indústrias do Centro e Norte argentinos. Tudo isso graças ao livre-cambismo.

Com o crescente interesse europeu pelo couro e charque da Argentina, foram criados impostos para o consumo interno da carne, que adquiria assim prioridade para exportação. Os gaúchos que habi-tavam os pampas e viviam basicamente da carne viram-na escassear em suas mesas. A reorganização da produção visando ao mercado externo impunha-lhes submissão aos grandes proprietários e aos comer-ciantes portenhos. Em breve não lhes restou alternativas senão levantar lanças contra a ditadura de Buenos Aires. b) A Guerra Cisplatina

Protecionismo contra livre-cambismo ou federalismo versus unitarismo formaram o cenário em que se desenvolveram as guerras civis argentinas, no século passado, em que obteve grande destaque a figura caudilhesca de Juan Manuel de Rosas.

Em 1816, a Argentina formalizou sua independência da Espanha. Nessa época, os portugueses in-vadiram a Banda Oriental (atual Uruguai), sob o pretexto de assegurar a autoridade de Fernando VII, Rei da Espanha. Em 1821, essa região foi incorporada ao Império do Brasil, provocando protestos da Argentina e da Inglaterra. Com a Independência do Brasil (1822), esta região foi rebatizada de Província Cisplatina. Inconformados com a ocupação brasileira, um grupo de portenhos, denominados mais tarde de Trinta y tres Orientales, iniciou a resistência armada, chegando a infligir derrotas ao exército brasileiro. Em outubro de 1825, a Banda Oriental foi reincorporada às Províncias Unidas do Rio da Prata, às quais, dois meses depois, o Brasil declarou guerra. Ao encerrar-se o novo conflito, por exigência inglesa, a Banda Oriental tomou-se independente, sob o nome de República Oriental do Uruguai. Aprovou-se, então, uma Constituição e se escolheu para Presidente Fructuoso Rivera (1828). Ao Brasil e à Argentina restou reconhecer e garantir a independência uruguaia. Reabriu-se o porto de Buenos Aires sob bloqueio dos brasileiros desde o início do conflito - beneficiando o comércio livre e a Inglaterra. c) O intervencionismo europeu

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Juan Manoel Rosas, grande criador de gado e produtor de carne-seca e couros, se impôs como líder pecuarista na luta das províncias contra a hegemonia do porto de Buenos Aires.

Eleito Governador da Província de Buenos Aires em 1829 e reempossado por plebiscito (1833)-originariamente para um período de cinco anos -, Rosas governou Buenos Aires até 1852. Seu governo foi rigoroso com os inimigos, perseguindo-os sob acusação de antiargentinos e estrangeirados. Não es-caparam os intelectuais que simpatizavam com a causa unitária. Contudo, deve ser destacado o cunho nacionalista de sua política, opondo-se tenazmente ao intervencionismo estrangeiro nos assuntos do Prata.

Em 1838, aplicou contra cidadãos franceses uma lei promulgada em 1821, exigindo o serviço militar a estrangeiros residentes há mais de dois anos em Buenos Aires. Essa lei já havia sido utilizada em 1829, mas o governo portenho, na época, capitulara ante as pressões da França. O atual governo de Rosas, contudo, não acatou as exigências do Vice-Cônsul francês, Aimé Roger, e expulsou-o do país, fazendo valer sua decisão. Por causa disso, a França ordenou que seus barcos bloqueassem toda a costa argentina - de 1838 a 1840 -, embora não chegasse à declaração de guerra.

Nessa época, os franceses impuseram idêntico "castigo" ao México, bloqueando o porto de Vera Cruz, sob o pretexto de que o governo mexicano desrespeitara direitos de cidadãos franceses ali residen-tes. A capitulação do México talvez tenha incentivado a investida francesa contra Buenos Aires.

Também nesse período, Fructuoso Rivera - que deixara o governo uruguaio - investiu contra seu sucessor, Manuel Oribe. Da luta entre as duas facções nasceram os partidos históricos do Uruguai: o Colorado, defensor de Rivera, e o Blanco, que abrigava partidários de Oribe. Mesmo com a ajuda do governo de Rosas, os blancos foram derrotados, indo seu líder refugiar-se em Buenos Alres. Instigado pelos franceses e por unitários residentes em Montevidéu, o governo de Rivera declarou guerra à Argentina (1839).

Em face do ataque simultâneo de uruguaios e franceses, e ainda tendo que fazer frente a uma insurreição militar, o governo de Rosas viu-se envolvido em graves dificuldades econômicas. Algumas pro-víncias do Noroeste (Tucumã e outras) insurgiram-se contra a autoridade de Rosas.

Da mesma forma, alguns oligarcas que discordavam da política rosista levantaram-se contra o governo. Já em 1838, o Governador de Corrientes resolvera não mais reconhecer a autoridade de Buenos Aires nos negócios estrangeiros, sendo fuzilado pelas forças portenhas.

Tudo isso representava um desgaste não só político, como principalmente econômico. O desgaste econômico obrigou o governo de Rosas a abandonar sua rígida postura nacionalista e

reabrir o porto ao comércio livre. Em realidade, desde 1841 o protecionismo vinha esvaecendo, ao invés de acentuar-se; Rosas expressava como ninguém os interesses dos fazendeiros charqueadores da província de Buenos Aires, e não existia - nem existe - uma burguesia industrial capaz de impulsionar o desenvolvimento de um capitalismo nacional autêntico e pujante: a grande estância ocupava o centro da vida econômica do país, e nenhuma política industrial podia ser empreendida com independência e vigor sem abater a onipotência do latifúndio exportador. Rosas permaneceu sempre, no fundo, fiel à sua classe.

O enfraquecimento do governo de Rosas propiciou a revolta de algumas províncias, mas, resolvida a questão com a França, ele pode investir contra os focos de resistência. Um exército, sob o comando do General Oribe sufocou os movimentos anti-rosistas nas províncias do Noroeste. Investiu, ainda, contra Montevidéu a fim de exterminar toda e qualquer resistência ao regime federalista. Os orientais defenderam-se, auxiliados por uma legião italiana comandada por Giuseppe Garibaldi e com a ajuda dos governos da França e da Inglaterra, que recusaram as explicações de Rosas quanto a uma interferência uruguaia em assuntos argentinos. O governo de Buenos Aires bloqueara a embocadura do Rio Paraná. Descontente com isso, o Paraguai, de CarIos Antonio López, investiu em socorro do Uruguai.

Nessa situação, os ingleses tentaram negociar com o governo de Rosas, exigindo o restabelecimento da livre navegação do Rio Paraná e o reconhecimento da independência uruguaia. Recusada essas exigências, a frota inglesa, com apoio da França, derrotou a esquadra argentina e estabeleceu o bloqueio de Buenos Aires.

É interessante lembrar que a Doutrina Monroe, estabelecida pelo governo norte-americano (1823), não foi posta em prática contra as intervenções europeias na América Latina, muito embora defendesse retoricamente o não intervencionismo. Aliás, os EUA, nessa época, estavam muito ocupados em tomar terras ao México.

A agressão anglo-francesa, contudo, alertou os latino-americanos, que viram nela o perigo de outras intervenções menos "humanitárias". Desse modo passaram a manifestar-se, como dirigentes uruguaios, a favor do governo de Rosas, o que lhe dava maior prestígio. Percebendo o erro, ingleses e

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franceses buscaram a negociação, sendo que os primeiros firmaram a paz, em 1849, prometendo devolver as cargas e os navios capturados, reconhecer os direitos do governo portenho controlar seus rios e punir o Uruguai por interferência em assuntos argentinos. Os franceses concluíram a paz no ano seguinte, mais ou menos sob as mesmas condições.

Ressalte-se que a política do Império do Brasil, em relação aos países do Prata, revelou-se inter-vencionista. O pacote de tratados assinados com o governo do Uruguai, visando a derrotar o governo de Rosas, foi apenas a ratificação dessa política. Segundo esses tratados, o Império comprometia-se a fazer vultosos empréstimos ao Uruguai. Em troca o governo oriental hipotecava todas as suas rendas. Durante dez anos a entrada de gado no Rio Grande do Sul ficava livre. Os amos de escravos fugidos, ou seus capatazes, podiam pedir ao governo do Uruguai a apreensão e devolução dos fugitivos. Finalmente, tratava de questões de limites. Não foi sem razão que ficaram conhecidos como tratados malignos.

Vencido Rosas, a oligarquia de Buenos Aires rejubilou-se ante as perspectivas que se abriam ao co-mércio livre. Da mesma forma, a Coroa inglesa.

III. ASPECTOS HISTÓRICOS 01. Argentina Seguem-se, a partir de 1916, governos da União Civica Radical (UCR), interrompidos em 1930 por um golpe militar chefiado pelo general José Uriburu. O regime civil é restaurado em 1932, com domínio conservador. Em 1943, novo golpe militar abre espaço para a ascensão de Juan Domingo Perón, que conquista o apoio das camadas populares ao promover a sindicalização e as reformas trabalhistas. Eleito presidente em 1946, casa-se com Eva Duarte (Evita), símbolo da propaganda de seu governo populista. Perón é reeleito em 1951.

A morte de Evita, em 1952, enfraquece o governo. Deposto em 1955 por um golpe, Perón exila-se na Espanha. Arturo Frondizi, da UCR, é eleito presidente em 1958 e deposto pelos militares quatro anos depois. Arturo Illia (UCR), eleito em 1963, cai em 1966, em novo golpe, liderado pelo general Juan Carlos Onganía, afastado em 1970. Em 1971, o general Alejandro Lanusse negocia a volta de Perón. O Partido Justicialista (PJ) elege Perón para a Presidência em 1973. No ano seguinte, Perón morre. Isabelita, sua mulher e vice-presidente, assume o governo e favorece setores direitistas. Um golpe depõe Isabelita em 1976. A junta militar chefiada pelo general Jorge Rafael Videla dissolve o Congresso e dá início à "guerra suja" - repressão aos opositores. O número de desaparecidos durante a ditadura é estimado em até 30 mil pessoas. O general Roberto Viola substitui Videla em 1981 e promete diálogo com a oposição, mas é deposto pelo general Leopoldo Galtieri. Buscando apoio popular, os militares invadem, em 1982, as Malvinas, território britânico no Atlântico sul reivindicado pela Argentina. A derrota argentina leva à renúncia de Galtieri. Seu substituto, o general Reynaldo Bignone, negocia a volta dos civis ao poder. Raúl Alfonsin, da UCR, eleito presidente em 1983, ordena a prisão dos comandantes das juntas militares um ano depois. Uma comissão liderada pelo escritor Ernesto Sábato constata a existência de campos de prisioneiros, onde 8.961 pessoas foram mortas de 1976 a 1982. A hiperinflação provoca saques e quebra-quebras. Em 1987 e 1988, as revoltas de militares da ativa (os caras-pintadas) contra o julgamento de oficiais fazem Alfonsín enviar ao Congresso Nacional leis que anistiam oficiais subalternos e limitam o número de processos. As leis são revogadas em 1998. O peronista Carlos Menem é eleito presidente em 1989. Em meio à grave crise econômica, torna posse antes do fim do mandato de Alfonsín e adota medidas duras de combate à inflação. Em 1990 sufoca outro levante cara-pintada e indulta os militares da "guerra suja". Um plano baseado na paridade entre o peso e o dólar, de autoria do ministro Domingo Cavallo, congela a inflação em 1991. Em 1992, Menem privatiza o sistema energético e a estatal de petróleo. Em 1994 muda a Constituição para concorrer ao segundo mandato e se reelege. A Constituição impede Menem de concorrer a um terceiro mandato, e a disputa eleitoral de 1999 fica entre Eduardo Duhalde, do PJ - o partido peronista -e Fernando de La Rua, da Aliança – coalizão de oposição que reúne a UCR e a Frente do País Solidário (Frepaso). De La Rua vence no primeiro turno e as-sume a Presidência em meio à recessão. No mesmo ano, o Mercosul (integrado por Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai) entra em crise com a desvalorização do real no Brasil, o que prejudica as exportações argentinas. Em novembro de 2000, o governo congela gastos públicos e reduz benefícios previdenciários.

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Em dezembro é assinado acordo de ajuda externa, no valor de 40 bilhões de dólares, coordenado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). a) Atualidades Com o acirramento da crise, diminuem as reservas de dólares. Em julho de 2001, boatos de desvalorização do peso provocam uma corrida aos bancos. Em 1° de dezembro, para prevenir saques em massa, que levariam à quebra do sistema financeiro, o governo limita em mil dólares a retirada mensal por pessoa. A restrição aos saques fica conhecida como corralito (curralzinho). Uma greve geral contra a política econômica degenera em tumultos. No dia 20, milhares de argentinos concentram-se diante da Casa Rosada. Batem panelas e exigem renúncia de De Ia Rúa, que na véspera havia decretado estado de emergência. Na repressão aos protestos, morrem 29 pessoas. De Ia Rúa não resiste à pressão, renuncia e foge de helicóptero. O presidente do Senado, Ramón Puerta, assume Presidência, mas renuncia dois dias depois. O governador da Província de San Luis, o peronista Adolfo Rodríguez Saá, é eleito pelo Congresso para go-vernar até o fim do mandato de De Ia Rúa (dezembro de 2003). Na posse, Rodríguez Saá decreta a moratória dos juros da dívida externa. Mas os deputados peronistas recusam-se a aprovar as medidas econômicas de Rodríguez Saá, que renuncia no dia 30. O presidente da Câmara, também peronista, Eduardo Camano, concorda em assumir a Presidência da República por 48 horas. Eduardo Duhalde, novo escolhido pelo Congresso, assume finalmente em 1° de janeiro de 2002 e forma um gabinete de unidade nacional. O câmbio fixo de 1 peso por 1 dólar, que vigorava desde 1991, é abandonado em fevereiro, e a cotação passa a flutuar de acordo com o mercado. Em novembro, o corralito é extinto o que leva a uma série de medidas parciais para o fim da restrição aos saques bancários. Em janeiro de 2003, depois de um ano de negociações, Duhalde assina um acordo com o FMI e encerra a moratória da dívida externa. A rivalidade entre as facções peronistas leva o PJ a lançar três candidatos ao pleito presidencial de abril: Menem, Rodriguez Saá e Néstor Kirchner, governador da Província de Santa Cruz, apoiado por Duhalde. Para evitar a derrota, Menem retira sua candidatura, o que faz de Kirchner o novo presidente, sem a necessidade de nova rodada eleitoral. Logo após tomar posse, Kirchner demite o comandante do Exército, Ricardo Brinzoni. São ainda destituídos mais de 50 integrantes da cúpula das Forças Armadas. A medida visa a afastar do comando oficiais suspeitos de envolvimento com a repressão no regime militar. Em agosto, por iniciativa de Kirchner, a Câmara dos Deputados e o Senado anulam as leis que perdoavam os responsáveis pelos crimes da ditadura. As leis, chamadas de Obediência Devida e Ponto Final, tinham sido aprovadas durante o governo de Alfonsín. A anulação das leis é ratificada pela Suprema Corte, em 2005. Em setembro de 2003, Kirchner volta a suspender os pagamentos aos organismos de crédito, diante do impasse nas negociações da dívida de 90 bilhões de dólares. O presidente rejeita as duas exigências do FMI - o pagamento de compensação aos bancos pelos prejuízos em 2002 e a autorização para que as empresas prestadoras de serviços públicos aumentassem suas tarifas. A moratória dura apenas dois dias. Depois de chegar ao fundo do poço, em 2002, quando o PIB apresenta redução de 10,9%, a economia argentina mostra expressiva recuperação e o déficit comercial dá lugar a um superávit. Militares Repressores são punidos: Após mais de duas décadas de democracia, a Argentina começa a quitar suas dívidas com o passado violento do país. Em junho de 2005, a Suprema Corte de Justiça declara inconstitucionais duas leis da década de 1980 que impediam que militares fossem processados por atrocidades cometidas durante a ditadura. Calcula-se que cerca de mil policiais e militares possam ser processados. A revogação das "leis do perdão" é fruto, sobretudo, do empenho do presidente Néstor Kirchner, que em 2004 já havia feito um pedido de desculpa em nome do Estado durante uma cerimônia em repúdio ao golpe militar. Um novo passo para que os responsáveis pelas atrocidades sejam levados à Justiça ocorre em setembro de 2006, quando um juiz federal suspende o indulto concedido a dois ex-ministros do ex-ditador Jorge Videla, acusados de ordenar prisões ilegais. No mesmo mês, um tribunal regional da província de Buenos Aires, em La Plata, condena à prisão perpétua um ex-policial pelo assassinato de seis pessoas durante a repressão aos opositores da ditadura. Nova decisão judicial, em março de 2007, determina a prisão domiciliar do general da reserva

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Reynaldo Bignone, o último presidente do regime militar. Bignone é acusado de comandar centros ilegais de detenção e de ordenar o assassinato de opositores políticos. Em abril, um tribunal federal revoga o perdão concedido por Menem a dois dos chefes do regime militar, o general Jorge Videla e o almirante Emilio Massera, que terão de cumprir as penas de prisão perpétua a que foram condenados em 1985. Em agosto, o padre Christian von Wernich, antigo capelão militar, é condenado por cumplicidade em sequestros, assassinatos e torturas cometidos durante a ditadura. Em julho de 2007, a senadora Cristina Fernández de Kirchner, mulher do presidente, lança sua candidatura à Presidência. Nas eleições, em outubro, Cristina é vitoriosa no primeiro turno. Cristina toma posse em dezembro como a primeira mulher a exercer a Presidência na Argentina. Os primeiros anos de seu governo a Argentina passa por algumas crises, das quais citamos: - Confronto com os ruralistas: Em 2008, Cristina Kirchner aumenta os impostos sobre a exportação de grãos, para garantir o abastecimento interno. Como reação, os ruralistas organizam quatro locautes, causam desabastecimento nas cidades e choques entre opositores e apoiadores do governo. - Conflitos com a Imprensa: Em 2009, o maior grupo privado de comunicação do país, o Clarin, é alvo de uma blitz da Receita Federal, em setembro. A ação é interpretada como intimidação ao jornal, que publicara no ano denúncias de enriquecimento ilícito contra o casal Kirchner. Governistas aprovam uma nova lei de radiodifusão que regulamenta e limita a participação de grupos de mídia do país. Em 2010, o governo revoga licença de uma empresa de internet do Grupo Clarín e tenta legalmente reduzir a participação dos jornais Clarin e La Nación no controle acionário da empresa Papel Prensa, a maior fabricante de papel jornal do país. Organismos internacionais de imprensa criticam as medidas, interpretando-as como ataques do governo a esses veículos. - Conflito com o Banco Central: Em 2010, o presidente do Banco Central não autoriza a presidente a usar dinheiro de um fundo para pagar parte da dívida pública. Ela o demite e é contestada judicialmente, pois a disposição do cargo não cabe ao Executivo. Em março, Cristina obtém permissão judicial para utilizar as reservas do BC.

- Questão das Malvinas: Em 2010, a decisão do Reino Unido de prospectar petróleo ao sul das ilhas

Malvinas reacende uma disputa histórica com a Argentina. Em retaliação, Cristina assina decreto que impõe

controle sobre embarcações que navegarem entre a Argentina e o arquipélago, dificultando o transporte

de material utilizado na exploração de petróleo e na defesa do território. Cristina obtém apoio regional na

reivindicação pela soberania das Malvinas, mas o Reino Unido mantém as perfurações. Em janeiro de 2011,

um navio da Marinha inglesa, a caminho das ilhas, não recebe permissão para atracar em porto brasileiro.

A proibição é um fato inédito na diplomacia das duas nações. Em setembro, é anunciada a descoberta de

grandes reservas de petróleo nas Malvinas, com potencial para elevá-las a importante centro de produção

mundial.

Em referendo realizado nas Malvinas, em março de 2013, 99,7% dos 1,5 mil votantes decidem que

o arquipélago deve permanecer colônia britânica. Cristina não reconhece o pleito.

- Morte de Kirchner

Morre o ex-presidente Nestor Kirchner em outubro de 2011, aos 60 anos, sofre uma parada

cardíaca e morre.

A alta popularidade do governo de Cristina garante sua reeleição, em outubro de 2011. Ela obtém

54% dos votos, derrotando o socialista Hermes Binner. A bancada da coligação da presidente, Frente para a

Vitória (FpV), conquista a maioria no Congresso.

No mesmo ano, a Argentina se torna o primeiro país latino-americano a autorizar o casamento

entre pessoas do mesmo sexo.

- Papa Francisco

Em abril de 2012, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio é eleito papa e adota o nome de Francisco. É o

primeiro latino-americano a assumir o mais alto posto da Igreja Católica.

Em junho, o ex-presidente Menem é condenado a sete anos de prisão por venda ilegal de armas à

Croácia e ao Equador entre 1991 e 1995, mas o mandato de senador lhe garante imunidade.

- Economia

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As dificuldades econômicas do país se intensificam. A inflação oficial de 2012 é de 10,8%, mas

institutos independentes apontam uma taxa de 25,8% – o país é criticado por órgãos como o FMI por não

apontar dados confiáveis. Em fevereiro, o governo congela o preço de mais de 100 itens de primeira

necessidade para tentar conter a escalada de preços, mas não obtém sucesso. Em maio, as reservas

monetárias atingem o mais baixo nível em seis anos. Em agosto, um tribunal confirma a decisão de que a

Argentina deve pagar 1,3 bilhão de dólares aos credores que não aceitaram a reestruturação da dívida após

a moratória declarada em 2001. Cristina abre nova negociação com os credores.

- Lei de Mídia

Ainda em outubro, a Suprema Corte argentina declara constitucional a Lei de Mídia, o que

representa uma vitória política para Cristina. Em consequência da decisão, o grupo Clarín terá de se

desfazer de parte de suas licenças de TV, rádio e internet. A empresa cogita recorrer a cortes

internacionais, mas inicia negociação com o governo em janeiro de 2014 para efetuar o desmembramento.

O plano é desmembrar o conglomerado em seis empresas independentes de audiovisual.

- Inflação e Desvalorização do Peso

Entre 2011 e 2013, as reservas em moeda estrangeira da Argentina caíram 46% devido ao

pagamento da dívida externa e aos esforços do Banco Central para manter o peso valorizado como forma

de combate à inflação.

Em janeiro de 2014, o governo começa a afrouxar sua política de controle cambial, o que leva o

peso a sofrer uma desvalorização de 18,6% no mês em relação ao dólar – a maior perda de valor desde

2002.

Com a desvalorização do peso, o governo tenta conter a elevação dos preços e estende, em

fevereiro, o congelamento de 194 itens da cesta básica para todo o país – até então, o plano era restrito à

Grande Buenos Aires e a Mar del Plata. No mesmo mês, o governo anuncia seu novo Índice de Preços ao

Consumidor (IPC), numa tentativa de resgatar a credibilidade das estatísticas oficiais. A inflação oficial de

janeiro fica em 3,7%, a mais alta divulgada pelo governo desde 2002. No mesmo mês, a Repsol aceita a

indenização de 5 bilhões de dólares proposta pelo governo argentino devido à nacionalização da petroleira

YPF, em 2012.

02. Uruguai O presidente colorado José Batlle y Ordónez (1903/1907 e 1911/1915) enfrenta a revolta dos blancos e controla a situação: nacionaliza os serviços públicos e cria o primeiro sistema de previdência social na América Latina Em 1951, o temor de uma ditadura faz o Congresso abolir o cargo de presidente, substituído por um Conselho de Administração. Um referendo simultâneo às eleições de 1966, vencidas pelos colorados, restaura o presidencialismo. O declínio econômico provoca o aumento da inflação, protestos populares e a ação dos Tupamaros, guerrilheiros de esquerda surgidos em 1963. Eleito em 1971, Juan Maria Bordaberry fecha o Congresso em 1973 e instaura um regime repressivo, com o apoio dos militares. Em 1976, Aparicio Méndez o substitui. Em 1980, as Forças Armadas são derrotadas em plebiscito para referendar a nova Constituição, o que acelera a abertura democrática. Após o governo de transição do general Gregorio Álvarez, o colorado Julio Maria Sanguinetti vence as eleições de 1984. Em 1989 é aprovada em plebiscito a Lei do Ponto Final, que anistia os repressores da ditadura, e o blanco Luis Alberto Lacalle é eleito presidente. Ele adota uma política de privatizações, corte de gastos públicos e arrocho salarial, o que causa protestos. Em abril de 1999, o ex-presidente Lacalle (blanco), o senador Jorge Batlle (colorado) e o ex-prefeito de Montevidéu Tabaré Vázquez, da coalizão esquerdista Frente Ampla-Encontro Progressista (FA-EP), lançam-se candidatos à Presidência. Nas eleições gerais de outubro, a esquerda ameaça romper a hegemonia de colorados e blancos, com a vitória de Tabaré no primeiro turno, seguido por Batlle, e a conquista de maioria simples no Congresso. No segundo turno, os blancos apoiam Batlle, que vence com 52% dos votos, contra 44% de Vásquez. Batlle assume a Presidência em março de 2000. Em maio, a coalizão FA-EP ganha a eleição para o governo de Montevidéu. Colorados e blancos vencem nos 18 departamentos restantes. Em agosto, Batlle instala uma comissão para investigar os crimes do regime militar.

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a) Atualidades

Em 2002, a economia é afetada pela crise na Argentina, com a retirada de depósitos bancários mantidos pelos argentinos no país. Para evitar a quebra de bancos, o FMI e outros organismos aprovam crédito de 1,5 bilhão de dólares ao Uruguai.

O candidato da Frente Ampla, Tabaré Vázquez, vence as eleições de 2004, derrotando o candidato blanco Jorge Larrañaga. Vázquez é o primeiro presidente de esquerda na história do país.

No fim de 2005, os argentinos da fronteira, com o apoio do presidente Néstor Kirchner, protestam contra a edificação de uma grande fábrica de celulose na cidade uruguaia de Fray Bentos, temendo a poluição do rio Uruguai. Em 2006, a disputa é levada ao Tribunal Internacional de Justiça. A fábrica é inaugurada em 2007, mas só após a decisão final favorável aos uruguaios, em abril de 2010, os dois países estabelecem parceria para controlar a qualidade das águas do rio Uruguai.

Em 2010, José Mujica, da Frente Ampla, é eleito presidente. Mujica é o primeiro ex-guerrilheiro a assumir a Presidência. Militante da ala moderada da coalizão de centro-esquerda, ele é empossado em março de 2010, dispondo-se a negociar com a oposição um pacto de governabilidade.

b) Fatos Recentes

Em 2011, a Câmara anula a Lei da Caducidade, mas a decisão é revertida pela Suprema Corte em

fevereiro de 2013.

Em outubro de 2012, Mujica sanciona lei que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de

gestação, desde que realizado sob a supervisão do Estado. O Uruguai é o primeiro país sul-americano a

permitir o procedimento em todos os casos.

- Casamento Gay

Mujica promulga em maio de 2013 a lei que regulariza o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Na América Latina, apenas a Argentina havia adotado medida semelhante.

- Polêmica Com Argentina

Mujica anuncia em outubro autorização para que a fábrica de celulose instalada em Fray Bentos

aumente a sua produção em 100 mil toneladas anuais. A decisão é tomada, segundo os uruguaios, após

frustrada tentativa de acordo com o governo argentino sobre a questão. A Argentina critica a medida

unilateral do país vizinho e anuncia que recorrerá novamente à Corte Internacional de Justiça, alegando

que houve violação da sentença do tribunal.

- Maconha

Em dezembro de 2013, o Senado aprova projeto de lei que legaliza a maconha.

03. Paraguai a) A Guerra do Paraguai (1864-1870) - A Ditadura Perpétua: primeira república popular da América

Quando o Paraguai se libertou do jugo espanhol, em 1811, Buenos Aires já era a sede dos inte-resses comerciais ingleses, que ditavam as normas para o comércio internacional na região do Prata. Com a Independência, assumiu o poder José Gaspar Rodriguez de Francia, EI Supremo. Exercendo um poder ditatorial contra os ricos oligarcas ainda ligados aos interesses da Espanha, o governo de EI Supremo estabeleceu uma República Popular, que chamou de Ditadura Perpétua, de características bem próprias. Foi criada uma nova ordem econômica baseada em um cooperativismo socializado, isto é, um regime de produção comunitária administrado pelo Estado. Liquidou-se "a impropriedade da propriedade privada, tornando-a propriedade coletiva". O governo promoveu a primeira grande reforma agrária da América Latina e deu-lhe infraestrutura, fornecendo, além da terra, sementes, implementos agrícolas e gado aos camponeses. Criaram-se as Estâncias da Pátria, onde os camponeses produziam ajudados pelo Estado e dispunham de parte da produção como homens livres.

Ao mesmo tempo, o governo estabeleceu sua diretriz política em consonância com a nova estru-tura econômica. Nacionalizou a Igreja Católica, obrigando-a a romper com a Santa Sé, e transformou os conventos em quartéis para defender a soberania do país. Deste modo, eliminou o poder político e econômico da Igreja, igualando os sacerdotes aos homens do povo. Monopolizou, através do Estado, a

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exportação dos produtos excedentes, em prejuízo da burguesia mercantil, aplicando o lucro obtido em benefício do país. Por outro lado, empreendeu uma verdadeira revolução cultural respeitando os costumes dos índios e eliminando o analfabetismo no Paraguai.

Apesar de tudo - e por tudo isso -, a fama de Francia como bárbaro e assassino espalhou-se desde o Prata até a Inglaterra. Por quê? Em síntese, porque sua violência era dirigida contra os ricos: nos cárceres políticos paraguaios da época não existiam pobres (ao contrário de hoje), mas somente ricos exatamente os que poderiam se voltar contra seu governo.

Ao contrário do que dizem muitos historiadores o isolamento do Paraguai durante o governo de Francia não foi escolhido, mas determinado por circunstâncias históricas: por não possuir porto marítimo para escoar seus produtos, o país dependia de Buenos Aires, cuja burguesia se vinculava aos interesses imperialistas ingleses, Deste modo, o contrato firmado entre os dois governos para facilitar as exportações paraguaias nunca foi respeitado pelos portenhos, que, além disso, criaram um imposto adicional, especialmente sobre o fumo, principal produto paraguaio de exportação. Foi tentado ainda o contato direto com a Inglaterra, igualmente frustrado. Assim, entre perder a soberania do país ou mantê-la a todo custo, o governo de Francia preferiu a última: fechou as fronteiras, isolando o país contra o imperialismo inglês.

Sob os lemas Ordem e Progresso e Independência ou Morte e apoiado nos camponeses, artesãos, pequenos comerciantes e industriais, construiu o primeiro país livre e soberano da América Latina, onde a liberdade não era um conceito abstrato, mas o direito à terra, ao trabalho e a seus frutos, traduzido na própria consciência nacional - só destruída com o extermínio de seu povo, em 1870, ao fim da Guerra do Paraguai.

- O governo de Carlos Antonio López Com a morte de Francia, em 1840, assumiu o governo Carlos Antonio López, primeiro Presidente

constitucional do país. Recebeu o Paraguai sem analfabetos, com pleno emprego e com uma estrutura socioeconômica voltada para os interesses populares. O país estava pronto para o desenvolvimento, que era travado pelas elevadas taxas impostas por Buenos Aires à exportação de seus produtos.

Para melhor entendimento do governo de Carlos Antonio López, faz-se necessária uma breve análise da conjuntura socioeconômica dos outros países platinos naquele período. Eram verdadeiras "colônias" da Inglaterra: alimentavam as indústrias inglesas com matérias-primas baratas e consumiam a preços altos os produtos industrializados da "civilização". Aliás, civilização, progresso, ciência etc. eram conceitos muito bem aproveitados pela Coroa inglesa para justificar a ação imperialista na América Latina, sobretudo no Império do Brasil e em Buenos Aires, onde uma aristocracia rural e urna incipiente burguesia, respectivamente ligadas ao capitalismo inglês -, dominavam o sistema político.

Nesse quadro, evidentemente, a soberania do Paraguai era um "anacronismo" que precisava ser corrigido para o bem da Inglaterra e das classes dominantes platinas. O governo Carlos López prosseguiu a política de Francia: ampliou seu sistema econômico criando uma infraestrutura de desenvolvimento industrial.

Quando Carlos Antonio López morreu, em 1862, foi sucedido por seu filho Francisco Solano López. Com uma indústria de base em desenvolvimento, o Paraguai de então já era o país mais progressista da América do Sul e sem dívida externa. Exercendo o poder também de forma ditatorial, Solano López continuou as diretrizes de seus antecessores.

A conjuntura internacional sofria mudanças que, de certa forma, precipitaram a Guerra do Para-guai. A Guerra de Secessão (1861-1865), nos EUA, refletiu na indústria têxtil inglesa na medida em que o Norte bloqueou o litoral dos Estados Confederados, impedindo as exportações sulistas de algodão para a Inglaterra. Consequentemente, muitas fábricas reduziram sua produção e a possibilidade de desemprego em massa ameaçava o próprio equilíbrio social da Inglaterra. Se lembrarmos que o Paraguai nessa época já produzia algodão de boa qualidade, poder-se-ia depreender o óbvio: a Inglaterra compraria o algodão do Paraguai. Errado! A simples compra do algodão paraguaio era uma contradição para a expansão imperialista, pois fortalecia a economia do Paraguai, dando-lhe condições de, a longo prazo, concorrer com a própria Inglaterra nas suas exportações para o Prata. Na visão do imperialismo, o Paraguai - como seus vizinhos - deveria ser apenas um mercado consumidor tradicional de produtos industrializados e fornecedor de matérias-primas. Então, qual seria a saída para a Inglaterra? Destruir o Paraguai. Estava montado o palco para o primeiro ato da tragédia que caracterizou o aniquilamento do povo paraguaio: a Guerra do Paraguai.

Sob um manto de intrigas e calúnias, onde não faltaram as acusações de criminoso, ditador, bár-

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baro e assassino cruel ao Presidente Solano López, o Império do Brasil e a Argentina (economicamente dependentes da Inglaterra) invadiram o fraco Uruguai, então único aliado do Paraguai, e depuseram seu governo, colocando no poder Venâncio Flores, de tendências antiguaranis. Os pretextos foram vários, mas o objetivo apenas um: atrair o Paraguai em defesa do Uruguai e destruir seu modelo econômico, o que era desejado pelo empresariado inglês.

O Uruguai, por sua posição geográfica, era estrategicamente importante para a subsistência do Paraguai, o que, inclusive, havia levado os dois países a uma aliança de defesa mútua (1850). Deste modo, embora alguns historiadores apontem questões de fronteira (o que em parte era verdade, pois la-tifundiários brasileiros ocupavam terras uruguaias para criar gado) como causa da invasão argentino--brasileira ao Uruguai, a causa fundamental foi a já apontada: desestabilizar o governo uruguaio de Bernardo Berro e substituí-lo pelo de Venâncio Flores. É bom que se diga que isto foi feito em prejuízo, inclusive, de interesses brasileiros, representados pelo Barão de Mauá, que possuía grandes investimentos no Uruguai.

A intervenção no Uruguai provocou reações na própria Argentina onde muitos a viram como uma medida que atendia aos tradicionais interesses da política brasileira no Prata. Desde o Primeiro Reinado, o Império do Brasil procurou assegurar a livre navegação da Bacia Platina, fundamental para as ligações entre a capital brasileira e a Província de Mato Grosso: daí as intervenções contra governantes uruguaios ou argentinos que adotassem posições inamistosas com o Brasil, inclusive no que se refere a projetos de reconstituir a unidade do antigo Vice-Reino do Prata.

Deste modo, não restou alternativa ao Presidente Solano López senão fazer cumprir os termos do acordo de 1850 e, após interromper relações diplomáticas com o Brasil Imperial, declarar-lhe guerra.

Substituído o governo uruguaio, o Império do Brasil e a Argentina conseguiram a adesão de Venâncio Flores e firmaram o acordo que ficou conhecido como Tratado da Tríplice Aliança. Esse tratado já tinha sido sugerido pela diplomacia inglesa há pelo menos um ano, mas permaneceu secreto até pouco antes de ser assinado por seus representantes na América do Sul, em 19 de maio de 1865. Segundo a Tríplice Aliança, o Paraguai devia ser destruído. - A guerra de extermínio

Os aliados esperavam uma guerra rápida pela própria superioridade de suas forças. Mas o Paraguai resistiu por cinco anos e a guerra só terminou com sua população quase exterminada. Morreram 96,5% dos homens e dos sobreviventes apenas 1,08% tinha mais de 20 anos. Da população total (800 mil), morreram 75,75% (606 mil). O Paraguai foi destruído, aniquilado completamente.

Essa resistência, que ameaçou levar à morte "até o feto do ventre da mulher", como reconheceu o Duque de Caxias ao Imperador, explica-se pela própria coesão moral do exército paraguaio, que refletia a própria estrutura socioeconômica do país.

Enquanto o exército paraguaio lutava para defender a terra com a própria vida, o direito ao traba-lho e à dignidade humana, os exércitos aliados refletiam em suas fileiras suas próprias contradições:

a) o exército imperial trazendo em seu bojo a própria expressão da monarquia escravista; formado em sua maioria pela massa negra oprimida no trabalho escravo e que continua sendo levada ao matadouro pelas classes dominantes do Império.

b)o exército da Argentina para ser formado tem mais argentinos mortos na retaguarda, na re-pressão aos movimentos contrários à guerra, do que as baixas ocorridas na linha de frente; acorrentados, são levados para o campo de batalha, além de se formarem legiões de estrangeiros enganados na Europa, colocados na guerra à força.

c) o exército do Uruguai é apenas um aglomerado de poucos soldados, orientados pelo sentimento caudilhesco expresso em Venâncio Flores: para ele a guerra é apenas um bom negócio de onde tira dinheiro do Brasil.

Àquela altura o fim da escravidão representava uma necessidade histórica para o Brasil: adequá-lo aos novos modos de produção, segundo o clássico modelo do imperialismo inglês para as nações colo-nizadas, isto é, criar uma classe de trabalhadores assalariados e em consequência consumidores dos produtos ingleses.

A Guerra do Paraguai foi violenta de ambas as partes, mas deve-se assinalar que, enquanto os paraguaios se prenderam à brutalidade inerente à própria natureza do conflito, do lado brasileiro atro-cidades que se caracterizaram como crime de guerra foram cometidas sob responsabilidade do Conde D'Eu, como o incêndio do hospital de Peribebuí, com todos os seus enfermos, entre velhos e crianças.

Esta foi a Guerra do Paraguai. Quem a ganhou? Quem a perdeu? Houve apenas um ganhador: a In-

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glaterra, que "coincidentemente" a financiara. O Brasil conseguiu algumas fatias de terras há muito desejadas e a Argentina anexou o Chaco Austral, igualmente cobiçado. Contudo, não se pode dizer que eles ganharam a guerra, pois a partir dela tomaram-se mais dependentes do capitalismo inglês, principalmente ao Banco Rothschild, acumulando enorme dívida externa.

b) Guerra do Chaco Na Guerra do Chaco (1932/1935), contra a Bolívia, o país conquista três quartos da região em disputa. Em 1936, oficiais liderados por Rafael Franco iniciam a Revolução Febrerista, que faz a reforma agrária e nacionaliza parte da economia. Franco é deposto pelos liberais em 1937.

c) Golpes e Ditadura Golpes sucedem-se até 1954, quando o comandante do Exército, o general Alfredo Stroessner, derruba o presidente, Federico Chávez, e, apoiado pelo direitista Partido Colorado, instala um regime ditatorial. Stroessner reprime rebeliões em 1959 e 1964, e a corrupção se generaliza Em 1973 assina com o Brasil um acordo para construir a Usina Hidrelétrica de Itaipu, em Foz de iguaçu, no Paraná. Em fevereiro de 1989, um golpe militar depõe Stroessner, que se asila no Brasil. O líder do golpe, Andrés Rodríguez, elege-se presidente em maio daquele ano e deixa o poder em 1993. Juan Carlos Wasmosy, do Partido Colorado, é eleito presidente em 1993. Investigações sobre a ligação de paraguaios com o narcotráfico internacional e o veto aos protestos de militares, em 1994, geram conflitos entre Wasmosy e o chefe do Exército, o general Lino Oviedo, também colorado. Em 1996, Wasmosy destitui Oviedo, que tenta um golpe, frustrado por manifestações no país e pressão dos demais membros do Mercosul e dos Estados Unidos (EUA). Oviedo é indicado para concorrer à Presidência, mas um tribunal militar o condena a dez anos de prisão, em março de 1998, pela tentativa de golpe, tomando-o inelegível Seu substituto, Raúl Cubas, vence o pleito em maio e liberta Oviedo por decreto. A Corte Suprema declara ilegal o indulto, mas Cubas ignora essa posição.

d) Atualidades Em março de 1999, o vice-presidente eleito, Luis Maria Argaña, rival de Oviedo no Partido Colorado, é morto a tiros em Assunção. Manifestantes exigem a destituição de Cubas, apontado com Oviedo como mandante do crime. Ele renuncia dois dias depois e se refugia no Brasil. Luis González Macchi presidente do Congresso, assume. Em outubro, um pistoleiro confessa ter matado Argaña e implica Oviedo e Cubas no crime. No leste do país, cresce a tensão entre paraguaios e brasileiros.

Militares se rebelam em maio de 2000, mas a nova tentativa de golpe fracassa, outra vez por causa da pressão externa. O governo declara estado de sítio e atribui a tentativa a Oviedo, que é preso por policiais brasileiros em Foz do Iguaçu e levado para Brasília, onde aguarda extradição. Ao retomar ao país, em 2002, Cubas é posto em prisão domiciliar enquanto aguarda ser julgado pela morte dos seis manifestantes em 1999. A ala oviedista deixa o Partido Colorado e funda a União Nacional dos Cidadãos Éticos (Unace), para viabilizar a eleição de Oviedo como presidente. O colorado Nicanor Duarte é eleito presidente em 2003, e seu partido mantém a maioria no Congresso. Em 2004, Oviedo, regressa à nação e é preso ao desembarcar em Assunção. Seus advogados alegam que a condenação foi ilegal e deve se anulada pela Corte Suprema. Em setembro de 2006 morre em Brasília o ex-ditador Alfredo Stroessner. O ex-presidente Macchi é condenado em dois processos em que era acusado de corrupção: em junho de 2006, a seis anos de prisão por desvio de recursos públicos, e em dezembro a oito anos, por enriquecimento ilegal e falso testemunho. O bispo católico Fernando Lugo, renunciou ao sacerdócio, em dezembro de 2006, para poder se candidatar, já que a Constituição proíbe a disputa eleitoral por parte de religiosos, O Vaticano, porém, recusa-se a conceder dispensa a Lugo. Em setembro de 2007 o ex-general Lino Oviedo é libertado anuncia que é candidato a presidente, porém Lugo vence as eleições presidenciais de 2008. Em uma decisão inédita, o papa Bento XVI, em junho, concede a "perda do estado clerical" a Lugo, que pode assumir sem violar as leis do Vaticano nem as da Constituição paraguaia.

Em janeiro de 2009, o governo inicia um programa de reforma agrária, que abrange melhorias sociais e obras de infraestrutura no campo, mas não inclui distribuição de terras aos agricultores pobres. Desde a posse de Lugo, os conflitos envolvendo agricultores sem terra e grandes fazendeiros se tomam mais frequentes. Em abril, Paraguai e Bolívia põem fim à disputa territorial de mais de 70 anos que deu

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início à Guerra do Chaco. Em 2009, o governo paraguaio autoriza a abertura de todos os arquivos das Forças Armadas, o que

ajudará na investigação dos crimes cometidos durante os 35 anos do governo ditatorial de Stroessner. e) Revisão do Tratado de Itaipu A Usina de Itaipu pertence aos governos do Brasil e do Paraguai, cada um com 50% de participação. Quando foi criada, em 1973, o governo paraguaio não possuía recursos para bancar sua parte. Por causa disso, o Brasil emprestou ao vizinho o capital inicial e dinheiro para outros investimentos até a inauguração da usina, em 1984. Como resultado desse empréstimo, o Paraguai ficou com uma dívida a ser paga até 2023 à estatal brasileira Eletrobrás, financiadora da obra. O débito ultrapassa os 18 bilhões de dólares. O Paraguai pressiona o Brasil a rever os termos do Tratado de Itaipu, que definiu as condições de construção da usina hidrelétrica de mesmo nome. Um objetivo é reduzir sua dívida para com a estatal brasileira Eletrobrás, financiadora da obra, que atinge 19 bilhões de dólares em novembro de 2006. As autoridades paraguaias reivindicam também uma revisão do preço da energia, que é comprada pelo Brasil por preços inferiores aos de mercado. Como o Paraguai usa apenas 5% da energia a que tem direito, ficou acertado, no Tratado de Itaipu (1973), que a energia excedente (45%) deve ser vendida exclusivamente à Eletrobrás a preço de custo. O Paraguai se sentia prejudicado porque a maior parte desse valor era retida pelo Brasil, como abatimento da dívida. A usina ocupa papel estratégico na economia paraguaia: os royalties, lucros e dividendos obtidos por meio da empresa Itaipu Binacional, representam de 10% a 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Depois de longas negociações, em julho e 2009, Brasil e Paraguai chegam a um acordo sobre o impasse em relação à Usina Hidrelétrica de Itaipu. Ao aceitar os termos reivindicados pelo presidente Lugo, o Brasil pagará mais pela energia que compra do Paraguai a partir de 2011. Com a concessão do governo brasileiro, país passará a pagar o triplo pela energia que compra dos paraguaios - o valor aumentará de 120 milhões de dólares anuais para 360 milhões de dólares. Além disso, o Paraguai poderá vender a energia excedente ao mercado brasileiro sem a intermediação da Eletrobrás. Para entrar em vigor, O acerto dependia de aprovação no Congresso brasileiro, o que ocorreu no primeiro semestre de 2011. Uma crise política em 2012 se desenvolve ao redor do processo de impeachment contra o presidente Fernando Lugo. O processo foi iniciado dia 20 de junho de 2012, a pedido de um deputado do Partido Colorado, após confrontos entre policiais e camponeses deixarem 17 mortos e 80 feridos em uma operação para retirar camponeses de uma fazenda ocupada em Curuguaty. No dia 22 de junho, o presidente foi destituído pela Câmara dos Senadores do Paraguai e na mesma noite, o vice-presidente Federico Franco empossado como novo presidente da República do Paraguai. O processo de votação e cassação de Lugo, que durou pouco mais de 24 horas, foi considerado legítimo pelo Tribunal Superior Eleitoral do país, e ilegal e ilegítimo pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tendo gerado uma crise diplomática internacional com os países sul-americanos da UNASUL e do Mercosul recusando-se a aceitar a forma como se deu a destituição do ex-presidente. Os críticos condenaram a rapidez do processo, a falta de concretude das acusações e o tempo de defesa de apenas duas horas, elementos que, segundo eles, desrespeitariam princípios democráticos universais.

- Morte de Oviedo

Em fevereiro de 2013, morre o ex-general e candidato presidencial Oviedo, num desastre de

helicóptero. Segundo inquérito, tratou-se de acidente, sem indícios de atentado.

- Eleição de Cartes

O empresário Horacio Cartes, do Partido Colorado, vence as eleições presidenciais de abril, ao

obter 45,8% dos votos, contra 36,9% para Efraín Alegre (PLRA). Cartes, um dos homens mais ricos do país,

já foi acusado de ligação com narcotráfico, lavagem de dinheiro e contrabando de cigarros para o Brasil. Os

colorados obtêm ainda maioria na Câmara dos Deputados e são os mais votados para o Senado. O ex-

presidente Lugo é eleito senador pela Frente Guasú. Uma semana após tomar posse, em agosto, Cartes é

autorizado pelo Congresso a convocar o Exército para combater o EPP.

- Paraguai no Mercosul

Em julho, depois da eleição de Cartes, o Mercosul aceita a reintegração paraguaia. O governo do

Paraguai, porém, afirma que só retornará ao bloco após o parlamento de seu país aprovar o ingresso da

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Venezuela. Em dezembro, o Congresso vota a favor da adesão de Caracas, abrindo caminho para a

normalização das relações entre Paraguai e Mercosul.

IV. O MERCOSUL

Duas décadas depois de sua criação, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) ainda luta para conciliar diferentes interesses do países-membros. Formado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, que assinam o Tratado de Assunção, tinha como meta ampliar-se até constituir a União das Nações Sul-americanas (Unasul). No início, seu papel se limitava à redução de tarifas entre os países e à negociação de políticas comerciais comuns. Em janeiro de 1995, o bloco dá um grande passo, com a adoção da Tarifa Externa Comum (TEC), o que o transforma de uma zona de livre comércio em união aduaneira. Nesse mesmo ano, surge a proposta de Área de Livre Comércio das Américas (Alca), lançada pelos Estados Unidos (EUA). O objetivo da Alca, do ponto de vista dos EUA, era abrir os mercados dos países do continente a seus produtos e serviços. Vários movimentos sociais e governos, porém, se opõem fortemente a essa perspectiva, o que contribui para o seu bloqueio. A Cúpula das Américas de novembro de 2005 marca o fracasso do projeto. Atualmente, o governo norte-americano busca fechar o maior número de tratados de livre-comércio com os países do continente, visando a uma futura ligação entre eles. Isso pode ameaçar a coesão do Mercosul. Os governos do Uruguai e do Paraguai, por exemplo, emitiram sinais de que poderiam assinar acordos desse tipo com os EUA, o que implicaria sua saída do bloco sul-americano. Em 2007, porém, os dois países reafirmam seu compromisso com o Mercosul. O bloco vive uma situação contraditória, em que as tendências de crescimento convivem com fatores de desagregação. O primeiro passo para a ampliação do Mercosul é dado em 2006 com a adesão da Venezuela, mas, no fim de 2007. O ingresso desse país ainda depende da aprovação dos congressos do Brasil e do Paraguai. Na Argentina e no Uruguai, os legisladores já deram o "sim" à entrada. Nos outros dois países, a adesão esbarra na oposição de setores políticos e empresariais conservadores. incomodados com a orientação esquerdista adotada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. Com a integração regional prejudicada pelo excesso de barreiras internas, o bloco também é criticado pela lentidão em se lançar em negociações com outras economias mundiais. Em 2010, o Mercosul sai da letargia ao selar tratados de livre-comércio com Egito e Israel e avançar em iniciativas como a Rodada Sul-Sul, que envolve outras sete nações emergentes da Ásia e da África. Mas a prioridade do bloco continua sendo o acordo com a União Europeia (UE) para a criação da maior área de livre-comércio do planeta. As negociações, interrompidas em 2004, por causa da resistência de argentinos e europeus a abrir seu mercado agrícola, evoluem em 2010. Desde então, os dois blocos já realizaram várias rodadas de negociação. Em 2011, estoura um novo capitulo da crise comercial entre Brasil e Argentina, quando o Brasil eleva a tributação na importação de automóveis, para evitar a fuga de dólares - o mercado portenho é o mais afetado. O governo argentino interpreta a medida como uma represália ao seu aumento no número de itens sem licença automática para importação - com altos prejuízos às exportações brasileiras. Os dois países seguem negociando. Compilação Feita a partir de: - Almanaque Abril 2014, 40ª ed. São Paulo: Ed. Abril, 2014. - ARRUDA e PILETTI. Toda a História, 4ª ed. São Paulo: Ática, 1996. - AQUINO, JESUS e OSCAR. História das Sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais. São Paulo: Ao Livro Técnico. - Atlas National Geografic, livro 01 – América do Sul, São Paulo: Ed. Abril, 2008. - http://www.wikipedia.org