aplicaÇÃo do componente militar do poder … · figura nr 11 retorno dos militares mortos no...
TRANSCRIPT
1
MINISTÉRIO DA DEFESA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
APLICAÇÃO DO COMPONENTE
MILITAR DO PODER NACIONAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS EXTERNOS EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA
EDUARDO LOPES E SILVA – CEL INFA QEMA
APLICAÇÃO DO COMPONENTE MILITAR DO PODER NACIONAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS EXTERNOS EM
UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA
Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG (RM1) Francisco José de Matos
Rio de Janeiro
2012
DIREITO AUTORAL E FICHA CATALOGRÁFICA
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Silva, Eduardo Lopes e Aplicação do Componente Militar do Poder Nacional na solução de
conflitos externos em um ambiente de não guerra / Coronel do Exército Eduardo Lopes e Silva. - Rio de Janeiro : ESG, 2012.
41 f. il.
Orientador: Nome CMG (RM1) Francisco José de Matos Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012.
1. Estratégia. 2. Geopolítica. 3. . I.Título.
AGRADECIMENTOS
Ao Corpo Docente da Escola Superior de Guerra pelos inúmeros ensinamentos
transmitidos que me fizeram entender e admirar ainda mais este gigante chamado
Brasil.
Aos estagiários da melhor Turma do CAEPE pelo convívio harmonioso de todas as
horas.
Ao CMG (RM1) Francisco José de Matos pelas orientações seguras e sugestões
oportunas que permitiram a elaboração deste trabalho.
Ao Professor Armando José Sales Machado pela valorosa ajuda na revisão deste
trabalho.
RESUMO
Ao longo dos séculos, sucessivas crises arrastaram nações a conflitos internacionais
que obrigaram-nas a aplicar todo ou parte de seu Poder Nacional em busca de sua
solução. Na maioria das vezes, a parte mais forte impunha sua vontade, o quê
obrigava a outra parte a uma difícil acomodação, forçando-a a abdicar de seus
interesses. Com o advento da Organização das Nações Unidas que, por meio de
seus diversos organismos de controle, passou a regular as relações entre os
Estados, muitas questões encontraram soluções nos fóruns daquela entidade.
Entretanto, em um mundo cada dia mais multipolar, por vezes Estados adotam
medidas unilaterais para a salvaguarda de seus interesses, mas que, ao atingirem
interesses de outras nações, provocam graves crises. Além disso, deve-se levar em
consideração a presença de atores não-governamentais, de vários matizes que,
também, influem na capacidade de reação das nações, limitando sua liberdade de
ação. Cada vez mais as limitações à liberdade de ação apontadas pelo Gen Beaufre
encontram aplicação nas relações internacionais. Embora a tradição brasileira
indique a negociação como forma de dirimir contenciosos, o País não pode
prescindir de utilizar todos os meios disponíveis para defender seus interesses. Este
trabalho tem por escopo estudar a aplicação do poder nacional na solução de
conflitos internacionais em um ambiente de não-guerra, de modo a resguardar o
interesse nacional em face às novas ameaças que se apresentam no cenário
internacional.
Palavras chave: Estratégia. Poder Nacional. Manobra de Crise. Não-guerra.
ABSTRACT
Over the centuries, successive conflicts dragged nations to international
crises and disputes that forced them to apply all or part of their National Power in
search of solutions. In most cases, the stronger party imposed its will, forcing the
weaker party to a difficult position, or to surrender . With the advent of the United
Nations, (UN) through its various agencies of control, the UN began to regulate
relations between states. Many questions have to be resolved at different forums.
However, in an increasingly multipolar world, sometimes states adopt unilateral
measures for the safeguarding of her objectives. These measures affect the
interests of other nations, there by creating crises. Moreover, it is expedient to take
into consideration the presence of non-state actors of all stripes, which influence
the responsiveness of nations, and also limit the freedom of action. Additionally,
the Beaufre equation is present in international relations. Although the Brazilian
tradition favours, negotiation, as a means of settling disputes, the country can´t do
without using other means to defend her interest. The purpose of this paper is to
consider the application of all instruments of national power in solving international
crises in an environment other than war, in order to safeguard the national interest
in the light of emerging threats on the international scene.
Keywords: Strategy. National Power. Crisis maneuver. Non-war.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA Nr 1 Guernica - Pablo Picasso .................................................................13 FIGURA Nr 2 Política do Big Stick .........................................................................17 FIGURA Nr 3 Poder Potencial..................................................................................19 FIGURA Nr 4 Classificação dos Óbices .................................................................21 FIGURA Nr 5 Conflito .............................................................................................21 FIGURA Nr 6 Tipos de soluções possíveis em um conflito ....................................22 FIGURA Nr 7 Métodos e Formas de Resolução dos Conflitos ...............................25 FIGURA Nr 8 Escalada do conflito .........................................................................26 FIGURA Nr 9 Dinâmica da passagem do estado de paz para o de guerra ............29 FIGURA Nr 10 Bombardeio a centro de gravidade iraquiano .................................34 FIGURA Nr 11 Retorno dos militares mortos no Haiti .............................................35 FIGURA Nr 12 Efetivos militares e PIB......................................................................37 FIGURA Nr 13 Relação entre o percentual de gastos com a Defesa e o PIB ........38
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
EB Exército Brasileiro
ESG Escola Superior de Guerra
ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
EGN Escola de Guerra Naval
ECEMAR Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica
END Estratégia Nacional de Defesa
EUA Estados Unidos da América
FFAA Forças Armadas
PDN Política Defesa de Nacional
PIB Produto Interno Bruto
ONU Organização das Nações Unidas
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................ 13
1.1 O PROBLEMA ............................................................................. 13
1.2 OBJETIVOS ................................................................................. 14
1.3 HIPÓTESE ................................................................................... 14
1.4 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO .................................................... 15
1.5 METODOLOGIA DO TRABALHO ............................................... 15
1.6 LIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................ 15
1.7 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA ............................................... 15
2. CONFLITO ENTRE NAÇÕES ..................................................... 17
2.1 ANTECEDENTES ........................................................................ 17
2.2 CONFLITO ................................................................................... 20
2.2.1 Métodos da Estratégia Nacional ............................................. 22
2.2.1.1 Estratégia Direta .......................................................................... 22
2.2.1.2 Estratégia Indireta ........................................................................ 23
2.2.2 Formas de resolução do conflito ............................................. 23
2.2.2.1 Persuasão ................................................................................... 24
2.2.2.2 Dissuasão .................................................................................... 24
2.2.2.3 Coerção ....................................................................................... 24
2.3 CRISE .......................................................................................... 25
2.3.1 Manobra de crise ....................................................................... 26
2.3.1.1 Ação Estratégica de escalar a Crise ........................................... 28
2.3.1.2 Ação Estratégica de estabilizar a Crise ....................................... 28
2.3.1.3 Ação Estratégica de distender a Crise ........................................ 28
3 NÃO-GUERRA ............................................................................ 29
4 RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM UM
AMBIENTE DE NÃO-GUERRA ..................................................
31
4.1 FÓRMULA DE BEAUFRE ........................................................... 32
4.1.1 Liberdade de Ação (K) ......................................................... 32
4.1.2 Forças Materiais (F) ............................................................ 32
4.1.3 Forças Morais (Y) ................................................................. 32
4.1.4 Tempo (T) .................................................................................. 33
5 RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM
AMBIENTE DE NÃO GUERRA NO EXTERIOR .........................
34
6 CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA
ATUAÇÃO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO
EXTERIOR ..................................................................................
39
7 AMPARO LEGAL PARA A APLICAÇÃO DE PODER MILITAR
BRASILEIRO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO
EXTERIOR ..................................................................................
42
8 CONCLUSÃO .............................................................................. 44
REFERÊNCIAS ........................................................................... 45
13
Figura Nr 1: Guernica - Pablo Picasso Fonte: Wikypédia
1 INTRODUÇÃO
1.1 O PROBLEMA
Ao longo dos séculos, sucessivos conflitos arrastaram nações a tensões que deram
origem a crises internacionais, obrigando-as a aplicar todo ou parte de seu Poder
Nacional em sua solução.
Na maioria das vezes, a parte mais forte impunha sua vontade, o que obrigava a
outra parte a uma difícil acomodação, forçando-a a abdicar de parcela ou de todos os
seus interesses.
A partir da fundação da Organização das Nações Unidas, em 1945, as principais
questões internacionais passaram a ser tratadas por meio de seus diversos organismos
de controle, que
normatizaram as relações
entre os Estados.
Entretanto, em um
mundo cada vez mais
multipolar, frequentemente
as potências adotam
medidas unilaterais para a
salvaguarda de seus
objetivos. Tais ações possuem um grande potencial de geração de crises.
Além disso, deve-se levar em consideração a presença de atores não
governamentais de toda ordem que influem na capacidade de reação dos Estados.
Cada vez mais a fórmula do General Beaufre1 encontra aplicação nos fóruns
internacionais, condicionando a liberdade de ação de cada contendor.
Caso mantenha os atuais índices e crescimento, a partir da segunda década do
século XXI, o Brasil exercerá influência crescente no cenário internacional. A vocação
pacífica brasileira e o Soft Power2, que algumas lideranças procuram imprimir à política
externa país, não serão suficientes para resguardar o interesse do Estado no cenário
internacional que se descortina.
1 General e estrategista francês idealizou uma fórmula para definir qual o melhor impulso estratégico a ser adotado pelo
Estado, levando em consideração o tempo, as forças materiais e a liberdade de ação.
2 Soft Power é um conceito elaborado pelo professor americano Joseph Nye para definir a capacidade de países
influenciarem relações internacionais e intensificarem trocas comerciais através da sedução de produtos como filmes,
música, moda, mídia e turismo (Wikipédia, 2012).
14
Em função disso, o País jamais poderá abdicar da utilização do Poder Militar para
a defesa de seus interesses, seja como demonstração de força, como forma de pressão
ou para dissuadir possíveis agressores.
Desta feita, que fatores deverão ser considerados em relação à liberdade de ação de
que dispõe a Nação para o emprego do Poder Militar na solução de conflitos externos em
um ambiente de não-guerra e quais os aspectos mais relevantes deverão ser observados
na preparação do componente militar, desde o tempo de paz, de modo a proteger os
interesses nacionais em face às novas ameaças3 que se apresentam no cenário
internacional?
1.2 OBJETIVOS
a. Objetivo Geral
Este trabalho tem por objetivo geral estudar a aplicação do Poder Militar na
solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra.
b. Objetivos Específicos
1) Identificar a dinâmica de um conflito.
2) Identificar a dinâmica de uma crise.
3) Definir ambiente de não-guerra, apontando suas características.
4) Analisar as restrições à aplicação do Poder Militar em um ambiente de não
guerra, levando em consideração os elementos da Fórmula de Beaufre.
5) Apresentar as capacidades que deverão ser desenvolvidas pelo componente
militar desde os tempos de paz.
6) Apresentar o respaldo legal existente na legislação brasileira para o
emprego das Forças Armadas em um ambiente de não-guerra.
1.3 HIPÓTESE
A questão orientadora da pesquisa refere-se à aplicação do Poder Militar na
solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra.
A partir da definição deste problema, foi estabelecida a idéia central deste trabalho
que se propõe a analisar o respaldo legal e a aplicação do Poder Militar em um ambiente
3 Segundo a ONU, as novas ameaças podem ser classificadas como:” guerra entre Estados; violência no interior dos
Estados, incluindo guerras civis, violação dos Direitos Humanos em grande escala e genocídio; pobreza, doenças
infecciosas e degradação ambiental; armas nucleares, radiológicas, químicas e biológicas; terrorismo; e crime
organizado transnacional” (Relatório do Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança da ONU, 2004).
15
de não-guerra, considerando as restrições à liberdade de ação segundo Beaufre, de
modo a permitir a Nação os melhores meios para a defesa de seus interesses.
1.4 JUSTIFICATIVA
A dinâmica das Relações Internacionais muitas vezes impõe ao Estado o
emprego de seu Poder Militar, de forma unilateral, para a solução de Crises.
Em um mundo cada vez mais multipolar, o emprego de tal poder não ocorre de
forma ilimitada em função de pressões exercidas por vários atores, governamentais ou
não, que restringem à liberdade de ação dos países e influem na solução do conflito.
Entretanto, a Nação não pode deixar-se imobilizar ou abster-se de contar com
todos os meios de que dispõe para buscar uma solução que atenda aos seus interesses.
Em função disso, torna-se imperioso conciliar as restrições à liberdade de ação
com o emprego dos meios disponíveis, de modo a indicar e otimizar os caminhos a serem
adotados à solução do Conflito.
1.5 METODOLOGIA DE TRABALHO
Este trabalho é exploratório e utiliza pesquisa bibliográfica, por meios físicos e
digitais, segundo o método dedutivo. A abordagem é estratégica e qualitativa.
1.6 LIMITAÇÃO DA PESQUISA
Dentro do contexto de pesquisa exploratória e bibliográfica, são abordadas as
formas de emprego do Poder Nacional em um ambiente de não-guerra na solução de
conflitos externos, levando em consideração as restrições à liberdade de ação do Estado
fruto de pressões exercidas por diversos outros atores alheios à crise.
1.7 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA
O trabalho está dividido em 8 (oito) seções, distribuídas da seguinte forma:
a) A primeira seção – INTRODUÇÃO – procura ambientar o leitor sobre a forma
preponderante de solução das crises ao longo dos séculos.
b) A segunda seção – CONFLITO ENTRE NAÇÕES – define conflito e a crise e
aborda aspectos relativos à manobra de crise.
c) A terceira seção – NÃO-GUERRA – abord aspectos relacionados a está fase
do conflito.
16
d) A quarta seção - RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM
UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA – analisa as restrições à liberdade de ação
da Política Nacional, segundo Beaufre.
e) A quinta seção – RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM
AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR – estuda a aplicação do poder
nacional em ambiente de não-guerra.
f) A sexta seção - CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA
ATUAÇÃO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA – aponta às competências
que deverão ser desenvolvidas desde o tempo de paz, visando a preparar o
componente militar para ser empregado em um ambiente de não-guerra.
g) A sétima seção – AMPARO LEGAL A APLICAÇÃO DO PODER MILITAR
BRASILEIRO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR –
apresenta o amparo legal à aplicação das Forças Armadas na preservação de
interesses brasileiros no exterior, em um ambiente de não-guerra.
h) A oitava seção – CONCLUSÃO – sintetiza os principais aspectos inferidos
desta monografia.
17
Figura Nr 2: Política do Big Stick Fonte: Modern American History (2011).
2 CONFLITO ENTRE NAÇÕES
“[...] em questões de Estado, quem tem a força geralmente tem a razão e quem é fraco apenas e, com dificuldade, consegue não ser visto como culpado pela maioria do mundo” (Cardeal de Richelieu)
2.1 ANTECEDENTES
A humanidade sempre conviveu com conflitos, motivados pelos mais diversos
fatores, que obrigaram as nações ao emprego de seu Poder Nacional para buscar
soluções mais adequadas ou menos ruins à sua superação.
Até o século XIX, estas disputas tinham como principal forma de resolução a
ameaça ou o emprego do poder militar, em diferentes graus de intensidade, de modo a
resguardar os interesses dos países envolvidos.
Por séculos, as relações internacionais foram apoiadas por Armadas e Exércitos
poderosos que permitiram aos Estados mais fortes imporem sua vontade, subjugando o
adversário.
A partir do Congresso de Viena (1815), as potências européias passaram a
policiar o mundo, mantendo esquadras e tropas posicionadas em todos os mares,
oceanos e domínios coloniais, de modo a proteger seus impérios, respaldar seus
interesses políticos e econômicos e servir como instrumento de pressão, visando a
garantia de seus objetivos.
18
Expressões como a “Diplomacia das canhoneiras” ou a “Política do Big Stick”
tornaram-se comuns no jargão diplomático daquele período.
Com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, que passou
a regular, por meio de seus diversos organismos de controle, as relações entre os
Estados, muitos conflitos internacionais foram solucionados nos diversos fóruns dessa
entidade.
Neste início de século XXI, em um mundo cada vez mais multipolar, por vezes,
Estados adotam medidas unilaterais para a salvaguarda de seus interesses em
detrimento às decisões da ONU.
Além disso, a presença de atores não-governamentais, de toda ordem, influem na
capacidade de reação das nações e, principalmente, em sua liberdade de ação.
Cada vez mais a fórmula do General André Beaufre (1902-1975), detalhada no
capítulo 4, encontra aplicação nas relações internacionais, condicionando a liberdade de
ação de cada contendor.
Outros importantes fatores que têm de ser levados em consideração são o poder
potencial e o poder efetivo de uma nação.
Segundo o Professor Eduardo Siqueira Brick:
O poder potencial de uma nação “assenta-se sobre uma base de recursos que o Estado pode converter em poder efetivo. Ele depende de três variáveis: tamanho do território, população e valor da produção (produto nacional). Outras variáveis também são relevantes, tais como a localização geográfica, envolvendo suas fronteiras terrestres e marítimas, o acesso a matérias-primas estratégicas e distâncias de outros centros de poder. Poder efetivo assenta-se, entre outras, sobre coesão social, educação, capacidade militar, competitividade industrial e comercial e, cada vez mais, na capacidade para desenvolvimento científico, tecnológico e inovação (CT&I).
19
Em recente palestra proferida na Escola de Guerra Naval para os alunos dos
cursos de Altos Estudos de Política e Estratégia das escolas das três Forças Armadas e
da Escola Superior de Guerra, o Ministro da Defesa do Brasil, Embaixador Celso Amorim
declarou:
Costuma-se dar o nome de poder brando (ou Soft Power) à capacidade persuasiva, negociadora e de irradiação de valores que, no caso do Brasil, tem produzido ganhos concretos. Ao poder brando estariam associados outros atributos como a simpatia do povo brasileiro, sua tão propalada índole pacífica e uma capacidade de compreender situações complexas vividas por outros países (Informação verbal).
Figura Nr 3: Poder Potencial Fonte: Eduardo Siqueira Brick
20
Embora a tradição brasileira indique a negociação como forma de dirimir
contenciosos, o propalado poder brando brasileiro não pode ser motivo para que o País
abdique em utilizar todos os meios de que dispõe o Poder Nacional para defender seus
interesses, de forma a remover óbices ao atingimento de seus objetivos.
2.2 CONFLITO
Assim como as relações interpessoais, as relações internacionais são
caracterizadas por uma constante instabilidade, onde objetivos divergentes podem
provocar tensões, desequilíbrios e ocasionar choques de interesses que, dependendo de
sua gravidade, poderão vir a se transformar em um conflito que nada mais é do que um
óbice ou limitação ao emprego irrestrito do Poder Nacional do Estado.
A Palavra CONFLITO vem do latim “conflictu” e possui os significados de:
[...] embate de pessoas que lutam; altercação; barulho, desordem, tumulto; conjuntura, momento crítico; pendência; luta, oposição; pleito; dissídio entre nações; competição consciente entre indivíduos ou grupos que visam à sujeição ou destruição do rival.
Tais óbices podem ser motivados pelos mais diferentes fatores como catástrofes
naturais; humanitárias; crises políticas, econômicas e sociais. Na tentativa de minimizá-
los, os Estados buscam firmar tratados e acordos para estabelecer e disciplinar condutas
e procedimentos necessários à sua solução.
Em virtude da presença ou não de contestação, os óbices podem ser
classificados como Fatores Adversos quando não há intencionalidade ou em Antagonismo
quando há, deliberadamente, um sentido contestatório, que por sua vez exerce uma
pressão que pode dificultar ou impedir a ação do Estado.
21
ÓBICES
(Impedem ou
dificultam o
atingimento dos
Objetivos Nacionais)
FATORES ADVERSOS
(Sem sentido contestatório)
ANTAGONISMOS
(Deliberadamente
contestatórios)
PRESSÃO
(Dificulta)
PRESSÃO DOMINANTE
(Impede)
Figura Nr 4: Classificação dos Óbices Fonte: C 124-1 – Manual de Campanha – Estratégia
Conflito, então, pode ser definido como “um choque de interesses, de qualquer
natureza” (Escola Superior de Guerra, 2000, p. 48.) que ocasiona um desconforto para
ambas ou somente uma das partes, gerando desequilíbrios ou óbices à aplicação do
Poder Nacional.
Figura 5: Conflito Fonte: Autor
Pode, também, ser entendido como:
Divergência de perspectivas, percebida como geradora de tensão por pelo menos uma das partes envolvidas numa determinada interacção e que pode ou não traduzir-se numa incompatibilidade de objectivos (De Dreu e Weingart, 2002; apud Dimas, Lourenzo e Miguez,, 2005; apud Pereira e Gomes, 2007).
Dos diversos significados deste vocábulo, destacam-se as palavras luta,
pendência e oposição que bem retratam o sentido que se emprega a este termo que se
refere ao embate de Estados na arena internacional.
Outro aspecto importante diz respeito à maneira como o conflito é administrado,
evitando ou criando tensões cujo desdobramento poderá arrastar as partes à sua solução,
à Crise ou, até mesmo, a um Conflito Armado ou Estado de Beligerância.
Interesses País A Interesses País B Conflito
22
Solução
do
Conflito
Solução
Parcial
Possibilidade
de solução
Manter o
Status
Quo
Possibilidade
de piora
Piora da
Situação
Agravamento
da situação
Figura: Nr 6 Tipos de soluções possíveis em um conflito Fonte: Autor
Em todas as fases do conflito deverá ocorrer a confrontação4 com ou sem
enfrentamentos5 entre as partes, quando preponderarão determinadas Expressões do
Poder Nacional em detrimentos das demais.
2.2.1 Métodos da Estratégia Nacional
A Política Nacional emprega o Poder Nacional na execução de Estratégias que têm
por finalidade atingir os Objetivos Nacionais. Entretanto, em sua ação, o Poder Nacional
pode vir a se deparar com obstáculos de toda a ordem que poderão dificultar ou impedir o
atingimento desses objetivos.
Tais obstáculos obrigarão o Estado a traçar estratégias para superá-los de forma a
submeter resistências, impondo sua vontade; ou negociar soluções, acomodando as
partes.
Neste sentido, duas Estratégias Nacionais são possíveis de serem adotadas para a
sua superação: A Estratégia Direta e a Estratégia Indireta.
2.2.1.1 Estratégia Direta
O conceito de Estratégia Nacional Direta foi difundido pelo Gen francês André
Beaufre (1902-1974) nas obras "Introdução à Estratégia", "Dissuasão e Estratégia" e
"Estratégia e Ação" que, por sua vez, se inspirou nas ideias do General prussiano Carl
von Clausewitz (1780-1831), publicadas no livro “Von Kriege”.
Clausewitz acreditava que o emprego da manu militare era um instrumento legítimo
da política nacional, sendo a guerra à continuação desta por outros meios.
4 Confrontação é a fase do desenvolvimento do Conflito composto por ações e reações, quando as
partes oponentes buscam manter a iniciativa, mediante uma atuação que inflija, no máximo, dano igual ou ligeiramente superior ao causado pela ação adversária (ESG, 2009, p.49).
5 Enfrentamento é a disposição de lutar, entre pessoas, grupos ou nações, com a finalidade de
obter determinados ganhos, de modo a conquistar ou manter os interesses almejados (ESG, 2009, p.49).
23
Dessa maneira, a Estratégia Nacional Direta preconiza a predominância da
expressão militar do Poder Nacional mediante seu emprego ou a simples ameaça de sua
utilização.
Na Estratégia Direta a expressão militar é coadjuvada pelas demais Expressões do
Poder6 e seu emprego prepondera em situações de grave crise, em um ambiente de não-
guerra, e/ou em situação de guerra.
2.2.1.2 Estratégia Indireta
Estratégia Indireta foi sistematizada pelo inglês Sir Basil Henry Liddell Hart (1895-
1970) que defendia a "ação indireta" como a melhor maneira se alcançar os objetivos,
sejam eles nacionais ou militares.
Liddell Hart acreditava que o armamento nuclear existente nos arsenais das
grandes potências tornava inviável a guerra da maneira como era até então praticada,
pois seu emprego traria terríveis consequências colaterais que extrapolariam os campos
de batalha e afetariam milhões de pessoas de países não beligerantes.
Em função disso, desenvolveu a Estratégia Indireta que, a nível nacional,
caracteriza-se pelo predomínio do emprego das Expressões Políticas, Econômicas,
Psicossociais e Científica & Tecnológica. A Expressão militar exerce uma função
secundária de uma ou mais dessas expressões.
A Estratégia Nacional Indireta é empregada em tempo de paz ou de não-guerra.
2.2.2 Formas de Resolução do Conflito
Em recentes pronunciamentos o antigo e o atual Ministro da Defesa do Brasil,
respectivamente, o Dr Nelson Jobim e o Embaixador Celso Amorim têm defendido a
Cooperação como mais uma forma para se buscar a prevenção de conflitos. Tal solução
vem sendo aplicada, sistematicamente, em relação aos países amigos e em particular da
UNASUL.
No entanto, a praxis das relações internacionais indica ao Estado, de acordo com a
gravidade do Conflito, a aplicação, simultânea ou não, das seguintes formas para a
solução do conflito: Persuasão, da Dissuasão e/ou da Coerção.
6 O Poder Nacional deve ser sempre entendido como um todo, uno e indivisível. Entretanto, para
compreender os elementos estruturais anteriormente referidos, podemos estudá-lo segundo suas manifestações, que se processam por intermédio de cinco Expressões, a saber: Política Econômica, Psicossocial, Militar e Científica e Tecnológica. (ESG, 2009, p. 36)
24
2.2.2.1 Persuasão
A Persuasão emprega meios preponderantemente não violentos para a solução do
impasse, valendo-se para isso da diplomacia, de ações políticas, de tribunais e
organismos internacionais.
2.2.2.2 Dissuasão
A dissuasão é uma forma de resolução de conflito que se encontra entre a
persuasão e a coerção, e tem por finalidade desencorajar uma ação nociva de outro
Estado.
A dissuasão é realizada desde o período de paz e consiste em ações tipicamente
relacionadas ao Poder Militar, e tem por objetivo desestimular o oponente a adotar
medidas que provoquem o acirramento do conflito.
A dissuasão não pode ser confundida como uma simulação ou “blefe”, havendo,
pois necessidade de se ter capacidade de implementar uma medida mais drástica, caso
seja necessário.
Com efeito, a dissuasão é obtida, principalmente, com Forças Armadas
adequadamente motivadas, treinadas e equipadas; capacidade de pronta reação;
capacidade instalada da indústria de defesa; e capacidade de mobilização.
Aliando-se a esses aspectos, podem ser necessárias demonstrações de força
como manobras militares e/ou concentrações de tropas em regiões fronteiriças etc, que
visam a demonstrar ao opositor vontade política para, se for o caso, implementar medidas
mais hostis.
2.2.2.3 Coerção
A Coerção é a forma mais violenta de ação de que se vale o Estado para
solucionar seus conflitos, utilizando, em diferentes graus, todas as expressões do Poder
Nacional para se impor ao oponente.
Esta forma de resolução de conflito caracteriza-se pela predominância de uma das
expressões do Poder Nacional sobre as demais.
Como exemplos de formas coercitivas, sem que haja preponderância da expressão militar, podem ser citadas: a expulsão de agentes diplomáticos; a ruptura
25
de relações diplomáticas; a proibição do uso do espaço aéreo, marítimo ou terrestre; embargos e boicotes; congelamento de bens; campanhas internacionais, etc. (EB, Manual de Estratégia, C-124-1, 2004)
As formas de resolução de conflitos coercitivas aplicadas pelo Estado, por sua vez,
podem ocorrer em uma das seguintes modalidades:
- Coerção propriamente dita - ocorre por iniciativa própria antecedendo qualquer
ação do oponente;
- Retorsão – ocorre com a aplicação das mesmas medidas adotadas pelo
oponente;
- Represália – ocorre a com a aplicação de medidas diferentes daquelas adotadas
pelo oponente.
Figura Nr 7: Métodos e Formas de Resolução dos Conflitos Fonte: C 124-1 – Manual de Campanha – Estratégia
2.3 CRISE
A palavra krisis possui origem na Grécia antiga e deu origem ao vocábulo latino
crisis que possuía o sentido de: separação, julgamento, luta, litígio, processo. Por sua
vez, a palavra CRISE possui os seguintes significados em português:
26
[...] 3. Momento crítico ou decisivo. 4 Situação aflitiva. 5 fig Conjuntura perigosa, situação anormal e grave. 6 Momento grave, decisivo. 7 Polít Situação de um governo que se defronta com sérias dificuldades para se manter no poder[...]
Podemos então conceituar crise internacional como um conjunto de obstáculos de
toda ordem (óbices) que se contrapõem à consecução dos objetivos de uma nação que,
para poder enfrentá-los, terá de empregar o todo ou parte de seu Poder Nacional.
Crise é um estado de tensão, provocado por fatores internos e/ou externos, sob o qual um choque de interesses, se não administrado adequadamente, corre o risco de sofrer um agravamento, até a situação de enfrentamento entre as partes envolvidas (ESG, 2000, p.48)
A crise, por sua vez, pode se desenvolver em um ambiente de paz e/ou de não-
guerra onde preponderam as negociações em detrimento da força. Entretanto, em função
dos interesses envolvidos, seu desenrolar pode vir a ocasionar uma escalada do conflito,
podendo chegar a um estado de beligerância.
2.3.1 Manobra de Crise
A Crise muitas vezes ocorre por fatores alheios à vontade dos Estados e pode ser
provocada por desequilíbrios causados em função da conjuntura internacional como, por
exemplo: aumento do preço do petróleo, crise financeira internacional, refugiados,
insurgências, direitos humanos etc.
Nem sempre a solução de um Conflito corresponde à sua superação, pois
medidas paliativas podem ser negociadas sem que, no entanto, abordem as causas que
lhe deram origem, as quais permanecerão, de forma latente, pautando a relação bilateral.
Figura: Nr 8 Escalada do Conflito Fonte: Autor
27
A Crise, no entanto, pode ser deliberadamente provocada de modo a respaldar a
ação de um Estado que possui interesse em agravar a situação para poder intervir
militarmente em outro, de modo a atingir seus objetivos políticos. Ocorre nesta situação o
manejo ou condução da crise.
A manobra de crise é bastante comum no cenário internacional e tem por objetivo
criar condições favoráveis ao pólo mais ativo, reduzindo oposições.
A manobra de crise depende da orientação do decisor político e deve sempre ser
pautada pela defesa dos interesses nacionais.
Em um ambiente de não-guerra, deve-se procurar aplicar o Poder Nacional, de
forma crescente e proporcional aos óbices, de modo a maximizar as vantagens a serem
obtidas e com um mínimo de meios empregados.
Com esse intuito, a Manobra de Crise deve ser conduzida de acordo com os
interesses nacionais e seguir uma “uma seqüência natural de ações e reações, que pode
ser dividida em: desafio, desenvolvimento e resultados finais” (BRASIL, 2004).
O desafio é lançado de forma premeditada por uma parte sobre alguma
vulnerabilidade de seu oponente de modo dar início a Crise e lhe permitir assumir a
iniciativa; explorar a liberdade de ação; e a surpresa.
Apresentado o desafio pela parte mais forte, o conflito se desenvolve com a
reação do mais fraco que tenta, inicialmente, anular e/ou esvaziar as ações do adversário
para, depois, buscar a retomada da iniciativa dessas ações de forma a controlar e
encaminhar a crise à melhor solução possível.
Em função das ações e reações na busca pela iniciativa, ocorre a confrontação
quando uma parte procura causar o máximo de dano ao oponente.
A manobra de crise, quando bem administrada, leva as partes a um acordo, etapa
mais importante e decisiva da manobra, que é sempre mais vantajoso à parte mais hábil.
Por outro lado, se mal conduzida, poderá vir a se degenerar em um conflito armado, que
caracterizará seu insucesso.
Uma vez instalada a crise, os “oponentes poderão adotar um dos seguintes
comportamentos político-estratégico: escalar, estabilizar e distender” (BRASIL, 2004).
28
2.3.1.1 Ação estratégica de escalar a crise
A ação de escalar a crise caracteriza-se por haver um agravamento proposital,
com ações mais incisivas, de modo a avaliar a disposição do adversário; sua coesão
interna e/ou aproveitar uma fraqueza ou oportunidade surgida. Pode ocorrer com o
aumento das partes envolvidas (escalada horizontal) e/ou do nível de hostilidade
(escalada vertical).
A escalada vertical, por sua vez, classifica-se em ofensiva quando ocorre um
aumento de ações hostis e provocadoras em ordem crescente de intensidade; e em
defensiva quando a reação a uma provocação ocorre com uma intensidade superior a
ação (BRASIL, 2004).
A estratégia de escalar a crise é a que mais riscos apresenta. No entanto, possui
a vantagem de conduzir, mais rapidamente, a um acordo favorável à parte mais forte.
2.3.1.2 Ação estratégica de estabilizar a crise
Na ação de estabilizar a crise cada movimento corresponde a uma reação oposta
do mesmo tipo e magnitude cuja finalidade é acomodar as partes e manter o status quo “a
fim de ganhar tempo para arregimentação de novas forças ou aguardar conjunturas mais
favoráveis” (BRASIL, 2004).
2.3.1.3 Ação estratégica de distender a crise
Na ação de distender a crise os adversários buscam abrandar as tensões de
modo a diminuir os riscos de uma escalada do conflito e do emprego generalizado da
força, de modo abrir espaço a uma negociação em um ambiente menos conflituoso.
29
3 NÃO-GUERRA
“A diplomacia sem as armas é como a música sem os instrumentos”. (Bismark)
A partir do final da 2ª Guerra Mundial, uma nova dinâmica passou a imperar nas
relações internacionais para a defesa dos interesses do Estado, quando este tinha seus
Objetivos Nacionais obstaculizados, em contraponto as situações de Paz ou de Guerra
que, tradicionalmente, regiam as relações internacionais.
Até então, a paz era o ambiente normal nas relações entre os países e a passagem
desta situação para a guerra seguia um rito previamente definido que, na maioria dos
casos, condicionava o início das operações militares contra o adversário à declaração do
estado de beligerância ou de guerra e, mesmo assim, somente após não ter seu
ultimatum7. atendido.
PAZ GUERRA
Figura: Nr 9 Dinâmica da passagem do estado de paz para o de guerra Fonte: o Autor
Esse modus operandi8. começou a ruir durante a Guerra Fria quando os EUA e a
URSS realizaram diversas intervenções armadas em países de suas respectivas esferas
de influência sem, no entanto, seguir o rito até então estabelecido, que culminava com o
ultimatum.
7 Nome dado ao conjunto das últimas exigências, propostas ou condições que um Estado apresenta a outro
e cuja não aceitação implica declaração de guerra ou à exigência feita durante o estado de guerra, por um chefe militar, no sentido de conseguir a rendição imediata do inimigo, sob ameaça de alcançá-la por meios violentos. O termo é usado por extensão à qualquer declaração final e irrevogável para satisfação de certas exigências (Fonte: Wikipédia) 8 É uma expressão em latim que significa "modo de operação". Utilizada para designar uma maneira de
agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. (Fonte: Wikipédia)
Crise
Ultimatum
Conflito Armado
Declaração de Guerra
30
Esta maneira de resolução do conflito disseminou-se, sendo adotada, também, por
outros Estados que viram no emprego de forma coercitiva do Poder Nacional, a melhor
forma de resolver suas pendências.
Tais intervenções ocorriam em países mais fracos militarmente e à revelia dos
organismos internacionais. Eram justificadas com diferentes argumentos que,
normalmente, estavam ligados a luta ideológica travada naquele período histórico.
Com a queda do muro de Berlim, o declínio da URSS e o advento dos EUA como
megapotência hegemônica, essas intervenções tornaram-se mais frequentes, passando a
empregar mais intensamente ações bélicas em complemento à ação de outras esferas do
Poder Nacional como forma de pressão.
Tais ações ocorriam em um ambiente que já não era o de paz, visto que as
relações entre os estados não eram normais, mas que não chegavam, ainda, a uma
guerra declarada.
A partir da década de 1990, surgiu, particularmente, da parte dos Estados Unidos e
dos seus aliados da OTAN, um forte tendência intervencionista, com o objetivo de
flexibilizar a soberania de qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de
flagrante violação dos direitos humanos, avaliada sob a ótica daqueles países.
Surgiu então na esfera das relações internacionais um ambiente intermediário entre
a paz e a guerra que passou a ser conhecido como Não-guerra.
Em palestra ministrada na ESG, em 25 de abril de 2012, o Secretário de Defesa
norte-americano Leon E. Panetta ao analisar a conjuntura internacional, declarou que:
Os desafios internacionais de segurança que nos confrontam ainda são muito reais e ameaçadores. Ameaças transnacionais como extremismo violento, o comportamento desestabilizante de nações como Irã e Coreia do Norte, nós vemos agora poderes emergentes no Pacífico Asiático e vemos contínuas turbulências no Oriente Médio e no Norte da África. Ao mesmo tempo, estamos lidando com a natureza mutante da guerra, a proliferação de armas e materiais letais e a crescente ameaça da invasão cibernética. Creio que o ciberespaço é, de muitas maneiras, um campo de batalha em potencial do futuro. E, aqui neste continente, enfrentamos o tráfico ilícito de drogas e desastres naturais (Informação verbal).
Dessa feita, podemos conceituar o ambiente de Não-guerra como um estado das
relações internacionais, intermediário entre a Paz e a Guerra, onde as ações soberanas
de uma Nação sofrem graves restrições ou hostilidades que impedem ou dificultam,
sobremaneira, a execução de suas Políticas Nacionais, obrigando-a a empregar seu
Poder Nacional, inclusive o militar, na solução desses óbices.
31
4 RESTRIÇÂO À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM UM AMBIENTE DE NÃO-
GUERRA
“Cada qual é artífice da própria fortuna.” (Júlio César)
Em qualquer situação, o emprego do componente militar sempre teve como
limitador o fator econômico.
Desde a antiguidade, os governantes sempre tiveram na manutenção de seus
exércitos uma constante fonte de preocupação, em função da imensa quantidade de
recursos necessários ao seu preparo e emprego.
As nações mais ricas, na maioria das vezes, tinham os exércitos mais poderosos e
podiam se engajar em conflitos prolongados sejam eles em um ambiente de não-guerra
ou de guerra.
Dessa forma, a solução do conflito onde ocorria preponderantemente o emprego do
Poder Militar tinha, invariavelmente, duas soluções: a destruição do inimigo nos campos
de batalha ou a sua exaustão econômica que não lhe permitia mais prosseguir na luta,
forçando-o a uma paz desvantajosa ou até mesmo humilhante.
Paralelamente a isso, as articulações políticas e as ações diplomáticas tinham por
finalidade isolar o oponente e angariar aliados e simpatizantes.
A opinião pública, embora sofresse com as agruras da guerra, era facilmente
manipulada em função do controle rígido das informações dos campos de batalha.
Com a Guerra do Vietnã, a televisão invadiu os lares norte-americanos e mostrou,
em horário nobre, os horrores daquele conflito, o que causou uma tremenda reação na
população que pode acompanhar, praticamente ao vivo e a cores, os combates e o
cenário de destruição e morte causado pelos combates. Tal fato impactou profundamente
a opinião pública, forçando-a a se posicionar contra a decisão do governo em continuar a
luta.
A partir de então, a conquista do apoio da opinião pública passou a ser tão decisivo
para o sucesso de qualquer campanha quanto os custos de sua manutenção.
Interesses País A
32
4.1 FÓRMULA DE BEAUFRE
O Gen Beaufre idealizou a fórmula E = KFYT para definir a melhor estratégia (E=
impulso estratégico) a ser adotada em função da Liberdade de ação (K), das Forças
Materiais (F), das Forças Morais (Y) e do Tempo (T).
A fórmula de Beaufre deve ser entendida não como uma equação matemática, mas
sim como uma relação entre os fatores que condicionam a Estratégia a ser adotada.
4.1.1 Liberdade de ação (K)
É a autonomia de que desfruta um Estado para adotar um método de estratégia
para a solução de um conflito. Esta autonomia varia em função dos seguintes aspectos:
- Aprovação ou reprovação da comunidade e organismos internacionais;
- Opinião pública interna;
- Opinião pública externa;
- Entidades não governamentais etc.
A liberdade de ação poderá ditar condicionantes a estratégia militar a ser
empregada, alterando o ritmo a imprimir às operações; a intensidade e extensão da
violência; o emprego de força aérea e/ou de mísseis estratégicos; imposição ou não de
bloqueio naval; adoção áreas restritas, dentre outras.
4.1.2 Forças Materiais (F)
As Forças materiais são representadas por todos os meios de que dispõe a nação
para a condução de sua estratégia, destacando-se a Expressão Militar e estão
diretamente relacionadas aos custos das operações militares e a manutenção das tropas.
4.1.3 Forças Morais (Y)
As Forças Morais são, basicamente, a expressão psicossocial, secundada pela
expressão política do Poder Nacional.
33
4.1.3 Tempo (T)
O tempo pode ser interpretado como o prazo disponível de que dispõe o Estado
para o atingimento de seus objetivos e, também, o momento adequado para a aplicação
da estratégia, de modo a aproveitar uma vulnerabilidade ou deficiência do oponente.
Em um mundo cada vez mais globalizado as informações fluem de forma
instantânea e se universalizam como um rastilho de pólvora, provocando na opinião
pública manifestações de apoio, de indignação ou de indiferença ante a informação
divulgada.
Com efeito, a partir da queda do muro de Berlim, o fator “K” adquiriu
preponderância sobre os demais, uma vez que a liberdade de ação dos Estados está
condicionada, principalmente, a reação da opinião pública e da comunidade internacional.
Desta forma, o emprego do poder militar em um ambiente de não-guerra requer,
necessariamente, que seja precedido de uma preparação da opinião pública interna e
externa, de modo a angariar simpatia ou, no máximo, indiferença à causa propugnada.
Tal preparação passa, com algumas variações, por etapas, onde se procura incutir
na população, por meio da propaganda maciça, um clima favorável à ação pretendida,
explorando, de acordo com a conveniência desejada argumentos como:
- Justiça da causa.
- Defesa da liberdade, da democracia, da liberdade de escolha etc...
- Combate ao terrorismo, ao narcotráfico etc..
- Proteção às minorias, ao meio ambiente, aos direitos humanos etc..
A conquista de corações e mentes deve ser cuidadosamente planejada de modo a
respaldar a ação militar antes, durante e depois das operações junto a todos os públicos
envolvidos, inclusive à opinião pública adversária.
34
5 RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM AMBIENTE DE NÃO-
GUERRA NO EXTERIOR
"O tempo é o único bem totalmente irrecuperável. Recupera - se uma posição, um exército e até um país, mas o tempo perdido, jamais." (Napoleão Bonaparte)
O agravamento da Crise pode dar ensejo ao emprego do Poder Militar como último
argumento do Estado e já como prelúdio de um conflito armado de maiores proporções
em um ambiente de guerra convencional.
O engajamento dos meios militares na crise deve ocorrer de forma gradativa para
permitir uma avaliação por ambas as partes das consequências que poderão advir da
escalada do conflito; e da aceitação deste pela comunidade internacional .
Dessa maneira, a condução das operações militares deve ser feita de forma
criteriosa de modo a não permitir a exploração pelo oponente de ações mal planejadas ou
executadas.
Assim, cresce de importância a atividade de inteligência de modo a detectar os
diferentes centros de gravidade9 do Poder Nacional adversário, de modo a permitir a sua
neutralização.
9 Centro de gravidade é o ponto no organismo do Estado adversário (militar, político, territorial, econômico
ou social) que caso seja conquistado, ou o inimigo dele perca o efetivo controle, toda sua estrutura de poder desmoronará. O conhecimento do centro de gravidade condiciona o objetivo ou os objetivos militares, que devem ser escolhidos. (EB, Manual de Estratégia, C-124-1, 2004)
Figura Nr 10 : Invasão do Iraque - Bombardeio a centro de gravidade Iraquiano Fonte: Wikipedia (2012)
35
Figura Nr 11: Retorno dos militares mortos no Haiti Fonte: Wikipedia (2012)
Entretanto, por se tratar, ainda, de um ambiente de não-guerra, a escolha dos alvos
deve, inicialmente, recair sobre objetivos militares, como bases aéreas, centros de
comando e controle, instalações logísticas, concentrações de tropas e navios dentre
outras.
Somente em casos extremos a infra-estrutura civil de apoio à população deverá ser
atingida. Esta tem de ser preservada ao máximo de modo a atenuar os impactos
humanitários da operação militar.
As ações deverão ser bem planejadas, além de serem pontuais e primarem pela
precisão de modo a se evitar danos colaterais em relação à população civil, cujos efeitos
negativos serão explorados pelo adversário e poderão influir na opinião pública interna e
externa, alterando sua posição em relação ao conflito.
As Operações militares deverão ser bem planejadas de modo a minimizar as
baixas tanto de civis quanto de militares que podem minar o apoio interno e externo à
ação do Estado.
A opinião pública deverá ser preparada para esses reveses por meio de Operações
Psicológicas. Tais operações têm por finalidade fortalecer o apoio já existente, conquistar
os indecisos e minar a resistência dos oponentes.
36
Essas campanhas devem ser realizadas, também, junto à população adversária
para dissociá-la de suas lideranças e criar um clima hostil à resistência e favorável as
nossas forças.
Outro fator importante e limitador da liberdade de ação do Estado são os custos da
operação.
Desde os ataques terroristas de 11 setembro de 2001, os Estados Unidos já destinaram mais de U$ 1,1 trilhão para operações militares no Afeganistão, Iraque e em outros países do mundo, segundo um recente relatório divulgado pelo Congresso americano. O valor leva a “guerra contra o terrorismo”, iniciada na gestão George W. Bush (2001-2009), ao segundo lugar em gastos, atrás apenas da II Guerra Mundial (1939-1945), quando os custos alcançaram 36% do PIB dos EUA. O relatório sob o título “Custo das Principais Guerras dos EUA”, feito pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, compara os custos das guerras ao longo de mais de 230 anos, desde a Revolução Americana. A II Guerra custou US$ 4,1 trilhões, em valores atuais, apesar de, na época, ter custado US$ 296 bilhões. Hoje, a guerra ao terror custa 1% do PIB americano. O especialista em Políticas de Defesa e Orçamento e, também, autor do relatório Stephen Daggett admite que a comparação entre vários períodos pode ser problemática, principalmente levando em conta a grande diferença de preços de uma época para outra e os avanços tecnológicos, que tendem a encarecer os confrontos. Mesmo assim, o valor total da guerra ao terror pode ser ainda mais significativo, já que uma estimativa aponta que em 2017, o custo de todas as operações estará em torno de US$ 2,4 trilhões, mais do que o dobro do valor atual. De acordo com o estudo, as estimativas dos custos das operações militares não refletem os custos de benefícios dos veteranos, juros sobre a dívida relacionada à guerra ou assistência aos aliados. Elas são baseadas em dados do orçamento do governo federal e calculadas com base no dólar do ano em curso (ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA, 2012)
Tentando minimizar tal impacto em seu orçamento, os EUA, maior potência
econômica e militar do planeta, verificou a necessidade de cortar gastos militares da
ordem de 487 bilhões de dólares nos próximos 10 anos, sem, no entanto, perder sua
capacidade de intervenção global.
Tudo isso está acontecendo em um momento nos Estados Unidos em que também enfrentamos um déficit recorde e uma dívida recorde. A Defesa tem um papel a desempenhar para ajudar a reduzir esse déficit, mas eu não creio, como alguém envolvido em questões orçamentárias ao longo de grande parte da minha carreira em Washington – eu não creio que tenhamos que escolher entre a segurança nacional e a segurança fiscal, e por essa razão, os chefes de todos os nossos serviços no Pentágono, o chefe do Estado Maior, todos os nossos secretários foram envolvidos um esforço para projetar uma estratégia para as forças de defesa dos Estados Unidos para o futuro (PANETTA, 2012).
37
Em função da crise econômica mundial, países como o Brasil, EUA, Alemanha,
França, Reino Unido e Índia reduziram seu orçamento militar em 2011, na tentativa de
controlar suas finanças públicas.
No caso específico do Brasil, os sucessivos contingenciamentos do orçamento
militar reduziram os recursos destinados a investimentos, que foram utilizados para o
reforço do caixa do governo, visando o controle da economia; e para a aplicação em
áreas sociais.
A atual situação de gastos com a Defesa do Brasil pode melhor ser entendida
quando comparamos a situação do país com emergentes e desenvolvidos.
O Poder potencial brasileiro, bem como seu papel político, econômico e estratégico
no cenário internacional requer um aumento no investimento em Defesa, na ordem de
aproximadamente 1% do PIB, de modo a adequar o aparato de defesa do país aos
desafios do século XXI.
Figura Nr 12: Relação entre os efetivos militares e Produto Interno Bruto Fonte: Eduardo Siqueira Brick
38
Entretanto, até que os recursos adequados sejam destinados à defesa as FFAA
terão que se adequar a essa nova realidade orçamentária que, apesar da nova Estratégia
Nacional de Defesa (END), não deverá ser alterada em médio prazo.
Assim, a opinião pública e a limitação de recursos são os fatores que mais limitam
o emprego das FFAA em um ambiente de não-guerra, condicionando a decisão política e
as estratégias a serem desenvolvidas.
Figura Nr 13: Percentual de gastos com defesa e Produto Interno Bruto Fonte: Eduardo Siqueira Brick
39
6 CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA ATUAÇÃO EM UM
AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR
Qualquer país que tenha um Poder Potencial equivalente ao do Brasil, expresso pelas suas dimensões população, produto interno bruto e território, não pode abrir mão de um Poder Efetivo para atuar no cenário internacional. Um pré-requisito para o Poder Efetivo é possuir capacidade militar e capacidade científica, tecnológica e industrial de ponta, compatível com a de outros atores de porte equivalente no Sistema Internacional. (Brick, 2005).
No entanto, para se ter a capacidade de projeção e de intervenção em um
ambiente de não-guerra, há necessidade de se dotar o Poder Militar de alto grau de
agilidade, flexibilidade, rápida capacidade de mobilização e tecnologia avançada.
Investimentos em novas tecnologias como inteligência, vigilância e
reconhecimento, sistemas não-tripulados, espaço, ciberespaço, operações especiais e a
capacidade de mobilização rápida quando necessário, são imprescindíveis.
Tais fatores, aliados a um adequado adestramento dos quadros deverão ser
buscados desde os tempos de paz, haja vista que, à medida que ocorrer a escalada do
conflito, as portas para aquisição de Material de Emprego Militar (MEM) e o acesso às
tecnologias sensíveis se fecharão, e não haverá tempo para o aprimoramento e/ou a
transformação da estrutura militar de paz para a de guerra, já que a crise poderá vir a
requerer emprego imediato dos meios militares, os quais não poderão ser improvisados.
Para tanto, a Política de Defesa Nacional (PDN) estabelece as seguintes diretrizes
estratégicas:
I - manter forças estratégicas em condições de emprego imediato, para a solução de conflitos; II - dispor de meios militares com capacidade de salvaguardar as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III - aperfeiçoar a capacidade de comando e controle e do sistema de inteligência dos órgãos envolvidos na Defesa Nacional; IV - incrementar a interoperabilidade entre as Forças Armadas, ampliando o emprego combinado; V - aprimorar a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo do Brasil; VI - aumentar a presença militar nas áreas estratégicas do Atlântico Sul e da Amazônia brasileira; XXIII - dispor de capacidade de projeção de poder, visando à eventual participação em operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU;
40
XXVI - participar crescentemente dos processos internacionais relevantes de tomada de decisão, aprimorando e aumentando a capacidade de negociação do Brasil (BRASIL,2005).
Como compatibilizar, então, a necessidade de Forças Armadas modernas,
adequadas às necessidades do Estado com a restrição de recursos imposta pelas
conjunturas interna e externa.
Sem dúvida alguma, este é um dilema que atormenta os planejadores militares,
mas sua solução passa pela otimização e priorização do emprego dos recursos, evitando
a duplicidade de esforços.
Neste contexto, a Estratégia Militar de Defesa do Brasil, apoiada no tripé
reorganização - rearticulação – indústria de defesa, indica o caminho a ser seguido pelo
país para preparar adequadamente suas FFAA para os desafios que se apresentam no
cenário internacional.
Entretanto, a PDN e a END estão condicionadas a existência de recursos
orçamentários necessários à sua implementação.
O Brasil possui o 11º orçamento militar do planeta mas cerca de 80% desses
recursos são gastos com o pagamento de pessoal, 13,7% em custeio e apenas 6,3% em
investimentos.
Em um quadro como esse, como é possível aumentar os investimentos em FFAA,
sem aumentar os repasses do orçamento?
A resposta está na adoção de medidas que visem diminuir os efetivos e
readequar as variadas atividades assistencialistas (serviços médicos e auxilio policial) que
fogem da sua função.
Assim, as FFAA necessitariam passar por uma profunda reforma em sua
estrutura, efetivos e organização que visem ao:
- Abandono de todas as funções assistencialistas e transferência de pessoal, ativos e parte do orçamento para outros órgãos governamentais. - Redução drástica de pessoal (entre 60% e 70%) dentro de um programa de longo prazo para reduzir as despesas de pessoal (tanto da ativa como aposentados), envolvendo principalmente: - Fim do serviço militar obrigatório, por sua ineficácia do ponto de vista militar. Poderia ser substituído por serviços sociais obrigatórios sem nenhum envolvimento das forças armadas - Oferecer o ingresso nas forças armadas por contrato de tempo limitado. - Redução do quadro de militares de carreira ao mínimo indispensável, porém com a valorização da carreira, através de melhores salários (GASTOS, 2012)
41
Sem a adoção de profundas mudanças em suas estruturas, as FFAA não
conseguirão realizar os investimentos necessários à sua modernização de modo a
atender os desafios que se descortinam no cenário internacional.
42
7 AMPARO LEGAL PARA A APLICAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO EM UM
AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR
A ausência de litígios bélicos manifestos, a natureza difusa das atuais ameaças e o elevado grau de incertezas, produto da velocidade com que as mudanças ocorrem, exigem ênfase na atividade de inteligência e na capacidade de pronta resposta das Forças Armadas, às quais estão subjacentes características, tais como versatilidade, interoperabilidade, sustentabilidade e mobilidade estratégica, por meio de forças leves e flexíveis, aptas a atuarem de modo combinado e a cumprirem diferentes tipos de missões (BRASIL, 2008).
O emprego das Forças Armadas brasileiras na solução de conflitos externos em
um ambiente de não-guerra encontra previsão legal em diversos dispositivos a começar
da própria Constituição Federal de 1988, que, prevê que:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; ............................................................ ............................................................ VI - defesa da paz; ........................................................... VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; ........................................................... (BRASIL, 1988).
No entanto, a Lei nº 2.953, de 17 de novembro de 1956, é a única norma no direito
interno que se refere ao envio de tropa ao exterior em tempo de paz, condicionando o
envio à autorização do Congresso Nacional.
A partir da publicação da PDN e da END, em 2005 e 2008, respectivamente,
surgiram novos diplomas legais que passaram a estabelecer objetivos e diretrizes para o
emprego das Forças Armadas que contemplam seu emprego também em um ambiente
de não-guerra em defesa dos interesses brasileiros.
Em sua introdução, a PDN alerta que o Brasil, com seu imenso potencial,
enfrentará disputas e antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos interesses,
definindo a Defesa Nacional como um “conjunto de medidas e ações do Estado, com
ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses
43
nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas”
(BRASIL, 2005).
A imprevisibilidade das relações internacionais torna mais difícil antever cenários
que permitam uma preparação prolongada.
Em função disso, as FFAA deverão estar permanentemente preparadas para atuar
em um mundo onde se renovaram conflitos de caráter étnico e religioso, a exacerbação
de nacionalismos e a fragmentação de Estados, com um vigor que ameaça a ordem
mundial.
Neste século, poderão ser intensificadas disputas por áreas marítimas, pelo domínio
aeroespacial e por fontes de água doce e de energia. Tais questões poderão levar a
ingerências em assuntos internos, configurando quadros de conflito.
Dessa forma, torna-se essencial estruturar a Defesa Nacional de modo compatível com a estatura político-estratégica para preservar a soberania e os interesses nacionais em compatibilidade com os interesses da nossa região. Assim, da avaliação dos ambientes descritos, emergem objetivos da Defesa Nacional: I - a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial; II - a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos recursos brasileiros no exterior; III - a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais; IV - a promoção da estabilidade regional; V - a contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais; e VI - a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais (BRASIL, 2008).
A PDN prevê, também, que o Brasil poderá atuar nos seguintes cenários de não-
guerra:
- Em um conflito de maior extensão o país poderá participar de arranjo de defesa coletiva autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU. - No gerenciamento de crises internacionais de natureza político-estratégica, o emprego das Forças Armadas poderá ocorrer de diferentes formas, de acordo com os interesses nacionais. - Com base na Constituição Federal e nos atos internacionais ratificados, que repudiam e condenam o terrorismo, é imprescindível que o País disponha de estrutura ágil, capaz de prevenir ações terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo (BRASL, 2008).
44
8 CONCLUSÃO
“A melhor estratégia consiste em se ser sempre muito forte. Primeiramente de um modo geral e, depois, no momento decisivo”. (Clausewitz)
As relações internacionais sempre foram pautadas por choques de interesses.
Para minorar os conflitos, as nações firmaram tratados e se filiaram a organismos
internacionais que atuam como garantidores da legalidade.
Entretanto, alguns países, por vezes e a despeito dos organismos internacionais,
propositadamente criam e manobram crises que tem por objetivo respaldar sua
intervenção unilateral em estados mais fracos.
Tais intervenções ocorrem em um ambiente de não-guerra e sofrem restrições
principalmente em função da opinião pública e da limitação econômica que limitam e
condicionam a ação do Estado e a condução das operações militares, conforme
sistematizado pela fórmula do Gen Beaufre.
O ambiente de não-guerra caracteriza-se por ser um estado intermediário entre a
paz e a guerra, onde as relações entre os países envolvidos em uma crise se encontra
abalada e conflituosa.
As FFAA brasileiras precisam desenvolver capacidades, previstas na PDN e na
END, de modo a adequá-las a atuar neste novo ambiente que pautará as relações
internacionais no século XXI.
Para tanto, a legislação brasileira não só oferece o amparo legal a ação das FFAA
em crises externas em um ambiente de não-guerra, como determina medidas que
possibilitem seu emprego nessas situações.
Finalmente, este trabalho procurou mostrar, também, que a escassez de
recursos, mais cedo ou mais tarde, provocará profundas mudanças na estrutura militar
que, se assim não proceder, não lhe permitirá cumprir seu principal papel que é a defesa
dos interesses brasileiros neste mundo novo que se apresenta ao País.
45
REFERÊNCIAS
AMORIM, Celso. A política de defesa de um país pacífico. Rio de Janeiro : Escola
Superior de Guerra, 2012, Integra do discurso do Ministro da Defesa do Brasil Celso
Amorim, proferido na Escola de Guerra Naval no dia 9 mar. 2012. Disponível em: http://
seguro.esg.br/intranet/palestras/caepe/2012/20120309%2--%20Aula%20Magna%20-
%20Ministro%20-%da%20Defesa%20Celso%20Amorim.pdf . Acesso em: 27 mar. 2012.
A política de Defesa dos EUA. Rio de Janeiro : Consulado Geral dos Estados Unidos,
2012, Íntegra do discurso do Secretário de Defesa Leon E. Panetta, proferido na Escola
Superior de Guerra no dia 25 abr. 2012. Disponível em: https:\\portuguese.rio
dejaneirousconsulate.gov/discurssosecdef.html>. Acesso em 13 maio 2012.
BEAUFRE, André, Introdução à Estratégia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed.,
1998.
BRASIL, Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008. Aprova a Estratégia Nacional de
Defesa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 2008
Seção 1, p.4
BRASIL. Ministério da Defesa. Comando do Exército. Manual de Campanha de Estratégia
– C 124-1. Brasília, 2004.
BRASIL, Decreto nº 5.484, de 30 de julho de 2005. Aprova a Política de Nacional de
Defesa, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 jul. 2005.
Seção 1, p.5
BRICK, Eduardo S. Base Logística de Defesa: Conceituação, Composição e Dinâmica de
Funcionamento. Disponível em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CCkQFjAB
&url=http%3A%2F%2Fwww.inest.uff.br%2Fattachments%2Farticle%2F72%2FBase%2520
Log%25C3%25ADstica%2520de%2520Defesa.pdf&ei=Mts3UN_zNIGy8QTloYG4CA&usg
=AFQjCNGt_pNd_93LbtEyeSOp4zt0Jh0ReA. Acesso em 10 jun. 2012.
46
CONFLITO. In: MODERNO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=conflito/ . Acesso em: 27 mar. 2012.
CRISE. In: MODERNO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=crise/ . Acesso em: 27 mar. 2012.
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO, Fundamentos da Estratégia:
Coletânea de Notas Suplementares. Rio de Janeiro, 2009.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. (BRASIL). Manual Básico: elementos fundamentais.
Rio de Janeiro, 2009. V.1.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, Rio de Janeiro: Revista, 1999.
GASTOS MILITARES NO BRASIL: quebrando um paradigma [ Portal Tripod]. Disponível
em: http://ziprpg.tripod.com/guerra/editorial.htm. Acesso em 10 jun. 2012.
ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA. Disponível em:
http://www.indicedetransparencia.org.br/?p=1213. Acesso em 10 jun. 2012.
LIDDELL-HART, Basil H. Estratégia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 1966.
MODERN AMERICAN HISTORY:. Big Stick. Disponível em:
http://blsciblogs.baruch.cuny.edu/his1005spring2011/tag/big-stick-policy/ . Acesso em 24
mar. 2012.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Um mundo mais seguro: nova responsabilidade
comum. In: PAINEL DE ALTO NÍVEL SOBRE AMEAÇAS, DESAFIOS E MUDANÇAS DA
ONU, 2004. Nova Iorque. Relatório ... Nova Iorque : 2004, 129p.
47
PANETTA, Leon E. A política de Defesa dos EUA. Rio de Janeiro : Consulado Geral dos
Estados Unidos, 2012, Íntegra do discurso do Secretário de Defesa Leon E. Panetta,
proferido na Escola Superior de Guerra no dia 25 abr. 2012. Disponível em:
https:\\portuguese.rio dejaneirousconsulate.gov/discurssosecdef.html>. Acesso em 13
maio 2012.
PEREIRA, Jorge M. F.; Gomes, Bruno M. F. Conflitos e Gestão de conflito. Coimbra :
Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, 2007.
Disponível em :
https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:Nrqx0VyjXmEJ:prof.santana-e-
silva.pt/gestao_de_empresas/trabalhos_06_07/word/Gest%25C3%25A3o%2520de%2520
Conflitos.pdf+de+dreu&hl=pt-
BR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEEShGDHbELzOwgdlLVSGGoXU4dpI9ciFW5eloa6UWsLH
_R9fhFO01pgUS4g3mR7-na9RoG-pVu9HPEMXGqCtmh6QPjOW-FBw-
i_ymEzNBvyo6CidOsw07ZatyYVB9ucz7Y-
GpcIiE&sig=AHIEtbT519rsJ1Iz8dMdBlwUE6vzKBRi4g. Acesso em 31 mar. 2012.