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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Conceição. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt7):1-19 “Entre discursos e práticas: sustentabilidade e marketing verde no paradigma neoliberal” GT 7 - Ambiente, tecnociência, relação sociedade-natureza. Bárbara Leandra da Conceição

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Conceição. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt7):1-19

“Entre discursos e práticas: sustentabilidade emarketing verde no paradigma neoliberal”

GT 7 - Ambiente, tecnociência, relação sociedade-natureza.

Bárbara Leandra da Conceição

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Conceição. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 1(gt7):1-19

INTRODUÇÃO

O discurso ambiental, no decorrer das últimas décadas, tem tido uma temática bastante debatida e

explorada de variadas formas, tanto na mídia quanto nos mais diversos cenários acadêmicos (MARQUES,

2016). Tal período também corresponde à consolidação do paradigma neoliberal, a partir do que diversos

autores caracterizam como uma reestruturação produtiva, que impõe uma metamorfose do capitalismo na

forma de acumulação.

Nesse sentido, faz-se necessário analisar como as discussões ambientais se relacionam ao paradigma,

quais os principais fatores que desencadearam tais discussões no contexto do neoliberalismo e de que

maneira elas influenciam o cotidiano da população. É fundamental realizar uma pesquisa para examinar

criticamente quais políticas econômicas, sociais, culturais e ideológicas foram adotadas pelos Estados

neoliberais para incorporar e difundir tais discursos.

De acordo com o escrito por Altvater (2010), na década de 1970, o mundo capitalista viu sua

economia abalada por profunda recessão, com as grandes e médias companhias trabalhando abaixo da sua

capacidade instalada de produção e baixas taxas de crescimento econômico. Nesse contexto, foram

estabelecidas as condições ideais para a concretização das ideologias neoliberais. A partir disso, o

neoliberalismo se consolidou de uma forma hegemônica e influenciou até mesmo as questões que se referem

ao meio ambiente e suas problemáticas.

O presente trabalho abordará criticamente as questões ambientais dentro do paradigma neoliberal

contemporâneo. Especificamente, o objeto de estudo é analisar de que maneira os conceitos de

sustentabilidade e marketing verde ou marketing ambiental1 foram construídos para servir ao sistema

capitalista de feição neoliberal e de que maneira são utilizados como uma estratégia do mercado para

permanecer intacto e, de certa forma, se intensificar e se fortalecer, capturando as diretrizes do paradigma

ambiental. De acordo com Ribeiro (2014), as questões ambientais são parte dos processos de globalização e,

por meio de suas discussões e temáticas, formulam viés paradigmático ao ambientalismo, uma vez que

começam a impor determinadas normas, princípios e condutas com o intuito de reestruturar os padrões de

vida populacionais, induzidos pelo consumismo típico do capitalismo. O paradigma ambiental começa por

trazer discussões de um desenvolvimento sustentável e, muitas vezes, apresenta algumas imposições ao

crescimento econômico, ao tentar incutir barreiras na utilização dos recursos naturais e em seus limites

físicos, além da intensificação dos processos de degradação ambientais.

Em outras palavras, os impactos humanos, chamados pelo autor de ações antropogênicas, estão

causando danos alarmantes ao planeta e, por meio dos estudos das interações do homem com o meio biótico,1 Marketing ambiental, ou marketing verde, consiste em estratégias que visam aumentar a produtividade, enquadrar asempresas na legislação vigente, melhorar a imagem institucional, garantir a lucratividade no processo produtivo pormeio da oferta de produtos diferenciados e, principalmente, influenciar a decisão de compra dos consumidores: Cf.Jovens Pesquisadores, ano V, n. 8, jan./jul. 2008.

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atesta-se que o ser humano está deteriorando os ecossistemas que suportam a vida. Ademais, fazendo

um prospecto para o futuro, mantendo-se os padrões atuais de produção e consumo, a maioria dos

recursos naturais vitais terrestres estará escassa até o ano de 2050.

De acordo com diversas pesquisas bibliográficas realizadas para a composição do presente

estudo, afirma-se que parte do movimento ambiental atua conforme a dinâmica do mercado capitalista

neoliberal. Devido à necessidade de se reverter ou até mesmo estancar tal situação, as estratégias de

mercado passaram a utilizar e difundir conceitos e discursos para a concepção de um novo

capitalismo, que poderia se tornar, supostamente, ambientalmente sustentável. Desse modo, este

trabalho discute como ocorreu a incorporação das questões ambientais ao paradigma neoliberal e sua

disseminação por meio do marketing verde.

OBJETIVOAnalisar os discursos ambientais no contexto do paradigma neoliberal e de que forma os

conceitos de sustentabilidade e de marketing verde ou ambiental integram estratégias econômicas,

políticas, culturais e morais no mercado capitalista de acumulação de bens, a partir da década de 1970.

METODOLOGIAPara se chegar aos objetivos listados anteriormente, foram utilizadas as seguintes etapas

metodológicas:

1. Pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de neoliberalismo pós-1970. Análise conceitual desse

fenômeno como uma doutrina econômica e, ao mesmo tempo, um paradigma político e cultural que

incide no imaginário social a partir da fabricação de discursos que impactam nos comportamentos. Para

melhor compreender a problemática apresentada, realizou-se pesquisa em livros, artigos, teses e

dissertações sobre a história do neoliberalismo, seu surgimento e consolidação. Uma referência

importante, entre outras, foi o texto “O projeto neoliberal para a sociedade brasileira: sua dinâmica e

seus impasses”, da autora Leda Maria Paulani (2006). Outra referência relevante foi o livro O

neoliberalismo: histórias e implicações, de David Harvey (2008). Dessa maneira, foi possível analisar

criticamente como os movimentos sociais se difundiram. Abordou-se também, de forma geral, a

trajetória da questão ambiental e dos movimentos ambientalistas entre 1960 e os dias atuais.

2. Na análise, um dos principais norteadores da pesquisa realizada no segundo capítulo foi o livro do

autor Luiz Marques (2016), intitulado Capitalismo e o colapso ambiental. Na obra são retratadas

questões referentes à insustentabilidade do capitalismo, mesmo com a introdução de novas tecnologias e

técnicas intituladas sustentáveis, mas que na realidade se tornam instrumentos discursivos para sustentar

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as políticas econômicas de mercado vigentes atualmente. Outro referencial utilizado é a tese de

doutorado de Fernando Pinto Ribeiro (2014), Os paradigmas neoliberal e Ambiental na construção da

cidade contemporânea: tramas e tendências dos discursos hegemônicos da sustentabilidade na Europa

e no Brasil, que busca delimitar quais foram os principais fatores e cenários que levaram as doutrinas

neoliberais a incorporarem a temática ambiental em suas políticas econômicas.

O NEOLIBERALISMO E A INCORPORAÇÃO DA TEMÁTICA

AMBIENTAL

Primeiramente, para entender como se desenvolveu a captura dos discursos ambientais pelo

paradigma neoliberal, é necessário realizar um retrospecto por meio da elaboração de um referencial

teórico, discutindo-se como o neoliberalismo surgiu e se consolidou como um paradigma. Tal reflexão

contribuiu para embasar como, a partir das pressões sociais para solucionar os problemas ambientais, a

referida temática foi capturada pelas doutrinas neoliberais. O conceito de sustentabilidade, atrelado ao

desenvolvimento e à temática ambiental, passa a atuar a favor do mercado financeiro, e não de fato

com contribuições efetivas para solucionar os problemas ambientais. Tais discussões, análises e

reflexões serão abordadas neste primeiro capítulo.

O neoliberalismo é uma corrente teórica, ideológica e econômica que teve como precursor o

pensador e economista austríaco Friedrich August von Hayek, (1889-1992). Seu texto de origem é O

Caminho da Servidão, escrito em 1944. Nessa obra, Hayek se contrapunha a qualquer limitação dos

mecanismos de mercado por parte do Estado, ação vista como uma ameaça à liberdade, não somente

econômica, mas também política. O alvo imediato de Hayek, naquele momento, era o Partido

Trabalhista inglês, às vésperas da eleição geral de 1945 na Inglaterra (ANDERSON, 1995). De acordo

com Hayek (apud ANDERSON, 1995, p. 9): "Apesar de suas boas intenções, a socialdemocracia

moderada inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna”.

O paradigma neoliberal é caracterizado, prioritariamente, por compor um movimento de

desregulação, em que o Estado deve interferir o menos possível na liberdade individual e nas

atividades econômicas da iniciativa privada (FRANCA, 2001). Anderson (1996) cita que:

O neoliberalismo é um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial,como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo dedoutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformartodo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensãointernacional, por meio dos discursos. Este é um movimento ainda inacabado. [...]Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tãoabrangente desde o início do século como o neoliberalismo hoje. Este fenômeno

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chama-se hegemonia, ainda que naturalmente, milhões de pessoas não acreditem emsuas receitas e resistam a seus regimes (1996, p. 56).

Pode-se afirmar que o neoliberalismo também foi uma reação teórica e política veemente

contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar Social (Welfare State ou keynesianismo). Este, por

sua vez, caracterizava-se por compor um Estado que é investidor econômico, em parte regulador da

economia e dos conflitos sociais, mas um “Estado benfeitor que procura conciliar crescimento

econômico com legitimidade da ordem social” (LAURELL, 1997, p. 76). O Welfare State permitiu

altas taxas de crescimento econômico, ordem social e uma alternativa aos triunfos do socialismo no

Leste Europeu na primeira metade do século XX. Porém, a crise chegou e tal modelo de Estado se

decompôs a partir dos anos 1970, tendendo a ser subvertido pelo neoliberalismo.

O mercado mundial é o principal ator do paradigma neoliberal. O neoliberalismo fornece à

globalização um cenário propício para sua expansão, possuindo uma boa estrutura geopolítica,

geoeconômica e ideológica. Essas, por sua vez, são regidas pelo livre mercado, abertura e

desregularização das economias nacionais, fortalecimento das corporações privadas, do

empreendedorismo2 e do capital financeiro. Outra forte característica desse mercado é a de possuir

estratégias responsáveis por frear os gastos do Estado, aumentando seu controle e impedindo

problemas inflacionários, privatizando grande parte das empresas estatais existentes. Essa última

característica objetiva impedir o Estado de desempenhar o papel de produtor, por mais que se

considere essencial e/ou estratégico em determinados setores. Paulani (2006) chama esse novo papel

do Estado de Business Administration; em que ele passa a ser administrado por meio dos princípios

neoliberais como se fosse “um negócio”, uma empresa. Isso faz com que a economia se abra

completamente, o que no receituário neoliberal produz a concorrência necessária para que os

produtores internos ganhem em eficiência e competitividade (SEIXAS, 2004). De acordo com Paniago

(2012), mesmo o neoliberalismo possuindo diversas maneiras de se manifestar em diversas partes do

mundo, sendo ora mais duro e ambicioso como na Inglaterra ora mais cauteloso, como no restante da

Europa, sua característica fundamental sempre foi a de atuar de forma decisiva na implementação das

medidas voltadas para a recuperação do lucro dos capitalistas. Outro objetivo é realizar imposições

restritivas e autoritárias sobre a classe trabalhadora, cujo resultado é a degradação da sua qualidade de

vida e trabalho. Dessa forma, o neoliberalismo como categoria ideológica e econômica desempenhará

um papel decisivo na realidade política, econômica, cultural e nas formas com as quais a globalização

se desenvolverá (SEIXAS, 2004).

2 O empreendedorismo, no entanto, fundamenta-se nos pressupostos neoliberais que privilegiam, em suaspolíticas, o interesse próprio, o progresso da sociedade e a competição como mola propulsora dodesenvolvimento (ANDRADE, 2006, p. 15).

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A globalização neoliberal é marcada por um período em que o mercado é dominado pelas

grandes instituições privadas, corporações multinacionais e financeiras. O papel do Estado passa a ser

fornecer as melhores condições para que se fortaleça esse cenário.

Dessa maneira, a era neoliberal ocorre devido à falta de regulação dos mercados financeiros

globais, tornando a globalização a era do capitalismo financeiro. À medida que se unificam os

mercados mundiais com liberdade, também significa propriamente desregulamentação (RIBEIRO,

2014). Os grandes empresários, corporações, banqueiros e investidores dominam o mercado devido à

sua fluidez, e por ser aberto às especulações. Esses mercados, por sua vez, vão determinar diretamente

as políticas econômicas dos países, controlando as ditas “governanças” mundiais.

O paradigma neoliberal se consolida ditando as regras para o desenvolvimento mundial atual e

da globalização. Ele é incorporado pelas instituições tanto no âmbito político, econômico e cultural.

Nesse último, principalmente, consolida-se no campo da ideologia, onde os discursos serão

necessários (FIORI, 1997). A partir dessa batalha ideológica fundamentada nesses pressupostos,

emerge um modelo de sociedade a partir dos anos 1970. De acordo com Santos (2008), a ideologia

neoliberal passa a ditar valores, regras e sensações incorporadas pela globalização. Questões como a

liberdade individual, mas também o individualismo, consumismo, produtivismo,3 incrementados e

difundidos pela mídia, começam a ser parte da vida da população. Com o passar dos anos e o

fortalecimento dessa nova globalização, começam a surgir críticas a esse padrão normativo de

crescimento econômico. Abordagens ao meio ambiente, direitos trabalhistas, desigualdades sociais,

entre outras temáticas, começam a ser colocadas em pauta.

A década de 1980, no contexto da redemocratização, foi marcada por diversos movimentos

sociais no cenário brasileiro. Grande parte da população, por meio desses movimentos, exigia não

somente a participação do Estado nas decisões políticas e econômicas necessárias, mas também

cobrava uma responsabilidade sobre a vida precária que a população levava e sobre as questões

ambientais pertinentes. Para isso, utilizavam-se as mais variadas formas de lutas sociais como

passeatas, greves, caravanas (COUTINHO, 2004). Um fenômeno interessante acontece também do

ponto de vista da adesão dos movimentos sociais à agenda neoliberal. Algumas vertentes sindicais, por

exemplo, passaram a corroborar as ações desse Estado-Corporação, reforçando interesses de mercado

empresariais. Sem dúvida, tal cooptação dos movimentos também é responsável pelo incremento desse

3 O sistema produtivista se caracteriza por compor uma economia que se concentra na maximização daprodução sem levar em consideração os custos dos insumos (econômicos e ambientais). No produtivismo oque domina é a mercantilização do mundo/da vida (ou seja, tudo é reduzido às leis do mercado), desprezando-setodo e qualquer outro valor que não esteja associado ao lucro (BENSAÏD, 1999).

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processo, além de significar um obstáculo concreto em fissurar tal modelo e apontar os limites e falhas

estruturais do Estado capitalista.

Como reforço de tal argumento, segundo Frei Betto (2000), o mercado, sendo o principal ator do

neoliberalismo, possui o auxílio da mídia e da publicidade para vender um conceito de felicidade, prosperidade

financeira e uma vida realizada, que consistem em interesses individuais e ou familiares. Durante décadas falou-

se em reforma agrária no Brasil, mas somente no momento em que a bandeira se atrelou às ocupações de terra,

que garantem lotes às famílias, é que a luta pela reforma agrária se tornou concreta. Dessa maneira, novas

reivindicações como ecologia e meio ambiente, relações de gênero, questão racial estão sendo colocadas em

pauta nos dias atuais. Porém, tais bandeiras, apesar de colocarem propostas importantes de mudanças na

estrutura social escravocrata e patriarcal no Brasil, também, em diversos momentos, são capturadas pela força do

modelo neoliberal e sua concepção dos indivíduos e da ideia de liberdade. O enfoque político desloca-se do

macro para o micro, do global para o local, do social para o pessoal. Com a bandeira ambiental também não foi

diferente.

A EMERGÊNCIA DOS DISCURSOS AMBIENTAIS NO PARADIGMA NEOLIBERAL

Segundo Keleer e Burke (2010), é difícil localizar a data exata ou uma cronologia de

quando a temática ambiental foi levada e incorporada nas discussões sobre desenvolvimento e

sociedade. Entretanto, a década de 1970 foi a fase embrionária dessas discussões, devido aos

grandes eventos que foram fundamentais para o surgimento das questões ambientais, tanto no

âmbito social quanto político. No momento em que descreviam a origem do movimento

ambiental, a ideia era de que as organizações sociais inserissem no contexto das discussões a

justiça e a igualdade social, por serem duas temáticas que sempre caminham em paralelo. O

ativismo se consolida nessa época com movimentos contra o capitalismo industrial regente e

suas consequências ao meio ambiente, como a poluição gerada pelas fábricas, a utilização

excessiva dos recursos, a substituição da mão de obra humana pela mecânica nos processos

produtivos, entre outras (PINTO; ZACARIAS, 2010).

A abordagem ambiental em um contexto histórico começa a ter suas primeiras

diretrizes na Conferência de Estocolmo, em 1972, na Suécia. De acordo com Ribeiro (2014),

a Organização das Nações Unidas (ONU) concentrou-se em criar critérios e princípios

comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio

ambiente. O debate central convergiu opiniões, sobretudo dos representantes dos países ricos,

que teriam de modificar seus padrões de desenvolvimento praticados nas décadas anteriores e

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não poderiam ser mantidos na mesma escala. De acordo com o relatório do Limite de

Crescimento de Meadows et al., de 1973, a escassez dos recursos naturais estava

condicionada à sustentabilidade da economia capitalista de produção e consumo. A temática

central desse discurso e dos próximos 40 anos teve foco na questão de desenvolvimento e do

conceito de sustentabilidade.

Como forma de resolução ou retardamento dessa problemática foi proposta a

estagnação do desenvolvimento, tese que claramente não foi acatada pelos países, surgindo o

início de um dos primeiros embates políticos associados a essa temática. Uma linha defendia

que não existe desenvolvimento com crescimento zero e, por outro lado, outros defendiam

que para a erradicação da pobreza e desigualdades sociais seria necessário ter um

desenvolvimento econômico com crescimento (RIBEIRO, 2014).

Ao criticar os padrões de desenvolvimento, mas também a organização do espaço

mundial no aspecto político, ético, filosófico e principalmente da visão mecanicista e

antropocêntrica que o homem tem da natureza, a temática ambiental tornou-se um obstáculo

ao modelo de sociedade que se quer a partir dos anos 1970. Porém, faz-se uma operação de

captura de tais demandas. Ao colocar o mercado capitalista como principal agente de

crescimento subsidiado pela ideologia neoliberal, ele condiciona a maior devastação

ambiental vista recentemente na história (MARQUES, 2016). E, mesmo com todos os

projetos, investimentos, marcos regulatórios e ecológicos, para reverter essa situação, o

capitalismo tem-se mostrado pouco efetivo na tendência de evitar um colapso ambiental

global.

Uma prova desse fato é que, mesmo durante o Protocolo de Kyoto (1997-2012), que engajava

as grandes corporações a diminuir até 2012 suas emissões de gases de efeito estufa em 5,2% em

relação ao ano de 1990, a meta não foi atingida, como demonstra a Figura 1, a seguir:

Figura 1: Total anual de emissões antropogênicas de gases de efeito estufa por grupos de 1970-

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Fonte: IPCC, 2014

Cabe discutir de que maneiras o paradigma neoliberal acomodou e capturou as questões

ambientais para se manter intacto ou obter o menor dano econômico e político possível. São as ações

de mercado que condicionam um futuro “sustentável”, que depende diretamente do reconhecimento de

responsabilidade das organizações como geradoras de externalidades ambientais e o controle de seu

poder sobre os recursos naturais. Consequentemente, esses fatores ocasionam um maior controle e

posse sobre o meio ambiente.

O DISCURSO NEOLIBERAL E A APROPRIAÇÃO DA TEMÁTICA AMBIENTAL:

SUSTENTABILIDADE E MARKETING VERDE

Presentemente, o conceito de sustentabilidade e seu emprego em conjunto com a ideia de

desenvolvimento são aplicados de diversas formas nos mais variados setores do mercado, governos,

universidades, agências multilaterais, empresas de consultoria e, principalmente, incorporados aos

debates internacionais sobre meio ambiente e desenvolvimento. De acordo com Rattner (1999), o

significado dado à sustentabilidade ainda é bastante impreciso, variando de acordo com cada autor, ou

ainda as interpretações desse conceito são realizadas de acordo com a área e o objeto dos estudos

relacionados. Isso ocorre pela ausência de referências teóricas que sejam capazes de associar as

diferentes contribuições dos discursos e do campo de conhecimentos específicos, denotando que o

mesmo ainda é bastante controverso e dotado de falhas teóricas. Ademais, por ser um conceito

relativamente novo (cerca de duas décadas), ainda em construção, ele pode ser multi-interpretado e é

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utilizado de acordo com os objetivos e ideologias de quem o emprega. Isso revela certa fragilidade

conceitual, podendo ser adaptado a diversas situações.

A base teórica para o desenvolvimento do conceito de sustentabilidade ocorre devido à

insuficiência dos pensadores e economistas, anteriores à década de 1970, em resolver ou propor

soluções para a problemática ambiental. Durante esse período, os problemas tangentes ao meio

ambiente não eram discutidos pelas análises econômicas vigentes. Não que eles não existissem ou

fossem ignorados, mas foram incorporados ao pensamento das escolas econômicas somente a partir

dos anos 1970 (MIKHAILOVA, 2004). O termo sustentabilidade como tem sido utilizado nos dias

atuais, principalmente pelos grandes meios de comunicação e nos discursos das grandes corporações,

foi apropriado da ecologia e adaptado. De acordo com Moreira e Carmo (2004), na Ciência Ecológica,

sustentabilidade é a capacidade máxima de uma população de determinada espécie poder manter-se

indefinitivamente em um território sem provocar uma degradação na base de recursos que possa fazer

diminuir essa mesma população no futuro. A migração da noção de sustentabilidade da disciplina de

ecologia para os campos da economia política e do desenvolvimento implicaria considerar de que

modo a população humana poderia manter-se em um território ou região ecossistêmica, nação ou

planeta sem provocar uma degradação nos recursos naturais que possa diminuir essa população no

futuro. Para Moreira e Carmo (2004), nesse sentido, a sustentabilidade é uma utopia, pois, de acordo

com o sistema capitalista em que a sociedade está inserida, essa degradação é inevitável e não pode ser

freada sem que ocorra uma ruptura da relação capitalismo-mercado.

Os governos e as agências internacionais passam a entender a sustentabilidade como

Princípio estruturador de um processo de desenvolvimento centrado nas pessoas eque poderia se tornar o fator mobilizador e motivador nos esforços da sociedadepara transformar as instituições sociais, os padrões de comportamento e os valoresdominantes (ORTEGA, 2014, p. 25).

Seguindo os conceitos de sustentabilidade, diversas considerações são estabelecidas. A mais

importante delas, foi a associação entre o referido termo e o de desenvolvimento, nascendo assim o

desenvolvimento sustentável. O conceito mais aceito e empregado é o do Relatório Brundtland,

desenvolvido pela ONU em 1987. De acordo com Elkington (1999, p. 397), o novo termo é visto

como um conjunto de ações que buscam e devem satisfazer às necessidades da geração presente sem

comprometer as necessidades das gerações futuras. Ou seja, a sustentabilidade necessita realizar uma

menção temporal pela comparação entre presente, passado e futuro. Os estudiosos do conceito

analisam os cenários e a situação econômica, política, cultural e ambiental presente comparando-as

com o cenário passado. Assim, é realizada uma análise sobre o que foi modificado e

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consequentemente estabelecem-se metas futuras para assegurar a utilização dos recursos naturais para

as próximas gerações.

A construção do termo desenvolvimento sustentável ocorre como resposta às críticas às

corporações, ao Estado, às indagações da sociedade civil organizada, aos críticos e analistas políticos,

econômicos e culturais em relação aos problemas que o desenvolvimento e o progresso trazem para a

sociedade e o meio ambiente. Gradualmente, críticas pressionaram os agentes políticos e econômicos

(principalmente os Estados-corporação) para que se incorporasse a problemática ambiental aos

programas de governo nacionais, ao sistema político-partidário, às estruturas produtivas e à agenda

dos organismos internacionais. Frente à pressão do mercado capitalista, utilizando-se dos discursos

ideológicos neoliberais, dissolve-se a temática ambiental crítica. De acordo com Ribeiro (2014), a

sustentabilidade interfere no território nos dias atuais, sob o respaldo ideológico que o neoliberalismo

fornece nas práticas empreendedoras competitivas do mercado, em seus inúmeros setores. O discurso

ambiental passa a integrar as estratégias do livre mercado. Nota-se que o mesmo desloca seu viés

discursivo e adquire novo significado de acordo com os valores mobilizados pelo neoliberalismo.

Moreira e Carmo (2004, p. 43) afirmam que o conceito de sustentabilidade e desenvolvimento

sustentável carrega uma indeterminação que os autores denominam como “nebulosa ambientalista”:

[...] apesar de originalmente a crítica ecológica e ambientalista radical visualizar aruptura da produção e a negação da ordem social das sociedades industriais, o queestava em curso era a construção de um capitalismo ecológico. [...] as regulaçõesambientalistas dos usos dos recursos naturais e do conhecimento tecnológico, nãorompiam com a existência da propriedade privada e nem com a busca dalucratividade capitalista, ou seja, não rompiam com a lógica da ordem capitalista, aomesmo tempo em que reconhecia que a existência de movimentos ambientalistas esócio ambientalistas tencionavam os usos da propriedade privada, particularmenteaqueles associados à propriedade da terra e da natureza. Paradoxalmente, asustentabilidade incorporaria, assim, uma insustentabilidade intrínseca àscontradições do próprio capitalismo.

O desenvolvimento sustentável é descrito como aquele que melhora a qualidade de vida dos

homens e da Terra, ao mesmo tempo que respeita a capacidade de produção dos ecossistemas nos

quais vivemos (MIKHAILOVA, 2004). Historicamente, no final dos anos 1960, com o surgimento das

crises econômicas, cientistas de diversas áreas de conhecimento, reunidos no Clube de Roma 4,

4 Clube de Roma se tornou uma organização não governamental que foca na busca por enxergar problemas,discuti-los e difundi-los entre a população. Seus membros são acadêmicos, cientistas, políticos, empresários emembros da sociedade civil que avaliavam questões de ordem política, econômica e social com relação ao meioambiente. Disponível em: <http://www.michaeljonas.com.br/meu%20trabalho/fca_grad/Economia%20II/Apo/Desenvolvimento%20 Sustentavel.pdf>. Acesso em: 17 de abril de 2017.

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relatavam os limites que deveriam ser impostos à industrialização. Esse limite de crescimento foi

proposto em um relatório denominado Limits to Growth (Limites de Crescimento) e refere-se a uma

mudança na estrutura capitalista de produção com diretrizes que propunham limites a um crescimento

que tem na acumulação de riquezas seu principal agente. Isso aponta para uma crise ambiental, pois,

de acordo com o referido relatório, não há como os recursos naturais suportarem a exploração desse

sistema que se expande por todo o mundo. E essa expansão contribui para a aceleração do processo de

escassez dos recursos naturais e, consequentemente, para a crise (OLIVEIRA, 2008). Segundo Ortega

(2014), houve um incentivo, em quase todo o mundo, ao aumento da adoção de um conjunto de

técnicas nos modelos de produção.

O principal ponto questionável sobre o desenvolvimento sustentável é referente às propostas

que não realizavam mudanças na essência, na estrutura e no crescimento do capitalismo (CARDOZO,

2003). Ainda de acordo com Cardozo, na realidade, houve somente uma atualização do crescimento e

sua continuidade, de modo que o desenvolvimento pode continuar com o sistema de produção e

consumo em meio à crise. Isso ocorre como se efetivamente ele não existisse e a mudança fosse

apenas uma estratégia para favorecer a permanência do modelo de exploração capitalista, agora com

promessas de ser menos nocivo ao meio ambiente. O capitalismo “repaginado” e munido de novas

técnicas, produtos e soluções “sustentáveis” deveria promover mudanças nos hábitos de consumo, isto

é, utilizar-se de artifícios amenizadores de problemas ambientais, com o intuito de demonstrar

mudanças no que se refere ao modo de exploração ambiental, mas que na prática não funcionariam. .

O MARKETING VERDE COMO FERRAMENTA DE PROPAGAÇÃO

DA SUSTENTABILIDADE

De acordo com Dias (2007), o marketing surgiu no início do século XX, com o intuito de

solucionar problemas com a distribuição e venda de produtos. Por inúmeras vezes, é utilizado para

induzir ao consumo exagerado, provocando aumento da extração dos recursos naturais e geração de

resíduos de todo tipo. Donaire (1999, p. 99-100) afirma que:

A atividade de marketing compreende uma série de atividades que tem por objetivoviabilizar a chegada do produto acabado ao consumidor final e, na atualidade, osfatores ambientais têm ganhado importância na avaliação das estratégias demarketing da organização, pois as alterações da legislação ambiental, cada vez maisrigorosas, e a crescente conscientização ambiental da sociedade e dos consumidores,têm feito surgir riscos potenciais e novas oportunidades de comercialização de bense serviços que devem ser adequadamente avaliadas para garantir a competitividadeda empresa e preservar sua imagem e responsabilidade social.

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Segundo Enoki et al. (2008, p. 2), o “marketing verde tem como finalidade orientar, educar e

criar desejos e necessidades nos consumidores sempre visando causar um menor impacto ambiental,

além de atingir os objetivos de comercialização das organizações”. Pode ser visto como um conjunto

de práticas e estratégias utilizadas para a comunicação, de forma a conquistar um determinado público,

por meio da diferenciação de seus produtos e serviços oferecidos. Obtém-se, então, um aumento na

participação de mercado e a afirmação de seu posicionamento. O marketing verde ou ambiental

incorporou uma vasta gama de atividades, incluindo a elaboração e modificação de produtos, mudança

nos processos produtivos, nas embalagens e até no perfil da propaganda. Segundo Peattie e Charter

(2003), o marketing ambiental estaria forçando os profissionais de marketing a não olharem apenas

para os processos internos de produção ou os externos em relação aos consumidores, mas também aos

impactos gerados, causando, assim, o que muitos autores nomeiam de “esverdeamento” do marketing.

Cardozo (2003) afirma que o marketing verde contribui para o fortalecimento da imagem da marca.

Consequentemente, o consumidor se sente seduzido por essa imagem, parceiro desse tipo de proposta,

fornecendo a sua contribuição para a construção de um mundo mais “sustentável”, igualitário, onde a natureza é

importante e necessita ser preservada. Pode-se relacionar esse fenômeno ao fetichismo de mercadoria,

denominada por Karl Marx (1818-1883). Nota-se que a mercadoria, quando finalizada, mantém o seu valor real

de venda, que segundo ele era determinado não pela quantidade de trabalho materializado no artigo, mas sim,

que esta, por sua vez, adquire uma valoração de venda irreal, infundada, abstrata e fantasiosa, e que objetiva a

extração de mais lucro (CARDOZO, 2003).

As corporações e empresas se utilizam do marketing verde com base em princípios de criação

e implementação de estratégias que as colocaram em posição de, supostamente, cumprir “eficazmente

e eficientemente” a sua missão”. Uma boa estratégia de marketing integraria os objetivos, políticas e

um plano de ações (tática), incorporadas pela organização ou empresa, mais importante na sua

utilização seria o conceito da informação ecológica sobre o produto, pois é o conhecimento do

consumidor com relação ao viés ecológico propagado pela empresa que vai criar a sua demanda no

mercado.

A persuasão é a essência da comunicação de marketing verde. Os responsáveis por sua

comunicação devem orientar as pessoas à aceitação de algumas crenças, atitudes ou comportamentos.

Para tal efeito, como pode ser visto nos princípios citados anteriormente, utilizam-se apelos racionais

ou emocionais, sempre destacando a relação entre o homem e o meio ambiente.

Dessa forma, tais estratégias estão a serviço de um projeto político e econômico que não

pretende superar a dicotomia intensificada pelo capitalismo entre os seres sociais e a natureza. Pelo

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contrário, a divulgação de produtos “ecológicos” visa tornar o ordenamento capitalista do mundo mais

“sustentável”. Mais do que isso, ela reforça uma visão antropocêntrica e antropogênica e objetiva a

construção de uma cidadania política liberal e de agentes consumidores para a desconstrução de uma

cidadania política liberal e a construção de agentes consumidores para o mercado. Nesse contexto, o

marketing verde trabalha para fortalecer as ideologias.

Ao analisar esses conceitos estratégicos empregados no marketing verde, denota-se a crescente

inserção no mercado de produtos verdes que podem representar uma forma de geração de vantagem

competitiva para as empresas, por meio da manutenção de uma suposta consciência de melhoria

contínua voltada para o desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos e, principalmente, da

tentativa de induzir o consumidor ao adquirir esses produtos, mostrando suas vantagens em relação a

produtos ditos comuns.

CONCLUSÃOA compreensão do paradigma neoliberal, a partir de seus discursos, é importante para avaliar a

atual situação de uma sociedade dominada pelas grandes corporações. Atualmente, com as grandes

discussões e os debates sobre os problemas ambientais, esses acabam por acarretar uma mudança na

forma com a qual o capitalismo vai direcionar suas decisões e soluções de mercado. O neoliberalismo

captura essa problemática ambiental e transforma-a em uma ferramenta para manter-se intacto e

continuar movimentando os lucros das grandes corporações, sem de fato alterar significativamente seu

funcionamento. Desse modo, utiliza-se com bastante ênfase do conceito de sustentabilidade e da

propagação da concepção de um capitalismo e desenvolvimento sustentável. Nota-se, com base nos

estudos realizados, que é pouco provável existir um capitalismo sustentável sem uma profunda

transformação no modo de produção atual. Contudo, a mídia adota estratégias de marketing na

divulgação de produtos e tecnologias que disseminam a ideia de que é possível acarretar o menor dano

possível ao meio ambiente. Como consequência desse fato, o mercado cria e comercializa produtos

verdes e tecnologias “limpas”, mas que na realidade pouco minimizam ou alteram os reais problemas

ambientais atuais, como mudanças climáticas, efeito estufa, diminuição de florestas, poluição das

águas, mau gerenciamento de resíduos sólidos, entre outros. Parece que esse tipo de ambientalismo se

distanciou de suas reais preocupações em solucionar os problemas que podem conduzir o planeta a um

colapso socioambiental, para sustentar o mercado e continuar mantendo os padrões de consumo

vigentes.

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