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Antipsicticos atpicos: mais eficazes, mais seguros?Lenita Wannmacher*ISSN 1810-0791 Vol. 1, N12 Braslia, Novembro de 2004

ResumoH definido benefcio de antipsicticos convencionais e atpicos em controle sintomtico de esquizofrenia e transtornos psicticos agudos. Os segundos so to eficazes quanto os primeiros, porm tm diferentes perfis de efeitos adversos. Antipsicticos tradicionais so comprovadamente eficazes em tratamentos de longo prazo. Novos antipsicticos provavelmente tambm o so, embora a comprovao de eficcia geralmente provenha de estudos com poucas semanas de seguimento. Antipsicticos atpicos tm indicao de uso em casos especiais, em que haja sintomas negativos, refratariedade ou intolerncia ao tratamento convencional. O tratamento de longo prazo deve equilibrar risco de efeitos adversos com risco de recada, bem como levar em conta o mais alto custo dos antipsicticos atpicos. Esses que comprometem menos algumas das funes orgnicas afetadas por agentes convencionais - podem tambm acarretar efeitos adversos de monta. Critrios mais restritivos devem pautar a prescrio mdica, principalmente quando se tratar da solicitao desses medicamentos rede pblica de sade.

Introduoesquizofrenia doena mental crnica que se caracteriza por sintomas positivos ou produtivos, delrio, alucinaes auditivas, iluses, agitao extrema, crises agressivas, comportamentos destrutivos, desagregao do pensamento e negativos, tais como embotamento afetivo, dificuldade de julgamento e de ateno, desorganizao do pensamento e falta de motivao. Os primeiros, a o contrrio dos segundos, respondem m ais f acilmente a o tratamento. O incio dos sintomas ocorre na vida adulta (idade mdia de 25 anos), sendo mais precoce em homens do que em mulheres. A doena afeta uma em cada 100 pessoas ao correr da vida. Cerca 1 de 80% dos acometidos desenvolvem recidivas e sintomas crnicos . No Brasil, faltam avaliaes epidemiolgicas amplas sobre a ocorrncia de psicoses. Estudo multicntrico de morbidade psiquitrica 2 em reas urbanas estimou taxas de prevalncia de 0,3%, 0,9% e 2,9% na populao com idade acima de 14 anos em Braslia, So Paulo e Porto Alegre, respectivamente. Dados obtidos em servios de sade3 mostraram prevalncia entre 0,5 e 5,3%. Na fase aguda (surto psictico), os objetivos teraputicos so reduo dos sintomas, preveno de danos advindos da agressividade e melhora do funcionamento social do indivduo. Medicamentos antipsicticos (principalmente os mais sedativos) so indicados em quase todos os episdios psicticos agudos. A tranqilizao instalase rapidamente. O controle adicional ocorre mais lentamente,

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tornando-se evidente ao fim de uma a duas semanas de tratamento. Aproximadamente 60% dos pacientes tratados por seis semanas atingem remisso completa ou experimentam apenas sintomas leves, em comparao a apenas 20% dos pacientes em grupo 4 placebo . N a fase de manuteno, o objetivo m a nter o p a ciente assintomtico ou ainda melhorar o nvel de funcionamento e a qualidade de vida, alm de reduzir as recadas. Cerca de 80% dos 5 p acientes a presenta m novos surtos e disfuno continua d a , embora tenha significativamente aumenta do a proporo de pessoas com melhora depois de 1950 (mdia de 48,5% no perodo 1956-1985 versus 35,4% de1895 a 1956), com a introduo dos 6 antipsicticos convencionais . Somente um em cada seis pacientes permanece livre de sintomas e sem necessidade de medicamentos 7 nos 10-15 anos aps um primeiro surto . Na verdade, observa-se que o uso continuado de antipsicticos, aps a melhora, reduz as 8 taxas de recidiva5. Segundo o Clinical Evidence Concise , revises sistemticas evidenciaram que o uso continuado de antipsicticos, por no mnimo seis meses aps um episdio agudo, reduz a incidncia de recidivas comparativamente a no-tratamento ou placebo, e que esse benefcio pode ser observado at dois anos. Quando o paciente no responde a dois ou trs tratamentos com dois antipsicticos convencionais (empregados em doses plenas ao menos por seis semanas) nos cinco anos precedentes, fica

* Lenita Wannmacher professora de Farmacologia Clnica, aposentada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente da Universidade de Passo Fundo, RS. Atua como consultora do Ncleo de Assistncia Farmacutica da ENSP/FIOCRUZ para a questo de seleo e uso racional de medicamentos. membro do Comit de Especialistas em Seleo e Uso de Medicamentos Essenciais da OMS, Genebra, para o perodo 2000-2004. autora de trs livros de Farmacologia Clnica.

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caracterizada a refratariedade, que ocorre em aproximadamente 30% (10-45%) dos esquizofrnicos. Usualmente a refratariedade est associa d a n o-a des o a trat a mento. Avent a-se que quaisquer medica mentos antipsicticos possa m aumentar o 9 potencial para recidivas , por meio da supersensibilizao do crebro 10 11 dopamina . Turner chama a ateno para a necessidade de m ais altas doses dos medica mentos nos casos m ais graves (consequentemente mais efeitos adversos e, conseqentemente, mais falta de adeso a tratamento), dando a falsa impresso de que o antipsictico cria a gravidade e a refratariedade. Surpreendentemente, h mais favorvel evoluo da doena em pases pobres do que nos ricos (60% versus 18% de pacientes 12 assintomticos em cinco anos, respectivamente) . Para esse fato h tentativas de explicao diversificadas: melhor aceitao social da doena e menor uso continuado de antipsicticos em populaes 11 mais carentes. Turner aponta outras causas para a melhora: diagnstico mais acurado da esquizofrenia, estabilidade da doena aps cinco anos e melhora natural com aumento de idade e maturidade. Mas fatores que tambm parecem relacionados incluem polticas sociais de monitora mento e progra m as de 9 8 atendimento na comunidade . O Clinical Evidence Concise cita uma reviso sistemtica em que mltiplas sesses familiares reduziram o ndice de recidiva em 12 meses, em comparao ao tratamento usual, sesso familiar nica e intervenes psicoeducacionais, e outra em que a psicoeducao reduziu as recidivas em 9-18 meses em comparao com interveno controle.

Quetiapina (150 a 750 mg ao dia) foi comparada a haloperidol (12 mg ao dia) e placebo em 361 pacientes com exacerbaes agudas 16 de esquizofrenia . A dose de 300 mg mostrou efeito mximo e superior a placebo. Quetiapina reduziu acatisia, parkinsonismo e abandono de tratamento. Na comparao com clorpromazina, nenhuma diferena foi encontrada quando ambas foram utilizadas 14 na dose de at 750 mg ao dia . Olanzapina foi comparada a haloperidol no manejo de um primeiro 17 episdio de psicose em 167 pacientes . Ambos os frmacos, administrados por 12 semanas, melhoraram igualmente a funo neurocognitiva. Meta nlise de 34 estudos avaliou efeitos de a ntipsicticos convencionais sobre a cognio de pacientes psicticos. Os medicamentos afetaram negativamente a funo motora, mas conferiram modesto a moderado ganho em domnios neurocognitivos. Ensaio clnico randomizado e duplo-cego comparou a eficcia e a segurana agudas de olanzapina e haloperidol dados por 12 semanas a 263 pacientes com um primeiro surto de psicose. Ambos os frmacos reduziram substancialmente a severidade dos sintomas. Somente em algumas escalas olanzapina sobrepujou haloperidol. Olanzapina induziu menos acatisia e parkinsonismo, mas associouse a mais ganho de peso do que haloperidol. No grupo da olanzapina mais pacientes completaram o tratamento de 12 semanas (67% versus 54%). Nesses mesmos pacientes tambm foi avaliada a influncia da concomitncia de outros psicotrpicos (lcool, maconha e cocana) sobre as respostas a olanzapina ou haloperidol. Pacientes usurios daquelas drogas mostraram mais sintomas produtivos durante o surto e foram menos responsivos a tratamento de 12 semanas, comparativamente a no-usurios. Pacientes alcoolistas foram menos responsivos a olanzapina em comparao aos que 20 no consumiam lcool . Nos surtos psicticos, a agressividade um comportamento comum, com conseqncias deletrias para o paciente e os circunstantes. Avaliou-se a eficcia de clozapina, olanzapina, risperidona e haloperidol no controle da agressividade (medida por escalas) de 21 157 pacientes tratados por 14 semanas . Os antipsicticos atpicos superaram o haloperidol na reduo de nmero e intensidade dos eventos agressivos, particularmente depois dos primeiros 24 dias de tratamento. Clozapina superou os demais nos efeitos antiagressivos em pacientes resistentes e com maior comportamento agressivo. Um estudo piloto de oito semanas avaliou a eficcia e os efeitos adversos agudos de risperidona e olanzapina em comparao com haloperidol em 50 pacientes de 8 a 19 anos. Todos os tratamentos foram eficazes. Os efeitos adversos primrios observados em todos os pacientes foram sedao leve ou moderada, sintomas extrapiramidais e ganho de peso. Porm, nos jovens tratados com risp erid on a e ol a n z a pin a , o g a nho d e p eso e os e f e itos extrapiramidais foram mais intensos e prevalentes do que os 23 relatados em adultos. Uma metanlise de 18 ensaios clnicos avaliou eficcia e segurana agudas (10 estudos) de amisulpirida em comparao com antipsicticos convencionais. O antipsictico atpico superou os convencionais na melhora global de sintomas e mostrou menos efeitos extrapiramidais e menos abandono de tratamento.22 19 18

Comparao de eficcia entre antipsicticos convencionais e atpicosEm tratamento de surto agudoH definido benefcio de antipsicticos convencionais e atpicos em controle sintomtico de esquizofrenia e transtornos psicticos agudos. Clorpromazina o representante mais estudado, mas a eficcia dos congneres similar, sem evidncia de superioridade 13 clnica relevante com nenhum deles . Clorpromazina, por ser mais sedativa, considerada medicamento de referncia nessa indicao. Inmeros ensaios compararam antipsicticos atpicos a antipsicticos convencionais, principalmente haloperidol, para o manejo da esquizofrenia aguda. Em alguns, houve vantagens marginais com os novos representantes, mas uma viso conjunta de diversos 14 estudos no confirmou essa superioridade. Metanlise de 52 ensaios clnicos randomizados, com um total de 12.649 pacientes esquizofr nicos, com p a rou a ntipsicticos conve ncion a is a a ntipsicticos a tpicos (cloz a pin a, ol a nz a pin a, risp eridon a, amisulpirida, quetiapina e sertindol), demonstrando similares eficcia e segurana entre eles. Uma reviso sistemtica de 31 ensaios clnicos randomizados (n = 15 2.589) comp arou cloz a pina a clorpromazina e haloperidol, mostrando similaridade de eficcia em 4-10 semanas. Apesar da necessidade de exames de sangue peridicos, houve menos abandono de tratamento com clozapina ao correr de 7-24 meses (15% versus 18%).

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Ensaio clnico controlado por placebo avaliou, mediante escores de escalas, os efeitos de olanzapina e sonepiprazol em pacientes esquizofrnicos hospitalizados durante seis semanas. No houve diferena entre sonepiprazol e placebo. Olanzapina teve melhor resposta que placebo em algumas das escalas.

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Em tratamento de manutenoAntipsicticos tradicionais so eficazes em tratamentos de longo prazo. Novos antipsicticos provavelmente tambm o so, embora no tenham sido estudados adequadamente, podendo, porm, ser utilizados em casos especiais. O tratamento de longo prazo deve equilibrar risco de efeitos adversos com risco de recada. Revises sistemticas mostraram que os novos antipsicticos so to eficazes quanto os agentes convencionais, porm tm diferentes 8 perfis de efeitos adversos . A adeso a tratamento fundamental na preveno de novos surtos. No se evidenciou diferena de adeso aos antipsicticos orais convencionais ou atpicos usados por trs meses em pacientes 25 aps alta hospitalar . A freqncia de uma tomada diria prediz a adeso a tratamento. Em p acientes com pouca a d es o a tra t a m ento, as form as intramusculares de depsito dos antipsicticos convencionais constitue m a ltern a tivas a d e qu a d as, pois p ermite m gra nd e 26 espaamento entre doses . Em ensaios clnicos randomizados no foram encontradas diferenas de eficcia e efeitos adversos entre 8 as formas decanoato de bromoperidol, haloperidol e flufenazina . Outra alternativa a risperidona injetvel que pode ser administrada a cada duas semanas. Essa forma farmacutica foi comparada a 27 placebo em ensaio clnico randomizado e duplo-cego com o objetivo de avaliar a qualidade de vida dos pacientes em tratamento por 12 semanas. Aps esse perodo, os pacientes do grupo interveno (com doses de 25 mg) apresentaram melhoras significativas (P < 0,05) em dor no corpo, sade em geral, funcionamento social, estado emocional e sade mental, segundo respostas a questionrio estrutura do. Os ndices de qu a lid a de de vid a n o diferi a m significativamente do normal ao fim de 12 semanas de tratamento. Haloperidol tem sido intensamente investigado. Uma reviso 28 sistemtica de vinte ensaios clnicos randomizados e controlados por placebo (n =1001) demonstrou melhora global dos pacientes em 6 a 24 semanas, mas tambm aumento na incidncia de distonia aguda, acatisia e parkinsonismo. Clorpromazina tambm determina melhora em seis meses de tratamento, medida por escala psiquitrica, causando, no entanto 29 sedao, distonia aguda e parkinsonismo . Os antipsicticos mais novos foram pouco avaliados em tratamentos de longo prazo. A efetividade de clozapina na fase de manuteno baseada principalmente em estudos abertos que compararam 30 taxas de recada antes e aps o uso desse frmaco . Vrios deles incluram pacientes que no obtiveram resposta anterior com a ntipsicticos convencion ais e a pen as a queles que h avia m respondido clozapina durante a fase aguda. Esses fatores limitam 31 a avaliao dos resultados. Ensaio clnico randomizado , duplocego, com seguimento de um ano, comparou clozapina a haloperidol

em pacientes refratrios hospitalizados. Clozapina determinou menor taxa de abandono de tratamento (43% versus 72%; P