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Ano 9 • Nº 9 • Dezembro • 2011
o c o n h e c i m e n t o l i b e r t a e r e s p o n s a b i l i z a
5
a p r e s e n t a ç ã o
Em encontros casuais que venho mantendo com
ex-alunos, muitos me dizem o quanto a Móbile foi decisiva
na vida deles. Sempre pensei que fosse uma expressão
retórica, um misto de elogio e de nostalgia dos muitos anos
passados na escola. Não é. Eles argumentam, incisivos,
e insistem que não falam por devoção paroquial: “diante
das mais variadas situações, percebemos o quanto nós nos
distinguimos; comparados aos nossos amigos ou aos nossos
pares profissionais, percebemos que temos mais ‘densidade’”.
Afirmam: “sabemos nos localizar no tempo, interpretamos
textos e vídeos, enfrentamos problemas sem medo, não nos
perdemos diante das novidades, temos curiosidade e método
e, sobretudo, conhecemos os porquês”.
Ora, penso eu, isso é formação consistente, saberes
concatenados, lógica científica. Haveria melhor prêmio do que
este? Afinal, são indicadores de que o projeto pedagógico está
no caminho certo da excelência, de que o planejamento das
atividades e a orquestração da equipe operam sintonizados.
A Revista da Móbile está em sua nona edição
e está cada vez mais alentada. Qual é o propósito da
publicação? Manter sem esmorecer o nosso compromisso
com a transparência. Ou melhor: expor todas as informações
necessárias para que pais e alunos, professores e comunidade
de educadores façam uma avaliação competente do trabalho
realizado.
O editor da Revista, professor Wilton Ormundo, abre
o número com a entrevista instigante do poeta Ferreira Gullar.
Nela, temas nada triviais são abordados. O poeta se posiciona
com clareza diante da recente polêmica sobre o ensino da
norma culta, indica o limite das expressões comunicativas e
esbarra no indizível, qualifica a arte como linguagem peculiar
que transcende a realidade, revela que a poesia nasce do
espanto, relata a trajetória do movimento concretista no Brasil
e seus impasses, fala sobre a fusão do bem simbólico e de seu suporte material no livro-poema, além de
nos contar sua experiência como militante político e sua amarga desilusão. Leitura saborosa.
Em 2010, a V Mostra Literária e o IX Concurso Literário foram oportunidades de verificar
e comparar (dois critérios constitutivos da transparência) trabalhos feitos pelos alunos da Móbile.
Permitiram compreender, sobretudo, o processo de construção de seu pensamento ao longo dos anos de
aprendizagem, pois a Mostra envolveu alunos do Infantil 5 ao 3º ano do Ensino Médio. O leitmotiv foi
o sonho, um tema cujo espectro encanta crianças e adolescentes, facultando-lhes inesgotáveis incursões.
Em paralelo, é interessante acompanhar a carpintaria do processo criativo a partir da perspectiva
dos professores de cada série e resgatar um fato valioso: a orientação que adotaram respeitou
o desenvolvimento cognitivo e a crescente maturidade de escrita dos estudantes. Bons trabalhos foram
selecionados entre centenas inscritos, verdadeiros atestados da capacidade de fantasiar, reinventar
e descrever com especial acuidade. Convido a ler a bela e singela poesia do aluno Rafael Montressor
Coelho (aluno do 6º ano) e compará-la à densa e instruída poesia de Caio Franco (2º ano do Ensino
Médio).
A seção “Produções em foco” nos possibilita avaliar o trabalho que os professores realizaram
em conjunto e que visou alcançar complexos objetivos da formação escolar, a começar pelo alargamento
dos horizontes dos alunos. A ênfase nesse caso foi o desenvolvimento do pensamento científico, viga
indispensável das mentes livres e dos espíritos críticos e, por que não dizer, dos cidadãos do século XXI.
Nesse sentido, é surpreendente conferir a forma original como as professoras do Infantil 3 – Andreza
Souza, Angela Ciupka, Daniela Rosa, Daniela Levino, Lyara Contensini e Aline Stroeh – introduziram
crianças entre 3 e 4 anos no rico mundo das ciências naturais. E cumpre também aplaudir o trabalho
interdisciplinar dos professores João Carlos Micheletti e Silmara Parra que narra como alunos do
8º ano do Ensino Fundamental se tornaram partes ativas de uma investigação científica. Merece também
destaque o relato dos professores Tatiana Nahas, Carlos Godoy e João Carlos Micheletti intitulado
“A ciência vista como arte”, que lançou os alunos na admirável aventura de usar a fotografia como
instrumento eficaz de apreensão da natureza.
A seção “Especial” nos traz um importante artigo do professor Roberto Candelori sobre a
disciplina que ministra, Ética e Cidadania. O curso que se estende pelos três anos do Ensino Médio não se
resume a descrever atualidades históricas ou a discorrer filosoficamente sobre temas transversais como
a intolerância, o terrorismo, a xenofobia ou a migração. Vai além, à medida que contextualiza – palavra-
chave –, ilumina o presente com as regularidades do passado e com as potencialidades do futuro, oferece
aos alunos as ferramentas necessárias para que se sintam, e mais, que façam efetivamente parte dos
acontecimentos nacionais e internacionais – deixem de ser estranhos em seu próprio mundo para se
inserir nele criticamente. Serem, portanto, cidadãos em seu sentido pleno: agentes capazes de conectar
informações esparsas, articular pensamentos consistentes, elaborar as razões pelas quais se posicionam
desta ou daquela maneira para, no final, responder pelas consequências das opções que adotam.
Nessa mesma linha, na seção “Reflexões”, e com particular felicidade, temos o artigo do
coordenador e professor de Matemática do Ensino Médio, Walter Spinelli: “Alguém aí já tocou em um
quadrado?” A contextualização das disciplinas torna-se o grande trunfo do ensino eficaz, principalmente
quando entendida como aplicação dos conceitos a situações que fazem parte do cotidiano dos alunos.
Mas o texto vai muito além: distingue o real de suas representações mentais; mostra como a essência
abstrata dos conceitos nos permite captar os padrões ocultos dos objetos concretos; e nos exorta a
extrapolar os contextos, alargar as fronteiras, operar em termos interdisciplinares.
Outro artigo, também recomendado, responde a uma indagação relativamente corriqueira:
“Filosofia para crianças – por quê, para quê, como?”, de Maria Cardoso e Tatiana Almendra. E isso desde
o Infantil 5! Ficam explícitos os objetivos: a capacidade de pensar é imprescindível, e isso se aprende; os
alunos descobrem como argumentar e questionar, como desenvolver raciocínios com método e coerência,
como assegurar critérios que sustentem afirmações; adquirem, assim, as habilidades necessárias para
pensar de forma autônoma.
Por fim, não posso deixar de chamar a atenção para o exercício proposto pelo professor Wilton
Ormundo aos formandos do 3º ano do Ensino Médio que se encontra na seção “Futuros profissionais”.
Numa verdadeira provocação intelectual, formula questões nada anódinas que instigam os alunos a
mergulhar em seu íntimo e a revelar a si mesmos a trama complexa de suas inquietações e aspirações.
Ao ler os depoimentos dos alunos, não pude deixar de ficar orgulhosa com sua articulação, a citação
dos muitos livros lidos e dos filmes comentados, a beleza de seus insights, seu afã questionador e a
inteligência de seus argumentos. E fiquei sensibilizada com as menções elogiosas à Móbile que poderiam
ser resumidas numa expressão lapidar de um dos respondentes: “A Móbile me formou como ser humano,
e é por esse motivo que pretendo que meus filhos, se os tiver, estudem nessa escola.”
Quero deixar aqui meu agradecimento profundo à equipe de professores e coordenadores
que, ao longo dos 36 anos da Móbile, transformaram meu projeto de jovem professora universitária em
uma realização feita com o barro da competência e com o generoso espírito de educadores lúcidos e
engajados.
Boa leitura!
MARIA HELENA BRESSER
Diretora Geral
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Projeto gráfico e editoraçãoFernando Alexandrinowww.letlive.com.br
FotografiasArquivo MóbileClóvis FerreiraValéria de Melo Pereira
Fotolitos e impressãoGráfica Editora Aquarela
REVISTA DA MÓBILE
EditorWilton de Souza Ormundo
TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo
Preparação de textosJuliana Massoni Pereira
RevisãoRicardo Paulo Novais
MÓBILE
Direção GeralMaria Helena Bresser
Direção
Educação InfantilMaria de Remédios F. Cardoso
Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino Médio (Educacional)Blaidi Sant'Anna
Ensino Médio (Pedagógica)Glorinha Martini
ColaboradoresEDUCADORESAdriana Caravieri RosaAdriana Du Pin GalvãoAdriana RamacciottiAlexsandra Dorneles de AzevedoAline H. I. de CastroAline Prates StroehAluani Tordin de OliveiraAna Christina Calderelli NebóAna Lúcia Ribeiro de AlmeidaAnalu G. Del SuringarAndréa G. de Oliveira Assumpção Andreza Martins de SouzaAngela CiupkaAntonio de Freitas da CorteBárbara A. PozasBárbara Elisa Alves MartinsBlaidi Sant’AnnaCarlos Eduardo C. de GodoyCláudia Colla de AmorimCristine Bünecker PoyaresDaniela Fernandes RosaDaniela Jaime LevinoDébora M. ZardiDenérida Brás Martins TsutsuiDenise MendesFábia de Cássia B. dos SantosFernanda Campanhã RodolfoFrancisco LimaGabriela B. MakishiHugo Carneiro ReisIva Maria AlvesJoão Carlos Micheletti NetoJoão Jonas Veiga SobralJuliana YokoJussara Moreira SantanaLaís L. de CarvalhoLara Portes OlivaLívia Moreira de OliveiraLucelena M. de Souza LeeLuciana Tomiatto de OliveiraLyara Vilches ContensiniMara ScorsafavaMárcia Juliana SantosMaria de Remédios F. CardosoMárcia RuizMaria Cecília M. SuguiyamaMaria L. B. de ToledoMarina Callil VoosMônica Ferreira A. ConteMônika KuszkaPaloma Dantas de Araújo SantosPaloma JordãoPaula VasconcelosPaulo Rogério RodriguesPriscila M. RibeiroRenata MaltempiRita PisanoRoberta de VitaRoberto CandeloriRobervânia AraújoRodrigo L. de CastroRogério Viana GusmãoSilmara ParraTalita D. FagundesTatiana AlmendraTatiana Rodrigues NahasTeresa ChavesThaís NevesValéria de Melo PereiraViviane D. da SilvaWalter SpinelliWanessa Kelli e Silva
ALUNOSAmanda Leal Netto CamposAna Carolina Balam SebeAndré SalemAndrea Lasevicius MoutinhoAndrea MoutinhoAntonio F. S. ReisArthur Zanini de Salles AguiarBruno Amá Stephan Caio Cirello RezendeCaio FrancoCamila Rozenblit TiferesCamila Damião FarahClara Sampaio LaranjeiraCaroline CuryCristiana PietracolaDaniel de Araújo PereiraDaniela Guimarães BoanovaDaniela MachadoDaniela TaouilDébora Duarte Nunes LeiteDiogo Banzato FrancoFernanda Pontes BattagliaGabriela Pereira PradoGabriela ViannaGisele da Costa DuboisGiuliana Uchôa CarrieriGustavo Henrique S. CezarHenrique Caldas OliveiraHenrique FerreiraHenrique RubiraIsabela de AngelisIsabella Pavani ScuottoJoão Frederico ParedesJorge Luiz Moreira SilvaJulia ShinoharaJuliana Nakano MyazakaLeonardo Gandur GiovanelliLetícia Toldi de CarvalhoLígia G. CosséLuana Kitagawa Cunha SoaresLuisa Prado Betti GuarnieriLuísa Roman de Oliveira ToledoLuiza BuckerLuiza Fernandes Gremaud Maria Paula Rameh GuilgerMariana Marques Alves BocuzziMarina Antunes KasaMariana AraújoMariana StefaniMaurício Gioachini Tardochi da SilvaNatália MelloNicolas Vana SantosNina Trentini BorghiPedro Carregã Sant’AnnaPedro Loureiro PortoPedro de Oliveira RibeiroRafael Montressor CoelhoRaphael ViannaRenata BatistaRenata SardenbergRodrigo LucasRodrigo Miksian MagaldiRodrigo Rossi Mora BruscoRodrigo Siuffi AbbudStephanie HaspoThais BianchiniThais BrancoVictoria Liebert Piscopo Victoria Pagano Rebizzi
ABCDE GHIJKLMN
OPQRSTUV
WXYZ
Fe n t r e v i s t a
Ferreira Gullar
Saí de São Paulo, rumo ao Rio de Janeiro, com uma lista infinita de perguntas escritas num papel e uma ideia fixa: vou entrevistar aquele que é considerado pela crítica o maior poeta vivo da língua portuguesa, o maranhense José Ribamar Ferreira, ou simplesmente Ferreira Gullar. É certo que o peso dessa respon-sabilidade deve-se a vários fatores: meses de tentativas vãs de agendamento (o poeta com-pletou 80 anos e a imprensa precisa de datas), um sentimento (anacrônico) de juventude, ligado às reminiscências da Faculdade de Letras da USP (e já se vão quase vinte anos), a quase adoração do poema “Traduzir-se” (e a sensação de que seus versos foram auto-escritos e não criados por alguém palpável). Tudo isso começa a se esvair quando, à porta do edifício do poeta, na ruidosa Copacabana, pergunta-se ao menino da banca de revistas: “Você tem um exemplar de algum livro de Ferreira Gullar?” (Afinal, precisava de um para que fosse autografado); e ele responde, sem cerimônias: “Não tenho não, mas você pode comprar diretamente dele. É só tocar a campainha do prédio em frente.” E a sen-sação de peso se dissipa quase por completo quando diante de Gullar, crítico de arte, jornalista, escritor, dramaturgo, tradutor e, acima de tudo (segundo ele), Poeta. A lucidez do homem é perturbadora. Entrevistá-lo é tarefa árdua porque ele é capaz de discorrer com fluidez sobre amor, morte, poesia, comu-nismo, Beckett numa frase. Tudo tratado de maneira humana e até mesmo prosaica. Num dado momento, para falar de sua incursão no Neoconcretismo (depois de sua ruptura com o Concretismo), apanhou de sua estante uma escultura de Lygia Clark e explicou-me didaticamente o conceito de “livro-poema”. (A obra de uma das artistas plásticas mais festejadas do país, Lygia Clark, estava ali em suas mãos sem nenhum pedantismo.)
Nesta entrevista, não saberemos que foi em 1954 que Gullar publicou o importante livro A Luta Corporal; que em dezembro de 1956 participou da Exposição Nacional de Arte Concreta (no MAM); que discordou das ideias do grupo concretista paulista, expres-sas no artigo “Da Psicologia da Composição à Matemática da Composição”, redigindo em resposta ao texto dos irmãos Campos e Décio Pignatari o texto “Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica”; que escreveu o “Manifesto Neoconcreto”, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e assi-nado também por Amilcar de Castro, Aluísio Carvão, Franz Weissmann, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Também não seremos informados de que foi em 1961 que o poeta dirigiu a Fundação Cultural, em Brasília; de que se filiou ao Partido Comunista em 1964, quando fundou o Grupo Opinião, com os dramaturgos Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes; de que colaborou com O Pasquim, sob o pseudônimo Frederico Marques; e de que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1999, a indicação ao Prêmio Nobel de Literatura, em 2002, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, em 2005, e o Prêmio Camões, conce-dido pelos governos do Brasil e de Portugal, em 2010. Você também não será informado que, recentemente, Ferreira Gullar, depois de onze anos de silêncio poético, lançou a coletânea Alguma parte alguma. Saberemos, entretanto, o mais importante para esta-belecer contato com a arte de Gullar: sua poesia nasce do espanto.
(Ps.: o menino da banca de jornal estava erra-do. Gullar não tem suas obras para vender em seu apartamento carioca.)
1716
Revista da Móbile – A última polêmica
envolvendo o MEC (Ministério da Educação
e Cultura) está relacionada à aprovação,
pelo PNLD (Programa Nacional do Livro
Didático), da obra Por uma vida melhor,
destinada aos alunos do EJA (Educação de
Jovens e Adultos). Nela, os autores tratam
da variação linguística como fenômeno
inerente a toda e qualquer língua humana.
Essa postura foi lida por muitos como um
desprestígio do ensino da norma culta
nas escolas. Em um de seus textos mais
irônicos, publicado pelo jornal Folha de S.
Paulo, “Alguém fala errado?”, há uma crítica
dura aos linguistas que defendem posição
semelhante à dos autores do livro que gerou
a polêmica. De que maneira o ensino da
norma culta, promovido pela professora
Rosinha, foi importante para o senhor?
Ferreira Gullar – Não é que o ensino da norma
culta tenha influenciado diretamente a minha obra.
Conhecer a norma culta, saber escrever direito,
corretamente, sempre foram uma preocupação
minha, desde garoto, quando comecei a imaginar
que poderia me tornar um escritor. Eu precisava
saber a língua, então passei dois anos lendo
gramática, estudando para entender como a
língua funcionava. É muito estranho que alguém
venha dizer que a norma culta é aquela praticada
pela elite. Por trás de tudo isso, há um problema
ideológico, infantil, velho. Então é assim: quem
fala certo pertence à classe dominante e quem
fala errado é o povo? Então, como o povo é a
vítima da classe dominante, temos de prestigiá-lo
para não deixar que a classe dominante o humilhe
dizendo que ele está falando errado... realmente
isso é uma bobagem.
Revista da Móbile – O senhor acha que “a
contribuição milionária de todos os erros“,
citada pelo escritor paulistano Oswald
de Andrade em um de seus manifestos, ou “a
língua errada do povo/Língua certa do povo/
Porque ele é que fala gostoso o português do
Brasil”, referida pelo poeta pernambucano
Manuel Bandeira, e tudo o que o múltiplo
escritor paulistano Mário de Andrade
defendeu – ao lado de outros modernistas
da fase heroica (1922-1930) – geram certa
confusão de interpretação ainda hoje?
Ferreira Gullar – Eu, quando li essas concepções
do Mário, do Oswald, do Bandeira, nunca atribuí
a elas a intenção de considerar que a norma culta
era algo que deveria ser desprezado, porque
esses escritores escreveram “corretamente”, ou
seja, dentro daquilo que denominamos norma
culta. O que eles estão dizendo, e é correto, é
que existe um sabor, uma beleza, um charme no
falar do povo. Dentro da literatura, esse “falar
do povo” é um elemento enriquecedor. Você –
como escritor – pode usar esse elemento, dentro
de um contexto determinado. Bandeira nunca
pretendeu defender que a construção “os livro”
está correta. Mas isso não significa que eu não
transgrida, violente a língua. Em minha poesia,
quantas vezes violentei a língua? Até de uma
maneira absurda, drástica demais, mas é preciso
haver a língua estabelecida, as normas, para
que se possa transgredi-las. Quero dizer, esta
relação é dialética: entre aquilo que é correto e as
possibilidades outras que se apresentam diante
de problema de expressão, sobretudo quando se
trata de poesia.
Revista da Móbile – Por que esse “problema”
se apresenta, principalmente, para a
poesia?
Ferreira Gullar – Porque a poesia é uma arte
realizada, muitas vezes, no limite da linguagem.
O que me incomoda nesse livro didático é a
tendência ideológica, um esquerdismo equivocado
que transforma defeito em virtude. Quando
Bandeira defende a “língua errada do povo”, ele
está liberto de preconceitos; ele está revelando
a sua experiência de menino pernambucano no
contato com aquela gente de sua terra. Trata-se
de uma experiência saudável, bonita, encantadora.
Fico perplexo quando vejo que o Ministro [da
Educação, Fernando Haddad] declarou que quem
se opõe ao livro é pior que Stalin, querendo dizer
que esse ditador ainda era melhor que nós porque
ele, quando criticava um livro, o tinha lido antes.
Só que Stalin matou um milhão de pessoas!
Revista da Móbile – Clarice Lispector
disse, certa vez: “Eu até queria não ter
aprendido outras línguas: só para que a
minha abordagem do português fosse virgem
e límpida.” Como é sua relação com a língua
portuguesa?
Ferreira Gullar – É possível que Clarice tenha tido
um problema maior, talvez pelo fato de ela ter
nascido fora do Brasil. Ela aprendeu português
depois – ainda que essa língua tenha se tornado
sua língua materna. Se há uma escritora para
quem a língua é fundamental é Clarice Lispector.
A minha relação com a língua portuguesa,
meu idioma, é fundamental. A minha poesia é
decorrente disso. Talvez uma das coisas que
caracterizem a minha poesia, diferentemente da
de outros poetas brasileiros, é a minha relação
com a questão linguística, porque eu fui um
poeta que questionou a construção da minha
própria língua. Isso já aparece em meu livro A luta
corporal. Até hoje esse questionamento se dá em
minha literatura. Meu último livro começa com um
poema que diz assim: “fica o não dito por dito”.
A linguagem não diz tudo que quero dizer. O que
está fora da linguagem não é dito.
1918
Revista da Móbile – Essa discussão vai,
em certa medida, ao encontro daquela que
Clarice Lispector propunha em relação à sua
própria literatura. Refiro-me à insistência
da autora ucraniana em dizer que sua
literatura era uma busca de aproximação,
inútil, do elemento intangível, daquilo
que é “indizível”, ou seja, de impossível
representação pela palavra.
Ferreira Gullar – Sim, essa questão existe em
Clarice também, mas não em outros escritores
brasileiros, como Graciliano Ramos, Erico
Verissimo, Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira. Essa questão da língua não
se colocava para os outros escritores de maneira
tão drástica. Mesmo Oswald de Andrade, Mário
de Andrade, quando propõem a mudança do
verso, da linguagem poética, que era acadêmica,
parnasiana, ficam apenas na forma. Esses artistas
da primeira geração modernista não vão à questão
fundamental da linguagem: a de que ela é um
sistema que só diz o que pode dizer; há algo que
não se diz, porque está fora da linguagem. O que
está fora da linguagem é indizível, e esse tema
está presente em minha poesia.
Revista da Móbile – Em outro texto publicado
pelo jornal Folha de S. Paulo, “Na prática é
diferente”, o senhor trata da venda, por
40 milhões de dólares, de um Bugatti,
comparando a venda desse automóvel à
valorização de uma escultura de Rodin, de
uma pintura de Picasso. Segundo o senhor,
isso “deixaria perplexo o pensador alemão
Walter Benjamin, segundo o qual os produtos
industriais não possuem aura, como as obras
de arte consagradas”. De que maneira o
senhor discorda das ideias (e das previsões)
presentes no célebre ensaio “A obra de
arte na época de reprodutibilidade técnica”,
escrito por Benjamin?
Ferreira Gullar – De fato, quando li a primeira vez
esse artigo de Walter Benjamin, concordei com
ele, mas, depois de refletir mais profundamente,
comecei a ver que aquela concepção não era
inteiramente verdadeira. Ao contrário do que
propôs Benjamin, uma obra como a Mona Lisa
passou a ter sua aura ampliada justamente pelo
excesso de reprodução dela. Quanto mais popular,
famosa, ficou a tela de Da Vinci, mais todo o
mundo queria vê-la no original, no Louvre. As
pessoas conhecem a cópia, mas existe o fascínio
pelo original, pelo verdadeiro, que continua a ter a
tal aura de que falou Benjamin. Aquilo foi pintado
por Leonardo da Vinci no século XVI e continua a
ser precioso, único no mundo.
Revista da Móbile – Mais do que apresentar
o sujeito com um ser cindido, marcado pelos
paradoxos “ser ‘todo mundo’ e ao mesmo
tempo ‘ninguém’”, “desejar ser ‘multidão’ e
também ‘solidão’”, “‘pesar, ponderar’, mas
‘delirar’”, seu poema “Traduzir-se” sugere
que a existência humana é caracterizada
pelo desejo da plenitude, pelo “to be and not
to be”, pelo conflito. O homem, segundo o
senhor, busca a solidez (“almoça e janta”),
mas também deseja o imponderável, a
surpresa, aquilo que não se pode prever,
controlar, o “de repente”. O senhor
acredita que a convivência desse lado
humano “vertigem” (pulsional) só encontra
possibilidade de tradução pela “linguagem”,
pela arte?
Ferreira Gullar – Tenho certeza de que a arte
é capaz de expressar coisas que as outras
linguagens não conseguem fazer. A arte, além do
mais, não só expressa a realidade como também
a inventa.
Revista da Móbile – De fato, o senhor disse
uma vez: “discordo quando dizem que a arte
revela a realidade. Na verdade, a arte inventa
a realidade. (...) A poesia é uma dessas
criações, no terreno da fantasia, que existe
porque a vida não basta. Eu escrevo para ser
feliz, escrevo porque estou me inventando,
para ser melhor do que sou”. Inventando
uma nova realidade, a arte se colocaria
distante de outra realidade (concreta)?
A chamada poesia social brasileira – que
a crítica associa ao senhor – serviu a que
propósito? O de tratar da realidade de
modo a transformá-la ou o de inventar uma
realidade que pudesse apaziguar a dor dos
leitores em um mundo submetido aos limites
estabelecidos pela ditadura militar de 1964?
Ferreira Gullar – Existe mesmo esse conceito
de poesia social ligado a mim na história da
literatura brasileira. Escrevi um poema sobre
Che Guevara chamado “Dentro da noite veloz”,
mas os versos que o compõem, por certo, não
são a realidade, não são a revelação; eles são,
antes, uma invenção de determinada realidade.
Quando criei esse poema, nunca tive a pretensão
de que seus versos pudessem servir para mudar
a realidade. Escrevi-o mergulhado num “estado”
que me permite, que me obriga a fazer um
poema. Quando escrevo, não estou pensando
em ninguém, tampouco numa finalidade, num
contexto político.
A arte, alémdo mais, nãosó expressaa realidade
como tambéma inventa.
Revista da Móbile – Como foi seu processo
de criação desse poema tão importante?
Muitos o consideram um de seus textos mais
políticos e engajados.
Ferreira Gullar – Eu vi uma fotografia de Guevara
morto, publicada num jornal do Rio de Janeiro.
Essa imagem, mais tarde, ficaria muito conhecida.
Nela, o rosto de Guevara aparecia em close
chocante, acompanhado de um texto que explicava
que ele havia sido assassinado já há vários dias em
luta na Bolívia. O fato de eu ver aquele cara morto
ali, lutando pelo povo boliviano e completamente
ignorado por esse povo (e por mim), essa soma de
informações me levou a escrever o poema “Dentro
da noite veloz”. Ele não era abertamente político.
Esse poema nasceu de um espanto, de algo que,
naquele momento, me surpreendeu; quero dizer:
Guevara estava lutando sem ninguém saber disso,
nem o povo por quem ele achava que lutava, nem
eu... então considerei isso uma coisa maluca!
Escrevi, dessa forma, um poema que não se
restringe a descrever somente o que aconteceu de
fato. Há nele uma série de elementos inventados
por mim: uma floresta, árvores...
Revista da Móbile – Nesse sentido, poesia
é invenção?
Ferreira Gullar – Poesia é invenção. À medida que
você vai inventando, vai entrando num universo
que é próprio do poema. Por isso, aquilo que se
escreve não é o retrato do que aconteceu, aquilo
não é um fato, uma denúncia. Você pode até,
conscientemente, achar que está fazendo uma
denúncia – um lado seu pode considerar isso –,
mas não é o lado mais criativo. A verdadeira
poesia é uma viagem criativa que está para além
da realidade. Você começa a escrever um poema,
mas, no papel em branco, não sabe aonde vai
dar, não há planos. Você só tem uma intenção,
entretanto não sabe o que vai acontecer com
ela, está condenado a todas as probabilidades.
Quando se escreve a primeira palavra, reduzem-
se as probabilidades. Você passa a ter todas as
probabilidades menos uma, porque escreveu a
primeira palavra, que vai determinar a segunda...
aí o acaso começa a ser reduzido e surge uma
nova verdade, um texto. Se você escrever a
palavra “x” em vez da “y”, o poema vai ser de um
jeito. Trata-se de uma mistura de acasos.
Revista da Móbile – O senhor já se aventurou
por muitos ramos da escrita: crônicas,
ensaios, artigos de opinião, crítica de arte,
seriado de TV (Carga pesada), telenovela
(Araponga). De que forma se autodenomina?
Poeta?
Ferreira Gullar – Eu faço as outras coisas com
paixão, eu me entrego quando as faço. (Até
mesmo quando escrevi telenovela, que era uma
coisa que eu tinha horror...) De outras coisas,
como o trabalho com crítica de arte, me ocupo
desde a juventude. Penso mais sobre arte em
geral do que sobre poesia.
Revista da Móbile – Talvez porque poesia o
senhor faça...
Ferreira Gullar – Eu não gosto de fazer teoria sobre
poesia. Dou, simplesmente, um testemunho da
minha experiência. Sou poeta e não tenho certeza
de que poesia é realmente literatura. Às vezes,
me pergunto isso. Poesia é uma aventura de tal
ordem que nasce do espanto. É muito diferente
de escrever um artigo sobre qualquer tema para
o jornal Folha de S. Paulo, porque, nesse caso,
eu escolho o assunto racionalmente. Decido e
escrevo; contudo, eu jamais posso fazer isso com
a poesia. Não há a menor possibilidade...
2120
Revista da Móbile – Os gregos antigos
reservavam um espaço bastante especial
para os poetas. Eles seriam seres
“entusiasmados” (tomados pela força
divina) – por meio dos quais os deuses
falariam. Platão chegou a sugerir a expulsão
deles numa cidade-estado que fosse ideal
(em A República). João Cabral de Melo
Neto se posiciona de maneira oposta a essa
concepção. Com qual concepção o senhor
se identifica?
Ferreira Gullar – Evidentemente, eu não acredito
que seja inspirado por nenhum deus. Minha
poesia nasce do espanto. Preciso estar num
“estado” determinado para escrever poesia. Eu
não posso escrever simplesmente pela minha
vontade. Escrevo uma crônica, mas o poema
não escrevo. Esse “estado” é determinado por
fatores aleatórios. Não posso provocá-lo. Um dia,
eu estava assistindo à televisão aqui, sentado na
poltrona, e tocou o telefone. Eu me levantei e o
osso do meu fêmur bateu na minha bacia, fazendo
um som, um “crac”. Fui atender ao telefone e,
quando voltei, pensei: eu tenho um osso. Quero
dizer: eu sou um osso. Claro que sei que tenho um
esqueleto, mas uma coisa é saber disso, a outra
é “sentir” o osso, materialmente, bater no outro
e perceber que sou isso. Então, me vieram outras
questões correlatas: mas esse osso pensa? Quem
pensa também é o osso? Começa uma indagação
que eu jamais fizera antes. Daí vem a poesia,
determinada por um estado, desencadeado por
fatores aleatórios.
Revista da Móbile – Mas há uma magia
nisso. Não me refiro à magia no sentido
esotérico...
Ferreira Gullar – Claro que é mágico. Se digo que
nasce do espanto, eu tenho que estar num “estado
especial”, ou não escrevo. Tanto é que escrevo
poesia muito raramente.
Revista da Móbile – As pessoas muito
racionais não conseguem compreender que
“poesia não se faz por vontade. O poema
não é uma coisa nascida por nossa decisão.
A poesia nasce do espanto”, concepção
defendida pelo senhor em mais de uma
ocasião. Seu último livro, Alguma parte
alguma, levou onze anos para ser escrito.
Isso não parece uma visão um pouco mágica
do fazer poético, bem diferente da concepção
de João Cabral de Melo Neto? O senhor já
disse que se nasce poeta. Como começou a
poesia na vida do senhor?
Ferreira Gullar – É claro que, quando comecei
a escrever, tinha como referência os poetas
parnasianos que lia nos livros da escola: Olavo
Bilac, Raimundo Correa. Antes deles, Gonçalves
Dias, de quem eu sabia de cor, todinho, o poema
“I-Juca Pirama”. Nessa época, eu já estava
apaixonado por poesia. Publiquei meu primeiro
livro, Um pouco acima do chão (1949), quando
tinha 18, 19 anos, mas a minha verdadeira
atividade como poeta começa mesmo com a
publicação de A luta corporal.
Revista da Móbile – O que significa
“verdadeira atividade como poeta”?
Ferreira Gullar – Aos 20 anos, já havia lido [TS]
Elliot, [Rainer Maria] Rilke. Li, de Rilke, o poema
“O torso arcaico de Apolo”, traduzido por Manuel
Bandeira, e descobri o que era poesia, ou seja, a
poesia que eu queria fazer. Um amigo me mandou
As Elegias de Duíno, de Rilke, e descobri que aquilo
que eu estava fazendo não era poesia (pelo menos
não a que eu achava que deveria fazer: uma poesia
que me fizesse entrar em outro mundo, outra
dimensão). Depois, descobri Carlos Drummond
de Andrade e fui tomando conhecimento do que
era a poesia. Assim começou para mim. Eu me
lembro do dia em que comprei, num sebo, a
obra Contos Fantásticos, de Hoffmann. Cheguei
em casa e percebi que o tal livro estava todo
manchado, com fungos, e pensei: “Poxa! Mas o
autor escreveu esse livro para virar essa coisa
toda manchada de fungo? A literatura dele virou
fungo. Hoffmann escreveu a obra na Alemanha há
tanto tempo e está aqui, no Brasil, traduzida para
o português e toda manchada!” Então comecei
a refletir: “Será que a literatura tem sentido? É
para isso que se escreve, para terminar num sebo
cheio de fungo?” Concluí que só haveria razão de
ser se a poesia pudesse mudar a vida. Mudar o
autor, mudar o leitor. Ela não pode só ser palavra
e letra num papel. Corri para minha escrivaninha,
abri minha gaveta, tirei meus poemas, comecei a
lê-los e rasgá-los. “Esse não muda nada, rasgo;
2322
Min
ha p
oesi
a na
sce
do e
span
to.
esse também não muda, rasgo”. Rasguei tudo.
Somente do último fiquei com pena e, por isso,
não rasguei, mas ele também não mudava nada.
Esse foi um momento de mudança, de tomada de
consciência de que poesia era outra coisa.
Revista da Móbile – Dia desses, perguntei
em uma aula, a um aluno do 3º ano do
Ensino Médio, após ter lido um de seus
artigos publicados no jornal, quem era
Ferreira Gullar. Um aluno que adora sua obra
me respondeu: “Ferreira Gullar é poeta, um
dos criadores do Concretismo, depois um
dos detratores desse movimento, criador
do Neoconcretismo e o escritor do ‘Poema
sujo’, de 1967.” O senhor se identifica com
esse perfil traçado pelo nosso aluno?
Ferreira Gullar – Está certo, sou isso mesmo, em
linhas gerais.
Revista da Móbile – De que maneira sua
obra A luta corporal já dialogava com o
movimento concretista?
Ferreira Gullar – Augusto de Campos, Haroldo de
Campos e Décio Pignatari leram A Luta Corporal e
me procuraram para dizer que eu havia destruído
a linguagem e que, por isso, era necessário
criar outra. Desse nosso diálogo, nasceu o
Concretismo. Da troca de correspondências entre
mim e Augusto de Campos, nasceu a ideia de
criar outra sintaxe para a poesia. Eles, então,
sugeriram a sintaxe visual, o poema visual, um
código que não necessitava do discurso verbal.
Depois disso, fizemos os primeiros poemas. Eu
criei, por exemplo, o “Mar Azul”:
Assim nasceu o Concretismo no Brasil.
Revista da Móbile – Em que momento o senhor
passou a não caber mais no movimento
concretista?
Ferreira Gullar – O Concretismo teve em mim
um desdobramento diferente do que teve em
artistas como Augusto, Haroldo e Décio, em razão
da descoberta que fiz ao começar a utilizar a
linguagem sem o discurso. Publiquei, por exemplo,
no Jornal do Brasil, um poema assim:
Depois da publicação, um amigo me telefonou
dizendo que havia lido o poema e achado
interessante a produção. Perguntei a ele: “você
notou que a repetição da palavra ‘verde’ faz nascer
a ‘erva’? Notou que a ‘erva’ explode da palavra
‘verde’?” Ele não notara nada daquilo porque
não havia lido o poema em voz alta. Concluí,
por isso, que o poema estava errado. Comecei
a me questionar de que maneira poderia fazer
um poema com resultado visual que obrigasse
meu receptor a lê-lo palavra por palavra. Criei,
então, uma estrutura nova, que denominei
“livro-poema”, ou seja, poemas que existiriam
somente num determinado livro. Esses poemas
não poderiam, por exemplo, ser publicados em
um jornal. O suporte era o próprio poema, um
objeto manuseável. [A artista plástica mineira]
Lygia Clark, que vivia um impasse em sua pintura,
também percebeu que o manuseio poderia ser o
caminho para sua arte.
Revista da Móbile – E Lygia Clark reconhecia
essa influência do conceito do “livro-
poema” (obra de arte manuseável) em suas
esculturas?
Ferreira Gullar – Tampouco eu reconhecia a
importância daquilo... nem eu sabia direito o valor
do que estava fazendo. Somente mais tarde é que
fui tomar consciência – e ela também. Éramos um
grupo de amigos.
Revista da Móbile – E a história do “Poema
enterrado”, que envolveu a participação do
artista Hélio Oiticica?
Ferreira Gullar – Ao criar meu terceiro livro-poema,
houve uma mudança e percebi que a obra havia se
transformado num objeto (já não era, portanto, um
livro). Comecei a inventar uma série de poemas que
não tinham mais relação com o Concretismo. Eles
eram neoconcretos. Foi quando surgiu o projeto
do “Poema Enterrado”, um poema feito para o
corpo entrar nele. Levei esse conceito às últimas
consequências quando o [artista plástico carioca]
Hélio Oiticica construiu o “Poema enterrado”, um
“lugar arquitetônico” composto de um alçapão,
com uma escada que dava acesso a uma sala toda
preta; dentro dessa sala havia um cubo vermelho
que, aberto, dava acesso a outro cubo verde,
dentro do qual havia outra estrutura, menor ainda,
branca. Finalmente, dentro do cubo branco estava
a palavra escrita. Percebi, então, que meu poema
era uma sala no fundo no chão! Composto de
apenas uma palavra! Comecei a me perguntar se
eu estava certo, se deveria seguir naquele rumo.
O que aconteceria comigo se continuasse naquele
caminho artístico? Eu viraria um arquiteto? Um
construtor de coisas? Inviável, não é? Imagine:
o “Poema Enterrado”, que foi feito na casa do
Hélio Oiticica, foi comprado pelo Museu de Arte
Moderna de São Paulo, que, até hoje, nunca o
refez. Trata-se de uma coisa complicada... se eu
tivesse seguido esse rumo, teria me destruído
como poeta. Claro que foi interessante ter feito
e proposto tudo isso, mas eu nunca quis ser
arquiteto ou artista plástico. Sou um poeta. Entrei
em crise naquele contexto.
2524
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
verde verde verde
verde verde verde
verde verde verde
verde verde verde erva
Revista da Móbile – Foi isso que ocorreu
com Décio Pignatari? Ele se transformou
num artista gráfico distante da poesia?
Ferreira Gullar – A poesia concreta entrou num
impasse. Brinco que ela deveria se chamar
“poesia abstrata”, porque ela não tem discurso,
e o que dá concretude para a fala é o discurso.
“Pera” é algo abstrato. Somente passa a ter
sentido quando a fruta se transforma “nessa”
pera, “naquela” pera, localizada “naquele” prato
“ali”, “na cozinha”. Isso é que é concreto. Eu não
teria alcançado a densidade e riqueza do “Poema
Sujo” – aliás, ele jamais teria sido escrito – se eu
tivesse continuado no caminho do Concretismo.
“Traduzir-se” teria sido escrito? As coisas que uso
para me comunicar, me expressar, que me fazem
inventar, me reinventar como ser humano, não
teriam acontecido se eu tivesse me transformado
num artista plástico.
Revista da Móbile – Depois que rompeu com
o grupo concretista, o senhor nunca mais
teve contato com seus membros? Com Décio
Pignatari, Augusto de Campos...
Ferreira Gullar – Depois que eles inventaram a
tal poesia matemática, telefonei para o Augusto
de Campos e disse a ele que não havia relação
“causal” entre matemática e palavra, pois eles
pregavam que um cálculo matemático determinaria
que uma palavra deveria entrar no poema em
detrimento de outra. Eles queriam que eu assinasse
um manifesto defendendo essas ideias absurdas.
Como não acreditava naquilo, rompi com o grupo.
Eles publicaram o manifesto no Jornal do Brasil e
eu publiquei outro, no mesmo jornal, defendendo
justamente o contrário. Para mim, como a poesia é
uma experiência fenomenológica, ela é o contrário
da matemática. Um ano depois dessa polêmica, eu
trabalhava num jornal e Décio Pignatari procurou-
me para dizer que eles tinham um novo documento
para ser publicado, dessa vez sobre “poesia
de base”. Segundo eles, a indústria brasileira
era de consumo e estava se transformando
numa indústria de base; do mesmo modo, a
poesia brasileira, que também era de consumo,
deveria ser transformada numa poesia de base.
Imediatamente, pedi que ele me trouxesse algum
“poema de base” para eu ler, mas só havia um
documento anunciando o que seria feito. Retomei
a história da poesia matemática: “Cadê o poema
matemático? Vocês nunca fizeram. Só escreveram
um documento. O mesmo se dará com a poesia
de base.” Com exceção de Augusto de Campos,
que sempre foi um bom poeta, Décio Pignatari e
Haroldo de Campos sempre foram teóricos.
Revista da Móbile – O senhor foi defensor do
comunismo durante uma época e mergulhou
nisso, foi exilado em Paris, Moscou,
Santiago, Lima e Buenos Aires e até preso
em 1968 junto com o jornalista Paulo Francis
e os músicos Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Quando o comunismo morreu definitivamente
dentro do senhor?
Ferreira Gullar – Eu comecei a perceber que algo
estava errado na minha primeira viagem à União
Soviética. Lá, muitas coisas eram interessantes:
não havia mendigos nas ruas, eu não via ninguém
morando na sarjeta, nem nada disso. Todas as
pessoas estavam vestidas direito, sem luxo, mas
todo mundo estava bem alimentado, contudo... Fui
a uma loja comprar um gravador de fita cassete,
mas o tal equipamento disponível pesava cinco
quilos! Uma amiga minha foi para a Alemanha
visitar a família, na Berlim ocidental, e eu pedi a
ela que comprasse o gravador. Recebi o gravador
lindinho, pequenininho, belíssimo. Então percebi
que na União Soviética só se faziam armas,
foguetes para guerra, mas, do ponto de vista das
coisas da vida, da televisão, da comodidade da
existência, das roupas, tudo era de pior qualidade.
Eles não se incomodavam com isso. Em outra
ocasião, fui à Ucrânia com um grupo de brasileiros
e de latino-americanos visitar o chefe do partido
ucraniano. Reunimo-nos com a direção do partido
e o chefe falou: “A economia da Ucrânia só existe,
só se desenvolve, graças ao partido. Somos nós
que fazemos tudo.” Então pensei: “Mas são esses
quatro caras que fazem funcionar a economia
da Ucrânia? Esse troço não vai dar certo.” Em
qualquer cidade de qualquer país capitalista há
milhares de pessoas inventando o que fazer, o
que criar, pequenas empresas, comércios etc.
Como é que esses quatro caras vão disputar com
milhões de pessoas, com a iniciativa de milhões
Para mim, comoa poesia é uma experiência
fenomenológica, ela éo contrário da matemática.
2726
de pessoas? Fui percebendo, aos poucos, que
alguma coisa estava muito errada. O capitalismo
selvagem do século XIX, que tirava crianças do
orfanato e as colocava para trabalhar nas fábricas
até ficarem tuberculosas, era indiscutivelmente
uma indignidade. Esse capitalismo não dava
nada a ninguém. As pessoas chegavam aos 60
anos, morriam miseráveis na sarjeta porque não
tinham aposentadoria. Foi contra um capitalismo
que não tinha jornada de trabalho estabelecida,
aposentadoria, ajuda de custo para saúde... que
Marx se revoltou. Ele era um homem com sentido
de justiça e um grande espírito, por isso revoltou-
se contra esse capitalismo. Evidentemente, em
nome dessa mudança, Marx mudou o mundo
e lutou contra o capitalismo e suas relações
perversas de trabalho. Agora, me dizer que quem
cria a riqueza é o operário e que o patrão é
desonesto porque simplesmente gasta o que o
outro faz e que ele não faz nada é uma bobagem!
Um empresário pode também ser um intelectual,
um criador de uma coisa chamada empresa, um
sonhador. Quando um cara como Henry Ford cria
uma fábrica de automóveis, ele também está
sonhando.
Revista da Móbile – No documentário que
Miguel Faria Jr. fez sobre a obra de Vinicius de
Moraes, o senhor exalta a vida presente nos
poemas desse escritor e compositor. Exalta
seu mergulho na intensidade, no otimismo,
e critica a posição do dramaturgo irlandês
Samuel Beckett; depois, dá uma gargalhada
sonora ao se lembrar de Vinicius. O eu lírico
do “Poema sujo” diz: “eu não sabia tu/não
sabias/fazer girar a vida/com seu montão
de estrelas e oceano”. O homem Gullar, aos
80 anos, sabe “fazer girar a vida”?
Ferreira Gullar – A poesia não é a vida e a vida
não é a poesia. Ninguém pode viver em estado de
poesia 24 horas por dia ou por 70 anos, por isso eu
digo que a poesia nasce porque a vida não basta,
a arte nasce e foi inventada porque a vida não
basta. Eu não sou poeta 24 horas por dia e nem
ninguém o é, mas, no momento em que leio Elliot,
Drummond, Borges... nesse momento, a minha
vida se amplia, ela fica mais rica, ela fica mais
bela, mais misteriosa, mais fascinante. É o que
procuro. Beckett é altamente destrutivo porque
reduz a existência a nada.
Revista da Móbile – Beckett e o teatro
do absurdo não são definitivamente para o
senhor...
Ferreira Gullar – Não. Fico chocado com [a
peça] Esperando Godot. Beckett é brilhante,
inteligentíssimo, um talento extraordinário, mas
a cabeça dele é torta! Que a existência não tem
sentido, isso nós já sabemos, o problema é dar
sentido à vida. Beckett fica zangado porque a vida
não tem sentido, então vamos tentar dar algum
sentido a ela!
e x p r e s s õ e s & i m p r e s s õ e s
28
O sonho sempre foi motivo de encanto. Filósofos, psicanalistas, poetas, romancistas
nunca esconderam seu fascínio pelo universo onírico. Inspirados na temática dos sonhos
e no aforismo do crítico literário Antonio Candido (“A literatura é o sonho acordado das
civilizações”), os alunos da Móbile, da Educação Infantil ao Ensino Médio, produziram
trabalhos para a V Mostra Literária, orientados por seus professores de Língua Portuguesa.
Neste ano, em sua quinta edição, além das discussões sobre literatura nas aulas, os
alunos tiveram a possibilidade de assistir a espetáculos teatrais e a filmes baseados em obras
literárias, conhecer e adquirir novos e velhos títulos na feira de livros montada especialmente
para a Semana Literária, além de conhecer os trabalhos dos colegas de outros anos. A Mostra
constitui uma oportunidade para que os professores da área de Língua Portuguesa tragam a
público parte do trabalho realizado por eles com os alunos no dia a dia da sala de aula.
“Respirar” literatura e “organizar o caos” por meio das palavras são necessidades
humanas. Além da fruição de bons textos de autores consagrados, a Mostra Literária permite
aos alunos o exercício da capacidade criativa e da sensibilidade, porque convida para o “risco”
da criação. Nos dizeres de Antonio Candido:
“Não há povo e não há homem que possam viver sem ela [a literatura], isto é, sem a
possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos
sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns
momentos de entrega ao universo fabuloso.”
Parte integrante da Mostra Literária é o concurso de textos, promovido pela equipe de
professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Em sua nova edição, o Concurso
Literário da Móbile premiou dezoito alunos entre os 194 que inscreveram seus textos nas
categorias poesia e prosa (ficção e não ficção).
Os ganhadores tiveram seus textos lidos numa encenação teatral, baseada em Alice no
país das maravilhas, no poema “O corvo”, de Edgar Allan Poe, A metamorfose, de Franz Kafka,
entre outras obras, especialmente preparada pelos alunos do 3º ano do Ensino Médio.
Para conhecer um pouco sobre os trabalhos expostos na V Mostra Literária, leia os textos
de apresentação dos projetos elaborados pelos professores da Móbile. Os trabalhos propostos
respeitam o estágio de desenvolvimento cognitivo dos alunos, transcritos a seguir.
MóBILE REALIzA EM 2010 V MOSTRA LITERáRIA E IX CONCURSO LITERáRIO
Literatura: sonhar acordado...
O sonho: de Alice, de Pedro, de Isabela, de Laura, de Eduardo...
“Certa noite, a menina sonhou.
Assim que acordou, desenhou seu sonho.
Aquele era um desenho diferente. Por isso, foi guardado
em um lugar especial, como se guarda um tesouro.”
(MORICONI, Renato. O sonho que brotou.
Difusão Cultural do Livro, 2010.)
O livro Alice no país das
maravilhas, de Lewis Carroll, é
extremamente intrigante e capaz
de mexer com a imaginação de
seus leitores. Os elementos típicos
dos contos de fada – animais que
falam, reis e rainhas, mudanças
de tamanho em um passe de
mágica, personagens enigmáticos
que aparecem e desaparecem
de uma hora para outra –, além
do fato de a história se passar
dentro de um sonho, tornam tudo
muito instigante e curioso para
as crianças.
Essa história narra o sonho
de uma garotinha. Todas as suas
aventuras, dúvidas e descobertas
acontecem de forma bastante
natural, pois no universo dos
sonhos tudo é possível.
Fantasia, sonhos,
a diferenciação entre o real
e o imaginário são temas presentes
na infância, assim como
o encantamento pelas histórias
e suas personagens. Pensando
nisso, escolhemos as aventuras
dessa menininha que persegue
um coelho branco e embarca
num mundo fantástico como eixo
de nosso trabalho.
Nas aulas de Filosofia, cada
turma do Infantil 5 foi instigada
a refletir sobre questões como:
O que é sonho? Todo mundo
sonha? É possível você saber
o que vai sonhar antes de sonhar?
O sonho pode ser real? Essas
discussões possibilitaram a cada
criança pensar sobre seus sonhos,
compará-los com os dos colegas
e refletir sobre o que é possível
ou não na realidade e na fantasia.
Mas a história de Alice
e seu sonho não desapareceram
da rotina dos alunos! O enredo
continuou presente por meio
de várias releituras do conto,
da sessão do filme original, a que
todos assistiram com interesse
e encantamento, das conversas
sobre as personagens e principais
acontecimentos da narrativa.
O grande desafio da personagem
principal, Alice, é desvendar
as regras do jogo para que
encontre o caminho de volta
ao mundo real. A brincadeira
entre sonho e realidade serviu
de inspiração para cada sala
elaborar um jogo baseado na
história, no qual a leitura,
a escrita, o desenho e a pintura
se fizeram presentes.
Mª Cecília M. Suguiyama, Andréa G. de
Oliveira Assumpção, Paloma Dantas de
Araújo Santos, Mônica Ferreira A. Conte,
Fernanda Campanhã Rodolfo e Ana Christina
Calderelli Nebó são professoras do Infantil 5.
3332
A cada sonho, um novo conto!
Alice lia um livro, com sua irmã, à margem de um rio. De repente,
surge a figura do coelho, curiosamente vestido e portando um relógio de
bolso. O coelho some em um buraco e, ao segui-lo, Alice, em queda livre,
entra em um mundo desconhecido.
Ela embarca nessa aventura, tornando a viagem pelo País das
Maravilhas um sonho. Uma vez que se trata do enredo de um sonho,
universo em que as coisas mais incomuns são aceitas como naturais,
tudo pode acontecer...
O ato de sonhar é inerente ao ser humano, mas, apesar disso, não é
tão simples de ser entendido ou explicado, principalmente quando se é
criança.
Para entender um pouco mais o que o sonho significa, iniciamos uma
série de discussões sobre o tema. A partir das falas de nossos alunos,
trouxemos várias histórias em que o sonho aparecia com seus diferentes
significados: sonhos relacionados ao sono (bons e ruins) e aos desejos.
Optamos pela leitura da obra de Lewis Carroll, Alice no país das
maravilhas, pelas características principais dessa obra e por haver nela
uma personagem muito próxima aos alunos – uma garotinha que se
envolve em uma aventura repleta de magia e seres fantásticos.
Essa personagem inspirou cada aluno do 1º ano do Ensino
Fundamental na elaboração de sua primeira narrativa. A criação de um
conto é o projeto final da série, pois, com domínio maior da escrita, cada
um tem a possibilidade de embarcar no mundo da fantasia, registrando,
de próprio punho, suas ideias. Assim como a ousada personagem da
história, todos mergulharam em um mundo onde tudo é possível: o da
imaginação.
Como escrever um texto não é tarefa fácil, muitas etapas foram
primordiais para favorecer o processo de criação individual: pensar em
características físicas e psicológicas de cada uma das personagens, criar
um cenário para a história, pensar em possíveis conflitos ou situações
assustadoras e, principalmente, em formas de vencer todos os perigos...
Depois de algumas leituras e correções, cada conto tomou forma e se
tornou único, como um sonho. Abram os olhos e deixem-se levar...
Analu G. Del Suringar, Wanessa Kelli e Silva, Viviane Domeneguetti da Silva, Maria Luiza
Britto de Toledo, Gabriela Bernardes Makishi e Lívia Moreira de Oliveira são professoras do
1º ano do Ensino Fundamental.
3534
É possível sonhar de
olhos abertos? Todos
nós sonhamos ou
existem pessoas que
não sonham nunca?
O que é um sonho de
verdade? Quando um
sonho se realiza, deixa
de ser sonho?
Essas são algumas
das questões sobre
as quais os alunos
do 2º ano do Ensino
Fundamental se
debruçaram ao longo
deste trabalho.
Instigados pela
leitura dos livros O
príncipe sem sonhos,
de Márcio Vassallo, e
O menino que espiava
pra dentro, de Ana
Maria Machado, todos
puseram-se a pensar
sobre as inúmeras
formas pelas quais as
pessoas compreendem
o sonhar.
Cada etapa do
trabalho esteve
entremeada por
reflexões, debates e
propostas de produção
escrita.
O convite a falar de
si fluiu naturalmente:
O que é sonho?
Quem eu sonho ser?
Quando espio pra
dentro, imagino que...
O resultado
desse percurso são
textos curtos em
que experiência,
pensamento e
sensibilidade se
entrelaçam para
traduzir, ao mesmo
tempo, a leveza e
a profundidade que
cercam os sonhos na
infância.
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sino
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dam
enta
l.
Sonhar, imaginar, querer Poesia com Gentileza
Entre as décadas de 1970 e 1990, o Profeta Gentileza perambulava
com seus estandartes, barba longa e túnica, pelas cidades do Brasil,
espalhando suas mensagens de “AMORRR”, como um verdadeiro
cavaleiro andante contemporâneo. Mas foi no Rio de Janeiro,
precisamente nos pilares do viaduto do Caju, que José Datrino registrou
suas ideias sobre a beleza, a liberdade, o amor, a religião, a natureza
e, claro, a gentileza, que, para ele, era “o remédio de todos os males”.
Assim, o “UNIVVVERSO GENTILEZA”, como um autêntico livro urbano,
ficou imortalizado em 56 murais ao longo do viaduto.
Hoje, seus poemas viraram lemas, seus murais ficaram famosos,
inspiraram músicas, teses e tornaram-se poemas-sonhos realizados pelos
alunos dos 6os anos.
“Gentileza gera gentileza.” Esse foi o mote para o trabalho. Primeiro,
os alunos precisaram entender a dimensão da frase do profeta: do
espírito de cordialidade e de gentileza dependerá o futuro da Terra
e da humanidade. A tarefa da nova geração será construir um novo
paradigma civilizacional, outro tipo de ciência que cuide da subjetividade,
da compreensão do sentido da vida e da benevolência nas relações
humanas. Aprender alguns recursos poéticos e a estética muito
particular do Profeta Gentileza foi o segundo passo.
Para quem precisa mudar o mundo, nada melhor do que começar
criando poemas-sonhos. Os alunos escreveram suas palavras poéticas
com a energia de quem busca a transformação necessária do nosso
modo de habitar o mundo, mais sensível e gentil, e devolveram a mim,
professora, uma utopia positiva diante da vida.
Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano.
3736
- -
- -como -
- - - -
-
- - - -
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- -
- - - - - - on
de - - - - - -
- - - - - -
- - - - - - -qu
an
do
- -
-
- - - - - - - -
- - - - - -
- - - -
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- - - - - - - -
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- -
- -
- p
orque
Os caminhos que nos levam aos sonhos
Sonhos. Esse seria, então, o tema da Mostra
Literária de 2010. Ele nos despertou uma
questão importante: até onde os alunos de 3º ano
conseguiriam caminhar dentro desse tema? Será
que poderíamos trabalhar exigindo uma maior
abstração, trabalhar com o sensível, ou será que
teríamos de permanecer mais presos a ideias
concretas e palpáveis?
O tema é, sem dúvida, de grande sensibilidade.
Traçamos o projeto.
Iniciamos o trabalho com a leitura do livro
Sonhos de Aurélia, de Eduardo Marquez. Texto
denso. Aventura cheia de seres mágicos e
reviravoltas fantásticas. Discutimos, desvendamos
o vocabulário juntos e interpretamos as partes
mais simbólicas. Coletivamente, registramos o
enredo selecionando os principais acontecimentos
da história.
Aos poucos, Aurélia, a personagem principal,
revelou sua incrível trajetória em busca de
seu grande sonho (que não poderia ser mais
significativo): a menina sonhava em conseguir se
lembrar de seus próprios sonhos.
Partimos para a leitura do livro A menina e o
vestido de sonhos, de Alexandre Rampazo. Sensível
e simbólico. As imagens encantadoras permitiram
que as crianças mergulhassem na história e
traçassem relações com suas próprias vidas.
“Eu fui a um médico que vivia assim, com a
gaiola presa na cabeça. Acho que ele não sonhava
mais, igual às pessoas da cidade da menina... Ele
me examinou, mas nem olhou na minha cara.
Fazia tudo assim, de maneira mecânica” – afirmou
uma das crianças.
Ótimo! Os alunos já estavam sensibilizados pelo
tema e mostravam a abstração que desejávamos.
Após essa leitura, assistiram ao filme UP – altas
aventuras. Mesmo os que já conheciam a história
tiveram a possibilidade de revê-la sob um novo
olhar. Carl Fredericksen, o velhinho rabugento,
e Russel, o menino solitário, ampliaram a
possibilidade de as crianças viverem uma sensível
aventura. Mais uma vez nosso foco seria não o
sonho em si, mas o caminho transformador que
levaria até ele.
Por fim, todos estavam prontos para pensar
sobre seus próprios sonhos e caminhos a
percorrer. Para tornar mais fácil a exposição
desses sonhos, as crianças puderam contar com
as inúmeras possibilidades trazidas por uma
personagem criada por elas. Tornou-se mais fácil
falar de sonhos e da busca, podendo contar com a
imaginação.
Quais serão os sonhos que habitam crianças tão
pequenas?
Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira, Cristine
Bünecker Poyares, Lara P. Oliva e Marina Callil Voos são
professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.
3938
Uma viagem por dentro e por fora
Desde primórdios, o ser humano
se interessa pela vastidão do
Universo e pelos mistérios da
Criação, tendo a curiosidade, a
vontade de compreender o que está
ao seu redor e o sonho, desejo de
realização, como suas principais
molas propulsoras.
Esse maravilhamento perpassou
os ritos ancestrais até as mais
elaboradas equações matemáticas
para tentar explicar as nossas
origens e a do Universo.
Coube à imaginação humana
delinear os caminhos para
confrontar o desconhecido,
expressando-se de maneira repleta
de simbolismos e metáforas.
Para tanto, logo percebeu que
sempre precisaria rever o seu
ponto de vista acerca do assunto,
já que todos os conhecimentos
estão em constante evolução
e a natureza nunca deixa de
surpreender a todos.
Tal fascínio tem perambulado
pelas mais diversas expressões
humanas. Na literatura,
concretiza-se no gênero ficção
científica, o qual tem por base
apresentar narrativas envolvidas
nos conceitos científicos.
Neste ano, os alunos do
4° ano tiveram contato com esse
tema. Sondaram várias leituras
envolvendo ficção espacial, tanto
literárias quanto informativas,
desvendaram o Sistema Solar
e o Universo também a partir
de outros gêneros (palestra e
filme), imaginaram e criaram um
ET e seu planeta e compuseram
várias produções, explorando
algumas situações desse ET
com o seu criador – cada aluno,
especificamente.
Nesse processo, puderam sonhar,
brincar com a imaginação e ir
além das fronteiras. Estabeleceram
novos mundos, internos
e externos. Viajaram para dentro
e para fora.
Por fim, o mais importante
foi o encontro, a oportunidade
de deslizar por novas
possibilidades de mundos e seres.
Sonho ou realidade? Isso, no final,
não importou tanto.
Estão prontos para uma missão
espacial? Convidamos vocês
a compartilhar o universo criado
e vivido pelos nossos pequenos
cientistas-astronautas por meio
de suas histórias.
Luciana Tomiatto de Oliveira, Denérida
Brás Martins Tsutsui e Bárbara Elisa Alves
Martins são professoras de Português do
4º ano do Ensino Fundamental.
4140
Sabia-se exatamente
o significado
da experiência:
ela sempre fora
comunicada aos jovens
com a autoridade
da velhice, em
provérbios, em
histórias; muitas
vezes como narrativas
de países longínquos,
diante da lareira...
Que foi feito de tudo
isso? Quem encontra
ainda pessoas que
saibam contar
histórias como elas
devem ser contadas?
Que moribundos dizem
hoje palavras tão
duráveis que possam
ser transmitidas de
geração em geração?
(...) Metade da arte
narrativa está em
evitar explicações.
O ouvinte é livre
para interpretar a
história como quiser,
e com isso o episódio
narrado atinge uma
amplitude que não
existe na informação.
(Walter Benjamin)
Como nos tempos
decorridos, a arte
de contar e ouvir
histórias continua
exercendo um papel
importante na nossa
cultura, uma vez que
possibilita resgatar
a memória daqueles
que, emprestando o
seu olhar sobre o
passado, despertam a
imaginação criadora
de meninos e meninas.
Deleitando-se com
os diferentes relatos
de migrantes que
deixaram sua terra
natal e vieram
para São Paulo,
imbuídos de sonhos
e expectativas de um
futuro promissor,
os alunos do 5º ano
reviveram as histórias
de seus familiares.
O processo dessa
descoberta teve início
com entrevistas com
parentes – avôs, avós,
pais, mães, tias, tios
– que compartilharam
suas lembranças,
fotografias e objetos,
revelando experiências
inesquecíveis e
transformadoras que
trouxeram consigo.
Os sonhos mobilizam as ações
Durante as aulas,
a expectativa dos
alunos em conhecer
mais a fundo o seu
passado fomentou as
discussões nos últimos
meses. Eles refletiram
sobre os desejos
que motivaram seus
familiares a buscar
um novo destino,
as dificuldades
enfrentadas longe da
família, a adaptação
às diferenças culturais
e o sentimento de
pertencimento à
cidade de São Paulo.
Revelar uma
possível visão de
mundo e dar forma
aos sentimentos
são algumas das
funções da literatura.
Nesse sentido, o
livro Transplante de
menina, de Tatiana
Belinky, não só
ampliou o repertório
cultural dos alunos,
mas também trouxe
mais clareza às
suas histórias. As
experiências narradas
pela autora, desde sua
infância na Rússia e
na Letônia até a vinda
para o Brasil, com
10 anos, descrevem
poeticamente como
se constrói um
cidadão brasileiro,
exemplificando o
que ocorreu com os
migrantes aqui.
Essa leitura originou
a produção de uma
narrativa em primeira
pessoa, em que os
alunos escreveram
suas histórias como
se fossem os próprios
antepassados,
contando ao leitor
as dificuldades
enfrentadas durante o
movimento migratório,
a adaptação ao
novo ambiente e as
conquistas obtidas.
Apropriar-se das
vivências familiares
possibilitou que os
alunos se tornassem
os próprios atores
dessas histórias e
se reconhecessem
como o fruto do
sonho daqueles que
venceram obstáculos,
alcançaram
seus objetivos e
constituíram uma
grande família.
Ana Lúcia R. Almeida, Márcia
Ruiz e Luciana Tomiatto são
professoras de Português do
5º ano.
4342
Por entre os sonhos de Van Gogh
Desejos, loucura, imaginação. Esse foi o caminho percorrido pelos
alunos do 7º ano em busca de novas perspectivas sobre a vida e a obra
de Van Gogh. Por meio da análise dos quadros do pintor, os alunos
puderam conhecer sua genialidade artística. Já a partir da leitura de sua
“biografia romanceada”, Sonhos em amarelo, de Luiz Antônio Aguiar,
entraram em contato com a história do homem Vincent e com uma vida
repleta de desejos não realizados, angústias e solidão. As discussões
sobre a vida do artista trouxeram importantes reflexões acerca de sua
tão conhecida loucura e do modo como esta surge representada em suas
pinturas e/ou desejos pincelados sobre a tela.
Inspirados pela experiência cinematográfica de Akira Kurosawa, os
alunos foram instigados a invadir as telas de Van Gogh, procurando
dentro delas (e em sua própria imaginação) representações “escondidas”
sob as pinturas e criando, assim, novas perspectivas sobre a obra do
pintor. Essa viagem onírica que invadiu a obra do artista foi, mais
tarde, transformada em palavras, relatos difusos de uma experiência
imaginada.
Foi assim, a partir de uma figura tão emblemática, que os alunos
do 7º ano entraram em contato com o mundo dos sonhos, não apenas
aqueles que surgem enquanto dormimos, mas, principalmente, aqueles
que sonhamos acordados.
Juliana Yoko é professora de Português do 7º ano.
45
O cavaleiro da triste figura ontem e hoje
Em 1605, Miguel de Cervantes publicava a primeira parte de
O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha. A preciosa obra
mostra as aventuras de um herói que aspirava tornar-se um renomado
Cavaleiro Andante.
Quixote realiza seu desejo, ao mesmo tempo que os leitores do 8º ano
— compadecidos e sensibilizados com a coragem e a resistência à dor
do nosso cavaleiro da triste figura — indagam: “A que preço?”
Durante a leitura desse clássico da literatura mundial, os alunos
discutiram a presença de aspectos trágicos e cômicos, ao lado
de personagens que conversam sobre sua própria história.
Diversão e reflexão permearam a escolha de uma cena da obra,
que registrada como linguagem não verbal, juntamente com um
recorte da atualidade, representaria o SONHO de Quixote e do homem
contemporâneo — seria o mesmo? Os textos verbais que acompanham
cada conjunto de imagens contextualizam os fragmentos do livro
selecionados pelos alunos.
Harold Bloom, crítico literário norte-americano do século XX, elevou
Cervantes a um dos dois maiores escritores de sua época até hoje.
E quanto ao sonho de Quixote? É legítimo nos dias atuais?
Adriana Ramacciotti é professora de Português do 8º ano.
Dom Quixote de La Mancha
47
Pesadelo acordado
Você abre o livro e lê o primeiro
parágrafo. Nele, fica sabendo
que o protagonista se transformou
em um inseto monstruoso após
acordar de um sono agitado.
O que você espera da sequência
da história?
Se você gosta de histórias
de aventura e espera que ele seja
um novo tipo de super-herói, com
a capacidade de transformar-se
em inseto para lutar contra as
injustiças, você errou...
Se você gosta de histórias
românticas e espera que ele se
apaixone por uma linda donzela,
que no começo o achará horrível,
mas aprenderá a enxergar sua
beleza interior, e eles serão felizes
para sempre, apesar
das diferenças de aparência, você
também errou...
Se você gosta de histórias de terror e espera que ele vá aterrorizar a
cidade, entrando nas casas e raptando pessoas para levar a uma toca
escura, você errou mais uma vez...
Nenhuma explicação. Nada. Após o primeiro parágrafo, a narrativa
continua com um realismo inesperado e absolutamente angustiante para
quem aguarda uma resposta plausível.
Nenhuma possibilidade de resolução que o leitor levante irá se
concretizar, porque a metamorfose em questão não é um pesadelo do
qual se possa acordar, é uma condição permanente. Nos dizeres de
Modesto Carone, principal estudioso brasileiro da obra de Kafka, resta-
nos, então, o incômodo de deparar com uma narração transparente
sobre como a família do inseto Gregor Samsa lidará com a questão, mas
que é ao mesmo tempo uma narração cujo início permanece opaco.
O “pesadelo acordado” de Gregor Samsa foi, assim, o ponto
responsável por inquietar os alunos do 9º ano. A fim de melhor
compreender a inverossimilhança da história, discutiu-se, a partir
de elementos do texto, a vida familiar e a vida social do protagonista
antes de sua metamorfose e durante ela, e constatou-se: simbolicamente,
ele já era um inseto, um ser insignificante, apenas mais uma peça na
engrenagem repetitiva de um cotidiano massacrante e de uma relação
familiar pautada pelo oportunismo e pelas conveniências, e não pelo
afeto verdadeiro.
O processo resultou em trabalhos que buscam captar poética
e visualmente a incômoda trajetória do protagonista Samsa, dando-
lhe, talvez pela primeira e única vez, voz para mostrar-se e gritar
silenciosamente para você, que verá os trabalhos: “Aprenda comigo
e tome cuidado para que a sua vida não se torne um pesadelo do qual
seja impossível acordar...”
Rogério Viana Gusmão é professor de Língua Portuguesa do 9º ano.
4948
Ao acordar naquela manhã
de sonhos perturbadores,
Gregor Samsa viu-se
transformado...
Em um inseto! Mas o fato
aterrador, vivenciado pela
personagem, não assombra
ninguém. Esse é o paradoxo
crucial que persegue as reflexões
do leitor de A Metamorfose, obra
de Franz Kafka e adaptada, em
HQ, por Peter Kuper.
A angústia da personagem
kafkiana também foi
experimentada pelos alunos do
1º ano do Ensino Médio, nos
fragmentos revisitados da obra
integral e na adaptação em HQ.
Reconheceram, na releitura
de Franz Kuper, as mesmas
questões existenciais presentes
na narrativa original: Quais as
escolhas certas? Qual o objetivo
de vida? Como lidar com
a solidão?
Kafka nunca permitiu a
seus personagens voltar à
normalidade depois de sonhos
perturbadores, segundo o artista
gráfico; arriscamos dizer também que nenhum leitor é o mesmo após
a leitura de A Metamorfose. A impotência de Gregor Samsa, diante
de ações tão rotineiras, alude às fraquezas humanas perante as pressões
sociais; denuncia uma sociedade que restringe o valor do ser humano às
aparências.
Nesse processo de reflexão e de interiorização dos temas da obra,
os alunos se metamorfosearam. Primeiramente, como leitores: tomando
consciência do eu, do outro e do mundo. E, a partir dessa apreensão,
transformaram-se em escritores, traduzindo em minicontos – textos
curtos e densos – as questões suscitadas pela leitura.
Com suas produções, esses jovens escritores hoje realizam uma
das funções primeiras da literatura: despertar no leitor sua dimensão
humana, tornando-o mais compreensivo com a sociedade e com seu
semelhante.
Mara Scorsafava é professora de Língua e Produção de Texto do 1º ano do Ensino Médio.
51
hora de acordar!!!
Sala onírica
“Onde quer que um homem sonhe, profetize ou
poetize, outro se ergue para interpretar.”
(Paul Ricoeur, Da Interpretação)
As angústias, os desejos, os devaneios,
os escapismos, os amores possíveis e impossíveis,
a utopia, o pesadelo e o sonho sempre foram
matéria-prima para a literatura. Desde a Grécia
antiga, os sonhos personificados em oráculos
e os pesadelos, em destinos, deram asas à
imaginação de escritores.
Cecília Meireles, poeta modernista, em seu
poema “Reinvenção”, preconiza: “A vida só
é possível reinventada.” Ao longo de todo seu
percurso na Terra, o homem tentou traduzir
em palavras os seus assombros. Por meio de
diversos recursos linguísticos, como metáforas,
personificações, hipérboles, antíteses, sinestesias,
entre outros, a literatura buscou a tradução mais
próxima dos sentidos provocados pelo universo
onírico, a fim de oferecer ao leitor experiências
nunca antes vividas.
Dante, em A Divina Comédia, alerta-nos à porta
do inferno: “Deixais toda esperança, ó vos que
entrais.” A esperança, uma espécie de sonho
acordado, é posta em xeque pelo bardo italiano.
Camões, por sua vez, em Os Lusíadas, desafia
a desesperança e o medo com “Por mares nunca
dantes navegados”. Os escritores ingleses William
Blake e Lewis Carroll submergiram um mundo
de sonhos e de fantasia em Terras do sonho
e Alice no país das maravilhas e trouxeram
à tona a alma humana desnuda. O romântico
Álvares de Azevedo e o simbolista Cruz e Souza
desfilaram imagens nebulosas e escuras
e retrataram como poucos o universo tênue
entre o real e o imaginário que circunda
a atmosfera do sonho.
Instigados pelo mote da Mostra Literária
deste ano – “A literatura é o sonho acordado
da civilização” – e por textos ficcionais, os
alunos do 2º ano do Ensino Médio reproduziram
uma “sala onírica” em que as sensações
múltiplas, desconexas e alinhadas do sonho são
representadas por meio de sugestões auditivas,
táteis e olfativas. E o visitante, de olhos vendados,
é convidado a mergulhar nesse universo de
sugestões que é a literatura para enxergar o que
está sentindo, como nos versos de Chico Buarque
e Edu Lobo: “Saiba que os poetas, como os cegos,
sabem ver na escuridão.”
João
Jon
as V
eiga
Sob
ral é
pro
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no d
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sino
Méd
io.
5352
Os vencedores do IX Concurso Literário de 2010Nossos “escritores”, selecionados por quatro profissionais que não fazem parte do quadro de
professores da Móbile, têm agora suas produções publicadas nesta 9ª edição da Revista da Móbile.
Boa leitura.
Brincadeira de criança
Hoje fui brincar de roda
Na calçada pular corda
E também de amarelinha
Eu, a Paula e a Julinha
Lá no muro, contei até dez
Todo mundo se escondeu
Corre aqui, corre pra lá
E o João Pedro se perdeu
Todas essas brincadeiras
Que as crianças sempre gostam
Com carinho e alegria
Seus sorrisos sempre mostram
Rafael Montressor Coelho
(categoria poesia – 6º ano)
55
O Assassinato de Mrs. Dobbon
Eu estava sentado sobre a
confortável poltrona reclinável
de meu modesto escritório na Rua
Bolton, número 9, Londres, quando
um estranho sujeito bateu à porta e,
sem esperar por resposta, irrompeu
na sala. Ofegante, ele balbuciou as
quatro palavras que me fizeram
perceber que teria muito a fazer
nas minhas próximas semanas:
– Minha esposa foi assassinada!
Pedi calma ao homem que, após
conter-se, explicou que se chamava
Arthur Dobbon e que sua esposa,
Anny, havia sido assassinada ao ir
fazer seu passeio diário no parque.
Além disso, o homem falou que
precisava de minha ajuda, já que
eu era o melhor detetive de toda a
Grã-Bretanha. Obviamente, aceitei o
trabalho, solicitando detalhes sobre
o crime recém-praticado.
O Sr. Dobbon disse que na noite
passada ele havia feito uma viagem
a Paris, para tratar de negócios. Ao
chegar em sua casa por volta das
sete horas da manhã, constatou que
sua esposa não estava lá, achando
assim que ela havia ido fazer sua
caminhada. Pensando em se juntar à
mulher, Arthur se dirigiu ao parque,
onde a encontrou estirada no chão,
com os lindos olhos azuis abertos, a
camiseta que antes combinava com
a cor destes agora tingida de um
vermelho profundo. Ao terminar o
relato, o triste homem com os olhos
recobertos de lágrimas mal podia
enxergar.
Após algum tempo pensando,
decidi ver o cadáver pessoalmente;
entretanto, queria poupar meu
cliente de mais sofrimento. Assim
pensando, liberei Arthur e me dirigi
ao parque onde supostamente o
crime ocorrera. Chegando lá, não
tive dificuldades para encontrar
o corpo da recém-falecida. Retirei
uma amostra da roupa com sangue
e levei-a para meu escritório, para
poder estudá-la. Depois de um tempo
observando a prova, descobri um
fiapo de outro tecido, provavelmente
usado na confecção de um saco (já
que era bastante resistente). Com
esse indício concluí que a moça não
havia sido assassinada no lugar
onde fora encontrada, mas em
outro lugar e levada até o parque.
Eu já fazia ideia do lugar; porém,
faltavam provas.
Com base em minhas hipóteses,
pedi a meu cliente para fazer uma
visita à sua casa e assim ocorreu.
No dia seguinte à minha primeira
descoberta, fui até a habitação de
Dobbon e fiz uma busca minuciosa
por todos os cômodos, me detendo no
quarto do viúvo. Nessa dependência
da morada de Arthur observei, com
o auxílio de minha lupa, todo o chão
à procura de outro fiapo semelhante
ao que eu encontrara na camiseta
de Anny. Nessa busca, eu não obtive
sucesso. Entretanto, logo após
procurar qualquer vestígio que me
servisse de prova no armário e nas
gavetas, iniciei uma busca na cama
do casal. Ao retirar as cobertas do
leito pude observar no canto do
colchão uma pequena mancha de
coloração vermelha levemente mais
forte do que a utilizada na estampa
do colchão, parcialmente encoberta
pelo travesseiro. Aquele vermelho,
mesmo levemente desbotado, era
reconhecível: só podia ser sangue.
Agora não havia dúvida: o crime
havia sido cometido na casa e o
cadáver, levado para o parque, pois
assim haveria um maior número
de suspeitos, levando em conta
que qualquer um que estivesse no
parque poderia tê-la matado.
Ao sair da casa, a noite já
caíra e, ao observar atentamente
a rua, percebi um vigia noturno.
Sem hesitar, me dirigi a ele
perguntando:
– Por um acaso alguém passou
aqui com um grande saco nas costas
nas últimas noites?
– Sim – respondeu o vigia –, uma
mulher, mas, todo o dia ela passa
por aqui com um saco, e, além dela,
não me recordo de ninguém. O nome
dela é Jan Dobbon.
Levei um susto com a palavra
“Dobbon” na fala do segurança e
voltei correndo à casa de Arthur
perguntar quem era essa pessoa.
Obtive a seguinte resposta:
5756
Pedro Carregã Sant’Anna
(categoria prosa – 6º ano)
Luiza Fernandes Gremaud
(categoria poesia – 7º ano)
– Jan é a ex-mulher de meu irmão.
Ela quis manter o sobrenome.
– Por que eles se separaram?
– perguntei, com o crime quase
desvendado.
– Bem... – Arthur hesitou um
pouco. – Eles se separaram porque
meu irmão achou que ela me amava
secretamente, porém eles ainda
moram juntos.
Restava apenas perguntar se o
irmão do Sr. Dobbon tinha a chave
da casa de Arthur. A essa pergunta,
tive uma resposta afirmativa.
O crime estava desvendado! Jan
havia matado Anny para ter uma
chance de ficar com o ex-cunhado.
Ela havia pego a chave da casa
de Arthur, entrado nela durante a
noite e cometido o crime. Ela levava
o saco todos os dias para iludir o
policial, fazendo com que ele não
desconfiasse.
A criminosa foi presa no dia
seguinte e mais um crime desvendado
foi colocado em meu currículo, o que
fez com que mais pessoas viessem
ao meu modesto escritório da Rua
Bolton, número 9, Londres.
O so
nho
ou p
esad
elo? Estava andando em uma escada
Não sabia se era dia
Não sabia se era noite
Não havia mais nada, só havia a escada
De carpete vermelho e de madeira entalhada.
Subia, subia
Descia, descia
Passos rangiam
Vozes surgiam
Rostos riam
A coisa mais horripilante
O medo a todo instante
Não sentia mais o chão
E no meio da escuridão
Um passo fora
Uma vida vai embora
De repente na imensidão
Estou ali em meu colchão
58
Para sempre, sempre e sempre
Era mais uma noite exaustiva de agosto. O vento uivava, abafando
o barulho da TV. A pequena Carlinha estava deitada em sua cama,
abraçando seu ursinho chamado Panqueca. Ao seu lado, encontrava-se uma
reprodução do quadro “Les Parapluies” que havia ganhado de aniversário.
Ela o encarava intensamente, explorando cada centímetro da tela, cheia
de mulheres maravilhosas em um lugar chuvoso, empunhando grandes
guarda-chuvas pretos.
De repente, a luz do quarto se apagou. Carlinha via apenas um vulto,
dançando pelo lugar. Em instantes, a luz se acendeu, revelando uma
garotinha pálida, com olheiras e olhos grandes e intensos, fixos em Carla.
– Venha brincar comigo! Para sempre, sempre e sempre. – A garotinha
sibilou, tenebrosamente.
Carlinha piscou, assustada. E, em segundos, a menina sumiu. A garota
suspirou aliviada, virando-se para o lado, tentando dormir. Devia ter sido
apenas uma alucinação, criada pelo sono.
Mal conseguiu dormir, foi acordada pelo pedido insistente da menina.
Cansada, ela cedeu. A garotinha sorriu, colocando o bambolê em frente
ao quadro, indicando através de um gesto que Carlinha devia pular. Ela
obedeceu o pedido da criança. Instantaneamente, ela se viu em outro lugar,
cercada por lindas mulheres. Olhou ao redor, era o mesmo lugar que estava
retratado em seu quadro! Ela ficou impressionada, sentindo-se naqueles
filmes fantásticos a que adorava assistir.
– Sou Margherite! – a menina pálida disse. – Bem-vinda a Paris, nossa
casa!
Carlinha sorriu, virando-se de um lado para o outro. O local em que
estava parecia uma feira, com barracas cheias de frutas e flores. Muitas
pessoas seguravam guarda-chuvas. Logo, ela percebeu que as mulheres
também eram as mesmas do seu quadro.
– Bem legal aqui, não é? – uma moça murmurou. – Me chamo Chantal,
venho sempre à velha feira de Notre-Dame!
– É realmente fantástica! – Carlinha respondeu, educadamente.
Chantal era pálida, mas linda. Vestia um longo vestido preto e segurava
uma bela cesta marrom, ainda vazia. Seus lábios eram vermelhos e
carnudos, o que fazia seu sorriso ficar estonteante.
– Tem de tudo aqui! – disse, pegando uma flor e entregando-a para
Carlinha. – Tome, Margherite, leve à sua mãe.
– Mas... Eu não sou Margherite! – Carlinha respondeu, atordoada.
Chantal não ouviu nada, em poucos segundos ela já estava longe de
Carlinha, deixando a feira apressadamente, arrastando a cauda de seu
vestido.
– Filha, vem cá! – uma moça disse, andando em direção a Carla.
– Eu não sou sua filha! – Carlinha respondeu, cada vez mais confusa.
A mulher ruiva, de chapéu florido e baixa estatura em nada lembrava
a Senhora Silva, a alta e loira mãe de Carlinha.
– Venha, Margherite! A lua já vem, seu pai deve estar morrendo de
fome! – Ela repetiu.
Carlinha estremeceu. Virou-se e nada da francesinha. Ao longe, como
se fosse uma visão através de uma janela embaçada, estava seu quarto,
com as altas paredes brancas, os bichos de pelúcia dispostos em prateleiras
e a cama. A cama, com Margherite dormindo, abraçada ao pequeno urso
Panqueca.
Carlinha se sentiu tonta e mole. Estava presa no quadro. Sem seu pai
nem sua mãe, apenas com franceses que não conhecia. Lágrimas caíam
de seus olhos. Mas não eram lágrimas, eram rápidas pinceladas, assim
como seu pequeno corpo e o local em que viveria para sempre, sempre e
sempre.
Luisa Prado Betti Guarnieri (categoria prosa – 7º ano)
O despertador tem duas caras O preço da eternidade
O despertador é um ditador,
Controla nosso tempo com clamor.
O despertador, além de inimigo,
Também é nosso amigo.
Não deixamos de acordar,
Se está a despertar.
Aperto um botão para regular,
E saio de casa sem errar.
Como é possível?
Um insignificante botão
Regular e reduzir
Meu sono de montão!
O despertador, além de inimigo,
Também é nosso amigo.
E depois de arrancar a minha liberdade,
Me presenteia com a sociedade.
Com ele, para tudo tem tempo
E ainda sobra horário prum “passatempo”.
Cheguei a uma construção velha,
com paredes desbotadas pelo sol,
a porta da frente carcomida por
cupins. Aquela sensação de que não
devia estar ali apenas aumentou.
Apertei a bolsa contra meu corpo e
o volume que senti me acalmou.
Respirando fundo, entrei pela porta
rapidamente, antes que mudasse de
ideia.
Eu me vi numa sala de estar
completamente vazia, a não ser
por um sofá velho que algum dia já
fora de um lindo veludo, mas agora
estava gasto pelo tempo. Continuei
andando, forçando minhas pernas a
continuarem.
Não tinha certeza se deveria
estar ali, mas, por algum motivo
que ainda desconhecia, continuei.
Deparei-me com outra porta, um
pouco mais conservada que a
primeira, e entrei.
Um pequeno jardim apareceu
diante de mim. A terra dura
era seca, nenhuma flor à vista.
Era evidente que há muito tempo
ninguém cuidava deste lugar.
– Bom dia, Elizabeth! Que bom
que está aqui – exclamou UMA
VOZ vinda do canto do jardim.
Calafrios percorreram meu corpo
ao reconhecer A VOZ. Então era
pra isso que viera. Para ouvir mais
uma vez o doce som de SUA VOZ.
Como sentira saudade! Levantei
meus olhos e o vi. Não havia
mudado nada. Era como se os anos
não tivessem passado. Era ainda o
mesmo homem que me conquistara,
com aqueles cabelos louros e olhos
azuis penetrantes. O sobretudo dava-
lhe um ar misterioso, que apenas o
deixava mais interessante.
Tentando esconder minha saudade,
perguntei:
– Guilherme? Por que me fez
vir até aqui? Demorei muito para
encontrar este lugar!
– Ah, querida. O que esperava?
Não poderia me encontrar com você
perto da cidade. Você sabe como
seu marido é ciumento. E já que
realmente precisava falar com você,
aluguei este lugar. Acho que é bom
o bastante.
Ele tinha razão. Se Eduardo
soubesse de nosso encontro haveria
Rodrigo Lucas
(categoria poesia – 8º ano)
6362
problemas. Estava começando a
achar que isso não acabaria bem.
– Então diga logo. O que quer?
Por que me chamou aqui?
Ele afundou a mão no bolso mais
profundo de seu casaco, tirando de
lá um pequeno frasco, que continha
um líquido azulado. Segurou o objeto
com as duas mãos e olhou para
aquilo como se fosse algo precioso,
algo magnífico.
Recompondo-se, Guilherme começou
a explicar, lendo dúvida em meus
olhos.
– Lizzi, Lizzi. Lembra-se de nossa
juventude? Lembra-se de quando
costumávamos sentar sob as
estrelas e sonhar alto, mais alto do
que qualquer um já havia sonhado
antes? Lembra-se do que dizíamos?
Do que queríamos? Você desejava ser
linda e livre de rugas para sempre.
Queria não ter que se preocupar com
cabelos brancos e dor nas juntas.
E eu queria continuar correndo
minhas maratonas, continuar a
poder te levantar em meus braços
quando íamos para a cama.
Eu lembrava, é claro. A
vontade de recuperar um pouco
dessa lembrança foi o que me
trouxera ali. É claro que amava meu
marido. Mas não do jeito como amei
Guilherme. Um amor que superava
tudo e todos, que fazia com que tudo
parecesse possível. Queria isso de
volta.
– Infelizmente foram essas
conversas que nos separaram –
ele parecia estar cuspindo essas
palavras, com verdadeira raiva de
cada uma delas.
– Tudo que eu sempre fiz foi
tentar atender aos seus desejos, aos
seus caprichos. Mas é claro que você
achou que eu estava exagerando.
Ah. Sim. A fala de meu ex-marido
me trouxe de volta à realidade. Toda
a perfeição do noivado e do início
de nossas vidas de casado acabou-se
quando ele começou a frequentar a
biblioteca todos os dias, lendo livros
sobre a vida eterna, sobre poções
que tornavam possível ser jovem
para sempre. Depois disso, começou
a construir um pequeno laboratório
na casa e…
Foi nesse momento que entendi
o que era aquele frasco. Entendi
por que Guilherme o segurava com
tanta admiração. Ele conseguira. Ele
obtivera sucesso, depois de todos
esses anos.
– Não. Isso não. Não de novo.
– uma agonia que não consegui
controlar cortava minha voz,
transformando-a em um fiapo de
som, em um sussurro fraco.
Virei de costas e me preparei
para correr o mais rápido que
pudesse. Não consegui nem sair do
jardim. Rápido como um gato, ele
pulou na minha frente, bloqueando
a passagem. Segurou meus ombros,
imobilizando-me.
– Você não vai fugir. Eu consegui,
Elizabeth. Eu consegui! – agora ele
deliciava-se com suas palavras,
rindo, com os olhos esbugalhados
apontados para mim.
– Podemos viver juntos e jovens
para sempre! Nunca teremos que
nos preocupar com nada! Tudo será
perfeito.Você só precisa beber isto,
e tudo ficará bem – agora ele me
tratava como um bebê. Sorrindo
amigavelmente, mas ainda com os
olhos penetrados em meu rosto.
Engoli o pânico e endireitei as
costas. Tinha que pôr um fim nisso,
antes que fosse longe demais.
– Viver para sempre? Você
conseguiu o que eu sempre quis! Ah,
Guilherme, muito obrigada! – disse,
tentando parecer verdadeiramente
feliz. Ele sorriu e levou o frasco à
minha boca. Fingi estar em dúvida
por um momento e abaixei sua
mão.
– Mas quanto devo beber? Só um
golinho já me deixa imortal ou tenho
que tomar tudo?
– Apenas um gole é suficiente,
querida. Infelizmente este é o último
frasco.
Sorri com o canto dos lábios.
Enfiei a mão em minha bolsa e
rapidamente peguei meu aparelho
de choque. Agradeci em silêncio a
Roberto, que me obrigava a carregar
essa coisa por ai.
Diante da cara surpresa de
Guilherme, pressionei o aparelho
contra sua barriga. Uma onda
elétrica percorreu seu corpo, e ele
caiu no chão, se debatendo de dor.
Foi aí que desabei. Comecei
a chorar como uma menininha,
deixando toda a tristeza e o medo
sair. Corri para fora daquele lugar
maldito e peguei o primeiro táxi que
encontrei.
Antes de ir, olhei para trás.
Ainda estatelado no chão, ele
agora chorava, lágrimas gordas
e doloridas. Entrei no carro e
sussurrei um adeus ao vento.
Nina Trentini Borghi
(categoria prosa – 8º ano)
6564
Acorde
Nagô
Quero parar o tempo,
mudá-lo de lugar.
Como se pudesse escolher apenas os trechos mais bonitos do meu filme.
Como se pudesse saber qual será a próxima cena.
Levanta, levanta!
Ficar aí desejando não adianta.
Corre, anda.
Faça.
Nada nem ninguém te impede de tentar, procurar, se arriscar.
Meu nome é Nagô, como o grande deus guerreiro
dos meus ancestrais. Assim me disse minha mãe, e é só
isso que me lembro dela, essas poucas palavras. Minha
mãe se foi quando eu era muito criança, chorei por muitas
noites, sentindo uma dor funda que parecia não ter fim.
Hoje sou homem feito e minha dona, Sinhá Violeta,
me chama de “nego fedido”. Seu filho, Sinhozinho Armando,
me chama assim também e, algumas vezes, acrescenta
“maldito” ao meu nome. Desse jeito, aqui, na fazenda Nova
Esperança, sou nego, fedido, maldito, ou as duas coisas, e
meu nome verdadeiro, aquele que ouço nos sonhos, guardo,
pois é tudo que tenho nessa vida.
Sinhá Violeta me comprou para fazer “de um tudo”
na fazenda. Faço todo serviço da casa, varro, cozinho,
capino o mato que teima em crescer nos arredores. Sinhá
passa os dias comandando a fazenda, de cara fechada e
chicote em punho, e me faz segui-la por todo canto, como um
cão na coleira, para chutar quando tiver vontade. O único
lugar onde nunca entrei é um cômodo pequeno, no sótão,
que Sinhá mantém trancado a chave, e onde ninguém, nem
mesmo Sinhozinho, tem permissão de entrar. Já ouvi ela
dizer ao filho que aquele quarto ela visita pra lembrar do
seu amor perdido e que não quer dividir com ninguém.
O Sinhozinho já tentou de todo jeito convencer a mãe a
deixá-lo espiar o quarto, tentou até encontrar as chaves
remexendo nas coisas de Sinhá, mas ela as mantém bem
presas, na sua cintura.
Dizem que Sinhá Violeta perdeu o marido muito
cedo, Sinhozinho ainda era menino de colo. Nunca mais
se casou, vestiu-se de luto e azedou a cara para sempre.
Dizem também que é muito rica, mas se isso é verdade
Renata Sardenberg
(categoria poesia – 9º ano)
6766
não sei, porque a Sinhá vive como se não tivesse vintém.
A comida é escassa, e os poucos escravos passam fome,
e seu único filho vive em guerra com a mãe por conta de
dinheiro.
Sinhozinho Armando não trabalha, nem mesmo
toma conta dos assuntos da fazenda, gosta mesmo é de
farrear. Sai todas as noites e volta de manhãzinha cheirando
a bebida e perfume barato. A Sinhá se enfurece, grita com
o filho, ele grita de volta, e os dois terminam por bater
em mim, sem dó, para aliviar o que sentem. Sinhozinho
Armando só dirige a palavra à sua mãe para lhe pedir
dinheiro, sempre mais e mais, dinheiro que ela não dá,
e arruma um jeito de surrupiar, revirando as coisas de
Sinhá, levando uma joia quando não encontra em espécie.
Tudo que some, e some sempre, Sinhá me acusa, mesmo
sabendo que foi o Sinhozinho, e lá vem chicote.
Uma noite acordei com os gritos de Sinhozinho
ecoando pela casa. Levantei-me e fui, silencioso como pude,
espiar o que estava acontecendo. O Sinhozinho gritava com
a mãe, que parecia ter acabado de sair da cama, implorando
que ela lhe desse dinheiro, para pagar a dívida do jogo.
Disse que se não pagasse seria morto, rastejou, agarrou
a camisola da mãe, desesperado. Sua voz estava enrolada
pela bebida, os olhos vermelhos e injetados, fixos na mãe. A
Sinhá olhava para o filho com nojo, como se fosse um inseto
pegajoso, exatamente como ela costumava olhar para mim.
Olhava e dizia entre os dentes: “Não, não, não, prefiro vê-lo
morto a assistir você levar essa vida suja e degenerada, de
mim você não terá vintém.”
O rosto de Sinhozinho se contorceu e, de repente,
ele voou no pescoço de Sinhá, apertando os dedos com tanta
força que ela não conseguiu soltar sequer um gemido e em
segundos desabava no chão, morta. O Sinhozinho gritou,
em triunfo, dizendo: “Velha desgraçada, teve aquilo que
mereceu, agora é tudo meu.” Correu os dedos pela cintura
da Sinhá, encontrou a chave que ela mantinha sempre
amarrada lá, e arrancou-a. Foi então que ele me viu e seu
olhar de ódio tresloucado me fez gelar de pavor. “É você,
nego maldito, sempre metendo o nariz onde não deve, pois
agora você vai morrer junto com a sua dona, para continuar
a servi-la no inferno”, disse isso cuspindo e se atirou em
minha direção.
Eu corri para a cozinha e foi lá que ele me alcançou,
lançando as mãos em garra para o meu pescoço, como tinha
feito com a Sinhá. Ele apertou e eu não lutei, nunca tinha
lutado por nada na vida. Minha vista começou a escurecer,
e eu ia indo, entregue, quando ouvi a voz da minha mãe. A
voz que me disse tão poucas palavras, mas que eu nunca
me esqueci, disse: “Nagô, você é um guerreiro, escute os
tambores, lute.” E eu os escutei, soando alto, abri os olhos e
agarrei com as minhas mãos duras de calos o pescoço macio
de Sinhozinho. O pescoço partiu fácil, como das galinhas
que eu costumava matar pro almoço. Vi a chave no bolso
do Sinhozinho morto. Não quis pegar, não quis saber.
Sai caminhando na noite escura, sem ser visto, sem
olhar para trás. Corri para o mato, arranquei os trapos que
me prendiam à minha vida de escravo, fiquei nu, mergulhei
mais fundo na mata, até ficar cercado pelo silêncio das
árvores. Sou Nagô, guerreiro, caçador, livre.
Antonio F. S. Reis
(categoria prosa – 9º ano)
6968
O e-lixo e a saúde humana São Paulo
O e-lixo, resíduos tóxicos provenientes de materiais eletrônicos,
pode causar grandes problemas à saúde humana. O descarte incorreto
desses objetos pode contaminar lençóis freáticos e o solo, o que, de alguma
forma, pode afetar a vitalidade de homens, mulheres, crianças e idosos.
É indispensável a destinação correta desses materiais, o que não vem
acontecendo, já que os programas de reciclagem ainda são tímidos e
insuficientes.
Segundo um relatório do PNUMA (Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente), a quantidade de resíduos eletrônicos descartados
no mundo aumenta 40 milhões de toneladas por ano. A maior parte desses
materiais é depositada em aterros comuns, sem nenhum cuidado para que
não contaminem o solo. Isso ocorre porque as autoridades mundiais não
investem e não incentivam programas de reciclagem do lixo eletrônico, o
que causa o descarte desses materiais em locais incorretos.
Esse depósito incorreto do e-lixo pode causar sérios danos à saúde
dos seres humanos. Se esses resíduos forem jogados em aterros sanitários
e lixões, o solo e a água de rios e lagos podem ser contaminados, o que
acaba afetando os alimentos que ingerimos. A radioatividade de pilhas e
baterias, por exemplo, pode até causar mutações em nosso DNA, afetando
o crescimento de futuras gerações.
Portanto, é necessário que as autoridades competentes tomem
conhecimento desse gravíssimo problema, para que possam agir de forma
correta para eliminá-lo. Desse modo, poderemos viver melhor com menos
lixo nos aterros sanitários, com menos contaminação de lençóis freáticos e
em um planeta mais limpo e saudável.
É como se cada um tivesse o seu
E o tudo ocupasse o todo quase infinito dessa cidade
Na bagunça das ruas
Luzes de semáforo colidem com fumaça de ônibus
Poluição sonora, visual e atmosférica
Coexistindo em perfeita harmonia
Luzes, festas, pressa, carros, morte e sangue
Dão vida a essa cidade
Que seria tão cinza quanto seus prédios
Se não fosse a bagunça alegre de sua autodestruição
Que se reconstrói a cada dia
Gustavo Henrique S. Cezar
(categoria prosa/não ficção – 9º ano)
Fernanda Pontes Battaglia
(categoria poesia – 1º ano do Ensino Médio)
7170
Onde está o povo?
Tiririca tem mais de 1 milhão de intenções de voto para Deputado Federal
em São Paulo. Essa manchete me chocou. Ela mostrou o quanto a política
está conseguindo se tornar motivo de piada no Brasil. Poucas
pessoas efetivamente se preocupam com o processo eleitoral,
com nossos candidatos, o futuro do Brasil. As pessoas
preferem votar “em qualquer um” a fazer uma pesquisa
de verdade sobre os candidatos (o que para os cargos
legislativos acontece ainda mais). Tiririca ter tantas
intenções de voto só comprova isso. Mas não é só
ele. No último dia 2 de outubro o jornal Folha de
S. Paulo publicou no seu “Guia do eleitor” uma
lista completa de candidatos a Deputado Federal
e Estadual em São Paulo. Candidatos como
“João da Vigilância”, “Donizete da Farmácia”
e “Lambari” exemplificam a falta de seriedade
no processo político do país.
Até cargos importantes como o Senado
foram atingidos. Um político deveria ter anos
de experiência para poder se candidatar a
esse tipo de cargo. Contudo, não é isso o que
acontece. Netinho de Paula era cantor de um
grupo de pagode e apresentador até pouquíssimos
anos atrás. Hoje, de acordo com alguns órgãos de
pesquisa das intenções de voto, chegou a liderar a
corrida pelo Senado em São Paulo, estado que é o mais
populoso e rico do país. Mas... quais são suas propostas?
Como conseguiu subir na política tão rapidamente? Não é só o
Metrô
Eram dezoito horas de um
dia qualquer. O metrô era
a única coisa que em sua
mente representava algum
avanço na sociedade. Dentre
todas aquelas pessoas, era
o único que se mantinha
sereno no vagão. Estava
sem rumo.
Seus olhos negros
miravam o vazio até se
encontrarem com outros,
também escuros. E então
seus joelhos começaram a
falhar. Conhecia aqueles
olhos de outras viagens. Era
ela. Fazia algum tempo que
ele não a via, e lá estava
ela, parada, recostada na
parede do trem.
Não que ele a
conhecesse, nunca haviam
se falado, na verdade. Mas
qual é a importância das
palavras quando sua alma
já foi misturada a outra?
Bastou um primeiro olhar
e tudo já havia sido dito,
ela já estava presa em sua
mente. Mas o amor sempre busca a matéria
para se concretizar e ele não poderia deixá-
la escapar novamente.
O trem começava a frear, os corpos
em inércia e ela mirava a porta, ansiosa.
Desejava, acima de qualquer outra coisa,
que ele simplesmente a seguisse. Toda vez
que se encontravam no mesmo metrô, ela
parava para observá-lo e deixava o vagão
na esperança de ele seguir pelo mesmo
rumo. Mas isso nunca acontecia, e ela
voltava para casa, só e desiludida. Caminhou
lentamente na multidão que se formava em
frente à porta do transporte. Os olhos dele a
seguiram rapidamente, o coração palpitando
alucinadamente. Tomou coragem e a seguiu.
A verdade é que ele não sabia o que estava
fazendo, deveria estar ficando louco ou algo
assim. Mas que é o amor se não loucura?
Seus passos eram apressados enquanto os
dela eram suaves. A paisagem cinza passava
embaçada pelos seus olhos e ela era seu foco.
Por um momento as pálpebras se fecharam.
Quando tornaram a abrir, ela não estava mais
lá. A aura que a envolvia havia sido coberta
pela imensidão de pessoas na estação.
Ele só queria alcançá-la, enquanto ela queria
ser alcançada.
Lígia G. Cossé
(categoria prosa – 1º ano do Ensino Médio)
7372
fato de ser mais associado à imagem de pagodeiro e apresentador do que
à de político que pesa. Netinho agride constantemente as pessoas.
Além do caso mais lembrado pelos jovens, o do soco desferido
por ele contra o “repórter Vesgo” do Pânico na TV, ele ainda
bate em mulheres. Até onde se sabe, já agrediu uma
funcionária de uma companhia aérea e sua ex-mulher.
O que um homem como ele quer no Senado? Acabar
com a lei Maria da Penha?
A política cada vez mais deixa de ser
prioridade para o povo brasileiro. Para ilustrar
isso, é só lembrar que houve um debate entre
os presidenciáveis no dia 05/08 transmitido
pela Rede Bandeirantes. Porém, no mesmo
dia a Rede Globo transmitiu a partida entre
São Paulo x Internacional válida pela Taça
Libertadores. A audiência do jogo foi muito
superior. Não vou ser hipócrita, confesso que
também preferi assistir à partida. Isso é um
exemplo que mostra apenas o caso do futebol,
mas outros assuntos passam a ser tratados como
prioridade cada dia mais em detrimento da política.
O povo brasileiro lutou pela volta da democracia na
época da ditadura militar, depois de alguns anos foi às
ruas novamente, dessa vez para lutar pelo impeachment
de Fernando Collor, presidente do Brasil nesse tempo. Nos
dois casos foi difícil, principalmente no caso da ditadura, mas
o povo teve sucesso. Hoje, com a política cada vez mais em segundo
plano, não creio que possam acontecer outras manifestações como essas.
Não é por falta de corrupção e ações vergonhosas dos políticos.
Recentemente houve o caso do mensalão, a descoberta do que os
deputados realmente faziam com as passagens aéreas que
lhes eram dadas para trabalhar, os escândalos envolvendo
José Sarney, Erenice Guerra, Renan Calheiros, e por
aí vai. Os jovens de hoje em dia (como eu, inclusive)
não lutam pelos seus direitos, não “suam a camisa”;
estamos todos, infelizmente, conformados demais
com toda esta falcatrua por parte dos políticos.
Enquanto o nosso povo não perceber a
seriedade dessa situação e tentar de todas as
formas mudar esse terrível quadro do que se
tornou a política brasileira, quem sai perdendo
não é só o país. Somos nós mesmos. Inclusive
financeiramente. É só constatar a “festa” que
os governantes em Brasília fazem com nosso
dinheiro, por meio dos impostos abusivos que
nos são cobrados. Em suma, é preciso vergonha
na cara para os políticos e atitudes, engajamento
nas questões do país para nós, brasileiros.
Pedro de Oliveira Ribeiro
(categoria prosa/não ficção – 1º ano do Ensino Médio)
ORDEM E PROGRESSO7574
O Lamento dos Poetas
Os olhos sinistros das ruas,
Os punhais de ferro e asfalto.
O pranto que ecoa nos túneis,
O grito dos loucos nos bares.
As almas cansadas dos homens,
As brisas de um vento gelado.
A pomba que voa mesquinha,
A gente que não quer mais nada.
Quantos por cento de quê?
Qual é o sentimento afinal?
Caberá a Drummond explicar.
Os carros em cima das pontes,
Os velhos e cegos incautos.
O cheiro acre desses esgotos,
O gosto da urina dos ratos.
As horas eternas da noite,
As brigas de cães insensatos.
A vida mais negra que a morte,
A brasa de um fogo que arde.
São mãos espalmadas de quem?
Teu espanto vem de onde afinal?
Caberá a Vinicius cantar.
Os urros de um ódio calado,
Os detalhes de cada engano.
O acorde choroso do músico,
O sangue nas mãos do tirano.
As roxas olheiras do crime,
As rosas já quase sem brilho.
A fera hoje adormecida,
A sina de toda uma espécie.
Que aves gorjeiam aonde?
Que tribo pujante afinal?
Caberá a Gonçalves falar.
Os morros de pedra nos campos,
Os trabalhadores sem lar.
O longo penar da vigília,
O preço que eu hei de pagar.
As mil e uma fases da lua,
As poucas que vêm se mostrar.
A vida na terra sem chuva,
A sombra sem sol vem de lá.
E tal latifúndio por quê?
Que parte nos cabe afinal?
Caberá a Cabral meditar.
Os grilhões banhados a ouro,
Os elos que são teu suor.
O raio que cai dês do Douro,
O estrondo que assusta a nós todos.
As entranhas de um corpo ímpio,
As doces mentiras dos jovens.
A árdua labuta dos outros,
A coisa do jeito que é.
Se coxa, bonita por quê?
Pra que o vergalho afinal?
Caberá a Machado versar.
Os escravos ainda cativos,
Os santos que os vão libertar.
O denso lamúrio das águas,
O barco que irá naufragar.
As glórias de uma bandeira,
As filhas de um outro lugar.
A desilusão passageira,
A esperança que já não há.
Colombo e os portões de que mares?
Quem é este Andrada afinal?
Caberá a Alves declamar.
Caio Franco
(categoria poesia
– 2º ano do Ensino Médio)
7776
A Cartilha da Sedução
“De minhas lembranças velhas,
há uma que volta porque não a
entendo. Faz tantos anos e eu me
lembro de tudo tão bem, que penso
às vezes se a imaginação não andou
ajudando a esta quase sempre
dissipada memória. Talvez eu
embaralhe as coisas, e recordações
de outros dias chuvosos, não sei por
que sutil e incompreensível razão,
se acomodem nessa tarde.
No ponto em que as lembranças
desse dia se fazem mais ordenadas,
em me vejo à cozinha, sentado no
balcão de alvenaria, prolongamento
do fogão e onde se lavavam os
pratos e batia-se bolo. Minha mãe,
na sala, ensinava cartilha a Isabel,
que repetia as palavras, submissa,
com um jeito mole. Devo ter me
entretido a idealizar aventuras. Tirei
a baladeira do cinto, uma pedra do
bolso, recuei alguns passos e alvejei
o tijolo. A pedra ricocheteou, bateu
na bacia. A lição foi interrompida e
a voz de minha mãe veio da sala,
indagadora.”
Perguntava o que tinha gerado
aquele barulho estrondoso. Instinti-
vamente respondi que tacara uma
pedra. Chamou-me à sala; só pode ser
uma dessas manifestações rebeldes
de menino; mandou-me sentar e ter
a lição com minha prima Isabel. Ela
passava férias em nossa casa como
de costume.
A chatice da repetição
daquelas sílabas – be, ba – parecia
interminável. Porém, como Isabel
e eu fomos à escola tarde, mamãe
insistia nisso. Em plena adolescência
nada poderia ser mais tedioso para
ela. Até para mim, alguns anos mais
novo, era insuportável. Após algum
tempo começamos a cruzar olhos na
tentativa de nos entreter.
As sílabas iam perdendo sentido,
já não as ouvíamos mais, eram
somente ecos distantes. Perdíamos,
alternadamente, um nos olhos do
outro. Progressivamente nossas
mãos iam tramando caminhos
sinuosos para se encontrarem.
Finalmente entrelaçaram-se. Um
misto de confusão e outro sentimento
se alojaram em mim; acabamos por
hoje. Soltaram-se mais depressa do
que se uniram. Nem tive tempo de
decifrar o significado daquilo.
Livres da lição fomos para o
quintal, onde conversamos. Lembro-
me vagamente dos assuntos. A figura
de Isabel me encantava e prendia;
você está prestando atenção em
alguma coisa que eu falo?; voltava
a mim e respondia. Porém, o modo
como ela enrolava os cachos,
cruzava e descruzava as pernas,
movia seus miúdos pés descalços e
gargalhava parecia sempre muito
mais interessante; assim você me
encabula; desviava o olhar.
Em um momento provavelmente
me perdi em meus devaneios com
a beleza de Isabel. Nunca sentira
aquilo antes. Quando me dei conta,
seu corpo estava de pé diante de mim.
Sua curvas se moviam no ritmo de
sua pausada e lenta respiração. Ela
inclinou-se e deu-me um beijo terno
e quente na testa.
“Depois disto, a memória como
que adormece. Desperta com o vulto
de uma prima em férias, bem mais
velha que eu: uma noite, pretextando
almas do outro mundo – que medo e
dulçor! –, levantou-se do leito e veio
abraçar-se comigo. Trazia os pés
descalços.”
Victoria Pagano Rebizzi
(categoria prosa – 2º ano do Ensino Médio)
7978
Mídia Impressa XMídia Digital
Com os avanços da intemet e a maior popularização desta, o The New
York Times, um dos jornais de maior circulação mundial, anunciou que
irá se digitalizar, o que não significa que irá parar de produzir e vender
o jornal impresso, e sim que irá dispor muito mais conteúdos em seu
site. Diante disso, iniciou-se uma discussão em torno do que seria mais
interessante, a mídia impressa ou a mídia digital.
Há os que defendem que a mídia impressa deve ser extinta, dando
lugar à mídia digital. De fato, os arquivos eletrônicos possuem muitas
vantagens, como a diminuição dos custos pela informação. O capital gasto
com papel, impressão e distribuição encarece muito o produto final; assim,
a mídia digital seria muito mais barata, uma vez que não precisaria gastar
com esses processos. Além disso, as informações eletrônicas podem ser
complementadas e atualizadas diversas vezes, o que não seria possível na
versão impressa, pois se teria que gastar ainda mais para reimprimir os
exemplares. Outro ponto importante, principalmente nos contextos atuais,
é o compromisso ambiental. A mídia digital é muito mais ecológica do que
a impressa, uma vez que não precisam se derrubar árvores para produzir
o papel utilizado.
Outro beneficio possibilitado pela digitalização da mídia é a globalização
da informação. Intenautas de todo o mundo podem ter acesso aos arquivos
e ainda têm a possibilidade de interagir e colaborar com as publicações ou
então discutir temas com os demais leitores através de fóruns abertos ao
público. Além disso, o acesso à informação torna-se mais fácil, uma vez que
hoje, com o desenvolvimento da tecnologia, pode-se acessar a intemet de
qualquer lugar e a qualquer momento, até mesmo de um pequeno telefone
celular.
Apesar de todos esses benefícios, ainda há aqueles que continuam
preferindo a mídia impressa por sua maior comodidade e praticidade,
no sentido de que a informação vai até o leitor, uma vez que ele recebe
diariamente o jornal em sua casa, com as notícias mais relevantes já
selecionadas. Outra vantagem dos jornais e revistas, exemplos de mídia
impressa de grande circulação, é a visualização mais rápida e eficaz das
informações, basta virar as páginas, enquanto que na internet o leitor é
dependente da velocidade da conexão.
Assim, ambas as formas de mídia possuem qualidades e defeitos, e por
isso é interessante que ambas continuem a coexistir e a se desenvolver
cada vez mais. Dessa maneira, o leitor pode tirar proveito dos benefícios
de ambas e não é tão prejudicado pelos malefícios.
Julia Shinohara
(categoria prosa/não ficção – 2º ano do Ensino Médio)
Ao Guto dos Anjos
No horizonte,
A bela abóbora
Que jantei anteontem
Submerge do profundo
Oceano gástrico.
Reabre o céu
Da boca sem fôlego
Abarrotado pelo Sol
Do anti-ontem.
Reminiscências flutuantes na memória interina,
Restos, arraigados na profunda víscera interior.
Ressentimentos estomagados, mutilados, que
Ressurgem regurgitados assumindo a forma do
Escarro dos Anjos.
Um vaso não se quebra quando abrigado pelos tubos intestinais.
Mantém em conserva sua sopa glutinosa como uma fonte e a goteja
(Eterna amargura para algumas bocas e para todos os outros lábios)
Gota a gota
Sob a garganta estreita que se abre rugosa para que suba
À boca uma ânsia análoga à dos Anjos...
Mas não devo vergonha ao catarro nem lástima ao vômito,
Em todo meu ser há uma gratidão por aflorarem em mim,
Superando a luz cega do presente e lembrando-me da
Quimera imortal que permanecerá sempre enterrada,
Na forma de verme operário das terras do alegrete,
Construindo (simples reconstrução) a aurora biliar.
Náusea, do sacrificado anjo único ressurreto,
Digna de ser amada,
Pois é ela o agregado abstrato das saudades. Dio
go B
anza
to F
ranc
o (c
ateg
oria
poe
sia
– 3º
ano
do
Ensi
no M
édio
)
Massa
Lá se vai o pobre caminhoneiro.
Sozinho, transportando algo que não é
seu, muito menos de seu interesse.
Resolve parar para dormir,
num posto no meio da estrada. Está
dirigindo há longas 21 horas.
Ao acordar, percebe que nada
tem. Só lhe resta sua velha carreta e
seu fedorento chapéu.
Mas, mesmo assim, ele continua.
E continuará. Dirigirá por horas e mais
horas, e descansará novamente.
E, ao acordar, perceberá uma
vez mais que nada tem. E que nada
terá.
Só lhe resta dirigir, sem ao
menos perceber que a direção de sua
própria vida está quebrada.
Rodrigo Rossi Mora Brusco
(categoria prosa – 3º ano do Ensino Médio)
8382
Nada Além da Verdade
A criação de imagens como forma de organização do conhecimento remete
aos primeiros grupos humanos, dos quais os registros remanescentes são
pinturas rupestres. Símbolos representativos nada mais são que uma
interpretação subjetiva de um período e situação. A literatura, nesse
contexto, sobressai-se como um importante canal para o registro histórico,
uma vez que evidencia tendências e costumes de seu tempo. Um livro,
contudo, não pode ser adotado como única fonte do conhecimento do
passado, porque sempre carrega traços e críticas de seu autor, ou seja, toda
a história é comprometida porque carrega indícios de autoria próprios.
Platão, em O Banquete, expõe o cerne dessa tese subversiva da realidade
ao argumentar que existem dois mundos: o das ideias, perfeito, que
corresponde à verdade plena; e o dos sentidos, que é captado pelas pessoas,
o qual é uma reprodução mal formulada do primeiro. Um livro, de acordo
com o viés filosófico do grego, seria então a cópia da cópia, distanciando-
se ainda mais da essência do real. Isso acontece porque a informação
percorre dois canais depreciativos: a interpretação da realidade por quem
escreve o livro e a visão de quem o lê.
Essa subjetividade, dentro do universo dos livros, pode se exacerbar
ainda mais quando o ensino acadêmico é mal formulado. Sílvio Romero foi
o primeiro, no Brasil, a subdividir a literatura em períodos de produções
semelhantes, os quais são a base atual da disciplina nas escolas. Quando,
dentro das salas de aula, o aluno emerge-se em descrições didáticas, que
foram elaboradas por outra pessoa, e não toma contato direto com a
produção, ele submete-se a mais um canal que o distancia da realidade e
o aproxima de uma imagem. Esse fenômeno seria, então, a cópia da cópia
da cópia.
O maior clássico da literatura brasileira, Dom Casmurro, de Machado
de Assis, ilustra como a mensagem pode ser contaminada ao extremo
pelo emissor e canal. Por meio do próprio livro, o narrador Bento faz
uma retrospectiva desde sua infância até a idade adulta, a fim de “atar
as duas pontas da vida”. Bento, portanto, reconstrói todos os eventos e
pessoas. O leitor, todavia, fica sujeito a um só ponto de vista: como o
narrador-personagem enxerga sua realidade. Logo, pressupõe-se que
exista manipulação do caráter dos fatos para que convirjam aos interesses
de Bento. Machado, com isso, explora a essência da comunicação, que é a
falha.
Essa discussão sobre interpretação do mundo exemplifica o amplo
processo de construção da verdade, a articulação de símbolos imagéticos
que intermedeiam os dois mundos descritos por Platão. Deve-se, portanto,
agir com cautela ao submeter-se a informações das mídias e também
ao sujeitar-se à opinião de outros. Da mesma forma, a visão própria é
tampouco confiável e não corresponde ao conjunto das verdades imutáveis.
O questionamento da realidade é o viés mais sóbrio de aproximar-se da
essência concreta. Apenas se aproximar, pois penetrar no campo das ideias
torna-se inconcebível pela construção de símbolos.
Henrique Rubira
(categoria prosa/não ficção – 3º ano do Ensino Médio)
8584
O pensamento de Ana Mei sobre o fazer
artístico é um bom ponto de partida para
tratar do trabalho em Artes Cênicas do 1º ano
em 2010. O curso de Artes teve uma proposta
pedagógica e formato artístico novos. Sob a
coordenação do professor Wilton Ormundo,
Guilherme Yazbeck e eu, ficamos no comando
das turmas para uma nova (e sempre
desafiante) experimentação cênica. Nosso
desafio foi transpor para o teatro quatro
narrativas curtas e independentes e trabalhá-
las com os alunos de maneira coletiva,
focando, basicamente, alguns elementos da
linguagem teatral, como o trabalho em coro e
a construção de dramaturgia.
Para o desenvolvimento do trabalho com
os grupos curriculares do Ensino Médio,
partimos do entendimento de que o fazer
teatral, por si, ensina sobre expectativas,
conflitos, objetivos e de que é na atmosfera
do trabalho e na vivência em grupo que uma
experiência se torna de fato significativa.
Contamos com uma equipe de alunos
muito motivada e pudemos desenvolver um
trabalhoso (e prazeroso) processo de criação
que, além da montagem propriamente dita,
teve em todo o seu percurso rodas de
indicações de atividades culturais para que
todos pudéssemos nos inserir de maneira
ativa na diversa programação artística da
cidade e nos utilizarmos dela como repertório
para a construção das cenas.
O projeto teve três etapas de desenvolvimento,
previamente planejadas:
1ª) Cada uma das quatro turmas de teatro foi
separada em dois grandes grupos, que se
revezavam com os professores da área, a fim de
que pudéssemos conhecer melhor o perfil de
cada grupo, reconhecer o que cada um trazia
de bagagem cultural e repertório de teatro,
além de possibilitar uma experimentação
livre de exercícios teatrais. Esse primeiro
momento de conhecimento mútuo foi muito
Jovens do 1º ano do Ensino Médio mostramsua compreensão teatral de textos literários.
Do TExto ao TEatro “O fazer artístico e a apreciação estética são inerentes ao ser humano;só um fazer consciente e informado torna possível a aprendizagem em arte.”
(Ana Mei Barbosa, 1991)
8988
importante para que pudéssemos definir os
contos que trabalharíamos com os grupos:
“A quinta história ou Como matar baratas”,
“Cem anos de perdão” e “Felicidade
clandestina”, todos de Clarice Lispector, e
“Uma vela para Dario”, de Dalton Trevisan.
Após a definição dos contos a serem
trabalhados, Guilherme e eu começamos a
elaborar um roteiro para a montagem teatral
de cada grupo e os apresentamos para as
turmas, iniciando assim a segunda etapa do
processo de trabalho.
2ª) A entrega dos textos gerou uma discussão
teórica sobre a temática de cada conto,
sobre as imagens que eram sugeridas pelas
narrativas, e algumas indagações práticas
surgiram pelas mãos dos alunos quando
questionados sobre a adaptação para o
teatro de textos literários com tão poucos
personagens. As perguntas: “Mas somos 40
e no texto só há duas personagens, como
vamos fazer?”; “Mas esse conto curtinho
pode virar uma peça?”; “Não há diálogos,
como vamos transformar isso em cena?”.
E foi justamente a partir desses desafios que
começamos nosso processo de ensaios.
A ideia foi justamente escapar do padrão
teatral dramático que parte do conflito entre as
personagens. Queríamos discutir e trabalhar
a ocupação do espaço, a explosão de um
personagem num grupo, usar o corpo como
elemento fundamental na ‘contação’ de uma
história e, principalmente, trabalhar o coletivo
como parte estratégica (pedagógica e cênica).
Teatro não se faz sozinho. Nunca. Trabalhar
a interdependência de todos os envolvidos
no processo, seja em cena, diretamente, ou
na construção da dramaturgia, foi um dos
objetivos que nortearam nosso trabalho a fim
de que os alunos se sentissem autores dos
exercícios que estávamos desenvolvendo. Os
improvisos foram dirigidos coletivamente para
as cenas que queríamos levantar a partir dos
roteiros previamente criados por nós. Nesta
etapa, o trabalho com o coro foi central.
A palavra Coro vem do grego chorós, que,
na Grécia antiga, designava um grupo
de pessoas que participava ativamente das
festividades religiosas e das representações
teatrais. Na tragédia clássica, o coro é uma
personagem coletiva que tem a missão
de cantar partes significativas do drama.
Na origem, representa a polis, a cidade-
estado, ampliando a ação para além
do conflito individual.
Brincar, experimentar a explosão dos
personagens em diversos coros, foi a
principal descoberta de criação de cena e,
consequentemente, de dramaturgia nessa
etapa do processo.
3ª) Aqui, partimos para a direção propriamente
dita. A maior parte da experimentação
já estava levantada (embora a criação
continuasse até o final) e os professores
desenharam as cenas que se tornaram parte
da apresentação final. O percurso do trabalho
ganhou um sentido concreto nesta etapa. Foi
um momento bastante intenso e “focado”,
pois os alunos passaram a visualizar as cenas
prontas e, com isso, entenderam melhor os
exercícios e improvisos propostos até então.
Houve a compreensão de que é possível
fazer a transposição da narrativa para o
teatro sem precisar de um texto dramático ou
de personagens definidos e diálogos rígidos.
Por fim, as apresentações geraram em
toda a equipe do 1º ano – alunos-atores
e professores-diretores – a sensação de
dever bem cumprido, proporcionando-nos
outra dimensão do fazer teatral na escola:
teatro de qualidade com alunos motivados
e senhores do que faziam no palco. Todos
esses ganhos tornam a disciplina de Artes
coerente e significativa no que diz respeito
à pesquisa de linguagem, à comunicação, ao
trabalho coletivo e à sua função numa escola
que preza a formação acadêmica integrada à
arte e à cidadania.
Rita Pisano é atriz e professora de Teatro
do 1º ano do Ensino Médio.
Completando 10 anos de
existência do Projeto de
Teatro do 9º ano, o espetáculo
Invencionática – a vida inde
não poderia ter tratado de
uma temática melhor: o sonho!
Sonho de fazer – como nos nove
anos anteriores – 120 jovens
atores subirem ao tablado e se
expressarem poeticamente por
meio de diversas linguagens,
como a dança, a música e o
teatro.
O processo – Como em toda
criação artística, o processo
foi longo e trabalhoso. Sob
a coordenação geral dos
professores Rogério Viana
e Guilherme Yazbeck, foram
cerca de 15 semanas entre
leituras do roteiro, ensaios de
cenas e ensaios gerais. Quinze
semanas de esforço e parceria
transformadas em intensa hora
e meia de espetáculo. Intensa
hora e meia de um sonho
coletivo no tablado.
O espetáculo – O subtítulo da
peça (“a vida inde”) pode ser
livremente traduzido como “a
vida sob outra perspectiva”
ou, ainda, “a vida vista sob
outro ângulo”. A expressão,
retirada de um poema do poeta
e compositor Arnaldo Antunes,
serviu de mote para o nosso
espetáculo.
Vivemos no mundo regido
pela lógica, em que muitas
coisas só possuem “valor” se
comprovadas cientificamente,
se validadas por especialistas,
se forem impecavelmente
objetivas... Contudo, há
uma dimensão bastante
potente do ser humano que é
deixada à margem, devido à
preponderância desse discurso
cartesiano: a dimensão do
sonho, da criação inventiva. É
dela que tratou Invencionática
– a vida inde.
Essa inventividade foi mostrada
na peça sob três formas:
No bloco 1, na própria matéria
onírica, do inconsciente
humano, que mistura lugares,
pessoas e sensações,
proporcionando-nos os mais
diferentes sonhos. No bloco
2, no questionamento da
postura passiva diante do
mundo, questionamento esse
representado pelo pensamento
utópico enquanto motor que, se
não nos faz chegar a um lugar
ideal, ao menos nos põe em
movimento em direção a um
futuro sempre possível de ser
mudado para melhor. Por fim, no
bloco 3, surge a poesia, espaço
inventivo por excelência,
prenhe de significados, com
seu vaivém na (re)criação de
linguagem.
Alunos do 9º ano apresentam a peça Invencionática,parte de um projeto consagrado no Ensino Fundamental.
Sonhar-SE!
9190
É evidente que a racionalidade e a
lógica têm seu lugar de destaque e uma
grande importância na trajetória humana.
Invencionática, no entanto, não negou
isso, mas propôs um acréscimo de outras
maneiras de ver o mundo: visões poéticas
que assegurem a nossa chance de ser
pessoas com capacidade de se sensibilizar,
com capacidade de criar novas perspectivas
para além das obviedades...
Enfim, com capacidade para preencher a
folha branca e limpa da vida com múltiplas
cores e formas, e não apenas com frases
feitas e tons de cinza.
Rogério Viana Gusmão é professor de Artes
Cênicas e de Língua Portuguesa do 9º ano.
92
e s p e c i a l
“Educação é um processo de vida e não uma
preparação para a vida futura, e a escola deve
representar a vida presente tão real e vital para o aluno
como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio.”
(John Dewey, pedagogo norte-americano)
Período de inúmeras e velozes transformações, as últimas décadas do século XX e os
primeiros anos do XXI não serão lembrados exclusivamente pela crescente globalização
da economia ou pelo advento do terrorismo em escala planetária, mas pelos marcantes
avanços tecnológicos, principalmente na área da comunicação. Para alguns, estamos vivendo
não apenas uma época de grandes mudanças, mas uma mudança de época, que implica
redefinição dos paradigmas a partir dos quais pensamos o mundo.
Essas transformações que anunciam um novo tempo ou uma nova era, sem dúvida, avançam
sobre os indivíduos e seus valores. Talvez, por essa razão, o cidadão que experimenta essa
transição perceba-se invadido por uma forte sensação de que algo está “fora de lugar”. Sente
a presença do novo, sem que o antigo o tenha abandonado. Observamos isso ao presenciar
um indivíduo de meia-idade tentando manusear um aparelho de alta tecnologia. Um diálogo
quase impossível que gera uma sensação de desconforto. Ao mesmo tempo, a certeza de
que algo muito importante e substancioso está
acontecendo (a inovação) e o medo de saber
que não conseguiremos compreender
a plenitude dessas mudanças. Mas
precisamos começar a exercitar
essa compreensão. E a escola é um
caminho.
Nessa trilha, surgem questões
relativas ao exercício do
magistério, o papel do professor
e a metodologia na formação do
aluno. Em relação aos métodos,
não é demais questionar se a
tradicional aula expositiva ainda
tem lugar nessa nova conjuntura
tecnológica? Há necessidade de
uma nova dinâmica na relação
professor-aluno para que esta não
se esgote na exposição de temas
e na cobrança dos conteúdos nas
avaliações aplicadas posteriormente?
Afinal, o que se pretende construir nesse
encontro litúrgico que chamamos de aula?
Em princípio, pode ser o desenvolvimento das
habilidades operatórias, tais como: relacionar,
comparar, analisar, resumir e posicionar-se criticamente
diante dos fatos sociais. Mas é necessário ir além.
O desafio de educar no século XXI Contribuições da disciplina de Ética e Cidadania
94
Em um mundo no qual a informação é farta e de fácil acesso, a tarefa essencial da educação
passa a ser educar o olhar, apurar o gosto, decifrar os fatos, procurar atribuir sentido à
realidade, incluindo toda a complexidade e enriquecendo seus significados. Algo como
melhorar o paladar, conforme constatamos nestas deliciosas palavras de Bertrand Russel, em
seu Elogio ao ócio:
Assim, o ato de educar vai além de colher e/ou repassar informações. É compartilhar
experiências, contextualizar, buscando a conexão com outros fatos, outros momentos
históricos. Organizá-las – as informações – de modo a mostrar sua relevância e sugerir
análises acerca do alcance de suas consequências.
Para isso, precisamos recorrer à História. Não se compreende um fato atual na sua
plenitude se prescindirmos do seu contexto histórico. Portanto, faz-se necessário apanhar
o acontecimento aparentemente isolado e estendê-lo no varal da História. Talvez este seja o
grande segredo da atividade docente hoje: perceber a importância da conexão temporal entre
o fato estudado e sua totalidade, pois o aluno, com toda disponibilidade tecnológica de que
dispõe, está sendo bombardeado – ou quase afogado! – pelo excesso de informação. Como
nem sempre possui referência histórica, acaba perdido em meio a um tiroteio. Aqui entra a
contribuição do educador, mostrando ao aluno que sem História o conhecimento torna-se um
refém do presente, dado único ou “verdade” incontestável.
Aqui cabe um parêntese importante. Quando a notícia aparece como “verdade” única
destituída da sua história, significa que ela não está submetida ao passado nem mantém
relações com o futuro. Aparece como suspensa, ancorada em si mesma, destituída
do tempo que define sua relevância no quadro das experiências humanas. Sem história,
ficamos sem referências. E o que parece mais grave é que sem uma avaliação precisa
do painel histórico, a intervenção humana reparadora fica comprometida. Logo, sustentados
por uma compreensão superficial do nosso momento histórico, ficamos impossibilitados
de traçar um futuro mais próspero. Presos ao aqui e agora, e reféns do instantâneo,
acabamos abrindo mão do nosso direito de sonhar, de idealizar novos projetos ou de
edificar outras utopias. Assim, vamos abandonando nossa humanidade. Afinal, se não há
futuro, não há nada a conquistar e quase nada a fazer para a construção de um mundo
melhor. Se o presente ganha status de valor absoluto, nossa militância existencial deixa
de existir; convertemo-nos em meros espectadores de uma lógica dogmática a qual nos
cabe apenas obedecer e seguir.
Educar é atribuir sentidoao mundo
“... apreciei os pêssegos e os damascos muito mais do que
os apreciava antes de saber que seu cultivo iniciou-se na China,
no princípio da dinastia Han; e que os chineses capturados
como reféns pelo grande rei Kaniska os introduziram na Índia,
de onde se difundiram pela Pérsia, alcançando o Império
Romano no primeiro século da nossa era. Tudo isso tornou
esses frutos muito mais doces para mim.”
96
Em tempos de “Primavera árabe”, manifestações por toda parte, Tunísia, Egito, Iêmen,
Bahrein, Líbia e outros, uma aluna pede a palavra e pergunta: “Esse tal de Kadafi é do bem
ou é do mal?” Questão que, pela sua simplicidade ou inocência, acabou provocando risos em
toda a turma. Por outro lado, é inegável que houve uma tentativa de classificar um personagem
que havia recentemente invadido não apenas o noticiário e a mídia em geral, mas, sobretudo,
o universo dos nossos jovens recém-egressos do Ensino Fundamental II. A indagação se
justifica. Afinal, para os mais jovens, é como se estivessem dizendo: “Quem é esse ‘cara’
esquisito que eu nunca vi e que agora não sai da TV? Professor, é verdade mesmo tudo
que estão falando dele?” É inegável que a pergunta suscita certa sabedoria metodológica,
sobretudo se considerarmos que o autor dessa pergunta está tendo seu primeiro contato com
o universo da política internacional.
Que bom seria poder responder à aluna utilizando simplesmente as opções “do bem” ou “do
mal”, mas, como veremos, o mundo é bem mais complexo do que sugere a TV; afinal, a mídia
em geral afirmava, no contexto da aula que suscitou a pergunta da aluna, categoricamente,
que Muammar Kadafi era um verdadeiro monstro, não sem razão. Mas a verdade vai mais além
de estereótipos de qualquer natureza.
Em linhas gerais, poderíamos dizer que é assim, no Ensino Médio, que acontece o primeiro
contato com os temas de política internacional. Para a maioria dos alunos, o conteúdo
da disciplina de Ética e Cidadania se apresenta como elemento novo, objeto nunca antes
investigado. Falar de Muammar Kadafi, Hugo Chávez ou Nicolas Sarkozy não está associado
necessariamente à história política da Líbia, Venezuela ou França apenas. São personagens
presentes na mídia, praticamente desconhecidos, pelo menos para a maioria daqueles que
ingressam no Ensino Médio.
“A principal meta da educação é
criar homens que sejam capazes
de fazer coisas novas, não
simplesmente repetir o que outras
gerações já fizeram. Homens
que sejam criadores, inventores,
descobridores. A segunda meta
da educação é formar mentes que
estejam em condições de criticar,
verificar e não aceitar tudo que a
elas se propõe.”
(Jean Piaget, pedagogo suíço)
O Kadafi é “do bem ou do mal”?
99
Estamos assentados sobre a premissa de que a construção de um projeto de futuro, seja no
plano pessoal ou profissional, passa obrigatoriamente pela reflexão não apenas do mundo em
que vivemos, mas também daquele que desejamos compartilhar. Por essa razão, o conteúdo
de Ética e Cidadania tem como objetivo propor aos jovens discussões sobre o Brasil, seu
futuro e perspectivas, sua organização política e também sobre os grandes temas e desafios
nacionais. Também abordamos o mundo, seus principais conflitos e suas grandes questões
contemporâneas, como terrorismo, xenofobia, intolerância e migração.
Uma das preocupações curriculares, desde que se iniciou o Ensino Médio da Móbile, foi
a criação de uma disciplina que pudesse contemplar temas da contemporaneidade. No
decorrer de uma década, a dinâmica das aulas foi adaptada às inovações tecnológicas. Em
textos “datilografados” ou impressos de imediato em alta resolução, temos acompanhado as
facilidades proporcionadas pela democratização e acesso à informação. Isso faz a diferença
em nosso trabalho. Estamos falando de um planejamento de aula que tem como ponto de
partida, muitas vezes, um fato ocorrido no dia anterior.
Embora tenhamos a preocupação de ampliar o repertório do aluno, mostrando que há relações
mais complexas que ultrapassam o “bem” e o “mal”, procuramos garantir outros elementos,
talvez tão relevantes quanto a ampliação do conhecimento sobre os temas da atualidade. O
trabalho em Ética e Cidadania busca promover o diálogo, diante da diversidade de referências
e experiências presenciadas na sala de aula.
A ampliação da consciência do aluno em relação às diversas contradições presentes no
convívio social – sejam elas culturais, econômicas, políticas ou sociais –, o estímulo ao
espírito crítico do educando, diante da realidade em que ele vive e também daquela que
desconhece, são apenas alguns dos objetivos básicos, traçados pelo Colégio Móbile, que
norteiam o trabalho da disciplina de Ética e Cidadania.
Assim, começamos a exercitar o diálogo e a democracia na vivência em sala de aula.
Constroem-se, por meio do trabalho coletivo e individual, referências de respeito, solidariedade
e responsabilidade, buscando superar a tradicional dicotomia reflexão teórica/prática social.
Esses ensinamentos vão além do espaço escolar. No cotidiano das relações sociais, é
imprescindível que o jovem argumente, questione, respeite e identifique a diversidade de
opiniões presentes no mundo que o cerca.
A charge a seguir ilustra uma das estratégias utilizadas cotidianamente nas aulas de Ética e
Cidadania (ou EC, como gostam de falar os alunos).
O líder líbio é do bem, do male muito mais!
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As ilustrações, os jornais e outros recursos, muitas vezes, são o ponto de partida para
auxiliar na identificação da natureza dos conflitos abordados em aula, embora somente a
apresentação desse material não seja o suficiente para a discussão crítica de um tema.
Preste atenção no texto não verbal reproduzido a seguir.
O personagem central que aparece na charge e circulou pela mídia por muito tempo foi uma
das personalidades mais polêmicas da política internacional. Cenário que já contou, entre
seus estranhíssimos frequentadores, com Osama Bin Laden, Saddam Hussein e, agora, ganha
a companhia de Anders Behring Breivik, o jovem norueguês de 32 anos, extremista de olhos
azuis, “islamófobo” e responsável pelo mais recente massacre na ilha de Utoya.
Kadafi, como é conhecido o personagem que abraça o barril de petróleo na charge, era o líder
da Líbia, país localizado no norte da África, e que tem como base da sua economia o petróleo,
responsável por 90% das suas exportações. Acusado de patrocinar ações terroristas pelo
mundo, sofreu uma série de bombardeios que abalaram Trípoli, a capital da Líbia, em 1986. O
coronel Muammar Kadafi, por um período, foi condenado ao isolamento e às rígidas sanções
econômicas impostas por Washington.
Mais tarde, no início da década de 2000, empenhado em mudar a imagem do seu país, o
velho coronel mudou sua estratégia. Anunciou sua disposição em interromper seu programa
nuclear, tornar-se signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e
abrir o país para fiscalização das Nações Unidas. Essa relação pode ser feita na charge, após
a identificação, pelo leitor, do barril de petróleo utilizado pelo líder líbio como “refém”, para
chantagear os países que estão bombardeando a Líbia.
Esse foi um exercício de análise, feito a partir dos dados sugeridos pela charge e relacionados
ao histórico que envolvia a Líbia governada por Muammar Kadafi. Para isso, foi imprescindível
levar em conta os elementos explícitos, nas imagens em geral, além de identificar os aspectos
“ocultos”, implícitos propositalmente, para aguçar a curiosidade do intérprete. No entanto,
não basta saber ler superficialmente o texto não verbal, é importante ter domínio sobre uma
série de informações para explicar as mensagens, o conteúdo e as referências políticas
expressas. Como em qualquer meio de expressão, o conhecimento proposto pela charge
reflete um ponto de vista subjetivo, o que não é um detalhe.
Charge, uma estratégiabem-humorada
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www.lutecartunista.com.br
Amparado por esses elementos, o educando amplia a sua capacidade de entendimento dos
temas abordados na atualidade. A charge estimula os sentidos para uma observação ampliada
– e crítica – das notícias que estão em destaque na mídia, além de auxiliar o desenvolvimento
do senso crítico e a sistematização oral e escrita de argumentos consistentes e não de
constatações.
A compreensão do caso da Líbia por meio da charge não constitui atividade isolada
de descrição “fria”. Nosso objetivo vai além. Trata-se da apropriação de um “olhar” que
possibilitará ao educando assumir a difícil tarefa de traduzir um mundo ambíguo, onde
os jovens, sobretudo, estão clamando por mudanças dos paradigmas que regem
as sociedades em várias regiões, agora, neste instante. E nossos jovens não estão isolados
dessa problemática. Eles têm voz e precisam aprender a utilizá-la de maneira responsável
e cidadã.
Roberto Candelori é professor de Ética e Cidadania do Ensino Médio.
(A professora Márcia Juliana Santos, que integra a equipe de EC, colaborou neste texto.)
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Quantos estudantes, ao final do Ensino Médio, não gostariam de estar prontos
para se decidir por uma carreira universitária? Quantos profissionais que desenvolveram
consistentemente suas carreiras e que hoje portam currículos de excelência não sofreram no
momento em que foram obrigados a escolher seu curso universitário? Quantos pais e mães
não esperam, como a mãe de Calvin, personagem da tirinha de Bill Waterson, ter uma “roupa”
que os deixem preparados para acolher as muitas dúvidas que serão trazidas por seus filhos
na fase de decisão por um curso superior?
Perguntas semelhantes a essas afligem estudantes e pais ao longo do Ensino Médio,
fase escolar em que o jovem finaliza o ensino básico e que o prepara para a graduação
universitária.
Para possibilitar uma discussão mais consistente a respeito da escolha da carreira
universitária e com o intuito de proporcionar informações relevantes sobre os cursos
oferecidos pelas universidades de excelência, o Colégio Móbile realiza, bienalmente, o
Encontro com Profissionais, evento que compõe uma das ações do projeto de Orientação
Profissional (OP). Esse encontro – aberto a alunos e famílias – possibilita reflexão e fornece
informações preciosas para a posterior escolha consciente de nossos alunos por um curso
superior e por um “desenho” de seu projeto de vida profissional.
Em agosto de 2010, realizou-se,
na Móbile, o III Encontro com Profissionais.
As três atividades, distintas e complementares,
que compuseram esse evento estão descritas
a seguir:
Mesas-redondas – Os componentes
dessas mesas são professores das
universidades convidadas, pais de alunos
e ex-estudantes da Móbile que tenham
finalizado sua graduação no ensino superior
e já se encontrem inseridos no mercado de
trabalho. Cinquenta e dois profissionais foram
subdivididos em oito grupos e discorreram
sobre suas escolhas profissionais,
seus cursos universitários e suas áreas
de atuação. Os alunos do Ensino Médio,
separados por carreiras de interesse, puderam
participar de até duas mesas-redondas.
A lógica que regeu a organização das mesas
foi baseada no agrupamento de carreiras
com algum tipo de afinidade; por exemplo,
no mesmo grupo ficaram profissionais de
Direito, Economia e Relações Internacionais.
Encontro com Profissionais –
“Estar pronto”
Terceira versão do Encontrocom Profissionais
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Convite do evento
Num mundo que valoriza o
conhecimento, os profissionais precisam
ser capazes de inovar para que possam
alcançar sucesso em suas carreiras, por isso
é de fundamental importância que o jovem
tenha espaço para buscar informações com
pessoas éticas, experientes e competentes
em suas áreas de atuação. Ao participarem
desse tipo de evento, os estudantes da
Móbile têm a possibilidade de refletir sobre
os relatos de profissionais com os quais
mantêm contato efetivo. Não se trata de uma
fria consulta a sites ou a guias especializados
em carreiras; o encontro real com os
profissionais humaniza as relações e torna
viva a ideia de que a escolha profissional
é um projeto de vida que envolve escolhas
(perdas e ganhos, portanto).
Ao estruturar os encontros com
profissionais em mesas-redondas, reunindo
pessoas por áreas de atuação afins, o grupo
de orientadores profissionais da Móbile
proporcionou aos seus alunos mais uma
oportunidade de discussão acerca dos
desdobramentos decorrentes das escolhas
e sobre as condições concretas do mercado
de trabalho em que atuarão futuramente.
Diálogo com ex-alunos – Foram
convidados 78 ex-alunos da Móbile,
atualmente universitários, para conversar
com nossos alunos a respeito de seus cursos
e das instituições em que estão matriculados.
Esclareceram dúvidas e deram informações
relevantes a respeito de carreiras
universitárias e faculdades.
O processo de escolha profissional,
as disciplinas mais importantes da grade
curricular dos cursos, a relevância deles e
das instituições, bem como as perspectivas de
trabalho futuro e as possíveis áreas de atuação
de determinadas carreiras foram alguns dos
aspectos explorados pelos ex-estudantes em
suas falas com os alunos em fase de escolha
profissional. Para nossos estudantes, é muito
significativo ouvir de ex-alunos da Móbile
quanto pode ser recompensador o esforço
feito para conquistar uma vaga em um
curso universitário conceituado e quanto de
dedicação é necessário quando se ingressa
efetivamente na universidade.
“Esta é uma oportunidade que eu não tive: a de discutir aspectos da carreira universitária e poder conhecer previamente um pouco daquilo que será o exercício da atividade profissional.”
(Dr. Ricardo Magaldi, médico, participante do III Encontro)
“O amor que criei pela Faculdade de Medicina é enorme. É realmente incrível perceber que todos que por ali passam amam a instituição e se dedicam a ela. São muitos médicos que mantêm seus vínculos com a Pinheiros e com suas extensões: Adib Jatene, Dráuzio Varela, Euryclides Zerbini e tantos outros.”
(Eric Curi Silveira cursa Medicina na USP)
“Considero muito interessante a iniciativa do colégio de proporcionar este encontro, pois aos 17, 18 anos todos temos muitas dúvidas. Eu gostaria de minimizar as chances de erros de vocês. No entanto, todos vocês têm o direito de errar na escolha e, mais do que isto, têm o direito de mudar.”
(Dr. Carlos Serrano, médico, participante do III Encontro)
111110
“No âmbito estritamente acadêmico, basta ressaltar a força da USP que, por si, já serviria de estímulo para a busca por formação e boa colocação profissional. Mas o Direito, como estudo de uma técnica social específica, possui charme particular. Estudar Direito é estudar a convivência humana.
(João Alberto Pezarini cursa Direito na USP)
Representantes de universidades
convidadas – Além das mesas-redondas e
do encontro com ex-alunos, 20 instituições
de ensino superior, convidadas pela
Móbile, estiveram presentes no evento e se
fizeram representar por funcionários e/ou
professores, ou ainda por alunos em fase
de graduação. As conversas estabelecidas
entre nossos estudantes e os representantes
das instituições proporcionaram informações
importantes sobre cursos de graduação
conceituados.
Na tirinha de Calvin que abre este texto, a roupa que o personagem veste sugere
que ele está preparado para enfrentar os percalços da vida. A mãe de Calvin acaba assumindo
que também deseja possuir o mesmo recurso na esperança de estar preparada para eventuais
novidades. Fazendo um paralelo entre a tirinha e a escolha profissional, sabemos que,
infelizmente, a garantia de total segurança não existe no mundo real, daí a importância da
informação dada a nossos alunos.
(Vamos dar um salto do popular Calvin para o erudito universo do teatro elisabetano.)
O mais atormentado dos personagens shakespeareanos, Hamlet, no ato V, cena II da peça
homônima, profere o conhecido aforismo: “Estar pronto é tudo.” Para o momento em que
os estudantes precisam ter a coragem de fazer escolhas por uma carreira universitária, a
imagem de “estar pronto” nos parece pertinente, mas em outro sentido: o de estar disponível
para fazer a melhor escolha possível. Os encontros com profissionais buscam possibilitar aos
alunos prontidão para fazer escolhas responsáveis.
Consideramos que as informações oferecidas pelas universidades sobre seus cursos não
garantem uma escolha acertada por uma carreira; contudo, o conhecimento acerca de
histórias (reais) das escolhas, das trajetórias profissionais, do mercado de trabalho e das
áreas de atuação pode reunir elementos preciosos e eficazes para que um estudante reflita a
respeito de seu projeto de vida. Bla
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“Estar pronto...”
Conviteaos ex-alunos
112
As discussões a respeito da
abordagem da gramática
na sala de aula geram, já
há alguns anos, bastantes
polêmicas. De tempos em
tempos, surgem na mídia
ou nos meios acadêmicos
novos debates sobre o
assunto. O problema é que,
no geral, tais polêmicas
se devem não a uma sadia
multiplicidade de pontos de
vista, mas a uma defasagem
entre a concepção de ensino
de Português cultivada pelo
senso comum e um método
pedagógico desenvolvido
com base na Linguística.
Ao buscar a descrição
da língua sem reduzir sua
análise ao que seria “certo”
ou “errado”, a Linguística
vai de encontro àquilo que
grande parte da sociedade
entende como o ensino da
língua materna.
No geral, essa parcela da
sociedade pensa que um
dos objetivos primordiais
da disciplina de Língua
Portuguesa seja “o ensino
da gramática”. Sem dúvida,
a gramática ocupa um
papel primordial num curso
de Língua Portuguesa. No
entanto, a discussão que
se impõe é: o que se deve
entender por “Gramática”?
Com que gramática eu vou?ou
Que gramática é essa?ou
Desmistificando a gramáticaUma reflexão acerca do papel da gramática na sala de aula.
114
Quando se fala em gramática,
o que costuma vir à mente
é o chamado “Português
correto” só dominado por
aqueles que conhecem uma
profusão de nomenclaturas:
adjuntos adnominais, super-
lativo absoluto sintético, ora-
ção subordinada substantiva
subjetiva, terceira pessoa do
pretérito imperfeito do indi-
cativo... A lista é realmente
extensa e certamente causa
arrepios a qualquer aluno
que já tenha se defrontado
com ela!
Podemos chamar de “meta-
linguística” essa atividade
de observação do caráter
sistemático das construções
da língua, acompanhada da
atribuição de nomes a elas. A
metalinguística é, no entan-
to, apenas uma das facetas
da gramática – e justamente
aquela que deveria sur-
gir como uma etapa natu-
ralmente posterior a duas
outras atividades muito mais
urgentes para que um aluno
se torne um usuário compe-
tente da língua: a linguística
e a epilinguística.
A atividade linguística con-
siste na utilização plena da
linguagem de modo intencio-
nal e em situações significa-
tivas e contextualizadas. É o
exercício presente nas ativi-
dades de leitura e produção
de textos. Nesse sentido,
os debates sobre diversos
temas, as discussões coleti-
vas de exercícios ou textos
e as rodas de leitura devem
ser valorizados como verda-
deiros momentos de inter-
câmbio de linguagem, a partir
dos quais se cria a condição
para os alunos exercitarem
e, principalmente, diversifi-
carem o “saber linguístico”
que já possuem, ou seja, a
gramática que, como falan-
tes da língua, naturalmente
já conhecem ao chegar ao
Ensino Fundamental.
Ler e produzir textos é, sem
dúvida, muito importante,
mas uma aula de Língua
Portuguesa não pode limitar-
se a isso. É necessário reser-
var tempo para as atividades
epilinguísticas, que criam
condições para o aluno,
como diz o linguista Evanildo
Bechara, tornar-se “um poli-
glota em sua própria língua”.
Para alcançar o status de
poliglota, é evidente que não
basta conhecer tão somente
a modalidade escrita culta,
aquela que muitos consi-
deram “a gramática”, única
correta e válida. Há que ser
capaz, isso sim, de percorrer
as diferentes variedades da
língua, a fim de conseguir
escrever não apenas com
adequação às regras de
ortografia, concordância e
(1) “Assim, o esgoto corre livrementepelas ruas, provocando enormes riscosde doenças infecciosas.”
A partir dessa frase, uma abordagem retrógrada da
gramática, baseada apenas na metalinguagem e na
memorização de nomes, poderia esperar do aluno diferentes
elaborações, como:
• trata-se de um período composto por duas orações;
• “o esgoto” é sujeito simples da primeira oração;
• “livremente” é um adjunto adverbial de modo;
• “corre” é verbo intransitivo e significativo, de modo que
o predicado da oração 1 é verbal;
• “enormes” e “infecciosas” são, no plano morfológico,
adjetivos que qualificam, respectivamente, os substantivos
simples “riscos” e “doenças”.
regência (quando o contexto
o exigir), mas também – e
sobretudo – de modo claro,
expressivo e eficiente.
Para isso, tornam-se essen-
ciais exercícios em que o
aluno possa comparar
expressões, transformá-las e
experimentar novas formas
de construção a partir de
modelos fornecidos. Enfim,
uma “brincadeira” constante
com a linguagem para que
o aprendiz, além de ampliar
seu repertório linguístico,
saiba selecionar nele aquilo
que for mais eficiente para
determinado contexto.
Observe-se, como exemplo,
uma proposição de análise
a partir de um fragmento de
carta redigida por um grupo
de moradores, a fim de exigir
do vereador mais votado no
bairro obras de saneamento
básico:
As várias gramáticas
117116
Já uma abordagem epilinguística do
enunciado não atribuiria tanta importância
aos nomes que recebem as estruturas nele
presentes, mas provocaria o aluno a refletir
sobre ele de maneiras as mais diversas; por
exemplo, ao solicitar conclusões a respeito
da comparação com a seguinte adaptação
do trecho:
flexibilidade na produção e na intelecção de textos, certamente sem que ele conceba a
gramática como um “bicho de sete cabeças”.
A partir disso, então, será muito mais natural e “indolor” promover as atividades metalinguísticas
junto a um aluno que, usuário mais maduro da língua, conseguirá propor e compreender
hipóteses sobre as regularidades (ou as irregularidades) morfossintáticas em um texto, bem
como sobre os efeitos que elas produzem.
Consegue-se, a partir desse cotejamento,
discutir com os alunos a maior eficiência
argumentativa que as estruturas omitidas em
(2) atribuem ao enunciado (1). Em seguida,
poder-se-ia solicitar-lhes outras maneiras
de desenvolver o trecho “o esgoto corre
livremente pelas ruas”, de modo a explorar
suas possibilidades vocabulares. Uma série
de respostas como:
possibilitaria uma importante discussão não
apenas sobre as estratégias linguísticas
adotadas em cada uma das tentativas, mas
principalmente sobre a variedade linguística
mais adequada se se levar em conta que é
a um vereador que a carta se destina, numa
situação formal de solicitação.
Não se trata de afirmar ao aluno que (4)
está “correta” e que as demais proposições
simplesmente estão erradas, mas de analisar
qual alternativa é mais adequada neste caso.
Isso porque (3) e (5) seriam muito mais
eficientes, por exemplo, em um panfleto
publicitário distribuído pelo governo para
incentivar crianças a cuidarem da limpeza de
seu bairro ou de sua cidade.
A utilização de abordagens como essa de
maneira frequente e sistemática por parte
do grupo de professores, sem dúvida,
possibilitará a um aluno – ao longo de
seus anos de escolarização – uma imensa
(2) Assim, o esgoto correpelas ruas, provocando riscos de doenças.
(3) a rua vira um esgoto gigante a céu aberto(4) o esgoto infesta as ruas(5) é esgoto pra tudo que é lado
A ideia de que falta
aos alunos saber gramática
para escrever e ler bem só
pode ser considerada válida
se esse “saber gramática”
estiver sendo entendido de
maneira mais ampla: como
o intercâmbio constante de
linguagem em situações sig-
nificativas de comunicação;
como o exercício frequente
de comparação e transforma-
ção de enunciados seguida
da discussão de resultados;
e, finalmente, num momento
posterior, como a proposição
e a compreensão de hipóte-
ses sobre as regularidades
da língua.
Reduzir a gramática a um
pífio conjunto de “pode”
e “não pode” ou a um rol
infinito de nomes é, além de
um equívoco absoluto, um
perigoso passo para afastar
o aluno de sua própria lín-
gua, o que só pode resultar
em uma acumulada dificul-
dade de comunicar-se com o
outro e, consequentemente,
de se postar de maneira
consciente e crítica no
mundo.
Rogério Viana Gusmão
é professor de Língua
Portuguesa do 9º ano
e coordenador da área
de Língua Portuguesa
do Ensino Fundamental II.
Conheça mais:
FRANCHI, Carlos. “Criatividade e Gramática”. Em: Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas: IEL/Unicamp, 1987.
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortês, 1996.
Concluindo...
119
Desde muito pequenas, as crianças buscam sentido diante do mundo
que se apresenta. A incessante curiosidade natural delas e a ansiedade
por significar e ressignificar esse mundo levam-nas a questionar todos
os porquês e razões de ser: Como surgiu o homem? E o mundo? O que
é o tempo? Essa busca por compreender a existência, os valores, o
verdadeiro, o justo, o belo e o bom aproxima as crianças dos filósofos
– ainda que “o modo de pensar” os diferencie!
De que maneira a escola pode favorecer a compreensão dos aspectos
da realidade e da existência humana buscada pelas crianças?
“Constituir o sentido (na dupla acepção de direção e significado) é uma tarefa fundamental a queo ser humano não pode se recusar, sob pena de perder a si mesmo e ao seu mundo, pois a produção do mundo e a produção do sentido dessa produção são uma única tarefa: o mundo não seria mundo humano se não tivesse o seu sentido e, por outra, não haveria lugar para o sentido se não houvesse mundo humano.”
(Lorieri e Rios, Filosofia na escola)
Filosofia para crianças –por quê, para quê, como?
120
Isto posto, fica evidente que ao falar de Filosofia para crianças não
nos referimos aos conceitos produzidos pelos grandes filósofos, mas
tomamos como objeto de ensino a ação de filosofar. Kant afirmava
que não se aprende e não se ensina a Filosofia, mas que se aprende a
filosofar. Ele queria chamar a atenção para o fato de que filosofar implica
uma ação: a do pensar reflexivo, nosso objeto de ensino.
Em princípio, muitos ficam intrigados sobre a possibilidade de crianças
das séries iniciais filosofarem, pois, culturalmente, tem-se a ideia
estereotipada de que esta tarefa cabe aos mais velhos e experientes.
Esta é apenas mais uma das ideias constituídas por um pensamento
pouco crítico. E como as crianças são capazes de pensar filosoficamente
quando estimulados!
Estratégias – É por meio da comunidade de investigação, mediada pelo
professor, que os alunos discutem questões filosóficas. Nessa discussão,
são motivados a apresentar seus pensamentos ao grupo, reconhecendo
ideias nas quais não haviam pensado anteriormente. Além disso, o
professor intervém na discussão, não para apresentar uma verdade, mas
para fazer com que os alunos realizem um grande número de atividades
mentais nas quais não teriam se envolvido se o diálogo não tivesse
ocorrido. Trata-se de uma habilidade que está intimamente atrelada ao
pensamento filosófico. Os alunos aprendem a argumentar, a defender
um ponto de vista, a se expressar com clareza, a definir conceitos, a
fundamentar o seu pensamento, a comparar diferentes pontos de vista,
a imaginar possibilidades, sendo sempre exigido o encadeamento lógico
de ideias, a busca pela coerência e a preocupação com a validade dos
julgamentos que se faz, afastando-se do senso comum.
Os significados não podem ser transmitidos, pois não são simples
informações. Quando os tratamos como tais, cerceamos a capacidade
de pensar de nossas crianças, contribuindo para formar sujeitos
capazes apenas de responder a algumas perguntas e não de analisar,
refletir e, sobretudo, de questionar. Os significados são adquiridos
pelo processo do pensar por si mesmo; logo, o pensar é a habilidade
por excelência, que nos permite significar o mundo e a nós mesmos.
Alguns podem alegar que a capacidade de pensar é inerente aos
seres humanos e, realmente, isso é fato. No entanto, pensar com
qualidade é algo que pode ser estimulado, portanto, aprendido. Trata-
se de um dos principais objetivos da educação e da matéria-prima da
filosofia: pensar de modo reflexivo, crítico, metódico, abrangente. Está
aí a diferença entre as crianças e os filósofos. Esses últimos significam
e ressignificam o mundo por meio do pensamento reflexivo; nossos
pequenos, por sua vez, precisam da ação educativa para que o pensar
ganhe qualidade.
A Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile (a partir do Infantil 5)
evidencia a intenção de formarmos sujeitos que sejam capazes de pensar
autonomamente, de modo reflexivo e crítico. É importante frisar que
esses objetivos levaram em consideração a faixa etária das crianças.
O que significa esse pensamento? Qual critério utilizado para definir a
qualidade de um pensamento? Como alcançar esse objetivo?
Um pensamento filosófico implica o ato de pensar sobre o próprio
pensar, ou seja, um pensamento em “crise”. Nessa “crise”, questiona-se
se as ideias são coerentes, bem fundamentadas e se as razões
e argumentos são fortes o suficiente para tê-los como certos ou
aceitáveis. Em outras palavras, o pensar precisa ser depurado para
evitar possíveis equívocos em relação à busca pela verdade (esta
sempre histórica e passível de ser questionada e modificada). Para
que esse caminho seja percorrido, a lógica passa a ser o critério que
valida o pensamento. Immanuel Kant
122
Na iniciação aos procedimentos da investigação filosófica, buscam-
se, coletivamente, formas de pensar acerca de temas, perseguindo os
critérios e as razões que os sustentam. Numa discussão filosófica do
1º ano do Ensino Fundamental, por exemplo, o grupo iniciou um diálogo
sobre a existência. Diante de uma experiência de Ciências em que
tentavam provar a existência do ar, uma questão filosófica veio à tona:
só existe aquilo que vemos? Parte do resultado desse diálogo travado por
crianças de 6 anos pode ser lido a seguir:
(...)
PROFESSORA E só existe o que a gente pode ver?ALUNO Não, tem coisa que existe que a gente não vê.PROFESSORA Todo mundo concorda?ALUNO Eu concordo!PROFESSORA Você pode então dar um exemplo do que o amigo disse.ALUNO As bactérias. A gente não vê, mas elas existem.ALUNO Mas com microscópio dá pra ver. E pra sentir, porque a gente fica doente.PROFESSORA O que mais não vemos, mas existe?ALUNO O vento. A gente não vê, mas sente. Por isso a gente sabe que existe.PROFESSORA Então só existe o que a gente pode ver ou sentir?ALUNO Eu sei uma coisa que a gente não pode ver e nem sentir, mas existe: o futuro!PROFESSORA Nossa! É mesmo! Todo mundo concorda? Todo mundo sabe o que é futuro?ALUNO Futuro é o que vai acontecer depois, presente é agora e passado é o que já passou.ALUNO Eu sei uma coisa que não existe: as bruxas.PROFESSORA As bruxas não existem?ALUNO Elas existem só nas histórias e na imaginação. Elas não são reais.PROFESSORA Então só existe o que é real? O que é da imaginação não existe?
Observa-se, pela leitura desse diálogo, que, além de desenvolver uma
série de habilidades, os alunos aprendem a questionar as ideias dos
outros, posicionando-se criticamente em relação ao que os demais
dizem. Não se trata de um debate, mas, sim, de um esforço coletivo
de tornar o pensamento o mais “verdadeiro possível”, colocando-o
“em crise”. É no diálogo com o outro que o processo de investigação
e, consequentemente, o de maturação do pensamento ocorre. Nesse
esforço coletivo, tanto os alunos quanto o professor podem finalizar uma
aula de Filosofia com seus pensamentos iniciais transformados. Uma ou
mais ideias são ressignificadas. Em Filosofia, não há respostas definitivas,
pois, apesar de se encontrar uma resposta, a pergunta que a gerou
poderá sempre ser analisada sob outro aspecto, em outro contexto ou
ainda baseado em outros fundamentos, o que faria com que precisasse
ser investigada novamente. Além disso, as questões filosóficas levam a
respostas que mudam conforme o homem muda dentro de sua cultura.
125124
O desenvolvimento das habilidades do pensar é também acompanhado
por um trabalho metacognitivo, tornando cada vez mais explícitas e
conscientes as ferramentas que permitem a constituição dos alicerces
do pensamento. A análise feita pela comunidade de investigação sobre o
caminho percorrido contribui para que, paulatinamente, os membros dela
passem a gerenciar os próprios pensamentos.
Além de promover o desenvolvimento do pensamento e de estimular a
curiosidade diante do mundo, uma comunidade de investigação filosófica
permite o trabalho com atitudes e princípios. É condição fundamental
para qualquer construção coletiva de conhecimento que os membros
aprendam a ouvir e não apenas a falar, a respeitar as ideias diferentes
das suas, bem como a valorizar as diferenças e a diversidade.
Diante do exposto, ficam claros os motivadores para a presença da
Filosofia no currículo das séries iniciais da Móbile. Quanto mais cedo
nossas crianças puderem desenvolver as habilidades que permitem
pensar com qualidade, mais aptas estarão para lidar com as aprendizagens
futuras. Ou, nas palavras do filósofo Matthew Lipman: “A criança que
adquiriu a proficiência nas habilidades de pensar não é simplesmente
uma criança que cresceu, mas uma criança cuja verdadeira capacidade
de crescer foi ampliada.”
Maria de Remédios F. Cardoso é diretora da Educação Infantil
e Tatiana Almendra é coordenadora do 1º ano do Ensino Fundamental.
127126
Segundo os órgãos oficiais, o ensino de literatura, assim como o de filosofia e outras
artes, visa, sobremaneira, ao cumprimento do Inciso III da LDBEN (Leis de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional), cujo foco é:
O que se vê, no entanto, é uma sobrecarga de informações sobre épocas, estilos,
características de escolas literárias, que, da maneira como se apresenta nos livros didáticos,
não levaria a tais objetivos. De fato, a memorização mecânica de características de determinado
movimento literário não fomenta a autonomia e a formação de um pensamento crítico. O que
se pretende neste artigo é descrever o processo de apresentação da historiografia literária e,
de forma simplificada, apresentar uma alternativa a esse modelo.
Constata-se que há um paradigma único de história da literatura brasileira para
alunos de Ensino Médio, o assim chamado paradigma estético. Por ele, dispõem-se e inserem-
se as obras individuais em períodos sucessivos – Barroco, Neoclassicismo, Romantismo,
Modernismo –, por vezes seculares, segundo uma norma essencialmente poética, quer dizer,
que objetiva os elementos imanentes (modos de ficção e de dicção) à obra de arte literária.
Considerar historicamente um objeto como a literatura significa unir individualidades
diversas por meio de um valor ou norma relacionando-os no tempo, diacrônica ou
sincronicamente, com outros blocos igualmente normativos. Uma história interna da
literatura liga os diversos acontecimentos literários individuais por meio de uma perspectiva
O aprimoramento do educando como
pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico
(1996).
O ensino de literaturano currículo escolar
necessariamente estética. Algo como “a literatura brasileira do século XVI” nada diz porque
a expressão “século XVI” é esteticamente neutra. Algo como “a literatura brasileira na época
colonial” tampouco serve, já que “época colonial” tem significado essencialmente político.
Já “a literatura barroca brasileira” é mais coerente, pois “barroco” é norma estética e como
período “é uma seção de tempo dominada por um sistema de normas, padrões e convenções
literárias, cuja introdução, difusão, diversificação, integração e desaparecimento podem ser
acompanhados”.
Nesse sentido, dialogando com os objetivos acima apresentados pelas LDBEN,
consideramos pertinente citar as palavras de Antonio Candido sobre a literatura como fator
indispensável de humanização:
Pensando nas palavras do mais respeitado crítico literário brasileiro, pode-se
imaginar de que maneira atingiremos os objetivos de formar um aluno com autonomia
intelectual e pensamento crítico da forma como os livros didáticos descrevem a literatura,
apenas mostrando uma história literária, cujos parâmetros estão distantes de desenvolver
essa “quota de humanidade” que nos “torna mais compreensivos e abertos para a natureza,
a sociedade e o semelhante”.
O que pressupomos aqui, desse modo, é que o primeiro fator que deve ser levado em
consideração no ensino de literatura é o questionamento sobre o modo de ensino da história
literária. Devemos questionar se a descrição desses movimentos nos leva efetivamente a uma
experiência estética de saber ler e escrever, apropriando-se das práticas literárias que dotem
o estudante da capacidade de se apropriar da literatura.
Em outras palavras, decorar Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, suas
características e outros “ismos”, não levaria à ampliação de horizontes, ao questionamento,
ao encontro com a sensibilidade e a reflexão. Tal aperfeiçoamento só é atingido com o contato
efetivo com o texto. Quando se fala de texto, lembremos que discutir um texto de Machado de
Assis pode ser tão importante quanto discutir um bom filme, a letra de um rap ou um poema de
cordel.
Sendo assim, qualquer que seja o texto, erudito ou popular, canônico ou massificante,
deve passar pelo mesmo crivo de reflexão. Mas não nos iludamos. Sempre haverá em muitos
casos uma boa margem de dúvida nos julgamentos dos textos, dúvidas dos critérios de
aferição, que são mutáveis por serem históricos.
Não é, no entanto, o que se apresenta na história literária, cuja metodologia é
estanque e, desse modo, acrescenta-nos pouco àquilo que se quer de um aluno. Só com a
superação dessa perspectiva é que conseguiremos o que Carlos Drummond de Andrade nos
diz sobre a função da literatura e outras artes: “Creio que a literatura, assim como as artes
plásticas e a música, são uma forma de elevação do ser humano diante da precariedade de
sua condição.”
Francisco Lima é professor de Língua e Produção de Texto do Ensino Médio.
Entendo aqui por humanização (...)
o processo que confirma no homem
aqueles traços que reputamos, como
o exercício da reflexão, a aquisição
do saber, a boa disposição para
com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar
nos problemas da vida, o senso da
beleza, a percepção da complexidade
do mundo e dos seres, o cultivo do
humor. A literatura desenvolve em nós
a quota de humanidade na medida em
que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade,
o semelhante (“Literatura e Direitos
Humanos”, 1995, p. 249).
129128
Há algo de podre no reino da Noruega, mesmo com seus fiordes, florestas, lagos de águas
cristalinas, mar, cachoeiras e sinceras preocupações ecológicas. Mesmo com educação,
saúde, transporte e moradia para todos. Mesmo com cidades organizadas, calçadas e
ruas com acessibilidade nas quais as bicicletas e os pedestres são soberanos. Mesmo
com um imaginário repleto de Munchs, Ibsens, trolls, fadas, ninfas e vikings. Mesmo sendo
considerado o melhor país para se viver e com o maior Índice de Desenvolvimento Humano
do planeta.
Cheguei a Oslo em 23 de julho, um dia depois do atentado que matou pelo menos 76 pessoas.
O clima era muito tenso. O centro da cidade estava fechado e havia muitos soldados
armados nas ruas. Ainda não se sabia direito o que havia acontecido, mas já era quase
certo que aquele horror havia sido provocado por um único homem. E o mais inesperado:
ele era norueguês. A NRK mostrou a foto postada no Facebook do suspeito: um homem
louro, de olhos azuis, rosto de príncipe (pelo menos para o meu olhar estrangeiro, originário
de um país moreno). Seu nome: Anders Behring Breivik. Ultradireitista, contra a imigração
muçulmana e a miscigenação. Foi preso na ilha de Utoya, depois de explodir os prédios de
um quarteirão inteiro no centro de Oslo e de atirar durante quase duas horas em jovens
indefesos. Tinha mais de 600 seguidores na rede social.
“subtribos”, prejudicando, assim, o desenvolvimento equilibrado da Europa. Num manifesto
escrito em inglês, ele citou o Brasil como exemplo de um país disfuncional prejudicado pelo
multiculturalismo e que, por esse motivo, está condenado a jamais alcançar o mesmo nível
de produtividade e desenvolvimento europeu ou asiático.
A Noruega é um país pacífico. Não é à toa que o prêmio Nobel da paz é entregue em Oslo.
É perceptível que lá as pessoas se relacionam pelo princípio da confiança. Não há controle
para saber se você pagou a passagem do ônibus; os policiais, em tempos normais, andam
desarmados e ninguém mexe na bolsa que ficou no banco da praça. E foi nesse lugar que um
homem louro, culto, de frios olhos azuis e sorriso debochado teve a coragem de matar seus
próprios compatriotas em nome de um ideal macabro, no qual se exclui o diferente por medo
do outro, por medo de perder a identidade e de ter o padrão de vida rebaixado.
E pensar que em nome de valores culturais importantes como a beleza e a identidade
nacional já se cometeram tantas atrocidades! Homens cultos, louros ou morenos, de bigode
ou imberbes, planejaram e executaram friamente os piores atos contra seus semelhantes
em nome de ideais como os do terrorista norueguês. E pensar que esse horror, mesmo em
tempos de globalização, se mantém em diversas culturas se renovando permanentemente
para espanto até das pessoas mais crédulas. Diante disso, entendi que a única coisa
realmente globalizada e igual para todos é o gosto do Big Mac.
O fato é que depois da certeza de que o atentado fora cometido por um norueguês, o centro,
os prédios, museus e monumentos foram reabertos e, então, pude presenciar as primeiras
flores depositadas na praça em frente ao Duomo, as primeiras homenagens aos mortos, as
expressões de revolta e de dor daquelas pessoas. A identificação foi imediata. Pensava nas
famílias que perderam seus filhos tão jovens. E fui acompanhando, comovida, as flores e
velas tomando toda a praça.
Havia uma espécie de silêncio no ar, uma perplexidade expressa no rosto de todos.
Confirmado: o terrorista era mesmo Breivik. Não era, como se esperava, alguém de fora, de
alguma máfia estrangeira ou ainda representantes da Al-Qaeda. Era um norueguês louro,
alto, culto e de frios olhos azuis. Justificou o massacre como uma ação contra uma Europa
marcada pela imigração, principalmente a muçulmana, e a consequente mistura racial.
Além disso, afirmou que o atentado foi seu sacrifício pessoal pela completa mudança da
sociedade norueguesa e europeia, livre de estrangeiros que, afinal, só servem para gerar
Oslo 2011 – Um grito
Na segunda-feira, dia 25 de julho,
parecia que Oslo estava voltando ao
normal e eu, como boa turista, fui ao
Museu Nacional para ver os quadros
do Munch, especialmente “O Grito”,
que, como expressão de tempos
bicudos, permanecia mais atual do que
nunca. Quando saí, percebi que havia
um movimento diferente. As pessoas
caminhavam todas na mesma direção
carregando rosas nas mãos. Era gente
de todo tipo: executivos, jovens, famílias,
idosos, cadeirantes, bebês, hindus,
muçulmanos, judeus... Resolvi seguir
o fluxo. Até que cheguei em frente à
prefeitura de Oslo, que fica numa praça
imensa na beira do mar do Norte. Nunca
vi tanta gente. Acho que havia umas
200 mil pessoas. Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, recebi uma linda
rosa vermelha de um jovem para quem perguntei que evento era aquele. Ele me respondeu
que era a Marcha das Rosas, organizada para celebrar a paz e homenagear os mortos.
Logo depois, a multidão, emocionada, fez um minuto de silêncio no qual todas as pessoas
levantaram bem alto suas rosas. Nesse momento, me senti norueguesa, me senti brasileira,
me senti cidadã do mundo.
Valéria de Melo Pereira é professora de Português do 6º ano do Ensino Fundamental.
(Colaboraram preciosamente as professoras de História do Ensino Fundamental Denise
Mendes e Mônika Kuszka).
Uma das prioridades que se estabelecem,
em qualquer nível de ensino ou de formação,
é a melhoria e ampliação do sucesso dos
alunos nas situações de aprendizagem.
Trata-se, em outras palavras, de fazer
com que cada vez mais alunos realizem,
na escola, aprendizagens mais profundas,
eficazes e duradouras, permitindo que,
independentemente dos conteúdos que
sejam ensinados, determinadas estruturas
de pensamento possam ser desenvolvidas
com o objetivo de se tornarem ferramentas
na resolução de problemas nas diferentes
áreas do conhecimento.
Na Móbile, na área de Matemática, as escolhas
didáticas se pautam no desenvolvimento de
conceitos e procedimentos relacionados ao
desenvolvimento de determinadas estruturas
de pensamento. Acreditamos que essas
escolhas devam considerar a formação do
pensamento numérico/algébrico, proporcional,
geométrico e combinatório/probabilístico,
além de tratar de conteúdos que tenham
relação com a competência métrica.
Colocando essas estruturas de pensamento
no mesmo grau de importância, sem qualquer
hierarquização, podemos citar o pensamento
proporcional como um tipo de raciocínio
essencial, que permite interpretar fenômenos
e integrar conteúdos da Aritmética, da
Álgebra e da Geometria. É uma forma de
raciocínio bastante utilizada no trato de
questões de outras áreas do conhecimento,
como a Física, a Química e a Geografia, por
exemplo.
O raciocínio que envolve proporcionalidade,
de maneira equivocada na maioria dos cursos
de Matemática, é relegado a um estudo
muito específico no 7º ou 8º ano do Ensino
Fundamental. Na Móbile, acreditamos que
ideias de proporcionalidade devem percorrer
os planejamentos de Matemática desde as
séries inicias para que os alunos resolvam
problemas que envolvam estruturas de
pensamento proporcional, considerando
diferentes níveis de complexidade,
respeitando o repertório matemático
construído.
Estruturas de pensamento proporcional
133
De fato, considerando que em cada área do
conhecimento é possível identificar ideias
principais sobre as quais se estrutura um
corpo considerável de conceitos, podemos,
sem dúvida, no caso da Matemática, destacar
a proporcionalidade como uma dessas
grandes ideias, geradoras de boa parte das
relações significativas que são estabelecidas
no processo de aprendizagem. Outras ideias,
no mesmo sentido, são a equivalência, a
dependência, a variação, a aleatoriedade,
entre outras. Com base no reconhecimento
do destaque dessas ideias, os cursos de
Matemática podem ser organizados de
modo a percorrerem caminhos estruturados
pelas diversas relações de significado que
se traduzem por tais concepções. Numa
imagem: para cada ideia, imaginamos algo
como uma grande estrada da qual derivam
inúmeros caminhos para todos os lados,
caminhos esses que, adiante, voltam a se
encontrar em pontos de significados comuns.
Se as ideias são variadas, o são também as
estradas principais e os caminhos que delas
derivam. A vista superior de todo o esquema
nos mostra imagem semelhante a uma enorme
rede de significados, que se entrelaçam,
se complementam, se projetam, cabendo
ao professor determinar o percurso mais
apropriado para a aprendizagem dos alunos,
segundo os objetivos de seu curso. Priorizar
a proporcionalidade permite valorizar um
dos percursos mais longos e expressivos
no que tange à qualidade e à quantidade de
significados.
No 3º ano do Ensino Fundamental, por
exemplo, os alunos são colocados diante
de problemas que pretendem estabelecer
relações aritméticas de alto nível, ou seja,
eles passam a observar relações com base
na observação de padrões numéricos e
no estabelecimento de generalizações.
Nesse momento, as crianças começam a
tomar contato com importante significado
conceitual: a tradução de padrões de
regularidade por intermédio de sentenças
matemáticas.
Um exemplo elucidativo é o que apresentamos a seguir:
Colocada a seguinte situação: duas latas de goiabada custam R$ 7,00. A partir dessa
informação, complete a tabela abaixo com outros valores.
Notória é a importância da exploração de
situações de aprendizagem que garantam ao
aluno observar a variação entre grandezas,
estabelecendo relações entre elas,
construindo estratégias não convencionais
e convencionais para solucionar problemas
que tratem de grandezas diretamente ou
inversamente proporcionais. A tradução
vulgar dessa exploração é conhecida
por “regra de três”, algo que não passa
de um algoritmo eficaz para a resolução
de problemas típicos e que, se não for
profundamente compreendido à luz da
proporcionalidade, remeterá o estudante a
inúmeros equívocos de interpretação dos
resultados que obtém.
Alguns significados
Quantidade de latas de goiabada Preço total a pagar
2
4
5
R$ 21,00
10
R$ 42,00
7
As situações de proporcionalidade como esquema instrumental utilizam basicamente quatro
tipos de técnicas fundamentais:
• redução à unidade;
• modelagem proporcional;
• modelagem fracionária;
• modelagem algébrica.
135134
Evidentemente, nesta etapa de aprendizagem,
não tratamos de todas essas técnicas, mas
evidenciamos relações que envolvem, por
exemplo, redução à unidade: se duas latas
custam R$ 7,00, então uma lata custa R$ 3,50,
portanto quatro latas custam R$ 14,00.
Nesse problema, torna-se necessário o
estabelecimento de outras relações, tais
como: se duas latas custam R$ 7,00, quatro
latas representam o dobro do número de
latas, portanto o preço será R$ 7,00 x 2.
O preço de R$ 21,00 corresponde à compra de
seis latas de goiabada, uma vez que R$ 7,00
corresponde ao preço de cada duas latas
e 2 x 3 = 6. Podemos, ainda, realizar outras
operações, como descobrir que dez latas
custam R$ 35,00, cinco latas representam a
metade dessa quantidade, portanto custarão
R$ 17,50. Problemas dessa natureza, quando
tratados nas séries iniciais, são resolvidos,
muita vez, pelos alunos por meio de recursos
aditivos, como no caso de descobrir quantas
latas compro com R$ 21,00 (recorrendo a
R$ 7,00 + R$ 7,00 + R$ 7,00 – cada R$ 7,00
representa o preço de duas latas –, conclui-
se que serão seis latas). Independentemente
dos recursos utilizados, é importante que
os alunos se aproximem de uma ideia
fundamental: o pensamento proporcional
associa-se às operações de multiplicação e
divisão.
Mais adiante, os alunos começarão a traduzir
em sentenças matemáticas genéricas os
padrões de proporcionalidade que observam.
No caso do exemplo analisado, tal abordagem
permitiria questionar os alunos sobre, por
exemplo, o preço P de x latas de goiabada, se
cada unidade custa R$ 3,50. Tais procedimentos
caracterizam a iniciação do estudo do bloco
de conteúdos conhecido normalmente por
“Álgebra”, que, mais tarde, conduzirá às
equações e às funções de todo tipo.
O conhecimento algébrico, portanto, exige
a mobilização do raciocínio proporcional;
todavia, a Matemática compõe-se, para além
da Álgebra, de outros campos de conceitos,
como a Geometria, as Medidas e o Tratamento
da Informação.
Geometria – Em Geometria, apresenta-
se fortemente outra ideia fundamental: a
semelhança. Sem entrar em detalhes,
o conceito de figuras semelhantes,
diferentemente do senso comum, exige que
as dimensões correspondentes entre as
figuras guardem evidente proporcionalidade.
Por isso, todos quadrados são semelhantes
embora nem todos os retângulos o sejam,
e o mesmo se aplica aos triângulos. Temos,
nesse caso, situação clara em que duas
ideias matemáticas se unem para fortalecer
a base de significados conceituais.
Medidas – Para compreender a importância
da proporcionalidade no estudo das medidas,
basta nos lembrarmos de que toda medida
é realizada com base em comparação a
determinado padrão. Assim ocorre com o
metro, com o quilograma, com o sistema
monetário, com o litro etc. O resultado de
uma medida nada mais é do que a aplicação
de uma multiplicação com a ideia da
proporcionalidade. Se o padrão de medida de
certa grandeza é x, o resultado da medição
dessa grandeza, na unidade padrão, será
sempre y.x, qualquer que seja a grandeza ou
o padrão.
Tratamento de Informação – Um dos campos
da Matemática em que mais se nota sua
relação com as experiências cotidianas,
além das quatro operações fundamentais,
é o da Estatística, que compõe o grupo do
Tratamento da Informação. Em praticamente
todas as áreas do conhecimento, e não
apenas nas áreas ditas Exatas, verifica-se
a presença da Estatística, seja na Economia,
na Moda, no Direito, na Psicologia ou na
Gastronomia. A Estatística também se
alicerça no raciocínio proporcional, seja para
o cálculo e a análise da Média Aritmética,
seja para as projeções realizadas a partir
das probabilidades de acertos ou erros em
resultados de pesquisas.
É também no percurso organizado sobre
a ideia da proporcionalidade que os alunos
no Ensino Médio começam a representar
graficamente as generalizações que
estabelecem para as relações entre as
grandezas. Em outros termos, no Ensino
Médio os alunos passam a estudar
concentradamente as funções e a representá-
las em gráficos cartesianos. Nesse momento,
os conceitos matemáticos ganham ampliação
de significados que jamais se descolará de
toda a aprendizagem futura, seja no decorrer
do Ensino Médio, seja na universidade.
137136
Uma das funções do conhecimento matemático, mas não a única, consiste em estruturar
conceitos de outras áreas, como, por exemplo, a Física ou a Geografia. Especialmente
nesses casos, podemos notar a clara presença do raciocínio proporcional, seja na análise
da dependência entre grandezas físicas, como velocidade e tempo ou peso e massa, ou na
composição cartográfica com suas escalas e orientações. Em Química, a proporcionalidade
embasa praticamente todo o estudo das reações e o respectivo balanceamento energético, de
fundamental importância interna e externamente aos limites disciplinares.
Sem dúvida, escolhas didáticas que favorecem o desenvolvimento de conceitos e procedimentos
relativos à formação de determinadas estruturas de pensamento matemático contribuem de
maneira decisiva para uma aprendizagem significativa.
Antonio de Freitas da Corte é professor de Matemática do Ensino Fundamental
e Walter Spinelli, do Ensino Médio.
Alguns significados
A pergunta do título deste texto, feita inúmeras vezes em
aulas de Matemática a alunos pequenos, médios ou grandes, gerou
sempre a mesma resposta:
– Claro que sim! Aqui mesmo, nesta página do livro, estou
vendo um. Vou tocá-lo, quer ver?
Ao professor, nessas horas, coube sempre a árdua tarefa
de distinguir o objeto concreto de sua representação, mostrando aos
alunos a incorreção de suas respostas.
– Quadrados são figuras planas, apenas com duas
dimensões, largura e comprimento. Qualquer coisa que toquemos
terá sempre mais uma dimensão, a profundidade. Quer dizer, ninguém
jamais tocou ou tocará em um quadrado, pois eles existem apenas no
plano de nossas ideias ou, na pior das hipóteses, nos desenhos em que
os representamos.
O leitor poderá perguntar o que essa história de quadrado,
real ou não, pode interessar para o cidadão comum. Afinal, a vida de
todos nós continua bastante indiferente aos quadrados e, para além
deles, às circunferências, aos círculos, aos retângulos, aos losangos...
De certa forma, desejamos demonstrar, por meio deste texto, que o
tema tem, sim, relação com nosso cotidiano e que o tangenciamos
sempre que pensamos sobre algo; isto é, todo o tempo.
Voltando à sala de aula, se questionarmos os alunos a
respeito do tipo de quadrilátero que consideram o mais complexo
dentre todos, dificilmente responderão que é o quadrado. De modo
Pequeno ensaio sobre a importância das abstrações e da contextualização do ensino.
Alguém aí já tocouem um quadrado?
139138
geral, consideram o quadrado o mais simples, pois ele é tão regular,
“tão certinho” e tão fácil de representar. Mas se enganam! Não há
quadrilátero mais complexo do que um quadrado. Vamos, pois, utilizar
o modelo da construção do conhecimento dos alunos sobre o que seja
um quadrado para explorar nosso objetivo.
No início, as crianças reconhecem um quadrado apenas
pela medida de seus lados: se forem iguais, é um quadrado. Quando
crescem um pouco, são estimuladas a considerarem também a
medida dos ângulos internos, todos retos. Mais tarde, percebem
que há propriedades que apenas as medidas dos quadrados
obedecem, especialmente as que envolvem suas diagonais e as
circunferências que podem inscrevê-lo ou circunscrevê-lo. Em
síntese: as características de uma forma geométrica qualquer – o
quadrado é apenas um exemplo – são construídas pouco a pouco
pelos estudantes, ampliando constantemente uma espécie de feixe de
relações de significados sobre o objeto. Não há nada de mais nisso,
nem de menos, uma vez que é assim, nesse processo de identificar,
classificar, ampliar, que aprendemos quase tudo em nossas vidas, até
mesmo no campo de nossas relações pessoais, sejam elas de amizade,
trabalho ou amores. (Os mais céticos chegam mesmo a relacionar a tal
processo o desgaste de muitas relações amorosas que, inicialmente
intensas, pouco a pouco vão se revelando e amortecendo, como se a
ampliação do conhecimento de uma pessoa sobre a outra conduzisse
ao isolamento.)
Retomando, o conhecimento sobre algo se constrói à
medida que o sujeito estabelece relações de significado cada vez
mais amplas sobre o objeto que estuda, seja este um quadrado, um
automóvel, um país ou um(a) companheiro(a). Quero dizer: é como
se houvesse níveis de conhecimento que precisamos galgar pouco
a pouco – “step by step”, como dizem os norte-americanos – a
fim de que seja atingido o nível ‘ótimo’ de conhecimento, nível que
depende do estágio de vida em que nos encontramos. Isto aceito,
chegamos assim a uma das perguntas que traduzem nossa tese (e que
convenientemente escondemos por detrás da questão do quadrado,
que “se toca” ou “não se toca”): o que permite que galguemos os
degraus do conhecimento sobre algum objeto? Ou, dito de outra
forma, o que precisamos mobilizar para ampliar o feixe de relações
que elaboramos sobre aquilo que desejamos conhecer? Resposta nos
próximos parágrafos.
Ah! Esse quadrado – Continuando no mistério do quadrado,
voltemos à sala de aula e ao professor perguntando aos alunos:
– Se ninguém jamais tocou em um quadrado, jamais pegou
um na mão, podemos afirmar que ele é um objeto abstrato?
Essa é uma questão complexa que costuma confundir um
pouco mais os alunos, e também muitos de nós. Afinal, o quadrado
é abstrato ou, se não, é concreto? Sim, porque abstrato e concreto
se colocam em oposição, pelo menos na concepção espontânea que
temos sobre essas palavras.
Uma aluna, apenas uma, de nome Isabela, nem tão brilhante
em Matemática, como se poderia supor, deu uma resposta convincente
quanto à questão proposta acima. Ela disse:
– É concreto! Pois concreto é aquilo que conhecemos, não
importando se podemos ou não tocá-lo.
Na resposta de Isabela, transparece o fato, incontestável,
de que Alexandre Magno é concreto da mesma forma que o é um
predicativo do sujeito ou um átomo de hidrogênio. Ou alguém vai dizer
que será necessário, por exemplo, tocar num átomo de hidrogênio
para, por fim, acreditar que o respiramos todo o tempo, ou que esse
átomo desempenha papel importante na composição de certo líquido
que ocupa mais de 70% da superfície de nosso planeta?
Daqui para frente, apostaremos na ideia desenvolvida pela
Isabela, ou seja, há muita coisa concreta que não tocamos, tampouco
vemos (lembram-se do átomo de hidrogênio?). Além disso, apostamos
também na concepção de que o conhecimento sobre algo torna
141140
“esse algo” concreto, dentro da visão segundo a qual tornamos algo
concreto quando galgamos os tais degraus descritos anteriormente.
O quadrado, de novo ele, é um caso emblemático porque as crianças
precisam recortar uma folha de papel ou manusear blocos lógicos
para enxergarem essa figura, enquanto entre os adolescentes basta
estimular a imaginação para que resolvam todo e qualquer problema
envolvendo esse quadrilátero.
Se existem “estágios de concretude” que os estudantes
(e nós todos) precisamos vencer para conhecer profundamente
algum objeto, a próxima questão é: o que nos permite vencer um
degrau e saltar para o superior? A resposta, rápida e rasteira, é: as
abstrações.
São as abstrações que realizamos que permitem que nosso conhecimento sobre
algo o torne cada vez mais concreto, num movimento constante de ir e vir. Simbolicamente,
podemos representar em três etapas o processo descrito.
Nessa visão, concreto e abstrato não se encontram em oposição como afirmamos
anteriormente ser prerrogativa do senso comum. Concreto e abstrato são, como denominou
Henri Lefebvre, movimentos do pensar, que possuem relação dialética e cujo movimento de um
Objeto conhecido
Objeto conhecido
Objeto conhecido
Ampliação do conhecimento sobre o objeto
Objeto conhecido: tornado concreto
ao sujeito por meio das relações
de significado que construiu. Tais
relações são variadas e o sujeito
identifica apenas algumas a cada
momento. O concreto está no objeto
e o abstrato, fora dele.
Na ampliação do conhecimento
sobre o objeto, reside a importância
das abstrações. As abstrações
estimulam a construção de novas
relações de significado.
Novas relações de significados
conceituais são estabelecidas;
o conhecimento concreto sobre o
objeto é ampliado. Novas ampliações
implicam reviver o processo.
Da abstração para a concretude
143142
a outro extremo exercitamos todo o tempo, mesmo que não tenhamos
consciência disso. Considerando o trabalho do professor em suas
salas de aula, tal movimento precisa ser estimulado com vigor para
que seus alunos construam com firmeza o conhecimento sobre a
álgebra, a literatura, a química, a filosofia e até sobre o quadrado(!).
Fomos evoluindo no conteúdo do texto. Começamos com
o quadrado, passamos pelo átomo de hidrogênio, seguimos para as
abstrações e para a concretização dos conhecimentos. Chegamos
agora ao aspecto mais importante de toda a problemática, traduzida
por outra questão que referenda nossa tese: como estimular em
nossos alunos o exercício das abstrações? A resposta, novamente
rápida e rasteira, é dada por um verbo no gerúndio: contextualizando.
Contextos de ensino são o solo fértil do qual brotam as
necessárias abstrações. Abstrair algo do nada cabe apenas a vãs
teorias, avessas a propósitos concretos (sem trocadilhos).
A contextualização do ensino transparece com fervor em
algumas áreas do conhecimento e é compulsoriamente escondida em
outras. Não é possível imaginar o ensino da História sem contexto,
da mesma forma que a Física necessita dos fenômenos naturais para
explicá-los. História e Física são exemplos de disciplinas nas quais
a ausência de contexto, histórico em um caso e fenomenológico
em outro, conduz ao risco da completa desmoralização do saber.
Como discutir, por exemplo, a máquina a vapor sem contextualizar
o momento histórico em que surgiu e sua importância na revolução
industrial? Física e História se confundem nesse caso e ambas
tornam-se efêmeras se cada uma delas, por seu lado, não estimular as
abstrações a partir da composição do contexto em que os conceitos
se complementam.
Na Matemática – Queremos colocar nosso olhar sobre as
disciplinas nas quais a contextualização costuma passar “ao largo”,
mesmo em escolas ditas “de vanguarda”. Não é preciso muita reflexão
para chegarmos à mais emblemática delas: a Matemática.
Os mais vividos, incluindo o autor deste texto, sofreram mais
do que seus filhos com a ausência da contextualização dos conteúdos
matemáticos em sua época de estudantes. Havia a “decoreba” da
tabuada, a simplificação dos “carroções” da álgebra, a resolução
das enormes equações que conduziam a resultado que não dizia
nada, apenas “xis é igual a tanto”. Mas o que era esse “tanto”? Não
era cabível questionar. Numa linguagem mais próxima da pedagogia
atual, o ensino descontextualizado de então não agregava significados
conceituais àquilo que se estudava. Se isso é verdade, como poderia o
estudante construir o feixe de relações sobre algum objeto, na forma
que citamos em parágrafo anterior? Aqueles tempos eram os tempos
do estudante “balde vazio”, metáfora para a possibilidade de alguém
conhecer algo a partir do nada, em pequenas gotas que vão, pouco
a pouco, enchendo um reservatório único e limitado, em desprezo
completo aos conhecimentos prévios do sujeito sobre o assunto.
Não, não cremos que o conhecimento humano caiba em reservatório
único e muito menos que seja limitado. Hoje, os tempos são outros,
felizmente.
A Matemática que nossos alunos constroem em nossa
escola, podemos dizer, é contextualizada. Embora fosse necessário
bem mais do que algumas páginas para justificar completamente
tal afirmativa, temos em mente a importância desse tipo de ensino
quando elaboramos nossos planejamentos pedagógicos e criamos as
atividades para nossas aulas.
Contextos são caracterizados por conjuntos de
circunstâncias nos quais os objetos podem ser percebidos em
inúmeras relações de significado. Esses conjuntos podem ser
formados a partir de condições variadas, preferencialmente próximas
da realidade dos alunos, envoltas pelos elementos característicos
de suas culturas. Apresentar conceitos com base nas relações que
estabelecem internamente a esse conjunto de circunstâncias, ou seja,
contextualizar o ensino permite não apenas que os significados sejam
145144
detectados com vigor pelo estudante, mas também que os conteúdos
disciplinares não sejam vistos como algo criado por seres iluminados
que viveram em torres de marfim, isolados do populacho ignorante,
como é comum nas falas de estudantes de Ensino Médio (de outras
escolas) ao se referirem a seu aprendizado da Matemática.
Na proposta de um ensino contextualizado, a memorização
de algoritmos e fórmulas não é relegada a segundo plano, como
alguns poderiam, preconceituosamente, imaginar. Pelo contrário, os
procedimentos ganham significado quando associados aos elementos
constituintes do contexto. Em nosso caso, no Ensino Fundamental,
para o ensino da tabuada, por exemplo, recorre-se, com redundância,
ao cálculo mental e às estratégias de obtenção de valores de compra,
venda e troco. Nada de decorar quanto é 7x8, pelo menos inicialmente.
A memorização vem automaticamente com a compreensão, visto que
memorizar sem compreender é sinônimo de rápido esquecimento. Ou
algum leitor se lembra da sequência correta dos afluentes da margem
esquerda do rio Amazonas que tantos professores de Geografia nos
impunham decorar?
A composição do contexto de ensino é tarefa do professor,
em todas as instâncias. Para o cumprimento de tão importante tarefa,
preparamo-nos durante muitos anos, nos bancos da universidade, nas
assessorias, nas reuniões semanais e nas conclusões que tiramos de
todas as leituras que fazemos. Mas, se contextualizar é fundamental
para o exercício das abstrações, uma vez que quem abstrai o faz sobre
alguma coisa, a partir de algum contexto, é preciso que o estudante dê
um passo a mais, para além do contexto. Em resumo, se contextualizar
é imprescindível, romper as amarras do contexto é mais ainda; é
preciso extrapolar.
Sabemos que apresenta competência em algum assunto o
sujeito que, especialmente nos dias atuais, consegue enxergar para
além de seu conhecimento técnico sobre o assunto. Não é possível
considerar competente, por exemplo, um médico especialista apenas
em problemas do joelho direito masculino ou o chef que cozinhe
excepcionalmente bem o cordeiro e nada mais. O tempo da extrema
especialização passou de mãos dadas com o tempo da tabuada do 7x8
sem significado. O sujeito competente em nossos dias é aquele que
consegue associar de modo eficaz o domínio do particular e do geral
em suas fronteiras de conhecimento. Fronteiras mais largas possíveis,
é bom que se diga.
Voltando ao âmbito de nossa escola e ao ensino da
Matemática, temos a preocupação de contextualizar os conceitos
que apresentamos aos nossos alunos, seja pela aplicação desses
conceitos em situações do cotidiano, pela história da Matemática ou
pela interdisciplinaridade. Mas sabemos da importância do contexto
que se constrói a partir das relações internas à própria Matemática,
que denominamos contexto intradisciplinar. É a partir desse contexto
que as relações conceituais existentes permitem aos alunos extrapolar
seu conhecimento matemático para outros contextos, enfrentando
com competência situações-problema advindas de outros universos
do conhecimento.
Todos os contextos especialmente elaborados para
ensino deste ou daquele bloco de conteúdos, de qualquer área
do conhecimento, são encerrados por fronteiras invisíveis. Dentro
dessas fronteiras, reconhecem-se, com vigor, as relações entre
significados associados aos objetos de estudo, enquanto, para além
delas, as relações que existem, e são múltiplas, nem sempre são
facilmente identificáveis. Desejando discutir aspectos de política
internacional, um professor poderá, por exemplo, recorrer ao contexto
histórico da Guerra Fria, no período que se iniciou no pós-II Guerra
Mundial e definhou completamente no final da década de 1980.
Vários significados associados à conduta dos países envolvidos
na questão, decerto, podem ser transportados para aspectos da
política internacional de nossos dias. Haverá, entretanto, uma série
de considerações específicas das crises atuais que, à primeira
147146
vista, parecerão de natureza bastante diversa das que minavam no
noticiário do período de Guerra Fria. A possibilidade de compreensão
acerca de tais considerações exige que sejam extirpadas as fronteiras
do contexto anterior para que as relações anteriormente construídas
possam ser adaptadas às características desse novo contexto.
Devemos, portanto, considerar a necessidade do contexto para a
realização das abstrações e para a compreensão das inúmeras
relações entre seus elementos, mas precisamos também avaliar
que é parco o conhecimento que se constrói em um contexto e nele
estaciona.
Finalizando, em nossa escola consideramos a importância
da contextualização do ensino e consideramos também a necessidade
de o sujeito extrapolar, para múltiplos contextos, o conhecimento que
constrói sobre determinado conjunto de circunstâncias selecionadas
pelos professores. Não fora isto, nossos alunos estariam procurando
um quadrado que pudesse ser tocado. Tarefa inglória!
Walter Spinelli é coordenador e professor de Matemática
do Ensino Médio.
149148
p r o d u ç õ e s e m f o c o
O uso racional dos recursos naturais é um
tema que está posto como desafio para a
geração atual. Historicamente, a civilização
ocidental propagou um modo predatório de
exploração da natureza. Acreditava-se em
uma dicotomia entre o humano, o social, e o
mundo natural. Nesse contexto, a natureza
era vista como algo externo ao homem, algo
que deveria ser explorado e utilizado.
À medida que a população mundial aumenta
e os avanços tecnológicos permitem a
apropriação dos recursos naturais de
modo cada vez mais intenso, os impactos
ao meio ambiente vão se fazendo perceber
e sentir. Como exemplo mais notório,
podemos mencionar as mudanças climáticas.
O aumento da emissão dos gases de
efeito estufa – em razão das mais variadas
atividades econômicas – é apontado como
causa da elevação da temperatura global
e da consequente mudança no nível dos
oceanos e da distribuição das chuvas. As
possíveis consequências desse processo
são assustadoras: de acordo com as
previsões, esses fatos afetarão seriamente
o modo de vida de nossa sociedade, tendo
como consequência direta a inundação de
centros urbanos litorâneos, dificuldades na
agricultura e a propagação de doenças.
Infelizmente, as novas gerações recebem um
mundo intensamente explorado e precisam
lidar com o imenso desafio de criar novas
formas de se relacionar com a natureza, a fim
de garantir as condições para sua existência
sem promover o esgotamento dos recursos
que o planeta pode nos prover.
Para que os alunos do 6° ano do Ensino
Fundamental tenham a oportunidade de
refletir sobre o processo de apropriação
da água, recurso de vital importância, as
disciplinas de Ciências e Geografia propõem
um projeto interdisciplinar.
O projeto – Inicialmente, em Geografia, os
alunos são convidados a aprofundar seus
conhecimentos sobre a cidade de São Paulo
e sobre o local de sua fundação. O Estudo
do Meio no centro de São Paulo possibilita
a descoberta de que o lugar escolhido para
a formação do primeiro núcleo de ocupação
não foi acidental. Ele possuía características
geográficas estratégicas. Dentre elas, a
proximidade do rio Tamanduateí, que fornecia
água para a dessedentação e higiene, era
fonte de peixes e – por ser afluente do
rio Tietê – possibilitava a navegação e o
transporte para o interior.
A partir de atividades de observação e análise
das paisagens – realizadas desde o início do
ano letivo –, os alunos são convidados a
observar e comparar mapas e paisagens de
importantes rios da cidade de São Paulo: o
Pinheiros e o Tietê. A comparação dessas
paisagens em dois momentos históricos,
início do século XX e do século XXI, permite
identificar as transformações que ocorreram
nesses espaços. O que se observa são duas
mudanças drásticas: a poluição causada pelo
despejo, sem tratamento, do esgoto industrial
e doméstico e a retificação do curso original
desses rios para que as áreas de várzea
pudessem ser ocupadas.
As transformações da paisagem são a
materialização, no espaço, das mudanças que
ocorrem na sociedade. Tendo isso em vista,
as crianças são convidadas a refletir sobre
como a população de São Paulo, ao longo
do século XX, transformou rios de grande
importância em esgotos a céu aberto.
Complexo projeto de sustentabilidade é promovido no 6º ano do Ensino Fundamental.
Projeto água e Sustentabilidade
Ao mesmo tempo que, em Geografia, ocorre o
estudo da apropriação dos recursos hídricos
em um espaço urbano, na disciplina de
Ciências, os alunos iniciam uma investigação
das características químicas da água e das
transformações que podem sofrer como
decorrência da ação humana. Esse estudo
relaciona-se ao uso da água em meio rural
e complementa as discussões realizadas
em Geografia. Tal investigação baseia-se na
análise dos rótulos de diferentes marcas de
água mineral. Os estudantes percebem que,
apesar de todas as marcas conterem água
transparente, inodora e insípida, cada uma
apresenta composição química diferente.
Como esse fato pode ser explicado?
A resposta a essa pergunta surge como
consequência do estudo do solo, aprofundado
durante a viagem de estudo do meio ao
Acampamento Repúbllica Lago. Ao visitar
uma pedreira, uma plantação de cana-de-
açúcar e uma horta doméstica, os alunos
descobrem que existem variados tipos de
solo em cada local. Amostras de solo desses
lugares são analisadas em laboratório para
que se identifique o que diferencia os variados
tipos de solos: diferentes tipos de partículas
orgânicas e minerais. Essa percepção leva
os alunos a concluir que a variedade de
tipos de solo está relacionada às diferentes
composições da água mineral.
Experimentos em laboratório, no qual
amostras de água são “filtradas” por diversas
amostras de solo, simulando a infiltração
da água da chuva, permitem aos alunos
perceber sua propriedade como solvente.
Cada amostra de água carrega em si os
sais minerais resultantes da dissolução das
rochas que infiltrou.
Todo o percurso de investigação leva à
seguinte conclusão: poluentes lançados
no solo podem chegar ao lençol freático e
causar problemas de saúde, assim como
agrotóxicos usados nas plantações também
podem seguir o mesmo caminho.
Diante do grande desafio que está colocado
para as novas gerações – o uso racional dos
recursos naturais –, compreender o processo
que levou à degradação dos nossos recursos
hídricos é só o começo. É importante, sem
dúvida, conhecer alternativas que possibilitem
sua exploração sustentável.
Aprender no zoológico – Os cursos de
Ciências e Geografia da Móbile convergem
quando discutem o tratamento dos efluentes
(esgoto) e a utilização da água de reúso como
forma de preservar nossos recursos hídricos.
Além disso, promovem uma visita ao Parque
Zoológico de São Paulo para conhecer seu
programa de gestão de resíduos.
O Parque Zoológico possui estações de
tratamento de água e de efluentes, além
de uma unidade de produção de composto
orgânico. Nele, as crianças percorrem todo
esse sistema e observam o emprego das
técnicas de floculação, flotação e remoção
de flutuantes para que o esgoto gerado
no parque seja transformado em água de
reúso e adubo orgânico. Os benefícios
obtidos pelo Zoológico são inúmeros e
comprovam a sustentabilidade do projeto.
Dentre eles, destacam-se: a diminuição de
gastos com o consumo de água e a compra
de adubo utilizado no cultivo de alimentos
para os animais do parque. Outros fatores
importantes são a redução de custos com o
transporte dos resíduos sólidos (pois eles são
destinados à unidade de compostagem) e a
menor presença de animais propagadores
de doenças. Além disso, a estação de
tratamento de água tem sido utilizada para
melhorar a qualidade da águas dos lagos que
formam o Riacho do Ipiranga, um importante
patrimônio histórico da cidade.
Essa visita, portanto, permite a concretização
daquilo que foi estudado em classe e estimula
os alunos a refletir sobre as alternativas para
o uso sustentável da água.
Certamente, essa abordagem interdisciplinar
contribui para a aprendizagem significativa
das crianças e as estimula a criar novas
formas de se relacionarem com o meio
ambiente.
Iva Maria Alves é professora
de Geografia e Carlos Eduardo C. de Godoy
é professor de Ciências do 6º ano
do Ensino Fundamental.
155154
Em 11 de março deste ano,
a costa nordeste do Japão
sofreu um dos maiores
terremotos de sua história,
o que provocou um tsunami
na sequência. Diversas
cidades da região foram
devastadas pela ação
desses dois fenômenos
naturais, provocando cerca
de 10 mil mortes, deixando
muitos desabrigados e um
número ainda maior de
desaparecidos.
Inicialmente focadas na
descrição da magnitude
do terremoto e na relação
dele com a formação da
onda gigante, as notícias
veiculadas pela mídia
logo direcionaram seus
holofotes para a cidade
de Fukushima, localizada
no nordeste do Japão,
quando um dos reatores
de sua usina nuclear
sofreu uma explosão. Mais
rápido – e, talvez, mais
danoso – que o vazamento
de material radioativo foi o
ressurgimento do “fantasma
nuclear”, do qual a
humanidade pensava haver
se livrado desde o desastre
ocorrido em Chernobyl, na
Ucrânia, em 1986.
Mas o acidente em
Fukushima é, de fato,
comparável ao de
Chernobyl? É possível um
projeto de usina nuclear
imune a terremotos de
grandes proporções?
A quanta radiação uma
pessoa será submetida
se morar perto de uma
usina nuclear? Atividades
humanas podem provocar
terremotos? Se nem o
Japão, tido como símbolo
de tecnologia avançada
e disciplina, está livre de
acidentes nucleares, quem
estará seguro? As usinas
de Angra são uma boa
estratégia para completar a
matriz energética brasileira?
E os países que fizeram a
opção pela energia nuclear,
seja por escassez de outros
recursos, seja por cautela
em relação ao aquecimento
global, devem rever suas
escolhas?
Diante de tantas dúvidas
abordadas em notícias
nem sempre precisas e
apuradas (e muitas vezes
sensacionalistas), como
compreender de maneira
correta e integrada todas as
vertentes dessa complexa
situação? A Aula Magna
proferida aos alunos do
Ensino Médio procurou
dar conta dessa questão.
Mediados pelo professor
de Ética e Cidadania,
Roberto Candelori, os
professores Silvia Madeira,
Hugo Reis e Rodrigo
Mendes abordaram os
acontecimentos no Japão
sob a ótica de suas
disciplinas, respectivamente
Geografia, Física e Biologia.
Terremoto, tsunami e
Japão – A professora Silvia
iniciou sua apresentação
recordando os conceitos
geofísicos previamente
trabalhados em sala de aula
ao esclarecer qual processo
natural desencadeia
fenômenos como terremotos
e tsunamis.
A análise multidisciplinar como estratégia
didática.
A crise no Japão pós-Fukushima revisitada sob quatro olhares em aula magna proferida
por professores da Móbile a alunos do Ensino Médio.
157
Situado em uma região de encontro de três placas tectônicas, o Japão se caracteriza por ser
o país com maior concentração de terremotos, sofrendo cerca de 20% dos tremores anuais
no mundo. O epicentro desse terremoto foi bem próximo ao litoral e a poucos quilômetros
abaixo da crosta terrestre. Assim, a propagação de ondas sísmicas, comum a todos os
terremotos, deslocou uma grande massa de água que constituiu o tsunami de 10 metros.
A enorme onda atingiu uma
área densamente povoada
e com alto desenvolvimento
industrial. E não havia
como ser diferente: o
relevo montanhoso e os
86 vulcões ativos que
habitam o território japonês
forçaram, historicamente, a
concentração da população
na costa, tornando-a mais
vulnerável a tsunamis.
Terremotos e tsunamis
são fenômenos já bem
conhecidos pelos cientistas;
porém, imprevisíveis e
inevitáveis. A tarefa posta é
a de sermos capazes de nos
preparar o melhor possível
para seus efeitos, com
sistemas de monitoramento
e alerta mais eficientes,
construções mais seguras
e preparo da população.
É o que o Japão tem feito,
como mostrou Silvia,
especialmente no que diz
respeito ao treinamento da
população e ao erguimento
de barreiras de proteção,
além do desenvolvimento, a
partir de 1980, da tecnologia
de construção de edifícios
apoiados em sistemas
hidráulicos.
E com relação à composição
de sua matriz energética,
o Japão fez uma escolha
acertada ao ter 25% da
energia que abastece suas
cidades sendo gerada a
partir de reatores nucleares
em território tão instável?
Silvia explicou que no Japão
não abundam muitos outros
recursos. Num país escasso
em rios, em reservas de
carvão e em espaço para
usinas eólicas, o uso de uma
das mais poderosas fontes
energéticas já descobertas
pelo homem é certamente
uma opção.
Radioatividade, energia
nuclear e Fukushima – A
grande eficiência energética
que caracteriza a tecnologia
nuclear em comparação a
outras opções em uso foi
assinalada pelo professor
Hugo em sua fala. Com
uma quantidade pequena
de combustível nuclear
é possível produzir uma
grande quantidade de
energia. Por exemplo,
um quilograma de urânio
enriquecido numa usina
nuclear pode produzir
a mesma quantidade
de energia que várias
toneladas de carvão mineral
numa usina termoelétrica.
Para justificar essa
eficiência, Hugo recordou
os conhecimentos físicos
básicos relacionados à
radioatividade. Em linhas
gerais, esta consiste na
tendência de alguns átomos
de liberar a quantidade
de energia que os torna
instáveis. Tal liberação
pode ocorrer na forma de
partículas (radiação alfa,
barrada pelos tecidos
das roupas) ou de ondas
eletromagnéticas (radiação
gama, muito penetrante,
barrada somente por
chumbo).
À vantagem propiciada
pela eficiência energética
soma-se outra, de ordem
ambiental: a energia nuclear
é das mais limpas dentre
as desenvolvidas até o
momento.
Um reator nuclear aquece
água para produzir vapor,
utilizado para movimentar
uma turbina que produz
eletricidade. Diferentemente
do que ocorre numa usina
termoelétrica movida a
carvão ou diesel, não há
emissão de poluentes,
já que o vapor d’água é
posteriormente condensado
e reenviado ao reator para
ser reutilizado, num ciclo
fechado sem contato com o
ambiente externo.
Esclarecidas as principais
vantagens da energia
nuclear, Hugo se dedicou à
análise das características
da usina de Fukushima,
deixando claro que não
se pode afirmar que seus
reatores fossem inseguros.
Diferentemente da maior
parte das construções
localizadas na região
atingida, como refinarias
de óleo, depósitos de
combustíveis, usinas
termelétricas e indústrias
químicas, as usinas
nucleares não colapsaram.
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11.
159
Nas 14 usinas, distribuídas
pelas três centrais
nucleares da região, o
sistema de segurança
dos reatores funcionou
adequadamente, ou seja,
houve desligamento
automático e subsequente
entrada no modo de
resfriamento, mesmo ante
o corte de fornecimento
externo de eletricidade.
Contudo, cerca de 1 hora
após o terremoto, veio o
tsunami que colocou fora
de operação os geradores
a diesel disponíveis no
local, bem como seus
tanques de combustível.
Isso, então, abalou os
prédios onde estavam os
reatores de Fukushima e
interrompeu seu processo
de resfriamento. Pouco
depois, ocorreu a explosão
que vem causando todos os
problemas de contaminação
radioativa que os japoneses
ainda estão vivendo hoje.
Um evento dessa natureza,
com tal sequência de
problemas, é altamente
improvável. Considerando
que mesmo o altamente
improvável pode acontecer,
como ficou provado em
Fukushima, não é desejoso
que tais condições sejam
consideradas nos projetos
de usinas nucleares? O fato
é que estudos de segurança
precedem construções
desse tipo, e atender àquilo
que é altamente improvável
geralmente torna os
projetos muito dispendiosos
e, consequentemente,
desvantajosos.
Radiação, ambiente e
saúde – Em se tratando de
radioatividade, geralmente
nos lembramos das bombas
nucleares lançadas
sobre o Japão durante a
Segunda Guerra Mundial
e dos chocantes efeitos
da exposição excessiva à
radiação em decorrência
dos acidentes nas usinas
de Three Mile Island (EUA,
1979) e Chernobyl, além
do vazamento de Césio
137 em Goiânia, em 1987.
Mas, contrapôs o professor
Rodrigo, a energia nuclear
é, há décadas, uma das
mais eficientes aliadas da
medicina.
Além da importante
aplicação na área médica –
por exemplo, na radiologia
e na radioterapia –, irradiar
produtos agrícolas para
garantir sua conservação
também já é prática comum
e extremamente vantajosa.
Após iniciar sua palestra
destacando o uso da energia
nuclear como fundamental
para o desenvolvimento da
ciência e da saúde humana,
Rodrigo lembrou ainda
que a radiação é emitida
naturalmente pela terra,
pelo ar e até mesmo pelo
próprio corpo humano. (Para
não mencionar aparelhos
criados pelo homem e
tão presentes em nosso
cotidiano, como rádios e
os fornos micro-ondas).
Essas doses, no entanto,
são insuficientes para
causar danos, e o próprio
organismo tem mecanismos
de reparo.
A radiação incide
igualmente sobre todas as
moléculas que constituem o
organismo dos seres vivos,
mas consequências danosas
advêm da interferência
dela sobre o DNA, pois
as demais moléculas
podem ser repostas no
contínuo processo de
montagem e desmontagem
que caracteriza nosso
metabolismo, mas o DNA é
a receita para isso. Quando
o dano provocado pela
radiação não é corrigido
de maneira eficiente pelo
“maquinário de reparo” do
DNA, mutações acontecem.
Rodrigo ressaltou que nem
sempre as mutações são
prejudiciais. É importante
ainda ter a informação de
que somente mutações
nas células germinativas
são transmitidas à
descendência.
Aquelas ocorridas nas
células somáticas podem
ocasionar câncer, mas
estudos extensivos têm
mostrado que a radiação é
dos mais fracos elementos
carcinogênicos a que
podemos ser submetidos.
Mais do que induzir
mutações pontuais,
altas doses de radiação
geralmente provocam
rearranjos cromossômicos
que resultam na morte das
células afetadas antes que
tenham a oportunidade de
se tornarem cancerígenas.
Não se trata, obviamente,
de menosprezar os riscos
para a saúde humana e
ambiental. Vazamentos
radioativos podem atingir os
seres vivos diretamente ou
por meio da contaminação
de água, plantações etc.
É preciso, porém, avaliar
adequadamente os riscos
e proteger a população em
caso de necessidade, sem
alardes descabidos.
Energia nuclear, matriz
energética e economia
– Durante a mediação da
Aula Magna, o professor
Candelori deu o “tom” do
trabalho que continuou
posteriormente nas aulas
que ministra, de Ética e
Cidadania, acompanhando
os desdobramentos
político-econômicos que
se seguiram ao início da
pior crise que o Japão já
enfrentou desde a Segunda
Guerra Mundial.
161160
O clima catastrofista pós-Fukushima gerou demandas de desligamento de usinas em
operação e/ou interrupção de obras de outras em construção nos 30 países que reúnem
as 448 usinas do planeta. O ícone máximo disso foi o anúncio alemão de aposentadoria
antecipada das usinas construídas antes de 1980 e a revisão completa de sua matriz
energética.
No Brasil, o debate sobre o que ocorreu em Fukushima reavivou antigas críticas à política
nuclear de nosso país, especialmente após a reafirmação governamental de que o Brasil
seguirá erguendo sua terceira usina nuclear, a de Angra 3. Comparações entre as usinas
de Angra e Fukushima pipocaram na mídia, destacando sua diferença em termos técnicos.
Há quem defenda, porém, que o principal problema de Angra está relacionado à dispersão
da radiação em caso de acidente, dada sua localização próxima a áreas urbanas bastante
populosas.
É difícil ocorrer um acidente numa usina nuclear, pois as normas de segurança delas são
rígidas e seus sistemas de segurança, robustos. Mas havendo um problema nos reatores
– seja por falha humana, em decorrência de atentado terrorista ou como resultado de
um terremoto seguido de tsunami –, os efeitos podem ser desastrosos. Vem daí a grande
preocupação sobre o uso da energia nuclear.
A rigidez das normas de segurança, após os dois acidentes nucleares históricos que
antecederam Fukushima fez triplicar o custo de construção de uma usina nos últimos anos.
Novos projetos poderão ter seus orçamentos ainda mais inflados, possivelmente afetando
sua viabilidade econômica.
Não seria melhor, nesse caso, optar por energia solar ou eólica? Sem dúvida, nos países que
comportam tais tecnologias, deve haver investimento em pesquisa para que essas opções
tenham sua eficiência energética melhorada e se tornem, em breve, economicamente
competitivas com outras fontes.
A solução adequada para a questão energética depende, portanto, das características
de cada país em termos geofísicos, econômicos, de espaço, de demanda energética etc.
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011.
163
História, ciência e saúde.
Geografia, política e
economia. De fato, são
muitas as vertentes a
serem consideradas no
planejamento estratégico
de um país. Ciente de que
os cidadãos devem ter
papel ativo nesse processo,
a Móbile busca preparar
seus alunos, os gestores,
engenheiros, economistas e
ecólogos de amanhã.
Para saber mais
Apostila sobre radioatividade da Comissão Nacional de Energia Nuclear:
<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/radio.pdf>.
Apostila sobre energia nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear:
<http://www.cnen.gov.br/ensino/apostilas/energia.pdf>.
A energia nuclear e seus usos na sociedade:
<http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/revista-ch-2005/220/pdf_aberto/nuclear.pdf>.
Infográfico que indica os efeitos da submissão a diferentes doses de radiação:
<http://www.informationisbeautiful.net/visualizations/radiation-dosage-chart/>.
Mapa interativo da geração de energia nuclear no mundo:
http://www.economist.com/blogs/dailychart/2011/03/global_nuclear_power
Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do 2º ano do Ensino Médio.
No 5º ano do Ensino Fundamental, propomos, como conteúdo da disciplina
de Ciências, o estudo do corpo humano, composto por diferentes sistemas
e aparelhos que apresentam funções específicas e contribuem para a
manutenção do todo. Para isso, selecionamos estratégias que
favoreçam a compreensão desse complexo funcionamento.
Ao estudarmos o aparelho digestório, perguntamos
inicialmente às nossas crianças, por exemplo, o que
acontece com o alimento que ingerimos. As hipóteses por
elas levantadas revelam ideias simples, concretas e até
ingênuas, como, por exemplo: “A comida vira cocô e a bebida
vira xixi” ou, ainda, “O que é bom fica no corpo e o que não
presta vira cocô e sai”.
De que maneira ajudar os alunos a compreender como
realmente ocorre a digestão? As atividades realizadas no
laboratório de Ciências auxiliam os alunos a fazer analogias
entre os experimentos e o funcionamento do aparelho
digestório.
Depositar bolinhas de isopor com dois tamanhos diferentes em
um funil, acrescentar um pouco de água e observar que as menores
passam, ao contrário das maiores, sugere aos alunos que algo análogo a um
Alunos do 5º ano do Ensino Fundamental aprendem
como funciona o corpo humano.
Digestão: o laboratório em foco
funil está contido em nosso corpo e que o alimento, para passar por ele, precisa ser dividido
em partes menores. É possível também fazer os alunos compreenderem que o alimento
mastigado é mais facilmente digerido quando vivenciam uma situação de laboratório em
que um comprimido efervescente intacto demora mais tempo para se dissolver do que outro
triturado, por exemplo.
Todas as observações e registros individuais feitos após cada procedimento proposto são
socializados e discutidos, favorecendo a construção dos conhecimentos pelos alunos.
Em outro momento, os alunos percebem a reação do amido dos alimentos quando em contato
com a saliva. Para isso, pingam solução de iodo em batatas cozidas, carne e óleo e observam
o aparecimento de coloração diferente na batata pelo fato de ser a única que contém amido.
As crianças se surpreendem quando colocam saliva sobre ela e descobrem que a mancha
clareou. Podem, então, concluir: “Que função importante tem a saliva! Transforma o amido dos
alimentos!” E ao amassarem a batata: “A ação das enzimas da saliva é ainda mais eficiente!”
Outra descoberta a ser feita está relacionada à função do suco gástrico. Para facilitar essa
compreensão, os alunos observam as mudanças ocorridas na carne moída quando se pingam
gotas de limão (fruta ácida) nela: “A carne mudou de cor e ficou mais mole!”, relatam.
Uma nova etapa do processo ainda é ilustrada: a ação da bile sobre as gorduras é
compreendida depois de se usar um procedimento no qual se mistura detergente com
óleo. Os alunos observam uma transformação: “Ficou com várias gotinhas bem pequenas!”
Na discussão, comparam essa ação à que ocorre no intestino delgado.
E o intestino grosso? Relaciona-se sua função à ação de um pano fino coando massa de
cenoura misturada a água. O registro realizado no laboratório comprova a compreensão do
aluno: “A parte sólida da mistura de cenoura com água ficou no pano. Essa parte representa
as fezes. A parte que passou pelo pano ficou cor de laranja e representa a água e os nutrientes
que são absorvidos nos intestinos.”
Aprender esses e outros conceitos da disciplina de Ciências por meio das estratégias
apresentadas aqui favorece a compreensão dos conteúdos, pois, apropriando-se dos
conhecimentos científicos, os alunos desenvolvem uma autonomia no pensar e no agir.
Desenvolvem um olhar atento, curioso e investigativo e aprimoram algumas das habilidades
fundamentais para um “comportamento científico”: identificar elementos e suas funções,
levantar hipóteses, relacionar variáveis, comparar elementos e situações e concluir com base
em dados observáveis.
As aulas planejadas para o estudo do corpo humano são, além disso, muito prazerosas,
o que torna a busca pelo conhecimento e compreensão do funcionamento do corpo muito
mais envolvente, além de despertar nos alunos uma atitude de respeito e cuidado consigo
mesmos.
Alexsandra Dorneles de Azevedo, Jussara Moreira Santana e Laís L. de Carvalho
são professoras do 5º ano do Ensino Fundamental.
167166
A criança se apropria ativamente da cultura do seu grupo e, por meio da vida social,
da comunicação com outras crianças e com os adultos, assimila as experiências que
tem com o ambiente em que vive e forma seu pensamento.
O ensino de Ciências, especificamente para crianças na faixa etária dos 3 anos, deve
acontecer de forma prazerosa e significativa, de maneira que aquilo que se pretende ensinar
esteja vinculado à realidade de vida de cada aluno. A ciência deve constituir uma ferramenta
importante de compreensão e interação das crianças com seu mundo. Teoricamente, essa
abordagem parece simples, clara e objetiva, no entanto é um dos maiores desafios para
os educadores da Educação Infantil e exige deles uma constante análise e reflexão de sua
prática. Desconstruir a ideia de que a ciência é um conhecimento complexo demais para
ser ensinado a crianças tão pequenas e de que a comunicação entre esse saber e as outras
linguagens como Artes, Música e Culinária não existe foi o nosso primeiro passo para tornar
essa aprendizagem dinâmica, completa e significativa.
Investigar mecanismos
para trazer a ciência
para o dia a dia, para
a prática, de forma
concreta e lúdica, foi outro
desafio. Para dar conta disso,
aproveitamos o final das férias de verão e
trouxemos para a sala de aula um assunto
rico, familiar e, provavelmente, naquele contexto,
ainda “fresco” na memória das crianças: a praia e
o ambiente marinho.
O mar e seus mistérios – Iniciamos o trabalho com rodas de
conversa sobre experiências pessoais e, com isso, sondamos
o conhecimento prévio das crianças sobre o assunto. A partir
daí, montamos uma série de atividades diversificadas que
contemplam todas as exigências da proposta idealizada por
nós, incluindo a comunicação da ciência com outras áreas do
conhecimento.
O assunto foi tão envolvente e suscitou uma série de
considerações das crianças: “Meu pai já foi no fundo do
mar!”; “Meu pai tem um aquário que tem moreia”; “Eu
tenho um livro cheio de tubarões”; “Eu já fui com a
minha mãe numa praia que tinha tartarugas”...
A partir de relatos como esses, convidamos alguns
pais para virem à escola dividir com nossos grupos
suas experiências. Organizamos essas visitas alinhando
os conhecimentos dos pais à nossa sequência didática.
Afinal, para a formação de um bom aluno, a família é tão
O mar e seus ricos elementos são mote para trabalho
com Ciências com as crianças do Infantil 3.
“Terei sempre amado o mar.
Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.”
(Albert Camus)
Crianças mergulham no mundo da ciência
169
importante quanto a escola. Educação não se resume
ao ensino formal, mas ao desenvolvimento integral
em que a participação dos pais é necessária e
colabora para o processo.
Atravessamos a praia e fomos para o
mar encontrar ondas nas explicações
apresentadas por um pai praticante de
surfe. Do topo das ondas, mergulhamos
para o fundo do mar na companhia de um pai
mergulhador, com todos seus equipamentos
especiais. Na profundidade do oceano,
descobrimos muito! Descobrimos até que
animais marinhos viram frutos do mar num
delicioso prato. Essa descoberta foi facilitada
pela parceria de uma mãe chef de cozinha.
Cada visita ampliou o contexto de pesquisa que estava
sendo desenvolvida até o aquele momento, trazendo uma
abordagem diferente das fontes de informações comumente
utilizadas, como livros, vídeos, Internet e enciclopédias, e trouxe aos
alunos um novo olhar sobre seus pais: o de educadores. É importante as crianças
descobrirem que o professor não é o dono do saber, que seus pais, assim como os
pais dos colegas (e elas), também sabem.
E as descobertas não pararam por aí! O sabor do mar e
sua biodiversidade impressionaram as crianças. Em um
mergulho imaginário, elas “viram” animais temidos e
criaturas frágeis como um simples caramujo. Entre
tantos animais, um chamou especial atenção e tornou-
se o nosso objeto de estudo, a tartaruga marinha. Tornar
concreto o estudo de Ciências é algo fundamental para
a compreensão e o entrosamento dos pequenos, por
isso recorremos às tartarugas que vivem na escola a fim
de promover momentos de observação, comparação e
descrição desses animais com seus “parentes” marinhos. Foi
um sucesso! Trazer o animal para a sala de aula, observar suas
características e aprender palavras para descrevê-lo foi um dos pontos
altos do nosso projeto.
Para fechar nossa pesquisa, nada melhor do que ir a um local onde se
poderia observar o que, até então, os alunos viam somente em fotos ou
vídeos. Realizamos uma saída pedagógica ao Aquário de São Paulo. Mais
do que um passeio, essa visita proporcionou momentos de conversa e
troca de informações. Essas experiências não só enriqueceram o projeto
como proporcionaram aos alunos a vivência efetiva de situações de
aprendizagem.
No fim, ao analisarmos todas as etapas realizadas, as
respostas, o interesse e, principalmente, o
aprendizado dos alunos, observamos que
o ensino de Ciências para crianças
pequenas não somente é possível
como também deixa claro a
ideia de que tudo aquilo que
ensinamos e aprendemos
é real. Conhecer faz parte
do mundo das crianças
do Infantil 3; descobrir
como faz é parte do
aprendizado dos
educadores.
Andreza Martins de
Souza, Angela Ciupka,
Daniela Fernandes Rosa,
Daniela Jaime Levino e
Lyara Vilches Contensini
são professoras do
Infantil 3. Aline Prates
Stroeh é Orientadora
Pedagógica do Infantil 3.
Desde muito pequenas, as crianças observam, exploram e interagem com o
ambiente em que estão inseridas. Todos os dias, elas se deparam com novos desafios, muitas
novidades e conquistas. Por volta dos quatro anos, as crianças passam a ter maior domínio
motor e também um vocabulário cada vez mais rico, o que faz com que se comuniquem com
mais facilidade e clareza. Como característica marcante dessa fase da vida, as crianças
vivenciam o aflorar da curiosidade, do conhecer, do desvendar e do questionar. Em busca
de ampliar seu repertório e conhecer mais o mundo em que estão inseridas e com o qual
interagem ativamente, elas perguntam, levantam hipóteses e parecem querer decifrar todos
os mistérios do mundo ou, pelo menos, aquilo que lhes parece um mistério.
Visando estimular essa curiosidade natural da criança e auxiliá-la a conhecer o
mundo do qual faz parte, o estudo de Ciências proporciona situações de aprendizagem que
as incentivam a elaborar suposições, a apresentar dúvidas, a observar, a buscar informações
em fontes variadas e a registrar suas conclusões. Dessa forma, estabelecem relações entre
o que já sabem e o que aprenderam com base em pesquisas e, assim, sistematizam seu
conhecimento.
Nessa idade, as crianças ainda são bastante egocêntricas e conhecem o mundo a
partir de suas próprias experiências; dessa maneira, imaginam que todos vivam como elas.
Entrar em contato com uma cultura diferente da sua é importante para que desenvolvam
valores, posturas e atitudes em relação a si mesmas, em relação ao outro e ao ambiente.
Alunos do Infantil 4 se surpreendem com a riqueza da cultura indígena brasileira.
Crianças, índiose um universo comum
173172
“Um índio descerá de uma estrela” – Como a curiosidade abrange os mais diversos assuntos,
escolhemos um tema que desperta o interesse das crianças, fornece respostas a uma série de
questões que apresentam e proporciona situações nas quais elas também ampliam sua visão
de mundo: culturas indígenas.
Os povos indígenas fazem parte de nossa história, da origem de nosso país, nos
influenciaram em vários aspectos, e sua arte e música são muito próximas do universo infantil.
O Brasil abriga ainda hoje centenas de povos indígenas que guardam semelhanças com
nossa cultura. No entanto, apesar dessas semelhanças, cada etnia tem suas especificidades
culturais. Variam as línguas, as formas de organização social e política, os rituais,
os mitos, as formas de expressão artística, as habitações, as maneiras de se
relacionar com o ambiente em que vivem. Admiti-los como iguais seria um
desrespeito à riqueza cultural dos povos. Assim, cada turma do Infantil 4
conheceu e estudou uma etnia diferente: Munduruku, Xavante,
Kuikuru, Karajá e Guarani.
O estudo durou um semestre. Primeiro, fizemos um levantamento
do que as crianças sabiam e obtivemos respostas mais próximas do
senso comum: “Os índios ficam pelados, isso é muito diferente da gente!;
Os índios usam flechas para matar os animais!; Eles se pintam com tinta, mas os índios não
têm tinta! Então, eles pegam as flores coloridas, colocam na água do rio, depois eles fazem
uma tinta e se pintam!; Os índios falam chinês!; Eles matam os bichos com as flechas pra
comer!; Eles bebem água do rio!”
175174
Desconstruir essas ideias e descobrir
que os índios apenas se organizam socialmente de
forma diferente, mas mantêm vínculos familiares,
trabalham e festejam como todas as pessoas, é o
grande desafio desse trabalho.
Utilizamos mapas para localizarmos as
aldeias dos povos estudados, o que despertou um
grande interesse e também surpresa nas crianças,
pois elas souberam que, em São Paulo, no estado
em que residem, há uma aldeia do povo guarani.
Mostramos fotografias de povos indígenas e alguns
artefatos utilizados por eles, o que mobilizou as
crianças a também trazerem materiais de pesquisa
sobre o assunto.
Já mais familiarizados com o tema,
perguntamos o que gostariam de saber a respeito
das etnias, e elas levantaram questões como: “As
crianças brincam de bola?; Os índios andam de
barco?; A mamãe índia trabalha? E quem cuida
do bebê?; Os índios têm dinheiro?; Eles vão na
escola?; Eles têm brinquedo?; Eles choram?”; essas
perguntam revelam uma busca de identificação, a
partir de suas próprias vivências.
Fomos, então, em busca de respostas
para as perguntas e, para isso, pesquisamos em
diversos livros, muitos deles dedicados ao público
infantil, escritos pelo indígena Daniel Munduruku.
Buscamos informações no site do ISA (Instituto
Socioambiental), que desenvolve pesquisas
criteriosas a respeito dos indígenas brasileiros e
nos fornece dados bastante confiáveis.
176
Abordamos, principalmente, os temas: moradia, alimentação, brincadeira e arte.
Ao estudarem as moradias, as crianças descobriram a riqueza e pluralidade das casas
indígenas, existentes em todo nosso território, e desconstruíram a ideia de que toda casa de
índio se chama oca, como popularmente ouvimos falar. Elas descobriram que nem todas as
aldeias são iguais e que cada uma se organiza de uma maneira distinta. Ao compararem a
moradia indígena com aquela em que vivem, as crianças foram levadas a pensar em que lugar
cada uma está inserida e como isso se relaciona com o material utilizado em cada construção.
Assim, o olhar que estava inicialmente voltado para o índio começou a ampliar-se para o
ambiente em que as crianças vivem.
A partir daí, abordamos o tópico da alimentação entre os índios. Frutas e caças
foram as hipóteses levantadas pelas crianças, embora também tivessem trazido elementos de
sua rotina, como refrigerante e bolacha, por exemplo. Os alunos ficaram muito satisfeitos ao
compararem a alimentação indígena com a delas e descobrirem que ambas se assemelham
em muitos aspectos.
As brincadeiras indígenas despertam interesse especial. Nesse momento, as
crianças fizeram um levantamento das brincadeiras que conhecem e se surpreenderam ao
descobrir que as crianças indígenas têm brincadeiras parecidas com as delas, mas adaptadas
ao seu meio: assim como elas, brincam bastante e experimentam uma série de brincadeiras,
como o revezamento de tora e de chocalho, peteca, cama de gato, tiro ao alvo e brincadeiras
de roda.
A arte, a música e a dança indígenas são muito próximas do universo infantil,
e nossos alunos puderam fazer muitas experiências nesse sentido. Entraram em contato
com materiais naturais, como argila, penas e sementes, produziram artefatos indígenas,
aprenderam canções de várias etnias e dançaram acompanhando os ritmos dos índios.
Também fizeram tintas naturais, conheceram e reproduziram grafismos indígenas.
Para enriquecer ainda mais o estudo, foram visitar o Sítio do Sol, local onde
há uma réplica de uma aldeia indígena. Lá, puderam conhecer representantes de
alguns povos e vivenciar um dia na aldeia, com atividades organizadas pelos próprios
indígenas. Por meio dessas vivências, as crianças foram se apropriando de realidades
e valores importantes, como o respeito à diversidade.
Para finalizar o estudo, montaram uma rica exposição com seus trabalhos, resultado
do que aprenderam.
Ao travarem contato com a cultura indígena, as crianças tiveram oportunidade
de observar, conhecer, estabelecer relações e fazer comparações entre a nossa cultura
e a desses povos; contudo, mais importante do que buscar as diferenças foi reconhecer
as semelhanças, de modo que se estabelecessem a empatia e o respeito pelo diferente.
Paula Vasconcelos, Renata Maltempi, Roberta de Vita, Robervânia Araújo e Thaís Neves são
professoras do Infantil 4. Flávia Duran é orientadora pedagógica do Infantil 4.
Um dos objetivos das aulas de Artes
na Educação Infantil é “construir um olhar” a
partir do “observar”, “sentir”, “expressar”,
“fazer” e “refletir” dos alunos. A criança,
dessa forma, ressignifica seu mundo interno
e externo. E como o mundo é repleto de
significados e cheio de descobertas nessa
fase da infância!
O ensino de Artes investiga o senso
estético, a sensibilidade e a criatividade. A
criança na Educação Infantil se encontra
em fase de pensamento concreto e utiliza
seus sentidos para enriquecer suas
experiências. Nessa etapa, as atividades
artísticas propiciam ricas oportunidades para
o desenvolvimento dos alunos, uma vez que
colocam ao seu alcance os mais diversos
tipos de materiais para manipulação.
Quando as habilidades infantis
são estimuladas, ajudam no processo de
“O ser humano é, por natureza, um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta interpretar e, nesse interpretar, já começa a criar. Não existe um momento de compreensão que não seja ao mesmo tempo criação. Isso se traduz na linguagem artística de uma maneira extraordinariamente simples, embora os conteúdos sejam complexos.”
Fayga Ostrower
Infantil 5 constrói esculturas de arame e contas influenciados pela arte de Hermano.
Alunos entram no universodo artista plástico Luiz Hermano e produzem sua própria arte
180
Contas, com suas correntes que formam
rodamoinhos; Artifícios, na qual peças
pretas e brancas listradas provocam ilusão
de movimento; além de Sudário, Lua Cheia,
Trombetas e as demais obras que compõem
a exposição. Em todos esses trabalhos, o
artista utilizou materiais prontos, aliados a
um fazer artesanal.
A cada obra observada, era visível
a admiração por parte de nossos alunos.
Eles discutiam cada pequeno detalhe e não
se privavam de fazer comentários sobre as
obras de que mais gostavam. Além disso,
vibravam ao encontrar no espaço da galeria
algumas das obras estudadas em sala de
aula e discutiam, orgulhosos, cada detalhe
apresentado, como a sequência de cores ou
formas, tamanhos e repetições, sensações
provocadas, pensando sempre em qual seria
a intenção do artista ao produzir cada peça.
Por meio desse trabalho, pudemos
favorecer o aumento e maior qualidade
da observação de nossos alunos e,
consequentemente, ampliar seu repertório
cultural, pois, ao aproximar-se do objeto
estético, a criança comunica-se com
ele, reflete sobre sua opinião com outra
pessoa e com o mundo e estabelece novas
perspectivas.
Hora de produzir, reproduzir – Após
esse mergulho no universo de Luiz Hermano
e em seu “rio de contas”, cada turma, em um
trabalho coletivo, colocou em prática tudo
o que aprendeu com esse estudo: a partir
da imaginação criadora e da expressão de
cada elemento do grupo, a turma produziu,
coletivamente, sua própria escultura, usando
arame, contas e materiais diversos.
O trabalho com essa linguagem
possibilita e provoca o encontro das crianças
com dimensões e representações do mundo,
do espaço e tempo, do movimento, bem
como a experiência sobre o próprio corpo no
espaço. Essa linguagem convida ao brincar,
ao jogo lúdico com o vazio e o cheio, com
o duro e o mole, com o áspero e o liso, com
a mistura de cores e formas, com o ar e
“O que em mim senteestá pensando.”
Fernando Pessoaaprendizagem, pois desenvolvem a percepção
e a imaginação – habilidades indispensáveis
para a compreensão de outras áreas do
conhecimento humano. John Dewey, em sua
obra Arte como experiência, defende que
a subjetividade é inerente à arte e que,
por esse motivo, por meio da técnica e da
mediação de uma linguagem, ela se torna
também objetividade, algo sobre o qual
podemos partilhar sensações e reflexões
efetivas. Expressar uma experiência é
qualificá-la; logo, é também exercer, por meio
dela, a inteligência, no esforço elaborado da
comunicação. A arte, diz Dewey, depende da
“completa interpenetração” entre o sensorial
e o intelectual.
Para que a criança possa fruir
a arte de maneira mais plena, o estudo
da vida e obra de artistas contemporâneos
é imprescindível. Um dos artistas que
escolhemos como foco de estudo em 2010,
no Infantil 5, foi Luiz Hermano.
Nosso Hermano – Nascido no
Ceará, em 1954, Luiz Hermano Façanha
Farias veio morar em São Paulo, quando
foi convidado a realizar uma exposição
de desenhos no Masp, em 1979, e outra
de gravuras, em 1981. Desde então, vem
construindo uma respeitável trajetória no
circuito das artes, com inúmeras exposições
individuais e coletivas nas principais capitais
brasileiras e no exterior. Em 2008, realizou a
exposição Templo do corpo, na Pinacoteca
de São Paulo, quando também lançou seu
livro Luiz Hermano, pela Imprensa Oficial.
Suas obras ainda fazem parte de acervos
e coleções de prestígio – Coleção Gilberto
Chateaubriand, Rio de Janeiro; Biblioteca
Nacional de Paris, França; e, em São Paulo,
Masp, MAM, Pinacoteca do Estado, entre
outras.
Iniciamos o trabalho com a análise
de vídeos da vida e obra do cearense, leitura
de trabalhos desse artista e conversas
com nossos alunos sobre suas percepções
e sensações. Posteriormente, levamos as
crianças a uma exposição de Luiz Hermano
intitulada Rio de Contas, na Galeria Nara
Roesler. Lá, tiveram a oportunidade de ver
bem de perto algumas obras em que – repletas
de contas de formatos e cores diferentes, em
resina, plástico, acrílico e madeira, moldadas
por arame – continentes, rios, caravelas e
luas eram retratados magicamente… Além
da beleza e da arte, puderam perceber
também a matemática presente em cada
obra, pois todo o trabalho de Luiz Hermano
envolve relações e sequências lógicas na
sua elaboração.
Luiz Hermano criou obras com
estrutura de conjuntos, como Continentes e
Caravela, cujo princípio de organização de
alguns volumes configura o todo. Já as outras
se estabelecem pela unidade, como Rio das
183182
sua apreensão. Convida ainda a estabelecer
relações entre repouso e movimento, entre
espaço e tempo, capturados e expressos na
linguagem da escultura.
Ao realizarem esse trabalho,
nossas crianças vivenciaram todas as
possibilidades que a linguagem da escultura
oferece, e o resultado dessa experimentação
pôde ser apreciado numa bela exposição que
realizamos no início de agosto de 2010.
Ana Christina Nebó, Andréa Assumpção,
Fernanda Campanhã, Monica Conte e Paloma
Jordão são professoras do Infantil 5. Maria de
Remédios F. Cardoso é diretora da Educação
Infantil e coordenadora do Infantil 5.
185
Formar cientistas mirins
não é, definitivamente, um
dos objetivos do ensino de
Ciências Naturais da Móbile.
Mas isso não quer dizer
que, ao longo do Ensino
Fundamental, nossos alunos
não possam ser iniciados
nas ciências.
A ciência é uma forma de
compreender o mundo,
de explicar a natureza.
Ciências são óculos que,
uma vez colocados por
sobre os olhos, possibilitam
enxergar o mundo de outro
modo. Naturalmente, há
outros óculos, além dos
científicos, que podem
também nos mostrar tudo à
nossa volta, mas é por meio
dos “óculos da ciência”
que os fenômenos naturais,
como os trovões, por
exemplo, ganham dimensão
mais complexa. A ciência
entende o mundo buscando
explicações passíveis de
testes e validações e, por
isso, confiáveis.
A maneira particular
pela qual a ciência se
faz, com o método de
produção e validação do
conhecimento científico,
permite agrupar disciplinas
tão diferentes, como
Química, Biologia, Física
e Geologia em um único
grande grupo denominado
Ciências Naturais. Uma das
características centrais da
produção do conhecimento
científico é a investigação,
que deve ser considerada
como conteúdo estruturante
na formação fundamental
dos alunos.
Assim, além de conhecer
uma série de conceitos,
os estudantes também
precisam entrar em
contato com determinado
procedimento investigativo
para, então, compreender
uma atividade que ocupa
grande parte do tempo dos
cientistas.
Iniciar-se nas ciências – O trabalho de Iniciação Científica
do 8º ano do Ensino Fundamental estruturou-se nas bases
apresentadas anteriormente e permitiu uma experiência
investigativa bastante importante para nossos alunos.
A ideia foi proporcionar uma sistemática de trabalho similar
ao cotidiano dos cientistas, considerando o contexto escolar,
de forma que os estudantes vivenciassem diferentes etapas
do ato de investigar.
Tudo se iniciou com a definição dos grupos de trabalho e a
proposição de um desafio único para a série: realizar uma
pesquisa sobre saúde e alimentação na adolescência que
contemplasse, no mínimo, uma amostra de 100 pessoas.
Num primeiro momento, o tamanho dessa amostra pareceu
assustador ou impossível para os alunos, todavia percebeu-
se que, na verdade, isso se constituiu num dos fatores de
motivação para a realização do trabalho.
A partir de um grande tema vinculado à vivência dos alunos
(saúde e alimentação), oito subtemas foram escolhidos
e distribuídos entre as classes: “Consumo de fast food”;
“Alimentação e mídia”; “Consumo de doces”, “Uso da
cantina”; “Prática de atividades físicas”; “Alimentação
diária”; “Cuidados básicos com a saúde”; “Alimentação no
recreio”.
Partindo dos subtemas, cada quarteto de alunos elaborou
duas grandes “perguntas de investigação” (perguntas
científicas). Essas questões seriam respondidas apenas
na etapa final do trabalho, após uma coleta de dados
que contemplasse entrevistas com os adolescentes da
escola e pesquisa bibliográfica. Para cada “pergunta de
Alunos do 8º ano do Ensino Fundamental aventuram-se em pesquisa científica.
A investigação científicano Ensino Fundamental
187
investigação”, o grupo ainda elaborou uma metodologia
adequada à sua resolução, e todas essas informações foram
reunidas num produto intermediário denominado “Projeto
de Pesquisa”.
A etapa seguinte do trabalho envolveu orientação, o que se deu nas correções comentadas
de cada projeto de pesquisa e nas conversas entre os professores e os grupos de trabalho.
A orientação, com base na correção dos projetos de pesquisa, permitiu ajustes na
metodologia de cada “pergunta de investigação” e, assim, os grupos estavam preparados
para iniciar a coleta de dados. Cada classe do 8º ano ficou responsável por analisar uma
série que compõe o Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano).
Para tabular e analisar estatisticamente os dados coletados, inicialmente os alunos
participaram de duas oficinas para tratamento de dados fictícios, utilizando-se do programa
Excel. Durante as aulas destinadas à análise das informações, os grupos de trabalho
puderam discutir e decidir, com maior embasamento, as melhores estratégias gráficas para
representar seus objetos de estudo. Todo o trabalho de investigação foi finalizado na forma
de um “relatório científico”, gênero textual trabalhado, em Língua Portuguesa, ao longo
de todo o 8º ano, que permitiu, de uma maneira objetiva, o registro escrito da descrição
da metodologia adotada, dos resultados obtidos e das conclusões elaboradas, assim como
a replicação do estudo por outros pesquisadores – característica fundamental no processo
de validação do conhecimento científico.
O que leva os adolescentes à pratica de atividades físicas?
número de adolescentes
obrigação
58
diversão
22
outros
3
70
60
50
40
30
20
10
0
A Iniciação Científica do 8º ano proporcionou o aprofundamento de conteúdos específicos
estudados nas disciplinas de Ciências Naturais e Matemática e, acima de tudo, fez com
que nossos alunos pensassem cientificamente sobre um tema. Além disso, o mote que
sustentou todas as pesquisas possibilitou discussões e reflexões sobre comportamentos
e hábitos pessoais e de grupo, atitudes preciosas para a manutenção do bem-estar
individual e coletivo.
Para que o aprendizado de Ciências ocorra, não basta construir um acesso aos conceitos
e fenômenos, é também necessário formar o aluno para que ele possa se expressar e pensar
cientificamente. É nesse sentido que o trabalho de Iniciação Científica do 8º ano se justifica
e passa a ser fundamental.
João Carlos Micheletti Neto é professor de Ciências e Silmara Parra é professora
de Matemática, ambos do Ensino Fundamental II.
Palavra: unidade da língua formada por um ou mais fonemas, matéria-prima
do poeta, pedra valiosa em estado bruto. O ofício daquele que exerce a arte
de dizer muito em poucas palavras não é fácil, mas uma prática engenhosa,
de muita pesquisa e reflexão. Ele faz com que seres inanimados tornem-se
animados, transpõe o sentido objetivo de um termo a outro, figurado; cria
musicalidade combinando sons, une, enfim, todos esses elementos para
formar um poema que, como uma janela aberta, evoca realidades por vezes
inimagináveis, reveladas somente àquele que “penetra surdamente no reino
das palavras”, como disse Drummond.
Valorizar o texto poético como uma forma artística de expressão escrita é o
que faz a disciplina de Língua Portuguesa na Móbile. Como é possível ensinar
tal gênero de tamanha complexidade a crianças de apenas sete anos? Quem
responde a isso é o poeta José Paulo Paes em sua obra Poemas para Brincar,
adotada pelo 2º ano.
Alunos do
2º ano do Ensino
Fundamental
estudam poemas,
enquanto
brincam com
as palavras
A poesia está nas palavras
Convite
Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião.
Só que bola, papagaio,pião de tanto brincar se gastam.
As palavras não: quanto mais se brinca com elas mais novas ficam.
Como a água do rio que é água sempre nova.
Como cada dia que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
O envolvimento com esse gênero literário foi
estimulado nos alunos pelo prazer de recitar
os poemas em voz alta – guiando-se pela
musicalidade dos versos –, pelos jogos de
memória (troca-letra, adivinha-onomatopeia),
entre outras possibilidades relacionadas ao
rico universo da poesia.
Ao receberem o segundo livro de poemas, Rimas animais,
de César Obeid, os alunos já estavam familiarizados com a
organização gráfica do texto formado por versos e estrofes,
bem como já sabiam reconhecê-lo devido ao ritmo
característico do gênero. Contudo, as criações de Obeid
reforçaram o caráter oral da poesia por tratar-se de uma
literatura de cordel, profundamente ligada à cantoria
dos repentistas que usam a viola para embalar seus
versos improvisados. Os poemas escritos em forma
rimada e metrificados em sextilhas, setilhas, oitavas
e décimas apresentavam alguns animais, suas
características, seu modo de vida e curiosidades
acerca deles. Além disso, o escritor registrou em
seu livro palavras ligadas ao universo da ciência
para que o leitor tivesse mais informações
sobre o tema.
Após lerem os poemas em voz alta nas
rodas de leitura e se divertirem com as
descobertas sobre os animais, os alunos,
que há pouco haviam passado pelo
processo de alfabetização, elaboraram,
em duplas, os seus “ensaios” na arte
de fazer poesia. As produções sobre
os animais surpreenderam pela
diversidade de imagens criadas.
Também não faltou criatividade
para fazer as ilustrações utilizando
a técnica da colagem, a partir
da referência de Andréia Vieira,
ilustradora do livro Rimas
animais.
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Visita poética – A última palavra do projeto
ficou com o poeta César Obeid. Em um
animado encontro com os alunos da Móbile,
ele mostrou que a poesia está no dia a
dia. Rimando, brincou com as palavras, ao
cantar repentes a partir dos nomes das
crianças, e criou histórias usando barbantes.
Ao final da reunião, César foi presenteado
com os ensaios poéticos feitos pelos alunos.
Os olhos vibrantes, as risadas escancaradas,
os ouvidos atentos foram traços de uma
experiência única entre o poeta, a palavra
e o leitor.
Sem mais palavras.
Márcia Ruiz é assessora de Português
do 2º ano e trabalhou em conjunto com a
coordenadora Lucelena M. de Souza Lee
e com os professores do 2º ano Bárbara A.
Pozas, Débora M. zardi, Priscila M. Ribeiro,
Rodrigo L. de Castro e Talita D. Fagundes.
202
Quem nunca ouviu histórias sobre as estripulias do Saci-Pererê
e sobre a maldição da Mula-sem-Cabeça? Quem nunca sentiu
medo do Lobisomem, aquele ser estranho, metade homem e
metade lobo? Quem nunca se encantou com o Boitatá e com
seu corpo flamejante? Esses e outros seres fantásticos que
povoaram o imaginário infantil brasileiro durante décadas são
reavivados nas aulas de Português do 3º ano.
Com o objetivo de ampliar o universo cultural de nossos alunos
e de aprofundar o contato com histórias da tradição oral, que
constituem a identidade de um povo, trabalhamos com as
narrativas mitológicas, gênero que procura explicar a existência
do mundo e seus mistérios.
Inspirados pelas histórias e pelas ilustrações de Marcelo
Xavier, organizadas no livro Mitos (Editora Formato), os alunos
se encantaram pelo universo mítico e rechearam suas mentes
de histórias protagonizadas por seres fantásticos, repletos de
poderes e transformações. O encantamento se estendeu para
o campo de outras sensações ao experimentarem os sons
produzidos por esses seres enigmáticos cercados pela natureza
e seus mistérios.
3º ano do Ensino Fundamental trabalha com universo imaginário nacional.
Entes mágicose histórias fantásticas
204
Mestre André – Embalados por Mestre André, um contador de histórias típico do interior
brasileiro, as crianças percorreram diferentes cenários e conheceram diversas narrativas
fantásticas de nosso folclore. As ações das personagens e as características físicas e
psicológicas de seres singulares e fascinantes foram exploradas nas discussões em sala e
nas rodas de leitura promovidas pelas professoras.
Do primeiro contato com o livro, passando pelas sessões de “contação de histórias”, os alunos
vivenciaram a experiência de explorar o exercício de autoria e utilizaram os conhecimentos
adquiridos no decorrer do trabalho, além da intuição, para criar as características de seus
próprios seres.
O exercício de inventar, de dar existência ao que não existe,
coaduna-se, portanto, no processo de produção, com capacidades
artísticas e intelectuais que o aluno, no decorrer das situações de
aprendizagem, tem a oportunidade de desenvolver e aprimorar.
Ana Lúcia Ribeiro de Almeida é orientadora do 3º ano do Ensino
Fundamental. Adriana Caravieri Rosa, Aluani Tordin de Oliveira,
Fábia de Cássia B. dos Santos, Lara Portes Oliva e Marina Callil
Voos são professoras do 3º ano do Ensino Fundamental.
207206
Há muito tempo, aprender uma língua estrangeira deixou de
ser o simples estudo de códigos e treino de habilidades específicas.
Atualmente, passou a incorporar em seu processo de ensino contextos
sociais que permeiam o uso do idioma e a herança cultural que faz da
língua um objeto de estudo vivo e dinâmico.
O ensino da literatura busca retratar e recriar as questões
humanas universais, numa linguagem esteticamente trabalhada e
transgressora que possibilita ao aluno, entre outras coisas, descobrir-se
e reconhecer-se. Por essa razão, o uso de recursos literários no ensino
de línguas estrangeiras (em nosso caso, mais especificamente da língua
inglesa) vem ganhando espaço na sala de aula, pois eles aproximam
os alunos das múltiplas faces da linguagem, colocando-os em contato
com diferentes aspectos de uma língua. Os textos literários são, por
natureza, um recurso vasto e muito rico que abarca uma diversidade
de manifestações culturais, sociais e histórias específicas de uma
sociedade. Quando inseridos no processo educacional, possibilitam
que o aluno desenvolva uma leitura crítica e transfira para a sua
realidade, eventualmente, os valores veiculados nas obras. Dessa
forma, é possível desenvolver uma consciência crítica que permitirá ao
educando avaliar, julgar e ler o seu próprio mundo, tornando-se assim
um sujeito pensante, questionador e reflexivo, com espírito crítico e
ativo em aspectos sociais, políticos ou emocionais.
A inserção de literatura nas aulas de língua inglesa propicia
contato com materiais autênticos, observação da linguagem em diversos
contextos de comunicação e expansão do conhecimento sobre a
língua estrangeira aprendida. Por meio da literatura, possibilitam-se
discussões, troca de experiências e opiniões. Ao examinar os valores
contidos nos textos literários, leitores estabelecem conexões com o
mundo fora da sala de aula e ampliam seus universos culturais.
Nas aulas de Inglês do Ensino Fundamental II e do Médio da
Móbile, propomos a integração dos três modelos teóricos propostos por
Carter e Long. Esse trabalho se inicia com a escolha da obra a ser lida,
Os autores Carter e Long (1991) desenvolveram três modelos
de abordagens para a inserção da literatura nas aulas de línguas
estrangeiras. No modelo cultural, a literatura é vista como fonte de
informação, pois ela é capaz de aproximar o leitor de diferentes culturas
e ideologias contidas nas obras literárias. Esse modelo parte do estudo
de aspectos biográficos, sócio-históricos e culturais presentes nos
textos literários. No modelo de linguagem, a literatura é abordada como
instrumento de aprendizagem da língua estrangeira. É a partir desse
modelo que acontece a aquisição de vocabulário e novas estruturas
linguísticas que se fazem presentes no texto literário. Já o modelo de
crescimento pessoal propicia a apreciação da literatura como forma de
compreensão de nossa sociedade e cultura. Esse modelo permite que o
leitor se aproprie do texto literário e estabeleça conexões entre a obra
e o seu próprio mundo.
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Além da história:a ampliação do universo cultural nas aulasde Inglês por meioda literatura
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que é feita levando-se em conta o nível linguístico e de maturidade dos alunos. Os clássicos
da literatura de língua inglesa sempre encabeçam nossas opções, pois colocam os alunos em
contato com um tipo de narrativa ficcional distante de seus universos, fazendo da leitura algo
motivador e desafiador.
Depois de feita a escolha, começamos a abordar o primeiro dos três modelos
mencionados (modelo cultural), que acontece mesmo antes da leitura da obra literária.
Nessa etapa do trabalho, os alunos entram em contato, por meio de uma palestra em língua
inglesa, com o contexto histórico da obra para que possam estabelecer eventuais relações
com a contemporaneidade, além de promover uma reflexão sobre as marcas expressivas
de determinada geração. É nesse momento, também, que a biografia do autor é apresentada
aos alunos.
Uma vez que o conhecimento acerca do contexto de produção da obra esteja
garantido, os alunos começam a sua aventura para desvendar a obra sugerida, entrando no
segundo modelo, o da linguagem. Um dos objetivos, nesse momento, é colocar os aprendizes
em contato com o uso da linguagem em suas diversas formas para que possam construir
discursos bem elaborados estando em contato com elementos linguísticos que visam à
expressão de sentimentos e ideias de maneira clara e coesa. Além disso, o contato com uma
modalidade privilegiada de comunicação possibilita a instauração do diálogo entre textos e
leitores de todas as épocas, visando à compreensão do indivíduo em relação aos valores de
determinados contextos sociais.
Alguns teóricos defendem que a literatura possibilita o desenvolvimento de
habilidades de leituras de épocas e da cultura de um país. Permite também o aprimoramento
da capacidade expressiva, artística e interpretativa, promovendo o diálogo entre textos de
diferentes épocas e autores.
“By knowing how Edgar Allan Poe suffered in life and all he went through, it´s
easier to understand why he writes about death and pain. It made it easier to
understand the tales.”
(Thais Branco, 9º ano)
“I understand the reason of sadness in Poe´s stories. So the stories made
more sense to me, they weren´t just stories made to scare people, they were
important for Poe because they helped him go through his hard life.”
(Mariana Stefani, 9º ano)
“The information about the author made me understand the story better
because when I understand John Steinbeck´s life, I understand his opinions
and consequently the book.”
(Cristiana Pietracola, 9º ano)
“The information about the author helped me read the book and understand
how Lewis Carol’s characters were created.”
(Henrique Caldas Oliveira, 8º ano)
“With information about the author I could understand why he wrote those
stories; I could understand his style of writing.”
(Gabriela Vianna, 9º ano)
“I could understand how the characters had been created. The characteristics
of the characters were similar to people that Lewis Caroll used to know.
(Daniela Machado, 8º ano)
Momentos de Reflexão
Momentos de Reflexão
213
“I could learn the influence of Victorian era in the story.”
(Stephanie Haspo, 8º ano)
“Now I know how Charles Dickens lived and how the social condition influenced
the book.”
(Mariana Araújo, 8º ano)
“I could deeply see the characteristics of the characters and besides that I
could understand the situation of England at that time.”
(Daniela Taouil, 8º ano)
“It contributed to my understanding of who the characters were based on.”
(Henrique Ferreira, 8º ano)
“By knowing the style and the birth place of Lewis Caroll, I could understand
things related to the habits of his country”
(Thais Bianchini, 8º ano)
“You can see that many acts from the book are a kind of mirror to Poe´s
life. Throughout his life, he had a lot of deaths and in his stories we can see
that too.”
(Isabela de Angelis, 9º ano)
“The context of the story was the context of Steinbeck´s life.”
(Luiza Bucker, 9º ano)
How did the information about the author and his piece of writing contribute to your reading of the book?
Momentos de Reflexão
É sabido que o ensino da literatura contribui efetivamente para o desenvolvimento
da capacidade leitora, indispensável ao exercício da cidadania. O mergulho numa boa obra
literária permite a ampliação das habilidades básicas de análise e interpretação de textos
(levantamento de hipóteses interpretativas, considerando os recursos, tanto estilísticos
quanto semânticos e expressivos).
Apropriar-se do texto literário para estabelecer conexões entre a obra e o seu
próprio mundo é um dos objetivos do trabalho desenvolvido com literatura nas aulas de
Inglês.
Como fechamento para a análise literária, foi proposta aos alunos de 8º e 9º ano
uma reflexão sobre a importância da contextualização da vida do autor, do seu estilo e dos
aspectos sócio-históricos que permearam o momento de produção da obra literária. Algumas
das citações produzidas, a visão sobre como cada aluno percebeu a leitura proposta e os
ganhos obtidos são ilustrados a seguir:
Wha
t is
won
derf
ul a
bout
grea
t lit
erat
ure
is t
hat
it tr
ansf
orm
s th
e m
an
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“I could understand the mind of the writer better, and his thoughts when he
wrote those tales. That helped me understand the characters’ minds too.”
(André Salem, 9º ano)
They motivated me to read the book because I became curious.
(Andrea Moutinho, 9º ano)
“I´ve tried to read the book as if I were Lewis Caroll.”(Renata Batista, 8º ano)
Esse projeto possibilitou aos alunos fazer leituras mais complexas, contextualizadas
e significativas, além de ampliar seu repertório linguístico e cultural e estabelecer relações
entre a leitura e seus próprios mundos.
Conheça mais
• CARTER, R. & Long, M. (1991). Teaching Literature. Longman
• SAVVIDOU, C. An Integrated Approach to Teaching Literature in the EFL Classroom
http://iteslj.org/Techniques/Savvidou-Literature.html
Links - Literatura em língua inglesa
• http://www.online-literature.com/
• http://classiclit.about.com/od/bycountry/By_Country_Language_Find_Writers_From
_Around_the_World.htm
• http://www.classicliterature.net/
• http://www.bartleby.com/cambridge/
• http://www.classic-literature.co.uk/classic-literature.asp
Cláudia Colla de Amorim é coordenadora geral de Inglês da Móbile;
Paulo Rogério Rodrigues é professor de Inglês do Ensino Fundamental II
e coordenador do curso opcional Inglês Móbile.Livros lidos pelos alunos dos 8os e 9os anosno 1º semestre de 2011:
• Christmas Carol (Charles Dickens)
• Through the Looking-Glass (Lewis Carroll)
• The Pearl (John Steinbeck)
• Tales of Mystery (Edgar Allan Poe)
217216
Prática outrora restrita
às boas universidades,
passou a compor o quadro
de projetos realizados
pelos alunos do Colégio
Móbile desde 2008. Trata-
se do projeto de Iniciação
Científica.
Os alunos do Ensino Médio
que participam do projeto
de Iniciação Científica
pesquisam temas de seu
interesse e de reconhecido
valor cultural sob a
orientação dos professores.
Eles iniciam suas pesquisas
quando cursam o 2º ano
do Ensino Médio e, depois
de um ano, apresentam os
resultados em formato de
componentes virtuais que
podem vir a ser socializados
a outras pessoas
interessadas nos temas,
sejam elas da comunidade
Móbile ou não.
A primeira turma do projeto
(2008/2009) produziu
um conjunto de Objetos
Virtuais de Aprendizagem
sobre temas relacionados
às Ciências Exatas e
desenvolveu blogs sobre
importantes temas das
Humanas.
Jogos virtuais
Os alunos que fizeram parte da segunda turma do projeto de Iniciação Científica (2009/2010)
produziram Jogos Virtuais sobre temas relacionados a várias áreas do conhecimento.
A seguir, descrevemos os trabalhos realizados pelos alunos em Ciências e em Humanas:Alunos do Ensino Médio apresentam seus trabalhos de Iniciação Científica.
Trens, casas sustentáveis, anarquismo, cinemae muito mais
219218
Nas Ciências...
O aluno João Frederico Paredes, interessado em aspectos de Química, resolveu aplicá-
los na produção de um jogo envolvendo mistério na solução das causas de um acidente
automobilístico. Para tanto, o usuário precisa colocar-se no papel de um perito criminal
que utiliza procedimentos clássicos de Química Forense. Aliás, Química Forense é o título
que João Frederico deu a seu jogo.
A aluna Natália Mello tinha por interesse cursar Engenharia Civil, como de fato o faz hoje.
Não foi à toa, portanto, que se dedicou a pesquisar a respeito das características de
construções residenciais que pudessem ser classificadas como “sustentáveis”. O resultado
de sua pesquisa gerou uma simulação interativa, intitulada Construções Sustentáveis,
na qual o usuário projeta uma casa e, para tanto, deve escolher uma região do país,
materiais e equipamentos adequados. Dependendo das escolhas que realiza, sua obra
recebe uma classificação que pode ou não ser próxima, de fato, de uma construção
sustentável.
Trens de todos os tipos, desde as mais simples locomotivas a vapor até os modernos trens
magnéticos, sempre foram tema de interesse do aluno Jorge Luiz Moreira Silva. Quando
surgiu a oportunidade de estudá-los a fundo, Jorge a agarrou e realizou uma pesquisa
de alta qualidade que resultou em um complexo jogo sobre o tema. Nesse jogo, intitulado
Trens, para sair-se bem, um jogador precisa aprender um pouco do que Jorge estudou por
meio de interações sucessivas com as rotinas que ele mesmo programou.
O interesse pela Biologia fez com que o aluno Henrique Rubira resolvesse pesquisar
as condições que permitiram o surgimento da vida na Terra. Ao final de sua pesquisa,
Henrique havia produzido uma interessante simulação, A origem da vida, em que o usuário
escolhe determinadas características e, em função dessas escolhas, a vida surge e
se perpetua ou, em caso contrário, definha e desaparece. Como se vê, não foi pouco o
conhecimento de Biologia necessário para que Henrique produzisse algo tão complexo.
Música sempre é algo que atrai qualquer jovem, mas alguns deles, além de cantar e tocar
algum instrumento, preferem estudar os princípios científicos que norteiam os fenômenos
sonoros. Esse foi o caso do aluno Raphael Vianna, que pesquisou, concebeu e programou
um jogo intitulado Matemática e a música do violão. Convidamos a quem desejar conhecer
as regras de proporcionalidade envolvidas na construção da escala musical a interagir com
o jogo que Raphael produziu.
Nas Humanas...
Na área de Humanidades, os projetos versaram sobre temas relacionados à História e suas
fronteiras com outros espaços de produção de conhecimento. Os três alunos pesquisadores
a seguir aproveitaram a oportunidade oferecida pela Iniciação Científica para ampliar seus
conhecimentos sobre temas de seu interesse que envolvessem História, Arte e Política.
Pedro Loureiro Porto iniciou sua participação no projeto interessado em conhecer mais
a fundo os processos de relação entre o surgimento de um movimento literário e o momento
histórico no qual ele aconteceu. Partiu das profundas alterações sociais e econômicas
provocadas pela Revolução Industrial na Inglaterra no século XVIII para entender como
as manifestações literárias tinham reagido a essas transformações. Encontrou não apenas
uma, mas duas vertentes importantes que foram geradas pelo contexto histórico
da industrialização: a literatura policial e o Romantismo. De modo a restringir sua pesquisa
e estabelecer relações mais precisas, focou seus estudos em um representante
de cada movimento. O poeta Lord Byron (1788-1824) foi escolhido como representante
do Romantismo, enquanto o escritor Edgar Allan Poe (1809-1849) teve esse papel na literatura
policial. Seu jogo apresenta a cidade de Londres nas diversas fases da Revolução Industrial.
O jogador, que inicia o jogo como um camponês que procura trabalho na cidade, recebe
uma série de missões a serem cumpridas para auxiliar no desenvolvimento do processo
da industrialização e compreender as transformações que esse processo provocou
na sociedade inglesa. Para poder cumpri-las, é auxiliado pelos dois escritores, entrando
em contato com suas produções literárias.
O cinema sempre foi a grande paixão de Ana Carolina Balam Sebe. Ela escolheu estudar
a relação de um filme com o momento histórico em que foi produzido. Mais do que isso:
queria compreender o impacto que um filme pode ter na sociedade, assim como o retrato
que uma obra cinematográfica pode fazer da sociedade na qual foi criada. Para isso, Ana
escolheu como foco de sua pesquisa a sociedade norte-americana e sua produção. A partir
de diversas listas feitas por críticos de cinema reconhecidos, elegeu obras representativas
das décadas de 1970, 1980 e 1990, assim como momentos históricos emblemáticos de cada
uma dessas décadas. O jogador transita, então, pelos diferentes momentos históricos
e é levado a participar de cenas icônicas dos filmes escolhidos para cumprir uma missão
que envolve uma máquina do tempo, testes e o resgate de um cientista maluco.
O interesse de Caroline Cury sempre foi voltado para a política. Quando teve aulas sobre
anarquismo no 2º ano do Ensino Médio, ficou fascinada pelas propostas dos teóricos
anarquistas e sua atuação ao longo do século XIX. Porém, tinha dificuldade em imaginar
como seria possível – se é que seria – o desenvolvimento de uma sociedade naqueles
moldes, por isso escolheu esse tema para tratar ao longo de sua Iniciação Científica.
Focou seus estudos em dois teóricos, o russo Mikhail Bakunin (1814-1876) e o francês Pierre
Joseph Proudhon (1806-1865), para criar um jogo que simula uma sociedade anarquista após
o processo revolucionário, orientada pelas ideias desses dois pensadores. O jogo revelou-se
uma ferramenta didática extremamente interessante e funcional: os alunos do 2º ano de 2011
iniciaram seus estudos sobre anarquismo a partir dele. Puderam, assim, compreender
as teorias de Proudhon e Bakunin de forma lúdica, exercitando os limites da imaginação
e da construção de hipóteses.
Conheça esses trabalhos acessando http://www.escolamobile.com.br/?page_id=1885
Novas turmas: novos desafios
No segundo semestre de 2010, uma nova turma de alunos ingressou no projeto de Iniciação
Científica do Colégio Móbile. De 2008 – quando o projeto foi iniciado – até o final do ano
passado, dobrou o número de interessados em pesquisar e construir conhecimento
sobre temas que tangenciam os conteúdos curriculares, mas que não são tratados
especificamente durante as aulas. Para a turma que concluiu seus trabalhos em 2011,
o desafio foi a transformação de suas complexas pesquisas em vídeo-aulas dinâmicas
e acessíveis ao público. Os trabalhos resultantes dessas pesquisas poderão ser conhecidos
por você na próxima edição da Revista da Móbile.
Walter Spinelli é professor de Matemática do Ensino Médio (e coordenador geral do
projeto de Iniciação Científica) e Teresa Chaves é professora de História do Ensino Médio
(e coordenadora dos projetos de Humanidades).
Projeto interdisciplinar em Ciências da Natureza aproxima ciência e fotografia
no I Concurso Fotográfico da Móbile.
A ciência vista com arte
A fotografia constitui, como se sabe, uma
linguagem extensamente utilizada no fazer
e no comunicar científicos: imagens de
satélite, imagens de microscopia, imagens
de fenômenos físicos e químicos, imagens
de seres vivos e ambientes naturais e tantas
outras permeiam o cotidiano da produção
do conhecimento científico e de sua
aprendizagem.
Com a realização do concurso fotográfico,
a Móbile reafirmou seu compromisso de
também formar cidadãos capazes de utilizar
diferentes linguagens para interpretar
conceitos científicos e comunicar suas ideias
tendo, ao mesmo tempo, prazer na criação
artística e no aprendizado dos conteúdos.
Espaço virtual – A comissão organizadora
do concurso fotográfico reuniu informações
sobre o trabalho numa ferramenta
complementar, o blog http://olharesdaciencia.
wordpress.com. Estimulando a interatividade
e a pesquisa em ambiente virtual, o blog serviu
de suporte para o concurso ao apresentar
o regulamento, disponibilizar um espaço
para que os alunos sanassem suas dúvidas,
divulgar as datas das oficinas fotográficas,
além de hospedar o link para a ficha de
inscrição. Mais que isso, o blog funcionou
como um espaço virtual de aprendizado
ao propiciar referências aos estudantes,
apresentando imagens científicas diversas,
muitas delas participantes de concursos
fotográficos de prestígio internacional,
No início de 2010, os alunos do Ensino
Fundamental II e do Médio foram instigados
a criar ângulos para retratar a ciência que
vêm conhecendo em sala de aula. De acordo
com a série em que se encontravam, alguns
temas científicos foram propostos e os alunos
puderam, então, representá-los por meio de
fotografias que foram inscritas no I Concurso
Fotográfico da Móbile – Olhares da Ciência.
A resposta foi surpreendente e gratificante:
mais de 200 fotos inscritas. A comissão
organizadora do evento selecionou cerca
de 60 obras finalistas, de acordo com os
critérios estabelecidos no regulamento
do concurso. Em seguida, dois fotógrafos
profissionais, Édson Grandisoli e Deco Cury,
analisaram essas imagens e selecionaram os
vencedores de cada série.
Arte e Ciência – O concurso fotográfico
surgiu tendo como base as experiências
bem-sucedidas do projeto de exposição
de fotografias científicas realizado pelos
professores Carlos Eduardo Godoy e João
Carlos Micheletti Neto (Ensino Fundamental) a
partir de seus acervos pessoais. Inicialmente,
as exposições pretendiam aproximar os
alunos das fotografias de elementos da
natureza, apresentando imagens de grande
beleza e possíveis de serem feitas com
máquinas digitais simples.
Com o retorno positivo de alunos de
diferentes idades sobre as exposições Mundo
Vegetal e Mundo Animal, os professores
e coordenadores de Ciências do Ensino
Fundamental e Médio imaginaram um evento
que envolvesse do 6º ano (EF II) ao 3º ano (EM)
de forma a estimular o registro fotográfico
dos conteúdos científicos trabalhados.
No contexto da aprendizagem científica,
essa relação entre arte e ciência facilita a
sistematização de conteúdos científicos e o
exercício do uso de uma linguagem específica
possibilita a expressão dos conhecimentos
sobre esses conteúdos.
além de fornecer “dicas” fotográficas
e informações científicas. No período do
concurso fotográfico, foram disponibilizadas
mais de 70 postagens divididas em 4
categorias (“Ciência e Arte”, “Concursos de
Fotografias Científicas”, “Dicas Fotográficas”
e “Galerias de Imagens”).
Oficinas fotográficas – Cerca de 150 alunos
participaram de oficinas que ofereceram
a eles a possibilidade de conhecer alguns
dos recursos fundamentais da linguagem
fotográfica, como enquadramento, iluminação
e movimento. As oficinas fotográficas foram
divididas em duas sessões. A primeira parte
versou sobre esses fundamentos básicos da
linguagem fotográfica. Na segunda parte,
de cunho prático, os alunos estiveram
divididos em grupos que se revezaram em
três estações de trabalho: fotografia still,
fotografia de paisagem e fotografia macro.
As estações de trabalho fotográfico foram
estruturadas para que os alunos colocassem
a “mão na massa”, ou melhor, nas câmeras!
Explorando os tipos de enquadramento
mais simples, a preparação de cenários,
de iluminação e fixação da câmera, os
adolescentes puderam praticar e elaborar
as primeiras imagens de conteúdos das
diferentes ciências da natureza. A partir
desses momentos de prática, muitos alunos
conseguiram transferir as sugestões técnicas
oferecidas para outras situações, fato que
ficou comprovado com a inscrição de muitas
fotografias, produzidas em datas posteriores
às oficinas.
álbum de fotos – As fotos submetidas ao
concurso foram exibidas em uma exposição
no átrio da entrada da Diogo Jácome, a qual
foi prestigiada por pais e alunos na segunda
quinzena de novembro de 2010. Essas fotos
estão, agora, organizadas em um álbum de
fotos na Biblioteca da Móbile e disponíveis
para apreciação de todos.
Os trabalhos vencedores e suas respectivas
descrições elaboradas pelos alunos-
fotógrafos podem ser contempladas aqui.
Na foto é possível observar a presença de um raio entre os dois polos do aparelho. O aquecimento deste se dá pela rotação de uma manivela que faz com que as esferas fiquem carregadas eletricamente; quando o campo elétrico entre elas vence a rigidez dielétrica do ar, ele se torna um meio condutor e ocorre a formação do raio.
Para obter a luz desejada, foi utilizado um anteparo preto. Para obter o momento exato da foto, foi utilizado o modo da câmera que tira foto-sequências enquanto o disparador está pressionado.
1º lugar – 3º ano – Ensino Médio
Fotógrafo: Leonardo Gandur Giovanelli
Título da fotografia: Raios em dias sem chuva
Tema: Eletricidade
A flor retratada é uma típica angiosperma monocotiledônea, com 3 pétalas, 3 sépalas, anteras, filete e um estigma.
A fotografia foi produzida durante uma caminhada ao Parque do Ibirapuera, em um dia de sol, com uma câmera com 10.1 megapixels.
2º lugar – 3º ano – Ensino Médio
Fotógrafa: Giuliana Uchôa Carrieri
Título da fotografia: Fiat fiore (faça-se a flor)
Tema: Botânica
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O brinquedo Katapul é um exemplo de movimento retilíneo uniforme, pois possui o looping por meio do qual podemos analisar a reação centrípeta, aceleração centrípeta e frequência, entre outros conceitos importantes desse tipo de movimento.
A foto foi produzida na excursão de Física ao parque Hopi Hari. Esperei o início do pôr do sol para obter o efeito do céu colorido. A câmera utilizada foi a Sony DSC-T70.
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asUma boa forma de evidenciar reaçõesde combustão é por meio da mudança de coloração da chama quando adicionamos sais metálicos, como o cobre e o estrôncio.
A fotografia foi produzida no Laboratório de Química da Móbile com o uso de ácido clorídrico, um bico de Bunsen e
sais contendo cobre e estrôncio que, em contato com o fogo, produziam as cores verde e vermelha respectivamente. E como o cobre estava contaminado, havia uma maior variação de cores especialmente quando as chamas coloridas entravamem contato umas com as outras.
A foto mostra um dos representantes do Filo Cnidaria, a anêmona.
A foto foi tirada em um aquário no Guarujá-SP com uma câmera Sony HDR-CX7. A luz não era natural.
3º lugar – 2º ano – Ensino Médio
Fotógrafo: Daniel de Araújo Pereira
Título da fotografia: À deriva
Tema: Zoologia
Animal: medusa (nome popular), Cyanea lamarchi (nome científico). Ordem: Semaeostomeae. Família: Ulmaridae.
A medusa possui tentáculos que são capazes de causar sérias queimaduras. Esse é um exemplo de estratégias
de predação utilizadas contra possíveis predadoresou contra suas presas.
A fotografia foi produzida no Aquário de Valência (L’Oceanogràfic) durante as férias de julho.
1º lugar – 1º ano – Ensino Médio
Fotógrafa: Gabriela Pereira Prado
Título da fotografia: Danúbio Azul
Tema: Biodiversidade
A fotografia mostra a mais importante fonte de luz que existe, o Sol.
A fotografia foi produzida em Minas Gerais, ao amanhecer, quando o Sol ainda estava nascendo. Utilizei uma câmera fotográfica profissional e procurei um ângulo no qual o Sol se enquadraria no espaço entre os troncos da árvore.
2º lugar – 1º ano – Ensino Médio
Fotógrafa: Daniela Guimarães Boanova
Título da fotografia: Luz da vida
Tema: Luz
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orA vela é um meio de luz e calor simultaneamente. Além disso, o espelhoe o vidro criam um efeito de reflexão.
A fotografia foi produzida com uma câmera Sony Cybershot digital. Usei uma estrutura com um espelho plano e um vidro, paralelos, com uma vela no meio.
A foto representa a reflexão de uma escultura em um chão cuja superfície é quase perfeita, como um espelho.Para que essa foto fosse tirada, foi necessária uma fontede luz, porque sem ela não haveria reflexão.
A fotografia foi tirada em setembro de 2010 durante um show no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Foi necessária apenas a câmera de um celular, que tirava fotos de boa resolução.
1º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Maria Paula Rameh Guilger
Título da fotografia: Reflexão
Tema: Luz
O botão de ligar e desligar de um aparelho elétricose relaciona com o tema escolhido porque é ele que ativaa passagem da energia para o funcionamento do aparelho.
A fotografia foi produzida em ambiente interno com iluminação natural e uso de flash embutido da câmera Canon 1000D, lente 50 mm.
2º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Débora Duarte Nunes Leite
Título da fotografia: On/Off
Tema: Energia elétrica
A foto ilustra a propagação da luz, que aconteceu por estímulo externo.
A fotografia foi feita com uma câmera amadora durantea Oficina de Fotografia da Móbile.
3º lugar – 9º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafo: Rodrigo Siuffi Abbud
Título da fotografia: Propagação da luz
Tema: Luz
Devido à urbanização, este local é muito poluído e há ocorrência de chuvas ácidas, inclusive nessas ruínas maias. As erosões são uma transformação químicanas rochas.
A fotografia foi produzida nas ruínas maias em Chichén Itzá, no México. Foi necessário apenas apoiar a câmera em uma rocha.
1º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Isabella Pavani Scuotto
Título da fotografia: Rochas versus Ácido
Tema: Propriedades e transformações dos materiais
A foto está relacionada ao tema da alimentação e digestão dos alimentos.
A foto foi tirada em uma bancada no meu quarto. Centralizada na foto está uma tigela de cereal, leite e uma colher. Foi utilizada uma câmera Samsung WB550, ISSO 400, 4 mm, 0ev, f/3.3, 1/15.
2º lugar – 8º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafo: Maurício Gioachini Tardochi da Silva
Título da fotografia: Uma tigela de cereal
para acompanhar uma noite fria
Tema: Corpo humano
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Nas pulseiras e colares “de neon”, frequentemente distribuídos em festas, ocorre uma reação química que produz luz visível. O tubo plástico contém em seu interior um componente fluorescente, algum oxalato dissolvido em um líquido viscoso, como ftalatos orgânicos, além de água oxigenada, separados por um capilar de vidro. Quando esse tubo capilar
é quebrado, as substâncias entram em contato e reagem liberando energia sob a forma de radiação eletromagnética visível.
A fotografia foi produzida na cozinha da minha casa. Com uma tesoura, cortei as pontas de várias pulseiras neon de cores diferentes para que o líquido caísse no cálice. Usei uma tábua preta como fundo.
A relação da foto com o tema é que a flor representaa biodiversidade. Trata-se de uma das flores dessa espécie, que tem diversas cores.
A fotografia foi produzida no Jardim Botânico de Madri, em julho de 2010, com uma câmera digital Lumix Panasonic DMC-TZ10.
1º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Marina Antunes Kasa
Título da fotografia: Camadas de cor
Tema: Vida: origem e biodiversidade
Esta flor é um exemplo de biodiversidade da flora e chamaa atenção por não estar em seu ângulo usual.
A foto foi feita no Parque do Ibirapuera. Procurei um ângulo diferente daquele em que as flores são normalmente fotografadas. Utilizei uma câmera Nikon D700 com uma lente macro.
2º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Luísa Prado Betti Guarnieri
Título da fotografia: Verso
Tema: Vida: origem e biodiversidade
O Jardim Botânico é um lugar perfeito para vermosplantas vindas de diferentes locais do mundo. Na parteque representa a floresta tropical, encontrei esta folhagem que me chamou a atenção pela forma. Lá pude ver comoexistem plantas de todos os tipos, tamanhos, cores e formas e como elas podem ser incrivelmente diferentes.
A foto foi tirada no United States Botanical Garden,em Washington, em julho de 2010, com uma Nikon D90.
3º lugar – 7º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafo: Nicolas Vana Santos
Título da fotografia: Folhagem
Tema: Vida: origem e biodiversidade
A fotografia mostra elementos da natureza. A fotografia foi produzida em Windermere, Inglaterra, em uma viagem turística, com uma câmera digital Casio EX-H10.
2º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafo: Rodrigo Miksian Magaldi
Título da fotografia: Reflexão Natural
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
e uso dos recursos naturais
A Árvore da Preguiça é um ser vivo que nos mostrauma interessante relação entre os elementos da natureza:ao se alimentar dos nutrientes retirados do solo arenoso, sofreu a ação dos ventos intensos e “se deitou preguiçosamente” para admirar o mar.
A fotografia foi produzida em Jericoacoara-CE, pela manhã, com uma câmera DSLR-A230 com abertura f/10.0 ISO 100.
1º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Luísa Roman de Oliveira Toledo
Título da fotografia: Árvore da Preguiça
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
e uso dos recursos naturais
Carlos Eduardo Godoy e João Carlos Micheletti Neto são professores de Ciências do Ensino
Fundamental e Tatiana Rodrigues Nahas é professora de Biologia do Ensino Médio.
A relação de minha foto com o tema escolhido é quea formação de chuva é um modo de renovação do recurso natural água.
A fotografia foi produzida na varanda do meu apartamento no bairro do Brooklin com um celular LG GT360. Foi em um dia antes de uma chuva, aproximadamente às quatro horas da tarde.
3º lugar – 6º ano – Ensino Fundamental
Fotógrafa: Victoria Liebert Piscopo
Título da fotografia: Antes que o céu desabe
Tema: Planeta Terra: elementos da natureza
e uso dos recursos naturais
Foi no final da década de 1980 que caiu em minhas mãos, pela primeira vez, um “Caderno de questões”,
elaborado por uma curiosa menina bastante introspectiva de minha classe do tempo do ginásio. O tal
caderno continha perguntas das mais ordinárias (cor preferida, melhor dia da semana, melhor amigo) até
aquelas de cunho, digamos, mais existencialista (quem sou eu, o que espero da vida, o que é o amor).
Alguns (bons) anos depois, já durante o mestrado, caiu em minhas mãos – por razões bastante diversas
– um texto intitulado “Perguntas e respostas para um caderno escolar”, e qual não foi minha surpresa
quando descobri que a autora dele era Clarice Lispector. Deparei-me, novamente, com perguntas de
toda ordem, das mais prosaicas até as mais “perigosas”. Por argumentos educacionais, literários e
afetivos, propus aos alunos do 3º ano do Ensino Médio de 2010 a elaboração de respostas para algumas
questões complexas. Relendo as perguntas e, posteriormente, as respostas escritas pelos nossos
alunos, pude perceber a existência de alguns muitos “seres atônitos”, nas palavras do poeta Manoel
de Barros, que ainda buscam um espaço no mundo por meio do qual possam exercitar a magia de
transformá-lo em algo mais interessante; aliás, sensação muito próxima daquela vivida por um menino
nos idos dos anos 1980 quando respondia a um questionário para o qual tinha poucas respostas.
Conheça o que estava se passando na cabeça de nossos meninos e meninas ao final do 3º ano do Ensino
Médio.
Wilton Ormundo
Coordenador pedagógico e cultural
“A terapia literária consiste em desarrumara linguagem a ponto que ela expressenossos mais fundos desejos.” (Manoel de Barros)
Questões que (re)velam...
f u t u r o sp r o f i s s i o n a i s
O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
seu momento presente? Um momento
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
rupturas...
A palavra que melhor se aplica a este momento
da minha vida é sensibilidade. Deixar a escola
envolve mais do que um simples desenvolvimento
natural, como passar de ano, por exemplo. Esta
mudança é feita agora com a nossa vontade, da
maneira que nós mesmos escolhemos, decidindo
pelo curso, pela universidade, ou inclusive por dar
um tempo nos estudos escolares e nos conhecer
melhor. E é claro que para realizar esta escolha
da melhor maneira possível é importante que
estejamos atentos, sensíveis a nós mesmos, aos
nossos próprios anseios e também ao mundo ao
nosso redor.
O crítico literário Antonio Candido, num
ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita
à arte das palavras o poder de “organizar o
caos” que habita as pessoas. Que poema,
romance, conto, crônica você acredita que
poderia servir como “organizador de seu
caos”?
Acho que neste momento da minha vida, deixando
o 3º ano, consigo pensar apenas em um livro que
li logo no início do meu Ensino Médio, O amor
nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez.
O livro conta uma história de amor que, apesar
de interrompida e não concretizada imediatamente, perdura por mais de cinquenta anos. E esta é
exatamente a ideia que me conforta e organiza: os elementos da vida que de fato são importantes não
se esgotam, apenas se somam a novas experiências e situações. Tudo o que meu período escolar me
ensinou e me propiciou não vai desaparecer em nostalgia, vai sempre fazer parte de mim e da minha
formação como cidadã.
Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo
da vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve
como referência seu mestre e amor Heidegger, o filósofo
alemão; o escritor Caio Fernando Abreu tinha Clarice
Lispector como grande inspiradora; Platão foi um
discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a fazer
uma referência explícita ao filósofo Jean-Paul
Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um
dos hinos do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s)
grande(s) referência(s) hoje? Por quê?
Não possuo uma figura em especial que me inspire.
Neste momento da minha vida, todos que estudaram, se
dedicaram e atingiram sucesso profissional fazendo aquilo
que gostam me servem de inspiração.
Não deve haver arte que melhor “imite” a realidade do que
o cinema, dada a possibilidade técnica de verossimilhança que
a sétima arte possui, mesmo quando inventa mundos fantásticos. Qual é
o grande filme de sua vida? Por quê?
Um filme que nunca me canso de pensar sobre e assistir é Diários de Motocicleta, do diretor brasileiro
Walter Salles. O filme conta uma passagem da vida de Che Guevara na qual ele faz uma viagem com seu
amigo Alberto Granado, partindo da Argentina rumo à Venezuela. O que mais me agrada no filme não é
apenas conhecer um lado diferente de um dos maiores líderes revolucionários da América Latina, mas,
principalmente, o conceito de liberdade abordado na trama de maneira nada superficial ou vazia. Dois
jovens livres em um continente fascinante, perseguindo suas aspirações. É esta a ideia que me encanta.
Caroline Cury
253
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a 15 anos?
Definitivamente me imagino realizada como
mulher, independente, talvez casada e com filhos.
Não penso na minha carreira tendo um enfoque
corporativo ou empresarial. Pretendo me formar
em Direito, prestar um concurso púbico e, quem
sabe, até me envolver com política. Quero fazer
alguma diferença para um número significativo
de pessoas.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
vida, prometemo-nos jamais abandonar
determinadas pessoas que nos são caras e
que fazem nossa existência mais grandiosa.
Quem são as pessoas que você gostaria de
levar para sua vida toda neste momento?
Por quê?
Certamente quero levar comigo para sempre meus
amigos e familiares. Além disso, levaria também
todos meus professores da Escola Móbile. Seria
excelente receber por toda a vida orientações
com tanta qualidade como as que eu recebo hoje
estudando nesta instituição.
O semioticista italiano Umberto Eco
afirmou recentemente, após anunciar sua
aposentadoria na universidade, que não
acredita na felicidade, mas na inquietação.
Que inquietações o conhecimento trouxe
para você?
Acho que a maior inquietação causada em mim
pelo conhecimento é a minha capacidade de
não me conformar, principalmente ao pensar
que, nos dias de hoje, o saber é uma questão
socioeconômica. Depois de aprender tudo o que
aprendi em dezenas de aulas de História, Literatura
e Filosofia, tudo o que consigo pensar é como
o conhecimento é cruelmente negado a grande
parte da população, a parte que justamente mais
precisa dele para poder fazer valer seus direitos.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e
que farão parte de sua existência daqui para
frente?
Hoje vejo que ter me mudado para a Móbile na
7ª série foi uma das melhores decisões que já
tomei, até agora, em minha vida. Depois de cinco
anos estudando aqui, percebo que esta é uma
escola que valoriza não só o ensino de todas as
disciplinas exigidas no vestibular, mas também
a formação de seus alunos como seres curiosos
e questionadores, que pensam em Geografia e
Matemática tal como pensam em política brasileira
e suas relações com a comunidade internacional.
E é isto que vou definitivamente levar para minha
existência, um interesse no mundo e na vida
atrelado às habilidades acadêmicas.
Os simbolistas acreditavam no poder que
a música tem de nos chegar à alma. Que
música(s) o “toca(m)” especialmente?
Acho que blues e MPB são gêneros que possuem
um grande número de artistas de muita qualidade,
que pensam em todos os aspectos de se criar uma
letra e uma música. Mas uma música em especial
que sempre me toca é “Paciência”, do Lenine.
Esta foi uma das músicas que fizeram parte do
repertório da peça de teatro Mimesis, encenada
pela turma da 8ª série de 2007 da Escola Móbile.
Naquele momento estávamos em um período de
transição e, hoje, estamos novamente, não para
uma nova fase escolar, mas para a vida adulta.
Em 2007 a vida não parava e, hoje, três anos
depois, continua, e daqui para frente continuará
não parando.
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
quando ler este livro depois de concluído
seu curso universitário e de ter ingressado
na carreira de trabalho?
Espero que você consiga tudo o que você deseja,
que sempre esteja evoluindo, que seja mais
madura, mais forte e lide com seus problemas
com mais qualidade do que você lidou até agora.
Mas, para isso, nunca abandone sua essência e
seus valores para que possa, de fato, se orgulhar
de tudo aquilo que você sonhou e conseguiu
construir.
Caroline Cury está cursando o primeiro ano
de Direito na FGV.
255254
O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
seu momento presente? Um momento
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
rupturas...
Creio que uma palavra que pode traduzir meu
momento é dúvida. Isso porque não sei na verdade
o que eu quero para minha vida. Somos muito novos
para levar certezas conosco, e é nesse momento
que eu realmente começo a me perguntar qual é
meu papel como ser humano aqui neste planeta.
Dúvida essa que passa desde a escolha por um
curso universitário até o ingresso numa vida de
responsabilidades próprias, individuais, não mais
atreladas aos pais e familiares.
O crítico literário Antonio Candido, num
ensaio intitulado “Direito à literatura”, credita
à arte das palavras o poder de “organizar o
caos” que habita as pessoas. Que poema,
romance, conto, crônica você acredita que
poderia servir como “organizador de seu
caos”?
Acredito que um romance que marcou muito
esse período do Ensino Médio, me trazendo
uma enorme reflexão, podendo então “organizar
o caos”, é O Apanhador no Campo de Centeio,
de J. D. Salinger. Esse livro mostra como um
jovem pode ter anseios com os quais muitas
vezes são dificílimos de lidar, além de fazer
uso de uma linguagem extremamente bela, com
figuras de linguagem muito bem exploradas.
Assim, ver como o protagonista encarou todas
as questões existenciais pelas quais passou
me dá fôlego e calma para entender que este
momento é uma grande transição, por isso traz
problemas, naturalmente. A passagem do campo
de centeio para o abismo da perda da inocência
com a fase adulta tem de ocorrer, podendo ser
mais complicada para alguns, como foi para o
protagonista, ou mais simples.
Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora
Hannah Arendt, por exemplo, teve como
referência seu mestre e amor Heidegger, o
filósofo alemão; o escritor Caio Fernando
Abreu tinha Clarice Lispector como grande
inspiradora; Platão foi um discípulo de
Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,
sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a fazer
uma referência explícita ao filósofo
Jean-Paul Sartre em sua canção
“Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m)
sua(s) grande(s) referência(s)
hoje? Por quê?
Tenho duas grandes referências.
A primeira é Karl Marx. Esse
pensador conseguiu mostrar e
propor um caminho diferente para
as sociedades do mundo, tendo
seus escritos influenciado diretamente os eventos
do século XX. Ao teorizar o socialismo e o
comunismo, Marx contribuiu para dar melhores
condições de vida aos trabalhadores, já que, com
o medo da expansão dos ideais marxistas, até
mesmo diversos países capitalistas na Guerra
Fria acabaram melhorando a qualidade de vida
das populações, estipulando jornada de trabalho,
salário mínimo etc. Outro pensador que é uma
enorme referência para mim é Gilles Lipovetsky.
Suas teorias, estudadas a fundo nas aulas
de Filosofia, permitiram que eu começasse a
pensar sobre o declínio social no qual vivemos e
também me fizeram perceber que precisamos de
mudanças.
Não deve haver arte que melhor “imite”
a realidade do que o cinema, dada a
Rodrigo Rossi Mora Brusco
256
possibilidade técnica de verossimilhança
que a sétima arte possui, mesmo quando
inventa mundos fantásticos. Qual é o grande
filme de sua vida? Por quê?
Para mim, o grande filme de minha vida é À Espera
de um Milagre. Esse filme, além de ser uma obra-
prima, com cenas magníficas, me lembra muito de
meu avô, já que assisti a esse filme com ele.
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina que
estará fazendo daqui a 15 anos?
Não sei, mesmo. E nem quero saber, porque
se algo que eu quero hoje já é diferente do
que eu queria ontem, como vou imaginar o que
vou querer daqui a quinze anos? O meu grande
objetivo é estar fazendo o que eu realmente
queira, independentemente das implicações que
tais desejos possam trazer.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
vida, prometemo-nos jamais abandonar
determinadas pessoas que nos são caras e
que fazem nossa existência mais grandiosa.
Quem são as pessoas que você gostaria de
levar para sua vida toda neste momento?
Por quê?
Gostaria de levar para toda a minha vida meus
familiares mais próximos, que me dão enorme
apoio em todas as escolhas que eu faço, e meus
amigos, também, que fizeram com que este último
ano da minha vida fosse muito mais divertido e
fácil. Espero mesmo que eu mantenha todas essas
pessoas por perto, para sempre.
O semioticista italiano Umberto Eco
afirmou recentemente, após anunciar sua
aposentadoria na universidade, que não
acredita na felicidade, mas na inquietação.
Que inquietações o conhecimento trouxe
para você?
O conhecimento me trouxe diversas inquietações.
Posso citar desde a Física, que me fez compreender
melhor o funcionamento de nosso universo, até a
Filosofia, que me fez compreender melhor a
complexidade humana. Mas creio que a principal
inquietação deixada pelo conhecimento foi a
de entender o porquê de nossa sociedade ser
organizada da maneira como é atualmente. Ainda
não encontrei essa resposta, e é por isso que
quero estudar mais e mais o funcionamento das
nossas estruturas sociais, para que um dia seja
capaz de alterar, de alguma maneira, o modo
como vivemos.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida e
que farão parte de sua existência daqui para
frente?
Acho que a Móbile me trouxe uma enorme
bagagem em todas as áreas do conhecimento, o
que qualquer escola deve se esforçar para fazer.
Mas, principalmente, a Móbile me trouxe cultura,
e isso é o que eu acho diferente nessa escola.
Fomos ao teatro, ao cinema, tivemos densas
discussões nas aulas de Ética e de Filosofia. O
que a Móbile nos passou, mesmo querendo que
cada um de seus alunos entre na universidade que
deseja, foi muito maior do que apenas as matérias obrigatórias em todas as escolas, que “caem” no
vestibular. A Móbile me formou como ser humano, e é por esse motivo que pretendo que meus filhos,
se os tiver, estudem nessa escola.
Os simbolistas acreditavam no poder que a música tem de nos chegar à alma. Que música(s)
o “toca(m)” especialmente?
Essa é, sem sombra de dúvidas, a pergunta que terei maior dificuldade em responder. Sou muito ligado
ao universo musical, gosto de diversas bandas e diferentes gêneros. Vou então citar artistas, como Chico
Buarque, que, em minha opinião, é um dos melhores músicos que este país já teve. Além de Chico, uma
banda que me marca muito e me transformou como gente foi os Beatles. Suas músicas conseguem ser
de diferentes estilos musicais, mesmo se tratando de uma mesma banda. Além desses, gostaria de citar
o álbum de minha vida, isto é, aquele apanhado de músicas que, juntas, formaram uma obra-prima:
The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd, que é genial porque consegue criar uma sequência entre suas
músicas, além de fazer uso de diversos instrumentos musicais, o que cria um som incrível.
Que palavras você deixa para si mesmo(a) quando ler este livro depois de concluído seu
curso universitário e de ter ingressado na carreira de trabalho?
Viva intensamente, nunca deixando para traz seus sonhos simplesmente por normas sociais.
Se quiser seguir a área do conhecimento, mesmo que isso não lhe dê muito dinheiro, siga, porque o mais
importante é que, ao morrer, quero ter me realizado como ser humano por meio da concretização dos
meus desejos, que serão muito diferentes daqui uns anos, tenho certeza.
Rodrigo Rossi Mora Brusco está cursando o 1º ano de Ciências Sociais na USP.
259258
O psicanalista Lacan defende que o Universo Simbólico, o das
palavras, é o que nos “coloca” no mundo. Que palavras traduzem
seu momento presente? Um momento marcado por expectativas,
sonhos, anseios, rupturas...
A palavra que traduz meu momento é revolução. Até hoje, nunca passei por
uma mudança tão grande, significativa e rápida quanto a que passarei neste
ano: tudo mudará! Em apenas um mês! A escola se tornará universidade,
pessoas velhas irão embora, pessoas novas irão chegar. Sinto a alegria e a
felicidade de alcançar uma nova fase: um sentimento de missão cumprida.
E, simultaneamente, sinto a melancolia de abandonar uma antiga.
O crítico literário Antonio Candido, num ensaio intitulado “Direito
à literatura”, credita à arte das palavras o poder de “organizar o
caos” que habita as pessoas. Que poema, romance, conto, crônica
você acredita que poderia servir como “organizador de seu caos”?
Lembro-me especialmente da série Harry Potter. Essa história marcou
minha infância: eu era simplesmente viciado. Hoje já terminei a série,
então a releitura seria apenas a repetição dos fatos já sabidos, mas, mesmo
assim, acho surpreendente a história e sinto a necessidade de terminar a
leitura quando recomeço um livro dessa série. Não sei explicar o porquê
dessa identificação, mas sei que ela promove em mim uma sensação
positiva, talvez a “organização de meu caos”.
Muitas são as pessoas que nos servem de referência ao longo da
vida. A pensadora Hannah Arendt, por exemplo, teve como referência
seu mestre e amor Heidegger, o filósofo alemão; o escritor Caio
Fernando Abreu tinha Clarice Lispector como grande inspiradora;
Platão foi um discípulo de Sócrates; Caetano Veloso, quando
garoto, sonhava ser um pensador como “aqueles existencialistas
de Paris”, chegando a fazer uma referência explícita ao filósofo
Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria, alegria”, um dos hinos
do Tropicalismo. Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s) hoje?
Por quê?
Jor
ge L
uiz
Mor
eira
Sil
va
Para mim, um jovem de 17 anos, é muito difícil
definir uma ou algumas poucas grandes referências.
Mas, neste momento, penso que tive várias nas
quais me baseei e me baseio. Dentre elas, se
encontram, primordialmente, meu pai e minha mãe.
O primeiro, pela história de vida e inteligência, e
a segunda, pela sabedoria e competência. Além
deles, tenho como referência alguns professores.
Estes, por motivos diversos, desde suas áreas de
atuação, sua capacidade de se expressar bem
em público, pelo dom de transmitir conhecimento
ou pela sua enorme compreensão. Algumas das
minhas amizades são também referências para
mim, sendo cada uma por um determinado motivo,
por uma capacidade ou habilidade específica a
qual admiro. Não tomei como referência grandes
filósofos, escritores ou pesquisadores, pois, até
hoje, não tive um contato tão intenso com o mundo
acadêmico a ponto de torná-lo um referencial.
Não deve haver arte que melhor “imite”
a realidade do que o cinema, dada a
possibilidade técnica de verossimilhança que
a sétima arte possui, mesmo quando inventa
mundos fantásticos. Qual é o grande filme de
sua vida? Por quê?
Não tenho um grande filme, mas alguns que me
fizeram compreender melhor a realidade na qual
existo. Deram-me recursos para responder algumas
perguntas e buscar novas respostas. Eles são
As Melhores Coisas do Mundo, Tropa de Elite 2
e Na Natureza Selvagem.
261260
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina
que estará fazendo daqui a 15 anos?
Daqui a quinze anos, já terei me graduado.
Profissionalmente, espero estar trabalhando em
um setor relacionado às Ciências da Tecnologia
ou à pesquisa. Paralelamente, gostaria de ser
professor: passar conhecimento e educação.
No âmbito pessoal, espero poder realizar meus
desejos, aproveitando a vida e vivendo com
felicidade e satisfação os momentos.
Em cada uma das etapas que compõem nossa
vida, prometemo-nos jamais abandonar
determinadas pessoas que nos são caras e
que fazem nossa existência mais grandiosa.
Quem são as pessoas que você gostaria de
levar para sua vida toda neste momento?
Por quê?
Se dependesse de mim, levaria grande parte
das pessoas que compuseram minha vida, mas
infelizmente isso é impossível. Então, fazendo
uma seleção, como prioridade levaria minha
família. Ela me deu conselhos, me ajudou, me
fez feliz, me fez quem eu sou. Além deles, levaria
comigo meus amigos, pois são muito importantes
para mim. Eles me auxiliaram nos momentos
de necessidade e tornaram os momentos de
felicidade ainda melhores e inesquecíveis.
O semioticista italiano Umberto Eco
afirmou recentemente, após anunciar sua
aposentadoria na universidade, que não
acredita na felicidade, mas na inquietação.
Que inquietações o conhecimento trouxe
para você?
O conhecimento me fez ver o mundo de forma
diferente. De forma mais lógica e racional. Ele me
fez tomar minhas decisões e meus caminhos com
mais calma: pensando sobre eles. Isso, por um
lado, penso que seja positivo, pois teoricamente
estaria escolhendo de forma mais consciente.
Porém, simultaneamente, isso me causa uma
espécie de aflição por causa da dúvida. Fico
pensando em uma coisa por muito tempo: isso
ou aquilo. E, na maioria das vezes, termino onde
comecei: sem resposta.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida
e que farão parte de sua existência daqui
para frente?
A Móbile me instruiu e me passou muitas coisas
essenciais para minha formação atual, que vou
levar para a vida. Ela me formou como pessoa,
como cidadão. Ensinou-me o dever de agir em
harmonia com o próximo, atingir meus desejos
sem prejudicá-lo. Ela me fez ver o mundo através
não mais somente de meus olhos, mas dos outros
também. Do mesmo modo, me ensinou a amar
o conhecimento, a ter interesse por aprender
mais, e não simplesmente visualizá-lo de forma
pragmática, ou seja, como uma mera garantia de
sucesso no mercado de trabalho.
Os simbolistas acreditavam no poder que
a música tem de nos chegar à alma. Que
música(s) o “toca(m)” especialmente?
As músicas que gosto de ouvir são muito variadas.
Há vários gêneros, nacionalidades, cantores,
bandas etc. Todas elas, de alguma forma, por
algum motivo, despertam uma reação em mim que
varia, podendo ser de tristeza a alegria, de raiva a
afeição e assim por diante. Uma das músicas que
considero importantes é “Disparada”, de Geraldo
Vandré. Quando a ouço, penso em temas que
considero áridos, que me “tocam”.
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
quando ler este livro depois de concluído
seu curso universitário e de ter ingressado
na carreira de trabalho?
Jorge, viva de forma bem vivida essa vida, pois
ninguém sabe se há outra! Aproveite todos os
momentos, pois eles não vão se repetir! Utilize-os
para formar uma história! Uma passagem neste
planeta! Se estiver insatisfeito, mude! Não tenha
medo ou receio devido à comodidade – não vale
a pena!
Jorge Luiz Moreira Silva está cursando
o 1º ano de Engenharia na Escola
Politécnica da USP.
262
Bru
no
Am
á S
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O psicanalista Lacan defende que o Universo
Simbólico, o das palavras, é o que nos
“coloca” no mundo. Que palavras traduzem
seu momento presente? Um momento
marcado por expectativas, sonhos, anseios,
rupturas...
A palavra que melhor representa meu momento
presente é conflito. Espiritualmente, parece-
me que estou, pouco a pouco, partindo-me ao
meio. Uma parte de mim desesperadamente
quer se segurar aos meus valores, meus amigos,
minha rotina presente, enquanto a outra está
curiosíssima com o que os anos seguintes guardam
para mim. Escrever essa mensagem já se mostra
um desafio, visto que é a prova concreta de que
o mundo, como eu conheço, está desabando, o
que catalisa a sensação de separação. Trata-se
de uma situação insustentável: quero partir,
quero descobrir, quero apreender o mundo e, ao
mesmo tempo, quero ficar, quero sentar todos
os dias nas grandes carteiras da Móbile (que,
na minha cabeça, são maiores do que todas as
demais) e quero contar com a segurança de que
sempre, sempre haverá um orientador para me
ajudar a resolver qualquer crise. A batalha entre
um futuro incerto e o presente corriqueiro é o
que marca o meu agora, e, talvez o mais triste,
contudo mais belo, é que sei, apesar de tudo, que
o que está por vir sempre será o vencedor nessa
guerra dos tempos.
O crítico literário Antonio Candido, num
ensaio intitulado “Direito à literatura”,
credita à arte das palavras o poder de
“organizar o caos” que habita as pessoas.
Que poema, romance, conto, crônica
você acredita que poderia servir como
“organizador de seu caos”?
Um livro que li recentemente e que me marcou de
modo profundo foi a obra-prima de Milan Kundera,
A Insustentável Leveza do Ser. A maneira pela
qual o autor trata da contradição mais mórbida
da natureza humana – a do peso da rotina e
da repetição contra a leveza das escolhas e do
passar do tempo – me fascinou de uma forma
que poucos livros conseguem. A ideia da antítese
no homem, apresentada no romance, realmente
funcionou como “organizador do meu caos”, pois
provavelmente não compreenderia o sofrimento
pelo qual passo sem essa leitura. De certa
maneira, todos nós, estudantes no fim do Ensino
Médio, somos como a personagem Sabina da obra.
À medida que todos nós somos impulsionados
pelas nossas escolhas e determinações para
locais desconhecidos e possibilidades novas e
estranhas, provavelmente muito promissoras,
deixamos para trás, abandonamos, sempre parte
do que nos formou até então. Outras obras
marcantes e organizadoras foram Tudo Depende
de Como Você Vê as Coisas, de Norton Juster,
que me ensinou que há mais mistérios no mundo
do que eu acreditava; os diversos romances
265
de Júlio Verne, pela criatividade imensurável;
Ilusões Perdidas, de Honoré de Balzac, com sua
linguagem mórbida sensacional; e A Elegância do
Ouriço, de Muriel Barbery, que mostrou para mim
que vale a pena viver.
Muitas são as pessoas que nos servem de
referência ao longo da vida. A pensadora
Hannah Arendt, por exemplo, teve como
referência seu mestre e amor Heidegger, o
filósofo alemão; o escritor Caio Fernando
Abreu tinha Clarice Lispector como grande
inspiradora; Platão foi um discípulo de
Sócrates; Caetano Veloso, quando garoto,
sonhava ser um pensador como “aqueles
existencialistas de Paris”, chegando a
fazer uma referência explícita ao filósofo
Jean-Paul Sartre em sua canção “Alegria,
alegria”, um dos hinos do Tropicalismo.
Quem seria(m) sua(s) grande(s) referência(s)
hoje? Por quê?
Atualmente, uma pessoa que se mostra uma
grande referência para mim é a chamada “rainha
indie”, a cantora e atriz Zooey Deschanel. Além
de ser deslumbrante esteticamente, tem uma
belíssima voz. Ela canta o que sente, o que
pensa, sem se aliar a qualquer tendência musical
ou gravadora – faz suas músicas e seus filmes de
forma independente, ou seja, por outro ângulo.
Por meio de seus produtos culturais, conta lindas
histórias de amor ou promove um pensamento
mais reflexivo, livre de qualquer grafia. Considero
um objetivo nobre e um ideal que gostaria de
levar comigo para toda a minha vida. Outro
ídolo pessoal é Júlio Verne, já citado, pela
sua criatividade e inventividade vanguardista,
o valor que mais prezo em um indivíduo. Além
deles, também faço menções honrosas a Oscar
Niemeyer, George Harrison e ao duo Daft Punk.
Não deve haver arte que melhor “imite”
a realidade do que o cinema, dada a
possibilidade técnica de verossimilhança
que a sétima arte possui, mesmo quando
inventa mundos fantásticos. Qual é o grande
filme de sua vida? Por quê?
Durante meus meros 17 anos de vida, diversos
filmes já são classificados por mim como os
grandes filmes da minha vida. Um que gostaria
de citar é, sem dúvida, 500 Dias com Ela. O filme
narra de maneira genial um amor de um homem
apaixonado pela indecisa e, de certa maneira,
etérea Summer. A película me marcou pelo fato
de usar uma boba história de amor para, na
verdade, descrever como é difícil o processo de
construção de um homem como indivíduo e pelo
modo sarcástico, e ainda assim mórbido, que trata
a questão da solidão. Um segundo filme muito
interessante foi Em Busca da Terra do Nunca,
um dos poucos que trouxe lágrimas aos meus
olhos nitidamente. Outras muitas animações da
Pixar me encantaram, principalmente Toy Story
e Monstros S.A., dois filmes que nunca poderei
rever sem ficar deveras nostálgico.
Você hoje tem 17, 18 anos. O que imagina
que estará fazendo daqui a 15 anos?
No futuro, me imagino sendo um profissional
liberal, desvinculado de uma rotina maçante,
ainda que com cargas consideráveis de trabalho.
Quero ser um arquiteto que tenha tempo de
assistir a filmes e passear com o cachorro
durante as tardes. De preferência, gostaria de
morar no exterior, de maneira nenhuma me vejo
morando em São Paulo – agitado demais.
Em cada uma das etapas que compõem
nossa vida, prometemo-nos jamais
abandonar determinadas pessoas que nos
são caras e que fazem nossa existência
mais grandiosa. Quem são as pessoas que
você gostaria de levar para sua vida toda
neste momento? Por quê?
Eu não levo as pessoas para a minha vida – a
minha vida que passa por cada uma delas, e
prefiro que continue assim.
O semioticista italiano Umberto Eco
afirmou recentemente, após anunciar sua
aposentadoria na universidade, que não
acredita na felicidade, mas na inquietação.
Que inquietações o conhecimento trouxe
para você?
Muitas inquietações... Ninguém imagina o meu
choque ao descobrir que Mona Lisa já teve
sobrancelhas, ou que o verde da bandeira do
Brasil não é a mata do país, ou ainda que Freud
nunca curou um paciente! Parece-me que pouco
a pouco estou corrigindo a mim mesmo, embora
“corrigindo” não seja a palavra ideal, já que não
estou “errado” como um todo – vou me fazendo
e desfazendo. Só com esses incômodos, advindos
da sabedoria, é que tenho essa sensação, e é ela
que me move, que me guia, e é a que considero
a mais bela entre todas elas.
Que marcas da Móbile ficam em sua vida
e que farão parte de sua existência daqui
para frente?
A maior marca que a Móbile deixou em minha
vida foi aprender que não estou sozinho no mundo
e que a convivência e a coexistência fazem parte
de ser humano, no sentido mais pragmático da
palavra. Foi na Móbile que aprendi a argumentar,
discutir, debater as minhas ideias e minha visão
de mundo, e ainda aprendi a respeitar e viver
com aqueles que não compreendem ou não
concordam com ela. Foi um percurso difícil
– no começo não conseguia entender como
poderia haver tantas diferenças em um espaço
tão delimitado, não conseguia me misturar.
Hoje, vejo que foi necessário, nunca teria feito
amigos tão divertidos de se conversar e tão
diversificados caso não tivesse passado por esse
processo. A Móbile me tornou uma pessoa, não
um autômoto perfeito, simplesmente uma pessoa
melhor, um melhor cidadão, melhor filho, melhor
amigo, melhor homem.
267266
Os simbolistas acreditavam no poder que
a música tem de nos chegar à alma. Que
música(s) o “toca(m)” especialmente?
Uma música que me toca especialmente e está
relacionada de modo íntimo ao momento em
questão é “All Things Must Pass”, de George
Harrison, na qual é descrita essa sensação
pela qual passo no presente: a de que a beleza,
infelizmente, só surge porque tudo está aos
poucos se deteriorando. Outras canções, como
“In My Life”, dos Beatles, e “Paciência”, de
Lenine, também simbolizam perfeitamente esse
momento e me emocionam diversas vezes. Mas
uma música que ecoa na minha cabeça como
um tema de filme nesses últimos dias como
estudante é “Folding Chair”, de Regina Spektor,
que definitivamente para sempre me lembrará
dessa época.
Que palavras você deixa para si mesmo(a)
quando ler este livro depois de concluído
seu curso universitário e de ter ingressado
na carreira de trabalho?
“(...) Fora da janela havia tanta coisa para ver e
ouvir e tocar – passeios a fazer, morros a subir,
lagartas para observar no seu trajeto deslizante
pelo jardim. Havia vozes para ouvir e conversas
a escutar com atenção maravilhada, sem falar no
cheiro especial de cada dia.
E, ali mesmo no quarto onde estava sentado,
havia livros que poderiam levá-lo a mil lugares
(...) Seus pensamentos saltaram ávidos daqui
para ali, pois tudo parecia novo – e digno de ser
tentado.
‘Bem, até que gostaria de fazer outra viagem’,
disse ele, pondo-se de pé em um salto, ‘mas
realmente não sei quando vou ter tempo para
isso. Há tanta coisa para fazer aqui mesmo!’”
(Tudo Depende de Como Você Vê as Coisas.
Norton Juster).
Bruno Amá Stephan está cursando o 1º ano
de Arquitetura na USP.
268
r e s e n h a
Quando nos referimos ao gênero faroeste, imediatamente nos lembramos das figuras do
herói, o “mocinho” da história, e dos caras maus, os “bandidos” da trama, como costumávamos
denominar esses personagens em nossas brincadeiras infantis de cowboy. Aliás, em épocas
“politicamente incorretas”, muita vez, esse “bandidos” eram representados por povos indígenas,
“os verdadeiros ocupantes da América” (que, bem sabemos, apenas reagiam à invasão do
homem branco). Em filmes de faroeste, na maioria das vezes, o bem e o mal estavam muito bem
caracterizados em personagens-tipo. (Tudo com o charme do preto e branco.)
Coube ao diretor norte-americano John Ford mostrar uma nova face do mocinho, por meio de
sua trilogia do faroeste, que se iniciou com Nos tempos da diligência, seguida de sua verdadeira
obra-prima, O homem que matou facínora. Uma pequena digressão (necessária): foi nessa
película que Ford cunhou uma frase representativa, em muitos contextos, do papel bastante
dúbio que a imprensa pode assumir: “Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda.”
(É imprescindível que o leitor assista ao filme para compreender o contexto desse verdadeiro
aforismo da sétima arte.)
O terceiro filme que compõe a trilogia fordiana é Rastros de ódio (obra máxima do diretor,
juntamente com Vinhas da ira). No filme, o diretor apresenta o personagem Ethan Edwards (vivido
por John Wayne), soldado do exército confederado que retorna derrotado para a casa fraterna.
Com índios rondando os arredores da fazenda de seu irmão, Ethan e um grupo de patrulheiros
do Texas decidem dar uma busca pela região para verificar onde os comanches se encontravam
acampados. A saída dos patrulheiros é a oportunidade perfeita para que a família do irmão
de Ethan seja massacrada pelos índios. Ele sai, então, em busca de vingança e, a essa altura,
“mocinhos” e “bandidos” estão devidamente configurados. Ao contrário disso, o filme mostra,
inicialmente de forma sutil, um herói com ações bastante questionáveis. Logo que Edwards
retorna – cena marcada pela impressionante paisagem do Monument Valley ao fundo –, sua
cunhada vai ao seu encontro e torna-se impossível não perceber a tensão presente nos olhares
trocados pelos dois personagens, o que sugere uma relação mal resolvida. Ethan, então, revê o
irmão (sim, a primeira pessoa a recebê-lo é a cunhada e não o irmão!) e os sobrinhos, incluindo
um garoto mestiço (vivido pelo ator Jeffrey Hunter), que tem ascendência indígena, e que foi
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resgatado de outro massacre.
Na cena de reencontro entre
esses dois personagens, fica
clara a pouca simpatia que
Ethan nutre pelo menino.
Avisados pelo pastor da
região, que também é líder
dos patrulheiros, da presença
indígena, Ethan e o sobrinho
postiço saem à procura dos
peles-vermelhas. Durante
a caçada, os patrulheiros
descobrem um túmulo de
um índio comanche que
Ethan faz questão de violar,
além de atirar nos olhos do
cadáver. Na sequência da
cena, o pastor pergunta qual
o sentido daquele ato, ao que
Ethan responde: “Pela sua
fé, pastor, nenhum, mas pela
fé comanche, alguém que
não tem os olhos não pode
entrar na terra dos espíritos.
Terá que vagar para sempre
entre os ventos.” Essa cena
serve como metonímia da
essência de Rastros de ódio:
o preconceito e o ódio que
Ethan nutre pelos índios.
Aliás, John Ford expõe para
quem quiser ver uma das
facetas mais questionáveis
da história da formação do
povo norte-americano: a
intolerância e o racismo,
motivos de guerras e conflitos
sangrentos daquele país.
Ao retornar para o
rancho e encontrar a família
morta, a vingança já está
definida, sendo apenas uma
questão de tempo. Apenas a
sobrinha mais nova (Natalie
Wood, uma das atrizes
mais belas do cinema) não
é encontrada no local, o
que significa que os índios
devem tê-la levado com vida.
Isso complica ainda mais a
jornada do protagonista. A
simples possibilidade de ter
um membro de sua família
vivendo entre os índios é
inaceitável, o que faz com
que ele decida matá-la, se
isso se confirmar. É neste
ponto que Ford mostra o
quanto o personagem de
Wayne está longe de ser
a figura clássica do herói,
marcada pela concepção
de que os vilões devem ser
punidos, embora sempre
exista a possibilidade de
redenção deles. Para Ethan, a
única coisa que resta para os
índios é seu extermínio! Um
sentimento impensável para
a figura do herói clássico
estadunidense.
Ao longo de cinco longos
anos, Ethan e o sobrinho
postiço buscam encontrar
Debbye com diferentes
propósitos: um, de matar
a própria sobrinha se esta
estiver vivendo entre os
índios; e outro, de resgatá-
la e ainda impedir que o
tio enlouquecido leve a
cabo o seu propósito cruel.
Durante esse tempo, os dois
enfrentam neve e deserto
em um mundo bárbaro, habitado por diferentes povos e culturas: norte-americanos, índios,
mexicanos. Esse convívio com o sobrinho e com outras etnias acaba por transformar Ethan,
imerso numa viagem de autoconhecimento e catarse, numa espécie de Odisseia do oeste. E
como a Odisseia implica o necessário retorno do herói ao seu ponto de origem – transformado,
por certo, pela luta com os deuses ou consigo mesmo –, o filme termina da mesma maneira
como começou: uma porta se abre, mostrando mais uma vez a paisagem belíssima, mas, ao
mesmo tempo, desolada do Monument Valley, para, em seguida, fechar-se, deixando Ethan do
lado de fora, ao relento, e longe do convívio com o que lhe restou da família. O diretor Martin
Scorsese chama a atenção para a cena final: assim como Ethan amaldiçoou o indígena morto,
ele mesmo agora está condenado a vagar sem rumo, entre os ventos. É a história do cinema
sendo feita diante de nossos olhos.
Hugo Carneiro Reis é professor de Física do Ensino Médio.
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