anÁlise feita nos livros de histÓria do 3º ano do …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED
CURSO DE PEDAGOGIA
MAIARA DAMASCENO DA SILVA SANTANA
O ÍNDIO REPRESENTADO NOS LIVROS DIDÁTICOS:
ANÁLISE FEITA NOS LIVROS DE HISTÓRIA DO 3º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR.
Salvador
2011
MAIARA DAMASCENO DA SILVA SANTANA
O ÍNDIO REPRESENTADO NOS LIVROS DIDÁTICOS:
ANÁLISE FEITA NOS LIVROS DE HISTÓRIA DO 3º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR.
Monografia apresentada ao curso de graduação em
Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Federal
da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
Licenciada em Pedagogia.
Orientador: Prof. Dr. Menandro Celso de Castro Ramos
Salvador
2011
MAIARA DAMASCENO AMÉRICO DA SILVA
O ÍNDIO REPRESENTADO NOS LIVROS DIDÁTICOS:
ANÁLISE FEITA NOS LIVROS DE HISTÓRIA DO 3º ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR.
Monografia aprovada como requisito para a obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia,
Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Aprovada _____/_____/_____
Banca Examinadora:
_______________________________________________________________
Professor Dr. Menandro Celso de Castro Ramos (Orientador)
Universidade Federal da Bahia - UFBA
_______________________________________________________________
Professora Dr.ª Mary de Andrade Arapiraca (examinadora)
Universidade Federal da Bahia - UFBA
_______________________________________________________________
Professora Dr.ª Fernanda Gonçalves Almeida (examinadora)
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Às
comunidades indígenas do estado da Bahia e às escolas da rede municipal de Salvador.
AGRADECIMENTOS
Ao Deus em quem eu acredito, pela minha existência e por ter me colocado de pé nessa
caminhada tão difícil...
Aos meus pais, Bartolomeu e Marilucia, pelo imenso amor e confiança em mim;
Ao meu esposo que se mostrou mais do que isso, um verdadeiro companheiro e amigo;
À minha família, em especial a Dona Celina, minha sogra, por ter tomado conta da minha
filha para que eu pudesse estudar;
Ao orientador Menandro Ramos, que acreditou em mim;
Ao professor Robinson Tenório, orientador do meu projeto de monografia, que muito me
auxiliou;
Ao professor Prudente, pelas literaturas indicadas;
A meu colega de faculdade, Júnior Pataxó, pelo apoio e colaboração;
Às minhas grandes companheiras de curso e amigas: Simone, Carine, Carol, Adriana, Mayana
e Láisa;
À minha amiga de infância, Paula Lorena, por dedicar horas do seu tempo para ler e
contribuir com a minha monografia;
E a todos aqueles que mesmo indiretamente me ajudaram na construção desse trabalho.
―Você não pode esquecer de onde você é nem de onde você veio,
porque assim você sabe quem você é e para onde você vai‖.
Ailton Krenac, 1999.
RESUMO
Este trabalho consiste numa análise de como os índios são representados nos livros didáticos
de História do 3º ano do ensino fundamental utilizados na rede municipal de Salvador, a partir
de uma abordagem qualitativa de cunho bibliográfico e metodologia descritivo-interpretativa.
Esta pesquisa levou em consideração as mudanças propostas para os livros didáticos a partir
da lei 11.274/06 que regulamenta o ensino fundamental para nove anos e da lei 11.645/08 que
torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos
escolares de ensino fundamental e médio. O resultado da pesquisa revelou que os livros
didáticos de História, corpus desta pesquisa, embora tenham avançado em vários aspectos,
ainda apresentam abordagens e referências preconceituosas e estereotipadas sobre os povos
indígenas. A aproximação com o método dialético possibilitou entender o livro didático como
um construto simbólico, utilizado pela classe opressora para a transmissão de poder.
PALAVRAS-CHAVE: índios, ideologia, livros didáticos
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Livro: As crianças de mãos dadas com a cidadania: História e Cultura Afro-
Brasileira e Indígena
50
Tabela 2 Livro: Projeto Pitanguá: História 3º ano Ensino Fundamental 56
Tabela 3 Livro: Projeto Buriti: História 3º ano Ensino Fundamental 61
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNAI Fundação Nacional do índio
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
ISA Instituto Socioambiental
LD Livro Didático
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
SEB Secretaria de Educação Básica
SPI Serviço de Proteção ao Índio
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
2. O ÍNDIO – QUEM É ESSE?......................................................................................16
2.1 ANTES DA CHEGADA EUROPEIA....................................................................23
2.2 O QUE DIZIAM OS EUROPEUS SOBRE OS ÍNDIOS?.....................................25
2.3 O CENÁRIO ATUAL DOS ÍNDIOS NO BRASIL...............................................29
3. O LIVRO DIDÁTICO................................................................................................34
3.1 COMO OS LIVROS DIDÁTICOS CHEGAM ÀS ESCOLAS.............................38
3.2 OS LIVROS DIDÁTICOS APÓS A LEI 11.274/06..............................................40
3.3 O ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO.........................................................................41
3.3.1 Principais concepções sobre os índios nos livros didáticos de História...............42
4. ABRINDO OS LIVROS..............................................................................................47
4.1 PERCORRENDO POR SUAS FOLHAS...............................................................48
5. FECHANDO OS LIVROS E PROVOCANDO DISCUSSÕES..............................66
REFERÊNCIAS...........................................................................................................69
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1. INTRODUÇÃO
O contexto atual é bastante propício para as discussões sobre as questões indígenas,
principalmente porque se refere a um período pós-implementação da Lei 11.645/08, que torna
obrigatório o ensino da ―História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos estabelecimentos
de ensino fundamental e médio‖ (BRASIL, 2008). Esta lei altera a Lei nº 9.394/96 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e modifica a Lei nº 10.639/03, que incluía
no currículo oficial da rede de ensino, apenas a "História e Cultura Afro-Brasileira‖.
(BRASIL, 2003). A proposta da lei 11.645/08 é valorizar a diversidade étnico-racial em
escolas brasileiras, considerando as contribuições dadas por negros e indígenas na formação
do Brasil.
Conforme Telles (1993) a imagem do ―outro‖ construída na infância dificilmente é alterada,
já que nem sempre o individuo tem a oportunidade de aprofundar seus estudos sobre o que lhe
é desconhecido. A insuficiência de informações e as informações erradas sobre o ―outro‖
contribuem para formar o preconceito, que se inicia desde a infância. De acordo com Queiroz
(1993), ―[...] trabalhos importantes têm demonstrado que é justamente por meio do livro
didático que a criança incorpora incontáveis formulações preconceituosas relativas a minorias
e a segmentos étnicos presentes na sociedade brasileira‖. (p.24)
Parte dos conhecimentos que temos hoje sobre os povos indígenas foram construídos na
escola, através, principalmente, dos livros didáticos de História. A cultura1 e história indígena
fazem parte da historiografia nacional, da composição da identidade brasileira, e nisto reside a
sua necessidade de estudo. Para trabalhar esses conteúdos, o livro didático tornou-se uma
importante ferramenta, tendo em vista que muitos dispõem desse livro como fonte primeira de
informação e ―é muitas vezes o único livro ao qual [as pessoas] têm acesso‖ (FREITAG,
1997, p. 49).
1 Como esse termo será utilizado ao longo do trabalho, é importante elucidar o seu conceito. De acordo com
Laraia (2009), os termos germânicos Kultur e Civilization, foram sintetizados na palavra Culture por Edward
Tylor, o qual definia que ―tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo
homem como membro de uma sociedade‖ (TYLOR, 1871, p. 01 apud LARAIA, 2009, p. 25). Dessa forma, o
conceito de cultura foi inicialmente definido por Tylor e suas diversas outras definições serviram mais para
confundir do que ampliar o conceito de cultura, como argumenta Laraia (2009). Para ele, este conceito só foi
ampliado com as contribuições dadas por Alfred Kroeber, que identificou a cultura como ―processo acumulativo,
resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa
do indivíduo‖ (LARAIA, 2009, p. 49).
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A forma que a sociedade vê o índio implica na maneira que autores escreveram sobre eles.
Esses escritos que se tornam verdadeiras referências de autoridades, carregam consigo
ideologias, crenças, valores e concepções variadas de mundo. É através deles que os autores
propagam suas idéias, tornando-as públicas, a partir das quais a maioria tende a aceitar como
verdade, pois está escrito e publicado, principalmente se o autor for renomado.
É na educação infantil que as crianças iniciam, grosso modo, sua primeira experiência com a
temática indígena, quando se caracterizam de índio no dia destinado a sua comemoração (19
de abril) ou quando utilizam o livro didático para pintar ou desenhar a figura do índio.
Embora ainda muito novas, as crianças já começam a assimilar determinados conjuntos de
características correspondentes a certos grupos sociais.
Quando adentram ao 2º ano do ensino fundamental, com aproximadamente sete anos de
idade, elas começam a ter contato com os livros didáticos de História, caso sejam adotados
pela escola nesta série, pois sua obrigatoriedade é a partir do 3º ano, segundo a lei 11.274/06
que regulamenta o ensino fundamental para nove anos. Isto porque as crianças já estão
alfabetizadas e letradas e já adquiriram habilidades para trabalhar com os demais
conhecimentos organizados em disciplinas. (BRASIL, 2006)
Por conta dessa lei os livros didáticos sofreram alterações. Diante dessas mudanças e da
obrigatoriedade em trabalhar a história e cultura indígena nos estabelecimentos de ensino,
como prevê a lei 11.645/08, surge o seguinte questionamento: Como são representados os
índios nos livros didáticos de História, do 3º ano do ensino fundamental, utilizados na rede
municipal de Salvador?2 A resposta a essa pergunta, torna esse trabalho bastante relevante do
ponto de vista social, já que possibilita compreender que tipo de material didático está sendo
trabalhado em sala, assim como, a informação que ele disponibiliza em relação a esses povos.
O presente trabalho foi resultado das minhas inquietações, antes mesmo da minha chegada à
universidade. Lembro-me de quando estudava a temática indígena, no período em que cursava
o ensino fundamental e médio, sempre fragmentada, impregnada de estereótipos. Os livros de
2 É importante a ressalva de que o foco da pesquisa não é analisar apenas os livros que foram editados após a lei
11.645/08, mas os livros didáticos de História que estão sendo trabalhados em sala no presente momento, mesmo
que estes não tenham sofrido, ainda, alterações que contemple esta lei.
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História aos quais tinha acesso resumiam-se na afirmação de que os índios moravam em ocas,
cultuavam Tupã e Jaci e comiam mandioca.
As instituições das quais fiz parte, como o CRIA - Centro de Referência Integral de
Adolescentes e o CEPAIA – Centro de Estudos dos Povos Afro-índio-americanos, vinculado
a UNEB – Universidade Estadual da Bahia, contribuíram para que eu ratificasse ainda mais o
meu desejo de percorrer nesta temática, explorando as possíveis fundamentações teóricas que
pudessem embasar esta pesquisa. No CEPAIA, participei do projeto Brasil Tupinambá,
durante seis meses, onde tinha contato com as primeiras fontes de viajantes e naturalistas que
escreveram sobre o Brasil na época do seu ―descobrimento‖, o que contribuiu para fazer-me
perceber de que forma os índios eram descritos naquela época.
Quando ingressei no ensino superior, no ano de 2007.2, no curso de Pedagogia da Faculdade
de Educação da Universidade Federal da Bahia, pude perceber que a defasagem em abordar as
questões indígenas em sala não estava apenas no ensino fundamental e médio. Além disso,
percebi que a quantidade de livros relacionados à temática indígena na presente instituição,
era insuficiente.
Com este trabalho pretendo analisar como são representados os índios nos livros didáticos de
História, do 3º ano do ensino fundamental, utilizados na rede municipal de Salvador. Para
alcançar tal fim, utilizo-me de alguns objetivos, os quais consistem em: 1. Analisar como são
representados os índios: 1.1 nos textos elaborados pelo próprio autor do livro didático; 1.2 nos
textos de terceiros, utilizados pelo autor do livro didático (se houver); 1.3 nas gravuras que
retratam o índio; 1.4 nas perguntas dos exercícios relacionados à temática; 2. Descrever e
analisar em quais contextos sociais o índio é abordado nesses livros.
A pesquisa desenvolvida é de natureza básica e abordagem qualitativa, pois serão analisados
três livros de História, do 3º ano do ensino fundamental, de três diferentes escolas municipais
de Salvador. Nesses livros iremos analisar exclusivamente a temática indígena, que não será
quantificada as vezes que aparece nos livros, mas a forma como aparece.
Foi escolhido o 3º ano do ensino fundamental porque é nesta série que as crianças começam a
estudar os conteúdos organizados em disciplinas, conforme preconiza a lei 11.274/06, e
consequentemente a História do Brasil, como citado anteriormente.
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Quanto aos procedimentos técnicos para a análise dos livros didáticos (LDs), organizam-se
em algumas etapas: A primeira etapa consiste na ida às escolas municipais para ter contato
com os livros didáticos de História que estão sendo utilizados no 3º ano do ensino
fundamental.
Optamos por utilizar os livros didáticos de três escolas diferentes de Salvador, as quais são
divididas por Coordenadoria Regional de Educação - CRE, são elas, CRE – Centro: Escola
Municipal Lélis Piedade, no bairro Cosme de Farias, CRE – Orla: Escola Municipal Padre
José de Anchieta, na Federação e CRE – Cabula: Centro Comunitário Frei Leônidas Menezes,
em Pernambués. Ao trabalhar com três LDs distintos, temos a possibilidade de obter
resultados diversos sobre a mesma temática. São esses os livros analisados, respectivamente:
Livro 1 - A criança de mãos dadas com a cidadania: História e Cultura Afro-brasileira e
Indígena - de Ubiraci Gonçalves dos Santos e Pedro Gabriel; Livro 2 - Projeto Pitanguá:
História 3º ano – Editora Moderna (org.); Livro 3 - Projeto Buriti: História 3º ano - Editora
Moderna (org.).
Em seguida, a segunda etapa, constitui-se na apreciação dos LDs, através de uma primeira
aproximação com as publicações, no intuito de formular critérios para a análise, tanto para os
textos escritos, quanto para os imagéticos. Estes serão representados através de três tabelas,
uma para cada livro, nas quais serão analisados os textos (escritos e imagéticos), a fim de
facilitar a percepção do leitor em relação aos dados encontrados. Alguns dos critérios
formulados levam em consideração as ―principais concepções sobre os índios nos livros
didáticos de História‖, apresentadas no capítulo 3.
Na terceira etapa analisam-se os livros de maneira mais detalhada, a partir dos critérios
levantados na etapa anterior e outros que poderão surgir durante a análise. Esta etapa compõe
a ―análise dos livros‖ propriamente dita. Nesse momento, faz-se uma descrição sobre a forma
como os índios são apresentados nesses livros, localizando os textos e as imagens
correspondentes, de forma a contemplar os critérios de análise.
A quarta e última etapa compreende o momento em que a autora da pesquisa expõe seus
comentários, em relação aos resultados encontrados. É dessa forma que a pesquisa constitui-
se do ponto de vista dos seus objetivos numa pesquisa descritiva – interpretativa de cunho
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bibliográfico, pois ao descrever sobre a temática indígena nos livros didáticos do 3º ano do
ensino fundamental, serão interpretadas e discorridas críticas que sustentem a discussão.
As análises dos livros didáticos serão sustentadas pela análise de discurso, através de Orlandi
(1993; 2006; 2009), ainda que de forma introdutória, visando ―[...] compreender como um
objeto simbólico produz sentidos‖ (ORLANDI, 2009, p. 66).
Nas abordagens sobre os LDs faremos aproximações com o método dialético, não sendo
entretanto, nosso objetivo aprofundá-lo. O método será apenas norteador das discussões,
sobretudo no que se refere às ideologias presente nos LDs. Como afirma Gadotti (1995), esse
método possibilita a análise de um todo, não tratando o problema de pesquisa de forma
isolada.
Dessa maneira, será feita uma crítica ao livro didático, tendo como principal discussão a
ideologia presente nesses livros. No entanto é preciso esclarecer que não será feito ao longo
da pesquisa um estudo sobre a ideologia nem sobre o materialismo histórico-dialético. A
aproximação dialética servirá para compreendermos o livro didático de forma não neutra e
inserido numa sociedade que vivencia contradições.
Este trabalho estrutura-se em cinco capítulos: No primeiro capítulo, tomado como
Introdução, expõem-se a temática e minha escolha pela mesma, a justificativa do trabalho, o
problema, os objetivos e a metodologia utilizada, além de minhas inquietações e experiências.
No segundo capítulo, intitulado “O índio – Quem é esse?” Discute-se o que é ser índio a
partir de uma análise epistemológica e de um viés político. Tal discussão fundamenta-se
principalmente em Munduruku (2003), Santilli (2000), Melatti (2007), Luciano (2006), Sodré
(2003) e na coleção Índios na visão dos índios3. Através de uma sucinta abordagem, discorre-
se sobre como viviam os índios antes da chegada dos europeus, a partir de escritos indígenas,
utilizando a mencionada referência. Além disso, traço um breve histórico sobre a leitura que
os cronistas fizeram a respeito dos índios no período da chegada européia. Além de aspectos
3 Esta coleção faz parte do projeto cunhado com o nome da mesma, que recebeu patrocínio do Bompreço, Faz
Cultura – Programa Estadual de Incentivo à cultura e do Governo da Bahia (Secretaria da Fazenda e Secretaria
da Cultura e Turismo). Embora tenhamos consciência da isenção de impostos dado as empresas que patrocinam
projetos sociais e de que esta coleção não se trata de uma produção de iniciativa acadêmica, nem de uma
produção genuinamente indígena, já que não foi pensada e editada pelos índios, resolvemos adotá-la, pois
consideramos que ela traz importantes depoimentos indígenas.
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importantes do cenário atual indígena: as conquistas e dificuldades que enfrentam diante da
sociedade nacional contemporânea.
“O Livro Didático” é o título do terceiro capítulo. Nesse momento é feita uma apreciação do
livro didático, com aproximações ao método dialético, tendo como principal discussão a
ideologia presente nesses livros. Descrevo ainda, como os livros chegam às escolas, tomando
como referência o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, dados do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação – FNDE, e as mudanças curriculares sofridas nos sistemas
de ensino de acordo com a lei 11.274/06. Discute-se como a temática indígena na maioria dos
livros didáticos é abordada, destacando e enumerando as principais concepções a respeito
desses povos.
No quarto capítulo, “Abrindo os livros”, apresenta-se a análise feita nos três livros didáticos
de História utilizados na rede municipal de Salvador, considerando os textos escritos e
imagéticos, além das atividades propostas no livro, com posteriores comentários sobre o que
foi extraído para análise.
“Fechando os livros e provocando discussões”, último capítulo. Além de ser o fechamento
das ideias à priori, considerando os teóricos que embasaram a pesquisa e os dados
encontrados em relação aos índios nos livros didáticos analisados, este capítulo sugere novas
discussões sobre a temática e novas buscas pelo saber, a fim de enriquecer essa área do
conhecimento.
16
2. O ÍNDIO – QUEM É ESSE?
―Na manhã do dia 22 de abril de 1500, um bote cheio de marinheiros lusitanos que
haviam feito a travessia do Atlântico, encontraram nas praias do litoral sul da Baía
de hoje, gente que ninguém vira antes. O homem da Idade do Ferro, viu pela
primeira vez o Homem da Idade da Pedra. Começava ali a história do Brasil‖4.
No calendário oficial do Brasil a data de 22 de abril foi institucionalizada como comemoração
do aniversário do país. As datas comemorativas são, em sua grande maioria, momentos
considerados importantes e gloriosos que devem ser lembrados. Todavia, embora a
relevância dessa data, a história do Brasil começou há milhares de anos, muito antes da
história do seu ―descobrimento‖.
Foi no período das grandes navegações, que o continente americano foi descoberto pelo
italiano Cristovão Colombo, quando este navegava pela Espanha, desejando chegar as Índias.
[...] Cristóvão Colombo, [...] empreendeu uma viagem em 1492 partindo da Espanha
rumo às Índias, na época uma região da Ásia [o navegador acreditava haver um
caminho mais curto para chegar as Índias]. Castigada por fortes tempestades, a frota
ficou à deriva por muitos dias até alcançar uma região continental que Colombo
imaginou que fossem as Índias, mas que na verdade era o atual continente
americano. (LUCIANO, 2006, p. 29 – 30)
Dessa forma, buscando apaziguar os possíveis conflitos entre Portugal e Espanha, visto que o
primeiro era um país influente na navegação, foi criado o tratado de Tordesilhas, o qual
dividia através de uma linha imaginária, as terras a partir das ilhas de Cabo verde, ficando
Portugal com as terras do leste e a Espanha com as terras do oeste.
Esse tratado exigido por Portugal demonstra que o país já tinha conhecimento sobre as terras
do continente americano, ―[...] o domínio que os portugueses tinham do oceano nas costas
africanas e a presença da frota de navegadores experimentados afastam a hipótese de desvio
involuntário, ocasionado por uma calmaria‖ (COSTA; MELO, 1999, p. 28), portanto sua
chegada às terras brasileiras, através do português Pedro Álvares Cabral, não foi casual. Para
corroborar esta ideia, Costa e Melo (1999) mencionam que ―na Europa, já se falava sobre as
terras brasileiras: em janeiro de 1500, o espanhol Vicente Yanes Pinzón chegara ao nosso
litoral, levando a notícia para a Espanha‖ (p.28). Neste ano, o Rei de Portugal, D. Manoel I
4 História - Brasil – O primeiro encontro, 2002. Disponível em:
<http://educaterra.terra.com.br/voltaire/500br/chegada1.htm>. Acesso: 14 fev. 2011.
17
ordenou uma viagem as Índias, da qual Cabral liderou a expedição e foi através dessa viagem
que os portugueses chegaram ao Brasil.
Quando os europeus aqui desembarcaram, encontraram milhares de pessoas com seus modos
próprios de organização social. Esses homens e mulheres, posteriormente denominados de
índios, possuíam e ainda possuem formas de viver diferentes daquelas presenciadas pelos
europeus que aqui chegaram. Embora considerada primitiva5, são formas extremamente
complexas de organização social, religiosa e econômica.
Dentro dessa organização, agrupam-se as etnias, que são várias, cada qual com sua
particularidade. Segundo o Dicionário de Ciências Sociais (1986): ―o termo etnia, em geral, é
empregado na literatura antropológica para designar um grupo social que se diferencia de
outros grupos por sua especificidade cultural‖ (p. 435). Na Bahia, por exemplo, atualmente
existem as etnias: Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá, Kariri, Kiriri, Kiriri-Barra, Tuxá,
Pankararu, Pankararé, etc.
Ainda que os índios se identifiquem entre si e se percebam diferentes do restante da sociedade
brasileira, eles também se percebem como diferentes entre eles, ou seja, algumas
características físicas e culturais os aproximam, mas as particularidades de cada etnia os
tornam diferentes, visto que a cultura não é homogênea. Como afirma Almeida Neto: ―O ‗ser‘
Bororo é distinto do ‗ser‘ Cinta Larga, do ‗ser‘ Xavante, do ‗ser‘ branco e assim por diante‖.
(2004, p. 40)
Na coleção Índios na visão dos índios, produzida pela etnia Tupinambá, perceber-se tal
afirmação no depoimento de Amotara, índio tupinambá:
Nós povos indígenas somos diferentes. Somos iguais em corpo humano, mas
diferentes, pois temos os nossos rituais, temos nossas pinturas, o nosso traje, nosso
Porancin (cantos e danças sagrados), por isso somos diferenciados. (2001, p.04)
Portanto, as terminologias índio e cultura indígena podem ser substituídas por índios e
culturas indígenas, acreditando assim, contemplar um grupo tão complexo e plural.
5 Neste caso, a palavra ―primitiva‖ foi empregada no sentido de atrasada.
18
Ao estudar sobre os índios surge a necessidade de questionar como aqui chegaram. Embora
não exista comprovação científica a respeito do primeiro povoamento no continente
americano, a maior parte dos estudiosos considera que os índios não são originários da
América. Costa e Mello (1999) revelam quatro possíveis migrações humanas para este
continente:
―a asiática: populações vindas da Ásia atravessaram o estreito de Bering, ocupando a
América do Norte; a australiana: populações vindas do pólo sul atingiram a
Patagônia, região sul do nosso continente; a malaio-polinésia: populações originárias
das ilhas da Polinésia teriam aproveitado a corrente marítima do Peru e navegado até
nosso continente; a esquimó: populações vindas do pólo norte para a América do
norte‖. (p. 29)
Mesmo considerando a insuficiência de dados a este respeito, nota-se que muitos dos
estudiosos adotam a teoria de que o povoamento da América se deu através de migrações
asiáticas, que foram várias, por conta dos traços fenotípicos dos indígenas que se assemelham
aos asiáticos. Daniel Munduruku narra:
O que sabemos sobre o povoamento do continente americano é que tudo começou
cerca de 40 mil anos atrás. Naquela época, os continentes asiático e americano eram
unidos por uma ponte de gelo, no estreito de Bering. Por lá, segundo os estudiosos,
teriam atravessado os primeiros homens. Eles vieram provavelmente em busca de
alimento. E foram se espalhando por todo o continente americano. (MUNDURUKU,
2003, p. 13)
Teixeira (1995) apresenta outra data que difere da proposta por Munduruku (2003). Segundo
a autora, a datação tem como base os achados arqueológicos encontrados a cerca de 12.000
anos na América do Norte. Para ela ―aceitar essa data nos permite dizer que o povoamento da
América do Sul aconteceu há pelo menos 10.000 anos‖ (TEIXEIRA, 1995, p. 293).
Os grupos vindos da Ásia, ou construídos in loco, ao chegarem aqui, certamente trouxeram
consigo sua bagagem cultural, mas tiveram também que desenvolver habilidades para
adaptarem-se as novas condições de existência, principalmente as climáticas.
Estima-se que eram cerca de 5 milhões de índios antes da chegada dos europeus, falando em
torno de 1300 línguas diferentes, classificadas em quatro principais famílias linguísticas,
pertencentes ao tronco Tupi, Macro-Jê, Karib e Arawak. Hoje esse número foi reduzido e
atualmente são faladas no Brasil 170 línguas, como afirma Santilli (2000). Devido ao
19
genocídio6, praticado pelo europeu, o número de indígenas passou para ―750 mil pessoas,
sendo que 350 mil vivem em aldeias e mais ou menos 400 mil vivem fora das terras
indígenas‖ (MUNDURUKU, 2003, p. 11). Ainda existem 40 povos vivendo isolados7, na
região da Amazônia, segundo Munduruku (2003). Esses números, embora sejam estimativas,
servem para mostrar a quantidade de índios que foram dizimados no período da vinda dos
europeus.
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA) ―o censo populacional realizado em 2000 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicou que a parcela da população
brasileira que se auto-declarou genericamente como ‗indígena‘ alcançou a marca de 734 mil
pessoas‖. Embora exista uma precariedade nos dados demográficos realizados com as
populações indígenas, levando em conta que muitos índios vieram para a cidade em busca de
estudo e trabalho, e algumas etnias vivem isoladas (sem contatos com não-índios), as
estimativas elaboradas a partir de 1970 revelam que há um aumento no número de índios,
principalmente no nordeste do Brasil, onde os índios aculturados8 são negados enquanto
índios pela sociedade contemporânea. Esse aumento de pessoas que se declaram como
indígena, é resultado de um longo processo histórico de resistência.
Castro (2006) em seu artigo ―No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é‖, mostra que
todos os brasileiros ―carregam‖ consigo o patrimônio genético indígena, mesmo que não
apresentem características físicas que os façam ―parecer‖ índios.
―O homem livre da ordem escravocrata, para usar a linguagem da Maria Silvia
Carvalho Franco, é um índio. O caipira é um índio, o caiçara é um índio, o caboclo é
um índio, o camponês do interior do Nordeste é um índio. Índio em que sentido? Ele
6 De acordo com o dicionário Aurélio, genocídio é um ―crime contra a humanidade, que consiste em, com o
intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, cometer contra ele
qualquer dos atos seguintes: matar membros seus; causar-lhes grave lesão à integridade física ou mental;
submeter o grupo a condições de vida capazes de o destruir fisicamente, no todo ou em parte; adotar medidas
que visem a evitar forçada de crianças dum grupo para outro‖ (FERREIRA, 1986, p. 845).
7 No parágrafo I, do Art. 4º, da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do índio) são considerados índios isolados ―quando
vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais
com elementos da comunhão nacional‖ (BRASIL, 1973). É importante a ressalva de que a distinção entre índios
isolados, integrados e em vias de integração perdeu esse caráter classificatório a partir da Constituição de 1988,
além disso, existe hoje, um projeto em tramitação para a substituição do ―Estatuto do Índio‖ para o ―Estatuto das
Sociedades Indígenas‖ que sugere uma série de inovações e considera o que está na atual Constituição.
8 Para Morais ―a aculturação compreende aqueles fenômenos surgidos onde grupos de indivíduos que têm
culturas diferentes entram em contato contínuo de primeira mão, com subsequentes mudanças nos padrões da
cultura original de um dos grupos ou de ambos‖ (1989, p. 19 – 20).
20
é um índio genético, para começar, apesar de isso não ter a menor importância‖
(p.08).
Na busca por referenciais teóricos que pudessem embasar esta pesquisa, foram encontradas
nas bibliografias, algumas denominações relacionadas aos povos indígenas, tais como:
originários, aborígene, autóctones, nativos, ameríndios - que significam povos originários da
América e ainda silvícolas, sendo este último bastante inadequado, já que ser índio não se
restringe a viver na selva. O termo atualmente utilizado é índio ou indígena, embora existam
aqueles que prefiram ser chamados apenas pelo nome da sua etnia.
Para Jecupé (1998, p. 13), ―índio é uma qualidade de espírito posta em uma harmonia de
forma‖. O autor afirma que esse espírito de índio já existia antes mesmo da chegada europeia.
Tanto para o autor, quanto para Almeida Neto (2004), não existe um ser ontologicamente
―índio‖. De fato, essa denominação foi criada a partir da chegada dos europeus. No entanto, é
importante discutir essa denominação e abordar a ressignificação dessa palavra através,
principalmente, da atuação do movimento indígena.
Portanto, o que vem a ser índio? Como se define alguém como índio? Nas literaturas
encontradas, autores como Márcio Santilli (2000), Júlio César Melatti (2007), Luciano (2006)
e Maria Dorath Bento Sodré (2003) tentam definir o índio. Todos estes autores trazem em
suas abordagens aspectos em comum. Verifiquemos primeiramente o argumento de Sodré:
Índio é uma palavra que remete a muitas significações de diferentes aspectos. De
ordem da genealogia, é um termo para designar o povo da América antes da
América ser América com a chegada dos europeus, e que tem sua origem com
Cristovão Colombo pensando ter chegado as Índias e que, mesmo se reconhecendo o
equívoco com Américo Vespúcio, essa designação foi mantida. (2003, p. 12)
Melatti acrescenta que índio é ―[...] aquela parcela da população que apresenta problemas de
inadaptação à sociedade brasileira, motivados pela conservação de costumes, hábitos ou
meras lealdades que a vinculam a uma tradição pré-colombiana‖ (Ribeiro, 1957, p. 35 apud
Melatti, 2007, p. 37). Santilli por sua vez, complementa e amplia a definição de índio: ‖[...]
índios são os outros, os que não somos nós, os que se afirmam como outros‖ (2000, p. 13).
Luciano (2006) autor do livro - O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje; do Ministério da Educação, traz à discussão uma definição
técnica das Nações Unidas de 1986,
21
[...] as comunidades, os povos e as nações indígenas são aqueles que, contando com
uma continuidade histórica das sociedades anteriores à invasão e à colonização que
foi desenvolvida em seus territórios, consideram a si mesmos distintos e outros
setores da sociedade, e estão decididos a conservar, a desenvolver e a transmitir às
gerações futuras seus territórios ancestrais e sua identidade étnica, como base de sua
existência continuada como povos, em conformidade com seus próprios padrões
culturais, as instituições sociais e os sistemas jurídicos. (p. 27)
Embora tenha sido sustentada essa designação, índio é um termo muito genérico para
identificar povos pertencentes a diversas etnias existentes. Para Almeida Neto (2004, p.40) ―a
palavra ‗índio‘ esconde e simplifica toda a riqueza cultural e a diversidade dos povos
indígenas brasileiros‖. No entanto,
com o surgimento do movimento indígena organizado a partir da década de 1970, os
povos indígenas do Brasil chegaram à conclusão de que era importante manter,
aceitar e promover a denominação [...] de índio ou indígena, como uma identidade
que une, articula, visibiliza e fortalece todos os povos originários do atual território
brasileiro [...]. (LUCIANO, 2006, p. 30 – 31)
De acordo com Luciano (2006), esta terminologia ―índio‖ ganhou, através do movimento
indígena, um sentido de luta e resistência, passando a designar os povos nativos do continente.
De depreciativo o termo ganhou força tornando-se marca identitária. Essa identidade indígena
consiste em saber quem são esses povos, mesmo diante de uma diversidade de povos que
existem no mundo, ela [a identidade] ―é a essência cultural que nos une e nos permite nos
reconhecermos em nossa diversidade‖ (GIARDINELLI, 2004, p. 82).
Fica claro que, para um indivíduo se assumir como índio, a comunidade externa também
precisa reconhecê-lo como tal, no entanto, assumir-se índio é também uma afirmação política,
principalmente diante das injustiças e desafios que os povos indígenas têm enfrentado
historicamente. Daniel Munduruku, mostra com bastante clareza, em seu depoimento no livro
- Coisas de índio, a dificuldade enfrentada ainda quando criança por ser índio:
Quando eu era pequeno não gostava de ser índio. Todo mundo dizia que o índio é
um habitante da selva, da mata e, que se parece muito com os animais. Tinha gente
que dizia que o índio é preguiçoso, traiçoeiro, canibal. Eu ouvia isso dos meus
colegas de escola e sentia muita raiva deles porque eu sabia que isso não era
verdade, mas não tinha como fazê-los entender que a vida que o meu povo vivia era
apenas diferente da vida da cidade. Isso durou bastante tempo e foi difícil aceitar
minha própria condição que eu cheguei a desejar não ter nascido índio.
(MUNDURUKU, 2003, p. 06)
O trecho aborda que o índio é visto a partir de um viés preconceituoso e impregnado de
estereótipos. O preconceito pode tendenciar o indivíduo a negar sua própria identidade e
22
identificar-se com uma identidade considerada ―correta‖. Ressignificar, portanto, o conceito
de ―ser índio‖ não é algo que se reduza a um processo apenas epistemológico, mas, sobretudo,
uma ação política de enfrentamento a sociedade atual, no sentido de quebrar paradigmas que
distorçam a imagem dos povos indígenas.
Jaqueline, índia Tupinambá, na coleção Índios na visão dos índios - Tupinambá (2001),
escreve sobre a importância de ser índia:
Ser índio pra mim é poder ir e vim ser pedir lisença, é ser livre pra falar sem ter
medo de correr perigo de vida. O que eu quero e desejo profundamente é que as
pessoas nos respeitacem mais e acima de tudo que respeitacem a nossa cultura e a
nossa tradição sem preconceito. 500 anos se passaram e ainda os brancos vivem
massacrando, humilhando e matando nossos povos nos deixando em extinção,
querendo acabar com a nossa história. Mas nos estamos renascendo a cada dia com
mais força. (p.30. sic)
Ainda na mesma coleção, mas no livro da etnia Pankararu (2003), encontra-se o depoimento
de Maxakali, de catorze anos de idade, que diz: ―tenho orgulho de ser índio por que o índio
tem muitas história bonita. não é só isso é por que o índio é o símbolo da natureza e do mundo
o índio é o primeiro abitante da terra‖ (p.25. sic).
Existe uma grande complexidade em definir o que é ser índio, fato observado através dos
depoimentos dos próprios. A maioria deles afirma sua identidade, sendo isto fácil quando
estão na aldeia. Todavia, quando estão em meio à sociedade nacional são discriminados e têm
que provar que são ―índios de verdade‖, ainda que ninguém observe um branco, por exemplo,
tendo que provar que é ―branco de verdade‖.
É uma humilhação ter que vir um branco de fora para dizer se a gente é índio,
porque nossa identificação esta na nossa cultura, nós que temos que dizer que somos
índios e não eles. Índio é aquele filho de índio que preserva sua cultura, sua religião,
que aprende com seus antepassados e continua a ensinar para as futuras gerações. Eu
sou índio porque nasci índio, e não porque existe FUNAI. Há 100 anos atrás não
existia FUNAI e meu tataravô existia. (ÍNDIOS NA VISÃO DOS ÍNDIOS -
TUMBALALÁ, DEPOIMENTO DO CACIQUE CÍCERO MARINHEIRO, 2001, p.
15)
A auto-estima, assim como o processo de consciência e reafirmação da identidade indígena,
perdida ao longo dos anos está sendo recuperada: ―Ser índio transformou-se em sinônimo de
orgulho identitário. Ser índio passou de uma generalidade social para uma expressão
sociocultural importante do país‖ (LUCIANO, 2006, p.38 – 39). A auto-estima indígena
repercute na mudança da própria história do Brasil traçada pelos colonizadores europeus.
23
2.1 ANTES DA CHEGADA EUROPEIA
Falar dos índios antes da chegada dos europeus não é uma tarefa fácil, visto que os próprios,
naquela época, não escreveram sua história, pois, desconheciam a escrita, sendo os
conhecimentos perpassados através da história oral e registrados através da iconografia9. Hoje
os índios têm recuperado e reescrito essa história. Para dar vez e voz a esses povos, este
tópico terá como base, então, embora de forma breve, as histórias contadas por índios
contemporâneos sobre seus antepassados, ressignificando então a historiografia brasileira, e
contando a ―história que a História não contou‖.
O Brasil sempre guardou em sua história a marca do processo excludente e desigual para com
as populações indígenas. A história desses povos quase sempre foi contada e registrada a
partir da visão do homem europeu. Mas o que dizem os índios sobre sua história? A coleção
Índios na visão dos índios - Tupinambá, traz um importante depoimento:
Éramos milhões de indivíduos povoando esta terra. Então surgiram, no horizonte,
embarcações cheias de figuras estranhas, jamais vistas pelos nosso antepassados:
homens vestidos espalhafatosamente, com o corpo todo coberto – inadequados ao
clima local - , com uma fala incompreensível aos ouvidos. Estes invasores
trouxeram paus-de-fogo, micróbios letais e uma cultura incabível na nossa realidade.
Assim, Nações inteiras foram dizimadas: milhares de pessoas mortas – o maior
genocídio cometido em todos os tempos. (DEPOIMENTO DA ETNIA
TUPINAMBÁ, 2001, p. 06, sic)
Aqueles homens barbados e cheios de vestimentas, vindo em gigantescos navios, causaram
surpresa e estranhamento ao desembarcarem. O ―espetáculo‖ da chegada de novos homens a
esta terra, transformou a vida dos antigos moradores, os quais nunca mais puderam viver à sua
maneira. Esses homens ainda se apropriaram das riquezas naturais, violentaram a terra,
desmatando e destruindo a fauna e a flora, escravizaram os índios, obrigaram a cultuar seu
deus e cobrir sua nudez. Vejamos ainda na mesma coleção:
Essas pessoas, até então desconhecidas, queimaram as nossas habitações, violaram
os solos sagrados, destruíram as plantações, estupraram as mulheres e mataram
todos aqueles que não se submeteram às suas ordens. Soldados desses invasores
recebiam saldos para retirarem a maior quantidade de testículo dos homens.
(DEPOIMENTO DA ETNIA TUPINAMBÁ, 2001, p. 06)
9 Os índios registravam em pedras e árvores, através de desenhos, a guerra entre diferentes etnias, a caça, o toré.
Dessa forma, as imagens já representavam, naquela época, uma importante forma de registro sobre o modo de
vida, antes do conhecimento da escrita.
24
Desde a invasão dos europeus, muita coisa foi modificada na cultura indígena, como nos
mostra Lymbo10
em seu depoimento, escrito na coleção Índios na visão dos índios -
Pankararu:
[...] nós vivíamos muito melhor por que tínhamos comida em abundância: caça,
frutas, peixes, raízes, tínhamos equilíbrio e paz. Vivíamos livre nas matas, não
precisávamos de nada. A partir das invasões, os rios e as matas foram tão explorados
que já não produzem a substância para nos alimentar. Então passamos por muitas
dificuldades, porque o que a gente sabia fazer nas matas já não é suficiente para nos
manter. [...] não nos ensinaram a viver no mundo fora das matas. (2001, p.19)
Diante da citação pode ser constatado que a experiência do indígena com o homem branco
causou prejuízos irreparáveis e que mesmo o tempo não foi capaz de recuperar. Os índios
eram muitos quando os portugueses chegaram às terras brasileiras, mas o conhecimento da
escrita e o poderio armamentista do homem europeu era excepcional, logo, o proporcionou
vantagem e fez com que um número significativo de comunidades indígenas fossem
exterminadas.
Na coleção Índio na visão dos índios, produzida pela etnia Kiriri, é destacado o depoimento
de Adjaime, índio Kiriri:
Antes da chegada dos portugueses nós povos indígenas vivíamos espalhados por
todo o território que hoje corresponde ao Brasil. Éramos mais de 900 povos. Cada
povo vivia de acordo com sua cultura, falando sua própria língua, praticando sua
religião. Não existia prefeito, governador, nem presidente. Cada povo tinha suas
lideranças, seus conselheiros, todo problema que surgia era resolvido de acordo com
os costumes, a tradição do povo. (2003, p.06)
Não existia ainda propriedade privada e tudo era distribuído coletivamente, a terra pertencia a
todos. Dela era retirado o sustento e não havia acumulação de produtos, portanto, não havia
trabalho excedente. A economia baseava-se na subsistência e a organização era comunitária.
O escambo era feito eventualmente entre comunidades diferentes. A divisão social do trabalho
era feita a partir dos critérios idade e sexo.
Antes dos portugueses chegarem aqui em nossas terras, o nosso povo vivia melhor,
tinham de onde tirar o sustento sem precisar agredir a natureza que é, o que temos de
melhor em nossas vidas. Os nossos parentes sofreram muito, foram ameaçados,
comprados pela sua inocência e escravizados, com isso veio acontecer a morte de
muitos do nosso povo. (ÍNDIOS NA VISÃO DOS ÍNDIOS - TUMBALALÁ,
DEPOIMENTO DE LEIDIANE, 2001, p. 03)
10
Lymbo é uma liderança indígena da etnia Kariri-xocó.
25
Nessa ocasião conhecida como período neolítico, onde os homens já dominavam a
agricultura, eles aprenderam também a manusear ervas medicinais próprias para curar as
doenças. Considerando a hipótese de lugar de origem dos índios mais aceita, conclui-se que,
durante esses milhares de anos vivendo no continente americano, desenvolveram técnicas de
sobrevivência para viver em meio à floresta. Essa permanente experiência com a natureza fez
com que os índios criassem uma relação muito forte com o sagrado, assim, a natureza passa a
ser sagrada, como tudo o que provém dela.
2.2 O QUE DIZIAM OS EUROPEUS SOBRE OS ÍNDIOS?
Todo o conhecimento que se tem sobre os índios na época da chegada dos europeus foi
adquirido através da carta de Pero Vaz de Caminha - escrivão da armada de Pedro Álvares
Cabral; dos escritos dos jesuítas que aqui vieram, muitos dos quais passaram a viver entre os
índios; e de relatos e/ou crônicas de viajantes europeus, como por exemplo: Jean de Léry,
André Thevet, Hans Staden, Pero de Magalhães de Gândavo, Gabriel Soares de Souza, Ulrich
Schmidel, Anthony Knivet, Manuel da Nóbrega e Fernão Gardim, que
registravam, como não podia deixar de ser, um país em que o real cedia ao pitoresco,
em que a natureza moldava a forma de existência e em que animais raros e índios
eram igualmente tratados como seres estranhos, de espécie diferente da deles,
europeus civilizados. (PINSKY, 1997, p. 12)
As narrativas do Brasil quinhentista tinham como objetivo descrever o modo de vida dos
habitantes do ―novo‖ país, assim como, o habitat, a fauna e a flora do local. No entanto, deve-
se considerar que estes registros foram construídos num determinado espaço ideológico e que
não devem, portanto, ser compreendidos como um discurso neutro e ingênuo. Além disso,
devem-se levar em conta o período em que foram escritos e as influências políticas,
econômicas, culturais e sociais sofridas pelos escritos.
[...] a descoberta do ‗outro‘ chega até nós, inicialmente, pela voz dos cronistas do
século XVI e XVII, espantados diante da natureza e dos habitantes da terra. No
século XVIII são engenheiros, cartógrafos e os primeiros naturalistas que surgem,
nas trilhas do iluminismo, escrevendo memórias onde procuram inventariar as
riquezas econômicas do país. (ALEGRE, 1998, p.64 apud MARIANO, 2006, p.47.
grifo do autor)
No livro, Viagem á terra do Brasil, Jean de Léry, escritor francês, descreve o índio da
seguinte maneira:
Se quiserdes agora figurar um índio, bastará imaginardes um homem nu, bem
conformado e proporcionado de membros, inteiramente depilado, de cabelos
26
tosquiados como já expliquei, com lábios e faces fendidos e enfeitados de ossos e
pedras verdes, com orelhas perfuradas e igualmente adornadas, de corpo pintado,
coxas e pernas riscadas de preto com o suco de genipapo, e com colares de conchas
penduradas no pescoço. Colocai-lhe na mão seu arco e suas flechas e o vereis
retratados bem garboso ao vosso lado. (LÉRY, 1980, p. 117 - 118 apud SODRÉ,
2003, p. 13 – 14)
O autor ilustra o índio como um individuo vigoroso, exótico e enfeitado. Este tipo de projeção
imagética11
, ainda hoje, repercute nos livros didáticos e na maioria dos filmes onde aparece a
figura do índio, como por exemplo: Apocalypto, Hans Staden e Caramuru: A invenção do
Brasil. Esse ―manequim étnico‖ termo designado por Sodré (2003) foi criado com base no
fenótipo de grupos indígenas no período da chegada dos europeus às terras brasileiras. Esse
talvez seja um dos motivos da grande dificuldade da sociedade nacional em aceitar o índio do
nordeste, visto que suas características físicas diferem bastante das dos índios descritos na
época da colonização.
Thevet, também escritor francês, viajante do século XVI no Brasil, descreve o índio da
seguinte forma:
Aos canibais da terra firme e das ilhas cujas terras vão do cabo de Santo Agostinho
ás proximidades do Marinhão, são os mais cruéis e desumanos de todos os povos
americanos, não passando de uma canalha habituada a comer carne humana do
mesmo jeito que comemos carne de carneiro, se não até mesma com maior
satisfação. [...] Não há fera dos desertos d‘África ou d‘Arábia que aprecie tão
ardentemente o sangue humano quanto estes brutíssimos selvagens. Por isso não há
nação que consiga se aproximar-se deles, seja cristã ou outra qualquer [...].
(THEVET, 1978, P. 199 apud PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 28)
O autor descreve com horror a prática antropofágica, a qual designa como um ato canibal,
mostrando desconhecer a prática religiosa e ritualística que envolvia a antropofagia. O termo
canibalismo refere-se à prática de comer carne humana para sacio da fome (presa x predador),
enquanto a antropofagia não tem esse caráter, não devendo, desse modo, ser compreendida
como costume alimentar.
O episódio descrito acima, mostra que houve um conflito na aproximação dos ―diferentes‖.
Olhar o outro como outro, não como desigual, pressupõe conceber o outro e o mundo com um
11
Para melhor compreensão desse termo, faz-se necessário definirmos o que vem a ser imagem: ―[...] indica algo
que, embora nem sempre remeta ao visível, toma alguns traços emprestados do visual e, de qualquer modo,
depende da produção de um sujeito: imaginária ou concreta, a imagem passa por alguém que a produz ou
reconhece‖ (JOLY, 1996, p. 13 apud SODRÉ, 2003, p. 13).
27
olhar diferenciado. A experiência da alteridade12
pode tendenciar um indivíduo a considerar
seu modo de vida e de concepção de mundo como o mais correto. Essa tendência denominada
etnocentrismo13
gera preconceito, discriminação e intolerância. Laraia nos adverte de que
―Comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões
culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como
absurdas, deprimentes e imorais‖ (2006, p. 74).
As negações da alteridade constituem-se como formas de aversão ao ―outrem‖ do outro, o que
põe em discussão a sua própria organização social, antes considerada única. A relação
dialética entre os diferentes é apresentada a partir da superioridade dos estrangeiros e da
selvageria dos indígenas, aqueles que lembram os animais. ―O ‗outro‘ é o ‗aquém‘ ou o
‗além‘, nunca o ‗igual‘ ao ‗eu‘‖ (ROCHA, 1994, p. 9-10). Entretanto, os ―outros‖ são, na
realidade, a construção daquilo que se cria e se faz deles, assim como ―nós‖ somos aquilo que
criaram e fazem de ―nós‖. (FERRÉ, 1998)
O estranhamento entre culturas diferentes, quando não vistas sob a perspectiva do civilizado e
do selvagem, possibilita que o individuo conheça novas formas de existir e uma cultura torna-
se para a outra uma revelação do novo. Contudo, esta forma dificilmente seria provável entre
brancos e índios, visto o caráter evangelizador e dominador que estava por trás da colonização
daqueles povos.
Segundo Pacheco de Oliveira e Freire (2006), um dos poucos relatos que demonstraram
compreensão em relação ao modo de vida dos indígenas foi o do alemão Hans Staden, o qual
foi capturado e aprisionado pelos índios Tupinambá em Ubatuba – São Paulo. Este conviveu
com os Tupinambá por um longo período, o que possibilitou perceber suas tradições culturais
através de um ―outro olhar‖.
12
Alteridade: ―Trata-se da dificuldade de que os membros de uma dada cultura, imersos em sua peculiar visão de
mundo e em todas as práticas que dessa derivam, enxerguem os componentes de uma outra formação cultural,
com cosmovisão e atitudes diferentes, como um grupo humano capaz de real adequação ao mundo, grupo
portador de definidos direitos e também capaz de atingir verdades fundamentais. Isso porque, à feição do que se
passa no nível das relações mais pessoais, o alter principia por ser um desafio ameaçante; o alter não habita os
limites do meu ego, e sou tomado pela estranheza (geradora inicial da insegurança) perante o competidor que,
ainda que intencionalmente, parece propor a desestruturação das minhas verdades, o questionamento de minha
cosmovisão‖ (MORAIS, 1989, p. 25).
13 ―Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os
outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é
existência‖ (ROCHA, 1994, p. 07).
28
A diferença entre europeus e índios, na sua forma de ser e viver, põe em discussão a própria
humanidade dos indígenas, como descreve André Thevet anteriormente. O desrespeito a
condição de ser do outro, na sua diferença, muitas vezes gera naquele (o outro) a negação da
sua identidade enquanto diferente. Dessa forma, os desapropriados da sua terra – os índios –
foram e ainda são levados a acreditar que devem ser gratos por terem sido colonizados, já que
é internalizado a pseudo-verdade, por parte dos invasores, de que era necessário aprender a
viver como ―civilizados‖.
Respeitar a diferença não pode significar ‗deixar que o outro seja como eu sou‘ ou
‗deixar que o outro seja diferente de mim tal como eu sou diferente (do outro)‘, mas
deixar que o outro seja como eu não sou, deixar que ele seja esse outro que não pode
ser eu [...]; significa deixar que o outro seja diferente, deixar ser uma diferença que
não seja, em absoluto, diferença entre duas identidades, mas diferença da identidade,
deixar ser uma outridade que não é outra ‗relativamente a mim‘ ou ‗relativamente ao
mesmo‘, mas que é absolutamente diferente [...]. (PARDO, 1996, p. 154 apud
SILVA, 2000, p. 101, grifo do autor).
No trecho da carta de Caminha, escrita em 1500, pode ser compreendida a maneira como o
próprio percebia os índios:
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso
são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um
osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de
algodão, agudo na ponta como um furador. (CAMINHA, 1963)
Caminha mostra, através de sua carta, que os costumes indígenas eram bem diferentes dos
costumes europeus: a forma como se alimentavam, os animais dos quais não tinham
conhecimento - boi, vaca, cabra, ovelha e galinha e os adereços que usavam. Ele definiu os
índios como ―gente de tal inocência‖ que acreditava que estes se tornariam logo cristãos se
soubesse falar a mesma língua.
Contraditoriamente a descrição feita por Caminha, nota-se duas concepções sobre os
―gentios‖ formadas no período da colonização:
1. Eram seres humanos que estavam degradados, vivendo como selvagens e
canibais, mas possuíam todo o potencial para se tornarem cristãos;
2. Eram seres inferiores, animais que não poderiam se tornar cristãos, mas podiam
ser escravizados ou mortos. (PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 28 –
29)
29
As concepções trazidas por Pacheco de Oliveira e Freire justificam a escravidão e a
catequização, às quais os índios estavam submetidos, além de representar a maneira como
eram vistos na época. ―A dialética da representação do colonizado faz deste, [...] um ser
simultaneamente atrativo e repulsivo, dócil e ameaçador, leal e traiçoeiro, utópico e
diabólico‖ (SANTOS, 2004, p. 31). Esta dicotomia na projeção elaborada pelos europeus, o
―selvagem cruel‖ e o ―bom selvagem‖ (GRUPIONI, 1995), por exemplo, perpassam toda a
literatura da época, deixando claro que há uma grande contradição nesses escritos ao tentar
defini-los.
2.3 O CENÁRIO ATUAL DOS ÍNDIOS NO BRASIL
Ao longo dos anos, os povos indígenas têm sido vitimas de diversas atrocidades. A primeira
delas corresponde à invasão dos portugueses: tomada de suas terras, imposição de uma
religião estranha, extermínio de algumas etnias, escravização e mortes por epidemias. Mais
tarde podemos destacar a negação dos seus direitos, a insuficiência na demarcação dos seus
territórios, o pouco investimento na educação diferenciada que lhe é atribuída, o conflito com
fazendeiros por questões territoriais, etc.
As violências acima são tentativas de submeter os índios às leis dos brancos e a inúmeras
formas de ―integração‖ no convívio com a ―civilização‖. Diante disso e da desapropriação do
seu maior bem, que é a natureza, os índios tiveram que encontrar novas formas de
subsistência, visto que não dispõem de lugar para caçar e pescar, tornando assim, o artesanato
uma das principais maneiras de gerar renda e propalar sua cultura. O território indígena, além
de escasso [devido, principalmente, a falta de demarcação], virou palco de conflitos e
assassinatos, pois para os fazendeiros as terras indígenas constituem-se num valioso
investimento financeiro.
A demarcação dessas terras caracteriza o pagamento de uma dívida histórica para com os
primeiros habitantes do país. Esta é mais que um espaço territorial, representa, sobretudo, um
espaço de manifestação da sua cultura e tradição. De acordo com referências da FUNAI, a
reserva Raposa Serra do Sol, localizada no estado de Roraima, constitui-se hoje uma das
maiores terras indígenas do país e sua demarcação no ano de 2005 deve ser mencionada como
uma importante conquista indígena.
30
Devido à falta de demarcação em muitos territórios, algumas etnias já foram consideradas
extintas, embora existam e lutem pelo seu espaço na sociedade. Estas tiveram suas culturas
modificadas, acompanhando a cultura e a sociedade que são dinâmicas, mas não foram
abolidas. Os índios, hoje, usam roupas, óculos, celulares, computador, assistem televisão...
Nada disso faz um índio deixar de sê-lo, pois sua imanência está para além destes artefatos.
Como exemplo, podemos citar os Gaviões do Pará que utilizam calculadoras para contabilizar
a produção de castanha, ―mas continuam se afirmando não apenas como índios, mas como
índios Gaviões, agora mais do que nunca‖ (RAMOS, 1986, p. 91).
Como se observa, o convívio com a cultura europeia modificou muitos aspectos das culturas
indígenas, fazendo com que algumas etnias, reaprendessem e ressignificassem suas tradições
para então continuarem vivas. Foi o caso dos Tuxá de Rodelas, que ajudaram os Tumbalalá a
resgatar o toré, já que esses últimos estavam sendo perseguidos e não podiam realizar seu
ritual, nem ensiná-los às crianças. O tore é parte da tradição14
indígena. Tradição essa que não
está fossilizada no passado, pelo contrário, tem ganhado força e vigor cotidianamente, mesmo
com a violência do processo histórico de conquista do Brasil.
De acordo com Ricardo (1995) a população indígena, representa hoje, aproximadamente 0,2%
da população brasileira nacional. Esta informação destaca dois dados importantes: 1º) o
número pode revelar para alguns a extinção dos índios e sua irrelevância na sociedade e 2º)
demonstrar a conseqüência do massacre dos índios no período da colonização europeia, fato
que ainda reflete na sociedade atual.
Parte da sociedade contemporânea ignora a presença dos grupos indígenas, afirmando que,
ainda são índios, como se eles fossem deixar de ser e tornar-se brancos ou negros, não mais
índios. Um dos motivos dessa concepção é a perda de suas inúmeras línguas maternas, devido
ao processo de mutilação linguística, realizado pelos europeus, através da imposição da língua
portuguesa. Hoje, a luta pela educação diferenciada e pelo ensino da língua materna como
primeira língua, tem resgatado a língua de algumas etnias.
Embora sejam brasileiros, ou melhor, cidadãos brasileiros, não conseguem inserir-se na
sociedade nacional, uma grande contradição. Essa invisibilidade, a denominação de falso
14
Tradição, segundo Ramos (1986) é o conjunto de significações – crenças, valores, saberes – que um povo
construiu e vai transformando de geração em geração. (p. 91)
31
índio e/ou ainda, sua negação, é na verdade, um critério ideológico utilizado para recusar a
esses povos seus direitos. As maiores dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas são o
preconceito, a discriminação e a rejeição por parte da sociedade nacional. Aqueles índios que
se desligam das suas comunidades por conta de estudo e trabalho, encontram o desafio de
serem aceitos como membros da sociedade. Muitos deles negam ou escondem sua origem
para conseguir sobreviver fora da sua comunidade.
Além do descaso para com muitas etnias indígenas, os índios têm sofrido com o processo de
desindianização, ou seja, deixar de ser índio para compor a sociedade contemporânea. Esse
processo se dá através do sistema capitalista, que exprime a ideia de que os índios atrapalham
o desenvolvimento e o progresso do país; da evangelização nas aldeias, onde tentam-se
implantar a religião católica e protestante como forma de salvação por enxergarem a
religiosidade indígena de forma demoníaca; e da própria modernização, cujo discurso defende
a necessária civilização e revela os índios como atrasados.
Atualmente, a Fundação Nacional do índio - FUNAI é o órgão do governo federal brasileiro
responsável por desenvolver e executar uma política indigenista, considerando o estabelecido
na Constituição de 1988. De acordo com as informações contidas em seu site, essa instituição
foi criada em 1967 e substituiu o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, denunciado por diversas
irregularidades. No entanto, muitos indígenas criticam a atuação desse órgão, alegando seu
abandono para com muitas etnias, tanto na demarcação de terras, como na assistência médica
e educacional.
Hoje os povos indígenas têm assegurado pela constituição de 1988, o direito à demarcação
das terras que tradicionalmente ocupam, assim como sua posse permanente nelas (BRASIL,
1988 - ART. 231, § 2.º). Mas não foi sempre assim. As constituições anteriores, de 1937,
1946, 1967 e 1969, conferiam à União o direito às terras então ocupadas pelos índios, sendo
de posse dos índios apenas os usufrutos naturais de que a terra dispõe. Além disso, não
possuíam suas crenças e tradições asseguradas. Nem mesmo tinham um capítulo reservado às
questões indígenas, as quais eram abordadas junto a outras questões, como é o caso da
Constituição Federal de 1937, que tratava dessas questões no capítulo dedicado a ―Ordem
Econômica‖, referindo-se aos índios através do termo silvícolas. (BRASIL, 1937).
32
A constituição de 1988, considerada uma grande conquista para os povos indígenas, além de
utilizar o termo ―índios‖ ao invés de ―silvícolas‖, reserva a esses povos um capítulo peculiar,
no qual são asseguradas em seus artigos 231e 232, a demarcação das terras indígenas, suas
crenças, tradições e costumes (BRASIL, 1988). Esta constituição considera a identidade
indígena como própria e diferenciada do restante da sociedade, conforme afirma Santos
(1995)
[...] a CF [Constituição Federal] foi elaborada e aprovada no contexto do processo
de redemocratização do país. Naquele momento, lideranças indígenas de diferentes
povos exerceram junto ao Congresso Constituinte legítimas pressões reivindicando a
explicitação de direitos que assegurassem a sua continuidade enquanto etnias. (p.87)
A atuação das organizações indígenas foi fundamental para a inserção desses povos na
política do país, uma vez que através delas, eles criaram meios que fortificassem ainda mais
sua luta. Na década de 80, os índios foram protagonistas de várias cenas marcantes no cenário
político nacional, as quais, registradas por fotógrafos e cinegrafistas, ganharam manchetes nos
jornais e telejornais:
[...] o cacique Mário Juruna (Xavante) com seu gravador, registrando promessas de
políticos em Brasília, o gesto marcante de Ailton (Krenac) ao pintar o rosto de preto
durante discurso no plenário do Congresso Nacional Constituinte, ou ainda o de
advertência de Tuíra (mulher Kayapó), em Altamira no Pará, ao tocar a face de um
diretor da Eletronorte com a lâmina do seu terçado. (RICARDO, 1995, p. 47)
Do ponto de vista legal da educação, a LDBEN 5.692/71 não faz nenhuma referência aos
índios. Somente a Lei Nº 9.394/96 – Nova LDBEN é que não só faz referência como assegura
as comunidades indígenas, em seus artigos 78 e 79, a educação bilíngüe, sendo a língua
materna - primeira língua e o português - segunda língua. Além disso, também assegura o
fortalecimento das identidades étnicas e a recuperação de suas memórias históricas.
Ainda em relação à LDBEN, o seu art. 26-A foi alterado pela lei 11.645/08, que, como já dito
anteriormente, torna obrigatório o estudo da ―História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena‖
(BRASIL, 2008), de forma a resgatar as contribuições de índios e negros em diversos
aspectos da sociedade nacional. Os conteúdos relacionados à temática indígena devem fazer
parte do currículo escolar, em especial nas disciplinas de Educação artística, História e
Literatura, dos estabelecimentos públicos e privados de Ensino Fundamental e Médio de
escolas brasileiras.
33
A nova LDBEN surgiu no período pós-constituição de 1988, a qual já assegurava direito aos
indígenas. Um momento histórico no qual a temática estava bastante presente nas discussões
políticas. A constituição de 1988, a LDBEN 9.394/96 e a Lei 11.645/08 configuram-se numa
política de reparação para com os povos indígenas, que tinham suas histórias negadas,
principalmente através dos livros didáticos.
34
3. O LIVRO DIDÁTICO
O livro didático tem se tornado um campo vasto de estudo para muitos pesquisadores, que se
debruçam a observá-lo sob vários aspectos: pedagógico, econômico, político, cultural e social.
Existe uma ampla discussão na tentativa de compreendê-lo e defini-lo e, embora sejam
atribuídas várias críticas a ele, muitos autores o vê como uma ferramenta indispensável para o
processo de ensino-aprendizagem. Uma das definições mais constantes a seu respeito é a
mesma adotada por Oliveira: ―o livro didático será entendido como um material impresso,
estruturado, destinado ou adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem ou
formação‖ (RICHAUDEAU, 1979, p. 05 apud OLIVEIRA et al., 1984, p. 11).
O LD aparece então como um intermediador do ensino, ainda que alguns autores atribuam o
caráter pedagógico como objetivo posterior, conferindo-lhes um caráter primeiramente
mercadológico, levando em consideração a grande movimentação que ele possibilita a
indústria editorial.
A história do LD é muito antiga ―Em pleno século XVII Comenius já se referia à importância
do livro didático no processo de ensino‖ (OLIVEIRA et al., 1984, p. 25). Com o passar dos
anos e com o aumento do número de escolas a literatura didática adquiriu maior importância e
difundiu-se por todo o mundo.
Os primeiros LDs tinham como principal função controlar o ensino, como nos mostra
Oliveira:
―[...] o livro didático surge como um veículo adicional a Bíblia, até então o único
livro aceito (pelas comunidades) para ser usado nas escolas. Os primeiros livros
didáticos, escritos sobretudo para os alunos das escolas de elite, procuram
complementar os ensinamentos não disponíveis nos Livros Sagrados‖. (Ibidem, p.
25-26)
Nessa época eles tinham como objetivo a memorização de seus conteúdos. De acordo com
Mariano (2006) os primeiros LDs vieram especificamente da França para o Brasil no século
XIX. Foi a partir das discussões nascidas com a revolução francesa que a educação escolar
passou por algumas reformas e adotou uma proposta universal que faria parte dos livros
35
didáticos (o qual a autora denomina como compêndios escolares15
), das propostas
pedagógicas e dos currículos.
Há mais de quinze anos, o Ministério da Educação realizou uma pesquisa sobre os conteúdos
dos livros didáticos e constatou que eles estimulavam o preconceito. Anos se passaram e,
embora tenha havido alguns progressos na área, o LD, grosso modo, ainda continua
veiculando uma imagem pejorativa e abusiva de muitos grupos sociais. Muitos deles são
ultrapassados e não acompanham as altercações mais atuais da sociedade. Às vezes, muda-se
a estética da capa, das folhas, mas o conteúdo ainda é defasado.
Um dos papéis da educação é estimular a formação de valores de forma a fazer com que as
diferenças sejam respeitadas. Essas diferenças: sexual, étnica, religiosa ou política são
expressas na escola diariamente e estão também presentes em alguns livros didáticos, porém,
quase sempre de maneira acrítica, assim como a maior parte dos fatos históricos narrados. A
crítica ao LD está relacionada ao modelo de sociedade existente e ao seu modo de produção,
que se apropria da educação, e consequentemente desses livros, para moldar alunos e
professores à sua maneira.
Os artifícios que ele possui são capazes de encantar o leitor: sua capa colorida, as folhas
cheias de ilustrações, textos, pinturas, fotografias e atividades. Esse conjunto de dispositivos
não são neutros, foram selecionados e definidos por uma minoria, como conteúdos
importantes a serem aprendidos. Este aspecto de obtenção e retenção de informações faz parte
de uma disputa de poder, afinal, os livros didáticos são construtos ideológicos que servem ao
interesse de uma determinada classe.
Como já comentamos, o livro didático é um importante recurso pedagógico utilizado no
processo de ensino-aprendizagem. Ele é um ―constante companheiro‖ dos alunos durante todo
o período de estudo e dos professores na preparação de suas aulas. Entretanto, há uma grande
crítica ao fato de muitos professores recorrerem a ele utilizando-o como verdade absoluta e
atribuindo-o demasiada autoridade.
15
―Compêndios são os livros que exponham total ou parcialmente a matéria das disciplinas constantes dos
programas escolares‖ (OLIVEIRA et al., 1984, p. 22).
36
Molina (1988) nos adverte que ―[...] um livro didático, em função de seu conteúdo, de sua
estruturação e/ou do seu uso, pode gerar efeito contrário, ou seja, ser extremamente,
antididático‖ (p.10). No que diz respeito aos livros do ensino fundamental, a maioria deles
não estimulam o senso crítico em suas narrativas e gravuras, por entender que as crianças não
têm maturidade o suficiente para problematizar o que está posto, valendo-se então de pseudo-
verdades.
De acordo com Rocha (1994), os saberes passados nos LDs são etnocêntricos. O autor afirma
que eles
―[...] ocupam um lugar de supostos donos da verdade. Sua informação obtém este
valor de verdade pelo simples fato de que quem sabe seu conteúdo passa nas provas.
Nesse sentido, seu saber tende a ser visto como algo ‗rigoroso‘, ‗sério‘ e ‗científico‘.
Os estudantes são testados, via de regra, em face do seu conteúdo, o que faz com
que as informações neles contidas acabem se fixando no fundo da memória de todos
nós. Com elas fixam também imagens extremamente etnocêntricas. (p.16)
Em sua tese de doutorado Decifra-me ou te devoro – O que pode o professor frente ao
manual escolar, Maheu (2001) afirma que ―o livro didático não é exatamente um livro, mas
um manual‖ (p.13). Por manual, entendemos um conjunto de informações a serem seguidas
para alcançar um fim, por exemplo, no manual de uma televisão, encontraremos indicações
sobre onde se muda de canal, aumenta o volume, regula o horário, programa para desligar e
ligar automático, entre outras funções.
A crítica feita por Maheu refere-se à forma como os LDs estão sendo postos nas salas de aula,
como ―instruções a serem seguidas que, muito dificilmente, conseguirão propiciar construção
de novos significados‖ (2001, p.73). Telles (1993) que também adota a denominação
―manuais didáticos‖ enfatiza que os LDs:
[...] não só operacionam as normas estabelecidas pela posição hegemônica do
pensamento de uma sociedade, como também se transformam de um quadro
simbólico explicativo da realidade social, da cultura na qual o aluno está inserido, e
servem, portanto, como fornecedores do referencial para o comportamento dos
grupos que vivenciam esta realidade. (p.74)
Estando imerso numa sociedade capitalista, que preconiza as relações de poder e de classe, os
livros didáticos têm se constituído num produto ideológico e mercadológico. O mercado
consumidor tem como um de seus desígnios a venda de mercadorias e o livro didático
37
inserido na lógica do capital, coloca em risco os conteúdos vinculados, falseando-os com um
discurso classista, eurocêntrico e etnocêntrico.
A escola fazendo parte dessa sociedade capitalista torna-se um instrumento poderoso de
dominação, que serve à classe dominante, incutindo sua ideologia, funcionando como ―um
dos veículos utilizados pela escola para a transmissão da ideologia burguesa‖ (FARIA, 1986,
p. 09). Dessa maneira, ao invés de contribuir para a superação das contradições existentes na
sociedade, o livro didático tem reforçado a manutenção dessa realidade.
A ideologia, de que tanto se fala, é um conceito antigo, utilizado antes de Marx, por um
filósofo chamado Destutt de Tracy. Conforme Lowy (2002): ―A ideologia, segundo Destutt de
Tracy, é o estudo científico das idéias e as idéias são o resultado da interação entre o
organismo e a natureza, o meio ambiente‖ (p.11).
Este termo foi retomado por Marx e continuou seu percurso no marxismo posterior a Marx,
ganhando um novo significado ao longo dos séculos, ―[...] as ideologias não são simplesmente
uma ou outra idéia, uma mentira ou uma ilusão, são um conjunto muito mais vasto, orgânico,
de valores, de doutrinas, teorias, representações‖ (LOWY, 2002, p. 28-29). O autor afirma
ainda que a ideologia tem o objetivo de sustentar a ordem instituída.
De acordo com Chauí (1980), a ideologia corresponde ao ocultamento da realidade social. É
através dela que os homens ―legitimam as condições sociais de exploração e de dominação,
fazendo com que pareçam verdadeiras e justas‖ (p.21). Demo (1987) complementa que ―a
ideologia tem muitas faces‖. Para ele, pode constituir-se numa ―deturpação da realidade‖ e
até ―chegar à mentira e à falsificação consciente e premeditada da realidade‖ (p.68).
Dessa maneira, além de servir aos interesses políticos, culturais e sociais, os livros didáticos
servem também a interesses ideológicos e econômicos, como assegura Feidman (2010):
[...] é um produto político, porque é através de programas, [como, por exemplo] o
PNLEM16
, que se cria a demanda da produção desses livros para as escolas. É um
produto econômico porque atende a indústria das editoras e livrarias, reservando-
lhes a demanda a ser produzida e distribuída. É um produto cultural, pois seu
conteúdo é criado com base na produção científica, e a produção científica é uma
expressão cultural da sociedade. [...] é um produto social [e ideológico], pois ele só
16
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio.
38
foi criado porque atende a determinado público: professores e alunos. (p. 51, grifo
nosso)
O livro didático, enquanto mercadoria, está voltado para a lógica do sistema capitalista de
produção, sendo um importante produto com valor de uso e troca. São enormes as despesas
que o governo federal tem com a compra de livros didáticos, o que possibilita a crescente
expansão da indústria editorial. Dados colhidos no site do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação – (FNDE) revelam que:
Em 2010, o governo federal investiu R$1.077.805.377,28 na compra, avaliação e
distribuição dos livros didáticos do PNLD17
2011, que foram direcionados a toda a
educação básica. No ensino fundamental, o investimento foi de R$893.003.499,76.
Já o ensino médio contou com o investimento de R$184.801.877,52. Os professores
de 6º ao 9º ano realizaram a escolha, sendo distribuídos livros a todos os alunos
desse segmento em 2011. Os alunos de 1º ao 5º ano e os de ensino médio, receberam
livros para reposição e complementação dos PNLDs 2009 e 2010. Ao todo, foram
adquiridos 137.556.962 livros para atender a 29.445.304 alunos. (2009)
Desse modo, ao financiar e distribuir os livros didáticos, o Estado tem assumido grande
autoridade sobre os educandos e os sistemas de ensino. Os conteúdos desses livros são
ajustados ao interesse do seu maior comprador, que é o Governo Federal. Muitos desses
conteúdos ―[...] procuram disfarçar, omitir ou distorcer os problemas e as contradições sociais
em que se encontram certas classes sociais [...]‖ (FREITAG et al., 1997. p. 116).
3.1 COMO OS LIVROS DIDÁTICOS CHEGAM ÀS ESCOLAS
Existem três programas do governo federal, mantidos diretamente pelo FNDE, responsáveis
por prover as escolas da rede federal, estadual e municipal e ainda a entidades parceiras do
programa Brasil Alfabetizado, livros didáticos gratuitos, são eles: o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos
(PNLA). (FNDE, 2009)
Será considerado para este trabalho apenas o PNLD, que é destinado ao ensino fundamental
da rede pública de ensino, incluindo as séries de alfabetização infantil. Este programa,
iniciado desde 1929, passou por diferentes denominações durante esse tempo. Segundo
informações do FNDE (2009) é o programa mais antigo de distribuição de livros didáticos
17
Programa Nacional do Livro Didático.
39
para as escolas da rede pública e tem sido aprimorado e ampliado com a inclusão de livros
didáticos em braile desde o ano de 2001, mesmo que paulatinamente.
A cada ano o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)
realiza um censo escolar. Para ter direito ao livro didático as escolas precisam primeiramente
estar cadastradas nesse censo. Daí se inicia o itinerário dos livros às escolas públicas
brasileiras. Até que esse livro chegue às mãos dos alunos ele passa por algumas fases, as quais
iremos, de forma breve, descrever:
Cadastrada a escola no censo escolar, a primeira etapa corresponde à inscrição das editoras.
Posteriormente, os livros didáticos passam por um procedimento chamado de triagem ou
avaliação, no qual são escolhidos aqueles que atenderem as expectativas e estiverem de
acordo com os seguintes critérios, levantados no Guia de Livros Didáticos (2010, p. 12):
VI – respeito à legislação, às diretrizes e às normas oficiais relativas ao ensino
fundamental;
VII – observância aos princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao
convívio social republicano;
VIII – coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica assumida pela
coleção, no que diz respeito à proposta didático – pedagógica explicitada e aos
objetivos visados;
IX – correção e atualização de conceitos, informações e procedimentos;
X – observância das características e finalidades específicas do manual do professor
e adequação da coleção à linha pedagógica nele apresentada;
XI – e adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didático-
pedagógicos da coleção.
A triagem é realizada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT)
que, após selecionarem os livros, os encaminha para a Secretaria de Educação Básica (SEB), a
qual se compromete com a avaliação e elaboração das resenhas dos livros escolhidos, as quais
irão compor o chamado Guia do Livro Didático.
Esse guia é dirigido às escolas públicas e também disponibilizado pela internet, através do site
do FNDE.
Todas as coleções que compõem o GUIA têm, entre suas características básicas, a
preocupação com a formação integral dos alunos, buscando aliar aos conteúdos
didáticos elementos para o debate e a reflexão, contribuindo para a formação cidadã
dos educandos. (Ibidem, p.13).
40
Os professores, juntamente com a direção da escola, têm como função escolher quais livros
didáticos os auxiliarão no trabalho pedagógico, tendo como referencial as resenhas que
compõe o Guia do Livro Didático. Este é um momento importante, pois é a oportunidade que
têm os professores de escolher um livro que traga abordagens teórico-metodológicas bem
fundamentadas.
De acordo com o Ministério da Educação (BRASIL, 2011) ―[...] sua escolha deve ser pautada,
entre outros fatores, no projeto político-pedagógico da escola, na realidade sociocultural em
que a escola está inserida e nas experiências prévias dos professores com títulos anteriores‖. O
livro didático deve, portanto, exprimir a filosofia da escola.
A escolha do livro pode ser on-line, através do site do FNDE ou através de um formulário
impresso, encaminhado junto ao Guia do Livro didático. É solicitada a escolha de dois livros
para cada disciplina. Caso a primeira opção não seja contemplada, será levada em
consideração a segunda opção feita.
O FNDE negocia com as editoras os livros e informa a quantidade e o local a ser dirigido. O
processo de produção desses livros, após o contrato com a editora é supervisionado pelo órgão
referido. A distribuição é feita pela própria editora, através de um acordo entre o FNDE e a
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT).
Os livros didáticos podem ser de dois tipos: consumíveis ou reutilizáveis. O primeiro
permanece com o aluno, já o segundo deve ser conservado por três anos. Só ocorrem
acréscimos no número de livros reutilizáveis, quando há solicitação alegando perda, roubo ou
aumento do número de matrículas.
3.2 OS LIVROS DIDÁTICOS APÓS A LEI 11.274/06
Com a lei 11.274/06, que regulamenta o ensino fundamental pra nove anos, os dois primeiros
anos do ensino fundamental foram destinados ao processo de Letramento e Alfabetização
Linguistica e também de Alfabetização Matemática (BRASIL, 2006). Para acompanhar essas
mudanças, os livros didáticos sofreram algumas alterações, segundo atesta o documento
―Acervos complementares: as áreas do conhecimento nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental‖, realizado pelo Ministério da Educação junto à Secretaria de Educação Básica:
41
[...] adequando-o às características da etapa de desenvolvimento das crianças, tanto
as de seis como as de sete anos. Assim, a partir de 2010, as crianças matriculadas no
1º ano receberão um livro de Letramento e Alfabetização Linguística e outro de
Alfabetização Matemática; as do 2º ano receberão, além desses livros, obras
didáticas de Ciências, História e Geografia. (BRASIL, 2009, p. 03)
O foco maior nos dois primeiros anos do ensino fundamental, como já foi explicitado, está na
alfabetização linguística e matemática, mas no 2º ano os alunos já começam a ter contato com
livros de Ciências, História e Geografia.
O segundo ano aparece, portanto, como um ano de transição: ao lado das duas
coleções introduzidas no primeiro ano, cada escola recorrerá — ou não — às de
outras disciplinas, trabalhando, simultaneamente, o letramento e a alfabetização
iniciais, de um lado, e os conhecimentos disciplinares, de outro. (Ibidem, p.8 - 9)
É a partir do terceiro ano do ensino fundamental que os conhecimentos organizados em
disciplinas começam a ser obrigatoriamente trabalhados. Adotando no 2º ano do ensino
fundamental os conhecimentos disciplinares de Ciências, Geografia e História, a criança
retomará aprendizagens sobre a temática indígena, vistas inicialmente na educação infantil
quando se vestiam de índio em comemoração a sua data, mas agora tendo o livro didático de
História como principal referência escrita.
3.3 O ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO
O lugar que os índios têm ocupado nos livros didáticos, sobretudo nos livros de História,
ainda é mínimo. A história indígena quase sempre vem acompanhada de outros conteúdos,
como por exemplo, o ―Descobrimento do Brasil‖ e ―O Bandeirantismo‖ ou então nos assuntos
referentes a manifestações folclóricas. Ainda são poucos os livros que explicitam a história
indígena antes da chegada dos portugueses.
Segundo Grupionni (1995), são expostos fatos fragmentados, genéricos, distorcidos da
realidade. Quando aparece no livro didático, o índio é abordado de forma contraditória: bons,
cordiais, preguiçosos, selvagens, agressivos e, ainda, descrito num passado remoto,
reservando na mente das pessoas o lugar de memória: ―A imagem das sociedades indígenas
comum ao público em geral é estática: índios vivendo em pequenas aldeias isoladas na
floresta [...]‖ (NEVES, 1995, p. 171). Afirmações como essas vão sendo veiculadas em
escolas brasileiras, principalmente para as crianças, que memorizam e assimilam tais
informações como verdade.
42
3.3.1 PRINCIPAIS CONCEPÇÕES SOBRE OS ÍNDIOS NOS LIVROS DIDÁTICOS
DE HISTÓRIA
Nesse momento será feita uma descrição das principais concepções relacionadas aos índios na
maior parte dos livros de História, estudados em escolas municipais e estaduais brasileiras,
tendo como base as pesquisas feitas por autores como Pacheco de Oliveira e Freire (2006),
Grupioni (1995) e Luciano (2006). A primeira delas corresponde ao índio genérico:
Esse índio, objeto de conhecimento e de celebração neste espaço delimitado é, quase
sempre, uma figura genérica, estereotipada, exótica, representada pela alegria,
ingenuidade, liberdade, e um dos efeitos dessas representações é o estranhamento
que nos causa o encontro com os indígenas nas feiras, participando de atividades
comerciais, nas ruas de centros urbanos pedindo esmolas, ou em noticiários que
deixam ver, de relance e de modo fugaz, a situação de miséria e violência a que
estão submetidos muitos povos indígenas na atualidade brasileira. (BONIN, 2007,
p.122. grifo do autor).
A forma genérica como são representados, inviabiliza a aceitação de sua complexidade. Ao
deparar-se com um índio, as pessoas costumam assustar-se ou fazer dele objeto folclórico. O
entendimento das pessoas sobre o que é ser índio faz parte de uma construção simbólica,
ligada diretamente a um imaginário, ―Se não aparecer de colar, cocar e tanga de palha, então
não é índio mais‖ (GUIMARÃES, 2001. p. 108). Este imaginário limitado e preconceituoso
foi formado pela mídia e também pela escola, principalmente através dos livros didáticos de
História, os quais desempenham também a função de formadores da imagem do ―outro‖.
Praticamente todos os livros informam coisas semelhantes e privilegiam os mesmos
aspectos da sociedade tribal. Assim, todos os que lerem aqueles livros saberão que
os índios fazem canoas, andam nus, gostam de enfeitar e comem mandioca, mas por
outro lado, ninguém aprenderá nada sobre a complexidade de sua vida ritual, as
relações entre esta e sua concepção do mundo ou da riqueza de seu sistema de
parentesco e descendência. (ROCHA, 1984, p. 27 apud GRUPIONI, 1995, p. 489)
A figura do índio na maioria dos livros didáticos de História, segundo Grupioni (1995) é
apresentada de forma ultrapassada. Quase nunca são expostos índios vestidos com roupas,
usando celulares, mas apenas índios de tanga, arco e flecha. Essas representações não
condizem com a realidade de muitos povos, são representações simplistas, estigmatizadas,
preconceituosas e arcaicas. Para Silva, a representação é ―um processo de produção de
significados sociais através dos diferentes discursos‖ (1995, p. 200).
Tudo ou quase tudo o que é conhecido das comunidades indígenas constitui uma
aprendizagem mecânica e referenciada a partir de povos oriundos do norte e centro-oeste do
43
Brasil. Quanto aos índios do nordeste, os mais aculturados, nada ou pouca coisa se sabe. Esta
falta de informação acarreta na afirmação errônea de que no nordeste não tem índios, e os que
têm, deixaram de ser, pois, se misturaram com os não-índios. De acordo com Athias, ―[...] a
sociedade nacional continuará a ter uma visão deformada enquanto ela não tiver consciência
da existência de povos distintos em todo o território nacional‖ (2007, p. 38).
A segunda concepção corresponde à visão romântica dos índios. ―É a visão que concebe o
índio como ligado à natureza, protetor das florestas, ingênuo, pouco capaz ou incapaz de
compreender o mundo branco com suas regras e valores‖ (LUCIANO, 2006, p. 35).
Mesmo considerando a importância e a preocupação de alguns autores em dar visibilidade aos
índios na literatura brasileira, do período histórico e literário do Romantismo, a representação
do índio romântico está ainda muito presente em alguns livros didáticos utilizados em escolas
privadas e públicas. Essa representação foi criada a partir de algumas obras literárias, como
por exemplo: Iracema (a virgem dos lábios de mel), O Guarani (versão masculina de
Iracema) e Ubirajara de José de Alencar. As características desses índios que fazem parte da
literatura brasileira representam um índio ―esbranquiçado‖. Segundo Pacheco de Oliveira e
Freire ―Alencar não estudou as culturas indígenas, daí a excessiva idealização presente em sua
obra [...]‖ (2006, p. 95).
Os poemas de Gonçalves Dias foram os que melhor conseguiram demonstrar a cultura
indígena sem extremos exageros, como por exemplo, o poema: I - Juca Pirama (guerreiro
Tupi), que compõe o livro Últimos cantos.
O índio como um preguiçoso, esta pode ser considerada a terceira concepção. ―O conceito de
que é preguiçoso está ancorado no período da escravidão, quando se alegava que o índio não
se prestava ao trabalho, por isso era necessário importar negros da África‖ (SILVA, 1995, p.
341).
Alguns livros de História não revelam que os índios também foram utilizados como mão de
obra escrava, mas que por conhecerem toda a região, tinham mais facilidade de fuga dos
europeus escravizadores e, portanto, não era interessante tê-los como escravos. Já os negros
trazidos da África forçadamente, por não conhecer a região nem a língua falada aqui no país,
tinham maior dificuldade em fugir. Outro aspecto é que, sendo a escravidão e o tráfico de
44
negros um negócio bastante lucrativo para a época, a mão de obra indígena foi rapidamente
substituída pela mão de obra negra e como justificativa afirmava-se que os índios não
prestavam para o trabalho braçal.
Segundo Albuquerque e Fraga filho (2006), dentre diversos fatores que levaram a substituição
do índio pelo negro, pode ser citada a dizimação de um grande número de índios, por conta
das epidemias ocorridas, oriundas do contato com o homem branco.
A quarta concepção é a do índio como um ser do passado. ―[...] ao jogar os índios no passado,
os livros didáticos não preparam os alunos para entender a presença dos índios no presente e
no futuro‖ (GRUPIONI, 1995, p. 489).
Muitos acreditam que os índios não existem mais, já que se misturaram com os brancos e
negros, sendo, portanto, o mestiço resultado dessa mistura. Ribeiro (2001) nos mostra que os
índios são tidos como um ―resíduo arqueológico‖, ou seja, a história do Brasil comporta os
índios num passado longínquo.
A quinta concepção é a do índio como um ser cruel. Em sua dissertação de mestrado,
Mariano (2006) mostra que o livro Lições de Historia do Brazil (1861), de Joaquim Manuel
de Macedo, um dos primeiros livros didáticos de história do Brasil, já descrevia o índio como
um selvagem.
Os índios denominados tapuias eram descritos nos relatos dos cronistas como canibais,
traiçoeiros e perversos. Uma das mais cruéis de todas as barbáries humanas foi sofrida por
esses povos e ainda se repercute a ideia errônea de que eles é que são bárbaros e cruéis.
Pacheco de Oliveira e Freire (2006) comentam que ―Para a maioria [das pessoas] o índio não
passa de um ‗selvagem‘ ou de uma figura de museu‖ (p. 178).
O índio um ser infantil, corresponde à sexta concepção. Muitos livros didáticos descrevem o
índio como bobo ou ingênuo pelo fato de terem trocado objetos pouco valorativos e baratos
por pau-brasil. No entanto, o que deve ser levado em conta é que os índios não fabricavam
metais, portanto, a troca de produtos europeus pelo pau-brasil era algo vantajoso, além de que
não utilizavam dinheiro naquela época.
45
Essa visão, também se dá por causa do sistema de tutela ao qual foram inseridos. Durante
muito tempo os índios foram tratados como incapazes. O sistema de tutela orfanológica
perdurou anos, desde o período regencial de 1831, como constata Santos (1995), dando
continuidade no período imperial. Ele foi reorientado pelo Código Civil de 1916. De acordo
com Luciano (2006): ―[...] o índio é percebido sempre como uma vítima e um coitado que
precisa de tutor para protegê-lo e sustentá-lo, isto é, sem tutor ou protetor os índios não
conseguiriam se defender, se proteger, se desenvolver e sobreviver‖ (p.35).
Com o surgimento do Serviço de Proteção ao índio - SPI, a tutela foi assumida pelo Estado e
mais tarde repassada aos funcionários do SPI, para posteriormente ser assumida pela FUNAI,
órgão federal. Qual a intenção da tutela? Para que serve um tutor? Pacheco de Oliveira e
Freire trazem outro importante questionamento: ―O tutor existe para proteger o indígena da
sociedade envolvente ou para defender os interesses mais amplos da sociedade junto aos
indígenas?‖ (2006, p.115).
Mais tarde o Estatuto do Índio foi quem legalizou a tutela indígena. Esta não funcionava para
índios integrados, ou seja, os que conviviam em meio à sociedade nacional, mesmo que ainda
conservassem seus costumes. A tutela era válida apenas para aqueles que "ainda‖ não haviam
se integrado a sociedade, com vistas de que mais cedo ou mais tarde este fato fosse
consumado, resultando em duas escolhas: se integravam ou desapareceriam:
[...] a FUNAI tem os seus princípios de ação baseados no mesmo paradoxo fundador
do SPI: o ‗respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais‘
associado à ‗aculturação espontânea do índio‘ e à promoção da ‗educação de base
apropriada do índio visando sua progressiva integração na sociedade nacional‘.
(MAGALHÃES, 2003, p. 85-86 apud PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006,
p. 131)
A Constituição de 1988 regulamenta sob uma nova forma de proteção, a qual prevê que os
índios, individualmente ou através de organizações possam defender seus direitos. Segundo o
art. 232 ―Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em
juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos
do processo‖ (Brasil, CF. 1988).
A tutela ainda é válida, mesmo com a orientação da Constituição de 1988, pois o Estatuto do
índio ainda não foi substituído pelo Estatuto das sociedades indígenas. No entanto, os
46
movimentos indígenas organizados e o isolamento de algumas etnias impossibilitam a atuação
do Estado sobre essas comunidades de forma a ser seu tutor.
A sétima concepção afirma que os povos indígenas são empecilhos para o progresso da nação.
Ainda hoje se repercute a afirmação de que os índios impedem o crescimento e o
desenvolvimento do país:
Os índios são taxados por esses grupos como empecilhos ao desenvolvimento
econômico do país, pelo simples fato de não aceitarem se submeter à exploração
injusta do mercado capitalista, uma vez que são de culturas igualitárias e não
cumulativistas. Dessa visão resulta todo o tipo de perseguição e violência contra os
povos indígenas, principalmente contra suas lideranças que atuam na defesa de seus
direitos. (LUCIANO, 2006, p. 35 – 36)
Além do que atesta o autor, a expressão ―terras demais para pouco índio‖ é frequentemente
usada, por diferentes seguimentos da sociedade. Quase sempre faz parte dos discursos de
grupos minoritários que compreendem a terra como um meio de geração de capital e ignoram
que para os grupos indígenas ela é mais que um espaço territorial.
Visão cidadã - última concepção. A partir dessa visão, que diferentemente das demais retrata
a questão indígena sob outro enfoque, esses povos ganharam maior visibilidade diante da
sociedade nacional, podendo agora expressar sua cultura e tradição. Conforme Luciano: ―Esta
visão concebe os índios como sujeitos de direitos e, portanto, de cidadania. E não se trata de
cidadania comum, única e genérica, mas daquela que se baseia em direitos específicos,
resultando em uma cidadania diferenciada, ou melhor, plural‖ (Ibidem, p. 36).
Constituindo a menor população brasileira, os índios têm se fortificado tenazmente nas lutas,
organizando-se e reivindicando seus direitos, a fim de mostrar a sociedade que julga seu
desaparecimento que a dominação dos europeus não extraiu sua cultura e a diversidade em
suas relações sociais. Dessa forma, uma das finalidades do movimento indígena, hoje, é
perpetuar uma nova imagem do índio: ―O surgimento de lideranças indígenas complexificou
as imagens sobre eles [índios], agora inseridos na luta pela redemocratização do país‖
(PACHECO DE OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 160).
A luta dessas lideranças é bastante coerente, já que os povos indígenas sempre foram vistos de
forma marginalizada, como símbolo folclórico ou seres que despertam reações de surpresa ou
estranhamento na maioria das pessoas.
47
4. ABRINDO OS LIVROS
Como foi sinalizado na introdução, o presente trabalho não tem por objetivo um ―mergulho‖
profundo no campo da Análise de Discurso, pois tem consciência de sua complexidade e
entende que um aprofundamento nesse campo necessitaria de um maior tempo de estudo. De
qualquer maneira, esta linha de estudo sobre o discurso baseará a análise dos LDs.
É importante destacar inicialmente, que a Análise de Discurso no seu contexto teórico,
segundo afirma Orlandi (2006), pressupõe os três campos de saber: a Linguística, a
Psicanálise e o Marxismo. Segundo as autoras:
Com a linguística ficamos sabendo que a língua não é transparente; ela tem sua
ordem marcada por uma materialidade que lhe é própria. Com o marxismo ficamos
sabendo que a história tem sua materialidade: o homem faz a história, mas ela não
lhe é transparente. Finalmente, com a psicanálise é o sujeito que se coloca como
tendo sua opacidade: ele não é transparente nem para si mesmo. (ORLANDI, 2006,
p. 13, grifo nosso)
Nessa perspectiva, a Análise de Discurso trabalha com o sujeito entendendo sua conjuntura
enquanto ser histórico e, a língua é, dessa maneira, apreendida de forma não isolada e
desconexa desse ser. Sendo assim, quando fala algo, o homem tem como referencial aquilo
que acredita ser verdade, sua história de vida e sua maneira de significar o mundo, estando
assim, envolvido numa relação, como denomina Orlandi (2009), ―língua – discurso –
ideologia‖.
Os dizeres nos textos são discursos ideológicos e políticos. A noção de texto tratada por
Orlandi (1993) é a mesma adotada neste trabalho, a qual ultrapassa a noção de informação
para alcançar a noção de unidade de discurso. Esses discursos ―[...] não tem a função de
constituir a ‗representação fiel da realidade mas assegurar a permanência de uma certa
representação‘‖ (VIGNAUX, 1979 apud ORLANDI, 1993, p. 55).
Assim como os textos escritos analisados adiante, as imagens trazidas pelos livros didáticos
constituem-se também num texto que não só precisa ser apreciado, mas também lido
criticamente. Segundo Kellner (1996, p. 16), a imagem fornece um ―[...] constructo simbólico
que tenta encobrir e camuflar contradições [...]‖, pois perpetua uma visão de mundo, além de
produzir significados para quem as vê.
48
A ação de ler imagens é bastante complexa, já que requer também a apreensão daquilo que
não está explícito. Orlandi (1993) mostra que ―[...] o que não está dito pode ser de várias
naturezas: o que não está dito mas que, de certa forma, sustenta o que está dito; o que está
suposto para que se entenda o que está dito[...]‖ (p. 11). Portanto, as imagens são produtos
discursivos que produzem por si só diversos significados. Esses discursos materializam-se,
constituindo-se, quase sempre, como verdades.
4.1 PERCORRENDO POR SUAS FOLHAS
As folhas que serão percorridas agora compreendem os dados da pesquisa. Ao folhear os
livros didáticos selecionados para análise levaram-se em consideração os textos e as
referências imagéticas como campo argumentativo, os quais produzem sentido e constituem-
se em discurso. Esse sentido, de acordo com Orlandi (1993) ―não existe em si mas é
determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo[...]‖ (p. 58). Portanto, o discurso é
constituído no cerne das formações ideológicas.
Antes de avançarmos a análise dos livros18
faz-se necessário descrever em que contexto eles
foram escritos. O primeiro deles, A criança de mãos dados com a cidadania – História e
cultura afro-brasileira e indígena, foi elaborado após a lei 11.645/08 e traz como um dos seus
objetivos ―instrumentalizar nossos educandos enquanto seres culturais, históricos e, acima de
tudo, cidadãos conscientes do seu papel na sociedade‖. (SANTOS; GABRIEL, 2008, p. 06).
A justificativa para a elaboração desse material didático foi a de que ele atende a referida lei,
trabalhando a diversidade cultural de forma ampla e atualizada e que é uma obra direcionada
para todos que lutam pela igualdade de condições. É um livro rico em ilustrações e está
organizado por eixos temáticos: 1) Quem é você; 2) Município, comunidade e cidadania; 3)
Família e trabalho – Zona urbana e rural; 4) Escola – Função social. A informação de que o
livro é ou não consumível, não foi encontrada nesse livro.
O livro 2, Projeto Pitanguá também editado após a lei 11.645/08, foi organizado pela editora
Moderna. Organiza-se por blocos: Bloco 1 – Cidades do Brasil; Bloco 2 – Ligando o território
e Bloco 3 – Pelos campos do Brasil, com nove unidades. O livro traz como objetivo a
18 Os três livros analisados correspondem ao livro dos discentes.
49
aprendizagem da criança de uma maneira interessante. Embora não explicite que trabalha na
perspectiva da diversidade cultural, afirma nas páginas sobre Organização do livro de 3º ano,
que ele oferece assuntos que ―procuram despertar o interesse por temas relacionados ao meio
ambiente, à cidadania e à vida de diferentes povos e culturas‖ (PROJETO PITANGUÁ, 2008,
p. 05).
O livro 3, Projeto Buriti, que também faz parte do projeto da editora Moderna de São Paulo,
traz como objetivo: ―Estimular a curiosidade dos alunos fazendo-os perceber que a história é
feita por todos e precisa ser investigada e descoberta‖ (PROJETO BURITI, 2007). Ainda que
tenha sido editado no ano de 2007, ou seja, anterior a lei 11.645/08, foi adotado pelo Centro
Comunitário Frei Leônidas Menezes e está sendo atualmente utilizado em sala. É importante a
ressalva, pois as informações encontradas neles podem ser confrontadas com as informações
dos dois livros anteriores, os quais foram editados após a lei referida. O livro organiza-se por
unidades, que são nove. Tanto este, quanto o livro 2 são livros não consumíveis, os seja, não
podem ser rasurados, pois serão utilizados por mais de um ano na instituição.
É das discussões geradas ao longo das abordagens teóricas, sobretudo no subcapítulo 3.3.1
―Principais concepções sobre os índios nos livros didáticos de História‖, que surgiram os
critérios de análise. Os quadros abaixo descrevem critérios para os textos escritos e
imagéticos, assim como, os dados encontrados nos livros analisados, seguidos de comentários.
50
Tabela 1 – Livro: As crianças de mãos dadas com a cidadania: História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena
Nº Critérios de análise
Texto do autor Texto de terceiros Atividades Imagens
1. Utiliza outras denominações
para designar os índios?
Não. --- Não. Não.
2. Menciona a história do Brasil
antes da chegada europeia?
Não. --- Não. Não.
3. Apresenta o índio a partir de
uma visão romântica?
Sim.
―Os indígenas andam nus ou seminus,
tem uma grande adoração pela
natureza e tem a terra como à grande
mãe e a origem da vida‖ (p. 34).
--- Não.
(p. 34)
4. Apresenta o índio de forma
genérica?
Sim.
―Eles se reúnem em tribos, usam
arco, flecha, lança‖ (p.34).
--- Não.
―[...] pesquise nomes de
algumas comunidades
indígenas‖ (p.36).
Sim.
5. Apresenta o índio como um ser
do passado?
Não.
―As comunidades indígenas possuem
um modo de vida bem diferente do
modo de vida de outras comunidades
brasileiras‖ (p.34, grifo nosso).
―Pintam os corpos com extratos de
plantas, cantam, dançam como parte
dos seus rituais de agradecimento
[...]‖ (p. 34, grifo nosso).
--- Não.
(p. 35)
6. Representa o índio enaltecendo
o patriotismo?
Não. --- Não.
(p. 76)
51
*Os comentários abaixo correspondem aos itens levantados nesta tabela, considerando a ordem que estão expostos.
7. Contempla a diversidade
cultural e étnico-racial,
incluindo grupos indígenas?
Sim.
―Sejam negros, brancos, indígenas,
orientais, cada um tem as suas
particularidades, as suas crenças, seus
costumes e culturas‖ (p. 17).
--- Sim.
―Veja as identidades
acima, Com qual delas
você mais se identifica?
Com o negro, com o
índio ou com o branco?
(p.15).
Em partes.
Capa do livro
(p. 15)
(p. 03)
(p. 82)
8. Aborda os problemas mais
atuais vivenciados por grupos
indígenas, tais como, a falta de
demarcação de território?
Não. --- Não. Não.
52
Comentários da tabela 1
Nº 1 - Utiliza outras denominações para designar os índios?
Utiliza apenas as denominações ―índios‖ e ―comunidades indígenas‖. Esse pode ser
considerado um avanço na literatura, já que alguns livros ainda utilizam denominações
preconceituosas ou mesmo inadequadas, como silvícolas, por exemplo.
Nº 2 – Menciona a história do Brasil antes da chegada europeia?
Não cita em nenhum momento a história do Brasil, apresenta os índios sem contextualizá-los.
Não fala sobre o povoamento americano, mesmo que de forma breve e simples, já que se trata
de um livro para crianças. Não cita ainda a chegada europeia e a surpresa desta. O
estranhamento entre índios e europeus não são demonstrados porque a temática indígena
aparece distante dessa discussão.
Nº 3 – Apresenta o índio a partir de uma visão romântica?
A visão romântica é fruto do período histórico-literário romântico, em que o índio assume
características europeias, e vive numa perfeita harmonia com a natureza.
Nº 4 – Apresenta o índio de forma genérica?
Fala sobre os índios de maneira geral, como se todos compusessem uma etnia única. Apenas
no exercício é que sugere que os alunos pesquisem algumas comunidades indígenas. Aponta
aspectos da cultura indígena, de forma ainda muito resumida. Não fala sobre seus rituais, nem
sobre a organização em suas relações de parentesco; não cita o artesanato, considerado hoje
um dos principais meios de geração de renda, já que muitas etnias, não têm mais condições
para caçar e pescar, seja pela falta de caça, seja pela poluição dos rios.
Nº 5 – Apresenta o índio como um ser do passado?
53
Há uma contradição entre os textos escritos e a imagem, pois, no primeiro, os verbos são
apresentados no presente, enquanto a imagem apresenta o índio no passado. Não apenas esta,
mas todas as que representam os índios. É possível constatar tal afirmação, pois, eles (os
índios) só aparecem em ―habitat natural‖, não são representados nos centros urbanos, usando
celulares, roupas; sempre aparecem com um tapa sexo que impede que sua ―vergonhas‖ sejam
totalmente mostradas. Apenas a imagem da capa do livro (mostrada no item sete) é que traz a
cidade como segundo plano, mas a índia nesse caso, não interage com ela.
Nº 6 – Representa o índio enaltecendo o patriotismo?
A última aparição dos índios é na comemoração do Dois de julho – Independência da Bahia,
em que ele aparece segurando a bandeira do Brasil. Mais uma vez caracterizado com colar,
tanga e cocar. Um índio sorridente e patriota.
Nº 7 – Contempla a diversidade cultural e étnico-racial, incluindo grupos indígenas?
A citação apresentada, numa primeira leitura parece contemplar a diversidade cultural e
religiosa de cada povo, no entanto omite quando não coloca que a diversidade existe mesmo
entre os povos indígenas, que embora sejam denominados índios, não são todos iguais e que
as etnias servem para diferenciá-los.
Na primeira gravura, ainda na capa do livro, nota-se a tentativa feita pelos autores do LD em
representar a diversidade cultural existente no Brasil. Grupioni afirma que ―A congruência de
três raças – brancos, negros e índios – na formação do povo brasileiro é sempre lembrada‖
(1995, p. 487). O mito da inexistência do racismo e do preconceito entre culturas diferentes é
representado com a figura desses povos sorrindo.
Posteriormente, o índio aparece no registro geral – RG, caracterizado com cocar. A pergunta
feita no exercício sugere que as crianças optem pela gravura que mais tem em comum
consigo. Dificilmente uma criança se reconhecerá como índia já que não utiliza cocar,
podendo criar uma visão estereotipada desses povos, além de que, nem mesmo os índios
considerados aculturados, e que possuem RG, colocam nesse documento uma foto
caracterizada com um cocar.
54
Ainda antes do sumário, aparece outra imagem que representa a diversidade cultural, mas
agora sem a figura do índio. Ao final do livro, o índio mais uma vez desaparece, agora no
momento em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH.
Segundo Grupioni ―Os livros didáticos produzem a mágica de fazer aparecer e desaparecer os
índios na história do Brasil‖ (1995, p. 489).
Esse episódio mostra a contradição existente na sociedade, ao mesmo tempo em que a DUDH
em seu artigo II afirma que: “Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”, o LD exclui o índio como se este não fosse
um cidadão de direitos.
Nº 8 – Aborda os problemas mais atuais vivenciados por grupos indígenas, tais como, a falta
de demarcação de território?
Os índios estão sempre sorrindo (em todas as gravuras), felizes, em harmonia constante. Essa
construção simbólica impossibilita que os problemas vivenciados por grupos indígenas sejam
apresentados, afinal, eles aparecem sempre sem conflitos. Outra questão a ser destacada é que,
pelo fato desse livro não tratar dos índios na atualidade, não se faz ―necessário‖ falar sobre
seus ―problemas‖ atuais.
Os autores utilizaram as seguintes referências, que tratam da temática indígena, ainda que,
não tenham utilizado textos de terceiros ao abordar a temática:
1. Antologia de poesia indígena;
2. BRASIL. Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Brasília. DF.
3. CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Caminha. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 86.
4. CORTÊS, Clélia Neri. A educação escolar entre os povos indígenas: da
homogeneização à diversidade. In: Edivaldo M. Boaventura e Ana Célia da Silva
(Org.). ―O terreiro, a quadra de roda‖: formas alternativas de educação da criança
negra em Salvador. Salvador: UNEB, 2005. P. 205 – 222.
5. GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil: História da Província de
Santa Cruz. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1980.
55
Observamos que mesmo utilizando referências, cujos autores possuem trabalhos vastos
relacionados à temática indígena, o livro omitiu importantes informações sobre os povos
indígenas e quase não avançou na abordagem da temática.
56
Tabela 2 – Livro: Projeto Pitanguá: História 3º ano Ensino Fundamental
Nº Critérios de análise
Texto do autor Texto de terceiros Atividades Imagens
1. Utiliza outras denominações
para designar os índios?
Sim.
―Nativos‖ (p.15).
Não. Não. Não.
2. Menciona a história do Brasil
antes da chegada europeia?
Sim.
―Os índios são os mais antigos
moradores das terras hoje conhecidas
como Brasil: eles estão aqui há
milhares de anos‖ (p. 87).
Não. Sim.
―Há 500 anos, que meio
de transporte os
portugueses usaram para
fazer os primeiros
contatos com os índios?‖
(p. 81).
(p.115)
3. Apresenta o índio a partir de
uma visão romântica?
Sim.
―Os portugueses contaram com a ajuda
de Caramuru e Catarina. Eles
convenceram os índios a colaborar com
os portugueses. Nascia a cidade de
Salvador‖ (p.15).
Não. Não.
(p.15)
4. Apresenta o índio de forma
genérica?
Não.
―Ao todo, existem no Brasil cerca de
220 povos indígenas, cada qual com
um jeito diferente, com uma cultura
própria‖ (p. 87).
―Os índios se dividem em muitos
povos: xavantes, ianomâmis, cariris,
guaranis e vários outros‖ (p. 87).
Sim.
―O que é menos boboca,
morar numa oca
comendo paçoca ou viver
rabugento num
apartamento?‖ (p. 84).
Não.
―Antes do contato com
os ―brancos‖, como os
índios tapirapés
navegavam nos rios?‖ (p.
81).
Não.
(p. 86)
5. Apresenta o índio como um ser
do passado?
Em parte.
―Eles [os índios] foram, e ainda são,
capazes de construir canoas com um
único tronco de árvore‖ (p. 77).
―As mulheres plantavam, colhiam,
cozinhavam, faziam artesanato e
cuidavam dos filhos, entre outras
atividades‖ (p. 91, grifo nosso).
Não.
―Até hoje existem no
Brasil povos indígenas
vivendo isolados, sem
qualquer contato com
pessoas de culturas
diferentes. Estima-se
mais de 40 povos nessa
situação [...]‖ (p. 89).
Não. Não.
(p. 80)
57
6. Representa o índio enaltecendo
o patriotismo?
Não. Não. Não. Não.
7. Contempla a diversidade
cultural e étnico-racial,
incluindo grupos indígenas?
Sim.
―No Brasil moram pessoas de origens
muito diferentes. Alguns vieram da
Europa, outros da África ou da Ásia.
Há povos, porém, que moram nesta
terra há milhares de anos‖ (p.86).
Não. Sim.
―O que existe de
diferente e o que existe
de parecido entre você e
as crianças mostradas nas
fotos? ―(p. 86).
Sim. (Mesma gravura
utilizada no tópico nº4).
8. Aborda os problemas mais
atuais vivenciados por grupos
indígenas, tais como, a falta de
demarcação de território?
Sim.
―Ao perder a terra os índios ficam sem
sua principal fonte de recursos: sem
lugar para praticar a agricultura, para
pescar, caçar, coletar frutos e plantas
medicinais, sem condições de realizar
seus rituais‖ (p. 92).
―Por causa do interesse nas riquezas
minerais, as terras indígenas chegam a
ser invadidas e os índios atacados‖ (p.
93).
―O parque Indígena do Xingu [...] sofre
constantes ameaças: a mata é destruída,
os rios são poluídos e a área indígena é
invadida por pescadores e caçadores‖
(p. 93).
Não. Sim.
―Que outras atividades
dos não índios
prejudicam os povos
indígenas?‖ (p. 94).
(p. 92)
Conflito entre fazendeiros
e índios guaranis no estado
do Mato Grosso do Sul,
em 2004.
58
Comentários da tabela 2
Nº 1 – Utiliza outras denominações para designar os índios?
O termo ―nativo‖ não é utilizado de maneira preconceituosa. Ele foi utilizado apenas uma vez
durante a abordagem, significando que os índios já habitavam nas terras brasileiras.
Nº 2 – Menciona a história do Brasil antes da chegada europeia?
Demonstra que a chegada europeia foi posterior a historicidade do Brasil e que este país já era
habitado por indígenas. A gravura representada também dá a ideia de ser antes da vinda
europeia por conta do índio que nela aparece estar sentado numa rede, em ―habitat natural‖,
fazendo artesanato com palha. Embora também fosse possível encontrar esse tipo de
representação imagética depois da chegada dos europeus.
Nº 3 – Apresenta o índio a partir de uma visão romântica?
O conflito entre portugueses e índios só foi amenizado com o casamento cristão entre Diogo
Álvares, posteriormente chamado de Caramuru, e Paraguaçu, posteriormente chamada de
Catarina, o qual uniu os portugueses aos índios como exibe a citação usada neste tópico.
Outro aspecto interessante ao observar a gravura é que pode ser percebida a autoridade do
português ao falar com os índios com o dedo indicativo suspenso. A índia, ao seu lado, tenta
convencer os demais a juntar-se aos portugueses, como expõe a citação.
Nº 4 - Apresenta o índio de forma genérica?
Em seu texto escrito, o autor mostra a diversidade dos povos indígenas. Na atividade proposta
por ele, a pergunta faz referência apenas aos índios tapirapés e, dessa maneira, mostra que os
índios podem ser de diferentes etnias e que alguns aspectos os tornam diferentes.
Traz fotografias de índios das etnias kaxinawá, saterémawé, tucano, barasana e ticuna.
Embora o contexto de vida deles seja muito parecido, já que todos esses povos são da região
59
norte do Brasil, possibilita de alguma maneira a crianças do terceiro ano visualizar povos
distintos mostrando que os índios não são singulares.
Apesar de trazer importantes conhecimentos sobre os povos indígenas, o livro apresenta
retrocesso na informação contida no poema Civilização (Citado em Recreio, ano 4, n. 162.
São Paulo: Abril, 17 abr. 2003. p. 12-13), de Cláudio Fragata (texto de terceiro). Onde, além
de apresentar os índios de forma genérica, vivendo todos em ―ocas e comendo paçoca‖, nas
próprias palavras do autor do poema, ainda revela um grande preconceito ao perguntar ―o que
é menos boboca‖. Dessa maneira, o autor afirma nitidamente que morar numa oca é ser
boboca. No entanto, por ser um poema, corre o risco de não ser visto de maneira
preconceituosa já que visa à rima.
Nº 5 – Apresenta o índio como um ser do passado?
A primeira citação, encontrada no texto do autor, define com bastante clareza que os índios
não estão fossilizados no passado, pelo contrário, comprova que eles existem e que ainda
preservam sua cultura. Já a segunda citação, diz que as mulheres ―plantavam, colhiam,
cozinhavam‖, como se essa prática fosse realizada apenas antigamente. Hoje não fazem mais
nada disso?
O texto de terceiro é oportuno, pois revela que existem aqueles índios que, mesmo com toda a
urbanização e modernização, optaram por manter-se isolado preservando sua cultura sem
contato com outras culturas.
A fotografia de índios vestidos com roupas, navegando num rio, é interessante, porque nesse
momento não omite que algumas etnias, mesmo vivendo com seus modos próprios,
assimilaram algumas características da cultura do não-índio e nem por isso deixaram de ser
índio. Poderia ter aparecido uma gravura em forma de desenho de índios numa canoa, em
―habitat natural‖, apenas com um tapa sexo, mas foi o contrário.
Nº 6 – Representa o índio enaltecendo o patriotismo?
Não traz nas imagens nem nos textos escritos índios em datas comemorativas, enaltecendo o
Brasil, com a bandeira do país ou do estado estampada.
60
Nº 7 – Contempla a diversidade cultural e étnico-racial, incluindo grupos indígenas?
Comprova a riqueza cultural e étnica pela qual o Brasil foi formado, a partir de contribuições
de diferentes povos e diferentes culturas. Tanto a atividade proposta quanto a imagem
utilizada faz referência a figura colocada no tópico 4. Ao utilizar crianças índias de diferentes
etnias, o autor demonstra que mesmo sendo todas índias, elas são diferentes entre si e que a
diversidade cultural e étnico-racial está presente mesmo entre povos indígenas. Esse tipo de
abordagem é extremamente significativo, pois possibilita às crianças compreender o respeito
às diferenças.
Nº 8 – Aborda os problemas mais atuais vivenciados por grupos indígenas, tais como, a falta
de demarcação de território?
O livro traz uma relevante discussão, pois aborda os problemas atuais vivenciados por grupos
indígenas, problemas estes, que foram capazes até mesmo de dizimar algumas etnias. Esse
tipo de informação pode fazer com que as crianças que irão trabalhar com este livro,
entendam alguns dos prejuízos vividos pelas comunidades indígenas, por conta do contato
com o homem branco, o qual explora a terra para obter lucro. A atividade sugerida pelo autor
ratifica essa ideia.
São extremamente relevantes os livros consultados pelo autor do LD para abordar a temática
indígena, são eles:
CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia
das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ Fapesp, 1992.
MOTA, Lúcio Tadeu (Org.). As cidades e os povos indígenas: mitologias e visões. Maringá:
Eduem, 2000.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil
moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
RICARDO, Carlos Alberto. Povos indígenas no Brasil 500 (1996 - 2000). São Paulo: Instituto
Socioambiental, 2000.
61
Tabela 3 – Livro: Projeto Buriti: História 3º ano Ensino Fundamental
Nº Critérios de análise
Texto do autor Texto de terceiros Atividades Imagens
1. Utiliza outras denominações
para designar os índios?
Não. Não. Não. Não.
2. Menciona a história do Brasil
antes da chegada europeia?
Sim.
―Em 1500, quando os portugueses
chegaram ao Brasil, eles encontraram
diversos povos, cada um com seus
hábitos alimentares‖ (p. 46).
Não. Sim.
―Que povos já viviam
aqui quando os
portugueses chegaram?
(p. 49).
(p. 47)
3. Apresenta o índio a partir de
uma visão romântica?
Não. Não. Não.
(p. 46)
4. Apresenta o índio de forma
genérica?
Não.
―Os índios que viviam no litoral
alimentavam-se principalmente de
peixes, frutos, palmito [...]‖ (p. 46,
grifo nosso).
―Os índios do interior viviam
principalmente da caça e da coleta de
frutos e sementes [...]‖ (p. 46, grifo
nosso).
Sim.
―Alimentavam-se
principalmente de peixe,
de moluscos, farinha e
frutos silvestres‖ (p. 47).
Autor: Henry Bates. O
naturalista no Rio
Amazonas (1848-1859).
Não.
Qual o principal fruto
consumido por índios da
Amazônia, naquele
tempo? (p. 47)
Em partes.
(p.47)
(p. 62)
62
5. Apresenta o índio como um ser
do passado?
Em parte.
―Para cozinhar os alimentos, os
indígenas usavam diferentes técnicas.
Assavam raízes, carnes e bolos de
farinha de mandioca em um buraco no
chão aquecido com brasas. Colocavam
o alimento em um pote, enterravam e
faziam uma Fogueira sobre ele.
Envolviam os alimentos em folhas de
palmeira e colocavam cinzas quentes
sobre elas.‖ (p. 46, grifo nosso).
―Os povos indígenas brasileiros, do
passado e do presente, têm muitas
maneiras de se vestir e se ornamentar.
Eles usam elementos encontrados na
natureza [...] para criar sua própria
identidade‖ (p. 62, grifo nosso).
Não. Não.
Observe a foto deste
índio do povo xavante.
Que materiais foram
usados no vestuário dele?
Na sua opinião, com que
animal ele ficou
parecido?
Ele está vestido para o
dia-a-dia ou para uma
ocasião especial?
Em parte.
(p.47)
6. Representa o índio enaltecendo
o patriotismo?
Não. Não. Não. Não.
7. Contempla a diversidade
cultural e étnico-racial,
incluindo grupos indígenas?
Não. Não. Não. Sim.
Nas páginas 62 e 63
trazem imagens de
diversos povos diferentes
(africanos, indianos,
japoneses, monges,
budistas e alemães) para
falar sobre o vestuário e
a diversidade cultural
entre eles, incluindo
também os povos
indígenas.
8. Aborda os problemas mais
atuais vivenciados por grupos
indígenas, tais como, a falta de
demarcação de território?
Não. Não. Não. Não.
63
Comentários da tabela 3
Nº 1 – Utiliza outras denominações para designar os índios?
Embora tenha sido editado antes da lei 11.645/08, o livro não utiliza outras denominações
para designar os povos indígenas, em todas as referências feitas, utiliza apenas a denominação
―índios‖.
Nº 2 – Menciona a história do Brasil antes da chegada europeia?
O livro deixa claro que, quando os portugueses chegaram ao Brasil, esta terra já era habitada
por diferentes povos. Essa informação é extremamente importante para as crianças, pois faz
com que não associem a história do Brasil apenas à chegada europeia.
As gravuras mostram os índios em ―habitat natural‖. Assim, como no primeiro livro
analisado, este também cobre a nudez, não apenas com as tangas, mas também com os longos
cabelos, no caso das mulheres. As gravuras que representam os índios, as trazem sem
pinturas, apenas caracterizados com colares, brincos e tanga. Na maioria delas, os índios estão
plantando, pescando, com arco, flecha e vivendo numa oca.
Ainda observando as duas gravuras deste tópico, foi percebido, que ao lado dos índios,
aparece a figura de coqueiros, espécie que não existia até então no Brasil. Esta planta não é
originária dessa terra. Ela foi trazida após a vinda dos europeus, a qual encontrou aqui clima e
local favoráveis e logo se adaptou a região. Portanto, mesmo mencionando aspectos da
história indígena antes da chegada europeia, os livros possuem alguns equívocos, sendo um
deles a representação do coqueiro que passa a ser confundido como uma árvore da época,
podendo ser despercebido quando unida a representação da floresta.
Nº 3 - Apresenta o índio a partir de uma visão romântica?
Mesmo sem referências escritas que comprovem esta afirmação, a gravura deste tópico
simboliza a chegada europeia de maneira alegre, como se os índios já estivessem esperando os
portugueses e estes estivessem saudando, como se saúda um amigo. Não houve surpresa no
64
encontro entre os diferentes. Mais uma vez, aparece como segundo plano os coqueiros. O
transporte marítimo utilizado pelos portugueses mudou a forma, de caravela passou a ser
canoa.
Nº 4 – Apresenta o índio de forma genérica?
Nesse momento, observa-se uma contradição. Ora os índios são apresentados de forma
genérica, ora de forma particular. O autor do livro didático mostra que a maneira de se
alimentar entre índios do litoral e índios do interior era diferente, já o autor utilizado por ele,
fala sobre a alimentação indígena de maneira unificada. A pergunta do exercício deixa claro
que existem índios em outras localidades e que consequentemente se alimentam de maneira
diferente, pois a pergunta faz referência apenas aos índios da Amazônia. Todas as gravuras
em forma de desenho retratam os índios de maneira genérica, as fotografias das páginas 62 e
63 é que trazem índios waurás e um índio xavante, embora não comente nada a respeito
dessas etnias a nota localizada abaixo das fotografias é que revelam pertencer a etnias
diferentes.
Nº 5 – Apresenta o índio como um ser do passado?
O autor utiliza verbos tanto no passado quanto no presente para falar sobre os costumes
indígenas. A atividade não trata da temática no passado, mas utiliza-se de preconceito para
entender que o vestuário indígena não significa semelhança com animal. Valendo-se das
palavras de Orlandi (1993, p. 54) ―Os mecanismos enunciativos não são unívocos nem auto-
evidentes. São construções discursivas com seus efeitos de caráter ideológico‖. Dessa forma,
compreende-se que o sentido atribuído aos índios nesse momento revela o preconceito que ao
longo das referências escritas e imagéticas tentou-se encobrir, daí a importância de analisar
também as atividades propostas aos alunos.
Já as imagens revelam os povos indígenas em duas condições, a maioria delas no passado,
embora com vestígios do presente. Todas as imagens retratadas apresentam os índios em
situações de habitat natural, não aparecem nas grandes cidades e sempre estão distantes de
objetos da cultura urbana: usando celulares, assistindo TV, etc.
Nº 6 – Representa o índio enaltecendo o patriotismo?
65
O capítulo em que a temática indígena é abordada é denominado: ―A alimentação dos povos
indígenas‖ e o outro momento em que ela aparece é ―Vestuário e diversidade cultural‖. Logo
segue apenas esses dois delineamentos, não tratando das questões de cidadania em que os
índios possam aparecer como ―patriotas‖.
Nº 7 – Contempla a diversidade cultural e étnico-racial, incluindo grupos indígenas?
Não foi encontrado nada a respeito da diversidade cultural e étnico-racial nos textos escritos,
nem do autor, nem de terceiros. Apenas nos textos imagéticos, onde inclui os índios da etnia
waurá e xavante. A diversidade cultural e étnico-racial é abordada pelo autor a partir de
características que compõem o vestuário dos diversos povos existentes no mundo, entendendo
que os acessórios e as roupas de cada grupo criam suas identidades. Grupioni (1995) afirma
que ―os livros didáticos são deficientes no tratamento da diversidade étnica existente no
Brasil, tanto em termos históricos, como atuais‖ (p. 492).
Nº 8 – Aborda os problemas mais atuais vivenciados por grupos indígenas, tais como a falta
de demarcação de território?
O ―habitat natural‖, onde os índios aparecem, avigora a ideia de plena harmonia. As imagens
em forma de desenho (exceto as das páginas 62 e 63 que são fotografias) apresentam a beleza
da vida indígena, na qual existem peixes suficientes, rio sem poluição, frutos e floresta
abundantes. Dessa maneira, a representação indígena, constituída no cerne das formações
ideológicas que são expressas nos textos escritos e imagéticos, não apresenta uma abordagem
sobre a situação atual que muitas etnias vivenciam hoje.
Nas referências, foi verificado que o autor utilizou o livro: POVO KAINGÁNG- como vivia e
como vive hoje. Florianópolis: Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, 1999. A ideia
de verificar nas referências bibliográficas ou web gráficas é para entender em quais trabalhos
científicos o autor do LD se fundamentou para abordar a temática indígena.
66
5. FECHANDO OS LIVROS E PROVOCANDO DISCUSSÕES
Este momento da pesquisa, que alguns denominam como considerações finais ou conclusão,
está longe de ser um fechamento. Muito pelo contrário. Considero este o primeiro passo
caminhado para as discussões a cerca da literatura didática utilizada em escolas da rede
municipal de Salvador em relação à temática indígena.
Este trabalho, no qual estive implicada durante todo o semestre, trouxe a resposta à minha
pergunta inicial. A análise dos materiais didáticos, utilizados no 3º ano do ensino
fundamental da rede municipal de Salvador, possibilitou verificar quais informações estão
sendo passadas para as nossas crianças.
Traçamos inicialmente um diálogo a respeito da definição de ―índio‖, em seguida demos
espaço para que os índios contassem sua própria história e, depois no tópico ―Antes da
chegada europeia‖, compreendemos como eram descritos os índios, nesse período. Nesse
momento da pesquisa, foi possível perceber que o imaginário criado há mais de 510 anos
sobre os índios, originário do relato de cronistas, naturalistas e missionários, ainda existe e
reproduz-se na sociedade contemporânea. As primeiras concepções preconceituosas sobre o
índio foram tão fortemente arraigadas que é difícil desconstruir esse tipo de representação no
senso comum.
A representação indígena que repercute hoje no imaginário popular reproduz-se muitas das
vezes nos livros didáticos. Esta é fruto de uma construção simbólica desde os primeiros
escritos europeus. Tais representações fixaram-se em grande parte dos livros didáticos, os
quais vinculam informações equivocadas. Os discursos que falseiam a representação indígena,
seja através dos textos escritos, seja dos textos imagéticos, são apropriações da classe
opressora, que determina aquilo que deve circular no meio social, sobretudo na escola.
Nos livros analisados, percebemos que muitas informações foram ocultadas. Uma delas é a de
que os índios também foram escravizados, assim como os negros. Outra observação é a de
que os índios aparecem e desaparecem com muita facilidade, que numa primeira apreciação,
pode-se não dar conta dessa questão, principalmente quando se trata das referências escritas.
67
Foi possível perceber ainda que o texto do autor e os textos de terceiros utilizado por ele, ao
invés de fortificar ou mesmo acrescentar sua fala, apresentam inúmeras contradições.
Em relação às imagens e às referências escritas, observamos em alguns momentos, um
descompasso entre elas, o que pode ser justificado pelo fato do autor do livro nem sempre ter
o controle sobre as gravuras, já que em alguns casos, ele não é responsável pela gravura que
irá compor o livro, e sim a editora.
Todos os livros analisados avançaram no que diz respeito a não abordar os índios em datas
comemorativas. Isso mostra que os autores que escrevem os LDs, embora não tenham
domínio extenso sobre a história indígena, preocuparam-se em não limitar a temática indígena
a capítulos como ―O descobrimento do Brasil‖ ou ―Dia do índio‖.
Percebemos, que embora as mudanças sugeridas nos estabelecimentos de ensino a partir da lei
11.645/08, algumas escolas ainda continuam utilizando livros que foram editados anteriores a
esta lei, os quais dedicam poucos momentos para o trabalho com esta temática.
De modo geral, constatamos que os LDs de História, utilizados na rede municipal de
Salvador, precisam avançar ainda mais no tratamento da temática, assim como, em formar um
individuo consciente sobre o papel dos índios na sociedade brasileira e sobre o respeito à
diferença do ―outro‖. Observamos que esses livros ainda continuam repassando informações
incompletas sobre os povos indígenas, o que é inadmissível, pois já existem inúmeras
pesquisas antropológicas, sociológicas e históricas sobre a temática, deixando claro que a
deficiência no tratamento para com essas questões indígenas é decorrente da ideologia que
cristaliza os índios e deseja mantê-los num lugar estanque, para que assim continuem sendo
vistos e tratados de forma preconceituosa.
Findamos este trabalho (embora tenhamos noção de que este não é o fim, mas o começo de
uma pesquisa que não se esgota na graduação) deixando claro que não estamos propondo a
exclusão dos LDs no processo de ensino aprendizagem, porém afirmamos que em alguns
momentos, eles ainda fazem referências aos povos indígenas de maneira preconceituosa, o
que pode tornar-se perigoso, já que os LDs também formam a imagem do ―outro‖.
68
As críticas feitas ao longo desta pesquisa têm o intuito de contribuir para que as escolas
fiquem mais atentas à escolha dos LDs e às informações que eles veiculam. É preciso mostrar,
através desses livros, a importância dos grupos indígenas na formação do Brasil, lançar novas
narrativas e re-pensar os lugares–comuns em que estão esterilizados os índios, sobretudo nos
LDs que fazem parte da rede municipal de ensino de Salvador.
69
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