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ANÁLISE DO MAPEAMENTO DO FLUXO
DE VALOR NA IDENTIFICAÇÃO DE
DESPERDÍCIOS NA LOGÍSTICA
INTERNA: UM ESTUDO DE CASO NA
INDÚSTRIA TÊXTIL
Fabricio Eduardo Henriques (UFSC)
Antonio Jose dos Santos (IST/SOCIESC)
Marcelo Macedo (IST/SOCIESC)
Este artigo visa mostrar os passos executados para idealizar o estado
futuro de um processo, utilizando, para isso, um Mapa de Fluxo de Valor.
Trata-se de um estudo de caso, desenvolvido em uma empresa de grande
porte que fabrica artigos dee vestuário. A oportunidade de melhoria foi
identificada, selecionando um sistema de logística interna e aplicando os
conceitos de Lean Manufacturing. O presente artigo ratifica a eficiência
da aplicação da ferramenta Mapa de Fluxo de Valor, com a ilustrativa de
uma empresa do ramo têxtil localizada em Santa Catarina. A confecção
dos mapas do estado atual e futuro pode auxiliar na eliminação de
desperdícios, reduzir o lead time do setor estudado de 162,5 para 77,7
horas e reduzir também os níveis de estoques de materiais. A execução das
propostas de melhoria contidas neste artigo já estão em andamento,
auferindo melhores resultados no nível de serviço do setor estudado.
Palavras-chaves: Mentalidade Enxuta, Manufatura Enxuta, Mapa de
Fluxo de Valor
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1.1
1. Introdução
Os desdobramentos de princípios fundamentais da administração de Taylor e Ford
evoluíram para um sistema de produção que é tido na atualidade como referência em qualidade,
flexibilidade e produtividade, capaz de competir com preços devido a sua sistemática de redução
de desperdícios. Trata-se da Mentalidade Enxuta, surgida no Japão, na fábrica da Toyota, que é
uma filosofia de manufatura que segundo Liker (1997), “encurta o tempo entre pedido do cliente
e a entrega, através da eliminação de desperdícios”.
A identificação e a mitigação de fatores de desperdício (de tempo, de atividades
desnecessárias, de retrabalhos, etc.) no processo de logística interna podem reduzir o lead time
deste processo, podendo trazer uma vantagem competitiva para uma organização. O mapeamento
do fluxo de valor é uma ferramenta que poderia operacionalizar esta análise, pela identificação
das atividades que agregam e que não agregam valor ao processo. Nesse sentido, o objetivo
principal deste trabalho é investigar se a aplicação do mapeamento do fluxo de valor, uma
ferramenta da filosofia lean, no processo de separação e distribuição de malhas e tecidos para o
setor de corte de uma empresa, permite identificar os desperdícios inerentes ao processo e propor
melhorias no sentido de mitigá-los, proporcionando uma redução no lead time.
Para se atingir esse objetivo foi realizada inicialmente uma revisão de literatura de cunho
exploratório para identificar as variáveis pertinentes e levantar os principais desperdícios
inerentes ao setor logístico, assim como as ferramentas que poderiam apoiar sua redução ou
eliminação. Posteriormente, foi realizado um estudo de caso em uma empresa nacional de grande
porte para a análise da aplicação do mapeamento do fluxo de valor em processos de logística
interna. Para a coleta de dados, foram utilizadas as técnicas de entrevista, análise de documentos
e observação direta dos processos.
2. Lean Manufacturing
O conceito de mentalidade enxuta introduzido por Womack e Jones (2004) visando
descrever uma filosofia de trabalho e algumas das práticas adotadas pela indústria automobilística
japonesa, trata de uma abordagem para a melhoria contínua dos processos, objetivando a
eliminação de todo o tipo de desperdício e atividades que não agregam valor. No âmbito dos
sistemas produtivos, Taiichi Ohno (1997) percebeu e relatou sete tipos de desperdícios, conforme
mostra o quadro 1:
Desperdício Descrição
Super produção Produzir mais do que o cliente necessita em dado momento.
Esperas Tempo ocioso porque materiais, pessoas, equipamentos ou
informações não estão prontos.
Defeitos de qualidade Trabalho que contém erros, retrabalho, enganos ou falta de
alguma coisa necessária.
Inventários desnecessários Mais materiais, peças ou produtos disponíveis do que o
cliente necessita em dado momento.
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Processamento
inapropriado
Esforço que não agrega valor sob o ponto de vista do
cliente.
Transporte excessivo Movimentação de produtos, que não agrega valor.
Movimentação excessiva Movimentação de pessoas, que não agrega valor.
Quadro 1 – Tipos de desperdício (adaptado de Ohno, 1997)
Nos processos produtivos, muitas das atividades desenvolvidas têm um caráter mais
administrativo. A gestão da logística interna de uma organização industrial, por exemplo, carrega
consigo muito processamento de cunho mais administrativo. Com esse enfoque, Werkema (2006)
relaciona alguns exemplos de desperdícios gerados em áreas administrativas e de prestação de
serviços, conforme mostra o quadro 2.
Tipo de desperdício Exemplos
Defeitos Erros em faturas, pedidos, cotações de compra de materiais.
Excesso de produção Processamento e/ou impressão de documentos antes do
necessário, aquisição antecipada de materiais.
Estoques Material de escritório, catálogos de vendas, relatórios.
Processamento
desnecessário
Relatórios não necessários ou em excesso, cópias adicionais
de documentos, reentrada de dados.
Movimento desnecessário Caminhadas até o fax, copiadora, almoxarifado.
Transporte desnecessário Anexos de e-mails em excesso, aprovações múltiplas de um
documento.
Espera Sistema fora do ar ou lento, ramal ocupado, demora na
aprovação de um documento.
Quadro 2 – Exemplos de desperdícios (WERKEMA, 2006)
2.1 Ferramentas do Lean Manufacturing
Os próximos parágrafos irão apresentar e descrever, de forma sucinta, cada uma das
seguintes ferramentas da abordagem lean: mapa de fluxo de valor, métricas lean, kaizen, kanban,
padronização, 5S, gestão visual, redução de setup, TPM e pokayoke.
Rother e Shook (2003) desenvolveram uma ferramenta denominada mapa de fluxo de valor,
usada para mapear os fluxos de todos os materiais e de informações de processos de manufatura.
Esta explicita o propósito de localizar os fluxos de materiais e informações dentro do processo
produtivo e a necessidade de analisar esses fluxos em uma perspectiva presente/futura na busca
de eliminação de desperdícios.
As métricas lean buscam quantificar como os resultados da organização podem ser
classificados, no que diz respeito à velocidade e eficiência (WERKEMA, 2006). Essas medidas
devem ser utilizadas para a identificação de metas na condução de ações lean e para o
monitoramento da evolução dos resultados alcançados. Podem ser citados como exemplos de
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métricas lean: o tempo de ciclo, o lead time, o tempo de troca e o tempo takt (tempo que dita o
ritmo da produção em função da demanda do cliente).
Womack e Jones (2004), definem kaizen como um processo de melhoria contínua e
incremental, que deve ser implementado com o objetivo de criar mais valor e menos
desperdícios. O resultado da introdução de kaizen nos processos pode ser acompanhado pelo
monitoramento das métricas lean.
Conforme Lage Junior e Godinho Filho (2008), o kanban é um subsistema do sistema Toyota
de produção usado para controlar os estoques em processo, a produção e o suprimento de
componentes e, em determinados casos, de matérias-primas.
No âmbito do lean manufacturing, a criação de procedimentos padronizados para o trabalho
dos operadores de um processo produtivo é baseada no tempo takt, na sequência das tarefas
executadas por um operador dentro do tempo takt e no estoque padrão exigido para a operação do
processo (WERKEMA, 2006).
O 5S é uma metodologia para organizar, limpar, desenvolver e sustentar um ambiente de
trabalho produtivo. Ela representa cinco termos relacionados, cada um iniciado com a letra S, que
descrevem práticas no local de trabalho úteis para controles visuais e produção enxuta. Essas
cinco práticas de senso de utilização, senso de ordenação, senso de limpeza, senso de
padronização e senso de disciplina são executadas sistematicamente para alcançar sistemas de
produção enxuta (KRAJEWSKI, 2009).
De acordo com o Lean Enterprise Institute (2003), gestão visual é a colocação em local fácil
de ver de todas as ferramentas, peças, atividades de produção e indicadores de desempenho do
sistema de produção, de modo que a situação do sistema possa ser entendida rapidamente por
todos os envolvidos. Werkema (2006) afirma que o 5S e a Padronização representam as bases
para a implementação da gestão visual.
Segundo Conceição et al (2009), a redução do setup é uma ferramenta que visa reduzir
exclusivamente o tempo de parada da linha de produção para a troca de produto. Para os autores,
os principais fatores motivadores e vantagens alcançadas com essa redução são: a possibilidade
de produção de pequenos lotes, a redução do lead time (tempo de resposta), a viabilidade de
redução de estoques, o aumento da qualidade, a redução de desperdício e retrabalho, o aumento
da flexibilidade, o aumento de produtividade, a conscientização das causas que geram erros e
espera e o aumento da disponibilidade dos equipamentos.
O TPM – Total Productive Maintenance (Manutenção Produtiva Total) é um conjunto de
procedimentos que têm como objetivo garantir que os equipamentos de um processo produtivo
sejam sempre capazes de executar as tarefas necessárias de modo a não interromper a produção.
Para que o TPM seja efetivo, deve haver o envolvimento direto de todas as pessoas que operam
os processos (WERKEMA, 2006).
PokaYoke é um dispositivo ou procedimento empregado para prevenir defeitos. Segundo
Shingo (1996), defeitos surgem porque erros são cometidos; os dois têm uma relação de causa e
efeito, contudo, erros não se tornarão defeitos se houver feedback e ação no momento do erro.
2.2 Mapeamento do Fluxo de Valor – MFV
O MFV é uma ferramenta qualitativa de produção enxuta amplamente usada com o objetivo
de eliminar desperdício (KRAJEWSKI, 2009). Seu funcionamento se dá sob a forma de coleta de
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dados, análise destes e propostas de melhorias. Com uma relação de informações sobre as
demandas dos clientes, fornecimento de matéria-prima, processos produtivos, tempos de ciclo,
setup de máquinas e estoques, além do número de pessoas envolvidas e a forma como os dados
fluem na empresa, desenha-se um mapa que contempla de forma esquemática e organizada esses
dados, o mapa do estado atual. A partir deste e tendo como mola mestra de todas as mudanças o
cliente, ou seja, a demanda, utilizam-se os princípios e as práticas da produção enxuta para se
trabalhar todo o fluxo de materiais e informação. As propostas são também desenhadas e
compõem o mapa do estado futuro, e podem requerer desde alterações na organização da
produção, como por exemplo, a criação de células de produção, até acordos com fornecedores
para suprimento de matéria-prima em prazos menores, que reduziriam os estoques iniciais.
Os MFV apresentam uma iconografia padrão (figura 1) que facilita a visualização do
processo atual e a comunicação das alterações a serem realizadas visando a introdução de
melhorias incrementais. As informações relacionadas com as métricas lean são dispostas no
mapa, em caixas de dados e ao longo do fluxo de materiais. Para o fluxo de informações também
são utilizadas simbologias próprias para esse tipo de ferramenta.
MONTAGEM
T/C = 40 seg.
TR =
2 Turnos
2% Refugo
Figura 1 – Ícones para mapas de fluxo de valor (adaptado de Rother e Shook, 2003)
3. Estudo de caso
A empresa selecionada para o estudo é uma empresa nacional de grande porte que fabrica
artigos de vestuário, e dentro da proposta do estudo, de analisar um serviço logístico interno foi
escolhido o setor de armazenagem de malhas e tecidos para aplicação dos conceitos estudados.
O setor escolhido para estudo, recebe, armazena e seleciona os mais diferentes rolos de
malha e tecido, enviando os rolos selecionados para o setor de corte, onde estes rolos passam por
uma análise de encaixe, e posteriormente são processados nas máquinas de corte. Os talhados são
então transportados e distribuídos pelo mizusumashi (carrinho que percorre uma determinada rota
I
N
FIFO
Transporte
Processo
Fontes
externas
Caixa de
dados
Estoque
Lote de
kanbans
Operador Movimento
sistema empurrado Movimento produção
acabada p/ o cliente
sistema empurrado
Kanbans de produção
e de retirada Retirada
Supermercado Estoque pulmão
ou de segurança
Posto de kanban Fluxo de
informação manual
e eletrônica O X O X
Nivelamento
de carga
Acúmulo de
informação
Fluxo
sequencial
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na fábrica distribuindo o material aos demais setores) aos processos de fabricação subsequentes,
que podem ser feitos internamente, por terceiros, ou em outras plantas no Estado ou até mesmo
na região nordeste do Brasil. Portanto, estes demais processos não serão detalhados no trabalho,
que se limitará a acompanhar as malhas até o final do processo de corte, por onde passam 100%
das peças produzidas no Brasil.
Pelos passos dos processos serem exatamente os mesmos não foi limitada a escolha por
uma única família de produtos, pois uma vez feito o mapeamento de uma família, este se aplicará
as outras, contudo, identificou-se a demanda para cada uma.
O processo produtivo inicia através do PCP Central que comunica as previsões com
horizonte de seis semanas aos fornecedores, liberando pedidos semanalmente. Os tecidos chegam
semanalmente de caminhão, e as malhas, que são produzidas internamente, são transportadas
através de empilhadeira diariamente. As Ordens de Produção semanais são enviadas aos
programadores setoriais contendo centenas de Ordens de Corte, para as quais, os programadores
selecionam os rolos a serem utilizados via sistema.
Ao concluir a seleção dos rolos via sistema para uma ordem de corte, a informação
contendo os pallets contenedores desses rolos é enviada aos operadores de empilhadeira que
movimentam os pallets da área de estoque para uma área de seleção de rolos.
Outro operador retira os rolos que foram selecionados, agrupando-os por ordem de corte
em outro pallet. Após a coleta de todos os rolos de uma ordem de corte o pallet é disponibilizado
ao processo seguinte, onde cada rolo é medido e posteriormente feita a chamada análise de
encaixe, que nada mais é que uma verificação via software, da disposição das peças a serem
produzidas, visando o melhor aproveitamento dos tecidos. Já analisados, os rolos são
encaminhados para as mesas de corte, que possuem diferentes máquinas para cada tipo de tecido,
sendo 4 para malhas, 1 para tecidos planos, 1 para malhas especiais e outra para listrados. Após
cortados, os tecidos são distribuídos aos processos seguintes. A figura 2 exemplifica o fluxo dos
processos através do desenho do layout do setor.
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Figura 2- Layout dos setores e fluxo dos processos.
Diante do exposto, foi elaborado o mapa do estado atual, para que fosse possível identificar
oportunidades de melhoria para os processos em análise, conforme mostra a figura 3. Uma vez
realizado este mapa, propôs-se, com base nos princípios enxutos, a redução dos desperdícios
identificados no estado atual e a elaboração de um mapa futuro com propostas de melhoria, como
pode ser visto na figura 4. Os tempos levantados nos mapas foram estimados levando-se em
consideração a experiência dos colaboradores, observação dos pesquisadores e coleta de dados
históricos. Cada caixa de processo é identificada com o número de operadores que executam a
atividade, o process time que um operador leva para executar a atividade ou tempo de valor
agregado (P/T), o lead time (LT), o número de turnos em que os operadores trabalham realizando
o processo, a quantidade em estoque (E) entre processos, e no primeiro processo ainda foi
adicionada a demanda de atendimento diário de 50.000 peças. Cada ordem de corte possui em
média 600 peças, totalizando pouco mais de 83 ordens que devem ser produzidas diariamente. No
processo de seleção foi identificado que as ordens são encaminhadas ao processo seguinte
somente quando o pallet contenedor estiver cheio de rolos, contendo em média cerca de 3 e 4
ordens de corte por pallet, podendo ainda contar com ordens de diferentes tipos de malha no
mesmo pallet. Adicionalmente, o mapa do estado atual mostra que o setor de corte possui 4
diferentes tipos de máquina, totalizando 7 máquinas, 4 para malhas, 1 para tecidos planos, 1 para
malhas especiais e 1 para listrados. A produção é empurrada em todas as etapas do processo de
fabricação. Para que uma ordem de corte seja concluída são necessárias 162,5h, das quais
somente em 3,8h realmente existe algum tipo de processamento.
A aplicação do mapeamento de fluxo de valor identificou desperdícios, principalmente,
dentro dos processos de programação e seleção dos rolos de tecido, com desalinhamento da
programação em relação à demanda e retrabalhos na seleção dos rolos e na separação de ordens
de corte.
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Figura 3- Mapa do Fluxo de Valor – Estado Atual.
Pontos importantes observados durante a construção do Mapa do Estado Atual:
- A demanda de liberação e atendimento de Ordens de Corte é feita de forma geral (produção
total da semana/ por dias da semana) e não é divida entre as 4 famílias existentes, ocasionando
em alguns momentos, excesso de ordens selecionadas para uma determinada família enquanto
não existe nenhuma ordem já selecionada para outra família.
- O processo de seleção agrupa rolo a rolo para uma determinada ordem de corte. Ao
completar um pallet contenedor com diversas ordens de corte, ele acaba misturando os rolos
novamente. Esse fato gera aumento do tempo de processo da tarefa seguinte (que por vezes
precisa abastecer uma máquina de corte de uma determinada família, tendo que buscar os rolos
que estão no fundo de um pallet coberto por diversos outros rolos), retrabalho, movimentação e
esforço físico extra, e por algumas vezes não permite que seja possível encontrar o rolo desejado
em tanto material em processo.
- Cada vez que uma máquina finaliza um processo de corte, o operador procura por outra
ordem de corte adequada à sua máquina, escolhendo aleatoriamente sem qualquer fila ou critério
de seleção.
A primeira etapa para construção do mapa do estado futuro é determinar o takt time. O tempo
takt resulta da divisão do tempo disponível por turno pela demanda do cliente por turno. Nesse
caso, o quadro 3 mostra o takt time encontrado.
Demanda 250.000 peças Demanda/ 50.000/3 Tempo de 8h x60min
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semanal turno =16.667 peças trabalho/turno =480min
Semana 5 dias de
trabalho (3
turnos/dia)
Média de
peças/ ordem
de corte
600 peças Paradas 40min
Demanda
diária média
250.000/5
=50.000 peças
Número de
ordens/ turno
16.667/600
=27,77
Tempo
disponível/turno
440min
Takt time = 440min/ 27,77 = 16min/ ordem
Quadro 3 – Cálculo do takt time
Somente com a restrição de utilizar um pallet contenedor para cada ordem de corte na
atividade de seleção pretende-se reduzir o process time da atividade, contribuindo assim para a
melhoria do processo seguinte, e podendo ainda absorver a tarefa de medição dos rolos mesmo
retirando um operador, ou melhor, deslocando-o para a atividade de movimentação haja vista que
a empresa possui duas empilhadeiras. Com essa melhor organização a atividade de análise de
encaixe ficaria restrita a analisar o aproveitamento da malha, estima-se que assim o process time
da atividade ficará reduzido a 30 minutos.
Com relação a entrega de tecidos, pode-se organizar vários outros clientes utilizar um
sistema de entrega do tipo “milk run” (coleta programada), de forma que as entregas possam ser
feitas diariamente, eliminando assim, 80% do estoque de tecidos. Os tecidos representam cerca
de 40% do total armazenado hoje, sendo o restante, malhas.
Sugere-se ainda a colocação de um supermercado onde há um evidente desbalanceamento,
entre análise de encaixe e as máquinas de corte, sendo este o processo puxador do novo sistema.
Cada vez que uma ordem de corte é colocada em uma das máquinas, visualmente é detectada a
necessidade para a análise de encaixe, que por sua vez se abastece de outro supermercado na
seleção de rolos.
A programação poderá ser feita via nivelamento (heijunka), podendo ser introduzida via
kaizen para se adequar aos colaboradores. Inicialmente o nivelamento teria características como
as apresentadas no quadro 4.
Peças Demanda
semanal
Demanda/
turno
Peças Demanda
semanal
Demanda/turno
Malhas (M) 160.000 pçs 17,8 ordens Especiais (E) 30.000 pçs 3,3 ordens
Tecidos (TP) 50.000 pçs 5,5 ordens Listrados (L) 10.000 pçs 1,1 ordens
Sequência de Produção = M M TP M E M TP M M = 144min (esta sequência seria repetida três vezes ao
turno, adicionando-se na última delas um L)
Quadro 4 – Programação e nivelamento da produção
Outro ponto que merece muita atenção é o tempo elevado de corte, muito acima do tempo
takt, é certo que têm-se aqui mais máquinas, porém melhorias na velocidade de corte da máquina
e mais rapidez no abastecimento também ajudariam na aproximação do tempo takt. Devido a essa
programação sequenciada, não será necessário um operador dedicado a cada máquina. Para
realizar a produção necessária de malhas especiais e da malha de listrados um único operador
seria suficiente, enquanto que não há necessidade de utilizar 4 pessoas e 4 máquinas para malhas,
3 pessoas e 3 máquinas também seriam suficientes para a demanda atual.
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O excesso de capacidade no processo de programação se faz necessário visto que é o único
processo que trabalha em apenas um turno. Desta forma é evidente que tenha que produzir em
excesso para garantir que na sua ausência não faltem ordens de corte já liberadas e atendidas para
que as atividades seguintes não fiquem ociosas. Hoje o que se faz é liberar ordens apenas para
garantir a “fábrica funcionando”, mas vê-se que além de mantê-la operando é de fundamental
importância que opere de maneira correta, ou seja, de acordo com as reais necessidades do setor
cliente. O que se propõe com o trabalho é que a atividade funcione também em 3 turnos, ou ao
menos em 2, haja vista que hoje trabalham 2 operadores em turno único. Outra mudança sugerida
seria criar uma “barreira” via sistema onde as ordens já atendidas não seguiriam automaticamente
ao processo seguinte, fazendo com que o processo seguinte possa escolher a família de produtos
que é necessária naquele momento. Pode-se desenhar agora um mapa do estado futuro, com um
fluxo de informação mais simples e uma produção nivelada (figura 4).
Figura 4- Mapa do Fluxo de Valor – Estado Futuro.
4. Conclusões
O objetivo principal deste trabalho foi investigar se a aplicação do mapeamento do fluxo
de valor, uma ferramenta da filosofia lean, no processo de separação e distribuição de malhas e
tecidos para o setor de corte de uma empresa, permite identificar os desperdícios inerentes ao
processo e propor melhorias no sentido de mitigá-los, proporcionando uma redução no lead time.
Neste estudo foi possível observar que o Mapeamento do Fluxo de Valor dá visibilidade ao
processo permitindo que melhorias sejam introduzidas não de forma pontual, mas, visando o
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melhor resultado global. Ganhos significativos, foram obtidos, como mostra o quadro 5, que
apresenta a evolução de algumas métricas lean para o processo analisado.
ESTADO DO PROCESSO
ESTOQUE MALHAS E TECIDOS
ESTOQUE EM PROCESSO
LEAD TIME DE PRODUÇÃO
PROCESS TIME
Antes 4 DIAS 21,7 h 162,5 h 3,9 h
Proposta 2,7 DIAS 4,2 h 77,7 h 2 h
Quadro 5 – Comparativo dos resultados
O estudo, no entanto, limitou-se a verificar parte do processo produtivo da fábrica. O
mapeamento não foi feito de porta a porta, o que não é recomendado pela literatura quando não
se tem noção do impacto das mudanças no todo (ROTHER; SHOOK, 1998). Mesmo assim o
estudo conseguiu comprovar que é possível com a aplicação da abordagem lean na logística, e a
empregabilidade da ferramenta MFV diagnosticar e reduzir desperdícios também neste setor.
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