anÁlise da variaÇÃo morfossintÁtica no portuguÊs
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ANÁLISE DA VARIAÇÃO MORFOSSINTÁTICA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
À LUZ DA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA: Uma experiência de ensino com
alunos da Bahia e de Sergipe15
José Batista de Souza Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe. Professor das redes Municipal e Estadual da Bahia e da
Faculdade do Nordeste da Bahia – FANEB. Membro dos Grupos de Pesquisa Educon – UFS e Paidéia –
FANEB. E-mail: [email protected]
Manoel Rodrigues de Abreu Matos Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe. Professor das redes Municipal e Estadual da Bahia E-
mail: [email protected]
Nice Vânia Machado Rodrigues Valadares Mestre em Letras pela Universidade Federal de Sergipe. Professora das redes Municipal e Estadual de Sergipe.
E-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa sociolinguística aplicada em
turmas de Ensino Fundamental II, com base nos pressupostos da Sociolinguística
Variacionista. Trata-se de um trabalho originado de uma pesquisa realizada durante
o Mestrado Profissional em Letras, na disciplina Gramática, Variação e Ensino. O
objetivo do trabalho foi compreender alguns fenômenos morfossintáticos, tais como
a pronominalização, a relativização e a regência dos verbos ir e chegar em textos
produzidos por alunos de 6º ao 9º anos. A metodologia aplicada consistiu na análise
de uma produção textual dos referidos alunos. Foram investigadas 80 produções de
alunos de 3 cidades. Tal análise foi realizada com base na obra Português ou
Brasileiro? um convite à pesquisa, de Marcos Bagno. A partir da análise, os
resultados demonstraram que, em relação à pronominalização, prevalece o uso do
pronome reto de 3ª pessoa do singular (ele/ela). Quanto à relativização, há uma
porcentagem semelhante das ocorrências da relativa copiadora e da relativa
cortadora. Em relação à regência do verbo “ir”, grande parte dos estudantes o usa
com a preposição para [+ permanência], em detrimento de a [- permanência]. No
tocante à regência do verbo “chegar”, houve poucas ocorrências, e estas mostraram
que este verbo ocorre com maior frequência junto com a preposição em (chegar em)
[- padrão], do que com a preposição a (chegar a) [+ padrão]. Assim, com base nos
dados coletados, a principal conclusão a que se chega é que a variação linguística é
algo que faz parte da língua e que, portanto, deve ser aceita.
Palavras-chave: Heterogeneidade linguística. Língua. Português brasileiro.
Variação linguística. Sociolinguística.
ANALYSIS OF THE MORPHOSYNTACTIC VARIATION IN
BRAZILIAN PORTUGUESE UNDER THE LIGHT OF VARIATIONIST
15 Artigo orientado pelo professor Doutor Derli Machado de Oliveira, da Universidade Federal de Sergipe, no Mestrado
Profissional em Letras – Profletras, na disciplina Grmática, Variação e Ensino.
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SOCIOLINGUISTICS: A teaching experience with students from Bahia and
Sergipe
ABSTRACT
This paper presents the results of a sociolinguistic research conducted with Middle
School groups, based on the Variationist Sociolinguistic concepts. It was originated
by a research carried out during the Professional Master’s program in Literature,
for the Grammar subject. This article aims to understand come morphosyntactic
phenomena, such as the pronominalization, relativization and verbal regency of the
verbs ir (go) and chegar (arrive) in texts produced by 6th and 9th grade students. The
methodology used was based on the analysis of the students’ compositions. 80 texts
written by students from 3 different cities were examined through the concepts of
the book Português ou Brasileiro? um convite à pesquisa (Portuguese or Brazilian?
an invitation to research) by Marcos Bagno. The analysis showed that, in what
concerns pronominalization, the third-person singular prevails (ele/ela). In what
concerns relativization, there is a similar number of occurrences of the “cortadora”
(cutter) and “copiadora” (copier) relative clauses. With regard to the regency of the
verb “ir”, most students use it with the preposition “para” [+ permanence] instead
of using the preposition “a” [- permanence]. As for the verb “chegar”, which had
less occurrences, it was more often used together with the preposition “em” (chegar
em) [- standard], than with the preposition “a” (chegar a) [+ standard]. Thus, based
on the results, we conclude that the linguistic variation is something that composes
the language and, therefore, must be accepted.
Keywords: Linguistic Heterogeneity. Language. Brazilian Portuguese. Linguistic
variation. Sociolinguistic.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem-se percebido no estudo das línguas, principalmente da Língua
Portuguesa, um destaque muito significativo para os fenômenos da variação e da mudança,
devido à compreensão de que, em virtude da grande diversidade existente nas línguas, a
heterogeneidade é uma marca registrada e um fator de fundamental importância para a
compreensão da língua em situações reais de uso.
A Sociolinguística Variacionista Laboviana, também conhecida como Teoria da Variação e
Mudança Linguística, é um dos ramos da Linguística que se incumbe do processo de variação
e mudança por que passam as línguas, amparando-se em dados quantitativos e qualitativos para
explicar a frequência com que a variação ocorre na língua e os motivos pelos quais ela ocorre,
levando-se em conta a comunidade de fala na qual o indivíduo está imerso (LABOV, 2008).
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Nesse contexto, muitos são os trabalhos e os esforços empreendidos para o estudo da variação
linguística nos últimos anos, o que demonstra avanços importantes na área. No entanto, no
campo prático, tem-se notado que, apesar de todos os esforços dos pesquisadores, muitas são
as dificuldades quando o assunto é o ensino de Língua Portuguesa, levando-se em conta todo o
contexto da variação. Ou seja, os estudos teóricos não estão sendo facilmente colocados em
prática com uma boa frequência, devido, em muitos casos, à formação precária de muitos
docentes que, geralmente por falta de leitura e atualização, não conhecem pesquisas
sociolinguísticas como essa realizada por Bagno (2004), que valorizam a variação que acontece
na língua.
Assim, esse trabalho se pauta numa pesquisa sociolinguística de base variacionista, partindo
dos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolinguística Variacionista de Labov (2008), e
também nos pressupostos de pesquisa Sociolinguística adotados por Bagno (2004), cujo
objetivo é compreender o fenômeno da variação linguística no português brasileiro, mais
especificamente a pronominalização do objeto direto de 3ª pessoa do singular, a relativização e
a regência dos verbos ir e chegar, em textos produzidos por alunos do 6º ao 9º ano das cidades
de Coronel João Sá e Olindina – BA e de Carira – SE.
Trata-se de um trabalho composto pela pesquisa bibliográfica, através da revisão da literatura,
complementado por uma pesquisa de campo, a partir da análise de produções textuais aplicadas
a alunos de diferentes cidades (Coronel João Sá, Olindina e Carira).
Assim, este trabalho é relevante, dentre alguns fatores, porque aborda situações práticas das
aulas de língua portuguesa nas quais os fenômenos investigados acontecem frequentemente,
algo com o que os professores dessa área podem se identificar facilmente. Ademais, possibilita
a outros professores ou pesquisadores aplicarem essa mesma pesquisa em outros ambientes
escolares, fazendo as adaptações necessárias. Sendo uma pesquisa sociolinguística, pode ser
aplicada também em outros contextos, a exemplo do social, do acadêmico e do profissional.
Nesse viés, esse artigo está assim configurado: na próxima seção, que segue esta introdução,
apresentamos algumas considerações importantes sobre a Sociolinguística, mais
especificamente a variacionista laboviana, cuidando de explicitar a importância do estudo da
variação e mudança na língua em uso, e do falante que, ao usar determinada variedade da língua,
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não o faz por acaso, mas, em virtude dos traços linguísticos de sua comunidade de fala. Na
seção seguinte, apresentamos algumas considerações acerca da variação linguística sob o olhar
de Bagno (2004; 2007) e sua relevância para o ensino de língua materna. Na seção
metodológica, apresentamos todo o contexto no qual a pesquisa foi empreendida e a análise dos
dados, finalizando com a última seção, na qual trazemos as considerações finais e retomamos
o objetivo da pesquisa.
2 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONSITA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
IMPORTANTES
Durante muito tempo, prevaleceu nos estudos da linguagem um caráter puramente tradicional
e gramatiqueiro, cujo foco de concentração esteve voltado para a língua literária, principalmente
aquela praticada pelos grandes autores clássicos, que tinham uma forma peculiar de conceber a
língua, forma essa que deveria ser vista na sociedade como um modelo do bem falar e escrever
e que, portanto, deveria ser seguido à risca pelos usuários da língua, independentemente de sua
comunidade de fala (BAGNO, 2004).
No entanto, essa forma de enxergar a língua de maneira homogênea, como defendida por
Saussure (2006), sempre deixou diversas lacunas quando se leva em consideração o contexto
de uso da mesma, marcado por uma heterogeneidade que, dada a sua riqueza de possibilidades,
não aceita uma língua como una, ou seja, com uma única forma de se falar e escrever.
É a partir da percepção das diversas possibilidades de fala e de escrita oferecidas pela língua e
da não aceitação de uma língua homogênea que emergem os estudos da Sociolinguística, cujo
propósito é estudar como a língua é usada no dia a dia, partindo do contexto específico do
falante, no qual dados como etnia, idade, gênero e classe social são concebidos como
imprescindíveis para a compreensão dos fenômenos linguísticos.
A sociolinguística variacionista surge no campo dos estudos linguísticos num contexto em que urgia
uma virada numa exata direção do estudo do uso e de relações interdisciplinares com áreas como
sociologia, história, antropologia, neurociência, a semiótica. Seu grande postulado talvez parta da
consideração de que somos seres plurilíngues, ou seja, nos comportamos linguisticamente de várias
formas. Daí termos como proposta concreta fundamentos empíricos para uma teoria da mudança,
como uma espécie de direcionamento para se estudar as variações que se referiam a critérios
considerados criativos para estudá-la numa comunidade ou grupos urbanos complexos
(REBOUÇAS; COSTA, 2014, p. 11).
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Nesse cenário, a Sociolinguística Variacionista se apresenta de modo bastante significativo,
tendo como foco central o estudo da variação linguística, que parte do universo/meio no qual o
falante está imerso e da não aceitação da língua como homogênea, devido às variedades
presentes na mesma.
A Teoria da Variação ou Mudança (Variacionista), que se inicia com o texto de Herzog, Labov e
Weinreich de 1968, introduz o postulado da heterogeneidade ordenada ou sistemática, na qual a
mudança é vista como passível de ser descrita e a comunidade seria o foco de estudo, em que se
identificam pelo que pensam da língua e como a usam (COSTA, 2014, p. 2).
Nessa ótica, a Sociolinguística Variacionista entende que as variedades existentes na língua são
demarcadas em virtude da existência de diferentes grupos sociais que, devido a características
peculiares, necessitam escolher entre as variedades, aquela que melhor se encaixa com o grupo
de sua comunidade de fala16.
A análise da variação na língua e no discurso, na sociolinguística quantitativa, é feita pelo
enquadramento de controle em categorias sociais gerais conhecidas como idade, gênero, profissão,
classe social, dentre outras. A teoria relaciona a essas categorias à forma de usar a linguagem e as
possíveis pressões exercidas sobre a língua (REBOUÇAS; COSTA, 2014, p. 09).
Nesse viés, “podemos depreender que o aparato teórico-metodológico da Sociolinguística
Variacionista nos fornece subsídios para que consigamos delimitar quais são as marcas
linguísticas que caracterizam a fala de uma determinada comunidade” (OLIVEIRA; SEDRINS,
2020, p.79).
A chamada Sociolinguística variacionista ou quantitativa foi iniciada por Labov (daí ser também
chamada de laboviana), certamente por inspiração em modelos teóricos já conhecidos por ele, seja
negando-os, como o fez com a concepção de língua como homogênea, de Chomsky, ou dando
continuidade às discussões neles presentes, como ocorreu com a concepção de língua como parte
social da linguagem, postulada por Saussure [...] (SOUSA, 2019, p. 119).
Ao tratar da Sociolinguística Variacionista, o nome mais importante é William Labov, por ter
sido o pioneiro nos estudos da variação e mudança linguística no contexto social da comunidade
de fala.
É a partir dos estudos de William Labov na década de 1960 que se consolida um ramo da linguística
conhecido como Sociolinguística Variacionista, o qual estuda padrões sistemáticos de variação na
sociedade. Adota o método de análise quantitativo com o objetivo de descobrir como e por que os
indivíduos “falam diferente”. A Sociolinguística Variacionista parte do princípio de que a variação
linguística é analisada em relação a fatores externos: classe socioeconômica, faixa etária, gênero,
grupo étnico, lugar de origem, grupo geracional, escolarização, redes de relações sociais, e também
quanto a fatores internos, inerentes ao sistema. Ou seja, a variação não ocorre de forma caótica e
assistemática, mas sim corresponde à coexistência de diferentes normas linguísticas (LIMA;
FREITAG, 2010, p. 40).
16 O conceito de comunidade de fala nesse trabalho parte da teoria de William Labov.
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Labov procura estudar padrões sistemáticos de variação que ocorrem no contexto social,
amparado num método quantitativo a partir de dois estudos diferentes, realizados em seu país -
os Estados Unidos -, estudo com base na comunidade de fala. Os estudos tiveram como lócus
a Ilha de Martha’s Vineyard (1º) e as lojas de departamento da cidade de Nova Iorque (Saks;
Macy’s e S. Klein) (2º). Ao mencionar a comunidade de fala e sua importância na teoria
laboviana, é interessante destacar que:
A comunidade de fala não é definida por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da
língua, mas, sobretudo, pela participação em um conjunto de normas compartilhadas. Essas podem
ser observadas em tipos claros de comportamentos avaliativos, e pela uniformidade de seus termos
abstratos de variação, que são invariáveis com relação aos níveis particulares de uso (LABOV, 2008,
p. 120- 121).
Ou seja, trata-se de uma comunidade que se utiliza das mesmas normas relativas à fala, sendo
reconhecida por traços comuns entre seus falantes, explicados em razão do contexto no qual
eles estão inseridos. Em outros termos, diz respeito às marcas linguísticas que, pela sua
familiaridade, consegue reunir num mesmo grupo falantes com marcas similares e distinguir
falantes com falares diferentes, como é o caso percebido na Ilha Martha’s Vineyard.
Figura 1 - Ilha de Martha’s Vineyard
Fonte: Google Imagens
No primeiro estudo, Labov investigou a realização dos ditongos na Ilha de Martha’s Vineyard
(comunidade de fala), localizada no estado americano de Massachussets. À época da
investigação de Labov, havia na ilha três grupos étnicos: indianos, portugueses e ingleses que,
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segundo as observações de Labov, a realização dos ditongos por eles utilizados apresentava
traços distintivos.
A parte oeste da ilha é onde se concentravam os moradores permanentes, e foi a área escolhida pelos
veranistas, que compraram quase toda área da costa nordeste, conhecida como Ilha Baixa. A porção
ocidental da ilha, Ilha Alta, onde residia a maioria dos nativos, tem características estritamente
rurais, com pequenos vilarejos, lagoas salgadas e pântanos despovoados. É nesta região que fica
Chilmark, vilarejo que vive de atividades pesqueiras, e que já foi sede de uma indústria de caça de
baleias. Dos 25% da população ainda envolvidos na indústria de pesca à época da investigação de
Labov, a maioria vivia na área de Chilmark. Os pescadores de Chilmark formavam o mais fechado
grupo social da ilha, notadamente avesso à invasão dos veranistas. Os pescadores eram
caracterizados pelos outros ilhéus como pessoas independentes, hábeis, fisicamente fortes,
corajosos, sumarizando as virtudes daquilo que se considerava o “bom e velho Yankee”, em
oposição aos veranistas, vistos como representantes da sociedade voltada ao consumo (LIMA;
FREITAG, 2010, p. 40).
Foi partindo desse cenário, notadamente marcado por diferenças socioeconômicas e culturais,
que Labov pautou sua pesquisa, objetivando detectar as diferenças existentes entre a variedade
linguística dos ilhéus (os nativos) e a variedade padrão do resto da região onde ficava a ilha.
Focando sua análise na realização dos ditongos /aw/ e /ay/, pronunciadas por falantes do sudeste
da Nova Inglaterra, Labov notou que na ilha, esses mesmos ditongos apresentavam-se de modos
diferentes, de forma arredondada e centralizada, e tinha relação com o grupo social dos falantes.
A primeira constatação de Labov foi que as pessoas da faixa etária 30-45 anos tendem a centralizar
os ditongos mais que a faixa etária mais jovem ou mais velha. Outra constatação foi que os habitantes
da Ilha Alta costumam centralizar mais os ditongos do que os habitantes da Ilha Baixa. Os
pescadores de Chilmark centralizam /ay/ e /aw/ muito mais que qualquer outro grupo ocupacional.
Falantes descendentes de ingleses e de indianos tendem mais a centralizar os ditongos do que
descendentes de portugueses. Estes resultados parecem evidenciar que geração, ocupação e grupo
étnico podem ser uma primeira categorização quanto à dimensão social do uso da língua (LIMA;
FREITAG, 2010, p. 41).
Desse modo, ao observar a ocorrência da centralização das vogais dos ditongos, Labov
percebeu que essa ocorrência apresenta herança fonética dos colonos Yankees, do século XVII.
De acordo com sua percepção, a centralização dos citados ditongos era a forma encontrada por
muitos moradores para se reafirmar como nativos e não aceitar a pressão por culturas visitantes
e veranistas. Para ele, a opção pelo uso da variante padrão poderia revelar insatisfação pela
vontade de deixar a ilha ou pela vontade de que ela evoluísse, assemelhando-se a outras cidades
americanas (SILVA, 2011).
Em relação ao segundo caso investigado por Labov, o lócus da pesquisa foi demarcado por três
lojas de departamento da cidade de Nova Iorque (Saks; Macy’s e S. Klein), e diz respeito à
estratificação social do /r/ em posição pós-vocálica nas referidas lojas de Nova Iorque.
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Figura 2 - Lojas de departamento de Nova Iorque investigadas por Labov (Saks,
Macy’s e S. Klein)
Fonte: Google Imagens
Nesse caso, Labov quis demonstrar em relação à pronúncia do /r/ em posição pós-vocálica, que
sua ausência ou presença tem relação com o contexto social do falante, e que uma pesquisa
cuidadosa pode dar conta de registrar essa diferença entre o /r/ mais audível, menos audível, ou
não audível.
Para levar adiante sua pesquisa, Labov focou nas três lojas acima citadas, investigando os
funcionários das mesmas, cujas características eram: loja Saks (de alto prestígio, localizada
numa famosa avenida de Nova Iorque, a Fifth Avenue, cujos preços eram os mais caros entre
as três lojas, atraindo apenas clientes de classe média e alta); loja Macy’s (de prestígio
intermediário, atraindo clientes da classe média); loja S.Klein (a de menor prestígio, com os
menores preços e cujos clientes eram de classe baixa. Ao observarmos atentamente as imagens
das três lojas, exatamente na ordem em que elas aparecem acima e em que são mencionadas,
percebe-se traços marcantes que a distinguem. As características de cada uma delas dão ideia
do possível público que a frequenta.
Sua hipótese era a de que há certo significado social em que ocorre o apagamento ou o não
apagamento do /r/ pós-vocálico. De acordo com sua teoria, pessoas que têm o mesmo valor de
realização do /r/ pertenceriam ao mesmo grupo social. O grupo social mais alto deveria realizar o /r/
na maior parte das ocorrências, enquanto que o grupo mais baixo deveria se comportar ao contrário.
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[...] Labov escolheu um grupo que poderia servir como informante porque não atentaria à sua
pronúncia, e que seria fácil de contatar, uma vez que seu trabalho é ser contatado: vendedores de
lojas de departamento. Ele fez [...] perguntas fáceis em que seriam utilizadas algumas palavras com
/r/ pós-vocálico na resposta (LIMA; FREITAG, 2010, p. 43-44).
Ou seja, na visão do autor, quando um falante no contexto investigado fala, sem querer ele
fornece pistas importantes sobre si mesmo (classe social, idade, gênero, etnia, entre outros).
Assim, a ênfase na pronúncia do /r/ nesse contexto denota um certo prestígio na fala de algumas
pessoas e um desprestígio na de outras. A ocorrência da estratificação do /r/ pós-vocálico é
bastante perceptível na cidade de Nova Iorque, mas, Labov precisou de um corpus de análise,
nesse caso, as três lojas de departamento, para amparar os resultados de sua pesquisa. Nessa
ótica:
A investigação realizada pelo referido pesquisador demonstra que a não realização do /r/ pós-
vocálico é referência da fala casual e de baixo status social, não sendo essa, portanto, a pronúncia
prestigiosa e nem aquela que é requerida para o estilo formal, já que a pronúncia do rótico é a
principal manifestação do novo padrão de prestígio em Nova Iorque (LEITE, 2015, p. 129).
Assim, pesquisas sociolinguísticas como essa empreendida por Labov, podem revelar não
apenas traços de fala de um indivíduo/comunidade, como também outras informações a respeito
do(a) mesmo(a), a exemplo de sua classe social e do nível de escolaridade que possuem, razão
pela qual esse tipo de pesquisa mostra-se bastante significativo no contexto analisado.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
A variação linguística é algo intrínseco a todas as línguas. Diz respeito às mudanças que
ocorrem nelas ao longo dos tempos, e que não ocorrem por acaso, mas, devido às necessidades
dos falantes que vivem em determinados contextos e em determinadas épocas. Essa variação é
de grande valia no processo de ensino-aprendizagem dos alunos, uma vez que dá a eles
oportunidade de poder se comunicar de diferentes formas, e de não serem julgados o tempo
inteiro por terem um jeito peculiar de se expressar, mais do que isso, de terem sua forma de
falar respeitada.
Quando se fala em variação linguística, deve-se ter em mente que esta ocorre de forma natural
no contexto da língua, diferentemente do que ocorre com a gramática normativa, que é imposta
aos falantes.
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De modo geral, Bagno (2007) trata a variação linguística como a heterogeneidade existente na
língua, isto é, sua gama de possibilidades, sua diversidade, em virtude dos aspectos sociais,
culturais, econômicos e geográficos que a compõe. Assim, ao conceber a língua como
heterogênea, ou seja, com múltiplas possibilidades de uso no contexto social, o autor vai de
encontro à gramática normativa, que concebe a língua como algo estático, a vê de forma
homogênea, sendo essa homogeneidade representada historicamente pela gramática normativa.
Dessa forma, a língua é histórica e socialmente descontextualizada, uma vez que, pela sua
rigidez, acaba se distanciando de seus falantes.
Na concepção de Possenti (1997), a variedade linguística é um reflexo da sociedade, permeada
pela divisão de classes sociais. Essa divisão ocorre também na língua, ou seja, aqueles que
detêm o poder, que têm condições financeiras de estudar nas melhores escolas e
faculdades/universidades, têm a oportunidade de receber uma melhor educação, que permita ao
falante, a possibilidade de conhecer a diversidade linguística, mas também de adquirir o dialeto
de prestígio, aquele típico da “língua padrão”, ou até mesmo da língua culta, alcançada apenas
pelas pessoas que conseguem se formar no ensino superior.
Assim, a escola deve empreender esforços e lutar contra essa questão do preconceito e da
estigmatização da fala dos alunos que usam variedades linguísticas desprestigiadas, fazendo-os
compreender que a língua é rica justamente por conta de sua heterogeneidade e, portanto, deve
estar aberta a diferentes possibilidades.
Uma escola transformadora não aceita a rejeição dos dialetos dos alunos pertencentes às camadas
populares, não apenas por eles serem tão expressivos e lógicos quanto o dialeto de prestígio
(argumento em que se fundamenta a proposta da teoria das diferenças linguísticas), mas também, e
sobretudo, porque essa rejeição teria um caráter político inaceitável, pois significaria uma rejeição
da classe social, através da rejeição de sua linguagem [...] uma escola transformadora atribui ao
bidialetalismo a função não de adequação do aluno às exigências da vida social, como faz as
diferenças da teoria linguística, mas a de instrumentalização do aluno, para que adquira condições
de participação na luta contra desigualdades inerentes a essas estruturas (SOARES, 1980, p. 74).
Diante do exposto discutido até o momento, onde se faz menção ao trabalho com a gramática
normativa e a variação linguística no contexto das aulas de português, Bagno (2007) vem dizer
que a língua é um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se detém em seu curso, ou seja, nunca
está parada, está em constante movimento, como as águas de um rio, enquanto a gramática
normativa é apenas um igapó, uma grande poça de água parada, um charco, um brejo, um
terreno alagadiço, a margem da língua, isto é, algo sem movimento, que não se transforma.
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Portanto, a variação linguística é algo inerente às línguas, razão pela qual deve ser
compreendida e respeitada.
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a realização da presente pesquisa, nos incumbimos de investigar 3 fenômenos
sociolinguísticos nas produções textuais de alunos do 6º ao 9º ano (pronominalização de objeto
direto de 3ª pessoa do singular, relativização e regência dos verbos ir e chegar), tendo como
universo a Escola Municipal Deputado Luís Eduardo Magalhães (Coronel João Sá/BA), o
Colégio Artur Fortes (Carira/SE) e a Escola Professora Eunice de Souza Oliveira
(Olindina/BA)17.
Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, isto é, combina a abordagem qualitativa com a
quantitativa sem nenhuma espécie de conflito entre si (GIL, 1999). Ou seja, em determinados
momentos, principalmente em trechos envolvendo números, adota-se a abordagem quanti,
enquanto em trechos marcados pela subjetividade, adota-se a abordagem quali. Ainda sobre a
abordagem quali, ela é importante porque, segundo Ludke e André (1986, pág. 11) tem “o
ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal
instrumento. [...] Supõe o contato [...] do pesquisador com o ambiente e a situação que está
sendo investigada”. No caso dessa pesquisa, o fato de os pesquisadores estarem investigando
seu próprio campo de trabalho foi essencial para esse contato com os informantes da pesquisa
e para uma facilidade na coleta dos dados.
No tocante aos objetivos, a pesquisa é de cunho exploratório, uma vez que, segundo Gil (2008),
proporciona ao pesquisador maior familiaridade com o problema investigado. Já em relação aos
procedimentos de coleta de dados, utilizamos a pesquisa bibliográfica, isto é, “[...] aquela forma
de investigação cuja resposta é buscada em informações contidas em [...] bibliotecas reais ou
virtuais. O pesquisador faz um levantamento de trabalhos já realizados sobre um determinado
tema e cataloga-os a fim de [...] reinterpretar e criticar” (XAVIER, 2014, p. 48). Também
adotamos a pesquisa de campo, a partir da aplicação de uma atividade de produção textual para
17 A escolha das três instituições de ensino em questão se justifica pelo fato de cada um dos integrantes da pesquisa
fazer parte de uma dessas instituições, um lócus apropriado para a investigação, já que os pesquisadores têm
contato direto com os informantes da pesquisa.
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80 alunos, distribuídos entre as três escolas dos três pesquisadores, mais especificamente, uma
turma de cada pesquisador. No tocante aos procedimentos de análise dos dados, seguimos os
pressupostos da pesquisa Sociolinguística adotados por Bagno (2004).
Foi solicitado aos alunos que escrevessem um texto narrativo a partir do título Um dia
inesquecível. Ao todo, foram 80 textos analisados, dos quais 30 serviram para a formação do
corpus da pesquisa, porque todos eles em maior ou menor ocorrência apresentaram os
fenômenos investigados, descartando-se os demais. Após a análise do corpus, os dados foram
apresentados em quadros específicos por item pesquisado, como veremos em seguida. Assim,
cada quadro varia em relação à quantidade total de textos, uma vez que alguns fenômenos
ocorreram com bem mais frequência do que outros.
Quadro 118
Estratégia de pronominalização de objeto direto de 3ª pessoa do singular do corpus de língua
escrita em turmas de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental
Tipo Quantidade %
PRONOME OBLÍQUO 0 0%
PRONOME RETO 10 100%
OBJETO NULO 0 0%
TOTAL 10 100%
Fonte: Adaptado de Bagno (2004)
Quadro 2 - Trechos retirados das produções dos alunos que demonstram os
dados do quadro 1
(...) era Joãozinho, o menino que ela conheceu na praça. Ela fez de tudo para tirar ele da
cabeça.
Estratégia menos padrão - estigmatizada
(...) o menino encontrou uma pessoa especial (...). Peter Pan chamou ele e sua amiga.
Estratégia menos padrão - estigmatizada
(...) Ela foi para Goiás. (...) Se arrumou e foi para a festa. Quando chegou lá, conheceu um
gatinho que chamou ela para dançar. Estratégia menos padrão – estigmatizada
Fonte: Dados da pesquisa
18 Esses modelos de quadros são adaptações feitas com base no livro que serviu de teoria para essa pesquisa,
intitulado Português ou Brasileiro? um convite à pesquisa (BAGNO, 2004).
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Temos aqui apenas três exemplos das 10 dez ocorrências percebidas nos textos dos alunos, e
tanto nesses três exemplos quanto nos outros sete que não foram apresentados, percebe-se que
que o uso do pronome grifado vai de encontro ao que prega a gramática normativa.
Segundo Cunha e Cintra (1985), os pronomes retos empregam-se como sujeito, predicativo do
sujeito, vocativos (tu e vos). É muito frequente o uso do pronome ele/ela como objeto direto,
mas deve ser evitado, buscando-se as formas mais apropriadas.
Quadro 3
Estratégia de relativização do corpus de língua escrita em turmas de 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental
Tipo Quantidade %
RELATIVA PADRÃO 0 0%
RELATIVA COPIADORA 04 50%
RELATIVA CORTADORA 04 50%
TOTAL 08 100%
Fonte: Adaptado de Bagno (2004)
Quadro 4 - Exemplos de trechos retirados das produções dos alunos que demonstram os
dados do quadro
(...) levei minha querida filha que eu gosto tanto dela. (que eu gosto tanto dela) –
relativa copiadora
(...) encontrou uma casa que viviam nela dois meninos. (que viviam nela) - relativa
copiadora
(...) Sem você aqui para me dar broncas, me bater quando eu merecer e estar comigo
nas horas que eu precisar. (nas horas que eu precisar) – relativa cortadora
O dia que eu nasci ele foi muito inesquecível. (o dia que eu nasci) - Relativa cortadora
Fonte: Dados da pesquisa
Como se nota no quadro dois, foram oito as ocorrências do fenômeno da relativização, sendo
quatro da relativa copiadora e quatro da relativa cortadora.
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A esse respeito, de acordo com Bagno (2004), em relação aos dois primeiros casos (relativa
copiadora), são rejeitados pela gramática normativa. Recebe esse nome porque há uma
repetição através de um “pronome-cópia”, como os percebemos grifados acima. Esses
elementos deveriam ser substituídos pelo pronome relativo, aquilo que nas gramáticas recebe o
nome de antecedente.
Em relação aos casos três e quatro (relativa cortadora), também são rejeitados pela gramática
normativa. De acordo com Bagno (2004, p. 84), “recebe esse nome porque a preposição que o
verbo rege é “cortada”, ou seja, é apagada [...]. Por isso é comum indicar com o símbolo de
vazio (Ø) o lugar deixado pela preposição”.
Quadro 5
Regência [+ PERMANÊNCIA] e [- PERMANÊNCIA] do verbo ir no corpus de língua
escrita em turmas de 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental
VERBO TIPO QUANTIDADE %
IR
A [- PERMANÊNCIA] 02 10,6%
PARA [+PERMANÊNCIA] 17 89,4%
TOTAL 19 100%
Fonte: Adaptado de Bagno (2004)
Quadro 6 - Exemplos de trechos retirados das produções dos alunos que
demonstram os dados do quadro
(...) Eles foram para o show. (...) Quando chegaram lá, conheceram três minas que
chamaram eles para ir pra pista.
(...) Eu tinha um sonho: ir para a festa de Zezé de Camargo e Luciano.
(...) um certo dia, ela resolveu ir para uma festa.
(...) meu avô e minha avó fretaram um carro para irmos para Paripiranga.
(...) no outro dia a gente foi para o shopping.
(...) cheguei lá, o médico falou que eu não poderia ter aqui em Olindina. Então fui
para Antas.
(...) quando descemos do carro, fomos ao shopping.
(...) preferimos ir ao clube.
Fonte: Dados da pesquisa
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A partir dos seis primeiros exemplos demonstrativos do quadro acima, percebe-se a grande
ocorrência do verbo ir regido pela preposição para, indicando mais permanência. No entanto,
pelos exemplos acima, percebe-se que, quase todas as situações são de menos permanência,
sendo necessário, segundo a gramática normativa, usar a ao invés de para. Ou seja, nas seis
primeiras situações mostradas, a ocorrência do verbo ir indica que as pessoas não permanecerão
muito tempo nesses lugares, que são idas passageiras, com tempo certo para retornar, indicando,
portanto, menos permanência, por isso, ele não deveria estar regido pela preposição para e sim
pela preposição a e suas combinações (ao, aos, à, às).
Acerca dos exemplos sete e oito, nota-se que eles seguiram à regra normativa de menos
permanência, uma vez que a ida ao clube provavelmente vai durar alguns minutos ou algumas
horas no máximo.
Quadro 7
Regência do verbo chegar no corpus de língua escrita em turmas de 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental
VERBO TIPO QUANTIDADE %
CHEGAR
A [+ PADRÃO] 01 33,4%
EM [- PADRÃO] 02 66,6
TOTAL 3 100%
Fonte: Adaptado de Bagno (2004)
Quadro 8 - Exemplos de trechos retirados das produções dos alunos que
demonstram os dados do quadro19
• (...) quando eu tava em São Paulo, não via a hora de chegar em Olindina.
• quando cheguei no hospital, mim deparei com ele em cima da cama, todo banhado de
sangue. Ele se debatia muito. Achei que seria a última vez que veria ele.
• (...) quando chegamos ao hospital, vimos todo mundo chorando muito.
Fonte: Dados da pesquisa
19 Vale salientar que, apesar de terem sido encontradas apenas três ocorrências em relação ao verbo chegar, uma
possível justificativa para ocorrências tão diminutas é que talvez, o tema sugerido para a produção do texto, não
tenha aberto caminho para o uso do referido verbo em maior número, algo que pode ser melhorado com outras
pesquisas.
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Nota-se, nos dois primeiros exemplos, o uso do verbo conhecer regido pela preposição em,
indicando uma escolha menos padrão, o que se caracteriza como erro de acordo com a gramática
normativa, uma vez que o verbo chegar exige a preposição a. Já no exemplo seguinte, percebe-
se o uso correto da preposição. Nesse caso, temos chegar a + o (artigo)= ao, considerada a
escolha ideal pela gramática normativa.
Após toda a análise feita, partindo dos procedimentos teórico-metodológicos de pesquisa
adotados por Bagno (2004), percebeu-se que, quanto ao fenômeno da pronominalização, há
uma ocorrência significativa, nos textos dos alunos do ensino fundamental II, do contexto
analisado, do uso do pronome reto de 3ª pessoa do singular, com nenhuma ocorrência do
pronome oblíquo e do objeto nulo.
Quanto à relativização, a pesquisa demonstrou uma igualdade entre a relativa copiadora e a
cortadora. Já a relativa padrão, praticamente não existe na escrita dos alunos analisados.
Sobre a regência do verbo ir, prevalece ir para [+ permanência], em detrimento de ir a [-
permanência].
No tocante à regência do verbo chegar, prevalece chegar em [- padrão] em relação a chegar a
[+ padrão].
Vale lembrar que, numa pesquisa de Bagno (2004), ao investigar o fenômeno da
pronominalização, o autor encontrou quinhentas ocorrências no corpus de língua culta falada.
Desse número, três se apresentaram na função de pronome oblíquo, dezoito na função de
pronome reto e, a grande ocorrência, ficou por conta do objeto nulo, com quatrocentos e setenta
e nove casos.
Em relação à relativização encontrada na mesma pesquisa do autor, no corpus de língua escrita
foram encontrados setenta e cinco casos e, no corpus de língua falada, vinte e seis e, acerca da
regência do verbo ir, foram encontrados dezoito casos no corpus de língua escrita e cento e dez
no de língua falada. Já em relação à regência do verbo chegar, foram encontradas vinte e duas
ocorrências no corpus de língua escrita e vinte no de língua falada.
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Assim, é preciso que continuemos a estudar esses fenômenos em sala de aula, não apenas para
compreendermos melhor a língua que falamos, mas, principalmente, para entendermos melhor
as produções orais e escritas dos nossos alunos e a avaliá-las, levando em conta os diferentes
contextos nos quais eles se encontram. Só assim poderemos compreender melhor a língua que
falamos e aprender a valorizá-la e respeitá-la e sua diversidade, bem como a seus falantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho se incumbiu de discutir uma temática de grande importância no contexto
escolar e social – a variação linguística, uma temática que até meados da década de 1950, não
era alvo de preocupação dos linguistas, porque imperava à época, o modelo de língua
homogênea adotado por Saussure e seguida por vários outros estudiosos.
A preocupação com a sistematização e criação de uma ciência da variação e da mudança na
língua teve início na década de 1960, a partir de dois estudos desenvolvidos pelo norte-
americano William Labov: a realização dos ditongos na Ilha Martha’s Vineyard e a
estratificação do /r/ pós-vocálico em três lojas de departamento de Nova Iorque.
Essas duas pesquisas empreendidas por Labov serviram para grande parte das pesquisas
sociolinguísticas de que se tem notícia em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, Marcos
Bagno é um dos grandes adeptos da teoria da variação e mudança de Labov, enveredando por
essa área e se tornando um dos pesquisadores mais importantes da sociolinguística brasileira.
O objetivo do presente trabalho foi compreender alguns fenômenos morfossintáticos, tais como
a pronominalização, a relativização e a regência dos verbos ir e chegar em textos produzidos
por alunos de 6º ao 9º anos, à luz dos pressupostos da pesquisa Sociolinguística adotados por
Bagno (2004), algo que trouxe resultados positivos para a pesquisa, pois nos oportunizou
compreender um pouco acerca do uso dos referidos fenômenos pelos nossos alunos que, mesmo
estando em cidades diferentes, apresentaram comportamentos sociolinguísticos semelhantes.
Em linhas gerais, esse trabalho de pesquisa foi bastante interessante, uma vez que possibilitou
uma transposição da teoria para a prática quanto à observação e análise dos fenômenos que
ocorrem na língua e que, na maioria dos casos, passam despercebidos ou, quando são
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percebidos, são alvo de preconceito por parte daqueles que concebem a língua como
homogênea. A partir de Labov, foi possível ver a língua com outros olhos e compreender que
a variação é algo presente em todas as línguas e responsável pela sua dinamicidade.
Através da obra de Bagno Português ou Brasileiro? um convite à pesquisa, foi notória a
constatação do quanto a pesquisa é importante no contexto da sala de aula, e que os professores,
além desse ofício, também são eternos pesquisadores, e a sala de aula pode ser o seu próprio
laboratório. Além disso, esta obra foi de suma importância para a presente pesquisa por servir
de base para a análise dos dados coletados em campo.
Por fim, esse trabalho, pela forma didática como foi apresentada, pode ser aplicado em aulas de
língua portuguesa do 6º ao 9º ano, utilizando-se, inclusive, a mesma metodologia adotada. É
bem provável que, se aplicada, os professores descobrirão coisas importantes e passarão a ver
a língua a partir de olhares diversos.
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