andreia fogaca maricato

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Andreia Fogaça Maricato Deveres Instrumentais: Regra Matriz e Sanções Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa da Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Professora Doutora Fabiana Del Padre Tomé . São Paulo 2009

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Page 1: Andreia Fogaca Maricato

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Andreia Fogaça Maricato

Deveres Instrumentais: Regra Matriz e Sanções Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa da Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação da Professora Doutora Fabiana Del Padre Tomé.

São Paulo 2009

Page 2: Andreia Fogaca Maricato

Folha de Notas

Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

São Paulo, _____/______: 2009

Page 3: Andreia Fogaca Maricato

Siglas e abreviaturas

CCB: Código Civil Brasileiro

CF: Constituição Federal

COFINS: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CP: Código Penal

CPC: Código de Processo Civil

CPP: Código de Processo Penal

CSRF: Conselho Superior de Recursos Fiscais

CTN: Código Tributário Nacional

DJU: Diário da Justiça da União

DOU: Diário Oficial da União

DRJ: Delegacia Regional de Julgamento

LICC: Lei de Introdução ao Código Civil

ICMS: Imposto sobre a Circulação de Mercadoria e Prestação de

Serviços

IN: Instrução Normativa

IPI: Imposto sobre Produtos Industrializados

ISSQN: Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

IR: Imposto de Renda

MP: Medida Provisória

PIS: Contribuição para o Programa de Integração Social

RE: Recurso Extraordinário

RESP: Recurso Especial

RMIT: Regra-matriz de Incidência Tributária

RMIDI: Regra-matriz de incidência de deveres instrumentais

RMIDDI: Regra-matriz de incidência do descumprimento dos deveres

instrumentais

STF: Supremo Tribunal Federal

Page 4: Andreia Fogaca Maricato

STJ: Superior Tribunal de Justiça

TRF: Tribunal Regional Federal

TJ: Tribunal de Justiça

Page 5: Andreia Fogaca Maricato

“O princípio da sabedoria é: adquire sabedoria; use tudo o que você

possui para adquirir entendimento”

Provérbios 4:7

Page 6: Andreia Fogaca Maricato

Resumo

MARICATO, Andréia Fogaça. Deveres Instrumentais: Regra Matriz e

Sanções, São Paulo: PUC SP, 2009, Dissertação do Mestrado em Direito

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A dissertação apresentada para conclusão do mestrado em

Direito tem como objeto a análise da regra matriz dos deveres

instrumentais e as sanções pelo seu descumprimento. Para cumprirmos

estes objetivos, entendemos necessário percorrer a regra matriz de

incidência tributária, em combinação com a regra matriz dos deveres

instrumentais e a regra matriz sancionatória pelo descumprimento dos

deveres instrumentais. Há várias inserções de outras normas jurídicas

que não estas regras matrizes, como as que estabelecem a anistia, a

remissão, as que mutilam a regra matriz de incidência tributária, como é

o caso das isenções tributárias e as normas jurídicas que estabelecem as

imunidades.

Nosso objeto de estudo compõe-se não só da análise da regra

matriz de incidência tributária e sua relação com a regra matriz dos

deveres instrumentais e esta com a regra matriz sancionatória pelo seu

descumprimento, mas de todas as normas que direta ou indiretamente se

relacionam com os deveres de fazer ou não fazer valer a política de

impostos aos contribuintes e responsáveis tributários.

Para isto, tomamos o direito como um conjunto de normas

jurídicas válidas, que se materializam na forma de enunciados

prescritivos. O modo de nos aproximarmos do direito é interpretando tais

enunciados, ou seja, construindo o sentido dos textos. Faremos uma

interpretação sistemática dos enunciados que prescrevem os deveres

instrumentais e suas sanções, para mostrar como se dá a construção das

respectivas normas jurídicas.

Especificamente, almejamos construir as normas jurídicas dos

deveres instrumentais e as que tipificam as sanções pelo seu

descumprimento dentro dos princípios da legalidade, razoabilidade e

proporcionalidade, estabelecendo os limites impostos aos entes

tributantes. Para isso, analisaremos semanticamente cada termo que

compõe tais enunciados, bem como a interpretação adotada pelos

tribunais com relação à constituição de cada uma das normas.

O método adotado é o dogmático, e a técnica a hermenêutica-

analítica, procurando deixar o trabalho situado na linha doutrinária

denominada consctrutivismo lógico-semântico .

Palavras chave: dever instrumental, regra matriz, e sanções tributárias.

Page 7: Andreia Fogaca Maricato

Abstract

MARICATO, Andréia Fogaca. Instrumental Duties: Rule Matrix and

Sanctions, São Paulo: PUC SP, 2009, Dissertation of Master in Law from

the Pontifical Catholic University of São Paulo

A dissertation submitted for completion of Masters in Law has

as object the analysis of the instrumental rule array of duties and

penalties for its breach. To fulfill these goals, we need to go rule matrix

of tax incidence, combined with the instrumental rule array of duties and

penalties for noncompliance rule matrix of instrumental duties. Several

insertions of other legal rules than matrices, such as establishing the

amnesty, the forgiveness they maim the rule array of tax incidence, such

as tax exemptions and rules that establish the legal immunities.

Our object of study is composed not only of analysis of the rule

matrix of tax incidence and its relationship with the rule array of duties

and with the instrumental rule matrix punishment for his failure, but of

all the rules that directly or indirectly relate to duties to do or not to

enforce the policy of taxes to taxpayers and responsible tax.

For this, we take the law as a set of valid legal standards,

which are materialized in the form of prescriptive listed. The mode is the

right approach in interpreting such language, i.e., building the sense of

texts. We set out a systematic interpretation of the instruments that

prescribe the duties and penalties, to show how it gives the construction

of their laws.

Specifically, building the legal framework of obligations and

instruments that typify the penalties for its breach within the principles

of lawfulness, reasonableness and proportionality in setting the limits

imposed on entities tributantes. For this, each term semantic analysis

that make such language, as well as the interpretation adopted by courts

in relation to the constitution of each of the standards.

The method adopted is the dogmatic, and the technique is the

hermeneutic-analytical, trying to leave the work in the doctrinal line

called logical-semantic constructivism

Keywords: duty instrumental, rule matrix, tax penalties.

Page 8: Andreia Fogaca Maricato

Sumário

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 – PROPOSIÇÕES PROPEDÊUTICAS

06 07 13

1.1 Delimitação do objeto 16

1.1.1 Conhecimento, linguagem e prescritividade do direito positivo nos deveres instrumentais

16

1.2.1 Interpretação do direito – processo gerador de sentido 20

1.2. Sistema Jurídico 24

1.3. Norma Jurídica dos deveres instrumentais 27

1.3.1 Notas introdutórias 27

1.3.2 Definição 28

1.3.3 Estrutura lógica das normas jurídicas 29

1.3.4 Norma de estrutura e norma de comportamento 32

1.3.5 Norma geral e abstrata, individual e concreta 34

1.3.6 Norma primária e secundária 35

1.4 A fenomenologia da incidência tributária nos deveres instrumentais 38

1.5 As definições do direito civil e do direito penal no direito tributário 41

Page 9: Andreia Fogaca Maricato

CAPÍTULO 2: OBRIGAÇÃO PRINCIPAL E ACESSÓRIA

2.1 Notas introdutórias 44

2.2 Relação jurídica 44

2.3 Obrigação principal ou obrigação tributária 48

2.4 A qualificação tributária no conceito de obrigação 54

2.5 Obrigação acessória 56

2.6 “Obrigações Acessórias” terminologia imprópria 60

2.7 Natureza jurídica dos deveres instrumentais 63

CAPÍTULO 3 PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE NOS DEVERES INSTRUMENTAIS

3.1 Princípio da legalidade 67

3.1.1 Notas introdutórias 67

3.1.2 Princípios constitucionais tributários: valores ou limites objetivos 68

3.1.3 Notas gerais do princípio da legalidade 72

3.1.4 Princípio da legalidade no âmbito do direito tributário: deveres instrumentais

73

3.1.5. Princípio da reserva da lei formal 74

3.1.6. Instrumentos Introdutórios de Normas Tributárias no ordenamento jurídico

76

3.1.6.1 Instrumentos Primários 77

3.1.6.2 Instrumentos Secundários – não obrigam os particulares 79

3.1.7 Princípio da tipicidade em matéria tributária 81

3.1.8 O Princípio da reserva da lei formal no Código Tributário Nacional 83

Page 10: Andreia Fogaca Maricato

3.1.9 O conceito de legislação tributária para o Código Tributário Nacional 85

3.1.10 Deveres instrumentais e sua instituição por lei 87

3.1.11 Sanção pelo descumprimento do dever instrumental e sua instituição por lei

90

3.1.12 O Princípio da Legalidade e o Decreto-lei n° 2.124, de 13 de junho de 1984

91

3.2 Princípios da razoabilidade e proporcionalidade 94

3.2.1 Noções gerais sobre os princípios: razoabilidade e proporcionalidade 94

3.2.2 Distinção entre proporcionalidade e razoabilidade 95

3.2.3 Princípio da proporcionalidade 98

3.2.4 Princípio da razoabilidade 103

3.2.5 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade nos deveres instrumentais

106

3.2.6 Princípios da proporcionalidade e razoabilidade nas sanções pelo descumprimento dos deveres instrumentais

106

CAPÍTULO 4: REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBURÁRIA E A REGRA MATRIZ DOS DEVERES INSTRUMENTAIS

4.1 Dever instrumental 109

4.2 Regra-Matriz de incidência tributária como norma em sentido estrito 111

4.3 A regra-matriz dos deveres instrumentais (RMDI) 120

4.3.1 Critério Material 121

4.3.2 Critério Espacial 122

4.3.3 Critério Temporal 123

4.3.3.1 Data do cumprimento do dever instrumental 124

Page 11: Andreia Fogaca Maricato

4.3.4 Critério pessoal 125

4.3.5 Critério qualitativo 128

4.3.6 Síntese exemplificativa da Regra-Matriz dos deveres instrumentais 130

4.4 Relação meio e fim na teoria geral do direito administrativo 131

4.4.1 A aplicação da relação meio e fim ao dever instrumental 135

4.5 As funções dos deveres instrumentais 136

4.6 Deveres instrumentais relacionados às imunidades e isenções 138

4.7 Deveres instrumentais relacionados às anistias e remissões 142

4.8 Outras hipóteses de cumprimento dos deveres instrumentais 146

CAPÍTULO 5 SANÇÃO PELO DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INSTRUMENTAIS

5.1 Notas introdutórias 148

5.2 Normas sancionatórias 149

5.2.1Polissemia do termo “sanção” 150

5.2.2 Definição proposta ao termo “sanção” 154

5.3 Crítica ao §3º do artigo 113 do CTN – suposta conversão de obrigação acessória em principal

154

5.4 Natureza jurídica das sanções 158

5.5 Tipos de sanções 160

5.6 Sanções tributárias: funções, finalidade e limites 162

5.6.1 Finalidade 163

5.6.2 Funções 165

Page 12: Andreia Fogaca Maricato

5.6.2.1 Função preventiva 165

5.6.2.2 Função repressiva ou punitiva 166

5.6.2.3 Função reparatória ou indenizatória 170

5.6.2.4 Função didática 174

5.6.3 Limites 175

5.7 Distinção entre Sanção pelo descumprimento dos deveres instrumentais e Sanções políticas

178

5.8 Limites a imposição de medidas restritivas de direito 180

5.8.1 Abuso de restrições aplicadas aos contribuintes 183

5.8.2 Indenizações cabíveis aos prejuízos causados em decorrência da aplicação de sanções políticas

187

5.9 Regra-Matriz da norma sancionatória pelo descumprimento dos deveres instrumentais

189

5.9.1 Critério material 190

5.9.2 Critério espacial 191

5.9.3 Critério temporal 191

5.9.4 Critério pessoal 195

5.9.5 Critério quantitativo 196

5.10 Descumprimento dos deveres instrumentais relacionado às imunidades e isenções

199

5.11 Descumprimento dos deveres instrumentais relacionado às remissões e anistias tributárias

202

CONSIDERAÇÕES FINAIS 204

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 213

Page 13: Andreia Fogaca Maricato

13

INTRODUÇÃO

O tema deveres instrumentais, por não ser tão explorado levanta inúmeros

conflitos, propiciando o surgimento de questões bastante atuais e polêmicas. Por se

tratara de assunto de alta complexidade, detentor de muitas particularidades, muitas

questões que envolvem o assunto ora proposto, ainda merecem a atenção dogmática do

Direito.

Por esta razão, pensamos em desenvolver um estudo científico, no intuito

de aclarar, contribuindo para a solução de alguns problemas que rodeiam este instituto,

repleto de incertezas e dificuldades.

Para isto, tendo em mente que, os deveres instrumentais tem como função

operacionalizar a Regra Matriz de Incidência Tributária, trataremos neste trabalho a

relação e funções dos deveres instrumentais junto a regra matriz de incidência

tributária, discorrendo acerca da norma jurídica, demarcando o nosso sistema de

referência no conhecimento e linguagem. Isto porque, estamos certos que a linguagem

é responsável em edificar, não só o mundo circundante, com a própria realidade

jurídica, donde não se admite a existência de objetos fora dos limites lingüísticos.

Dentro deste pensamento, concluímos que o universo de cada ser cognoscente estará

vinculado aos limites de sua linguagem.

Posteriormente, trataremos do estudo da norma jurídica como objeto

cultural e sua estrutura lógica. Para só então adentramos, na regra matriz dos deveres

instrumentais, um dos temas objeto do nosso estudo. Abordando a polissemia do

vocábulo obrigação acessória e ou dever instrumental; o entendimento da doutrina

tradicional, para então, fixarmos um conceito proposto, encerrando este capítulo com a

natureza jurídica dos deveres instrumentais.

Page 14: Andreia Fogaca Maricato

14

Superada esta etapa, focalizamos a questão no enquadramento dos deveres

instrumentais na regra matriz de incidência tributária. Para encontrarmos uma resposta

satisfatória e cientificamente fundamentada, quanto a relação entre a regra matriz de

incidência tributária e a regra matriz dos deveres instrumentais, efetuaremos algumas

considerações já ditas acima, acerca das principais características, as funções dos

deveres instrumentais, e sua observância aos princípios da legalidade, razoabilidade e

proporcionalidade, para ao final, sintetizarmos a regra matriz dos deveres

instrumentais de forma clara.

Por fim, analisaremos a regra matiz sancionatória pelo descumprimento dos

deveres instrumentais. Dentre as várias acepções do termo sanção adotaremos àquela

aplicada pela Administração Pública, ou seja, aquela relação prescrita no consequente

de uma norma jurídica primária sancionatória cuja hipótese descreve a inobservância

de uma conduta imposta por outra regra jurídica (norma primária dispositiva). Mais

especificamente analisaremos a sanção aplicada ao descumprimento de uma norma

que estabelece o dever instrumental.

Definimos sanção como aquela aplicada pela Administração Pública ao

descumprimento da norma primária dispositiva, ou seja, aquela relação prescrita no

consequente de uma norma jurídica primária sancionatória cuja hipótese descreve a

inobservância de uma conduta imposta por outra regra jurídica (norma primária

dispositiva). Com isto, entendemos que o §3º do artigo 113 do CTN padece de

inconstitucionalidade, pois, confunde os institutos do dever instrumental com o da

sanção tributária.

Trataremos da natureza jurídica, tipos, funções, finalidade e limites das

sanções tributárias e construiremos a regra matriz da norma sancionatória pelo

descumprimento do dever instrumental.

Page 15: Andreia Fogaca Maricato

15

Para finalizar o estudo abordaremos os casos de imunidade, isenção,

remissão e anistia relacionados tanto aos deveres instrumentais, como as sanções pelo

descumprimento dos deveres instrumentais.

Page 16: Andreia Fogaca Maricato

16

CAPÍTULO 1: PROPOSIÇÕES

PROPEDÊUTICAS

1.1. Delimitação do objeto

1.1.1. Conhecimento, linguagem e prescritividade do direito

positivo nos deveres instrumentais

Faremos um corte metodológico na apreensão do processo de

conhecimento. Na medida em que não pretendemos tratá-lo como objeto autônomo de

investigação, limitar-nos-emos a explicar o papel desempenhado pela linguagem

dentro da operação cognitiva, mostrando em que medida a linguagem, enquanto

manifestação cultural, influencia a teoria do conhecimento.

Originalmente, a teoria do conhecimento centrava-se no estudo da relação

entre sujeito e objeto, assim como considerava o conhecimento como o próprio objeto.

Posteriormente, com a filosofia da consciência, afirmava-se que as coisas tinham

existência empírica. Nessa teoria, podemos destacar o pensamento de Kant1, que

asseverava que o próprio dado real é fruto da manifestação do pensamento, ou seja, o

objeto é construído pelo homem por meio das categorias do conhecimento a partir das

sensações, ou mundo pré-categorial. Em outras palavras, o limite do conhecimento era

imposto pelo pensamento e pela experiência, de modo que a linguagem aparecia

nesses dois instantes. A linguagem era o instrumento que ligava o sujeito ao objeto de

conhecimento.

1 Crítica da razão pura. 1987.

Page 17: Andreia Fogaca Maricato

17

Após Kant, surgiu uma nova corrente filosófica conhecida como giro

linguístico, que rompeu a tradicional forma de conceber a realização entre linguagem e

conhecimento, compreendendo a linguagem como edificadora do próprio mundo

circundante. Nesse momento, a teoria de Kant apresentou-se parcialmente prejudicada,

pois a linguagem deixou de ser um meio entre o ser cognoscente e a realidade,

convertendo-se em léxico capaz de criar tanto um quanto o outro. O conhecimento não

aparece como relação entre sujeito e objeto, mas como relação entre linguagens, entre

significações. Aqui, a linguagem ganhou um novo sentido, não aparecendo mais como

um meio, mas como algo que estaria entre o eu e o objeto, capaz de criar tanto o eu

quanto a realidade. O marco inicial dessa teoria foi a obra de Wittgenstein2 Tractatus

Lógico-Philosophicus, com o trecho muito conhecido “os limites do meu mundo

significam os limites da minha linguagem”. A partir daí, a linguagem passou a ser

vista como algo independente do mundo da experiência e foi mais além, ao afirmar

que não só o objeto do conhecimento será arquitetado pelo intelecto humano mediante

linguagem, mas também o será o próprio sujeito cognoscente, que só existirá nos

quadrantes da linguagem. Se assim é, podemos afirmar que o próprio processo de

conhecimento é uma relação entre linguagens.3 Se tudo é linguagem, nada existindo

fora desses limites, não só o objeto, mas também o próprio ser cognoscente, bem como

o próprio processo de conhecimento e, finalmente, a própria realidade, só seriam

apreendidos enquanto sentido e cultura, se construídos pelo homem.

Avançando um pouco no raciocínio, podemos afirmar que conhecemos um

objeto quando sabemos distinguir entre as proposições verdadeiras ou falsas que o

descrevem, porque o objeto que conhecemos não é a coisa em si, mas as proposições

que o descrevem. Assim, adotamos o posicionamento de que o mundo exterior só

existirá para o sujeito cognoscente se houver uma linguagem que o constitua. Deste

modo, a relação da linguagem com o mundo é que aquela é o único meio de

compreender a realidade, uma vez que os signos se autossustentam, mantendo uma

2 Paulo de Barros CARVALHO. Apostila de filosofia do direito I – Lógica Jurídica. 2007, p. 5. 3 Tárek MOUSSALLEM. As fontes do direito tributário. 2006, p. 24.

Page 18: Andreia Fogaca Maricato

18

independência em face dos objetos que eles representam. Sendo o conhecimento

produzido pelo homem, está condicionado ao contexto em que se opera, ou seja,

depende do meio social, do tempo histórico e até da vivência do sujeito cognoscente.

A relação do ser cognoscente com o objeto cognoscível só ganha

importância a partir do momento em que aceitamos a imprescindibilidade da

manifestação em linguagem. A realidade apreendida é fruto do próprio pensamento do

homem. Assim, quando o ser se aproxima do objeto com fins epistemológicos, em

verdade, está-se relacionando com uma linguagem desse objeto. Ou melhor, é com a

ideia, utilizando a terminologia husserliana, que o homem irá conhecer4.

Segundo as palavras de Miguel Reale5, “conhecer é trazer para o sujeito

algo que se põe como objeto, não toda a realidade em si mesma, mas a sua

representação ou imagem, tal como o sujeito a constrói, e na medida das formas de

apreensão do sujeito correspondente às peculiaridades objetivas”.

Tem-se o conhecimento quando se apreende (“saber de”) e compreende

(“saber como” e “saber que”) o objeto, ou seja, segundo Leônidas Hegenber6, o “saber

de” é caracterizado pelo ajuste que o ser humano faz no mundo, ou seja, o ser humano

transforma a circunstância em mundo, quando dá sentido às coisas que o cercam,

interpretando-as. Passa a saber das coisas que o rodeia, sendo por isto que o “saber de”

varia no tempo e no espaço.

Usando o “saber de”, cada pessoa pode ajustar-se a seu mundo e nele pode

viver. Em consequência do “saber de”, um mesmo fato pode ser interpretado

4 Tárek MOUSSALLEM. As fontes do direito tributário. 2006, p. 26. 5 Introdução à filosofia. 1994, p. 74. 6 Saber de e saber que: alicerceres da racionalidade. 2001, p. 7.

Page 19: Andreia Fogaca Maricato

19

diferentemente pelos julgadores, dependendo do “saber de” do domínio de cada

julgador.

O “saber como” leva-nos a executar numerosos atos de crescente

complexidade, utilizando sempre a expressão “se, ......então”. E também varia no

espaço e no tempo.

Já o “saber que” está ligado ao termo “conhecimento”. Utilizando sempre a

expressão “sei que, porque....”, alcançamos o conhecimento em função da inferência.

Esses três tipos de conhecimento andam juntos. À medida que entramos em

contato com novos objetos, antes desconhecidos, aumentamos o “saber de”. Com o

contato com as coisas em função de alguma ação a executar, chegamos ao “saber

como”. Com o uso de capacidades de que fomos dotados (pensar, raciocinar, inferir) e

com o auxilio da lógica, chegamos ao “saber como” e atingimos o conhecimento que

nos leva à sabedoria.

Firmada essa premissa – que o conhecimento se opera mediante construção

linguística –, podemos afirmar que não existe fato antes da interpretação. É mediante

interpretações, construções de sentido e significações que o homem chega aos eventos,

aos acontecimentos do mundo circundante, sendo imprescindível a existência de um

corpo linguístico para fazer a conexão entre o homem e a realidade. Todavia, isto não

significa que inexiste qualquer objeto físico quando não houver linguagem. O que

estamos falando é que só teremos acesso às coisas que existem no mundo por meio da

linguagem. Como leciona Paulo de Barros Carvalho, “conheço determinado objeto na

medida em que posso expedir enunciado sobre ele, de tal arte que o conhecimento se

apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou indicativas”7. O

conhecimento pressupõe a existência de linguagem, cria ou constitui a realidade sendo

7 Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 110.

Page 20: Andreia Fogaca Maricato

20

impossível conhecer as coisas como elas se apresentam fisicamente, fora dos discursos

a que elas se referem.

Por isto, o mundo não é um conjunto de coisas que primeiro se apresentam

e, depois, são nomeadas ou representadas por uma linguagem. Isso que chamamos de

mundo nada mais é que uma interpretação, sem a qual nada faria sentido.8

1.2.1. Interpretação do direito – processo gerador de sentido

Adotada a posição de que o conhecimento se opera mediante construção

linguística, temos que a linguagem não só fala do objeto (Ciência do Direito –

metalinguagem), como participa de sua constituição (direito positivo – linguagem-

objeto). Assim, não há manifestação do direito sem uma linguagem, idiomática ou não,

que lhe sirva de veículo de expressão, aqui tomado na sua acepção normativa, como

conjunto de normas jurídicas válidas vigentes num sistema, em um determinado

momento histórico.

A isto, acrescentamos que a linguagem, típica realização do espírito

humano, é sempre objeto do mundo cultural e, como tal, carrega consigo valores. Por

isso mesmo, o direito positivo se apresenta aos nossos olhos como um objeto cultural

por excelência, plasmado numa linguagem que porta, necessariamente, conteúdos

axiológicos. Agora, esse “oferecer-se” em linguagem significa dizer que a linguagem

aparece na amplitude de um texto, fincado este num determinado corpus que nos

permite construir o discurso, aqui utilizando tal palavra como sentido de plano a ser

percorrido no processo gerativo de sentido.

8 Fabiana Del Padre TOMÉ. A prova no direito tributário. 2005, p. 5.

Page 21: Andreia Fogaca Maricato

21

Trabalharemos a palavra “texto” em uma acepção mais ampla, como um

objeto de significação e um objeto cultural de comunicação entre sujeitos. Seguimos o

entendimento de Paulo de Barros Carvalho9, o qual afirma que, “todo texto tem um

plano de expressão, de natureza material, e um plano de conteúdo, por onde ingressa a

subjetividade do agente, para compor as significações da mensagem”. O dado material

da linguagem ou corpus é o suporte para a construção do discurso ou sentido da

linguagem. O vocábulo “discurso” deve ser aqui entendido como sinônimo de ‘plano

de conteúdo’, dimensão “por onde ingressa a subjetividade do agente, para compor as

significações da mensagem”.10 Como só conhecemos o direito por meio da linguagem,

compreendendo-o, interpretando-o e construindo-lhe o conteúdo, sentido e alcance da

comunicação legislada, é por intermédio do discurso ou da interpretação dos textos

que construímos a norma jurídica, entendida como um “juízo implicacional produzido

pelo intérprete em função da experiência no trato com esses suportes

comunicacionais”.11

A linguagem oferece-nos três planos para entendermos o sentido do texto,

dentro de certo contexto. O processo de produção de sentido do texto (suporte físico)

começa com a etapa da literalidade ou expressão, ou nível fundamental, que

compreende o conjunto de letras, palavras, frases, periódicos e parágrafos

graficamente manifestados nos documentos concretos, postos intersubjetivamente

entre os integrantes da comunidade do discurso. A partir do momento em que o

intérprete começa a edificar uma construção do sentido da palavra, ele ingressa no

plano do conteúdo. Após isso, ele finalmente chega ao terceiro plano da linguagem,

que consiste na contextualização das significações obtidas no curso desse processo. O

discurso construído isoladamente, até esse momento, passa a ser compreendido em

consonância com as demais significações, formando um todo de sentido completo. Tal

construção de sentido pode ser aplicada no campo da dogmática jurídica, na

construção das normas jurídicas em sentido estrito, conforme veremos. Antes, porém,

9 Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 186. 10 Idem, p. 187. 11 Idem, p. 162.

Page 22: Andreia Fogaca Maricato

22

é necessário fixarmos alguns conceitos e distinções, ainda que perfunctórios, como

enunciação, enunciado, proposições e norma jurídica.

O vocábulo enunciação pode ser entendido como ato produtor de

enunciado, como diz José Luiz Fiorin12. Como a enunciação é o processo de produção

normativa, o seu conhecimento só se realiza por intermédio de sua reconstrução, a

partir das marcas presentes na enunciação enunciada e no enunciado. A enunciação

enunciada é compreendida como o conjunto de marcas identificáveis no texto, que

remetem a instâncias de enunciação. São as marcas de pessoa, espaço e tempo de

enunciação, projetadas no enunciado13. Não se confundem com o enunciado-

enunciado. O texto-objeto seria, então, formado por esses dois conjuntos.

O enunciado “é o produto da atividade psicofísica e enunciação” 14. É um

signo15, pois se apresenta por meio de um suporte físico, que se liga a um significado

ou objeto da realidade, fazendo surgir em nossa mente uma significação. Tanto o

enunciado como o texto, pertencem ao plano da literalidade como plataforma dos

conteúdos. Todo enunciado pressupõe uma enunciação.

Transportando para o direito, podemos concluir que o próprio direito

positivo se expressa por meio de enunciados (suporte físico), sobre o qual o homem,

buscará o seu sentido, na busca da construção da proposição, que, por sua vez,

significa conteúdo significativo do enunciado, ou seja, a construção mental do sentido

do enunciado; em outras palavras, é a proposição que dá forma à norma jurídica.

12 As astúcias da enunciação – as categorias de pessoa, espaço e tempo. 1996, p. 30. 13 Tárek Moysés MOUSSALEM. Fonte do direito tributário, in Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. 2006, p. 107. 14 Paulo de Barros CARVALHO. Apostila de filosofia do direito I: lógica jurídica. 2007, p. 56. 15 Eurico Marcos Diniz SANTI. Lançamento tributário. 2001, p. 30.

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23

Por fim, norma jurídica “é uma estrutura categorial construída,

epistemologicamente, pelo intérprete, a partir das significações que a leitura do texto

do direito positivo desperta em seu espírito”16. É por isso que, quase sempre, as

normas jurídicas não coincidem com os sentidos imediatos dos enunciados

prescritivos. Há diferença entre normas jurídicas em sentido estrito e enunciados

jurídicos, por representarem realidades distintas, que não podem ser confundidas. Os

enunciados prescritivos são os textos legais, um agregado de símbolos idiomáticos a

partir dos quais poderão ser construídos os sentidos jurídicos. Já as normas jurídicas

em sentido estrito estão estruturadas por juízos condicionais, sendo por intermédio do

percurso gerativo de sentido que se alcançam as normas jurídicas em sentido estrito.

Faremos um breve resumo do trajeto de elaboração de sentido na

construção da norma jurídica em sentido estrito. Aplicando os três planos da

linguagem ao direito, teremos, inicialmente, o plano dos significantes ou conjunto de

enunciados, tomado no plano da expressão ou no sistema S1, onde está o suporte físico

dos enunciados prescritivos. Esse sistema marca o início do percurso da interpretação,

ou seja, são as primeiras modificações introduzidas no sistema. Em seguida, inicia o

interprete a trajetória de conteúdo, no sistema S2, conhecido como o conjunto de

conteúdos de significação dos enunciados prescritivos. Aqui, o interprete junta os

enunciados prescritivos e começa a entendê-los individualmente, formando

proposições. Ao terminar a movimentação por este subsistema, o interessado terá

diante de si um conjunto respeitável de enunciados, cujas significações já foram

produzidos e permanecem à espera das novas junções que ocorrerão no outro

subdomínio.17 Neste ponto, o intérprete entra no sistema S3, chamado de domínio das

significações normativas, já conhece vários enunciados prescritivos e consegue com

este agrupamento de enunciados prescrever a hipótese jurídica e sua consequência.

16 Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 131. 17 Paulo de Barros CARVALHO. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 76.

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24

Sempre que necessário, o intérprete poderá voltar aos dois subdomínios S1

e S2, não saindo do percurso gerativo de sentido. A interpretação não é o produto e,

sim, o processo que se inicia no S1 e vai até o S3. Somente no domínio das

significações normativas é que as normas jurídicas aparecem como unidades mínimas

e irredutíveis do deôntico completo, estruturadas sempre a partir de juízos

condicionais, em que as suas variáveis são ligadas pelo dever-ser ou pelo princípio da

implicação. Para finalizar, o intérprete utiliza o plano de organização do sistema - o

S4, no qual se organizam as normas numa estrutura escalonada de coordenação e

subordinação entre as unidades construídas. “Em linguagem de razões e proporções,

poderíamos dizer que S4:S3::S3:S2 (S4 está para S3, assim como S3 está para S2)”18.

Em S3 o intérprete constrói as normas jurídicas, para em S4 fazer o arranjo

final montando as normas jurídicas em ordem hierárquica dentro do sistema.

O processo de positivação do direito inicia com o texto de lei e avança,

gradativamente, em direção aos comportamentos inter-humanos para discipliná-los e

tornar possível a vida em sociedade. Não podemos esquecer que a positivação do

direito só ocorrerá com a linguagem competente, por meio da linguagem das provas.

1.2. Sistema Jurídico

Sistema jurídico é uma expressão ambígua, assim como a maior parte dos

vocábulos, podendo ser empregada para se referir a diversos significados que, em

alguns contextos, podem provocar a falácia do equívoco.

Geraldo Ataliba19 define sistema como o conjunto unitário e ordenado de

elementos, em função de princípios coerentes e harmônicos. E, sistema normativo

18 Paulo de Barros CARVALHO. Fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 81. 19 Sistema constitucional tributário brasileiro. 1968, p. 3.

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25

como o conjunto ordenado e sistemático de normas, construído de acordo com os

princípios coerentes e harmônicos, em função dos objetivos socialmente consagrados

(em torno de um fundamento comum). Assim, as Constituições formam um sistema.

Seguindo o mesmo entendimento, José Artur Lima Gonçalves20 define sistema como

um “conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos reunidos em torno de um

conceito fundamental ou aglutinante”.

Para Paulo de Barros Carvalho21, o sistema aparece como o objeto formado

de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição

de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos

relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a

noção fundamental de sistema.

Assim, podemos designar como sistema tanto a Ciência do Direito, quanto

o direito positivo (ordenamento)22.

Portanto, segundo o entendimento dos autores, é possível ver a ordem

jurídica brasileira como um sistema de normas, concebido pelo homem para motivar e

alterar a conduta no seio da sociedade. As normas jurídicas formam um sistema, na

medida em que se relacionam de várias maneiras, segundo um princípio unificador.

Esse sistema apresenta-se composto por subsistemas que se entrecruzam em múltiplas

direções, mas que se afunilam na busca do fundamento último de validade semântica

que é a Constituição. E esta, por sua vez, constitui também subsistema, sobre todos os

20 Imposto sobre a renda – pressupostos constitucionais. 2002, p. 40. 21 Parecer à Associação Brasileira de Franchising. 2004, p. 06. 22 Todavia, há quem discorde deste entendimento, por ter dúvidas no que concerne à amplitude significativa da locução, não faltando inclusive aqueles que negam a possibilidade de o direito positivo apresentar-se como sistema. Já a Ciência do Direito, sim, organizando descritivamente o material colhido do direito positivo, atingiria o nível de sistema. Contudo, este não é o nosso entendimento. Enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a região material das condutas interpessoais, o direito positivo há de ter um mínimo de racionalidade para ser compreendido pelos sujeitos destinatários, circunstância esta que lhe garante a condição de sistema.

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26

demais, em virtude de sua privilegiada posição hierárquica, pois ocupa o tópico

superior do ordenamento e hospeda as diretrizes substanciais que regem a totalidade da

ordem jurídica nacional.

O sistema constitucional informa a organização do Estado, pois sua ordem

jurídica apresenta normas dispostas numa estrutura hierarquizada, regida pela

fundamentação ou derivação, que se opera tanto no aspecto material quanto no formal

ou processual, o que lhe imprime possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua

criação e seus modos de transformação. Se examinarmos o sistema constitucional de

baixo para cima, veremos que cada unidade normativa encontra-se fundada, material e

formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o prisma de observação, verifica-se

que das regras superiores derivam, material e formalmente, regras de menor

hierarquia. Todas as legislações devem estar em harmonia com o sistema

constitucional.

Deste modo, a ordem brasileira é composta por subsistemas que se

entrecruzam em múltiplas direções, na busca de seu fundamento último de validade: a

Constituição Federal do Brasil. A Constituição constitui também um subsistema, que

por estar no ápice da pirâmide, rege todo o sistema nacional. Possui a categoria de

rígida, ou seja, para que haja alteração, existe um procedimento mais complexo e

solene do que o exigido para a elaboração das leis ordinárias. Na Constituição, há

quatro complexos normativos: o sistema nacional, o sistema federal, os sistemas

estaduais e os sistemas municipais, os quais formam a Federação (art. 1º da CF).

Analisaremos o subconjunto ou subsistema constitucional tributário, formado pelo

quadro orgânico das normas que versam sobre matérias tributárias.

Tal subsistema realiza a função do todo, dispondo sobre os poderes capitais

do Estado, no campo da tributação, ou seja, trata da segurança das relações jurídicas

que se estabelecem entre administração e administrado, etc., tendo em vista que a

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27

Constituição do Brasil traz detalhadamente aspectos para o sistema constitucional

tributário. As imposições tributárias no Brasil acham-se sob o influxo de muitos

princípios constitucionais, que vão dos princípios genéricos – que obviamente atuam

em todas as áreas – aos específicos – que dispõem sobre os tributos.

Explica Roque Antônio Carrazza23 que no Brasil as normas tributárias são

corolários dos princípios fundamentais consagrados na lei maior, a saber: certeza do

direito, república, federação, autonomia municipal, igualdade, anterioridade,

legalidade e segurança jurídica. Deste modo, a observância desses princípios maiores é

conditio sine qua non para a criação de tributos, pelas pessoas políticas, que por eles

devem direcionar irresistivelmente o teor das leis tributárias e seus modos de

aplicação. Assim, os princípios constitucionais ditos tributários revelam-se, na

verdade, simples desdobramentos lógicos dos princípios constitucionais gerais,

aplicados especificamente à matéria tributária.

1.3. Norma jurídica dos deveres instrumentais

1.3.1 Notas introdutórias

Conforme salientamos, o direito é um objeto cultural, pois é construído pelo

homem por meio da atribuição de valores à linguagem do dado natural, do que resulta

noutro corpo linguístico que se projeta no mundo do ser. Este mesmo raciocínio pode

ser aplicado à norma jurídica, por se referir ao sentido que obtemos a partir da leitura

dos textos do direito positivo. Por estar expressa em uma linguagem, sendo

direcionada para ter um certo sentido, asseveramos que a norma jurídica é cultura

formal, que exprime um conteúdo também cultural de expressão24.

23 Curso de direito constitucional tributário. 2008, p. 49. 24 Lourival VILANOVA. Sobre o conceito do direito. 1947, p. 79.

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28

A figura da norma jurídica não representa só o ponto de partida, mas a base

do estudo dos deveres instrumentais, porque qualquer conhecimento que recaia sobre o

fenômeno jurídico prescinde da análise da linguagem prescritiva das normas jurídicas.

1.3.2 Definição

Definir, segundo Agustín Gordillo25, significa apontar notas conceituais

sobre um determinado objeto. Assim, a definição visa a explicitar o conceito, pela

redução ainda maior, sendo esse corte metodológico efetivado quando da definição de

um certo conceito arbitrário, que depende unicamente dos valores do sujeito

cognoscente.

Por ser a norma jurídica uma expressão ambígua, adotaremos o

entendimento de norma jurídica como juízo hipotético (porque está na mente do

interprete) condicional (hipótese, consequência e uma implicação). É o resultado da

interpretação do produto legislado, é a ideia que a leitura do texto legal transmite ao

nosso intelecto.

Paulo de Barros Carvalho26, assinala que:

Norma jurídica é uma estrutura categorial, construída epistemologicamente, pelo intérprete, a partir das significações que a leitura dos documentos do direito positivo desperta em seu espírito. É por isto, que, quase sempre, não coincidem com os sentidos imediatos dos enunciados em que o legislador distribui a matéria no corpo físico da lei. Provém daí que, na maioria das vezes, a leitura de um único artigo será suficiente para a compreensão da regra jurídica. E, quando isto acontecer, o exegeta vê-se na contingência de

25 Tratado de derecho administrativo,tomo I, parte geral. 1997, p. 14-5. 26 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 69.

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29

consultar outros preceitos do mesmo diploma e, até, a sair dele, fazendo incursões pelo sistema.

A norma jurídica é, conforme exposto, o resultado da interpretação do

produto legislado, cumprindo sempre enfatizar a distinção entre a norma jurídica e o

texto legal que a veicula. A norma jurídica se estrutura por meio de uma proposição,

que deve ser entendida na forma de estrutura lógica implicacional, contendo sempre

uma hipótese vinculada a uma consequência. Conforme ensina Lourival Vilanova27 –

“é uma estrutura lógico-sintática de significação: a norma conceptua fatos, e condutas

representam-no não como desenho intuitivo, imagem reprodutiva (que somente pode

ser do concreto – há normas abstratas) de fatos-eventos e fatos-condutas. Representa-

os como significações objetivas – endereçadas ao objetivo, confirmáveis ou não nas

espécies de eficácia ou ineficácia por parte das situações objetivas”.

Definida norma jurídica, adentraremos sua estrutura formal.

1.3.3 Estrutura lógica das normas jurídicas

Para conseguirmos alcançar a estrutura lógica das normas jurídicas,

abstraindo todo conteúdo semântico da referida linguagem, adotaremos a metodologia

da Lógica Deôntica. No entanto, a estrutura lógica só é alcançada mediante a

formalização da linguagem. Neste sentido dispõe Lourival Vilanova28,

A linguagem formalizada da lógica, como linguagem, tem seu vocabulário – os símbolos de constantes e os símbolos de variáveis – e as regras que estabelecem como construir estruturas formais adotadas não de sentido empírico, ou significações determinadas, mas dotadas de sentido sintático, regras que evitam o sem-sentido sintático (exemplificando “o sol é um se então”), e impedem o contrassentido meramente analítico (A é não-A). E mais, as regras de transformação de uma estrutura formal em outra estrutura,

27 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 16. 28 Idem, p. 56.

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30

com que se faz a linguagem lógica um sistema nomológico, ou seja, um sistema cujo desenvolvimento obedece à derivação dedutiva de proposições básicas situadas no interior do sistema. Diferindo, pois, de um sistema empírico, com sua linguagem material, sempre aberta ao acrescentamento de enunciados fundados na experiência, que é infinita no sentido kantiano.

A estrutura lógica inerente às normas jurídica consiste numa proposição e

no condicionamento das condutas intersubjetivas, representados por um enunciado

complexo, composto de dois enunciados componentes que se ligam por meio do

conectivo “se...então...”.

Entre a hipótese legal e a consequência jurídica, existe uma causalidade

baseada, não na ordem da natureza, mas na vontade da lei. Lourival Vilanova29 explica

essa diferença entre causalidade natural e causalidade jurídica neste exemplo: “uma

tormenta em alto-mar, que não atinja coisa (um navio) ou pessoa, é fato natural

juridicamente irrelevante sem nenhuma consequência jurídica. Mas se esta tormenta

atinge um navio de carga e pessoas, e o fato foi tido, em contrato de seguro, como

sinistro, como evento futuro e incerto, a mesma tormenta reveste-se da qualidade de

fato jurídico, trazendo consequências, como a indenização de vidas e cargas pelo

segurado. Não fosse a previsão normativa, inexistiria o contrato de seguro para elevar

o sinistro ao nível de fato jurídico, permaneceria um fato natural”. Tanto a causalidade

natural como a causalidade jurídica têm uma relação de implicação, porém, o nexo

causal natural é ‘se A então é B’; enquanto o nexo normativo, ‘se A então deve ser B’.

Chega-se, assim, ao “dever-ser”, sincategorema – para utilizarmos a

terminologia da lógica clássica – da estrutura lógica das normas jurídicas. A ligação

entre a hipótese e a tese é feita por esse operador de caráter relacional, que se mantém

constante em todas essas formas lógicas normativas.

29 Causalidade e Relação no Direito. 2000, p. 83

Page 31: Andreia Fogaca Maricato

31

A norma jurídica, conforme definido acima, como a significação

estruturada construída a partir da interpretação dos enunciados prescritivos, é dividida

em norma jurídica em sentido amplo, norma jurídica em sentido estrito e norma

jurídica completa. Diz-se norma jurídica em sentido amplo para aludir aos conteúdos

significativos das frases do direito, ou seja, a norma jurídica constitui-se de enunciados

prescritivos, não enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como

significações que seriam constituídas pelo interprete30.

Por norma jurídica em sentido estrito entende-se a unidade mínima e

irredutível de significação completa do deôntico. Devemos estruturá-la a partir de um

juízo condicional, relacionado pelo dever-ser. O antecedente ou hipótese desse juízo

condicional consiste numa proposição descritiva de um evento de possível ocorrência,

que, vinculada ao consequente, mediante a implicação (dever-ser), estabelece a relação

jurídica entre sujeitos de direito. É aqui que encontramos um segundo dever-ser ou

dever-ser intraproposicional, que se apresenta tripartido nos modais obrigatório,

proibido e permitido.

Agora, falar-se em norma jurídica completa significa referir-se à junção da

norma primária e secundária. Para Lourival Vilanova31, as normas primárias são

aquelas que estatuem relações deônticas direitos/deveres como consequência da

verificação de pressupostos fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou

situações já juridicamente qualificadas, enquanto as normas secundárias são aquelas

que preceituam as consequências sancionadoras, pressupondo o não cumprimento do

estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida.

Desta forma, a norma jurídica completa é a junção da norma primária com a

secundária, formando uma mensagem completa, que “expressa a mensagem deôntico-

30 Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 128. 31 Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 105.

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32

jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta,

justamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para o seu

descumprimento”32. Deste modo, temos que a estrutura da norma jurídica tributária é

composta: a) pela norma primária, que tem como elemento uma hipótese tributária que

descreve um fato de possível ocorrência e sua consequência que é a materialização do

fato, nascendo uma relação jurídica tributária (sujeito ativo e sujeito passivo); e b) por

uma norma secundária que prescreve qual a providência sancionatória a ser tomada,

aplicada pelo Estado-juiz, fazendo nascer relação jurídica processual.

Utilizando a linguagem formal da lógica deôntica, chega-se à seguinte

forma simbólica: Norma primária: Se p, então deve ser q; Norma secundária: Se não-q,

então deve ser y.

Em nosso trabalho, dissemos que as normas jurídicas em sentido estrito não

se confundem com os enunciados prescritivos ou normas jurídicas em sentido amplo.

Utilizaremos o rótulo de norma jurídica para nos referirmos à norma jurídica em

sentido estrito. E, quando desejarmos nos referir ao suporte físico e ao sentido isolado

dos enunciados linguísticos do direito positivo, denominá-los-emos como enunciados

prescritivos, ou normas jurídicas em sentido amplo.

1.3.4 Norma de estrutura e norma de comportamento

As normas que compõem o ordenamento jurídico podem ser classificadas

em duas espécies: as normas de conduta e as de estrutura.

32 Direito tributário, linguagem e método.2008, p. 139.

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33

As normas de conduta ou comportamento estão diretamente voltadas para a

conduta das pessoas, nas relações de intersubjetividade. Sua função é a de regular

diretamente as condutas dos jurisdicionados, mediante a modalização do dever-ser em

obrigatório, proibido e permitido. Têm como fundamento de validade as normas de

estrutura ou produção normativa e, deste modo, encontram-se em níveis mais baixos

da pirâmide normativa. Isso se justifica se pensarmos no processo de aplicação das

normas de estrutura, que resultam na criação de normas de comportamento.

É pelo ato de aplicação das normas jurídicas de comportamento que se

alcança a individualização e a concreção do direito, sendo este o único caminho para a

instauração de relações jurídicas, direito subjetivo e deveres jurídicos voltados para os

jurisdicionados.

Já as normas de estrutura ou organização ou produção normativa estão

ligadas às condutas interpessoais, porém, têm como objeto os comportamentos

relacionados à produção de novas normas. Dispõem sobre órgãos, procedimentos e

modo como as regras devem ser criadas, transformadas ou expulsas do sistema.

Alguns exemplos desse preceito normativo são as normas que conferem aos órgãos

legislativos competência para a instituição de tributos; as que impõem limites na

atuação estatal; bem como aquelas que determinam certo procedimento.

Desta forma, são normas de conduta, entre outras, as regras matrizes de

incidência tributária e todas aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres

instrumentais ou formais, enquanto as de estrutura são aquelas que outorgam

competência, isenções, procedimentos administrativos e judiciais.

Page 34: Andreia Fogaca Maricato

34

1.3.5 Norma geral, abstrata, individual e concreta

As normas jurídicas também podem ser classificadas de acordo com a

forma que apresentam seus conteúdos significativos. Os conteúdos significativos de

uma norma podem ser: abstrato, concreto, geral e individual. O abstrato e concreto são

qualificativos do antecedente normativo, enquanto o geral e individual são do

consequente. Assim, por ser a estrutura da norma jurídica uma estrutura hipotético-

condicional, as possíveis combinações classificatórias são: i) normas gerais e abstratas

(ex.: lei que institui um tributo) ; ii) normas individuais e abstratas (ex.: os regimes

especiais – parcelamento); iii) normas gerais e concretas (ex.: veículos introdutores de

normas), e iv) individuais e concretas (ex.: sentença determinando que João pague

pensão alimentícia a Maria).

A norma é ‘abstrata’ quando o antecedente normativo contém uma classe de

acontecimentos futuros, incertos e de possível ocorrência, ou seja, contém critérios de

identificação do fato jurídico (ex.: industrializar produtos). É ‘concreta’ quando o

conteúdo semântico do antecedente normativo representa a classe de um

acontecimento passado, devidamente identificado no tempo e no espaço, ou seja, o

fato jurídico (ex.: realizou a operação de industrializar produtos). É ‘geral’ quando o

consequente contém critérios identificadores de uma futura relação jurídica, a

prescrição é genérica e dirigida a todos (ex.: deve pagar tributo). E, por fim, uma

norma é ‘individual’ quando o conteúdo significativo do consequente se dirigir

especificamente a uma pessoa, estabelecendo uma relação jurídica (ex.: Maria dever

pagar 100 reais ao Estado de São Paulo).

Page 35: Andreia Fogaca Maricato

35

1.3.6 Norma primária e secundária

Sendo a norma jurídica juízo hipotético condicional, será completa quando

composta pela norma primária e a norma secundária.

Para Hans Kelsen33, as normas primárias são aquelas que estipulam sanções

diante de uma possível ilicitude, e as secundárias são as que prescrevem a conduta

lícita, sendo consideradas somente como conceitos auxiliares do conhecimento

jurídico34.

Para Hart35, as normas primárias são aquelas que dizem respeito às ações

que os indivíduos devem ou não fazer, enquanto as secundárias especificam os modos

pelos quais as regras primárias podem ser determinadas de forma concludente, ou ser

criadas, eliminadas ou alteradas, bem como o fato de que a respectiva violação seja

determinada de forma indubitável.

Ficamos com o entendimento de Lourival Vilanova36, que diz serem as

normas primárias aquelas que estatuem relações deônticas direitos/deveres, como

consequência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de

situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas. Enquanto normas

secundárias são aquelas em que se preceituam as consequências sancionadoras no

pressuposto do não cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta

juridicamente devida.

33 Teoria pura do direito. 2006, p. 4 ss. 34 Discute-se muito que ao retomar este assunto, no Capítulo 35 da Teoria Geral das Normas (1986, P. 188 e ss.), Kelsen, após enfatizar a distinção entre "norma que prescreve uma conduta determinada" e "norma que prescreve uma sanção", retifica a qualificação que havia proposto, de sorte a denominar "norma primária" a que estabelece a conduta, e "norma secundária" a prescrevedora da sanção, mesmo porque a primeira pode existir desatrelada da segunda. 35 El Concepto de Derecho. 1995. 36 Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 105.

Page 36: Andreia Fogaca Maricato

36

Desta forma, a norma jurídica completa é a junção da norma primária com a

secundária, formando uma mensagem completa, que, juntas, “expressam a mensagem

deôntico-jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta,

justamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para o seu

descumprimento37.

A norma primária veicula deonticamente a ocorrência de dado fato a uma

prescrição (relação jurídica), ou seja, ela prescreve um dever que, se e quando

acontecer o fato previsto no suposto. A norma secundária conecta-se sintaticamente à

primeira, prescrevendo: se se verificar o fato da não ocorrência da prescrição da norma

primaria, então, dever ser uma relação jurídica que assegure o cumprimento daquela

primeira, ou seja, dada a não observância de uma prescrição jurídica, deve ser aplicada

a sanção. A norma secundária prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo

Estado – juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária.

Eurico Marcos Diniz de Santi38 confirma que “a norma é jurídica porque se

sujeita a sanção”, e explica bem a norma jurídica completa, em uma linguagem

formalizada, representada na seguinte estrutura:

NJ H – C - C – S - C v – S Rj Processual

Dispositiva Sancionadora Processual

Norma primária Norma secundária

Onde,

Nj: norma jurídica

H: hipótese tributária

C: consequente tributário 37 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 137-39. 38 Eurico Marco Diniz de SANTI. Lançamento tributário. 2001, p. 41.

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37

S: sanção

“-”: conectivo negador

“→”: conectivo implicacional

Rj: relação jurídica

As formas lógicas são estruturas compostas por variáveis e consoantes.

Estas, sincategoremas, são invariantes operacionais que articulam internamente a

fórmula proposicional ou functores de inter-relacionamento proposicional; as variáveis

são categoremas, variáveis de objeto, de significados ou de sujeitos. Assim, os

functores “-”, “→”, são sincategoremas, enquanto “H”, “C”, “S”, são categoremas39.

A norma primária dispositiva tipifica em sua hipótese a descrição de um ato

ou fato lícito. A norma primária sancionadora prescreve o não cumprimento de

deveres ou obrigações e a norma secundária estabelece a sanção mediante o exercício

da coação estatal.

Enquanto as normas primárias são oriundas do direito material, civil,

comercial, administrativo, tributário, etc., as normas secundárias, são oriundas do

direito processual positivo. O seu não cumprimento acarretará uma sanção, entendida

esta como pretensão de exigir coercitivamente perante órgão estatal a efetivação do

dever estatuído no prescritor da norma primária.

39 Lourival VILANOVA. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 30.

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38

1.4. A fenomenologia da incidência tributária nos deveres

instrumentais

Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho40, a “fenomenologia da

incidência normativa opera, pois, com a descrição de um acontecimento do mundo

físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e de tempo, que guarda

estreita consonância com os critérios estabelecidos na hipótese da norma geral e

abstrata (regra matriz de incidência)”.

Vê-se que a incidência é uma operação lógica entre dois conceitos

conotativos (da norma geral e abstrata) e denotativos (da norma individual e concreta),

é a relação entre o conceito da hipótese e o conceito do fato de uma dada pessoa

cumprir no tempo histórico e no espaço de convívio social o que estava descrito na

hipótese. Utiliza-se também a palavra subsunção para fazer referência a esse processo

do enquadramento do fato na amplitude da norma. Para que ocorra a incidência, é

necessário que haja uma norma jurídica válida (sinônimo de existência) e vigente, e a

realização do evento juridicamente vertido em linguagem que o sistema indique como

própria e adequada41.

É imprescindível o perfeito enquadramento do fato à previsão normativa

para que ocorra o processo de positivação. Geraldo Ataliba42 compara o fenômeno da

incidência a uma descarga elétrica sobre uma barra de ferro e explica que, recebendo a

descarga elétrica, a barra passa a ter força de atrair metais. Substancialmente, a barra

persistirá, sendo de ferro. Por força, entretanto, da descarga, adquirirá a propriedade de

ser apta a produzir esse específico efeito de ímã. Para ele, a incidência é a descarga

elétrica.

40 Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 142. 41 Paulo de Barros CARVALHO. Parecer: Isenção tributárias do IPI, em face do princípio da não cumulatividade. RDT nº 33, 1998, p. 145. 42 Hipótese de incidência tributária. 2004, p. 45.

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39

Não concordamos com o entendimento acima exposto, porque entendemos

a incidência como subsunção mais implicação, ou seja, o processo de positivação deve

ser constituído mediante a aplicação do direito, segundo a linguagem das provas,

certificando a veracidade do enunciado subsumido43, que se consubstancia no trabalho

de relatar os eventos do mundo real-social e as relações jurídicas. Trata-se do aspecto

dinâmico do direito (contínuo processo de reprodução), em que o homem aparece com

seus valores éticos e seus ideais políticos, sociais e religiosos. Aplicar o direito é dar

seguimento ao processo de positivação, ou seja, quando alguém com base no

ordenamento jurídico faz incidir a norma ao caso concreto, constituindo a norma

individual.

Por isto, podemos afirmar que a incidência tributária só existirá se o

“homem” conseguir passar a linguagem (fato) para uma linguagem competente (fato

jurídico tributário). Portanto, vê-se que, antes da incidência, não há fato jurídico

tributário. A incidência do preceito normativo torna jurídico um fato determinado,

atribuindo-lhe consequências jurídicas. Exemplo: Ocorrido o fato “João receber

honorários”, incide o mandamento “quem recebe honorários pagará 10% ao estado”.

Desta forma, haverá incidência tributária com a produção de linguagem

competente por meio de uma conduta humana que faça com que o fato subsuma-se à

hipótese normativa, implicando disso os efeitos prescritos pelo consequente

normativo, os quais devem ser consistentes no surgimento de uma relação jurídica

entre dois ou mais sujeitos.

Ainda sobre a incidência, acrescenta Paulo de Barros Carvalho44:

43 Fabiana Del Padre TOMÉ. A prova no direito tributário. 2005, p. 30. 44 Curso de direito tributário, 2008. p. 260.

Page 40: Andreia Fogaca Maricato

40

A incidência jurídica se traduz a duas operações formais: a primeira, de subsunção de classes, em que se reconhece que uma tal ocorrência concreta, localizada num determinado espaço social e em determinada unidade de tempo, inclui-se, na chamada classe de fatos previstos no antecedente da norma geral e abstrata; e a segunda, que será uma forma de implicação, vez que a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica o consequente.

Assim, há na incidência tributária a existência de duas operações: uma de

subsunção do fato aos critérios da hipótese normativa e outra da implicação de uma

relação jurídica entre dois ou mais sujeitos, relação esta que é justamente o efeito

previsto pelo consequente normativo.

Portanto, a incidência da regra faz nascer o vínculo entre sujeitos de direito

por força da imputação normativa. Não é o texto normativo que incide sobre um fato

social que o torna jurídico, mas, sim, o ser humano, que, buscando fundamento de

validade em norma geral e abstrata, constrói a norma jurídica individual e concreta,

empregando a linguagem que o sistema estabelece como adequada (a linguagem

competente). Em decorrência dos acontecimentos do evento previsto hipoteticamente

na norma tributária, instala-se o fato, constituído pela linguagem competente,

irradiando-se o efeito jurídico próprio, qual seja o liame abstrato, mediante o qual uma

pessoa, na qualidade de sujeito ativo, ficará investida do direito subjetivo de exigir de

outra, chamada de sujeito passivo, o cumprimento de determinada prestação

pecuniária.

Desta forma, a incidência jurídica tributária só será automática e infalível

mediante a linguagem competente.

Page 41: Andreia Fogaca Maricato

41

1.5. As definições do direito civil e de direito penal no direito

tributário

O estudo do dever instrumental – regra matriz e sanção aplicada – no direito

tributário requer algumas tomadas de posição em relação ao uso de institutos

concebidos e trabalhados no direito civil e penal, e, em termos cronológicos, usados

pelo direito tributário. Assim, o conceito de obrigação, sujeito de direito, dever

jurídico, direito subjetivo, como o conceito de sanção pelo descumprimento do dever

instrumental e as consequências daí decorrentes, foram trabalhados no âmbito do

direito civil e penal.

É verdade que a obrigação tributária, antes de tributária, é obrigação; o

crédito tributário, antes de tributário, é crédito; a norma tributária, antes de tributária, é

norma, de modo que esses conceitos, que pertencem ao domínio da Teoria Geral do

Direito, devem ser explicitados em preliminares do texto objeto da investigação do

cientista.

Da mesma forma, as sanções, que decorrem do direito penal e são definidas

como uma punição pela violação de norma.

Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho45 traz-nos um exemplo que

demonstra claramente que o ordenamento jurídico é uno e indecomponível:

Tomemos o exemplo da regra matriz de incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), de competência dos Municípios. A hipótese normativa, em palavras genéricas, é ser proprietário, ter o domínio útil ou a posse de bem imóvel, no perímetro urbano do Município, num dia determinando do exercício. O assunto é eminentemente tributário. E o analista inicia suas indagações com o fito de bem apreender a descrição

45 Curso de direito tributário. 2008, p. 14-15.

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42

legal. Ser proprietário é conceito desenvolvido pelo Direito Civil. A posse também é instituto reservado aos civilistas, e o mesmo se diga do domínio útil. E bem imóvel? Igualmente é tema de direito civil. Até agora, estivemos investigando matéria tributária, mas nos deparamos apenas com instituições características do Direito Civil. Prosseguimos. A lei que determina o perímetro urbano do Município é entidade cuidada e trabalhada pelos administrativistas. Então, saímos das províncias do Direito Civil e ingressamos no espaço do Direito Administrativo. E estamos estudando Direito Tributário... E o Município? Que é senão pessoa política de Direito Constitucional interno? Ora, deixemos o Direito Administrativo e penetremos nas quadras do Direito Constitucional. Mas não procuramos saber de uma realidade jurídico-tributária? Sim. É que o direito é uno, tecido por normas que falam do comportamento social, nos mais diferentes setores de atividade e distribuídas em vários escalões hierárquicos. Intolerável desconsiderá-lo como tal.

Mais recentemente, Eurico Marcos Diniz de Santi46, conquanto defenda a

possibilidade de o direito tributário “definir” o que deverá ser entendido como tributo,

fá-lo com muito cuidado, respeitando as definições de outros “ramos” do direito. Diz

Eurico de Santi que:

Afiançar que o direito tributário é autônomo para fins didáticos não quer dizer que sua demarcação não apresente efeitos jurídicos. A definição de ‘direito tributário’ é jurídica e tem – assim como a determinação do que é ‘bem imóvel’, ‘direito penal’, ‘ato administrativo’, ‘contrato de trabalho’ – importância capital não só em termos teóricos, mas também como reflexos diretos na vida dos cidadãos e na prática do jurista e do profissional do direito.

Desta forma, a investigação semântica que será feita no capítulo seguinte

tem muito de direito privado. Essa contingência, às vezes lógica, às vezes cronológica,

de importar para o direito tributário conceitos burilados noutros ramos do direito, está

longe de significar completo fechamento para as normas tributárias que prescrevem a

constituição, estrutura, função e efeitos do descumprimento dos deveres instrumentais

no direito tributário.

46 Lançamento tributário. 2001, p. 202.

Page 43: Andreia Fogaca Maricato

43

Neste trabalho, trataremos da investigação semântica sobre a obrigação,

sanção, entre outros termos que contêm acepções usadas pelo direito privado,

aproveitadas até onde o direito tributário pode fazer.

Page 44: Andreia Fogaca Maricato

44

CAPÍTULO 2: OBRIGAÇÃO PRINCIPAL E

ACESSÓRIA

2.1 Notas introdutórias

Veremos neste capítulo a discussão de obrigação tendo como característica

a prestação de natureza patrimonial e as obrigações de natureza não patrimonial ou

deveres, as quais são os vínculos cujo conteúdo não pode ser representado por valores

econômicos. Assim, teremos as relações jurídicas tributárias divididas em obrigações e

os deveres instrumentais (obrigações acessórias).

Para isto, analisaremos a expressão “relação jurídica”, distinguiremos

obrigação principal e acessória, para então redefinirmos a expressão “obrigação

acessória por deveres instrumentais”.

2.2. Relação jurídica

O direito tem como finalidade ordenar a vida social, ou seja, regular as

condutas dos seres humanos em suas relações intersubjetivas. Para que isto ocorra,

utiliza-se da relação jurídica, pois ela disciplina direitos e deveres, aplicados na

regulação de condutas. Porém, não devemos esquecer que o termo relação jurídica,

como tantos outros, exprime mais de uma acepção.

Para a teoria geral do direito, relação jurídica é definida como o vínculo

abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de

Page 45: Andreia Fogaca Maricato

45

sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o

cumprimento de certa prestação.

A teoria das relações47 destaca três características importantes da relação: 1.

Reflexividade – uma relação é reflexiva quando o sujeito inscrito no predecessor for o

mesmo do antecessor, ou seja, o indivíduo se relaciona com ele próprio (“xRx”),

como, por exemplo, a igualdade, a congruência e a equidade. Em contrapartida, uma

relação é irreflexiva quando o nome que ocupa o espaço de predecessor é diferente do

sucessor, como nas relações de “pai de”, “maior que” e principalmente nas relações

jurídicas, dado que ninguém pode estar, juridicamente, em relação consigo próprio.

Exemplo: S’ sempre estará permitido, proibido ou obrigado, perante S”. Entre as

relações reflexivas e as irreflexivas, têm-se as relações semirreflexivas, as quais ora

assumem caráter de uma ora de outra. Como exemplo: “elogiar” – x tanto pode elogiar

y, como elogiar-se; “respeitar”, etc. 2. Simétrica – uma relação é simétrica quando o

que ocorrer em “x” e “y”, também ocorre em “y” e “x”, ou seja, se “x” é casado com

“y”.; “y” é casado com “x”. Já a relação assimétrica ou conversa, é aquela em que o

seu objeto e seu converso são diferentes, ou seja, a troca de posições altera sua

qualificação. Assim, o sucessor passa ao tópico de predecessor, e este assume o lugar

de sucessor. Se “x é maior que y”, “y é menor que x”. As chamadas relações

semissimétricas, apresentam ou não características de simétrica ou assimétrica

dependendo da situação, como exemplo, se “x ama y”, este amor pode ser tanto

unilateral como correspondido. E, por fim, 3. Transitividade – é transitiva a relação se

em uma classe “A” estiverem três elementos “x, y, z”, nas condições “xRy”, “yRz”

sempre implicar “xRz”. São transitivas as relações “mais velho que”; “superior a”;

preferível a”, assim, “se 5 é maior que 3 e 3 é maior que 1, então, 5 é maior que 1”.

São intransitivas as relações “mãe de”; “pai de”, porque, se x é mãe de y que é mãe de

z, então x nunca vai ser mãe de z, mas sim avó. Serão semitransitivas as relações “ser

amigo de”, “conhecer”, etc.

47 Paulo de Barros CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 98 e ss.

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46

Paulo de Barros Carvalho48, ao falar sobre o assunto, dispõe ser relação

jurídica o liame de parentesco entre pai e filho; o vínculo processual entre autor, juiz e

réu e o que une credor e devedor, ligados a uma prestação.

No direito positivo, temos as relações irreflexivas (S’ sempre estará

permitido, proibido ou obrigado, perante S”), assimétricas (S’ R S”, implica sempre

dizer S” R S’. Rc é a relação conversa de R, sendo R ter o direto a, o seu converso é ter

a obrigação de) e em alguns casos transitiva ou não, se a lei assim prescrever (Se A

deve para B e B deve para C, então a lei pode determinar que A deve para C). Neste

sentido, o professor Lourival Vilanova49 preceitua que “no mundo do direito,

estruturado relacionalmente, quando a norma estatui que o vendedor deve dar a coisa

alienada ao comprador, implica dizer que o comprador tem o direito de receber a coisa

adquirida a título oneroso”. Cabe ressaltar que o direito tributário não admite relação

transitiva.

O objeto da relação jurídica é a conduta humana, e não o objeto desse fazer

ou não fazer. Neste sentido, Lourival Vilanova50 preceitua que

A relação jurídica é um fato e de que tal fato se configura como enunciado de linguagem, ou seja, não há relação jurídica sem a descrição do fato em linguagem jurídica. E ainda dispõe: as relações jurídicas pertencem ao domínio do concreto. Provém de fatos, que são no tempo-espaço localizados. Sem a interposição do fato, que a norma incidente qualifica como fato jurídico, não ocorre o processo eficacial da efetivação da relação jurídica. (...). Essa concreção do fato jurídico e da relação jurídica ocorre, porém, nos quadros esquemáticos das normas gerais. Mas, surgem normas individuais, como as cláusulas de um contrato, que, em relação ao genérico da norma abstrata, acresce o individual. As cláusulas contratuais são normas que inovam no abstrato direito objetivo, mas acrescentam algo de novo, não contido na norma geral.

48 Idem, p. 424. 49 Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 106 e ss. 50 Causalidade e relação no direito. 2000, p. 176.

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47

A relação jurídica atrela dois sujeitos (ativo e passivo) em torno de uma

prestação submetida ao operador deôntico modalizado (O, V, P) obrigatório, proibido

e permitido. É necessária a presença de um sujeito ativo, de um passivo e de um objeto

individualizado, caso contrário o vínculo se extingue e dissolve-se a relação jurídica.

Desta forma, para que se tenha a relação jurídica, é necessária a presença de dois

elementos: o subjetivo e o prestacional. No primeiro, há dois sujeitos de direito, sendo

um ativo, investido de direito subjetivo de exigir certa prestação; e o outro, passivo,

cometido do dever jurídico de cumprir a conduta que corresponda à exigência do

sujeito pretensor.

O elemento prestacional está ligado à conduta – que terá de especificar o

seu objeto – modalizada como obrigatória, proibida e permitida. Tal elemento deverá

determinar o objeto da prestação, a sua licitude e sua possibilidade física e jurídica, ou

seja, o objeto da prestação jurídica há de ser um comportamento lícito (pois, caso seja

ilícito, haverá uma relação jurídica, mas de cunho sancionatório) e possível. Por

possibilidade material entendemos a possibilidade física, isto é, tudo aquilo que a lei

da causalidade natural, nas suas várias combinações, propicia ao conhecimento do

homem moderno, enquanto na possibilidade jurídica aludimos aos procedimentos que

a ordenação do direito permite implementar, colocando-os ao alcance dos interessados.

É necessário, ainda, separar as relações jurídicas de cunho econômico ou

não, porque, nas primeiras, temos obrigações; e, nas de cunho não patrimonial, os

deveres ou relações jurídicas não obrigacionais, como veremos. E é neste ponto que

surge a obrigação que, em termos gerais, entendemos como um liame, um vínculo,

uma união. Contudo, tal vínculo dar-se-á entre pessoas em posições divergentes, com

sujeição de uma em face do proveito de outra, em torno de um objeto que é a

prestação.

Page 48: Andreia Fogaca Maricato

48

2.3. Obrigação principal ou obrigação tributária

O Código Tributário Nacional, em seu art. 113, dispõe:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.

§2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§3º A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Apesar das impropriedades sintáticas e semânticas, o artigo 113 e seus

parágrafos permitem-nos identificar o elemento de distinção das obrigações tributárias

e demais: o tributo, seu pagamento, fiscalização ou arrecadação. Nesse sentido, temos

no plano normativo tributário:

i) normas que instituem, em seu consequente, relação jurídica tributária que

tem por objeto o pagamento, pelo sujeito passivo, de tributo (como quantia em

dinheiro) ao sujeito ativo;

ii) normas que instituem, no seu consequente, relação jurídica tributária que

tem por objeto um fazer ou não fazer do sujeito passivo em favor do sujeito ativo (sem

caráter pecuniário);

iii) normas que instituem uma relação jurídica sancionadora ao

descumprimento de (i);

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49

iv) normas que instituem uma relação jurídica sancionadora ao

descumprimento de (ii).

No §1º, ao disciplinar sobre obrigação, o Código dispõe que ela “tem como

objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com

o crédito dela decorrente”. Uma interpretação isolada deste dispositivo legal poderia

nos levar à conclusão de que a expressão “crédito tributário” abrange tanto os tributos

como as multas.

Contudo, o artigo 3º do CTN expressamente exclui as sanções por ato ilícito

do conceito de tributo, e o artigo 15751 do CTN distingue nitidamente entre penalidade

e crédito tributário, ao dispor que a imposição daquela não ilide o pagamento deste, o

que confirma a distinção entre tributo e multa.

Portanto, não resta qualquer dúvida de que a multa tributária é uma sanção

aplicada pelo Estado por um ato ilícito do contribuinte: o inadimplemento de

obrigação tributária principal ou acessória.

Já o §2º do artigo 113 prescreve que a obrigação acessória decorre da

legislação tributária. Como no CTN, a expressão “legislação tributária” é

convencionalmente usada para significar não apenas as leis, mas também os decretos e

as normas complementares (art. 9652 CTN). Pretende certo segmento da doutrina que

as obrigações acessórias devam ser estabelecidas por decretos, porque não estariam

submetidas à legalidade.

51 Art. 157. A imposição de penalidade não ilide o pagamento integral do crédito tributário. 52 Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

Page 50: Andreia Fogaca Maricato

50

Demonstraremos no capítulo seguinte que a obrigação acessória é dever de

fazer ou não fazer, ou suportar. Logo, está submetida ao artigo 5º, inciso II, da

Constituição Federal, que determina que qualquer pretensão ao cumprimento de

obrigação acessória deverá estar submetida à regência da lei, e não de atos infralegais

do Executivo, como os decretos regulamentares53. A Constituição não cede tão só à

criação de obrigações por via extralegal, mas quaisquer deveres impostos aos cidadãos

submetem-se à legalidade.

Por fim, pelo texto do §3º do artigo 113, a obrigação acessória converte-se

em principal pelo seu descumprimento em relação à penalidade pecuniária. Trataremos

deste assunto no Capítulo 5, item 5.3, onde veremos que a penalidade pecuniária nunca

poderia ser convertida em obrigação principal, por ter natureza sancionatória e

decorrer de ato ilícito.

Retornando ao termo “obrigação”, verificamos que o Código Tributário

Nacional prescreve ser obrigação o vínculo entre dois sujeitos de direito, cujo objeto

podem ser prestações positivas ou negativas, no interesse da arrecadação ou da

fiscalização dos tributos.

De acordo com o CTN, a obrigação surgida pode ser principal ou acessória.

Sendo que a obrigação principal surge com a ocorrência do “fato gerador”54, tem por

objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com

o crédito dela decorrente. Já a obrigação acessória decorre da legislação tributária e

tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da

arrecadação ou da obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. 53 José Souto Maior BORGES. Princípio constitucional da legalidade e as categorias obrigacionais. RDT nº 23, p. 89. 54 A expressão fato gerador adotada pelo código trate de uma expressão equivocada, pois alude a um só tempo, duas realidades distintas quais sejam: i) descrição legislativa do fato que faz nascer à relação jurídica tributária; e ii) o próprio acontecimento relatado no antecedente da norma individual e concreta do ato de aplicação. Utilizaremos o termo fato jurídico tributário para a hipótese ii e hipótese de incidência para o item i. No artigo acima citado o CTN se refere ao fato jurídico.

Page 51: Andreia Fogaca Maricato

51

Assim, a dinâmica de constituição da relação obrigacional tributária seria

válida tanto para as obrigações tributárias ditas principais quanto para as acessórias,

somente alterando-se objeto, ou seja, a obrigação tributária principal seria uma

obrigação de dar, enquanto as acessórias seriam obrigações de fazer, não fazer ou

tolerar.

Partindo do Direito Civil, Caio Mário da Silva Pereira55 preceitua que a

obrigação vem do latim ob+ligatio, contém uma ideia de vinculação, de liame de

cerceamento da liberdade de ação, em benefício de pessoa determinada ou

determinável. Sem cogitar, por enquanto, de sua fonte ou de sua causa, vislumbramos

na obrigação uma norma de submissão, que tanto pode ser autodeterminada, quando é

o próprio agente que escolhe dada conduta, como pode provir de uma

heterodeterminação, quando o agente a sofre em consequência ou como efeito de uma

norma que a dita. De acordo com esse mesmo autor, obrigação é o vínculo jurídico em

virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável.

No entendimento de Miguel Maria de Serpa Lopes56, “obrigação é o

vínculo de direito, pelo qual somos compelidos pela necessidade de pagar coisa,

segundo o direito da nossa cidade. (...) a obrigação não é um contrato real, senão um

ato que produz uma força coativa em relação ao devedor”.

Pontes de Miranda57 afirma que a “obrigação é a relação jurídica entre duas

(ou mais) pessoas, de que decorre a uma delas, o debitor (devedor), ou a alguma, poder

ser exigida, pelo outro, creditor (credor), ou outras, prestações. Do lado do credor, há a

pretensão; do lado do devedor, a obrigação”. E complementa que o direito das

55 Instituições do direito civil. Teoria geral das obrigações. 2004, p. 06. 56 Curso de direito Civil. Obrigações em geral. 1995, p. 10. 57 Tratado de direito privado, direito das obrigações: obrigações e suas espécies, fontes e espécies de obrigações. Tomo XXII, 1958, p. 12.

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52

obrigações é o ramo de direito em que se constituem relações jurídicas de estrutura

pessoal. Assim, a obrigação resulta do dever: quem é obrigado só o é porque deve58.

Emílio Betti59 averba que a obrigação, de uma forma geral, pode ser

definida como aquela relação jurídica patrimonial entre duas pessoas, por força da qual

uma (o devedor) é responsável em face da outra (o credor) pelo verificar-se de um

evento determinado (positivo ou negativo) que, em regra, é por ele devido (prestação).

Acrescenta ainda que, no direito romano, o termo obrigatio não é jamais entendido no

sentido genérico, de sorte representa um valor patrimonial. Obrigatio designa uma

categoria de relações jurídicas típicas que, segundo o ius civile romano, criam um

vínculo de responsabilidade entre pessoas.60

Seguindo o mesmo entendimento, Orlando Gomes61 define obrigação como

“um vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma

prestação em proveito de outra”.

Rubens Gomes de Souza62 considera obrigação como sendo o “poder

jurídico por força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito

passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude de uma

circunstância reconhecida pelo direito como produzindo aquele efeito (causa da

obrigação)”. De acordo com o autor, ao buscar adequar esta definição genérica ao

subsistema tributário, define-se obrigação tributária como o poder jurídico por força do

qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito passivo) uma

prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) nas condições definidas pela lei

tributária (causa da obrigação).

58 Idem, p. 24. 59 Teoria geral das obrigações. 2007, p. 280. 60 Idem, p. 230-31. 61 Obrigações. 2000, p.9. 62 Compêndio de legislação tributária. 1964, p. 57-58.

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53

Alfredo Augusto Becker63 coloca o termo obrigação como sinônimo de

relação e dispõe ser o gênero de uma realidade construída no plano do pensamento

humano que comporta, com uma de suas espécies, relação jurídica (há, ainda, relações

sociais, relações geográficas, relações políticas, etc.).

Assim, podemos entender obrigação como uma relação jurídica construída

com um vínculo abstrato entre dois sujeitos de direito, ao qual se encontra subjacente

um objeto que consiste numa conduta humana do primeiro de fazer ou de não fazer

algo em relação ao segundo em uma das modalidades deônticas possíveis (obrigatório,

proibido e permitido).

Neste sentido, transportando para o direito tributário, conceituaremos

obrigações tributárias como relações jurídicas tributárias, ou seja, o direito subjetivo

que o sujeito ativo tem de exigir do sujeito passivo o cumprimento de uma prestação

em contrapartida ao dever jurídico deste de cumprir o seu débito com aquele, e que

nascem com a ocorrência do fato jurídico tributário.

O professor Luciano Amaro64 afirma que a obrigação é “a relação entre

devedor e credor, ou melhor, a relação entre pessoas, por força da qual se atribuem

direitos e deveres correspectivos (dever de dar, fazer ou não fazer, contrapostos ao

direito de exigir tais comportamentos)”.

Portanto, definindo obrigação como sinônimo de relação, qual seja o

vínculo estabelecido entre o sujeito ativo e o sujeito passivo em torno de uma

prestação, trataremos no item seguinte de obrigação tributária.

63 Teoria Geral do Direito. 2007, p. 356-58. 64 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 245.

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54

2.3. A qualificação tributária no conceito de obrigação.

Quando se adjetiva uma obrigação de tributária, inapelavelmente emerge

um questionamento acerca do que se acrescenta ou se retira da mesma para diferençá-

la de uma obrigação de Direito Privado. Como todo elemento que serve de objeto de

análise da Ciência Jurídica, também este recebe sobre si diversas correntes de

pensamento, nem poderia ser diferente. Desta maneira, há quem entenda haver uma

diferença total entre as obrigações tributárias e as de Direito Privado e há, no outro

extremo, aqueles que propugnam por uma completa identidade entre ambas. Do

entremeio destes polos doutrinários, isto é, do seu intervalo epistemológico, extraímos

a corrente defendida por Alcides Jorge Costa65, o qual sustenta a tese de que “existe

uma identidade estrutural entre a obrigação tributária e a de direito privado e que as

diferenças entre ambas resultam das funções que têm”.

Entendemos que o elemento distintivo entre ambas obrigações é que o

objeto da obrigação tributária é a prestação de cunho tributário sobre a qual há o

vínculo jurídico entre o sujeito ativo (Fazenda Pública) e o sujeito passivo

(contribuinte). Tal prestação, em face de seu objeto, divide a obrigação tributária em

principal (dar o tributo) e acessória (fazer, não fazer ou tolerar algo de natureza

instrumental tributária).

Neste mesmo sentido, segue a lição de Luciano Amaro66: “É pelo objeto

que a obrigação revela sua natureza tributária”.

Reitere-se, portanto, que existe uma identidade estrutural entre as

obrigações de direito privado e as tributárias. Definamos, então, obrigação tributária

65 Direito tributário e direito privado. 1984, p. 182. 66 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 246.

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55

como a vinculação jurídica entre sujeito ativo e sujeito passivo de uma relação jurídica

centralizada em um objeto prestacional de natureza tributária, geradora de sujeição

relativa a um dever contraposto ao direito de exigir.

Saliente-se que o gravame de involuntariedade na definição se refere ao

caráter ex lege do nascimento da obrigação tributária. Assim, prescinde de qualquer

manifestação volitiva do sujeito passivo o surgimento da obrigação tributária, ao

contrário do que ocorre maciçamente em relação às obrigações de Direito Privado.

Contra-argumenta-se que a origem de todas as obrigações é a lei. Não é errônea tal

assertiva. Todavia, há que se diferenciar fonte imediata de fonte mediata. Desta forma,

todas as obrigações têm como fonte mediata a lei, porém, nas relações tributárias, o

fato gerador (hipótese e incidência) descrito em lei não é suficiente e necessário

bastante para que surja a referida obrigação tributária, pois necessita da linguagem

competente.

Paulo de Barros Carvalho67 entende que, ao tornar-se concreto o fato

previsto no descritor da regra de incidência (pela linguagem competente), surge a

relação jurídica de conteúdo patrimonial, a saber, a obrigação tributária. E que não há

diferença entre o conceito de obrigação tributária e obrigação tributária principal e,

portanto, opta ele por chamar a obrigação principal apenas de obrigação tributária.

Portanto, podemos conceituar a obrigação tributária, enquanto relação

jurídica de cunho patrimonial, como um nexo lógico que se instala no consequente da

norma individual e concreta, com a constituição do fato jurídico tributário,

introduzindo no ordenamento jurídico a relação que envolve um sujeito ativo, titular

do direito subjetivo de exigir a prestação, e um sujeito passivo, cometido do dever de

cumpri-la.

67 Curso de direito tributário. 2008, p. 358.

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56

2.4. Obrigação acessória

A obrigação acessória, nos termos do Código Tributário Nacional,

converte-se em principal, ou seja, o não cumprimento da obrigação acessória torná-la-

á uma obrigação principal. O CTN coloca a obrigação acessória como condição da

obrigação principal, não existindo aquela sem esta.

Vários autores interpretam o artigo 113 §§ 2º e 3º do CTN de maneira

diferente e conceituam a obrigação acessória desvinculada totalmente da obrigação

principal, como se fosse independente. Dentre eles, Arnaldo Borges68, para quem

“obrigação tributária acessória” é a relação jurídica desvinculada da denominada

"obrigação tributária principal", cujo objeto é uma prestação de fazer, de não fazer ou

de tolerar e tem por sujeito passivo aquela pessoa posta nesta condição pelas normas

veiculadas na legislação de regência, cujos veículos introdutores estão arrolados no art.

96 do CTN. E conclui que

A patrimonialidade da prestação é requisito da relação jurídica em outros sistemas jurídicos, mas não no nosso, (...) o CTN distinguiu, expressamente, dois tipos de obrigações tributárias: a principal e a acessória. Assim procedendo, estatui que o conteúdo da prestação da obrigação que designou de principal seria um dar dinheiro ou coisa que nele pudesse se exprimir (...) Isto é verdade, não porque o CTN tenha estabelecido que a prestação da obrigação tributária deva ter o caráter patrimonial, mas, porque ele determinou que o objeto de uma obrigação que chamou de principal assim deveria ser. Todavia, em relação às obrigações acessórias, o CTN prescreveu, apenas, que seu objeto, são as prestações de fazer, não fazer ou tolerar 69.

Geraldo Ataliba70, ao adotar como premissa o entendimento majoritário da

doutrina civilista, sustentava que uma relação jurídica é obrigacional quando o vínculo

formado entre os seus sujeitos é transitório e economicamente mensurável, razão por

68 Obrigação tributária acessória. RDT nº 4, p. 85-97. 69 Idem, p. 99. 70 Noções de Direito Tributário. 1971, p. 40

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57

que não se concebe a existência de obrigação tributária cujo objeto não seja passível de

conversão em pecúnia. O jurista repudia a nomenclatura utilizada pelo Código

Tributário Nacional para designar os mandamentos impostos ao contribuinte para fazer

algo, deixar de fazer algo ou suportar algo no interesse da arrecadação e da

fiscalização tributária como obrigação tributária71, porque esses comandos imperativos

não têm em seu conteúdo o atributo da patrimonialidade. E firmou entendimento no

sentido de que não há um vínculo acessório entre esse dever e a obrigação tributária

principal. Com efeito, para que esse dever possa ser assim adjetivado, observado o

correspondente regime jurídico, é imprescindível que o seu surgimento esteja atrelado

ao nascimento da obrigação de uma pessoa em entregar determinada quantia de

dinheiro ao erário, o que não é regra.

Hugo de Brito Machado72, corrente minoritária, não critica a expressão

“obrigação tributária acessória” empregada pelo texto de direito positivo para veicular

prescrições normativas de estrutura que permitam a criação de prestações, positivas ou

negativas, no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos. Entende que, no

plano dogmático, é possível a existência de obrigações sem conteúdo patrimonial

(razão que justificaria a utilização dessa expressão em vez do vocábulo "deveres") e

que o caráter acessório para o direito tributário é distinto daquele constituído na seara

do direito privado (segundo o qual uma obrigação terá esse atributo quando estiver

umbilicalmente atrelada a outra). Por fim, admite que o Código Tributário Nacional

autoriza a criação de obrigações acessórias por outros atos normativos, além da lei, e

sustenta que só se incluem no conceito de obrigações acessórias aqueles deveres cujo

71 Para o autor, "Prevê o Direito Tributário, ao lado das obrigações tributárias principais, as obrigações tributárias acessórias, que se referem à fiscalização. Não tem por objeto qualquer pagamento, mas prestações positivas (declarar rendimentos, informar, manter livros, extrair notas fiscais etc.), prestações negativas (não iniciar atividades sem inscrição fiscal, não efetuar certos contratos sem prova de pagamento de tributos etc.)", razão por que "(...) obrigação tributária acessória é a de praticar certos atos ou abster-se de outros, em virtude de lei que, assim determinando, visa a garantir o cumprimento da obrigação principal e facilitar a fiscalização desse cumprimento", Noções de Direito Tributário. 1971, p. 13 e 44. 72 Curso de direito tributário. 2008, p.127.

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58

cumprimento seja estritamente necessário para viabilizar o controle do cumprimento

da obrigação principal73.

José Eduardo Soares de Melo74 tem entendimento no sentido de que as

obrigações tributárias acessórias atribuem deveres aos administrados para que,

mediante um fazer, um não fazer ou um tolerar desprovidos do caráter patrimonial,

registrem documentem fatos que tenham, ou possam ter, implicações tributárias. Ainda

que esses deveres não sejam propriamente acessórios, por não estarem

obrigatoriamente atrelados à existência de uma obrigação tributária principal, "a

importância dessa mera acessoriedade é patente na medida em que a infringência aos

termos legais pode nem mesmo tipificar crime contra a ordem tributária, e até mesmo

possibilitar a relevação de penalidade pelo órgão julgador, diante da inexistência de

efetivo dano ao Erário"75.

José Souto Maior Borges76 preceitua que o art. 113 do CTN veicula em seu

conteúdo dever jurídico pecuniário (obrigação tributária principal) e dever jurídico não

pecuniário (obrigação tributária acessória). E demostra que a patrimonialidade da

obrigação é um problema de direito positivo, uma opção do legislador. Portanto, que

não deve contaminar a metalinguagem da Teoria Geral do Direito. Com efeito,

somente haverá deveres jurídicos pecuniários se a metalinguagem da Ciência do

Direito, descrevendo o conjunto de disposições normativas existentes e válidas no

ordenamento jurídico, lograr êxito nesse intento. Se, pelo contrário, a linguagem-

objeto da Ciência do Direito prescrever sua existência de obrigações não patrimoniais,

haverá dever jurídico não patrimonial e patrimonial. O ser patrimonial da obrigação

(metalinguagem) não interfere na construção do dever (metalinguagem). A construção

do sentido, conteúdo e alcance do dever está despregada desse elemento (mutável ao

sabor dos órgãos credenciados pelo sistema para inovar o ordenamento jurídico), assim

73 Fato gerador da obrigação acessória. RDT nº 96, 2003, p. 32. 74 Curso de direito tributário. 2008, p. 247. 75 Ibidem. 76 Obrigação Tributária: uma introdução metodológica. 1999, p. 96.

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59

como da pretensa transitoriedade das obrigações, porque as obrigações podem ter seu

prazo de vigência prefixados, no tempo e no espaço, conforme preceitua a Lei de

Introdução ao Código Civil (LICC). Se esses limites não fossem fixados, haveria uma

delimitação congénita, qual seja, o advento de uma norma derrogatória (aí estaria

indiretamente prefixada sua vigência no tempo).

As normas jurídicas, uma vez individualizadas, também têm prazo de

validade prefixado no tempo e no espaço. Com efeito, para o autor, um

comportamento será havido como obrigatório, permitido ou proibido em relação a um

determinado período temporal. Assim, ações ou omissões humanas não podem ser

disciplinadas (de maneira modalizada) sem que a norma jurídica fixe as coordenadas

de tempo em que tais condutas serão juridicamente relevantes para que ela possa ser

aplicada. A par dessas considerações, entende ele que o primado da legalidade obriga

os deveres jurídicos (patrimoniais ou não), que veiculam uma ação positiva ou

negativa (ação ou omissão) a serem introduzidos no ordenamento jurídico por meio de

lei formal.

Por fim, Paulo de Barros Carvalho77 preceitua que o vocábulo "obrigação" é

sinônimo de relação jurídica patrimonial. Quanto às obrigações acessórias, opta por

designar essa relação jurídica pela expressão "deveres instrumentais ou formais" e

emprega os vocábulos: (i) “deveres” para demonstrar que o mandamento da norma

jurídica que o vincula carece de atributos da patrimonialidade; e (ii) instrumentais ou

formais, pois são os instrumentos normativos que a Administração dispõe para

verificação do cumprimento dos mandamentos insertos no campo metodologicamente

autônomo do direito tributário. Entende, ainda, que o primado da legalidade demanda

que lei formal crie deveres instrumentais (art. 5º, II, da CF), razão por que nem mesmo

a lei pode equiparar esse dever à norma primária sancionatória. Desta forma, constrói a

interpretação no sentido de que o § 3º, do art. 113 do CTN pretendeu atribuir à sanção

77 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 196.

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60

pecuniária imposta pelo descumprimento de uma relação jurídico-tributária

patrimonial ou não os mesmos expedientes adjetivos existentes para a exigência de

créditos tributários. E para que esses deveres (veiculados em normas jurídicas gerais e

abstratas) possam regular efetivamente as condutas humanas, é imperiosa a produção

de uma norma individual e concreta.

2.5. “Obrigações Acessórias”: terminologia imprópria

Conforme visto, o Código Tributário Nacional denomina os vínculos

jurídicos que não apresentam cunho patrimonial de obrigações acessórias. Entretanto,

segundo o entendimento acima exposto, entendemos ser imprópria tal terminologia,

pois, como imposições de um fazer ou de um não fazer, não podem caracterizar uma

obrigação, já que são despidas de conteúdo de cunho patrimonial, motivo pelo qual

não podem ser chamadas de “obrigações”, em sentido estrito, de acordo com as lições

da teoria geral do direito, já vistas. O adjetivo “acessórias” representa um equívoco

incorrido pelo legislador. Por serem verdadeiros deveres, não são tais obrigações

acessórias, porque a Administração Tributária fará uso do cumprimento dos deveres

impostos aos contribuintes para aferir se houve ou não a concreção da hipótese de

incidência da norma de tributação. No caso da comprovação da não ocorrência do fato

jurídico tributário e a não instauração do vínculo obrigacional (obrigação tributária

principal), diversos deveres foram cumpridos (entrega de documentos, preenchimentos

de guias, declarações, etc.), mas nenhuma relação jurídica de cunho patrimonial se

instaurou. Portanto, as impropriamente denominadas obrigações acessórias são

vínculos jurídicos que não apresentam cunho patrimonial e têm caráter instrumental,

cujo objetivo é assegurar a efetividade da arrecadação e a fiscalização dos tributos.

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61

Robson Maia Lins78 esclarece que a questão da acessoriedade faz sentido se

for estudada no plano geral e abstrato: “Ora, no plano das normas jurídicas individuais

e concretas, não hesitamos em concordar com a doutrina majoritária no sentido de que

é possível o cumprimento de todos os deveres instrumentais sem que haja nascimento

do tributo, no nível individual e concreto”.

O autor não toma o termo “acessoriedade” no sentido de “dependente”,

“secundário”, não indo além do sentido de acessoriedade em nível geral e abstrato.

É importante acrescentar que a eventual desproporção entre as Regras

Matrizes de Incidência Tributária, ou a simples previsão de competência constitucional

para se instituir o tributo, permite investigar a relação de adequação e necessidade

entre a Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) e os deveres instrumentais

previstos.

É por essa razão que, mesmo as pessoas jurídicas imunes ou isentadas em

relação a determinado tributo, são obrigadas ao cumprimento de vários deveres

instrumentais. Mas todos eles somente podem ser instituídos para se aferir requisitos

normativos que, se descumpridos, terão o condão de suspender a imunidade ou

isenção, do que decorre, em nível geral e abstrato, ter-se a condição de incidência da

Regra matriz de incidência tributária. Vê-se, pois, que a acessoriedade permite a

aferição da proporcionalidade entre as condutas de fazer, não fazer ou suportar do

sujeito passivo possível, além da possível incidência das RMITs79.

78 A mora no direito tributário. 2008, p. 218. 79 É nesse sentido o entendimento de Roque Antônio Carrazza, Imposto sobre a renda, 2005, p. 165, ao dizer que: “Assim, há de haver racionalidade na imposição, ainda que por meio de lei, de deveres instrumentais tributários. Mesmo a pretexto de garantir a correta e adequada arrecadação fiscal, não podem ir além da marca, isto é, ter extensão e intensidade desmedidas, capazes de inviabilizar as atividades normas dos contribuintes.”

Page 62: Andreia Fogaca Maricato

62

Seguindo este entendimento, adotamos a terminologia “deveres

instrumentais” para as chamadas “obrigações acessórias” eleita pelo direito positivo e

que conduz a interpretação de serem tais deveres adicionais à obrigação tributária,

pois, conforme já analisado, as obrigações acessórias não são, nem obrigações, nem

acessórias (dependentes)80. Constituem-se, sim, em dever, porque, como veremos no

próximo capítulo, decorrem da lei e são instrumentais por terem a função de

operacionalizar a regra matriz de incidência tributária, servindo como instrumento da

atividade de arrecadação e fiscalização dos tributos.

Explicando melhor, a regra matriz de incidência tributária (RMIT) está no

centro de um círculo, e ao redor existem várias normas que dão operacionalidade a

quaisquer RMITs (ver figura 1 abaixo). Os deveres instrumentais são uma destas

normas que têm como função instrumentalizar a arrecadação e fiscalização dos

tributos obrigando o sujeito passivo a suportar a atividade de fiscalização de modo a

apurar o eventual nascimento de obrigação tributária material.

Normas

RMIT Deveres

Instrumentais

Figura 1

Falaremos detalhadamente sobre a regra matriz dos deveres instrumentais e

suas funções nos capítulo 4.

80 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. 2008, p. 286.

Page 63: Andreia Fogaca Maricato

63

2.6. Natureza jurídica dos deveres instrumentais

Os deveres instrumentais cumprem um importante papel na implantação do

tributo. Por se tratar de um dever de fazer ou não fazer, a sua observância depende de

documentação em linguagem competente de tudo o que diz respeito ao tributo.

A causa geradora dos deveres instrumentais é a lei. Assim, ocorrida a

situação descrita na norma, nasce o dever de fazer, não fazer ou tolerar, sem cunho

pecuniário.

O artigo 113, §2º, do CTN determina que, ocorrido no mundo fenomênico o

evento previsto no antecedente da norma jurídica geral e abstrata e vertido em

linguagem competente com a produção da norma individual e concreta, isto faz nascer

a relação jurídica que tem por objeto o adimplemento, pelo sujeito passivo, de uma

conduta – de fazer ou de não fazer –, que possibilite à administração tributária tomar o

conhecimento da ocorrência de um fato jurídico tributário ou outro que seja no

interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

A lei tributária estabelece diversos deveres ao sujeito passivo, a fim de que

constituam em linguagem competente eventos do mundo social sobre os quais o direito

atua, com o objetivo de atingir seus propósitos originários, ou seja, enquanto sujeito

passivo, cumpre os deveres instrumentais que lhe são impostos, relata em linguagem

os eventos do mundo fenomênico, dando ao Fisco a possibilidade de constituir o fato

jurídico tributário, que, sem eles, muitas vezes não poderão se constituídos na forma

jurídica própria.

Esta norma jurídica pode obrigar que o sujeito passivo suporte (conduta

humana de não fazer algo) a atividade de fiscalização efetuada pela pessoa

Page 64: Andreia Fogaca Maricato

64

competente, em confirmação ao disposto no artigo 19681 do CTN. Pode ainda a

administração intimar terceiro para que preste informações sobre a pessoa fiscalizada

de modo a permitir que o ente competente apure eventual nascimento de obrigação

tributária material (artigo 19782 do CTN). Ressaltamos que toda atividade de

fiscalização deve obedecer ao princípio do contraditório e da ampla defesa, expresso

no artigo 5º, inciso LV, da Magna Carta. Apenas queremos mostrar que as relações

jurídicas decorrentes dos deveres instrumentais consistem não só um fazer, como

suportar um não fazer pelo sujeito passivo desta relação, com o objetivo de verificar

possível nascimento e cumprimento do objeto de uma obrigação tributária material ou

principal.

O fato jurídico do dever instrumental é qualquer situação que torne

obrigatória a prática ou a abstenção de atos, isto é, qualquer ocorrência fática prevista

na lei tributária que imponha um fazer, não fazer ou tolerar de natureza tributária,

excluída a obrigação de pagar o tributo. E nasce ele da ocorrência do respectivo fato

jurídico, ou, como prefere Luciano Amaro83, no momento da ocorrência do

“pressuposto de fato legalmente definido”. Neste diapasão, os deveres instrumentais

tributários são previstos nas normas gerais e abstratas que fazem nascer a relação

jurídica de cunho não patrimonial em face dos fatos previstos no antecedente daquelas.

81 Art. 96. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas. Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros ficais exigidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo. 82 Art. 97. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício; II – os bancos, as casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras; III – as empresas de administração de bens; IV – os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais; V – os inventariantes; VI – os síndicos, comissários e liquidatários; e VII – quaisquer outras entidades ou pessoa que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos sobre os quais os informantes estejam legalmente obrigados a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão. 83 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 335.

Page 65: Andreia Fogaca Maricato

65

O cumprimento dos deveres instrumentais não é linguagem competente

para constituir a obrigação tributária, esta só ingressa no mundo jurídico por meio da

norma individual e concreta posta pelo particular ou Administração. Mas é linguagem

competente para comprovar ser beneficiário, por exemplo, de uma imunidade, porque,

caso um dos pressupostos do referido exemplo não sejam atendidos, o agente público

competente estará obrigado a averiguar se essa circunstancia ensejou o nascimento de

uma relação jurídica tributária que obrigue o recolhimento de valores ao erário a título

de tributo, efetuando, se for o caso e sob pena de responsabilidade, o lançamento das

quantias devidas ou em sua suspensão até ulterior regularização.

Ocorrido o evento do dever instrumental no mundo fenomênico, ele só se

tornará fato jurídico do dever instrumental mediante linguagem competente fornecida

por meio da teoria das provas. Assim como a regra matriz de incidência tributária

necessita de uma linguagem competente que a constitua, o dever instrumental também

necessita de uma linguagem competente que o constitua. Ou seja, o dever instrumental

vai nascer para o contribuinte ou para quem a lei determina no momento em que,

ocorrido o fato descrito na regra de dever instrumental, por meio da linguagem

competente, nascerá a relação jurídica de conteúdo não patrimonial determinando em

seu objeto a prestação de fazer ou não fazer.

Cabe esclarecer que o fato jurídico do dever instrumental passa a integrar o

mundo jurídico com a publicação. Exemplo: a lei do dever instrumental determina, em

sua hipótese de incidência, que aquele que circular mercadoria deverá emitir nota

fiscal. João circulou mercadoria e emitiu nota fiscal. Neste momento, João constitui o

fato jurídico do dever instrumental (linguagem competente). Todavia, caso João

realize a operação de circular mercadoria sem a emissão da nota fiscal, não há o fato

jurídico do dever instrumental; por outro lado, se posteriormente o agente fiscal

verificar o não cumprimento do dever instrumental no estabelecimento de João,

Page 66: Andreia Fogaca Maricato

66

constituirá em linguagem competente o fato jurídico do dever instrumental com a

aplicação do Auto de Infração e Imposição de Multa, pelo seu descumprimento.

Portanto, podemos afirmar que os deveres instrumentais necessitam de

linguagem competente para que surtam efeitos no mundo jurídico; caso contrário, eles

serão um mero evento que se perde no tempo e no espaço.

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67

CAPÍTULO 3: PRINCÍPIOS DA

LEGALIDADE, DA RAZOABILIDADE E

PROPORCIONALIDADE NOS DEVERES

INSTRUMENTAIS

3.1. Princípio da Legalidade

3.1.1. Notas introdutórias

Neste capítulo, analisaremos os princípios: da legalidade, da razoabilidade e

da proporcionalidade, aplicados na criação, fiscalização e alteração dos deveres

instrumentais e das sanções pelo descumprimento dos deveres instrumentais. Todavia,

cabe ressaltar que, além desses princípios, devem ser observados todos os demais

princípios constitucionais tributários.

Paulo de Barros Carvalho84

Utiliza-se o termo princípio para denotar as regras que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregada e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma.

A palavra “princípio” é muito ampla e ambígua, em direito utiliza-se o

termo “princípios” para denotar diversos significados semânticos, a saber: a) princípio

como norma: i) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor

expressivo; ii) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites

objetivos; princípio como valor: iii) como os valores insertos em regras jurídicas de

84 Curso de Direito Tributário. 2008, p. 145.

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68

posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas;

e b) princípio como limite objetivo: iv) como o limite objetivo estipulado em regra de

forte hierarquia.

Portanto, os princípios são proposições prescritivas; enunciados

prescritivos, normas jurídicas em sentido amplo, pois pertencem ao ordenamento

jurídico. Os princípios são normas jurídicas em sentido lato, pois são significações

(proposições) de enunciados.

Antes de tratarmos dos princípios da legalidade, razoabilidade e

proporcionalidade, faremos uma abordagem dos princípios constitucionais tributários,

distinguindo-os como valores ou limites objetivos.

3.1.2. Princípios constitucionais tributários: valores ou limites

objetivos

Partiremos do entendimento que os princípios são enunciados prescritos do

direito positivo, ou seja, norma em sentido amplo, pois pertencem ao ordenamento

jurídico. Assim:

Em direito, utiliza-se o termo princípios para denotar as regras de que falamos, mas também se emprega a palavra para apontar normas que fixam importantes critérios objetivos, além de ser usada, igualmente, para significar o próprio valor, independentemente da estrutura a que está agregado e, do mesmo modo, o limite objetivo sem a consideração da norma85.

85 Paulo de Barros CARVALHO. Teoria dos Valores, apostila de filosofia do direito: Lógica jurídica. 2007, p. 165.

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69

Os princípios equivalem às regras, uma vez que ambos estão positivados,

mas também denotam valores, pois todas as normas trazem valores e limites objetivos.

O valor é um predicado que resulta da apreensão da consciência histórica da

sociedade, no momento da enunciação do juízo de valor, é a interpretação dada pelo

legislador na linguagem do direito posto, prescindindo a seleção de aspectos abstratos

e orientando a regulação das condutas humanas86. Dito de outra maneira, os valores

seriam entidades cujo modo específico de ser é o valor, ou seja, eles são na medida em

que valem.

É difícil verificar o valor tendo em vista vários critérios que possui, como:

a) bipolaridade - onde há um valor, há sempre um desvalor (apenas possível entre os

objetos metafísicos e culturais); b) implicação do valor positivo como o negativo; c)

referibilidade – o valor importa sempre uma tomada de posição do ser humano perante

alguma coisa, a que está referido; d) preferibilidade - direção determinada, para um

fim; e) incomensurabilidade – os valores não são passíveis de medição; f) graduação

hierárquica os valores têm ordens escalonadas, tomando como referência o mesmo

objeto axiológico; g) objetividade – os valores requerem sempre objetos da

experiência; h) historicidade – os valores se constroem como o passar do tempo; i)

inexauribilidade – os valores sempre excedem os bens que objetivam; e j)

atributividade – os valores são preferência por núcleo de significação ou centros

significativos que expressam uma preferibilidade por certos conteúdos de

expectativa87.

Já os limites objetivos são construções do sentido dos enunciados, ou seja,

são de fácil verificação (pronta e imediata) ao olharem-se os enunciados. São postos

para atingir metas e certos fins.

86 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de Direito Tributário. 2008, p. 155. 87 Paulo de Barros CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método. 2008, p. 177-79.

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70

Veremos alguns dos princípios constitucionais tributários, quais sejam:

a) o da legalidade, artigo 150, I da Constituição Federal. Os entes políticos

só poderão instituir tributos (descrever a Regra matriz de incidência) dos já existentes

por meio de lei. Trata-se de um limite objetivo, objeto de analise deste capítulo;

b) da anterioridade – é um limite objetivo, está previsto no art. 150, III, da

Constituição Federal. A lei que instituir ou majorar tributos deverá ser publicada antes

do início do exercício financeiro e noventa dias antes, para que seja efetuada a

cobrança da exação, excetos nos casos previstos no §1º do mesmo artigo;

c) da irretroatividade – art. 150, III, ‘a’ da Constituição Federal. Os entes

políticos não poderão cobrar tributos em relação aos fatos geradores, ocorridos antes

do início da vigência da lei que os houver instituído ou cobrado. Trata-se de um limite

objetivo;

d) da tipologia tributária. O direito tributário é definido pela integração

lógico-semântica de dois fatores: hipótese de incidência e base de cálculo. Assim, é

possível diferenciar as espécies e subespécies tributárias. Limite objetivo;

e) da proibição de tributos com efeito de confisco – art. 150, IV da

Constituição Federal. O objetivo deste princípio é deixar expresso que existe limite

para a carga tributária, mesmo sabendo que o confisco é de difícil verificação, pois,

enquanto para uns tem efeito confiscatório, para outros pode apresentar-se como forma

lídima de exigência tributária. Trata-se de um valor;

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71

f) da vinculabilidade da tributação. Toda atividade do poder público está

regulada juridicamente na legislação tributária, desenvolvendo sua função

administrativa mediante a expedição de atos discriminatórios e atos vinculados. Valor;

g) da uniformidade geográfica – é um valor e está disposto no art. 151, I, da

Constituição Federal. Os tributos instituídos pela União devem ser uniformes para todo

o território nacional;

h) da não discriminação tributária – art. 152 da Constituição Federal. As

pessoas políticas estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região

de origem dos bens ou o local para onde se destinem. Limite objetivo;

i) da territorialidade da tributação. Cada lei deve atuar em seu território.

Limite objetivo;

j) da indelegabilidade da competência tributária. A competência tributária é

indelegável, o que se delega é a capacidade contributiva de arrecadar, fiscalizar

tributos e executar leis, serviços, etc. Trata-se de um limite objetivo.

Como se vê, a maioria dos princípios constitucionais tributários são limites

objetivos, ou seja, são de fácil verificação e são postos para atingir certas metas e

certos fins e, assim, exteriorizam, realizam os valores.

O princípio da legalidade, como será visto a seguir, trata-se de um limite

objetivo. Já o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, a ser analisado no item

3.2, trata-se de um valor.

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72

Além do princípio da legalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade,

para a instituição, fiscalização e aplicação dos deveres instrumentais e das sanções

tributárias, devem ser observados todos os demais princípios constitucionais. Ativemo-

nos a estes por entendermos terem eles maior relevância ao assunto. Todavia, todos os

demais princípios devem ser observados.

3.1.3. Notas gerais do princípio da legalidade

O princípio da legalidade está expresso na Constituição Federal em seu

artigo 5º, inciso II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa

senão em virtude de lei”.

A interpretação deste princípio, expresso de forma genérica no art. 5º, II, e

de forma específica no art. 150, I, ambos da Magna Carta, implica dizer que, se

surgirem deveres ou obrigações por meio de outro veículo introdutor de normas que

não seja a lei, então esse veículo violou o princípio da legalidade perante o sistema.

Trata-se, portanto, o princípio da legalidade de um limite objetivo, por ser de fácil

verificação.

Este princípio garante o Estado Democrático de Direito, pois só a lei é o

veículo introdutor de normas competente para prescrever direitos, deveres ou

obrigações ao cidadão. Trata-se de uma efetiva garantia ao cidadão, que, constante do

rol de garantias do art. 5º, está protegido por cláusula pétrea88.

88 Cláusulas pétreas ou intangíveis, ou ainda núcleo irreformável, consistem na vedação de alteração do texto constitucional de forma a abolir ou tendentes a abolir as matérias constantes do §4º do art. 60 da Constituição Federal de 1988.

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73

3.1.4. Princípio da legalidade no âmbito do direito tributário:

deveres instrumentais

O princípio da legalidade é consagrado por nossa Constituição como um

dos princípios mais importantes do ordenamento jurídico. Neste contexto,

entenderemos por lei o resultado do processo legislativo, de competência única e

exclusiva do Poder Legislativo. Em face disto, Roque Antonio Carrazza89 preceitua

que “no Estado de Direito, o Legislativo detém exclusividade de editar normas

jurídicas que fazem nascer, para todas as pessoas, deveres e obrigações, que lhes

restringem ou condicionam a liberdade”, porque o fundamento do princípio da

legalidade está na soberania popular, prescrita no parágrafo único do art. 1º da

Constituição Federal, onde prescreve que “todo poder emana do povo, que o exerce

por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Deste modo, reiteramos que somente a lei, como expressão da vontade geral exercida

pelos representantes do povo em assembleia legislativa, é que tem o poder de cercear a

liberdade e a propriedade.

O princípio da legalidade expresso no art. 5º, inciso II, da Constituição, por

si só, é suficiente para proteger os direitos e garantias dos cidadãos contra as

arbitrariedades. No entanto, tratando-se de matéria tributária, o legislador estipulou de

forma específica, no art. 150, inciso I, da Constituição Federal: “Art. 150. Sem

prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributos sem lei

que o estabeleça.” Ao contribuinte está assegurado o direito de apenas ser compelido a

pagar tributo ou outro dever que se manifeste de forma pecuniária, desde que uma lei

assim o determine. Ou seja, se houver um aumento ou uma imposição de tributo ou

algum dever por outro veículo introdutor que não a lei, então essa norma introdutora,

bem como a norma introduzida por ele, é inválida perante o ordenamento jurídico.

89 Curso de direito constitucional tributário. 2008, p. 240.

Page 74: Andreia Fogaca Maricato

74

Apenas a lei pode disciplinar questões sobre a criação e aumento de tributos, sendo

esta lei formal, conforme analisaremos no item seguinte. Este princípio é reforçado em

matéria tributária para vedar o abuso dos governantes nas instituições e aumentos de

tributos para a arrecadação de recursos.

3.1.5. Princípio da reserva da lei formal

Direito tributário é ramo do direito positivo que estuda a instituição,

arrecadação e fiscalização do tributo. É um conjunto de normas válidas, lato sensu

(enunciados prescritivos), que cuida da instituição, arrecadação e fiscalização dos

tributos. Vale ressaltar que a divisão do direito em ramos é meramente didática, como

já visto no exemplo dado no item 1.5 no capítulo 1, para reduzir a complexidade e

focalizar o estudo em uma unidade, pois todo conhecimento cientifico pressupõe um

método de aproximação do objeto. O sistema do direito positivo é uno e indivisível,

qualquer critério de distinção é realizado de maneira simplesmente didática a fim de

reduzir a complexidade, mas não de cindir ou incidir direitos.

Alberto Xavier90 leciona que “o direito tributário é de todos os ramos do

Direito aquele em que a segurança jurídica assume a sua maior intensidade possível e é

por isso que nele o princípio da legalidade se configura como uma reserva absoluta da

lei formal”. O princípio da legalidade no âmbito do direito tributário assume uma

relevância maior que em outras áreas jurídicas, a exigir a lei formal para introdução de

novas normas tributárias, a fim de realizar os ideais de segurança e justiça.

A expressão “reserva de lei formal” implica a vinculação indissociável do

instrumento normativo emanado do Poder Legislativo, como o comando prescritivo de

90 Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. 1978, p. 44

Page 75: Andreia Fogaca Maricato

75

condutas (dever-ser), introduzindo no sistema por órgão com competência

constitucional para tal e com a representatividade do titular do poder – o povo.

Consoante aduzido anteriormente, entendemos que, nos termos do art. 150,

I, da CF, a instituição e a majoração de tributos somente pode ser feita por lei em seu

sentido material e formal, ou seja, apenas a lei, com o comando prescritivo (material),

introduzida no ordenamento, observando o órgão o procedimento previsto para sua

validade (formal), poderá instituir deveres, obrigações e direitos na esfera tributária.

Neste sentido, preceitua Alberto Xavier91:

O princípio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de uma ideia de autotributação, de livre consentimento dos impostos, antes passa a ser encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível de expressão da justiça material. Dito por outras palavras: o princípio da legalidade tributária é o instrumento, único válido para o Estado de Direito, de revelação e garantia da justiça tributária.

Quando se fala em reserva da lei para a disciplina do tributo, está-se a

reclamar lei material e lei formal. A legalidade tributária não se contenta com a

simples existência do comando abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material);

mas quer também que seja formulado por órgão titular de função legislativa (reserva

de lei formal)92.

Pelo princípio da reserva de lei formal, ou estrita legalidade tributária, por

conseguinte, tem-se a garantia de que nenhum tributo será instituído, nem aumentado,

exceto por meio de lei, como garantia constitucional assegurada ao contribuinte.

Portanto, o legislador constituinte traçou expressamente o princípio da estrita

legalidade ou princípio da reserva de lei formal em matéria tributária, tendo em vista a

importância da regulação da conduta do Estado nessa atividade de tributação, por

demais invasivas da esfera de direitos do contribuinte, impedindo-se tal invasão por

91 Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. 1978, p. 11. 92 Luciano AMARO. Direito tributário brasileiro. 2008, p. 112.

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76

instrumentos de hierarquia inferior à lei (em sentido lato), em geral, atos baixados pelo

Poder Executivo, aqui designados de atos infralegais ou instrumentos secundários.

3.1.6. Instrumentos Introdutórios de Normas Tributárias no

ordenamento jurídico.

A Constituição Federal, ao prescrever que ninguém será obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, refere-se à lei em seu sentido

amplo. Deste modo, Paulo de Barros Carvalho93, ao explicar a lei em sua acepção

ampla, descreve-a como um instrumento primário de introdução de normas no direito.

Assim expõe citado autor:

(...)a lei e os estatutos normativos que têm vigor de lei são os únicos veículos credenciados a promover o ingresso de regras inaugurais no universo jurídico brasileiro, pelo que as designamos por instrumentos primários. Todos os demais diplomas regradores da conduta humana, no Brasil, têm sua juridicidade condicionada as disposições legais, que emanem preceitos, quer gerais e abstratos, quer individuais e concretos. São, por isso mesmo, considerados instrumentos secundários ou derivados, não apresentando, por si só, a força vinculante que é capaz de alterar as estruturas do mundo jurídico-positivo.

Portanto, todos os atos infralegais que ultrapassarem seus limites fixados

pelas leis serão ilegais e deverão ser expulsos do sistema.

Passaremos a descrever a classificação dos instrumentos introdutórios, a

qual é aplicada ao sistema jurídico como um todo, principalmente nas relações

tributárias. E servirá para identificar o tipo de instrumento apropriado para criar ou

alterar deveres instrumentais.

93 Curso de direito tributário. 2008, p. 57.

Page 77: Andreia Fogaca Maricato

77

3.1.6.1. Instrumentos Primários.

O instrumento primário é a lei, em sentido amplo, pois esta é o único

veículo credenciado a promover o ingresso de regras inaugurais no mundo jurídico,

quais sejam:

a) Lei constitucional – sobrepõe aos demais veículos introdutórios de

normas. Ela traz os limites, permissões, princípios, que servem como diretrizes

supremas para o exercício da competência da União, Estado, Distrito Federal e

Municípios e quais os tributos poderão ser instituídos por estes entes políticos.

b) Lei complementar – só versa sobre matérias especificadas na

Constituição Federal. Possui um quórum de aprovação qualificado (maioria absoluta

nas duas casas do Congresso). Em matéria tributária, a lei complementar prescreve

muitas intervenções, nas quais: expedição de normas gerais – art. 146, III; instituição

na competência residual da União – art. 154, I; instituição dos empréstimos

compulsórios – art. 148, I e II; situações especiais previstas no art. 155, §1º, III ‘a’ e

‘b’, do imposto sobre herança e doação – art. 155, I; prescreve exclusão dos produtos

semielaborados das imunidades, expresso no art. 155, X, ‘a’; estatui sobre ICMS – art.

155, XII, ‘a’ a ‘g’; define os impostos de qualquer natureza (ISS) – art. 155, II (art.

156, III), e fixa suas alíquotas máximas e mínimas podendo excluir sua incidência de

serviço exportados para o exterior; regula as formas e condições de incentivos,

isenções e benefícios fiscais concedidos ou revogados – art. 156, §3º, I a III; o CTN foi

recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar, pelo motivo

de ferir matéria reservada, exclusivamente, a esse tipo de ato legislativo.

c) Lei ordinária – pode ser editada pela União, Estados, Distrito Federal e

Municípios. É o veículo introdutor mais apto a veicular preceitos relativos à Regra-

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78

Matriz de Incidência dos Tributos, ou seja, estabelece a descrição de um fato e

prescreve o comportamento obrigatório de um sujeito, formando uma relação jurídica.

A lei ordinária é uma linguagem técnica que cria tributos, prescrevendo os critérios da

hipótese material, espacial, temporal e do consequente, critérios pessoal e quantitativo.

Além disso, cabe ainda à lei ordinária preceituar os deveres instrumentais ou

formais.

d) Lei delegada – é uma exceção à regra, pois a regra geral é que as leis são

editadas pelo Poder Legislativo, mas há casos previstos na Constituição Federal em

que ela pode ser delegada. Um deles é que as leis poderão ser elaboradas pelo

Presidente da República, que solicita a delegação ao Congresso Nacional – artigo 68 –,

especificando o seu conteúdo – artigo 68, § 2º. Esta delegação é conhecida como

extremo corporis. Há varias matérias indelegáveis, como, por exemplo, as leis

complementares.

e) Medidas provisórias: estatuto previsto no artigo 62 da Constituição

Federal de 1988, sua edição é privativa do Presidente da República, que a expede nos

casos de relevância e urgência, entrando em vigor imediatamente quando publicada.

Tem força de lei ordinária e, ao ser editada, é enviada à apreciação do Congresso

Nacional. A medida provisória é valida por 60 dias, podendo ser prorrogada uma vez

por igual prazo (art. 62 §§ 3º e 7º), dentro do qual o Congresso Nacional deverá ter

encerrado sua votação nas duas casas transformando-a em lei, sob pena de perder sua

eficácia desde sua edição.

A Emenda Constitucional 32/01 estipula a apreciação da medida do

Congresso Nacional, mesmo que seja para rejeitá-la (decorridos 45 dias da publicação

se o mérito não tiver sido apreciado). Por ser uma medida urgente, todos os feitos

parlamentares ficam sobrestados (em ambas as casas) até o julgamento da Medida

Provisória. É vedada a edição de Medida Provisória sobre matéria reservada a lei

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79

complementar e para instituir ou majorar tributos, exceto nos casos previstos no

art.153, I, II, IV, V (importação de produtos estrangeiros; exportação, para o exterior,

de produtos nacionais ou nacionalizados; produtos industrializados; e operações de

crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários).

f) Decreto Legislativo, exclusivo do Congresso Nacional, está no mesmo

nível da lei ordinária. É aprovado por maioria simples, não tem sanção presidencial,

sendo promulgado pelo Presidente do Congresso, que o manda publicar. É o veículo

introdutor dos tratados e convenções internacionais e convênios interestaduais,

transformando-os em normas válidas.

g) Resoluções – estatuto aprovado por maioria simples, tanto no Congresso

Nacional como no Senado. Tem status de lei ordinária. Em matéria tributária, o

Senado, por meio de resolução, fixará alíquotas máximas e mínimas do ITCMD (art.

155, §1º, IV); fixará alíquotas aplicáveis ao ICMS (art. 155, §2º, IV); fixará alíquotas

máximas e mínimas do ICMS nas operações internas (art. 155, §2º, V, ‘b’).

3.1.6.2. Os Instrumentos Secundários – não obrigam os

particulares

Os instrumentos secundários são todos os atos normativos que estão

subordinados à lei. Estes não obrigam os particulares, pois são direcionados aos

funcionários públicos, devendo ser obedecidos não propriamente em decorrência do

seu conteúdo, mas por obra da lei que determina que sejam observados os

mandamentos superiores da Administração94.

94 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. 2008, p. 75.

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80

Os instrumentos secundários ou derivados são os demais diplomas,

condicionados a lei, reguladores de conduta humana.

a) Decretos Regulamentares – privativos dos chefes dos poderes executivos

da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Servem para possibilitar a fiel

execução das leis, quando esta não for autoexecutável.

b) Instituições Ministeriais – são de competência dos Ministros dos Estados

para promover a execução das leis, decretos e regulamentos, porém, não podem

contrariar as leis ou regulamentos, pois se encontram em um patamar inferior.

c) Circulares – visam à ordenação igualitária dos serviços administrativos,

sendo restritas a setores específicos.

d) Portarias – são regras gerais ou individuais editadas pelo superior e que

devem ser seguidas pelos subalternos.

e) Ordens de Serviço – são autorizações ou estipulações concretas para

certos serviços a serem desempenhados por um ou mais agentes, delimitando os

serviços e funcionários que os prestam.

f) Outros Atos Normativos Estabelecidos pela Autoridade Administrativa –

no direito tributário, há os pareceres normativos, que são manifestações de agentes

especializados sobre determinada matéria tributária, adquirindo foro normativo.

Estes instrumentos secundários não se prestam a disciplinar os deveres

instrumentais, uma vez que não obrigam os particulares. Os deveres instrumentais

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somente podem ser instituídos pelos instrumentos primários e, em geral, pela lei

ordinária, conforme será visto no item 3.1.8.

3.1.7. Princípio da tipicidade em matéria tributária

Retornando ao tema, o princípio da tipicidade não é um princípio autônomo

do da legalidade, e sim a expressão mesma deste princípio quando se manifesta na

forma de uma reserva absoluta da lei construída por estritas considerações de

segurança jurídica.95 Pelo princípio da tipicidade na tributação, não basta exigir-se lei

formal e material para a criação do tributo, pois o legislador infraconstitucional, ao

instituí-lo, deve esgotar a descrição de todas as situações, possíveis de ocorrência no

mundo real, cuja concreção será necessária e suficiente para o surgimento da relação

jurídica tributária. Ou seja, a lei instituidora do tributo deve definir tipo fechado.

Roque Antônio Carrazza96 esclarece que a tipicidade fechada apura o

alcance do princípio da legalidade, argumentando que:

Só é típico o fato que se ajusta rigorosamente àquele descrito, com todos os seus elementos, pelo legislador. Conjugados, estes princípios constitucionais impedem o emprego da analogia in pejus das normas tributárias ou penais- tributárias como fonte criadora de tributo e infrações (com suas respectivas sanções).

Assim, pelo princípio da tipicidade tributária, a norma deve estar pronta na

lei de forma inequívoca, clara e precisa, contendo a Regra matriz de Incidência

Tributária em todos os seus aspectos, antecedente e consequente. O legislador deve, ao

elaborar a lei, definir taxativamente todas as condições necessárias e suficientes ao

nascimento da obrigação tributária e os critérios de quantificação do tributo.

95 Alberto XAVIER. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. 1978, p. 69-70. 96Curso de Direito Constitucional Tributário. 2008, p.248.

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Conclui-se que o princípio da tipicidade fechada, determina que o legislador

de lei ordinária, competente para instituição do tributo, deve editar a norma tributária,

pormenorizadamente, impedindo-se a subjetividade do administrador, no momento da

sua aplicação ao caso concreto, cabendo ao administrador fazer a subsunção do fato à

norma, independentemente de qualquer valoração pessoal. Com o princípio da

tipicidade fechada, o princípio da legalidade formal em matéria tributária tem um

alcance específico, ou seja, somente é típico o fato que se ajustar rigorosamente à

descrição hipotética da norma, com todos seus elementos, impedindo-se aspectos

subjetivos por parte do intérprete que porventura resultem em invasão à esfera de

direitos do contribuinte de forma arbitrária, sem o seu próprio consentimento, por meio

de seus representantes, seja no momento da instituição, seja no momento da aplicação

da norma tributária ao caso concreto.

Alberto Xavier97 destaca ainda que:

O princípio da legalidade da tributação (nullum tributum sine lege) não pode caracterizar-se apenas pelo recurso ao conceito de ‘reserva de lei’, pois não se limita à exigência de uma lei formal como fundamento da tributação. Vai mais além, exigindo uma lei revestida de especiais características. Não basta a lei; é necessária uma ‘lei qualificada’. Esta ‘qualificação’ da lei pode ser designada como ‘reserva absoluta da lei’ o que faz com que o princípio da legalidade da tributação se exprima como um princípio da tipicidade da tributação.

No que se refere aos deveres instrumentais, objeto deste estudo, diante da

relevância que o princípio da legalidade tem em matéria tributária, entendemos que, a

exemplo da instituição ou majoração dos tributos, também devem eles ser introduzidos

no ordenamento jurídico pátrio por meio de lei em seu sentido completo, conforme

visto acima. Seguindo este entendimento, do Roque Antonio Carrazza98 afirma que

Os decretos, as portarias, os atos administrativos, em geral, só podem existir para tornar efetivo o cumprimento dos deveres instrumentais criados pela lei.

97 Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva.2001,p. 17. 98 Curso de direito constitucional tributário. 2008, p. 335.

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(...) E nossa certeza de que só a lei pode criar deveres instrumentais cresce de ponto na medida em que notamos que seu descumprimento resolve-se em sanções das mais diversas espécies, inclusive pecuniárias. Repugna ao senso jurídico que uma pessoa possa ser compelida a pagar multa com base no não acatamento de um dever criado por uma norma jurídica infralegal.

Portanto, vemos que somente podem ser exigidos deveres instrumentais

instituídos mediante lei. Os decretos, as portarias e atos administrativos em geral só

tornam efetivo o cumprimento dos deveres prescritos em lei.

3.1.8. O Princípio da reserva da lei formal no Código Tributário

Nacional

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 97, prescreve sobre o

princípio da legalidade nos seguintes termos:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arte. 21,26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado disposto no inciso l do § 3° do art. 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1° Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo,que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2° Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II este artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

Sabemos que o Código Tributário Nacional surgiu como lei ordinária nº

5.172/66, na vigência da ordem constitucional anterior. Todavia, foi recepcionado pela

nossa atual Constituição, com status de lei complementar de aplicação em todo o

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território nacional. A Constituição Federal, em seu artigo 146, inciso III, determina a

lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislaçao tributária. Tudo

o quanto aqui se expôs sobre o princípio da legalidade em nível constitucional há de se

ter por também verdadeiro às hipóteses prescritas nos incisos e parágrafos desse artigo

do Código Tributário Nacional.

Desta forma, como visto, o conceito de lei a que se refere o caput é a lei na

acepção estrita, ou seja, em sentido material e formal. Para tanto, os dispositivos

normativos que tratem do aumento ou instituição de tributos, definindo fatos jurídicos

tributários (critério objetivo) na descrição do antecedente, prescrevendo no

consequente todos os elementos necessários à identificação da relação jurídica que se

há de instalar a partir da realização do antecedente (sujeito passivo - critério subjetivo),

alíquota e base de cálculo (critério quantitativo e critérios espacial e temporal) devem

ser rigorosamente estabelecidos pelo legislador ordinário. Ou seja, a lei deve descrever

a regra matriz de incidência tributária e a regra matriz dos deveres instrumentais em

todos os seus aspectos. E lei é o instrumento de competência do Poder Legislativo,

relembremos, como único legitimado pelo povo para a constrição de seus direitos.

Note-se que o legislador deixou consignado no inciso V do dispositivo em

tela a necessidade de lei também para a imposição de penalidades pelo

descumprimento das prescrições legais. Ou seja, também as penalidades devem ser

prescritas pelo legislador do instrumento normativo denominado lei em sentido estrito

– neste caso, a lei ordinária ou complementar.

O Código Tributário Nacional, em seu artigo 10799, dispõe acerca do

processo de interpretação e integração do sistema jurídico tributário. No artigo 108,

99 Art. 107. A legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo. 99 Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia;

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prevê as formas de aplicação da legislação tributária, na ausência de lei expressa, entre

elas, no inciso I, a analogia. Entretanto, em seu parágrafo primeiro, deixa consignado

expressamente que o uso da analogia100 não poderá resultar na exigência de tributo não

previsto em lei. Tal disposição vem a atender a disposição constitucional pela

observância do princípio da legalidade, reforçado pelo seu sentido de tipicidade.

Paulo Ayres Barreto101 completa que

A função legislativa, em matéria tributária, deverá ser integralmente exercida pelo Poder Legislativo, não cabendo cogitar-se de nenhuma hipótese de delegação ao Executivo, sendo-lhe defeso promover a integração da norma tributária. O tipo tributário é fechado, não se admitindo ainda que qualquer espécie de integração de cunho analógico.

Portanto, a competência para criar obrigações ou deveres aos particulares

somente foi outorgada pelo texto constitucional, e utilizar a analogia, para suprir a

tarefa legislativa, constitui-se em lesão ao princípio da legalidade.

3.1.9. O conceito de legislação tributária para o Código Tributário

Nacional

O Código Tributário Nacional disciplina o sistema tributário nacional e

institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios.

II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido. 100 Cristiano CARVALHO. Comentários ao Código Tributário Nacional. 2005, p. 910, diz que a “Analogia é uma forma de raciocínio ou de argumento que parte da observação empírica dos fatos de forma a identificar semelhanças comuns entre os objetos ou eventos do mundo”. 101 Imposto sobre a renda e preços de transferência. 2001, p. 43.

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Ao conceituar legislação tributária, o art. 96 do CTN dispõe: “A expressão

‘legislação tributária’ compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais,

os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre

tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Não diferencia os instrumentos

primários dos instrumentos secundários e ainda os iguala a entidades que não podem

ser tidas como instrumento introdutório de normas. Desta forma, em observância ao

rigor mínimo e coerência que o sistema deve apresentar, não podemos concordar com

este conceito, pois, tirando as leis, decretos, as normas complementares, os atos

normativos das autoridades administrativas e as decisões administrativas a que a lei

atribui eficácia normativa, que são ou instrumentos introdutórios primários ou

secundários, todos os demais (tratados internacionais102, convênios celebrados entre

União, Estados, Municípios e Distrito Federal) não têm força jurídica vinculante e não

integram, assim, o complexo normativo.

102 O tratado internacional só terá força de lei ordinária após recepcionado ao sistema. Cabe ressaltar, que para solucionar a controvérsia causada pelo choque aparente entre as normas de Direito Interno e as normas internacionais, bem como para explicar a relação de hierarquia entre elas, a doutrina divide-se em duas concepções: de um lado está a teoria monista, e de outro a corrente dualista. Os monistas acreditam que tanto o Direito Internacional quanto o Interno, Nacional, constituem o mesmo sistema jurídico, isto é, há apenas uma única ordem jurídica que dá nascimento às normas internacionais e nacionais. Já os dualistas enxergam uma distinção clara entre os dois ordenamentos, o Interno e o Internacional, de sorte que a ordem jurídica interna compreende a Constituição e demais instâncias normativas vigentes no País, e a externa envolve tratados e demais critérios que regem o relacionamento entre os diversos Estados. A norma externa, só teria aplicabilidade no Direito Interno caso fosse recepcionada pelo mesmo, não havendo assim conflito. O descumprimento pelo Estado da incorporação em seu ordenamento interno de uma norma externa com a qual houvesse se comprometido ensejaria apenas sua responsabilidade internacional, não podendo haver jamais imposição por parte dos demais signatários. Entendo que a teoria dualista é a mais correta, porque, para que o tratado ingresse em nosso ordenamento, é necessário que passe por todo o procedimento previsto na Carta Magna. Deve haver, então, a celebração do tratado pelo Presidente da República, conforme dispõe o art. 84, VIII; então, tal tratado deve passar pelo crivo do Congresso Nacional, que deve emitir decreto legislativo (art. 49, I), devendo por fim ser promulgado pelo Presidente da República, mediante decreto. Apenas após todo esse trâmite o tratado externo terá vigor no País, tendo status de lei ordinária (salvo se tratar de direitos e garantias fundamentais), sendo suscetível inclusive de controle de constitucionalidade.

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3.1.10. Deveres instrumentais e sua instituição por lei.

Conforme aduzido anteriormente, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de

fazer qualquer coisa senão em virtude de lei. Aplicando este entendimento ao art. 113

do CTN103, obrigação ou um dever, no seu sentido técnico mais amplo, somente pode

ser criada mediante lei. De fato, entendemos que todas as obrigações tributárias ou

deveres instrumentais somente podem ser criadas por lei. Deste modo, os atos

infralegais não podem servir de veículo de tais deveres.

O Código Tributário Nacional, ao prescrever sobre os deveres

instrumentais, dispõe em seu §2º do artigo 113, que a obrigação acessória decorre de

legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela

prescritas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Segundo o CTN,

a obrigação acessória decorre de legislação tributária, compreendendo nesta as leis,

tratados e convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que

versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Não

podemos concordar com este conceito, pois fixamos o entendimento de que o sistema

jurídico é conjunto harmônico, ordenado e unitário de elementos reunidos em torno de

um conceito fundamental. Assim, ao interpretarmos este dispositivo com a

Constituição, temos que prevalece unicamente aquilo que diz com a lei.

Portanto, os deveres instrumentais devem ser instituídos por lei

(complementar ou ordinária) e por decretos legislativos que aprovem tratados

internacionais. Ou seja, diante do princípio da legalidade genérica prevista no art. 5º,

inciso II, combinado com a leitura do art. 150, inciso I, ambos da Constituição Federal,

dentro da necessária interpretação sistemática do direito, consistindo as obrigações em

prestações positivas ou negativas (fazer ou não fazer algo), só podem ser introduzidas

103 Utilizaremos a expressão “deveres instrumentais” no lugar de “obrigação acessória”, conforme explicado no capítulo II.

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validamente no sistema jurídico por meio de lei. Neste sentido leciona Roque Antonio

Carrazza104,

não é só o tributo (obrigação tributária) que se submete ao princípio da legalidade. Os deveres instrumentais tributários (que a doutrina tradicional, seguindo nas sendas do CTN, chama, impropriamente, de obrigações acessórias) também a ele se subsumem (...) a lei é entendida, nesse passo, em sentido lato, agasalhado não só a emanada do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, das Câmaras Municipais e da Câmara Legislativa (lei strito sensu), como, também, as leis delegadas e as medidas provisórias, desde que, é claro, sejam editadas em obediência ao processo de elaboração que o código supremo houver por bem traçar.

Paulo de Barros Carvalho105 ressalta que cabe à lei ordinária preceituar os

deveres instrumentais ou formais, impropriamente conhecidos como obrigações

acessórias, que propiciam a operatividade prática e funcional do tributo. De nada

adiantaria construir o legislador a regra padrão de incidência, determinando a

compostura da figura típica, se não dispusesse acerca dos meios adequados e idôneos

de acompanhar seu aparecimento no mundo factual, permitindo aos interessados na

relação o controle do nascimento, da vida e da extinção das obrigações tributárias.

Para isso é que existem os deveres formais ou instrumentais, os quais tanto

contribuintes quanto não contribuintes estão compelidos a observar, tornando possível

o exato conhecimento das particularidades que cercam os vínculos atinentes aos

tributos. No entanto, como implicam fazer ou não fazer alguma coisa, somente à lei

pode instituí-los, e essa lei quase sempre é ordinária.

Seguindo o mesmo entendimento, Celso Ribeiro Bastos106 preceitua,

que a obrigação acessória constitui uma obrigação positiva ou negativa (de fazer ou não fazer), que só pode ser imposta mediante previsão legal. Sendo de natureza tributária, só se torna legítima a obrigação que resultar da lei. O poder público não poderá instituí-la por meio de decreto, se a seu respeito nada dispõe a lei específica. Será inconstitucional a criação de obrigação acessória por meio de resolução ou qualquer ato normativo.

104 Curso de direito constitucional tributário. 2008, p. 336. 105 Curso de direito tributário. 2008, p. 63. 106 Comentários ao código tributário nacional. 1998, p. 147.

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Mizabel de Abreu Machado Derzi107 também afirma que: “O fato gerador

da obrigação acessória também decorre de lei. A lei cria os deveres acessórios, em

seus contornos básicos, e remete ao regulamento a pormenorização de tais deveres.

Mas eles são e devem estar antes plasmados, modelados e enformados na própria lei.”

Em sentido contrário, Leandro Paulsen108, em comentário ao §2º do artigo

113 do CTN dispõe:

As obrigações acessórias não limitam a liberdade do contribuinte, tampouco operam ingerência sobre o seu patrimônio. Constituem deveres formais, inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação. Não há, assim, a necessidade de lei em sentido estrito para o estabelecimento de cada obrigação acessória.

Por fim, entendemos que há necessidade de lei ordinária e/ou complementar

que preceitue os deveres instrumentais, porque o CTN não rompeu com o princípio

fundamental da legalidade ao dizer que o fato gerador da obrigação acessória é

qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção

de ato que não configure obrigação principal, conforme o disposto no artigo 115 do

CTN. O Código apenas reconhece que existe margem de discricionariedade para que,

dentro dos limites da lei, o regulamento e demais atos administrativos normativos

explicitem a própria lei, viabilizando a sua fiel execução.

107 Aliomar BALEEIRO. Direito tributário brasileiro. 1998, p.709-710. 108 Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 2007, p. 853.

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3.1.11. Sanção pelo descumprimento dos deveres instrumentais e

sua instituição por lei.

O artigo 97 do Código Tributário Nacional, em seu inciso V, prescreve:

Art. 97. Somente a lei pode prescrever:

(...)

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas.

Conforme visto, o Código Tributário Nacional é claro ao prescrever que

somente a lei é o veículo introdutor válido para introduzir no sistema jurídico a norma

sancionadora pelo descumprimento dos deveres instrumentais.

Portanto, da mesma forma que para a instituição dos deveres instrumentais,

as normas que prescrevem as sanções impostas pelo seu descumprimento devem ser

criadas exclusivamente por lei. Este também é o entendimento do nosso tribunal:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. ATO DE IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS PELA LEI N.º 8.429/92. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E TIPICIDADE.

1. O direito administrativo sancionador está adstrito aos princípios da legalidade e da tipicidade, como consectários das garantias constitucionais (Fábio Medina Osório in Direito Administrativo Sancionador, RT, 2000).

2. À luz dos referidos cânones, ressalvadas as hipóteses de aplicação subsidiária textual de leis, a sanção prevista em determinado ordenamento é inaplicável a outra hipótese de incidência, por isso que inacumuláveis as sanções da ação popular com as da ação por ato de improbidade administrativa, mercê da distinção entre a legitimidade ad causam para ambas e o procedimento, fato que inviabiliza, inclusive, a cumulação de pedidos. Precedente da Corte: REsp 704570/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, DJ 04.06.2007.

3. A analogia na seara sancionatória encerra integração da lei in malam partem, além de promiscuir a coexistência das leis especiais, com seus respectivos tipos e sanções

4. Recurso especial desprovido.

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Ademais, da mesma forma que na instituição dos deveres instrumentais, na

instituição das sanções pelo descumprimento dos deveres instrumentais devem ser

observados todos os princípios constitucionais.

Deste modo, as sanções aplicadas ao contribuinte ou responsável legal que

descumprir os deveres instrumentais têm que estar em consonância com os princípios

da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade, não confisco, etc.

3.1.12. O Princípio da Legalidade e o Decreto-lei n° 2.124, de 13 de

junho de 1984

O ordenamento jurídico brasileiro apresenta-se em uma estrutura

hierárquica na qual encontramos a Constituição Federal ocupando o seu ápice. Dentro

do texto constitucional, como documento de expressão máxima dos valores regentes

da ordem positivada, está expressa a garantia do cidadão de somente ser obrigado a

fazer ou deixar de fazer algo por meio de previsão em lei. Tal máxima está insculpida

tanto no artigo 5°, inciso II, quanto no inciso l do artigo 150, todos do texto

constitucional. Assim, tratando-se da matéria tributária de caráter invasivo do

patrimônio do contribuinte, este tem a garantia constitucional de se ver constrito em

seus direitos apenas por meio de lei, entendida como o instrumento primário introdutor

de normas jurídicas, emanado do Poder Legislativo como único legitimado para tal

mister, em estrita obediência aos ditames constitucionais.

No sistema legal tributário e considerando a hierarquia das leis, verifica-se,

abaixo da Constituição Federal, o Código Tributário Nacional, regulador das normas

gerais em matéria tributária, introduzido no ordenamento por meio da Lei n° 5.172/66.

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Apesar de o Código Tributário ter nascido na forma de lei ordinária, dada a sua

compatibilidade com a nova ordem jurídica introduzida pela Constituição Federal

promulgada em 05 de outubro de 1988, foi por ela recepcionado na condição de lei

complementar, a teor do disposto no artigo 146, inciso III, alínea b, do texto

constitucional. Por ser compatível com a nova ordem constitucional e por regular

normas gerais em matéria tributária, o Código recepcionado pela Carta Magna de 1988

está, assim, autorizado constitucionalmente a estabelecer as normas gerais reguladoras

da atividade de criar e exigir tributos.

O Decreto-lei n° 2.124/84, artigo 5° e §1º, prescreve que:

Art. 5° O Ministro da Fazenda poderá eliminar ou instituir obrigações acessórias relativas a tributos federais administrados pela Secretaria da Receita Federal.

§ 1° O documento que formalizar o cumprimento de obrigação acessória, comunicando a existência de crédito tributário, constituirá confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do referido crédito.

Note-se que o instrumento introdutor dessa disposição é o extinto decreto-

lei, de competência do Presidente da República, sob a vigência da Carta Constitucional

de 67/69. Referimo-nos a extinto decreto-lei, pois este instrumento estava previsto no

ordenamento anterior, na Emenda Constitucional de 67/69. Tal instrumento tinha

previsão constitucional para ser baixado pelo chefe do executivo em casos de urgência

ou de interesse público relevante e desde que não houvesse aumento de despesas.

O decreto-lei, por ter força de lei, passava pelo Poder Legislativo e, sendo

aprovado pelo Congresso, era convertido em lei. Tal instrumento normativo poderia,

contudo, adentrar o sistema jurídico sem a legitimidade parlamentar, ao ser aprovado

tacitamente pelo decurso do prazo de aprovação expressa, diferentemente do que

ocorre com o seu sucessor previsto na Constituição Federal de 1988 – medida

provisória – cuja decorrência do lapso temporal sem que o Congresso a aprecie leva à

sua rejeição tácita.

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A questão que se coloca é qual a validade desse instrumento normativo

diante da sistemática constitucional vigente, ou seja, considerando o texto

constitucional de 1988. Analisando-se o texto constitucional vigente, verifica-se

nitidamente, especialmente diante dos valores consignados nos princípios

constitucionais, a nítida e expressa intenção do legislador constituinte em preservar os

direitos dos contribuintes ao preceituar a legalidade genérica, no artigo 5°, inciso II, e

reforçá-la de forma especial, no artigo 150, inciso l, quando o assunto for a criação e

exigência de tributos. Tal constatação implica dizer que apenas a lei, emanada do

Poder Legislativo, ou os instrumentos com força de lei, baixados pelo Poder Executivo

(lei delegada, com autorização expressa do Congresso, e medidas provisórias, após sua

conversão em lei), com a legitimidade dada pelo poder parlamentar, poderiam

introduzir validamente obrigações tributárias.

Pelo princípio da legalidade, dentro do Estado Democrático de Direito, em

que o titular do poder é o próprio destinatário das leis, apenas a lei formal pode

introduzir normas jurídicas que inovam o ordenamento pátrio, impondo-lhes

obrigações e deveres, porque dotada da legitimidade constitucional para tal, em estrita

observância ao procedimento previamente estabelecido na Constituição Federal para

sua validade.

Assim, podemos afirmar que o conteúdo do artigo 5º em seu §1º do

decreto-lei 2.124/84 não foi recepcionado pela ordem constitucional vigente, porque a

competência para a edição de normas gerais em matéria tributária foi outorgada

constitucionalmente à lei complementar, representada atualmente pelo Código

Tributário Nacional, que, sendo lei ordinária em sua origem, foi recepcionado pela

Constituição de 1988 na condição de lei complementar, podendo doravante ser

modificada apenas por outro veículo introdutor de mesma hierarquia. O Decreto-lei n°

2.124/84, por sua vez, além de ser disposição normativa especial (sobre o Imposto

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sobre a Renda), ou seja, não se trata de norma geral em matéria tributária e está

hierarquicamente abaixo do Código Tributário Nacional.

Portanto, diante da necessidade de interpretação sistemática do direito

positivo brasileiro para a construção da norma a ser aplicada ao caso concreto,

entendemos que o comando consignado no §1º do artigo 5° do Decreto-lei em

referência, que confere efeitos jurídicos de confissão de dívida ao cumprimento da

obrigação acessória relativa ao imposto de renda, baixado pelo Poder Executivo sob a

égide do ordenamento anterior à Constituição Federal de 1998, não foi por ela

recepcionado, por padecer da legitimidade parlamentar, não podendo, assim, o

Ministro da Fazenda instituir ou eliminar deveres instrumentais dos tributos federais.

3.2. Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade

3.2.1. Noções gerais sobre os princípios: razoabilidade e

proporcionalidade

O princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade não se encontram

expressamente previstos na Constituição de 1988. Defluem da própria conformação do

Estado brasileiro em um Estado Social Democrático de Direito (art. 1º e 6º da CF).

Todavia, ambos os princípios foram positivados pelo art. 2º da lei 9.784/99:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

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A razoabilidade e a proporcionalidade atuam no sistema jurídico como

vetores utilizados pelos intérpretes e aplicadores do direito, em especial pela

administração. Caso não sejam observados tais limites, cabe ao Poder Judiciário

garantir a supremacia da Constituição por princípios.

3.2.2. Distinção entre Proporcionalidade e Razoabilidade

Tanto na doutrina quanto na jurisprudência, não há um entendimento

pacífico se realmente existe distinção entre a proporcionalidade e a razoabilidade, ao

passo que encontramos manifestações que ora os identificam como sinônimos, ora se

referem a eles como fenômenos distintos.

Lúcia Valle Figueiredo109 entende serem fenômenos distintos e dispõe que

a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre situações postas e as decisões administrativas. Vai se atrelar às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade, à eficiência. Ao lado da razoabilidade traz-se à colação, também como princípio importantíssimo, o da proporcionalidade. Com efeito, resume-se o princípio da proporcionalidade na direta adequação das medidas tomadas pela administração às necessidades administrativas. Vale dizer: só se sacrificam interesses individuais em função de interesses coletivos, de interesses primários, na medida da estrita necessidade, não se desbordando do que seja realmente indispensável para a implementação da necessidade pública. Por isso mesmo, resolvemos, nessa edição, destacar expressamente o princípio da proporcionalidade, por entendê-lo efetivamente como um plus relativamente ao princípio da razoabilidade. Com efeito, têm dissertado os autores sobre a proporcionalidade destacando o sentido estrito do conceito. Assim, o princípio seria decomposto em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Entendemos que é o sentido estrito o diferenciador da razoabilidade. Na verdade, os princípios se imbricam de tal sorte que se poderia confundi-los. Todavia, não parece impossível fazer a diferença.

Willis Santiago Guerra Filho110 também destaca que:

109 Curso de direito administrativo. 2008, p. 50-51. 110 Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. 2005, p. 25.

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O princípio da proporcionalidade é originário do Direito Público alemão, e não pode ser confundido, como ultimamente vem acontecendo entre nós, com o princípio da razoabilidade, de origem anglo-saxônica, pois não apenas são diversos em sua destinação, como são verdadeiramente incomensuráveis.

Já Celso Antônio Bandeira de Mello111 entende que os dois princípios têm a

mesma matriz constitucional, a legalidade, não sendo a proporcionalidade outra coisa

senão um aspecto da própria razoabilidade:

Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade. Merece destaque próprio, uma referência especial, para ter-se maior visibilidade da fisionomia específica de um vício que pode surdir e entremostra-se sob essa feição de desproporcionalidade do ato, salientando-se, destarte, a possibilidade de correição judicial arrimada neste fundamento. Posto que se trata de aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste- nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade. O conteúdo substancial desta, como visto, não predica a mera coincidência de conduta administrativa com a letra da lei, mas reclama adesão ao espírito dela, à finalidade que a anima.

Seguindo mesmo entendimento, Luiz Carlos Branco112 preceitua que

O princípio da proporcionalidade contém o princípio da razoabilidade, na medida em que este consiste em apenas um dos elementos da proporcionalidade, a adequação. É, portanto, muito mais amplo e na medida que possui uma lógica de regra deve ser obedecido seus três elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. É o princípio que garante muito mais os direitos fundamentais. É o princípio garantidor do Estado Democrático de Direito.

Esclarece o autor que no direito brasileiro, o princípio da proporcionalidade

tem sido aplicado em decisões do Supremo Tribunal Federal e de outros Tribunais do

país, e, quase sempre, suas decisões vêm acompanhadas do princípio da razoabilidade,

como se fosse um único princípio113.

111 Curso de direito tributário, 1993, p. 101-102. 112 Eqüidade, proporcionalidade e razoabilidade. 2006, p. 29. 113 Eqüidade, proporcionalidade e razoabilidade. 2006, p. 138.

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Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também é possível

encontrar em votos e ementas que tanto identificam quanto diferenciam os dois

princípios.

No julgamento da Adin 958-3 RJ, o Ministro Gilmar Mendes observou em

seu voto que,

ainda que o legislador pudesse estabelecer restrições ao direito dos partidos políticos de participar do processo eleitoral, a adoção de critérios relacionado com fatos passados para limitar a atuação futura desses partidos pareceria manifestamente inadequada e, por conseguinte, desarrazoada. Essa decisão consolida o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como postulado constitucional autônomo que tem sua sede material na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal (art. 5º, inciso, LIV).

O mesmo entendimento é seguido pelo Ministro Celso de Mello114,

(...) considerações doutrinárias em torno da questão pertinente as lacunas preenchíveis. Todos os atos emanados do poder público estão necessariamente sujeitos, para efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do poder público devem ajustar-se as cláusulas que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of Law (...).

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal também já reconheceu que os

dois princípios têm dimensão normativa distinta quando os invoca conjuntamente para

fundamentar suas decisões115.

A proporcionalidade e a razoabilidade parecem em um primeiro momento

serem sinônimas. Todavia, entendemos que há distinção entre elas, tanto que, para o

114 No julgamento da Adin 958-3 RJ. 115 RMS 24901/DF, Rel. Ministro Carlos Britto, 26/10/2004, informativo 367.

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exame da proporcionalidade, a doutrina estabelece uma linha de raciocínio que se faz

de forma objetiva por meio da verificação, no ato do poder público, do implemento

dos requisitos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Diferentemente, o exame da razoabilidade é influenciado pela sua aplicação

no sistema do common Law, no qual a ideia do razoável é feita quase que

intuitivamente pelo juiz que, na apreciação do caso concreto, leva em conta apenas as

circunstâncias que o individualizam, sem que exista uma aparente preocupação com a

fundamentação teórica do posicionamento adotado.

3.2.3. Princípio da proporcionalidade

A tradução do conteúdo do princípio da proporcionalidade nem sempre se

encontra explicitada sob esta epígrafe, motivo pelo qual procederemos a uma breve

explanação acerca de outras denominações porventura utilizadas para transmitir esta

mesma noção e a uma análise de seu real conteúdo.

A doutrina alemã, a título de ilustração, utiliza indistintamente as

nomenclaturas proporcionalidade e proibição de excesso. Os americanos são mais

caros ao uso do termo razoabilidade, o qual, nada obstante, é também usado em certas

ocasiões com conteúdo diverso ao da proporcionalidade, embora se completem, como

teremos oportunidade de observar.

Neste sentido, com relação ao estudo do princípio da proporcionalidade no

direito Alemão, Wills Santiago Guerra Filho116 preceitua que

116 Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. 2005, p. 25

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(...) para haver adequação, o que importa é a conformidade com o objetivo é a ‘prestabilidade’ para atingir o fim da medida. O BverfG reconhece, porém, que o estabelecimento de objetivos e de meio para alcançá-lo é um problema de política legislativa (ou administrativa) que a ele não cabe resolver, em substituição das autoridades constitucionalmente competentes, reservando-se para interferirem só em casos excepcionais e raros, onde é patente sua inadequação e objetivamente imprescindível à medida, sendo a avaliação feita para torná-la claramente errônea e refutável.

(...)

Nesse quadro, vale acrescentar, com relação ao controle de medidas provenientes da Administração Pública, que por se tratar de uma função estatal a ser exercida em obediência a normas preexistentes, não há tanto a se discutir sobre finalidade e objetivos ‘desejados’, mas sim, acima de tudo, sobre adequação daquelas medidas a tais propósitos previstos normativamente. Caso elas impliquem limitação de direitos fundamentais, deve-se verificar antes de mais nada se o ato administrativo não deixou de corresponder ao sentido da norma que deveria realizar concretamente. É que esse ato, assim como as decisões provenientes do Judiciário, volte-se para aplicação do direito em situações individuais, no que a importância da proporcionalidade será tanto maior, na medida da margem e discricionariedade deixada pelo legislador para avaliação das autoridades administrativas (ou órgão judicial).

O princípio da proporcionalidade é um princípio muito importante, pois

visa a garantir o Estado Democrático de Direito. Ele vai garantir que não haja a

eliminação de um direito fundamental quando em conflito com outro, respeitando o

seu núcleo essencial.

A nossa Constituição condensa dois princípios estruturantes: o Estado de

Direito e o princípio democrático. Na medida em que eles se implicam mutuamente,

pode-se imaginar que o desrespeito de um princípio acarretaria o desrespeito ao outro.

É o princípio da proporcionalidade que vai garantir a ligação entre o Estado

de Direito e a Democracia.

A doutrina brasileira adotou a denominação clássica princípio da

proporcionalidade, e como consequência dos avanços doutrinários nesta área

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identificou três subprincípios ou elementos ligados a este princípio, quais sejam: a

adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

O primeiro traduz uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido

pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de

uma relação de causalidade, pela qual se entende que uma lei somente deve ser

afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado

perseguido.

A necessidade diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos

indispensável à preservação do próprio direito por ela restrito ou a outro em igual ou

superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos nocivo capaz de

produzir o fim propugnado pela norma em questão.

Por último, o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito diz

respeito a um sistema de valoração, na medida em que, ao se garantir um direito,

muitas vezes é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após

um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente protegido por

determinada norma apresenta conteúdo valorativamente superior ao restrito117. O juízo

de proporcionalidade permite um perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio

empregado, ou seja, o resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do

particular deve ser proporcional à carga coativa da mesma118.

117 Assim, “O juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. (...) Decorre da natureza dos princípios válidos a otimização das possibilidades fáticas e jurídicas de uma determinada situação.” STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 1995, p.81. 118 J. J. G. CANOTILHO. Direito constitucional e teoria da constituição. 1998, p. 263.

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Nesse sentido, a lição de Fernando Marcelo Mendes 119:

Por isso é que, diante das antinomias de princípios, quando em tese mais de uma pauta lhe parece aplicável à mesma situação de fato, ao invés de se sentir obrigado a escolher este ou aquele princípio, com exclusão de outro que, prima facie, repute igualmente utilizáveis como norma de decisão, o interprete fará uma ponderação entre os Standards concorrentes (obviamente se todos forem princípios válidos, pois só assim podem entrar em rota de colisão) optando, afinal, por aquele que, nas circunstancias, lhe pareça mais adequado em termos de otimização de justiça. Em outras palavras Alexy, resolve-se esse conflito estabelecendo, entre os princípios concorrentes, uma relação de precedência condicionada, na qual se diz, sempre diante das peculiaridades do caso, em que condições um princípio prevalece sobre o outro, sendo certo que, noutras circunstancias, a questão da precedência poderá resolver-se de maneira inversa.

Humberto Ávila120 fala, a partir do exame de proporcionalidade em sentido

estrito, que o meio utilizado deve proporcionar vantagens superiores às desvantagens

decorrentes de sua utilização, pois o Estado “tendo obrigação de realizar todos os

princípios constitucionais, não pode adotar um meio que termine por restringi-los mais

do que promovê-los em seu conjunto”.

Comentando os três elementos conformadores do princípio da

proporcionalidade, o Ministro Gilmar Mendes121 explica que o exame da adequação e

da necessidade tem de ser feito atendendo-se as diferenças de peso que apresentam em

um juízo de ponderação:

O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Eforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o individuo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e menos onerosa. Ressalte-se que, na prática, adequação e necessidade não tem o mesmo peso ou relevância no juízo de ponderação. Assim, apenas o que é adequado pode

119 Discricionariedade administrativa e os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação no controle jurisdicional do silêncio administrativo. 2005, p. 58. 120 Conteúdo, limites e intensidade dos controles de razoabilidade, de proporcionalidade e de excessividade das Leis. 2004, p. 369/384. 121 O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2001.

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ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado. Pieroth e Schlink ressaltam que a prova da necessidade tem maior relevância do que o teste da adequação. Positivo o teste da necessidade, não há de ser negativo o teste da adequação. Por outro lado, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado definitivo ou final122.

Estes três elementos que compõem o princípio da proporcionalidade são

instrumentos limitadores da atuação dos poderes constituídos e – por que não dizer? –

à própria liberdade de o Judiciário, no julgamento de uma medida normativa ou de um

comportamento administrativo qualquer, pretender simplesmente substituir, pela sua

própria, a vontade do legislador ou do administrador. Também tal princípio colabora

para estabelecer parâmetros objetivos para que o exame da proporcionalidade seja

manifestado na apreciação de um determinado comportamento do poder público123.

Portanto, o princípio da proporcionalidade funciona como controle dos atos

estatais, com a inclusão e manutenção desses atos dentro do limite da lei e adequados a

seus fins. Seu verdadeiro sentido é de que a proporcionalidade deverá pautar a

extensão e intensidade dos atos praticados, levando em conta o fim a ser atingido, além

de não visar ao emprego da letra fria da lei, apenas, mas sim à sua proporcionalidade

com os fatos concretos, devendo o aplicador da norma usá-la de modo sensato, com

vistas à situação específica de cada contribuinte.

Não havendo a tal proporcionalidade entre os meio utilizados e o fim

almejado, o ato estará eivado de vício e será considerado ilegítimo, podendo sofrer a

correção pelo Poder Judiciário.

Portanto, este princípio é uma verdadeira garantia do Estado Democrático

de Direito e exerce simultaneamente na ordem jurídica a dupla função de proteger a

122 O próprio ministro Gilmar Mendes aplicando esta teoria na prática, no julgamento da Reclamação nº 2126, no informativo do STF nº 288, aplicou os três elementos do princípio da proporcionalidade. 123 Fernando Marcelo, MENDES. Discricionariedade administrativa e os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da motivação no controle jurisdicional do silêncio administrativo. 2005, p. 61.

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esfera de liberdade individual contra medidas estatais arbitrárias e de viabilizar a

concretização dos direitos humanos.

A aplicação desse princípio é pertinente no que tange tanto à instituição dos

deveres instrumentais, quanto às sanções pelo descumprimento dos deveres

instrumentais.

3.2.4. Princípio da Razoabilidade

Recaséns Siches124 desenvolveu a lógica do razoável ao demonstrar que a

produção de normas jurídicas deve ser informada pela noção do razoável, que se

aperfeiçoa a partir de elementos objetivos e também das circunstâncias que envolvem

o homem e os seus valores.

No Brasil, a razoabilidade, tomada como limite ao exercício da atividade

legislativa, foi analisada por Carlos Roberto de Siqueira Castro125, da seguinte forma:

A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma dispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim, ‘means-end relationship’, segundo a nomenclatura norte-americana – da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política.

124 Maria Rosynete OLIVEIRA LIMA. Devido processo legal. 1999, p. 280-281. 125 O devido processo legal e a razoabilidade das leis nova Constituição do Brasil. 1989.

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A razoabilidade construída a partir da sintética cláusula do due process of

law pela jurisprudência da Suprema Corte Americana, nada mais é, no direito

brasileiro, do que a consequência natural e lógica da aplicação dos princípios

constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da

ampla defesa, do contraditório e de outros que foram positivados no texto

constitucional brasileiro, na solução dos casos concretos postos a exame em processo

administrativo ou judicial, pois não se imagina que qualquer norma geral ou individual

que seja editada em observância a todos esses vetores que lhe são informadores, ao

mesmo tempo, possa ser considerada irrazoável.

José dos Santos Carvalho Filho126conceitua o princípio como:

Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa. Ora, o que é totalmente razoável para uns pode não ser para outros. Mas, mesmo quando não seja, é de reconhecer-se que a valoração se situou dentro dos Standards de aceitabilidade. Dentro desse quadro, não pode o juiz controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é licito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque isso se coloca o óbice da separação de funções, que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado ao controle.

Sustenta este jurista que, no contexto da Administração Pública, a falta de

razoabilidade é reflexo da inobservância de requisitos exigidos por lei para a validade

da conduta. Igualmente, quando a falta de razoabilidade se fundamenta em situação na

qual o administrador objetiva algum interesse particular, estar-se-á violando o

princípio da moralidade, ou da impessoalidade.

126 Manual de direito administrativo. 2003, p. 23.

Page 105: Andreia Fogaca Maricato

105

E conclui que a razoabilidade tem que ser observada pela Administração na

medida em que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade.

Atuando fora destes padrões, o comportamento estatal perecerá de vício. Ou seja, não

pode haver violação ao princípio da razoabilidade quando a conduta administrativa é

inteiramente revestida de licitude.

Portanto, o princípio da razoabilidade deve ser respeitado pela

Administração Pública, e a sua ofensa pressupõe que a ação praticada é ilegal,

podendo ser invocado quando do controle da Administração pelo Judiciário.

Por fim, Humberto Ávila127 destaca três acepções da razoabilidade:

Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar nas normas gerais. Segundo, a razoabilidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referencia, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. São essas acepções que passa, a ser investigadas.

Podemos concluir que o princípio da razoabilidade tem como função

controlar os atos estatais, visando ao cumprimento dos valores fundantes do

ordenamento jurídico, com base ideal de justiça num determinado tempo e espaço.

127 Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2005, p. 69.

Page 106: Andreia Fogaca Maricato

106

3.2.5 Razoabilidade e proporcionalidade nos deveres

instrumentais

Os deveres instrumentais, além de serem instituídos por lei, deverão

observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ou seja, é vedado à

administração pública exigir do contribuinte ou responsável o cumprimento de deveres

(fazer ou não fazer ou omitir), que ultrapassem o limite de sua competência legislativa

e que não sejam adequados às necessidades da fiscalização.

Portanto, a criação dos deveres instrumentais deve respeitar o princípio da

razoabilidade, constituído com base nos princípios da legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade, ampla defesa, contraditório, etc.; e o princípio da

proporcionalidade, que veda o excesso do ente público, garantindo a ligação entre o

Estado de direito e a democracia. Para isto, os deveres instrumentais devem respeitar

os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

3.2.6. Princípio da proporcionalidade e razoabilidade nas sanções

pelo descumprimento dos deveres instrumentais

Primeiramente, cabe ressaltar que a multa fiscal (objeto de análise do

capítulo 5) tem natureza eminentemente sancionatória, ou seja, existe para penalizar o

contribuinte pelo não cumprimento da obrigação tributária ou dos deveres

instrumentais, e, com isto, desencorajá-lo a não adimplir o tributo ou deixar de prestar

informações pontualmente.

Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na aplicação das multas

é de essencial importância, visto que a competência legislativa deve ser exercida na

extensão e intensidade proporcional ao que seja realmente necessário para o

Page 107: Andreia Fogaca Maricato

107

cumprimento da finalidade a que esta atrela. Os atos normativos cujos conteúdos

ultrapassem o necessário para alcançar o objetivo que justifica o uso da competência

ficam viciados de ilegitimidade, porque desbordam do âmbito de competência,ou seja,

superam os limites existentes em determinado caso.

Portanto, a aplicação de multa pelo descumprimento dos deveres

instrumentais deve guardar relação com os princípios da razoabilidade e

proporcionalidade entre a falta cometida pelo contribuinte ou responsável e a sanção

aplicável; caso contrário, a autoridade administrativa estará adentrando o patrimônio

do contribuinte, em total afronta não só estes princípios como também ao princípio do

não confisco.

Este também é o entendimento jurisprudencial do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. EFLUENTES LANÇADOS POR ABATEDOURO NO RIO VERDE. CUMULAÇÃO DAS SANÇÕES DE MULTA E EMBARGO. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA SANÇÃO. SÚMULA 07. VIOLAÇÃO DOS ART. 7º DA LEI 1533/51 E ART. 28 DA LEI 6437/77. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF.

1. A aferição da suposta violação de princípios constitucionais; in casu contraditório e ampla defesa, não enseja recurso especial.

2. A proporcionalidade da pena, imposta à luz da gravidade da infração, dos antecedentes do infrator e da situação econômica deste, com supedâneo no art. 6º da Lei nº 9.605/98, demanda reexame de matéria fática, insindicável por esta Corte, em sede de recurso especial, ante a incidência da Súmula 07/ S.T.J.

3. A simples indicação dos dispositivos tidos por violados (art. 7º da Lei 1533/51 e art. 28 da Lei 6437/77), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF.

4. A título de argumento obiter dictum, cumpre destacar que na exegese dos arts. 6º e 21 da Lei 9.605/98, mercê do necessário temperamento na dosimetria na aplicação da sanção administrativa, porquanto possibilita à autoridade competente, observando os elementos fáticos enumerados nos incisos I, II e II do art. 6º, adequar, de forma exemplar, a reprimenda a ser aplicada ao agente poluidor, não afasta a imposição cumulativa das sanções administrativas, posto expressamente prevista no art. 21 da legislação in foco.

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108

5. Deveras, a violação a decreto tout court não enseja a interposição de Recurso Especial, uma vez que esses atos normativos não se enquadram no conceito de "lei federal" inserto no art. 105, III, "a", da Constituição Federal. Precedentes do STJ: REsp 861.045/RS, Segunda Turma, DJ 19.10.2006 e REsp. 803.290/RN, Segunda Turma, DJ 17.08.2006 .

6. Recurso especial não conhecido. (RECURSO ESPECIAL Nº 873.655 - PR (2006/0170148-0), rel. Min. LUIZ FUX, DJU 15/09/2008).

Deste modo, verifica-se que a sanção aplicada ao descumprimento do dever

instrumental, assim como o próprio dever instrumental não podem ser criados e

exigidos pelo fisco de forma aleatória, devem respeitar os princípios da razoabilidade e

proporcionalidade, além dos demais princípios constitucionais tributários, sob pena de

serem declarados inconstitucionais.

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109

CAPÍTULO 4: REGRA MATRIZ DE

INCIDÊNCIA TRIBURÁRIA E A REGRA MATRIZ

DOS DEVERES INSTRUMENTAIS

4.1. Dever instrumental

Consoante aduzido anteriormente no Capítulo 2, adotamos a terminologia

“deveres instrumentais”, eleita pelo direito positivo para as chamadas obrigações

acessórias. Deste modo, partimos do entendimento de que os deveres instrumentais

regulam a atuação do contribuinte, pois são tidos como normas de conduta. Paulo de

Barros Carvalho128 define os chamados deveres instrumentais como sendo os elos

concebidos visando ao aparecimento de deveres jurídicos, que os súditos do Estado,

sujeito ativo (Fisco), têm a obrigação de respeitar, no sentido de imprimir efeitos

práticos à percepção dos tributos. Em suas palavras:

São liames concebidos para produzirem o aparecimento dos deveres jurídicos, que os súditos do Estado hão de observar, no sentido de imprimir efeitos práticos à percepção dos tributos. É dever de todos prestar informações ao poder público, executando certos atos e tomando determinadas providências de interesse geral, para que a disciplina do relacionamento comunitário e a administração da ordem pública ganhem dimensões reais concretas. Nessa direção, o cumprimento de incontáveis deveres é exigido de todas as pessoas, no plano sanitário, urbanístico, agrário, de trânsito, etc., e também, no que entende com a atividade tributante que o Estado exerce.

Exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro aos cofres públicos,

advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito que, por sua vez consiste no

vínculo estabelecido entre sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo (contribuinte),

acarretando, por conseguinte, um direito subjetivo ao Estado, por meio da

Administração, e dever jurídico ao contribuinte, todos os demais deveres impostos a

128 Curso de direito tributário. 2008, p. 804.

Page 110: Andreia Fogaca Maricato

110

esse mesmo sujeito passivo, defronte ao tributo instituído, com a inerente característica

da impossibilidade de mensuração econômica, de cunho administrativo, devem ser

entendidos como deveres instrumentais.

É por meio dos deveres instrumentais que o Estado consegue fazer o

controle, no que tange à observação do cumprimento das obrigações inerentes à

instituição dos gravames fiscais e nos casos em que, como exemplos, temos: a

expedição de notas fiscais, a prestação de informações, a emissão de faturas, a

escrituração de livros, o registro do papel imune, dentre outros.

O objetivo principal de tais deveres é instrumentalizar a atividade de

arrecadação e a fiscalização dos tributos. São regras constituídas com a finalidade de

controlar a ocorrência de fazer com que os contribuintes suportem e ajudem na

fiscalização, para apurar o eventual nascimento de obrigação tributária material ou

demonstrar o seu não nascimento, como nos casos de imunidade. Portanto, são

medidas necessárias ao controle da ação de tributar e são dirigidas diretamente à

conduta dos contribuintes ou a quem a lei determinar, impondo-lhes deveres de tomar

certas medidas destinadas a possibilitar à Administração controlar o nascimento ou

não da regra matriz de incidência tributária.

Assim, todo contribuinte, na posição de sujeito passivo da relação jurídica

tributária (ou quem a lei determinar), beneficiado, por exemplo, por uma imunidade,

isenção, anistia e até mesmo nos casos de suspensão da exigibilidade do crédito

tributário, não está desobrigado ao cumprimento dos deveres instrumentais. Os

referidos deveres apresentam existência própria, mesmo sem o nascimento da

obrigação tributária. Em outras palavras, os deveres instrumentais não estão

dispensados, pelo contrário, são obrigatórios, pois, é por intermédio deles que os entes

políticos mantêm o controle sobre se a imunidade está sendo gozada e por quem de

direito.

Page 111: Andreia Fogaca Maricato

111

Logo, determinado sujeito passivo imune continua tendo obrigação de

prestar os deveres instrumentais, vez que esta é a ferramenta do Estado na

operacionalização da Regra Matriz de Incidência Tributária ou na averiguação de seu

surgimento. Em caso de não cumprimento, a imunidade poderá ser suspensa, assim

como a isenção e a anistia poderão ser revogadas.

4.2. Regra-Matriz de incidência tributária como norma em

sentido estrito

A regra matriz de incidência tributária, descrita pioneiramente pelo

professor Paulo de Barros Carvalho129, expõe os critérios necessários à instituição do

tributo.

Esboça apenas a estrutura minimal do tributo, isto é, o plano sintático da

norma jurídica, que, para cumprir sua função de regular condutas intersubjetivas

(plano pragmático), requer que as estruturas seja preenchidas com conteúdo de

significação (plano semântico).

No altiplano geral e abstrato, a regra matriz institui o tributo, porém, para

que a conduta intersubjetiva prevista seja jurisdicizada, é imperioso que o ser humano

produza a linguagem individualizadora e concretizadora, o que somente é possível

realizada a incidência.

A regra matriz, após sofrer a incidência, produz a obrigação tributária e

também o crédito tributário. Saímos do mundo geral e abstrato e ingressamos no

individual e concreto.

129 Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2008.

Page 112: Andreia Fogaca Maricato

112

Só há obrigação e crédito tributário após a incidência da regra matriz.

A regra matriz de incidência tributária é uma forma utilizada para

simplificar os enunciados e para melhor entender os tributos, possibilitando explicar

questões jurídicas e mostrar os limites constitucionais que o legislador e aplicador da

norma devem respeitar.130 Por se tratar de uma norma jurídica131, esta definida como o

juízo hipotético condicional que construímos a partir da leitura dos textos, é composta

por uma hipótese e um consequente132. “A hipótese prevê um fato de conteúdo

econômico, enquanto o consequente estatui um vínculo obrigacional entre o Estado, ou

quem lhe faça às vezes, na condição de sujeito ativo, e uma pessoa física ou jurídica,

particular ou pública, como sujeito passivo, de tal sorte que o primeiro ficará investido

do direito subjetivo público de exigir, do segundo, o pagamento de determinada

quantia em dinheiro. Em contrapartida, o sujeito passivo será cometido do dever

jurídico (ou dever subjetivo) de prestar aquele objeto”133.

No descritor da norma (hipótese), tem-se o critério material que descreve o

comportamento de uma pessoa, representado por um verbo e o seu complemento,

condicionado no tempo (critério temporal) e na área delimitada (critério espacial). O

critério material consiste no cerne do fato jurídico tributário, sendo composto sempre

de um verbo acompanhado de um complemento. Os critérios espacial e temporal

interligam, respectivamente, o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico tributário pode

ocorrer.

130 Paulo de Barros CARVALHO. Parecer à Associação Brasileira de Franchising. 2004, p. 12 e 13. 131 Segundo o professor Paulo de Barros Carvalho, a regra matriz de incidência tributária é uma norma jurídica em sentido estrito, pois é composta por todos os critérios da hipótese de do consequente, (Curso de direito tributário. 2008, p. 374 e ss.). 132 Paulo de Barros CARVALHO. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p 38-39. 133 Idem, p. 80.

Page 113: Andreia Fogaca Maricato

113

No consequente identificaremos o critério pessoal, com a presença do

sujeito ativo e do sujeito passivo, e o critério quantitativo apura o quantum pertence ao

tributo, através da base de cálculo e alíquota.

O critério material é o que informa o núcleo da conduta descrita no

antecedente das normas tributárias, representado em termos morfológicos por um

verbo pessoal e um complemento. Nesse sentido, leciona Paulo de Barros Carvalho134

que o critério material de qualquer tributo é formado por um verbo pessoal de

predicação incompleta, o que importa a obrigatória presença de um complemento. E

completa que “para definição do antecedente da norma padrão do tributo, quadra

advertir que não se pode utilizar o verbo da classe dos impessoais (como haver), ou

aqueles sem sujeito (como chover), porque comprometeriam a operatividade dos

desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance (...). É forçoso que

se trate de verbo pessoal e de predicação incompleta, o que importa a obrigatória

presença de um complemento” 135.

Portanto, o critério material do imposto de renda, por exemplo, é: auferir

renda (verbo e complemento); da mesma forma o do ICMS é: realizar operação (verbo

e complemento) de circulação de mercadoria; do imposto sobre serviço de qualquer

natureza é: prestar serviço (verbo e complemento).

É por meio do aspecto espacial do antecedente de uma norma jurídica que

se identifica a localização no espaço em que o ordenamento jurídico atribui àquele fato

a aptidão de ensejar a produção de normas jurídicas lato sensu que tenham por

mandamento regular relações intersubjetivas.

134Idem, p. 257. 135Ibidem.

Page 114: Andreia Fogaca Maricato

114

Paulo de Barros Carvalho136 ensina:

O comportamento de uma pessoa, consistência material lingüisticamente representa por um verbo e o seu complemento, há de estar delimitado por condições espaciais e temporais, para que o perfil típico esteja perfeito e acabado, como descrição normativa de um fato. Seria absurdo imaginar uma ação humana, ou mesmo qualquer sucesso da natureza, que se realize independentemente de um lugar e alheio a determinado trado de tempo.

Além disso, todo fato ocorre em um determinado instante, trazido pela

norma tributária, e nesse preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o

liame jurídico que amarra devedor e credor em função de um objeto.137 O critério

temporal demarca o exato instante em que se considera ocorrido o fato jurídico

tributário.

Para que o direito reconheça um fato como jurídico, incumbe ao utente

identificar, no antecedente normativo, as notas que permitam apurar o momento em

que se reputa ocorrida a materialidade contida na regra matriz, ou seja, o instante em

que aquele acontecimento passa a ser juridicamente relevante138.

No consequente, prescreve-se uma conduta intersubjetiva que deverá ser

observada em razão da ocorrência do fato previsto, legal e abstratamente, no

antecedente. Aqui no prescritor, tem-se uma proposição relacional por meio do qual

uma pessoa (sujeito ativo) tem o direito subjetivo de exigir de outra (sujeito passivo) o

cumprimento de certa conduta (obrigatória, proibida ou permitida), e esta, em

contrapartida, tem a obrigação jurídica de realizá-la.

136 Curso de direito tributário. 2008, p. 181. 137 Idem, p.264. 138 A lei pode prevê um determinado momento para a completude do fato jurídico tributário diverso daquele do critério material, como por exemplo no ICMS, o critério material é: realizar operação de circulação de mercadoria, portanto, o momento seria naturalmente aquele em que o negócio é realizado, em que a compra e venda é realizada. Mas não é o da lei de ICMS que prescreve, como sendo o critério temporal a saída da mercadoria do estabelecimento.

Page 115: Andreia Fogaca Maricato

115

O critério pessoal é o que informa os sinais que permitem identificar os

sujeitos de direito referentes à relação intersubjetiva prescrita e que se biparte em

sujeito ativo e sujeito passivo.

Segundo Geraldo Ataliba139, “o sujeito ativo é o credor da obrigação

tributária. É a pessoa a quem a lei atribui a exigibilidade do tributo. Só a lei pode

designar o sujeito ativo. Esta designação compõe a hipótese de incidência tributária,

integrando seu aspecto pessoal.”

Em regra geral, o sujeito ativo é a pessoa titular da competência tributária

(União, Estados, Distrito Federal e Municípios), respeitadas as hipóteses de

capacidade tributária ativa.

O sujeito passivo é definido por Paulo de Barros Carvalho140 como sendo a

pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da

prestação pecuniária, nos nexos obrigacionais e insuscetíveis de avaliação patrimonial,

nas relações que vinculam meros deveres instrumentais ou formais.

A realização da relação jurídica tributária implica uma correlação de

deveres e obrigações recíprocas. Assim, o sujeito ativo, o credor, o Estado (União,

Estados, Distrito Federal e Municípios) tem o direito subjetivo de exigir de outro,

sujeito passivo, cidadão, já no papel de contribuinte, uma prestação em dinheiro.

Nem sempre o sujeito ativo é aquele que tem competência tributária. Poderá

ser uma outra pessoa a quem o sujeito competente transfira sua capacidade ativa. É o

139 Geraldo ATALIBA, Hipótese de incidência tributária. 2004, p.83. 140 Curso de direito tributário. 2008, p. 304.

Page 116: Andreia Fogaca Maricato

116

que acontece na parafiscalidade, quando uma autarquia vem a ocupar o polo ativo de

uma contribuição social, por exemplo.

Por fim, o critério quantitativo é aquele que informa o quanto, em dinheiro,

deve ser entregue pelo sujeito passivo ou dele retirado. Para se chegar a esse valor,

conjuga-se a base de cálculo com a alíquota.

Paulo de Barros Carvalho141 esclarece o papel do critério quantitativo na

norma tributária:

(...) a base de cálculo é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, a dimensionando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.

A base de cálculo tem como função mensurar o critério material para se

apurar o valor total do fato, que, combinado com alíquota, resulta no chamado débito

tributário.

Alfredo Augusto Becker142 destaca que a base de cálculo é aquilo que

permite identificar o gênero do tributo.

Em notas de atualização à obra de Aliomar Baleeiro, Misabel Abreu

Machado Derzi143 afirma que a base de cálculo de um tributo é uma obra de grandeza

que passa no consequente normativo e que é composta por dois elementos: o primeiro,

o método de conversão, que é a ordem de grandeza (altura, peso, valor, metro, etc.)

selecionada pelo legislador entre os atributos do fato descrito na hipótese; o segundo, o

141 Idem, p. 235. 142 Teoria geral do direito tributário. 2007, p. 261. 143 Aliomar BALEEIRO. Direito tributário brasileiro. 2007, p. 65.

Page 117: Andreia Fogaca Maricato

117

fato, que será medido e transformado em cifra pelo método de conversão. A base de

cálculo, afirma, presta-se à mensuração do fato descrito na hipótese, possibilitando,

assim, a quantificação do dever tributário, sua graduação proporcional à capacidade

contributiva do sujeito passivo e a definição da espécie tributária. Nesse tocante, a

autora formula uma crítica à concepção segundo a qual a base de cálculo só possuiria a

função de permitir a apuração do montante a pagar. Para ela, essa concepção reduz a

base de cálculo ao método de conversão e, assim, deixa de identificar na base de

cálculo o aspecto material do fato descrito na hipótese. Com isso, perde-se a

possibilidade de ter na base de cálculo um critério que permita caracterizar o tipo de

tributo instituído pela norma.

Paulo de Barros Carvalho144 entende que a base de cálculo apresenta três

funções distintas: (i) medir as proporções reais do fato; (ii) compor a específica

determinação da dívida; (iii) confirmar, infirmar ou afirmar o verdadeiro critério

material da hipótese tributária.

(i) A primeira função consiste em medir a intensidade do núcleo factual

descrito pelo legislador, que, conjugado com a alíquota, permite que se chegue ao

quantum debeatum.

Quando se fala em anunciar a grandeza efetiva do acontecimento, isto

significa a captação de aspectos inerentes à conduta ou ao objeto da conduta que se

aloja no miolo da conjuntura do mundo físico, surgindo, assim, a base de cálculo como

o resultante da conjugação desses elementos. Quase sempre a base de cálculo é um

valor em dinheiro.

144 Curso de direito tributário. 2008, p. 337.

Page 118: Andreia Fogaca Maricato

118

Sendo a dívida tributária expressa em pecúnia, quando a base não se

exprimir em símbolos monetários, a alíquota o será.

(ii) A segunda função consiste em compor a específica determinação da

dívida. Não basta medir a intensidade do fato, é necessário apontar que fator deve-se

unir a ela para que apareça o quantum da prestação pode ser exigido pelo sujeito ativo.

A base calculada deve mensurar um elemento do fato jurídico tributário:

sua magnitude, intensidade ou grandeza. Para isto, faz-se necessário que a base de

cálculo ofereça adequado critério de medição do fato produzido pela norma individual

e concreta.

(iii) A terceira e última função consiste em confirmar, infirmar ou afirmar o

verdadeiro critério material da hipótese tributária.

A base de cálculo é um índice seguro para indicar o genuíno critério

material da hipótese, ofertando-nos instrumentos concretos e eficientes para confirmar,

infirmar ou afirmar o enunciado da lei, surpreendendo o núcleo legítimo da incidência

jurídica, com três possibilidades: confirmando, toda vez que houver perfeita sintonia

entre o padrão de medida e o núcleo do fato dimensionado; infirmando, quando for

manifesta a incompatibilidade entre a grandeza eleita e o acontecimento que o

legislador declara como a medula da previsão fática; ou afirmando, no caso de ser

obscura a formulação legal, quando prevalece, como critério material da hipótese,

ação-tipo que está sendo avaliada.

Assim, havendo desencontro entre os termos do binômio hipótese de

incidência e base de cálculo, a base de cálculo é que deve prevalecer.

Page 119: Andreia Fogaca Maricato

119

Ao contrário da base de cálculo, a alíquota145 é mero componente aritmético

para a determinação da quantia que será o objeto da prestação tributária, tendo a

função objetiva na composição daquela multiplicação que rende o preciso valor da

dívida. Ao lado da função objetiva, existem outras. Por meio de técnicas de

manipulação do sistema de alíquotas (proporcionalidade, progressividade, alíquota

zero, etc.), o legislador realiza o princípio da igualdade tributária e atende a interesses

de índole extrafiscal. Além disso, mantendo as alíquotas dos diferentes tributos sob

determinados limites, evita-se que a tributação assuma o perfil do confisco.

A alíquota é um termo de mandamento da norma tributária que incide

quando se consuma o fato jurídico, dando nascimento à obrigação tributária concreta.

Assim, como a base de cálculo, é obrigatória a presença da alíquota, pois, ao serem

conjugadas, nascerá o valor da dívida a ser exigida pelo sujeito ativo em cumprimento

da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato típico.146

O importante é não esquecer que a função objetiva da alíquota é sua

conjugação com a base de cálculo, formando o quanto é devido. A alíquota pode

variar, inclusive, no mesmo tributo, como é o caso das alíquotas progressivas, mas não

lhe deve imprimir feições confiscatórias. Vale ressaltar, ainda, que a alíquota também

está submetida ao princípio da estrita legalidade, devendo, portanto, ser fixada por

meio de lei.

Seguindo o exemplo dado, a base de cálculo do ICMS é o valor da

operação, e a alíquota é de 18% (nos termos do artigo 34 do RICMS/SP). A base de

cálculo, sendo o valor da operação, confirma o critério material da hipótese, que é a

operação realizada.

145 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. 2008, p. 342. 146 Geraldo ATALIBA. Hipótese de incidência tributária. 2004, p.342.

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120

4.3. A regra matriz dos deveres instrumentais (RMDI)

No que concerne à regra matriz dos deveres instrumentais, veremos neste

item que ela não consta de um critério quantitativo, uma vez que os deveres

instrumentais visam a instrumentalizar a função estatal consistente na apuração da

ocorrência de fatos jurídicos tributários e eventual adimplemento da obrigação

tributária substantiva. Não se tem o que quantificar, por não se tratar de uma obrigação

pecuniária, mas uma obrigação de fazer ou não fazer, como instrumento da regra

matriz de incidência tributária.

A norma jurídica dos deveres instrumentais será validamente produzida se

prescrever condutas que tenham por finalidade prover a pessoa competente (que

exerce a função de fiscalização) da informação a respeito da ocorrência de fatos

jurídicos que ensejam o nascimento de obrigações tributárias e seu adimplemento pelo

sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica tributária.

Da mesma forma que a Regra Matriz de incidência tributária, a Regra-

Matriz dos deveres instrumentais é composta de antecedente e consequente, ligados

entre si pela causalidade jurídica ou imputação. Na hipótese, está descrito um fato que,

ocorrido, dará ensejo à obrigação administrativa tributária formal. Esta é uma

prestação de fazer ou não fazer, sem cunho patrimonial.

Assim, a Regra Matriz dos deveres instrumentais tem no seu antecedente, à

semelhança da Regra Matriz de incidência tributária, os critérios: material, espacial e

temporal.

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121

4.3.1. Critério Material

O artigo 115 do CTN prescreve: “Fato gerador da obrigação acessória é

qualquer situação que na forma da legislação aplicável impõe a prática ou a abstenção

de ato que não configure obrigação principal”.

O critério material pode ou não ser o mesmo descrito na hipótese da norma

tributária. Ou seja, essa norma é produzida com a finalidade de prover a autoridade

administrativa de informações sobre eventual ocorrência de fatos jurídicos que

ensejam o nascimento de obrigações tributárias, que sem eles, não poderiam ser

constituídas na forma jurídica própria.

A norma jurídica dos deveres instrumentais traz em seu critério material um

fato de possível ocorrência no mundo fenomênico, composto de um verbo e seu

complemento. Assim, por exemplo, “dado o fato de auferir renda”; “dado o fato de

realizar operação de circulação de mercadoria”; “dado o fato de serem partidos

políticos” (art. 150, VI, “c”, da CF).

Há casos em que o critério material dos deveres instrumentais é o fato de

ser responsável tributário. Como, por exemplo, na informação do Imposto de Renda

retido na fonte, ocasião em que, por meio de documento adequado, o empregador, por

ser o responsável tributário da retenção do imposto na fonte e seu repasse, tem como

dever instrumental prestar informações ao Fisco.

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122

4.3.2. Critério Espacial

O critério espacial nem sempre coincide com o âmbito de validade da Regra

Matriz de incidência tributária, qual seja, o território onde a referida norma tem

validade.

O critério espacial da hipótese de incidência abrange as regras jurídicas e

traz expressos os locais em que o fato deverá ocorrer, a fim de irradiar os efeitos que

lhes são característicos e as regras que nada mencionam, carregando implícitos os

indícios que nos permitem saber onde nasceu o laço obrigacional. Já a vigência

territorial da lei disciplinada na Constituição Federal veio para dar autonomia aos entes

políticos, evitar que a atividade legislativa de uma pessoa política interfira nas demais

e firmar diretrizes segundo as quais a legislação produzida pelo ente político vigore no

seu território, ou, se fora dele, somente através dos convênios de que participem.

Conclui-se que o critério espacial das normas tributárias não se confunde com a

vigência territorial da lei, apesar das coincidências existentes, pois o critério espacial

se refere ao local da incidência da norma, sem um limite; já a vigência territorial é o

local, porém, limitada a incidência da lei em espaço territorial. Conforme o exemplo a

seguir, é fácil a distinção entre ambas. O IPI, tomado na regra que prevê a incidência

sobre importação, e o IR: ambos são de competência da lei federal (vigência territorial

da lei), porém apresentam critérios espaciais diversos. O fato jurídico tributário, na

primeira hipótese, ocorrerá nas repartições aduaneiras, situadas em localidades

determinadas e limitadas. Já o IR alcança não só os acontecimentos verificados no

território nacional, mas também os fatos além de nossas fronteiras.

Portanto, nos deveres instrumentais, temos como critério espacial o local

determinado pela lei para o cumprimento das informações requeridas pelo Fisco, como

a entrega de documentos, fazer ou não fazer algo, etc.

Page 123: Andreia Fogaca Maricato

123

4.3.3. Critério Temporal

Da mesma forma que na regra matriz de incidência tributária, o critério

temporal é o momento em que ocorre o fato jurídico, trazido pela norma tributária de

deveres instrumentais, e é nesse preciso instante que acontece o fato descrito, passando

a existir o liame jurídico que amarra o sujeito passivo ao sujeito ativo em função do

objeto – fazer ou não fazer. O critério temporal demarca o exato instante em que as

informações deverão ser prestadas.

Cabe ressaltar a diferença entre critério temporal da hipótese de incidência e

a vigência da lei no tempo. O primeiro é o conjunto de indicações contido no suposto

da regra e que nos oferece elementos para saber, com exatidão, qual o preciso instante

em que acontece o fato descrito, passando a existir um liame jurídico que amarra

devedor e credor, em função de um objeto, ou seja, o pagamento da obrigação. Este

critério é muito importante, pois, por ele verifica se ocorreu a contagem da decadência

ou prescrição.

A vigência da lei no tempo marca o período de vigência da norma. Desta

forma, uma lei deixará de existir somente por outra que a revogue.

No caso das normas tributárias que instituem ou majoram tributos, devem

elas respeitar o princípio da anterioridade comum e nonagesimal (art. 150, inciso III

‘b’ e ‘c’ da CF), para que se possa exigir o seu cumprimento, ou seja, devem ser

publicadas antes do início do exercício financeiro em que se pretenda cobrar e antes de

decorridos noventa dias de sua publicação, nos casos das leis publicadas no final do

ano (com exceção do §1º do mesmo artigo). Já as demais normas entrarão em vigor,

salvo disposição em contrario, 45 dias após haverem sido publicadas.

Page 124: Andreia Fogaca Maricato

124

Portanto, o critério temporal dos deveres instrumentais pode ser diverso da

vigência da lei no tempo, como, por exemplo, no caso do ISS em que o prestador do

serviço tem o seu estabelecimento no Rio de Janeiro, porém, presta o serviço em São

Paulo, o que faz com que deva pagar o imposto de serviço de qualquer natureza em

São Paulo, que é o local da prestação do serviço. Todavia, deverá cumprir os deveres

instrumentais tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo, conforme previsão legal.

Trataremos da data para o cumprimento do dever instrumental como

integrante da RMDI, pois, quando a norma do dever instrumental é descumprida,

aparecerá a norma sancionadora, que prescreverá uma sanção que muitas vezes é mais

grave do que aquela imposta ao descumprimento da obrigação tributária.

4.3.3.1. Data do cumprimento do dever instrumental

O estudo das normas dos deveres instrumentais e das normas primárias

sancionatórias pelo descumprimento dos deveres instrumentais, pode ser melhor

desempenhado se acrescentarmos um critério temporal no consequente das normas

primárias dispositivas.

Este critério temporal permite divisar os tempos passado, presente e futuro

no direito em geral e, em relação ao direito tributário, permite que seja utilizado como

critério para apuração do cumprimento ou não das condutas previstas nos

conseqüentes das normas jurídicas.

Portanto, faz-se necessário introduzir na regra matriz dos deveres

instrumentais, a data para o seu cumprimento, porque, passada a data estipulada por lei

para o cumprimento do dever instrumental, sem que o dever esteja já cumprido pelo

contribuinte ou responsável, nesse exato instante nasce o evento “sanção”, pelo

Page 125: Andreia Fogaca Maricato

125

descumprimento do dever instrumental, evento que necessitará ser constituído pela

linguagem competente.

Luís Cesar Souza de Queiroz147 dá um exemplo que, demonstrando a

importância do critério temporal no consequente de qualquer norma jurídica tributária,

suponha que a norma do imposto sobre a renda determina, em seu consequente, que o sujeito que auferir renda (sujeito passivo) estará obrigado a entregar, em dinheiro (critério material quantitativo) 10% (alíquota) da renda auferida (base de cálculo) ao Estado (sujeito ativo), em qualquer repartição da receita federal (critério espacial), em tempo nenhum (critério temporal inexistente). O efeito seria não haver norma jurídica, pois a mensagem prescritiva de conduta intersubjetiva careceria de sentido deôntico completo: afinal, não tem sentido obrigar alguém a cumprir uma conduta em tempo nenhum; então, a cláusula final (“em tempo nenhum”) torna a mensagem um sem-sentido jurídico.

No que concerne à regra matriz dos deveres instrumentais, a data para o

cumprimento do dever imposto deve integrar o consequente da sua regra matriz, para

determinar o exato momento em que aquele dever foi cumprido, ou o exato momento

em se cabe a aplicação da multa pelo seu descumprimento.

Isto porque é o critério temporal do consequente do dever instrumental que

determina o nascimento do evento multa. Portanto, a lei que instituir os deveres

instrumentais deve estipular o tempo para o seu cumprimento.

4.3.4. Critério pessoal

Na norma de deveres instrumentais, como regra geral, o seu consequente

mantém-se o mesmo da Regra Matriz de incidência tributária, ressalvados alguns casos

147 Luiz César de QUEIRÓS. Regra matriz de incidência tributária. 2005, p. 225.

Page 126: Andreia Fogaca Maricato

126

em que o terceiro deverá prestar informações sobre determinada pessoa fiscalizada

(artigo 197 do CTN), assim como nos casos de substituição tributária, quando o

responsável tem que prestar informações ao Fisco.

Nos deveres instrumentais, será sujeito passivo da relação jurídica

instrumental a pessoa de quem se exige o cumprimento de informações, em linguagem

competente, que digam respeito à arrecadação e à fiscalização de tributos, ou ainda

aquele que suportar a atividade de fiscalização realizada pelo agente público

competente.

Nos termos do artigo 197 do CTN, algumas pessoas estão obrigadas a

prestar informações ao Fisco sobre bens, negócios ou atividades de terceiros, a saber:

tabeliães, escrivães, serventuários de ofício, bancos, instituições financeiras, empresas

de administração de bens, corretores, leiloeiros, inventariantes, síndicos, comissários,

liquidatários, etc. Todavia, o conteúdo desse artigo deve ser codificado com todo o

ordenamento jurídico, em especial com as finalidades que autorizam a produção de

normas jurídicas tributárias instrumentais e a intensidade dos meios utilizados para o

seu cumprimento. Do contrário, estaria ferindo princípios constitucionais

fundamentais, como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X, da

CF). Por isto, exige-se a harmonia do sistema, que é garantia constitucional,

interpretada com outros comandos jurídicos positivos, pois não é absoluta, já que deve

guardar relação de coordenação com outros valores igualmente prestigiados pela

ordem jurídica148.

No polo oposto, será sujeito ativo da relação jurídica dos deveres

instrumentais o ente tributante, quem detém a competência de instituir, arrecadar e

fiscalizar os tributos.

148 Maurício ZOCKUN. Regime jurídico da obrigação tributária acessória. 2005, p. 136-37.

Page 127: Andreia Fogaca Maricato

127

As pessoas que ocuparam os polos da relação jurídica tributária vinculada

ao aspecto material da hipótese de incidência da norma jurídica de direito tributário

material podem ocupar o mesmo polo na relação jurídica de deveres instrumentais,

porque tais pessoas podem informar e apresentar documentos que permitam ao agente

competente apurar, com elevado grau de certeza, se o fato decorrente da eclosão dos

efeitos dessa relação é patrimonialmente relevante e ao mesmo tempo é fato jurídico

tributário.

O responsável tributário também pode integrar na relação jurídica do dever

instrumental, quando assim a lei determinar, nos termos do artigo 128 do CTN.

Artigo 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Responsabilidade significa pagar o tributo no lugar daquele que praticou o

ato descrito na hipótese de incidência. Ou seja, terceira pessoa pode ser colocada como

responsável pelo pagamento do tributo ou do cumprimento do dever instrumental, no

lugar do sujeito passivo149.

Não podemos esquecer que para que nasça a obrigação do substituto é

necessário que tenha nascido a obrigação tributária ou o dever instrumental para o

verdadeiro contribuinte do imposto de renda, por exemplo. O substituto faz o que o

contribuinte deveria fazer, portanto, sua relação jurídica é posterior a relação jurídica

tributária do contribuinte.

149 Os artigos 130 a 133 do CTN prescrevem sobre a responsabilidade tributária.

Page 128: Andreia Fogaca Maricato

128

Sempre o regime jurídico que se aplica é o do substituído, se este é imune

ou isento a substituição não se realiza para obrigação tributária, mas permanece nos

deveres instrumentais.

4.3.5. Critério qualitativo

Aqui a RMDI diferencia-se da regra matriz de incidência tributária, pois

nos deveres instrumentais não temos um critério quantitativo, por não se tratar de uma

relação pecuniária; ou seja, ao falarmos de dever instrumental, conceituamo-lo como

uma prestação de fazer ou não fazer, que, por se tratar de uma prestação não

pecuniária, não pressupõe um critério quantitativo, pois não temos o que quantificar,

mas, sim, apenas o que qualificar.

Conforme já visto no capítulo 2, item 2.3, a obrigação é o vínculo de direito

pelo qual o sujeito passivo (credor) é compelido pela necessidade de pagar algo ao

sujeito ativo (credor). Em direito tributário, o objeto da obrigação tributária sempre

será uma quantia em dinheiro.

Optamos por adotar a expressão “dever instrumental” no lugar de

“obrigação acessória”, pois entendemos que os deveres instrumentais impõem ao

contribuinte ou responsável um fazer ou não fazer, que não se caracteriza por ser uma

obrigação, por estar despido de cunho patrimonial, motivo este por que não podem os

deveres instrumentais ser chamados de obrigações, conforme já visto no item 2.5 do

capítulo 2.

Portanto, no caso dos deveres instrumentais, por não se tratarem de uma

obrigação tributária, a relação que se instaura entre o sujeito ativo e o sujeito passivo

Page 129: Andreia Fogaca Maricato

129

tem como objeto um fazer ou não fazer. É uma prestação, sim, porém sem cunho

pecuniário.

Neste caso, a relação jurídica que se instaura nos deveres instrumentais será

da seguinte forma: sujeito ativo – credor; sujeito passivo – devedor; e objeto –

prestação

Rj: Sa objteto Sp

Rj: relação jurídica

Sa: sujeito ativo é o ente político.

Sp: sujeito passivo, contribuinte ou responsável.

Objeto: uma prestação de fazer ou não fazer.

O objeto da prestação é aquilo que o devedor se compromete a fazer ou não

fazer. É a prestação devida. E, nesta relação, o objeto, elemento material, consistirá

numa prestação de fazer ou não fazer. E deve ser possível e lícita, e, por se tratar de

dever instrumental, não é suscetível de estimação econômica.

O critério qualitativo do dever instrumental configura uma relação jurídica

composta por dois sujeitos, o ativo e o passivo, e uma prestação a ser cumprida,

consistente no objetivo prestacional, delimitada pelo critério qualitativo.

Page 130: Andreia Fogaca Maricato

130

Entendemos que apenas nas sanções pelo descumprimento dos deveres

instrumentais, conforme veremos no capítulo seguinte, é que teremos um critério

quantitativo.

4.3.6. Síntese exemplificativa da Regra Matriz dos deveres

instrumentais

Hipótese ou descritor:

Critério material – dado o fato da operação de circulação de mercadoria –

ICMS.

Critério espacial – dentro do território do Estado de São Paulo.

Critério temporal – no momento em que se realiza a operação.

Consequente ou prescritor:

Critério pessoal – sujeito ativo – Estado de São Paulo – Fisco. E sujeito

passivo – o mesmo contribuinte do ICMS (com as exceções criadas por lei e

permitidas pela CF).

Critério qualitativo – emissão de notas fiscais, entrega da DCTF, preencher

livros fiscais, registrar a contabilidade em livros comerciais e fiscais, etc.

Page 131: Andreia Fogaca Maricato

131

4.4. Relação entre meio e fim na teoria geral do direito

administrativo

O princípio da legalidade é um dos princípios de maior relevância à

Administração Pública. Inicialmente, “ele era concebido no sentido de que todo

elemento de um ato da Administração Pública devesse ser expressamente previsto

como elemento de alguma hipótese normativa: a norma devia, pois, fixar poderes,

direito, deveres, etc., modos e seqüências dos procedimentos, atos e efeitos em cada

um de seus componentes e requisitos de cada ata, etc.” 150

Com o passar do tempo o princípio da legalidade foi assumindo significado

diverso. Na experiência contemporânea, o princípio da legalidade passou a ser uma

regra de conteúdo da atividade administrativa, “uma regra de seu limite, inserindo-se

na dialética da autoridade e da liberdade”151. Em função disto, foi introduzida na

França a noção de regime administrativo para indicar a substância do princípio da

legalidade, enquanto caracterizador da administração do Estado contemporâneo. Tal

regime caracterizava-se pelos princípios: (i) da supremacia do interesse público sobre

o privado e (ii) da indisponibilidade dos interesses públicos.

Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr.152, a aceitação destes princípios ao

sistema do Direito Administrativo, envolve uma relação entre meio e fim aplicada de

modo evidente. E ressalta que esta relação, apesar da evidência, não é assumida com

plena percepção.

Conforme a tradição jusnaturalista da maioria de nossas dogmáticas, permanece, até certo ponto, uma evidência a afirmação de que normas jurídicas se relacionam à ação humana enquanto voltada para a consecução de fins, de tal modo que suas sanções fomentem os bons fins e impeçam os

150 Relação meio/fim na teoria geral do direito administrativo. Revista de direito público nº 61/27. 151 Idem, p. 27. 152 Idem, p. 28.

Page 132: Andreia Fogaca Maricato

132

maus. Também os direitos e deveres do governante se submetem a estas formas coativas.

E completa que a última tentativa global para solucionar a questão da

relação entre meio e fim voltados para a integração e justificação de um complexo de

ações encontra-se na fórmula da ‘autofinalidade’ do Estado. Com o positivismo no

século 19 e 20, esta fórmula foi desacreditada, e, desde então, o problema ficou aberto,

em que pesem as muitas tentativas de uma solução baseada em uma teoria geral.

Portanto a fórmula orientadora meios/fins, com a passagem para o Estado

de Direito, perde sua imediata relevância jurídica, sendo deixada de lado pelo

desenvolvimento do Direito Administrativo, que a vê com certa desconfiança,

limitando-se a acrescentá-la ao campo da discricionariedade. E, mesmo neste caso, a

estrutura funcional da relação entre meios e fins não é percebida com clareza.

O fim é apresentado como fundamento para a justificação dos meios, mas circunscrito a casos excepcionais que exigem outras regras, como a de meios não permitidos não podem ser empregados, porque fins que só podem ser alcançados por meios proibidos não podem ser juridicamente vinculantes. Estas formulações nos colocam, na verdade, dentro de uma capciosa tautologia que, afinal, serve apenas para fundamentar decisões que já tenham sido previamente tomadas. Em conseqüência, porém, quanto tautologias como esta se tornam por demais evidentes, o jurista tende a responsabilizar o político pelo problema; sem se aperceber de que sua causa está nas suas técnicas mesma de tratamento da relação meios/fins, as quais não permitem que o esquema seja adequadamente jurisdicizado153.

Por isto, quando se fala de meios e fins, pensamos logo em abusos e nos

problemas correlatos.

Todavia, o autor destaca que os juristas não percebem que “é a peculiar

função dos fins, localizada na neutralização axiológica das conseqüências”154. O uso

153 Idem, p. 29. 154 Idem, p. 30.

Page 133: Andreia Fogaca Maricato

133

heurístico da neutralização axiológica só é tratado praticamente no campo destinado à

discricionariedade e. assim mesmo. como um terreno à parte, não regulado e só sob

certas condições.

A questão da relação entre meio e fim pode ser percebida pela oposição

entre os modos de validação do direito. Tem-se por validade “uma relação entre uma

norma dada e a conformidade a preceitos superiores que determinam o seu

estabelecimento”155. O autor segue o entendimento de Kelsen, que assegura que uma

norma, para ser válida, deve estar em consonância com outra norma de superior

hierarquia.

Assim, partindo do entendimento de que a uma norma será válida na

medida em que se imuniza contra eventuais desconfirmações, classifica duas

diferentes técnicas de validação: a finalista e a condicional. Nesta, uma norma imuniza

outra condicionalmente na medida em que lhe fixa as condições de edição como a

competência e as hipóteses de incidência, deixando em aberto os fins a serem

atingidos. Já na finalista, uma norma imuniza outra finalisticamente na medida em que

lhe fixa fins a serem atingidos, deixando os meios em aberto.

Interpretando o regime administrativo, expresso na técnica de validação,

conclui Tércio Ferraz Jr.156 que

(...) pode-se dizer que a Administração Pública utiliza das duas validações. A validação condicional regula a entrada das informações que serão então tomadas como causa das decisões. Já a validação finalista regula a saída, as decisões, que provocarão efeitos no mundo circundante. Ou seja, aquilo que decide o que é interesse público e que será tratado pelo sistema da administração é a norma validada condicionalmente. E o que decide da legitimidade pública dos efeitos é a norma validada finalisticamente. Assim, a validação condicional imuniza o regime administrativo conta as consequências criticáveis das decisões, ou seja, o importante é que se tomem

155 Idem. Ibidem. 156 Idem, p. 31.

Page 134: Andreia Fogaca Maricato

134

decisões conforme as prescrições legais, e isto basta, em princípio. Já a validação finalista imuniza o regime administrativo quanto à adequação dos efeitos aos meios. Com isto, a Administração Pública se torna relativamente livre em relação ao seu mundo circundante.

O princípio da legalidade, junto com outros, é fundamental à administração

pública, pois ele subordina explicitamente a atividade administrativa à lei. E esta

subordinação é, no fundo, uma relação entre meios e fins, pois a atividade mencionada

se vincula à vontade da lei, não só em termos de conformidade, mas também de

autorização como condição da ação. “Desta vinculação decorrem consequências, como

a possibilidade de se definir o desvio de poder ou seu abuso, ao que se conjuga o

princípio da ampla responsabilidade do Estado”157.

O princípio da legalidade também tem um efeito de validação finalística

para o legislador, pois ele, ao fixar na lei um conjunto de princípios, se vê prisioneiro

de um sistema que ele próprio instaura.

Aplicando as duas técnicas de validação aos atos vinculados e

desvinculados, temos que o ato vinculado nada mais é que uma decisão validada de

modo condicional, pois aí a imunização ocorre pelo correto e rigoroso emprego dos

meios, enquanto o ato discricionário se refere à decisão validada de modo finalista, em

que há, portanto, a solidariedade entre meios e fins para a correta adequação, tendo em

vista os fins fixados e a atingir.

Portanto as relações entre meios e fins, vista pela técnica jurídica de

validação, tem implicações importantes, nem sempre aprofundadas pela Dogmática.

157 Idem, p, 32.

Page 135: Andreia Fogaca Maricato

135

4.4.1. A aplicação da relação entre meio e fim ao dever

instrumental

A relação entre meio e fim é também aplicada na esfera tributária e é por

intermédio dela que conseguiremos visualizar os limites para a instituição dos deveres

instrumentais e da aplicação das sanções pelo seu descumprimento.

Partindo da premissa de que o núcleo do direito tributário é o tributo e a

Regra Matriz de incidência tributária institui o tributo, podemos concluir que a função

dos deveres instrumentais é dar operatividade à Regra Matriz.

Para a instituição de tributos, a regra matriz de incidência tributária sofre a

incidência de várias outras normas que têm como função operacionalizar a regra

matriz de incidência tributária. Os deveres instrumentais são uma destas normas que

têm a função de instrumentalizar a regra matriz de incidência tributária.

Por meio das informações (de modo geral) prestadas pelos sujeitos passivos

da relação de deveres instrumentais é que o fisco passa a ter condições de fiscalizar o

eventual nascimento da obrigação tributária, a arrecadação e a instituição dos tributos.

Os deveres instrumentais são o meio para se chegar ao fim, que é a regra

matriz de incidência tributária, ou o seu não nascimento, que será analisado nos casos

de imunidade, isenção, anistia, dentre outras hipóteses.

Portanto, podemos afirmar que os deveres instrumentais são o meio para se

atingir o fim, que é instituir, fiscalizar e arrecadar eventual nascimento de tributos.

Page 136: Andreia Fogaca Maricato

136

4.5. As funções dos deveres instrumentais

Juntamente com as normas jurídicas tributárias em sentido estrito (regra

matriz de incidência tributária), o sistema tributário prescreve deveres instrumentais

inerentes à constituição da obrigação ou desobrigação tributária. O adimplemento

destes deveres cria uma linguagem, juridicamente competente, que constitui o fato

jurídico e imputa a relação jurídica tributária, quando neles se verificarem os

elementos denotativos de todos os critérios da hipótese e consequência da regra matriz

tributária.

Os deveres instrumentais, conforme visto, diferem das obrigações

tributárias, pois têm como objeto um fazer ou não fazer, e não uma prestação de dar.

Assim, temos que a obrigação do sujeito passivo para com o sujeito ativo não se

constitui no dever de entregar um montante pecuniário, mas sim no dever de fazer ou

não fazer uma dada conduta.

O fato descrito na hipótese da norma instrumental pode, ou não, ser o

mesmo descrito na hipótese da norma tributária. Mas a obrigação de fazer, ou não

fazer, prescrita no consequente instrumental, está sempre relacionada à produção da

linguagem competente, ou para constituir a obrigação tributária, ou para atestar a sua

inexistência.

O fato é que a Regra Matriz dos deveres instrumentais busca

operacionalizar a Regra Matriz de incidência tributária, está relacionada com a regra

matriz de incidência tributária, tanto que pode ter o mesmo fato jurídico que esta. Isto

não significa dizer que os deveres instrumentais dependem da Regra Matriz de

incidência tributária; pelo contrário, trata-se de uma norma autônoma, mas que visa

instrumentalizar a Regra Matriz de incidência tributária.

Page 137: Andreia Fogaca Maricato

137

Imaginemos, por exemplo, que uma norma instrumental descreva, em seu

critério material, uma norma jurídica que preveja a cobrança de imposto sobre

transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por

natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis (ITBI), na cidade de São

Paulo, Capital do Estado de São Paulo. Verifica-se que este critério material guarda

consonância com o critério material do ITBI e que, tanto a pessoa que aliena o bem,

quanto aquela que recebe o referido bem em alienação, estão intimamente relacionadas

com a materialidade da hipótese de incidência da norma tributária instrumental,

podendo, assim, serem colocadas na contingência de prestar informações ou fornecer

documentos ao agente público competente de modo a permitir apurar o nascimento e o

cumprimento dessa obrigação tributária material.

Desta forma, podemos concluir que a única forma de se fazer cumprir os

deveres instrumentais é enquadrá-los na moldura da norma jurídica tributária, porque a

sua finalidade é fazer com que o sujeito passivo leve ao conhecimento da pessoa

competente informações que lhe permitam apurar o surgimento ou não de relações

jurídicas de direito tributário material, de tal forma a instrumentalizar a atividade de

arrecadação e fiscalização de tributos e obrigar que o sujeito passivo suporte a

atividade de fiscalização de modo a apurar o eventual nascimento de obrigação

tributária material, reconhecendo que elas não irradiam os efeitos jurídicos sobre o

campo do direito tributário substantivo para delimitar o exercício da competência

tributária impositiva ou as limitações constitucionais ao poder de tributar.

As relações jurídicas instrumentais visam a regular a conduta humana de

modo que a pessoa competente possa aferir o surgimento de relação jurídica de direito

tributário material no mundo fenomênico.

Page 138: Andreia Fogaca Maricato

138

Podemos dizer que os deveres instrumentais são um meio para se chegar

aos fins, quais sejam: a fiscalização e a arrecadação tributária.

Os deveres instrumentais têm como função única e exclusivamente

operacionalizar a Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT). Somente se a RMIT

mantiver relação com tais deveres e se esta função operacional for observada, é que os

deveres podem ser exigidos. Não se pode, pois, ter um dever instrumental sem relação

com a RMIT, nem sem cumprir a função de operacionalizá-la.

Analisaremos a seguir os deveres instrumentais nas imunidades, isenções,

anistia, remissão e outras hipóteses.

4.6. Deveres instrumentais relacionados às imunidades e isenções

Parte da doutrina entende haver certa similitude entres os institutos da

imunidade e isenção, ou seja, tanto a imunidade quanto a isenção podem ser tidas

como técnicas semelhantes, por meio das quais a lei tributária, ao demonstrar o gênero

de situações sobre as quais impõe o tributo, retira uma ou mais espécies e as declara

isentas, em ambos os institutos inexiste o dever de levar quantia em dinheiro aos

cofres públicos, ou seja, a exoneração tributária. A diferença primordial consiste em

que a imunidade atua no plano da definição de competência, ao passo que a isenção

opera no plano do exercício da competência.

A imunidade é matéria reservada à Constituição e, por conseguinte, a esta

apenas cabe apontar qual pessoa é ou não imune, ao passo que as isenções encontram

fundamento em leis infraconstitucionais, que são as leis complementares ou ordinárias.

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139

Quanto às dessemelhanças, as isenções possuem efetiva estrutura sintático-

implicacional, reunindo antecedente e consequente sob enfoque deôntico, para

jurisdicizar fato jurídico isento e respectiva relação jurídica (isencional).

As imunidades, pela perspectiva dos enunciados constitucionais, são

significações extraídas do texto constitucional e fazem parte do processo de intelecção

das significações competenciais.

Abriremos um parêntese breve para explicar, à luz dos ensinamentos de

Paulo de Barros Carvalho158, o fenômeno da incidência tributária: “a incidência

jurídica se traduz a duas operações formais: a primeira, de subsunção de classes, em

que se reconhece que uma tal ocorrência concreta, localizada num determinado espaço

social e em determinada unidade de tempo, inclui-se na chamada classe de fatos

previstos no antecedente da norma geral e abstrata; e a segunda, que será uma forma

de implicação, vez que a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica o

consequente”.

O chamado fato concreto, ocorrido aqui e agora, faz obrigatoriamente,

surgir uma relação jurídica, determinada entre dois ou mais sujeitos de direito, e, por

fim, não haverá, de maneira alguma que se falar em incidência tributária sem a

interferência humana. Se não existir um ser humano fazendo a subsunção e

promovendo a implicação determinada pelo preceito normativo, norma nenhuma

incidirá por força própria.

Com esta explanação, podemos verificar que a imunidade não pode ser

considerada como uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada,

pois não há o fenômeno da subsunção do fato à regra, e, em não ocorrida a subsunção,

158 Curso de direito tributário. 2008, p. 250.

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140

não podemos falar em seus efeitos, tendo em vista que, conforme demonstrado acima,

é incidindo que uma proposição qualifica as pessoas, bem como é incidindo que o

sistema do direto posto atinge a conduta humana nas suas relações de inter-

humanidade. Ora, se é afirmado que uma regra, ao incidir, significa o mesmo que lhe

negar seu teor de juridicidade, então só se pode concluir que norma que não incide está

fora do direito, ou não foi produzida de acordo com o ordenamento em vigor.

Rubens Gomes de Souza159 afirma que: “incidência é a situação em que um

tributo é devido por ter ocorrido o fato gerador; e não incidência é a situação em que

um tributo não é devido, por não ter ocorrido o respectivo fato gerador; isenção é o

favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo

devido; e já as imunidades são limitações da competência, proibições e, também,

isenções outorgadas diretamente à Constituição”.

Não há que se falar em paralelo ente imunidade e isenção, pois são

preposições normativas diferentes na composição do ordenamento jurídico, e poucas

são as regiões de contato entre elas, como, por exemplo, as circunstâncias de serem

normas jurídicas válidas no sistema, de integrarem a classe das regras de estrutura e de

tratarem de matéria tributária160.

Vemos, assim, que a imunidade e a isenção não se confundem, pois são

duas fontes normativas distintas, estando uma na Constituição Federal, enquanto a

outra é fundamentada por leis infraconstitucionais. A norma de imunidade colabora no

desenho do perfil das competências, ocupando o patamar constitucional e – frise-se! –

não trata da fenomenologia da incidência, pois age antes, colaborando no contorno das

competências, ao passo que as regras isentantes integram o plano da legislação

159 Comentários ao código tributário nacional. 1975. 160 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. 2008, p. 187 ss.

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ordinária, a qual opera como redutora do campo de abrangência dos critérios do

antecedente ou consequente da regra matriz tributária.

Portanto, partindo do entendimento de que os deveres instrumentais têm

como função instrumentalizar a regra matriz de incidência tributária, qual a sua relação

com as normas imunes? E com as normas isentas? Não tendo a RMIT, em decorrência

da imunidade ou isenção, os deveres instrumentais permanecem?

Definimos imunidade, como um conjunto de normas jurídicas de estrutura

que estabelecem por meio de um modal deôntico proibido, que as entidades tributantes

venham a expedir regras instituidoras de tributos.

Os deveres instrumentais devem ser cumpridos tanto nas imunidades,

quanto as isenções.

O cumprimento dos requisitos previstos devem ser provados através de

documentos idôneos, se não forem totalmente observadas, a autoridade competente

(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) poderá suspender a aplicação do

beneficio. Caso contrário perderá o benefício da imunidade, nos casos de imunidade

condicionada e da isenção concedida.

Neste sentido se posiciona o STJ:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. DECRETO ESTADUAL N. 11.803⁄2005. OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS AO PROCEDIMENTO DE ISENÇÃO DO ICMS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LC Nº 87⁄96. LEGALIDADE RECONHECIDA.

I - "O Decreto 11.803⁄2005, emitido pelo Estado do Mato Grosso do Sul, instituiu um série de obrigações tributárias acessórias, com o objetivo de tornar eficaz o procedimento de fiscalização da efetiva exportação ou não exportação das mercadorias destinadas ao exterior, com o objetivo de

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assegurar que a imunidade tributária constitucional seja aplicada com absoluta segurança e legalidade.

Não se identifica a apontada ilegalidade nesse ato legislativo. Ao contrário, é a própria Constituição Federal que estabelece a competência do Estado para instituir o ICMS (art. 155, II), sendo conseqüência legal de direito que esse mesmo Estado seja responsável pela emissão de regras legais que se aplicam ao tributo, nos termos do prescrito no art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional.

Não se caracteriza a apontada violação do art. 3º da LC 87⁄96, que isenta do ICMS as operações e procedimentos de transporte afetos à mercadorias destinadas à exportação, isso porque o Decreto instituído pelo Estado do Mato Grosso do Sul não afasta ou impede a aplicação de tal isenção⁄imunidade, mas cria mecanismos administrativos (obrigações tributárias acessórias) que objetivam atestar a efetiva concretização da operação de exportação, de forma a evitar que, eventualmente, seja aplicado o favor fiscal em referência a operações de compra⁄venda realizadas apenas no âmbito interno."(RMS 21789⁄MS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 26⁄10⁄2006).

II - Recurso ordinário improvido. (RMS 27476/MS 2008/0172004-3; Min. FRANCISCO FALCÃO; DJe 17/11/2008).

4.7 Deveres instrumentais relacionados às anistias e remissões

As normas de remissões e anistias tributárias vêm quase sempre

condicionadas ao cumprimento de certos deveres instrumentais.

A concessão de remissão ou de anistia de tributos exige, por força do

comando constitucional, lei específica e exclusiva. O exame dessa especificidade e

exclusividade exige, por sua vez, a devida consideração do contexto sistemático em

que ambas ocorrem. Sem uma aceitável distinção entre os conceitos de anistia e

remissão, torna-se difícil esclarecer a constitucionalidade das leis que as promovam.

Os artigos 172 e 180 do CTN, prescrevem sobre a remissão e a anistia , nos

seguinte termos:

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Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I - à situação econômica do sujeito passivo; II - ao erro ou ignorância escusáveis do sujeito passivo, quanto à matéria de fato; III - à diminuta importância do crédito tributário; IV - a considerações de equidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante.

Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.

Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:

I - aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em benefício daquele;

II - salvo disposição em contrário, às infrações resultantes de conluio entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas.

Aliomar Baleeiro161 é quem afirma: “A anistia não se confunde com a

remissão. Esta pode dispensar o tributo, ao passo que a anistia fiscal é limitada à

exclusão das infrações cometidas anteriormente à vigência da lei, que a decreta.”

Explica o autor sobre a anistia fiscal que o CTN tomou de empréstimo o

milenar instituto político de clemência, esquecimento e concórdia, mas com ele não se

confunde, apesar de possuir a mesma natureza. Assim, promove perdão e

esquecimento, de duas formas: de um lado, restringindo-os a alguns atos, posto que a

anistia fiscal exclui os atos qualificados como crime ou contravenção ou atos que, sem

este qualificativo, envolvem dolo, fraude, simulação ou conluio; de outro lado,

ampliando-lhes a abrangência, posto que os estendem, para além do legislador federal,

aos legisladores estaduais e municipais. Quanto à remissão esclarece que o CTN se

refere ao mesmo instituto de Direito Privado de que trata o Código Civil, arts. 386 a

161 Direito tributário brasileiro. 2007, p. 633.

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388162, que têm, como a anistia política, o mesmo cerne significativo na ideia de

perdão (remitir ou perdoar a dívida).

A distinção entre os dois institutos, no âmbito tributário, é importante

porque produzem efeitos diferentes: a remissão é modalidade de extinção do crédito

(CTN. art. 156), enquanto a anistia exclui o crédito (CTN. art. 175). Mas reduzir a

distinção entre ambos a perdão de infração e penalidades correspondentes (a anistia) e

a perdão do crédito (a remissão) é, a nosso ver, uma fórmula muito pobre, já pela

origem diferente que manifestam. O exame da sistematicidade orgânica exige, para

além da estrutura do contexto normativo, a consideração da gênese dos conceitos.

O crédito gerado pela infração exclui-se e também a infração, se houver

anistia, isto é, desaparece o direito de punir163. Desaparecido este, desaparecem as

penalidades, embora, obviamente, a recíproca não seja verdadeira, isto é, as

penalidades podem ser extintas (por exemplo, pelo pagamento) sem que desapareça a

infração e, em conseqüência, sem que o crédito tenha sido excluído.

O CTN, art. 180, trata, portanto, de anistia de infrações e não de anistia de

penalidade. Afinal, como esclarece Baleeiro164, “o Fisco, se há infração legal por parte

do sujeito passivo, pode cumular o crédito fiscal e a penalidade, exigindo esta e

aquele”. Esta autonomia da exigência da penalidade que, como crédito, nasce da

infração, explica que a anistia da infração exclua a exigência da anistia do crédito, que,

em conseqüência, se cancela.

162 Art. 386. A devolução voluntária do título da obrigação, quando por escrito particular, prova desoneração do devedor e seus co-obrigados, se o credor for capaz de alienar, e o devedor capaz de adquirir. Art. 387. A restituição voluntária do objeto empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, não a extinção da dívida. Art. 388. A remissão concedida a um dos co-devedores extingue a dívida na parte a ele correspondente; de modo que, ainda reservando o credor a solidariedade contra os outros, já lhes não pode cobrar o débito sem dedução da parte remitida. 163 Ruy Barbosa NOGUEIRA. Curso de direito tributário, 1995, p. 354. 164 Direito tributário brasileiro. 2007, p. 479.

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Mas a mesma autonomia tem de admitir a hipótese de mera redução de

multas e penalidades, isto é, do crédito correspondente, sem que haja, obviamente,

perdão da infração ou que o crédito gerado pela infração possa ser extinto (e não

excluído) por qualquer das modalidades de extinção de crédito165.

Segue, pois, que é irrecusável a hipótese de mero perdão de penalidade, isto

é, perdão do crédito correspondente, independentemente do oblívio da infração. Ou

seja, quando o legislador tributário disciplina o perdão de penalidades ou vê na sua

anistia uma correlação com a anistia da infração (por inteiro) ou, querendo referir-se

apenas à penalidade (ao crédito correspondente), mantendo a infração e não recorrendo

impropriamente ao instituto da anistia, só pode estar a falar em remissão. Assim, por

ser a remissão tributária modalidade de extinção do crédito tributário tal como ele é

constituído pelo lançamento, e, no caso de penalidades, por lançamento de ofício,

quando a lei prevê o cancelamento ou redução de penalidades, nada impede que

estejamos diante de remissão e não de anistia.

Qual seria, então, o critério prático que permitiria, diante da fórmula legal

“cancelamento ou redução de penalidades”, saber se se trata de perdão por anistia ou

de perdão por remissão? Entendemos que o critério estrutural está nas condições a que

se vincula a concessão legal. Se esta se reporta clara e expressamente às condições (a

uma delas) do art. 172, incisos I a V, do CTN, estaremos diante de remissão. Se ela se

reporta às condições das alíneas “a” até “d” do inciso II do art. 181 do CTN, ou se não

prevê condições (inciso I), o caso é de anistia166.

165 Tércio Sampaio FERRAZ JR. Revista Dialética de Direito. nº 92, 2003, pp. 67-73. 166 Tércio Sampaio FERRAZ JR. Revista Dialética de Direito. nº 92, 2003, pp. 67-73.

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Portanto, feita a distinção entre anistia e remissão, o Código Tributário

Nacional é claro quando prevê em seu artigo 175, parágrafo único, a permanência do

cumprimento dos deveres instrumentais nos caso da anistia:

Art. 175. Excluem o crédito tributário:

I – a isenção;

II – a anistia;

Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias, dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente.

Mesmo com a anistia concedida, o contribuinte ou responsável deverá

cumprir os deveres instrumentais a ele impostos.

O mesmo aplica-se à remissão quando ela é parcial, pois neste caso o

crédito tributário permanece, devendo o contribuinte ou responsável cumprir todos dos

deveres instrumentais a ele impostos.

4.8. Outras hipóteses de cumprimento dos deveres instrumentais

Além destas hipóteses, o Código Tributário Nacional é claro quando

prescreve a não dispensa do cumprimento das obrigações acessórias nos casos de

suspensão da exigibilidade do crédito tributário, artigo 151, parágrafo único:

Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

(...)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.

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E ainda no artigo 195 determina a conservação dos livros, enquanto não

ocorrer a prescrição dos créditos tributários a que se referirem:

Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.

Vê-se que os deveres instrumentais permanecem mesmo sem o nascimento

da obrigação tributária, e até nos casos de suspensão do crédito tributário, pois sua

função é instrumentalizar a RMIT ou eventual nascimento da RMIT.

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CAPÍTULO 5: SANÇÃO PELO

DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES

INSTRUMENTAIS

5.1. Notas introdutórias

Vimos no Capítulo I que o direito positivo regula condutas intersubjetivas

pela prescrição de normas jurídicas a serem cumpridas. Ser jurídica significa ter

coercitividade, e o próprio sistema prevê mecanismos para exigir o cumprimento das

condutas prescritas nas normas, característica própria do sistema do direito, que está

presente em todas as normas jurídicas e que diferencia o direito positivo dos demais

sistemas normativos, como, por exemplo, o sistema religioso, a moral, os costumes, as

normas sociais, etc.

Portanto, as sanções jurídicas estão previstas no ordenamento jurídico e são

coercitivas e é isto que as diferencia das normas religiosas, morais e sociais.

A norma é jurídica porque se submete à sanção coercitiva.

Sabemos que a norma jurídica é bimembre, ou seja, é composta por uma

norma primária e outra norma secundária. Ambas apresentam a mesma estrutura, mas

conteúdos significativos diversos. A primeira norma prescreve uma relação jurídica de

cunho material, dada a ocorrência de um determinado fato. Enquanto a segunda,

conectada à primeira, prescreve uma sanção – que é uma relação jurídica coercitiva

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para assegurar o cumprimento da norma primária, caso seja verificado o fato descrito

na primeira e não seja cumprida a prescrição por ela estabelecida

Portanto, vale ressaltar que uma norma só é jurídica porque está ligada a

outra norma que lhe atribui coercitividade. A relação que existe entre a norma primária

e a norma secundária é ontológica, inevitável para o direito positivo. Todavia, a

experiência científica permite que, por meio de cortes epistemológicos, separemos esta

estrutura complexa para especialidade analítica das normas que compõem o direito

positivo.

Neste capítulo, faremos um corte epistemológico e analisaremos a norma

sancionatória presente na norma primária, que surge pelo não cumprimento da conduta

prescrita no seu consequente, algo que implica uma sanção.

5.2. Normas sancionatórias

Vimos, no primeiro capítulo, que as normas jurídicas completas são

formadas pela norma primária e pela secundária. A primeira prevê um fato que,

acontecido no mundo real, desencadeia uma relação jurídica, e a secundária prevê a

imposição, por meio da relação processual, de uma sanção coercitiva se a primeira

norma for descumprida.

Na estrutura completa, as normas sancionatórias, estão presentes tanto na

norma primária como na norma secundária, pois, são elas que atribuem juridicidade à

norma primária dispositiva.

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A norma secundária operacionaliza todas as normas primárias. No caso de

inadimplência do dever jurídico por parte do sujeito passivo da relação jurídica

prescrita na norma primária, o outro sujeito da relação pode exigir coativamente a

prestação não adimplida. “Com isto estabelece-se nova relação jurídica, na qual

intervém outro sujeito, o órgão judicial, aplicador da sanção condicionada”167. Esta

norma toma como hipótese de incidência a ocorrência do fato identificado na hipótese

da norma primária derivada punitiva e o não cumprimento da conduta, e prescreve

como consequência uma outra relação jurídica entre o sujeito ativo da relação

inobservada e órgão judicial, em que o Estado juiz coercitivamente imporá a conduta

ao sujeito passivo.

Já a norma sancionatória primária, que vamos tratar neste capítulo, são

aplicadas pelo Fisco e contribuinte (nos lançamento por homologação) nos casos de

descumprimento da norma primária dispositiva. Nesta, se a obrigação é descumprida,

surge a possibilidade de ser aplicada uma sanção.

5.2.1. Polissemia do termo “sanção”

Trataremos neste item de algumas acepções da palavra sanção.

Hans Kelsen168 correlaciona o conceito de sanção como o de ilícito e afirma

ter uma vinculação indissociável a este: se, de um lado, a sanção é consequência do

ilícito, de outro, o ilícito é um pressuposto da sanção.

Sanções, isto é, ato de coerção que são estatuídos contra uma ação ou omissão determinada pela ordem jurídica, como, por exemplo, a pena de prisão prevista para o furto; e aos de coação que não têm este caráter, como,

167 Lourival VILANOVA. Causalidade e relação no direito. 2000, p. 147 168 Teoria pura do direito. 2006, p. 121.

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por exemplo, o internamento compulsório de indivíduos atacados por uma doença perigosa ou que são considerados perigosos por causa de sua raça, das suas convicções políticas ou de seu credo religioso, ou ainda a aniquilação ou privação compulsória da propriedade no interesse público. Nestas últimas hipóteses, entre os pressupostos do ato da coerção estatuído pela ordem jurídica não se encontra qualquer ação ou omissão de determinado indivíduo especificada pela mesma ordem jurídica.

As sanções no sentido específico desta palavra aparecem - no domínio das ordens jurídicas estaduais - sob duas formas diferentes: como pena (no sentido estrito da palavra) e como execução (execução forçada). Ambas a espécies de sanções consistem na realização compulsória de um mal ou – para exprimir mesmo sob a forma negativa – na privação compulsória de um bem: no caso da pena capital, a privação da vida, no caso das penas corporais, outrora usadas (como a privação da vista, a amputação de uma mão ou da língua), a privação do uso de um membro do corpo, ou o castigo corretivo: a provocação de dores; no caso da pena de prisão, a privação da liberdade; no caso de penas patrimoniais, a privação de valores patrimoniais, especialmente de propriedade (...).

José Roberto Vernengo169 entende ser a sanção jurídica a privação de um ou

mais bens ou direitos perpetrada por atos de força socialmente admitidos, restritos e

permitidos somente ao Estado, nos termos da lei. Sua aplicação constitui uma

obrigação ou faculdade estatal. Usualmente, compõe o elenco das obrigações dos

órgãos competentes ao exercício da potestade punitiva.

Trata a sanção de atos de força socialmente admitidos exercidos em

contrapartida a atos ilícitos, ou seja, como uma relação que se estabelece entre sujeitos

em decorrência da inobservância de certos preceitos. É a ‘sanção’ como castigo, a

punição imposta por quem tenha autoridade, que funciona como repressão ou

corretivo.

A sanção jurídica, em um sentido amplo, pode ser entendida como toda a

relação prescrita no consequente de uma norma jurídica cuja hipótese descreve a

inobservância de uma conduta imposta por outra regra jurídica170.

169 Curso de teoria general del derecho. 1988, p. 183. 170 Idem, p. 191.

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Para Norberto Bobbio171, sanção é consequência – resposta – da violação de

uma norma prescritiva, implícita em todo ordenamento jurídico, servindo de

salvaguarda das leis contra as condutas opostas aos seus comandos. E completa que a

sanção jurídica é identificada pela presença de três elementos indispensáveis: i)

possibilidade de presciência de sua incidência diante do desrespeito de uma

determinada norma jurídica primária, como consequência indesejável da violação de

seu comando impositivo; ii) estipulação de medida ou intensidade desta consequência;

e iii) definição da competência para sua imparcial aplicação e execução. Todos estes

elementos contribuem para a finalidade da sanção jurídica, qual seja: reforçar a

eficácia do ordenamento jurídico, evitando ou inibindo a ocorrência de uma violação

às normas positivadas172.

Tércio Sampaio Ferras Jr.173 destaca a sanção como “um fato empírico,

socialmente desagradável, que pode ser imputado ao comportamento de um sujeito”.

Este fato empírico trata-se de uma reação negativa contra um determinado

comportamento, avaliada como um mal para quem a recebe.

Eurico Marco Diniz de Santi174 sublinha várias acepções para o termo

sanção: (i) relação jurídica consistente na conduta substitutiva reparatória, decorrente

do descumprimento de pressupostos obrigacionais; (ii) relação jurídica que habilita o

sujeito ativo a exercitar seu direito subjetivo de ação (processual) para exigir perante o

Estado juiz a efetivação do dever constituído na norma primária; (iii) relação jurídica,

consequência processual deste ‘direito de ação’ preceituada na sentença condenatória,

decorrente de processo judicial.

171 Teoria general del derecho. 1992, p. 104 e ss. 172 Idem, p. 199. 173 Teoria da norma jurídica. 2006, p. 69. 174 Lançamento tributário. 2001, p. 38-39.

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Ângela Maria Motta Pacheco175 utiliza sanção para se referir à “previsão

hipotética estipulada na norma sancionadora, norma secundária, que deverá ser

aplicada pelo órgão jurisdicional àquela pessoa que vier a infringir a conduta

obrigatória ou proibida estabelecida na norma primária”. E sanção/coação, para se

referir “àquela aplicada pelo órgão jurisdicional, já que em face da relação jurídica

obrigacional, concreta e individualizada cuja prestação foi descumprida pelo devedor”.

Miguel Reale176 atrela a ação jurídica ao caráter coativo do direto e

caracteriza-a pela predeterminação e organização. Todos os sistemas normativos têm

normas punitivas, o que as diferencia das sanções jurídicas é que a aplicação destas se

verifica segundo uma proporção objetiva e transpessoal, que é exercida pelo Estado no

exercício de seu monopólio coativo.

Lourival Vilanova177, seguindo a concepção kelseniana, ao distinguir norma

primária e norma secundária, outorga a esta última o caráter de norma sancionatória,

justamente pela presença da atividade jurisdicional na exigência coativa à prestação

não adimplida na norma primária. A ‘sanção’, nesse sentido, tem uma conotação mais

estrita: de norma jurídica cujo consequente prescreve um vínculo no qual o Estado juiz

intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo o sujeito ativo aquele que

postula a aplicação coativa da prestação não cumprida.

Podemos notar que a sanção pode ser entendida tanto como toda a relação

prescrita no consequente de uma norma jurídica cuja hipótese descreve a

inobservância de uma conduta imposta por outra regra jurídica, quanto uma relação

jurídica prescrita no consequente da norma secundária que impõe coativamente, por

órgão jurisdicional, o implemento da conduta não observada pelo sujeito passivo,

estabelecida em uma norma primária.

175 Sanções tributárias e sanções penais tributárias. 1997, p. 96-97. 176 Lições preliminares do direito. 1985, p. 70. 177 Causalidade e relação no direito. 2000.

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5.2.2. Definição proposta ao termo “sanção”

Dentre as várias acepções do termo sanção adotaremos aquela aplicada pela

Administração Pública e/ou pelo sujeito passivo, ou seja, aquela relação prescrita no

consequente de uma norma jurídica primária sancionatória cuja hipótese descreve a

inobservância de uma conduta imposta por outra regra jurídica (norma primária

dispositiva).

Mais especificamente analisaremos a sanção aplicada ao descumprimento

de uma norma que estabelece o dever instrumental.

5.3. Crítica ao § 3º do artigo 113 do CTN - suposta conversão de

obrigação acessória em principal

O § 3º do artigo 113 do CTN prescreve: “A obrigação acessória, pelo

simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à

penalidade pecuniária”.

A doutrina pouco fala deste parágrafo e, quando fala, critica-o de modo

superficial.

Hugo de Brito Machado178 sobre o tema escreve:

A obrigação acessória é instituída pela legislação, que é a lei em sentido amplo (art. 96). Sempre no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos (art. 113, §2º). Não implica para o sujeito ativo (fisco) o direito de

178 Curso de direito tributário. 2008, p. 123.

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exigir um comportamento do sujeito passivo, mas o poder jurídico de criar contra ele um crédito, correspondente à penalidade pecuniária. Por isto diz o Código que a ‘a obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária’ (art. 113,§ 3º). Na verdade o inadimplemento de uma obrigação acessória não a converte em obrigação principal. Ele faz nascer para o fisco o direito de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é precisamente a penalidade pecuniária, vale dizer, a multa correspondente.

Segundo o autor, é possível visualizar com facilidade a impropriedade

terminológica do §3º, do artigo 113, do Código Tributário Nacional. E destaca que esta

impropriedade “em nada prejudica sua compreensão e que poder ser facilmente

superada pelo intérprete” 179.

Celso Ribeiro de Bastos180, em comentários ao Código Tributário Nacional,

Vol. 2, coordenado por Ives Gandra da Silva Martins, destaca que

Não há que ser falar em conversão da obrigação acessória em principal, mas sim em sanção. Contudo, a intenção do texto é tão manifesta que acaba por revelar esse picadilho de ordem lógica. É que resulta claro que o legislador quis deixar certo é que a multa tributária, embora não sendo, em razão da sua origem, equiparável ao tributo, há de merecer o mesmo regime jurídico previsto para sua cobrança. O direito tem estas liberdades, que não precisam ser objeto de escândalo.

O não cumprimento do dever instrumental não o torna uma obrigação

principal181, mas, sim, faz nascer uma sanção tributária.

Neste sentido, Luciano Amaro182 esclarece que, se a obrigação de pagar

penalidade pecuniária já é principal, por definição (dada no §1º), a lógica maquinal do

Código levaria a dizer que o fato gerador dessa obrigação principal seria o

descumprimento da outra obrigação (a acessória). E, assim sendo, nenhuma conversão 179 Hugo de Brito MACHADO. Comentários ao código tributário nacional. – artigos 96 ao 138, vol. II, 2008, p. 299. 180 1998, p. 148. 181 Sobre obrigações vide capítulo 2. 182 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 248.

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seria necessária. E completa que não existe esta conversão ou transfiguração, como a

doutrina defende, o que se passa é que o descumprimento da obrigação formal

configura ato omissivo ilícito, o que, entre outras possíveis consequências, pode dar

ensejo à aplicação de uma penalidade pecuniária (que não tem natureza de tributo).

Paulo de Barros Carvalho183 faz duras críticas a este parágrafo, ao

demonstrar que o legislador comete “um desatino lógico-jurídico, agredindo a

postulados de extraordinária relevância para a Teoria Geral do Direito”, porque a

questão dos deveres instrumentais é encarada como uma relação jurídica não

patrimonial, em que o sujeito passivo, ao descumprir a prestação prescrita, dá espaço à

incidência da norma sancionatória, que tem na hipótese o não cumprimento daquele

dever, por isso imputa a este sujeito passivo uma penalidade pecuniária. Neste ponto,

destaca Barros Carvalho184 que “por equiparação legal, o vínculo assim constituído

passa a chamar-se obrigação tributária, sinônimo que concertamos adotar para a

expressão inexata obrigação principal”.

Sabemos que se houver o descumprimento do dever formal, desaparece a

relação que o instituíra e surge em seu lugar um vínculo sancionatório, portador de

uma penalidade pecuniária que onerará o patrimônio do infrator. Esta multa é cobrada

com os mesmos recursos administrativos e com o emprego dos mesmos instrumentos

processuais utilizados na cobrança de tributos. Todavia, não pode o legislador igualar

duas figuras distintas: dever e penalidade.

Deste modo, entendemos que este parágrafo terceiro padece de

inconstitucionalidade, uma vez que confunde os institutos dos deveres instrumentais

com o da penalidade tributaria. Ou seja, esta equiparação feita pelo Código Tributário

Nacional fere conceitos da Teoria Geral do Direito, isto porque a norma que estabelece

183 Curso de direito tributário. 2008, p. 327. 184 Idem, p. 328.

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o dever trata-se de uma ato lícito e a norma que estabelece a sanção de ato ilícito, são

duas norma de naturezas diversas, igualar ambas, lícito e ilícito, como se fosse só uma

choca como sistema do direito positivo.

O fato de o Código Tributário Nacional ter utilizado uma terminologia

imprópria não deve ser ignorado e visto como uma impropriedade terminológica que

em nada prejudica, como entendem alguns doutrinadores, como o professor Hugo de

Brito acima referido. A consequência do inadimplemento, tanto das obrigações

tributárias, quanto dos deveres instrumentais, é sanção, a qual não pode ser vista por

meio de sua conversão em obrigação tributária.

Desta forma, não concordamos com o entendimento do professor Hugo de

Brito Machado185 quando pretende sustentar que o § 3º do artigo 113 do CTN apenas

quis dizer que, ao fazer um lançamento tributário, a autoridade administrativa deve

considerar o inadimplemento de uma obrigação acessória como fato gerador de uma

obrigação principal, a fornecer elementos para a integração do crédito tributário,

porque não é isto que consta no Código, pois o referido parágrafo não está em

consonância com o nosso ordenamento jurídico.

Portanto, demonstraremos neste capítulo que o descumprimento do dever

instrumental é o critério material da regra matriz da multa pelo seu descumprimento.

Ou seja, o descumprimento do dever instrumental vai se transformar na hipótese da

norma sancionatória que vai ter no consequente a multa aplicada.

185 Curso de direito tributário. 2008, p. 124.

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158

5.4. Natureza jurídica das sanções

Dado o não cumprimento da conduta, comissiva ou omissiva, prescrita ou

vedada, disciplinada pelo direito positivo, nasce uma sanção a ser imposta no caso de

quebra da ordem jurídica, verificável pela desobediência do “dever ser”.

As sanções podem ter natureza civil, comercial, trabalhista, processual,

penal, administrativa, tributária, etc.

São cíveis as sanções previstas em normas sancionatórias (secundárias),

legais ou contratuais, para as hipóteses de descumprimento das obrigações civis

erigidas pela lei ou em convenções particulares (normas primárias). As sanções civis

são, usualmente, ressarcitórias e, portanto, pecuniárias, e ensejam a execução forçada

dos bens integrantes do patrimônio do protagonista da lesão para o ressarcimento dos

prejuízos suportados por outrem. Podem ser punitivas, nestes casos, com a cumulação

de sanções com idêntica função punitiva, e sustentam-se por força dos princípios do

non bis in idem e da proporcionalidade, sendo que a mais grave acaba por suprimir a

menos severa, mediante absorção.

As sanções de natureza comercial são aquelas previstas nas respectivas

legislações ou contratos mercantis, cumprindo, portanto, para sua identificação,

delimitar as matérias e os assuntos versados pelo direito comercial.

As trabalhistas versam sobre o descumprimento das normas trabalhistas. As

processuais punem aqueles que desobedecem as regras processuais. São exemplos de

sanções processuais: pena de confissão decorrente de revelia, deserção, condenação ao

pagamento de honorários advocatícios, condenação ao pagamento de multa por

litigância de má-fé, etc.

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159

As sanções penais são aquelas previstas na legislação criminal como

consequências jurídicas imputáveis à prática delituosa ou contravencional. São em

princípios aplicáveis quando se verificar a realização do ato antijurídico descrito no

antecedente da norma penal sancionatória. Têm nítida função repressiva e preventiva,

não se destinando, em princípio, a propósitos ressarcitórios.

Sanções administrativas são previstas em normas secundárias constantes da

legislação que rege as atividades da Administração Pública, além de certas relações

entre esta e os particulares, e algumas atividades destes últimos consideradas

relevantes para o bem-estar comum da coletividade em geral.

Por fim, o que nos interessa neste trabalho são as sanções tributárias

impostas pelo inadimplemento dos deveres instrumentais.

Explicando melhor, as sanções tributárias são aplicadas aos contribuintes ou

responsáveis que violarem, simultânea ou isoladamente, tanto uma obrigação de pagar

tributo (principal) quanto a de fazer ou tolerar algo em prol da atividade de

arrecadação e fiscalização do recolhimento de tributos (acessória), sendo que a lei

tributária estatui sanções a ambas as infrações.

O pressuposto fático da sanção tributária consiste na realização de uma ação

ou omissão tipificada pela legislação fiscal como infração tributária. Trata-se do

inadimplemento de uma obrigação tributária principal ou acessória186.

186 Paulo Roberto Coimbra SILVA. Direito tributário sancionador. 2007, p. 117-18.

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160

A competência para a imputação da sanção tributária será do órgão da

Administração Pública direta ou indireta a quem a lei atribua capacidade tributária

ativa. A esta pessoa ou órgão titular do direito-dever de arrecadar tributo é confiada a

competência para o exercício da potestade punitiva da Administração, com a estrita

observância dos princípios constitucionais.

A sanção tem como conteúdo consequências jurídicas imputáveis ao agente

que pratica um ato contrário ao direito, tipificado como infração.

Estas multas estritamente fiscais, objeto de estudo deste capítulo,

combinadas aos ilícitos tributários, exercem importantes funções, que serão vistas no

próximo item.

5.5. Tipos de sanção

Quando alguém viola uma norma, terá como resposta uma reação prevista

no próprio ordenamento jurídico, para que se estabeleça a ordem que foi rompida. Se o

dano é patrimonial, a sua reparação recoloca a situação no mesmo ponto em que se

encontrava, antes que o fato danoso tivesse ocorrido, e esta reparação é uma sanção

civil. A casos como uma infração administrativa, tributária ou penal aplicam-se

sanções administrativas, tributárias ou penais187.

Geraldo Ataliba188 classifica as sanções tributárias em seis espécies: “(i)

juros de mora – em geral, 1%, (ii) multa de mora – em geral, 10%; (iii) multa

reparatória (indenização) – em geral, até quantia igual ao imposto devido; (iv) multas

187 Ângela Maria da Motta, PACHECO. Sanções tributárias e sanções penais tributárias. 1997, p. 239. 188 Imposto de renda. Multa punitiva, interpretação do artigo 21, §2º, do Decreto Lei nº 401/68. Parecer publicado na Revista de direito administrativo, 1976, p. 547.

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punitivas – 100%, 150% e 200% do imposto devido; (v) outras penalidades – as não

compreendidas nas demais categorias; e (vi) as penas”.

Em seguida, diz que os juros de mora e a multa são regidos pelos princípios

gerais do direito. As penas pertencem ao direito penal e são aplicadas somente pelo

judiciário.

O grande desafio é determinar qual a natureza das multas, se reparatórias,

se punitivas.

As sanções podem ser civis, administrativas e penais. As civis, em geral,

são indenizatórias; as administrativas, em geral, apresentam características reparatórias

e punitivas; e as sanções penais são sempre punitivas.

Somente analisando o direito positivo que perceberemos quais sanções são

reparatórias e quais são punitivas no direito tributário.

Uma elucidação faz-se necessária: o termo “sancionatório” utilizado neste

trabalho está em oposição ao “indenizatório” ou “ressarcitório”. Ou seja, a sanção é

aplicada à prática de um ato ilícito, podendo ou não ter culpabilidade. A indenização é

reparação de dano.

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5.6 Sanções tributárias: finalidade, funções e limites

As normas jurídicas, enquanto instrumentos que regulam comportamentos

humanos na coletividade, exercem funções imprescindíveis à convivência humana, por

viabilizarem a vida em sociedade e garantirem a manutenção da ordem social.

No nosso ordenamento jurídico, as normas jurídicas, em especial as normas

sancionatórias, vêm se multiplicando a cada dia, em decorrência do aumento da

diversidade e da complexidade das relações humanas disciplinadas pelo direito

positivo.

O tempo todo o cidadão está, ainda que inconscientemente, sujeito a uma

infinidade de obrigações, decorrentes, v.g., das normas de trânsito, de comunicação,

ambientais, tributárias, administrativas, urbanísticas, etc. Em decorrência dessas

normas, as sanções multiplicam-se, portanto, para o descumprimento de cada

obrigação jurídica, uma ou eventualmente mais de uma sanção estão previstas.

Vimos acima que o termo sanção é polissêmico no sistema jurídico,

podendo, pois, denotar significados e sentidos distintos. Porém, neste trabalho,

utilizaremos o termo sanção como aquela medida imposta ao contribuinte que

descumpriu o dever prescrito na norma primária dispositiva. Não utilizaremos o termo

sanção como a relação jurídica processual, a qual é oriunda do direito processual

positivo, mas, sim, das normas primárias sancionadoras, oriundas do direito civil,

comercial, administrativo, tributário, pois são estas que prescrevem sobre o

descumprimento dos deveres instrumentais, tema de estudo deste trabalho.

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As sanções tributárias têm como finalidade básica garantir a efetividade

das normas primárias dispositivas que veiculam obrigações principais e deveres

instrumentais. Exercem no direito uma utilidade plúrima, destacando-se dentre suas

funções a preventiva, a repressiva, a reparatória, a didática, a incentivadora e a

assecuratória.

5.6.1. Finalidade

Edmar de Oliveira Andrade Filho189 entende que as sanções tributárias têm

como finalidade, além de proteger os interesses da arrecadação e fiscalização, também

de proteger a sociedade, pois o descumprimento das normas tributárias prejudica

aqueles que as cumprem e têm de arcar com seu ônus isoladamente:

Sob o aspecto funcional, as normas que estipulam sanções pelo não cumprimento de obrigações tributárias principais (obrigação de pagar o tributo com a prática de fato imponível) visa a dar efetividade aos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da isonomia. Por outro lado, as sanções aplicáveis em decorrência do descumprimento de deveres formais visam a garantir o poder de fiscalização do sujeito ativo que está implícito nas normas atributivas do poder de tributar. As violações a normas que estipulam deveres instrumentais ou formais podem ofender o direito a colaboração inerente à situação do sujeito passivo perante a Administração.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a falta de recolhimento de tributo devido não ofende apenas interesses dos órgãos fazendários responsáveis pela arrecadação; tal comportamento afeta o interesse geral da sociedade personalizada no Estado e, ao mesmo tempo, amesquinhar o poder jurídico tributário outorgado pela Constituição Federal às pessoas políticas que detém o poder de legislar sobre matéria tributária. O bem jurídico tutelado por toda e qualquer norma penal tributária é a solidariedade em prol da comunidade que repousa na distribuição proporcional dos encargos pela manutenção do Estado e na redistribuição de riqueza centrada na busca de uma sociedade ‘justa e solidária’.

189 Infrações e sanções tributárias. 2003, p. 22.

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Concordamos com este entendimento, porém, como a efetividade das

normas primárias dispositivas tributárias está diretamente atrelada a i) arrecadação e a

ii) proteção à atividade administrativa de fiscalização, podemos dizer que as sanções

tributárias têm, em ultima instancia, a finalidade de proteger a efetividade da

arrecadação e da fiscalização tributária.

Portanto, podemos extrair duas importantes premissas:

i) a sanção tributária não tem finalidade arrecadatória, mas assecuratória do

cumprimento das obrigações fiscais, a quem devem necessária subordinação;

ii) a sanção não pode se converter em instrumento de arrecadação, ou seja,

não pode ser fixada em patamar que se torne mais vantajosa para o Estado que a

arrecadação do próprio tributo, o que além de desproporcional, colide com a própria

coerência do sistema.

Sobre a impossibilidade de desvio de finalidade da sanção norma tributária,

Luciano Amaro190 observa:

No campo das sanções administrativas pecuniárias (multas), é preciso não confundir (como faz, freqüentemente, o próprio legislador) a proteção ao interesse da arrecadação (bem jurídico tutelado) com o objeto da arrecadação por meio de multa. Noutra palavras, a sanção de ser estabelecida para estimular o cumprimento da obrigação tributária; se o devedor tentar fugir do seu dever, o gravame adicional representado pela multa igualmente se justifica (pelo perigo que o descumprimento da obrigação acessória provoca para a arrecadação de tributos), mas a multa não pode ser transformada em instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.

190 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 427.

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A finalidade da sanção tributária permite, portanto, a identificação dos

limites à sua imposição, ou seja, se tem finalidade assecuratória do cumprimento das

normas tributárias e não pode se transferir de instrumento de arrecadação, podemos

concluir que deve respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Trataremos das funções das sanções de natureza tributária, sendo estas

aplicadas aos contribuintes ou responsáveis que violarem, simultânea ou isoladamente,

as normas dos deveres instrumentais.

5.6.2. Funções

Trataremos das funções das sanções tributárias, ressaltando que o termo

“sancionatório” utilizado neste trabalho está em oposição ao “indenizatório” ou

“ressarcitório”. A sanção é aplicada à prática de um ato ilícito, podendo ou não ter

culpabilidade. A indenização é reparação de dano.

5.6.2.1. Função preventiva

A sanção preventiva atua como desestimulante do rompimento do ilícito

fiscal, ou seja, tem como objetivo gerar reflexos na consciência dos destinatários sobre

o descumprimento do dever fiscal, mediante a intimidação de seus possíveis infratores.

Michel Foucault191, ao versar sobre a eficácia das punições, destaca que

“sua eficácia é atribuída à sua finalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser

punido é que deve desviar o homem do crime e não o abominável teatro”.

191 Vigiar e punir. 1999, p. 13.

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Portanto, temos que as sanções, como norma geral e abstrata, atuam

preventivamente com a finalidade de reforçar a eficácia das normas jurídicas,

conferindo-lhe, como sustenta Kelsen192, coercitividade, imprescindível para evitar ou

desestimular a sua violação. E, neste sentido, sanção é o instrumento utilizado pelo

sistema normativo para salvaguardar as leis das condutas contrárias aos seus preceitos.

A previsão da sanção confere maior estabilidade às relações sociais,

transformando as normas jurídicas em expressões institucionalizadas de expectativas

generalizadas. Mesmo quando aplicadas, não se pode perder de vista a sua função

preventiva, qual seja, desestimular o infrator de reincidir no erro.

5.6.2.2. Função repressiva ou punitiva

A função punitiva ou repressiva está no nível individual e concreto, em

decorrência de uma infração cometida. Dado o fato de o infrator violar a norma

prescrita, aplica-se a sanção como um castigo, uma punição.

Na dimensão deôntica, a sanção é uma resposta ao ilícito, assim como nas

leis da mecânica, próprias do mundo ôntico, toda ação provoca uma relação193. E é

neste momento que se aplica o princípio da proporcionalidade da sanção à agressão

por ela punida como questão de justiça.

192 Teoria pura do direito. 2006 193 Lourival VILANOVA. Causalidade e relação no direito, capítulo I: tipos de causalidade. Causalidade no direito. 2000, p. 27 e ss. Ao destacar a semelhança entre a causalidade natural e causalidade jurídica, dada a ocorrência de um fato teremos uma reação, tanto no mundo natural como mundo jurídico, sendo que este cria suas próprias realidades.

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Sempre deve haver uma proporcionalidade entre a pena e a infração punida,

porque uma pena muita branda pode enfraquecer a eficácia da norma jurídica e, assim,

comprometer a estabilidade e a paz social. Ao contrário, a pena excessivamente severa

não implementa a justiça e, sim, afasta-a para mais distante, opondo-se diametralmente

aos seus propósitos de pacificação social, de retribuição, que há de ser proporcional e

de reabilitação do infrator194.

Por isto, defendemos que o comando normativo da norma sancionadora

deve prever punição proporcional ao grau, à lesividade e à rejeição da ilicitude, que,

como seu pressuposto fático, condicione e enseje sua aplicação.

Paulo Roberto Coimbra Silva195 destaca que

A observância da proporcionalidade concernente à função punitiva das sanções há de merecer, dentre outro juízos, uma analise comparativa àquelas previstas para os demais atos ilícitos, devendo sua intensidade ser diretamente proporcional à valoração social de sua gravidade. Desta forma, aos ilícitos mais graves devem se corresponder sanções mais severas e às sanções mais brandas devem ser correlatas às infrações de menor repulsa social.

A proporcionalidade requer um sopesamento dos diversos valores

albergados pelo Direito, não se admitindo que uma sanção, por sua intensidade

exacerbada, possa comprometer outros valores e interesses também juridicamente

tutelados. Helenilso Cunha Pontes196, no mesmo sentido, entende que o princípio da

proporcionalidade é um efetivo instrumento de controle à estipulação e aplicação de

sanções. E destaca:

(...) as sanções positivas podem e devem ser controladas pelo princípio da proporcionalidade já que o alcance de uma finalidade de interesse público

194 Paulo Roberto Coimbra SILVA. Direito tributário sancionador. 2007, p. 63. 195 Direito tributário sancionador. 2007, p. 64. 196 O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. 2000, p. 131.

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não pode chegar ao extremo de comprometer a eficácia dos demais interesses protegidos pelo ordenamento constitucional.

As sanções tributárias, em geral, com exceção dos juros moratórios, cujos

fins são indenizatórios, sempre terão função punitiva. Por este motivo, as multas

tributárias não serão necessariamente equivalentes ao eventual prejuízo do Erário,

devendo, todavia, guardar fiel proporcionalidade ao grau de repúdio da ilicitude da

conduta por elas punido.

Sacha Calmon197 demonstra serem as multas tributárias punitivas.

De nossa parte, não temos a mais mínima dúvida quanto à natureza sancionatória, punitiva, não indenizatória da multa moratória.

(...) A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos. A função de indenização é recompor o patrimônio estatal lesado pelo tributo não recebido a tempo. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda. Multa e indenização não se confundem. É verdade que do ilícito pode advir obrigação de indenizar. Isto, todavia, só ocorre quando a prática do ilícito repercute no patrimônio alheio, inclusive o estatal, lesando-o. O ilícito não é a causa da indenização; é a causa do dano. E o dano é o pressuposto, a hipótese, a que o direito liga o dever de indenizar. Nada tem a haver com a multa que é sancionatória (...).

No mesmo sentido destaca Robson Maia Lins198 que

Voltando aos planos da linguagem do direito positivo e enfocando agora o sintático, a análise da compostura normativa das duas supostas categorias de multas tributárias – a punitiva e a de mora -, precisamente aos antecedentes normativos, ficamos autorizados a dizer que as multas de mora são também multas punitivas, assim como, numa outra perspectiva, a multa punitiva também é moratória.

A multa moratória tem natureza sancionatória. Mora e sanção, quando atribuídos como predicados da multas, não são conceitos excludentes.

197 Infração tributária e sanção. 2004, p. 71-72 198 A mora no direito tributário. 2008, p. 175.

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Com efeito, o fato jurídico que implica relação jurídica moratória é um fato ilícito, qual seja, deixar de pagar tributo no tempo previsto.

Isso numa perspectiva sintática.

Não há distinção no direito positivo tributário brasileiro entre as duas multas.

Dessa forma, embora com nomes distintos o pressuposto de ambas as multas é um descumprimento de um dever jurídico e o consequente é o pagamento de uma quantia em dinheiro. Não importa o nome: multa punitiva e multa moratória têm a mesma configuração normativa de sanção e por isso devem ser excluídas quando da denúncia espontânea.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça

consolidaram a sua jurisprudência e confirmaram esse entendimento, conforme a

ementa abaixo transcrita:

A multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal. (RE nº 79.624/SP, Min. Cordeiro Guerra, Revista Trimestral de Jurisprudência 80, p. 104/113).

TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.

1. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que "o Código Tributário Nacional não distingue entre multa punitiva e multa simplesmente moratória; no respectivo sistema, a multa moratória constitui penalidade resultante de infração legal, sendo inexigível no caso de denúncia espontânea, por força do artigo 138, mesmo em se tratando de imposto sujeito a lançamento por homologação" (REsp 169877/SP, 2ª Turma, Min. Ari Pargendler, DJ de 24.08.1998).

3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 831278/PR, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20.06.2006, DJ 30.06.2006 p. 192)

Portanto, revela-se inadequada a nomenclatura multa moratória, valendo

destacar que o nomen iuris equivocadamente atribuído pelo legislador jamais poderá

alterar a função, feição ou caráter das multas tributárias, que – insista-se! – é

primordialmente punitivo.

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5.6.2.3. Função reparatória ou indenizatória

Nossa Constituição Federal de 1988199 e a legislação infraconstitucional200

estipulam que aquele que causar dano a alguém é obrigado a indenizá-lo pelo dano

causado. Ou seja, somente em ocorrendo dano, há que se impor a alguém uma

obrigação de indenizar. Assim, podemos afirmar que na indenização não há

voluntariedade, e sim dever jurídico daquele incumbido de promovê-la e direito

subjetivo daquele que irá recebê-la.

O verbo indenizar se origina do latim indeminis e significa tornar indene, ou

seja, igual, de forma que a indenização deve ser entendida como forma de

recomposição patrimonial: tornar o patrimônio no estado em que se encontrava antes

do dano.

O termo indenização revela-se também dotado de polissemia, podendo ser

usado para indicar: a relação jurídica estabelecida no consequente normativo de uma

norma sancionadora201; a prestação objeto dessa relação; o direito subjetivo de quem

deve ser indenizado; o dever jurídico de quem tem de indenizar; o próprio objeto da

prestação; dentre outras acepções.

A obrigação de indenização do dano pode ter as seguintes causas: o ato

ilícito; o inadimplemento da obrigação contratual; o dever contratual de responder pelo

risco; o dever legal de responder sem culpa202.

199 Artigo 5º, V, trata da indenização por dano material, moral ou à imagem; X, trata da indenização por desapropriação; XXV, da indenização em razão de dano causado pelo poder público em propriedade privada por ele utilizada em situação de perigo; artigo 7º, I, da indenização por despedida sem justa causa ou arbitraria, e XXVII, da indenização por acidente de trabalho; e o artigo 182, §§ 3º e 4º, III, da indenização por desapropriação de imóvel urbano. 200 Código civil e legislações específicas. 201 Maurício BELLUCCI. Imposto sobre a renda e indenizações. 2008. 202 Orlando GOMES. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 61.

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Pontes de Miranda203 leciona que a indenização se dá quando se presta o

equivalente, devendo serem objeto de indenização: “toda diminuição ou eliminação

das vantagens que o credor teria tirado da prestação se a dívida se houvesse solvido em

temo oportuno; as despesas que o credor fez para receber a prestação, inutilmente,

devido à mora; o que teve de pagar a terceiro, por infração de contrato com esse, ou

pela pena convencional, se deixou, com a mora do devedor, de prestar o que prometera

ao terceiro; a depreciação do objeto da prestação, prejuízo que teria sido evitado se o

devedor houvesse prestado em tempo devido; a diferença entre o valor do objeto, entre

a data em que deveria ter sido prestado e o preço máximo alcançado após aquela data e

a da entrega ou oblação”.

Nota-se que a indenização terá lugar sempre que houver descumprimento de

um dever jurídico e que, em razão disso, um terceiro sofre prejuízo, de forma que a

indenização serve para reparar prejuízos causados.

Orlando Gomes204, ao falar sobre indenização define-a como o objeto da

obrigação, ou seja, “a obrigação de reparar danos tem como objeto prestação especial,

que consiste no ressarcimento dos prejuízos causados a uma pessoa por outra ao

descumprir obrigação contratual ou praticar ato ilícito”. O objeto dessa prestação é a

indenização.

Seguindo este entendimento, a obrigação descumprida, absoluta ou relativa,

nasce, para o credor com a faculdade de obter o cumprimento coativo (por via

judicial), em virtude de que o devedor seja compelido à execução específica,

entregando a coisa ou realizando o fato, ou desfazendo o de que se deveria abster. Mas

não sendo isto possível, deverá reparar o dano com uma indenização205.

203 Tratado de direito privado. Parte especial, tomo XXIII: Direito das obrigações: autorregulamento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. 1984, p. 236. 204 Obrigações. 2007, p. 61. 205 Caio Mário da Silva PEREIRA. 1996, p. 235-36.

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Pontes de Miranda206 destaca ainda que “indenizar o prejuízo, nem é o

mesmo que restaurar o objeto da prestação originária, nem implica necessariamente a

conversão dele no seu equivalente pecuniário. Às vezes, sim. Outras vezes, uma não

exclui o outro, o que se dá sempre que o credor pode perseguir a res debita e mais

perdas e danos”.

E completa que as perdas e danos compreendem a recomposição do prejuízo

correspondente ao que o credor efetivamente perdeu, chamado de dano emergente,

mas, para serem completas, deverão abranger também aquilo cujo resultado tinha

fundadas esperanças de auferir e, com as perdas, razoavelmente transformou-se em

impossibilidade de lucro, parcela designada como lucro cessante.

As “sanções” de natureza compensatória pretendem restabelecer a paz e o

equilíbrio perturbados pela prática de um ato lesivo, implicando para o protagonista do

dano, única e tão somente, a privação do que fora por ele ilegitimamente obtido ou

reparação do que fora por ele injustificavelmente lesado. De forma geral, ensejam a

execução forçada dos bens integrantes do patrimônio do responsável pela lesão, para o

ressarcimento dos prejuízos suportados por terceiros, não raros, mas nem sempre, em

decorrência de ato ilícito.

A “sanção” reparatória tem como pressuposto fático de sua aplicação, não a

prática de um ato ilícito, mas sim o dano ou lesão usualmente dele decorrentes.

O ato ilícito não é pressuposto de sanção reparatória, mas sim o dano, com

ou sem culpa, como ocorre nos casos de responsabilidade civil objetiva.

206 Tratado de direito privado. Parte especial, tomo XXII: Direito das obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. 1984, p. 181.

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Não utilizamos o termo sanção reparatória, pois, o termo sancionatória

neste trabalho se refere a pratica de ato ilícito, enquanto a indenização é reparação de

dano.

Portanto, nem sempre o ato danoso é um ato ilícito. Comumente, a

lesividade e a ilicitude decorrem de um mesmo ato, exsurgindo daí a disseminada

confusão entre as funções punitivas e ressarcitórias das sanções.

Neste sentido, pondera Paulo Roberto Coimbra Silva:

Destaque-se comumente propalada cumulação de funções à sanção há de merecer ressalvas. Se as funções preventiva e didática, com maior ou menor ênfase, podem ser identificadas em todas as sanções, o mesmo não ocorre com as funções punitivas e reparatórias. Serve uma sanção para a repreensão ou para a reparação de uma lesão. Por isso, quando se pretende repreender e ressarcir, faz-se necessária a cumulação de duas diferentes sanções: uma punitiva e outra indenizatória. A bem da verdade, tais funções são mutuamente excludentes, admitindo-se sua incidência conjunta somente nos casos em que, previstas em regras distintas, os respectivos pressupostos se fizerem, a um só tempo, presentes.

Outro ponto de distinção entre as sanções punitivas e ressarcitórias está no

caráter substitutivo destas últimas. Ou seja, as primeiras têm como objetivo punir o

descumprimento de uma obrigação ou dever instrumental, sem, contudo eximir o

inadimplente do dever de satisfazê-la. Por isto, as multas punitivas são decorrentes de

um ilícito, acrescidas ao dever não cumprido, e independem da demonstração de

provocação de dano ou prejuízo à vítima, como nas multas fiscais. Já as sanções de

caráter indenizatório não têm consequências do ilícito, mas do dano causado, pois têm

como objetivo reparar o patrimônio do lesado; portanto, têm, via de regra, feição

substitutiva, e não cumulativa, na medida em que suprem a ausência do cumprimento

do dever que enseja sua incidência.

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As multas tributárias, que são acrescidas ao crédito tributário e cujo

pagamento não exime o infrator do dever de honrar o tributo devido, não são

substitutivas ou indenizatórias.

As “sanções” tributárias com função indenizatória são os juros moratórios

aplicados pela impontualidade no cumprimento das obrigações tributárias.

Cabe ressaltar que a “sanção” reparatória, diferentemente da punitiva, não

se sujeita à consideração de aspectos subjetivos, tais como a conduta do infrator ou o

grau de reprovabilidade, mas deve ser pautada por critérios objetivos, prendendo-se à

extensão e à intensidade do dano que busca reparar.

5.6.2.4. Função didática

A sanção deve, ainda, quando aplicada em concreto, exercer a elevada

função de contribuir para a educação e a correição do perpetrante, auxiliando-o a

apreender as lições a que não se dispôs espontaneamente, impedindo-o, assim, de ser

nocivo à sociedade no futuro.

Há também a função didática na sanção in abstrato, porquanto sua previsão,

se não for requisito indispensável à antijuridicidade, ao menos explicita a reprovação

da conduta ilícita, tornando mais evidente e clara a vontade da lei.

A função didática das sanções há de ser reconhecida, especialmente na área

de maior interesse (a fiscal), mercê de notória complexidade e instabilidade da

legislação tributária, que erige as obrigações cujo descumprimento enseja sua

aplicação. A feição didática das sanções tributárias refulge com maior clareza nas

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175

hipóteses em que, em razão das peculiaridades ou circunstâncias de determinada

infração fiscal, o princípio da insignificância, por alguns designado de princípio da

bagatela, sempre associado à equidade, impede a sua aplicação com propósitos

repressivos, como só ocorre nos casos em que há descumprimento de obrigação

acessória sem qualquer prejuízo ao Erário, podendo-se determinar sua redução, mais

ou menos significativa, ou, até mesmo, sua não aplicação207.

Há quem sustente a função incentivadora ou premial, que é aquela que

considera a sanção como um prêmio, e a função assecuratória208, com o fim de

assegurar a concretização dos direitos, muito aplicada em normas secundárias, para

viabilizar a consecução do dever ser previsto na norma primária (como ocorre nas

hipóteses de responsabilidade por transferência ou extensão)209, que não trataremos

neste trabalho.

5.6.3. Limites

Nos termos do artigo 113, §§1º e 3º do CTN, a obrigação tributária tem por

objeto o pagamento de penalidade pecuniária e os deveres instrumentais, conforme

visto o item 5.3, o seu descumprimento faz com que surge um vinculo sancionatório,

portador de uma penalidade pecuniária que onerará o patrimônio do infrator.

207 Paulo Roberto Coimbra SILVA. Direito tributário sancionador. 2007, p. 70. 208 Idem, p. 70-79. 209 A responsabilidade por transferência ocorre quando, após a incidência da norma tributária primária – que enseja o nascimento da obrigação tributária para o contribuinte –, ocorre um fato superveniente obstante, previsto no antecedente da norma secundária, que provoca a transferência integral do dever de satisfazer o crédito tributário a outrem (responsável tributário), indicando em seu consequente que passa a ocupar, com exclusividade, o polo passivo da obrigação tributária principal (causa mortis e sucessão imobiliária). E, na transferência por extensão, o responsável tributário adquire esta condição em virtude da ocorrência de fato impeditivo superveniente ao nascimento da obrigação tributária, previsto no antecedente da norma secundária, que acarreta a extensão do vínculo da obrigação tributária para englobar, em seu polo passivo, o contribuinte e responsável, cumulativamente e colateralmente – artigo 134 do CTN. Classificação defendida por Rubens Gomes de Souza (Compêndio de legislação tributária, 1975, p. 55) e Alfredo Augusto Becker (Teoria geral o direito tributário, 2000, p. 563 e ss).

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176

Como a conduta descumprida foi de dar certa quantia em dinheiro (tributo)

a título de pagamento pela relação jurídica tributária, ou a de fazer ou não fazer,

exigido pelo dever instrumental; a sanção a ser aplicada é de natureza pecuniária,

todavia, qual o limite e parâmetros para essa penalidade?

Pode a penalidade tomar como parâmetro, por exemplo, o valor da operação

e como medida um percentual que acarrete um valor superior ao do próprio tributo, ou

atingindo o patrimônio do infração, no caso de descumprimento de um dever

instrumental?

A limitação à natureza pecuniária da sanção também retira fundamento do

postulado da proporcionalidade e razoabilidade, instrumento de controle jurídico da

atividade estatal com base nas teorias dos fins do Estado

Veremos no item seguinte que a penalidade não pode restringir a livre

iniciativa, o livre exercício do trabalho e profissão, a livre concorrência ou do devido

processo legal substantivo.

A sanção tributária tem por objetivo garantir a manutenção da eficácia das

normas tributárias, as normas que as instituem guardam direta e imediata subordinação

quantitativa às normas primárias dispositivas. Em outras palavras, as sanções

tributárias são dependentes das normas primárias dispositivas. Essa dependência

estabelece uma relação de subordinação e subsidiariedade, ou seja, as sanções só se

justificam diante das normas primárias. E a estas devem, necessariamente, subordinar

seu conteúdo.

A medida da penalidade, portanto, não pode ultrapassar a medida do

tributo, sob pena de sua conversão em instrumento de arrecadação mais efetivo que a

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177

própria norma primária dispositiva, mesmo no caso dos deveres instrumentais.

Portanto, a sanção tributária, tem por limite quantitativo o valor do tributo cujo

recolhimento ou fiscalização visa proteger. Qualquer exigência que ultrapasse esse

limite objetivo caracteriza-se como apropriação injustificada de propriedade privada,

ou como confisco.

Não se trata aqui de aplicar o art. 150, IV da CF, que veda a utilização de

tributo com efeito de confisco, porque entendemos que este preceito aplica-se apenas

ao tributo, e a pena tributária não tem essa natureza.

Trata-se da aplicação do princípio da vedação do confisco previsto no art.

5º, XXII, XXIII e XXIV, que garante o direito de propriedade em observância à sua

função social e restringe a desapropriação.

A relação entre multa e a norma primária dispositiva violada há de ser

proporcional e razoável.

Uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caráter punitivo e preventivo da penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um processo. A aplicação de uma medida de confisco é algo totalmente diferente da aplicação de uma multa. Quando esta é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, inconstitucional210.

Poder-se-ia alegar que a penalidade, em percentual pouco acima do valor

do tributo, não anula os princípios constitucionais supracitados e seria razoável. Ou

ainda, que tal restrição só seria inconstitucional se excessiva.

210 Sacha Calmon Navarro COELHO. Teoria e prática das multas tributárias. 2001, p. 67.

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178

O mesmo raciocínio aplica-se as infrações relativas às normas primárias

dispositivas de deveres instrumentais, contudo, o parâmetro do tributo será indireto, ou

seja, como os deveres instrumentais visam documentar a ocorrência do fato jurídico

para facilitar a arrecadação e fiscalização, sua ofensa deverá ser pautada pelo valor do

tributo envolvido no fato jurídico.

Senão houver valor de tributo, como os casos de imunidade, isenção ou não

incidência, os critérios de controle que visualizamos serão os postulados da

proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) e

da razoabilidade (proibição do excesso) com todas as dificuldades a eles inerentes.

5.7. Distinção entre Sanção pelo descumprimento dos deveres

instrumentais e Sanções políticas

Não se pode confundir a sanção pelo descumprimento dos deveres

instrumentais com as sanções políticas, porque, enquanto a primeira, conforme já

visto, constitui-se de medidas autorizadas pelo sistema com o fim de assegurar o

efetivo recebimento do crédito tributário, as sanções políticas são medidas que

implicam violação aos direitos dos contribuintes, ou seja, medidas restritivas de direito

não autorizadas pelo sistema jurídico positivo.

Hugo de Brito Machado211 entende que

a expressão sanções políticas corresponde a restrições ou proibições impostas ao contribuinte, como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento do tributo, tais como a interdição do estabelecimento, a apreensão de

211 Sanções políticas no direito tributário. RDT nº 30, p. 46.

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mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras (...). Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas, que no Brasil remontam aos tempos da ditadura de Vargas, vêm se tornando, a cada dia, mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas formas de restrições aos direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou às vezes como forma de retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra cobranças ilegais.

Clélio Chiesa212 ressalta que são comuns os Estados-membros e demais

unidades da Federação contemplar em seus diplomas normativos a possibilidade de

aplicação de medidas restritivas de direitos para os contribuintes inadimplentes ou

como simples medidas destinadas a receber antecipadamente tributos que

supostamente serão gerados no futuro. São medidas que por via indireta têm como

finalidade forçar o contribuinte a recolher tributos, ainda que sejam tributos que o

contribuinte entenda indevidos. Estes mecanismos são utilizados com o objetivo de

tentar diminuir o critério temporal da regra matriz de incidência tributária, ou seja,

reduzir o tempo existente entre a suposta ocorrência de um evento submetido à

tributação e o efetivo recolhimento, ainda que isto implique violação a direitos e

garantias do contribuinte.

Vê-se que as sanções políticas visam criar embaraços ao desenvolvimento

regular das atividades desenvolvidas pelos contribuintes com o objetivo de alcançar

resultados duvidosos, como receber, mediante a suspensão da inscrição estadual,

crédito tributário sem se submeter ao processo de execução. Tais medidas não são

legítimas, devendo ser rechaçadas pelo contribuinte mediante a utilização dos

instrumentos que são colocados à sua disposição.

Já os deveres instrumentais têm como finalidade o controle das ocorrências

dos fatos jurídicos tributados.

212 Fiscalização tributária – limites à instituição de deveres instrumentais e à imposição de sanções pelo não pagamento de tributo e não cumprimento de deveres instrumentais, in: Grandes questões atuais do direito tributário. 2005, p. 45.

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Portanto, as sanções políticas jamais poderão ser confundidas com os

deveres instrumentais.

5.8. Limites à imposição de medidas restritivas de direito

Compete às pessoas políticas criar deveres instrumentais necessários a

fiscalizar as atividades dos particulares com vista a exigir os tributos devidos. Esta

providência é necessária para que se dê a efetiva arrecadação dos tributos, pois não são

poucos os setores da economia que apresentam altos índices de sonegação, o que

prejudica toda a sociedade.

A criação dos deveres instrumentais deve estar em consonância com a

demarcação da competência para criação do tributo, ou seja, a pessoa política

competente para a instituição do tributo é a que tem aptidão para instituir deveres

instrumentais pertinentes a tais exigências. Não pode um ente tributante pretender

instituir deveres instrumentais sobre tributos que não estão no âmbito de sua

competência.

Parece óbvia tal afirmação, mas ela não é, pois em alguns casos as pessoas

políticas acabam exigindo o cumprimento de deveres instrumentais com relação a

tributos que estão fora do âmbito de sua competência. A título de exemplo, Clélio

Chiesa213 cita a hipótese das construtoras que, embora não sejam contribuintes do

ICMS, possuem inscrição estadual e, em alguns Estados, são compelidas a manter

livros próprios para a apuração do ICMS. Seguindo este mesmo exemplo, a Prefeitura

213 Fiscalização Tributária – Limites à Instituição de Deveres Instrumentais e à Imposição de Sanções pelo não Pagamento de Tributo e não Cumprimento de Deveres Instrumentais. in Grandes questões atuais do direito tributário. vol. 10, 2005, p. 47.

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de São Paulo passou a exigir das empresas e pessoas físicas que prestam serviços no

seu território, embora não sejam contribuintes do Município de São Paulo, que se

inscrevam num cadastro por ela criado, sob pena de o tomador do serviço ser obrigado

a fazer a retenção do ISS214.

Todavia, essa autorização para se criar deveres instrumentais não é

ilimitada, devem-se respeitar os parâmetros estabelecidos na Constituição Federal e

nas normas gerais editadas pelo Congresso Nacional na qualidade de órgão legislativo

do Estado Brasileiro. Não se pode criar qualquer dever instrumental com pretexto de

combater a sonegação, sem observar os direitos e garantias assegurados aos

contribuintes.

Portanto, dentre as inúmeras proibições que limitam a atuação do Fisco na

aplicação de medidas restritivas de direito aplicadas no ato de controlar as ocorrências

passiveis de serem tributadas, temos as seguintes: a) necessidade de existência de

correlação da providencia exigida com a competência impositiva; b) os deveres

jurídicos tributários, as sanções pelo não pagamento e pelo não cumprimento de

deveres instrumentais somente podem ser instituídos por meio de lei em sentido

estrito; c) pertinencialidade das medidas impostas com a finalidade dos deveres

instrumentais; d) vedação à imposição de medidas excessivamente onerosas se o

mesmo propósito puder ser alcançado com medidas menos gravosas – necessidade de

adequação da sanção com fim colimado ao dever instrumental descumprido; e)

impossibilidade de o legislador contemplar a impontualidade de no pagamento de

tributo como hipótese de uma norma restritiva de direitos.

214 O tomador de serviços estabelecidos no Município de São Paulo deverá reter o ISS na fonte e recolher o imposto a esta municipalidade nos casos arrolados, toda vez que o prestador do serviço, inscrito noutro Município, não se cadastrar junto à Fazenda do Município de São Paulo, nos termos definidos em regulamento paulistano (art. 9º-A, §2ª, acrescido à Lei nº 13.701/03 pela Lei nº 14.042/05).

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Os deveres instrumentais, conforme já dito, têm como função propiciar à

Administração Tributária meios para controlar eventuais ocorrências tributárias, seja

para assegurar o recebimento de tributos devidos, seja para evitar abusos e desvios

coibidos pelo sistema.

Portanto, temos como limites à instituição de deveres instrumentais a

necessidade de existir uma correlação lógica entre a providencia exigida e o fim

observado com os deveres instrumentais, ou seja, fiscalizar as atividades dos

contribuintes sem que isso implique embaraço ao desempenho de suas atividades. Os

deveres instrumentais não podem ser instituídos com o propósito de dificultar a

atuação dos contribuintes.

Neste sentido, também podemos afirmar que o legislador, no momento de

legislar sobre as sanções a serem aplicadas aos que descumprirem os deveres

instrumentais, deve observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ou

seja, a sanção não pode consistir numa medida inadequada à gravidade da violação

cometida pelo contribuinte, pois, caso contrário, deixará de ter a função de conferir

efetividade aos deveres instrumentais, para caracterizar-se numa sanção política,

repudiada pelo sistema vigente.

Deste modo, não pode o Fisco instituir, por exemplo, como sanção, pelo

eventual descumprimento na entrega de uma declaração qualquer, a suspensão da

inscrição estadual, pois inexistiria no caso adequação entre a sanção e a violação

cometida. Sanção de tal natureza implicaria a paralisação das atividades do infrator, o

que revelaria ser uma medida excessivamente drástica em decorrência do

descumprimento de um mero dever de entregar uma declaração.

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Em suma, não pode o legislador pretender sancionar o contribuinte com

medidas restritivas de direitos, elegendo como hipótese de incidência de uma norma

jurídica a mera inadimplência.

5.8.1. Abuso de restrições aplicadas aos contribuintes

Os contribuintes devem colaborar com a Administração Tributária, através

do cumprimento de várias ações positivas ou negativas, porém, há algumas medidas

impostas aos contribuintes que implicam restrições indevidas aos direitos dos

contribuintes, violando as garantias e direitos assegurados aos contribuintes: as

chamadas sanções políticas.

Clélio Chiesa215 destaca algumas legislações que estabelecem inúmeras

medidas que se caracterizam como sanções políticas. Dentre elas, as medidas que,

submetidas aos contribuintes considerados suspeitos, submetem-nos a um regime

especial de controle e fiscalização. Tal regime especial de controle e fiscalização,

embora apresente variações de uma unidade federativa para outra, via de regra,

compreende um verdadeiro ‘pacote’ de medidas arbitrárias, como: a) o ‘plantão

permanente no estabelecimento’, com ou sem recolhimento diário de ICMS no

encerramento diário das atividades da empresa, submetendo os proprietários do

estabelecimento a um constrangimento perante seus fornecedores e clientes; b) a

proibição de o contribuinte emitir documentos fiscais, obrigando-o a usar os livros ou

documentos que o Fisco determinar, criando uma situação de desigualdade em relação

aos demais contribuintes; c) sujeição a regime especial de recolhimento do ICMS,

como recolhimento antecipado; e d) a imposição do dever não imputado a outros

contribuintes de prestar informações periódicas sobre as operações realizadas em seu

215 Fiscalização Tributária – Limites à Instituição de Deveres Instrumentais e à Imposição de Sanções pelo não Pagamento de Tributo e não Cumprimento de Deveres Instrumentais. in Grandes questões atuais do direito tributário. 2005, p. 51.

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estabelecimento para fins de comprovação de recolhimento do ICMS, violando

flagrantemente o princípio da isonomia.

Destaca o autor que:

(...) das inúmeras restrições que o denominado regime especial de controle e fiscalização contempla, todavia, há uma que, devido sua originalidade, gostaríamos de destacá-la.

O Estado de Mato Grosso do Sul, pretendendo compelir os veículos transportadores de mercadorias a abastecerem nos postos de combustíveis situados às margens das rodovias no sei território, resolveu, por meio do Decreto nº 11.907, de 29 de julho de 2005, instituir um regime especial de recolhimento do ICMS incidente sobre as mercadorias transportadas por meio de veículos que possuem tanque de combustível suplementar, estabelecendo no parágrafo único, do art. 1º, do mencionado Diploma Legal, que:

‘Parágrafo único. Na hipótese deste artigo (mercadoria transportada por meio de veículo que possui tanque de combustível suplementar), o imposto deve ser pago no momento do transporte, na primeira repartição fiscal do Estado existente no itinerário entre:

I – o estabelecimento em que ocorrer o embarque e o local de saída do território do Estado, no caso de operações interestaduais;

II – o local de entrada no território do Estado e o estabelecimento destinatário localizado neste Estado, no caso de aquisições internas.

III – o estabelecimento em que ocorrer o embarque e o estabelecimento destinatário, no caso de operações internas.

Vê-se que, no caso em tela, o Estado, tomado como hipótese o exercício regular de um direito, pode colocar ou não tanque de combustível suplementar no veículo, como critério para aplicar um regime mais gravoso que, inclusive, pode recair sobre terceiros proprietários da mercadoria, mas não proprietários do veículo transportador da mercadoria.

Não resta dúvida de que neste caso o Estado alterou, por meio de Decreto, o momento de pagamento do tributo, criando uma situação mais gravosa para uma hipótese em que não houve qualquer violação à ordem jurídica, revelando-se absolutamente ilegal e inconstitucional o regime especial de

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recolhimento do ICMS para as mercadorias transportadas por meio de veículos que possuem tanque suplementar de combustível.

Além desta sanção política, há também outras absurdas: a) o caso da

suspensão ou cancelamento da inscrição estadual dos contribuintes que se encontram

em débito com o Estado, como medida de coagi-los a recolher os tributos devidos; b) a

interdição do estabelecimento inadimplente; a negativa de concessão de certidão

negativa sob o fundamento de que existe “débito em aberto”, sem especificar quais

débitos e se já se encontram formalizados; c) a apreensão de bens e mercadorias

supostamente irregulares com o propósito de coagir o contribuinte a recolher tributos;

d) condicionar a expedição de autorização para a impressão de documentos fiscais ao

prévio pagamento de tributo; e) condicionar a expedição de alvará de construção ao

pagamento de supostos débitos tributários estranhos à obra; f) a lavratura de Termo de

Verificação Fiscal – com a retenção indevida de mercadorias em trânsito.

Estas práticas são repudiadas pela doutrina e jurisprudência, mas

infelizmente continuam acontecendo, restando ao contribuinte insurgir-se contra estas

medidas, no Judiciário, requerendo que os infratores sejam responsabilizados pelos

danos eventualmente causados.

Neste sentido, pondera Helenilson Cunha Pontes216 que

para atender ao princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, a medida restritiva imposta pelo Estado deve representar a menor limitação possível à esfera individual juridicamente protegida, e que concretamente é atingida pela imposição da sanção. Vale dizer, a limitação imposta à esfera jurídica do indivíduo deve ser estritamente indispensável ao atingimento do interesse público que justifica tal restrição. (...) O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar

216 O princípio da proporcionalidade e o direito tributário. 2000, p. 142.

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fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas com a negativa de fornecimento de certidões negativas de débitos, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até a proibição de participar de concorrências públicas.

Sacha Calmon Navarro Coelho217 defende que

as sanções fiscais por descumprimento do dever de pagar tributo não devem ser privativas de direitos. No Brasil não podem, de modo especial: a) impedir o exercício da profissão: ‘É livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’ (art. 5º da Constituição); nem b) afetar o direito de propriedade (art. 5º, XXII).

Portanto, não pode o legislador ordinário, ainda que por meio de lei,

autorizar os agentes do Fisco a tomar medidas que impliquem restrição ao direito de

livre exercício de qualquer trabalho, profissão ou atividade econômica, salvo nas

hipóteses de profissões regulamentadas e atividades controladas.

Tal entendimento está sumulado pelo STF, na Súmula nº 70, que dispõe: “é

inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de

tributo”.

Portanto, a Administração não pode pretender satisfazer seu crédito por

intermédio de seus próprios meios, ela haverá, se for necessário, de recorrer ao

Judiciário. Não é facultado à Administração valer-se de seus agentes para compelir o

contribuinte a pagar eventual débito, porque, conforme preceitua Paulo de Barros

Carvalho218,

217 Teoria e prática das multas tributárias. 2001, p. 52. 218 Curso de direito tributário. 2008, p. 408.

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o lançamento desfruta das prerrogativas de presunção de legitimidade e de exigibilidade, o mesmo não acontece com as duas outras propriedades: imperatividade e executoriedade. (...) Se o lançamento tributário fosse portador desse atributo (executoriedade), a Fazenda Pública, sobre exigir seu crédito, teria meios de promover a execução patrimonial do obrigado, com seus próprios recursos, compelindo-o materialmente. E o lançamento dista de ser ato dotado dessa qualidade constrangedora. Não satisfeita a prestação, em tempo hábil, a Administração aplicará a penalidade prevista em lei. Se vencido o prazo para recolhimento do tributo e da multa correspondente sem que o sujeito passivo compareça para solver o débito, a entidade tributante não terá outro caminho senão recorrer ao Judiciário, para lá deduzir sua pretensão impositiva. Por determinação de princípios constitucionais expressos, é-lhe vedado, para sacar os valores que postula como seus.

Por fim, mesmo que a doutrina e jurisprudência repudiem esta prática da

Administração, ela continua ocorrendo, prejudicando vários contribuintes que, por

vezes, não possuem recursos para se insurgir contra elas. E contra estas medidas

restritivas cabem indenizações, como será visto no próximo item.

5.8.2. Responsabilidades civis cabíveis aos prejuízos causados em

decorrência da aplicação de sanções políticas

O contribuinte que é atingido por uma sanção política, via de regra, sofre

danos materiais e morais, passíveis de serem indenizáveis.

O sistema jurídico em vigor impõe a quem causar dano a outrem o dever de

repará-lo. Trata-se de uma diretriz fundamental do ordenamento jurídico, pois obriga

os infratores a reparar os prejuízos causados.

O termo dano, segundo De Plácido e Silva219, “vem do latim damnum; é

todo o mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, da qual possa resultar

numa deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio”

219 Dicionário jurídico. 2008, p. 410.

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Nossa Constituição Federal de 1988220 e a legislação infraconstitucional221

estipulam que aquele que causar dano a alguém é obrigado a indenizá-lo pelo dano

causado. Ocorrendo dano, há que se impor a alguém uma obrigação de indenizar.

O sistema tributário também contempla a denominada responsabilidade

objetiva do Estado, que responde pelos danos causados pelos seus agentes. Assim

dispõe o §6º do artigo 37 da Constituição Federal:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Há inúmeras situações em que, em decorrência de arbitrariedades cometidas

pelos agentes da Administração, os contribuintes sofrem prejuízos, como, por

exemplo: a apreensão indevida de mercadorias perecíveis, que acabam chegando

deterioradas ao destino; o não cumprimento de contrato em decorrência de atraso

provocado por apreensão irregular; suspensão da inscrição estadual, impossibilitando o

comerciante de continuar a desenvolver regularmente suas atividades; a aposição de

carimbos nas notas fiscais emitidas pelo contribuinte sujeito ao regime especial,

condicionando o direito de crédito do adquirente da marca à apresentação de guia dor

recolhimento do imposto incidente na operação anterior, etc.

Todas essas medidas, entre outras, transcendem ao direito do Fisco de

impor ao contribuinte o dever de cumprir certas exigências necessárias para a

consecução de sua missão de fiscalizar as atividades passíveis de serem tributadas, 220 Artigo 5º, V, trata da indenização por dano material, moral ou à imagem; X, trata da indenização por desapropriação; XXV, da indenização em razão de dano causado pelo poder público em propriedade privada por ele utilizada em situação de perigo; artigo 7º, I, da indenização por despedida sem justa causa ou arbitraria, e XXVII, da indenização por acidente de trabalho; e o artigo 182, §§ 3º e 4º, III, da indenização por desapropriação de imóvel urbano. 221 Código civil e legislações específicas.

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cabendo ao contribuinte recorrer ao Judiciário por todos os danos causados em

decorrência das sanções políticas aplicadas pelo Fisco.

Por outro lado, a partir de medidas causadoras de danos decorrentes de atos

ilegais ou abusivos praticados por agentes ou autoridades fazendárias, há que se

imputar o dever de indenizar a pessoa do causador do dano, sem prejuízo de outras

sanções, como medida de se refrear os constantes abusos que são cometidos.

Portanto, o agente que extrapolar as prerrogativas que lhe são outorgadas,

não só responde pelos danos que causar, mas também pode ser punido com pena

privativa de liberdade.

5.9. Regra Matriz da norma sancionatória pelo descumprimento

dos deveres instrumentais.

Conforme visto, os deveres instrumentais são normas jurídicas que

prescrevem o dever de fazer ou não fazer dada conduta, assim, ocorrido o fato jurídico

do dever instrumental, nascerá uma relação jurídica instrumental (D (h – R’(Sa, Sp) .

(-R’ – R”). Nada impede que o fato jurídico do dever instrumental seja o mesmo que o

fato jurídico tributário222.

A norma primária sancionadora prevê em seu antecedente a infração, e em

seu consequente, a sanção, ou seja, o descumprimento do consequente da norma

primária é que vai dar ensejo à aplicação do consequente da norma sancionatória.

222 Eurico Marcos Diniz de Santi ressalta que muitas vezes não nasce o fato jurídico tributário, como no caso das isenções, mas, ainda assim, incide a regra matriz de dever instrumental, obrigando o contribuinte a realizar os respectivos controles. Lançamento tributário. 2001, p. 134.

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Deste modo, a norma sancionatória aplicada ao descumprimento do

instrumental tem como hipótese de incidência a não observância de dever instrumental

e, por consequência, uma relação jurídica que se instaura entre aquele responsável pelo

adimplemento do dever instrumental (sujeito passivo) e o Fisco (sujeito ativo). Os

sujeitos da relação jurídica são os mesmos, o que os diferencia é o objeto da prestação,

ou seja, na relação de dever instrumental, é um fazer ou não fazer, enquanto na relação

de descumprimento do dever instrumental, é um montante determinado, firmado

segundo os valores e interesses do legislador, porque o objeto da relação descumprida

(de dever instrumental) é insusceptível de valorização econômica, o que revela a

impossibilidade de ele ser tomado como base de cálculo para o montante a ser pago a

título de multa instrumental.

5.9.1. Critério material

O critério material da norma primária sancionatória pelo descumprimento

do dever instrumental tem como hipótese de incidência o descumprimento do

consequente da norma de dever instrumental (norma primária dispositiva).

Assim, a hipótese de incidência da norma sancionatória é o fato, por

exemplo, do sujeito passivo não ter entregado a declaração da renda auferida ao Fisco

federal até a data determinada.

O critério material da norma primária sancionatória não se confunde com o

critério material da norma secundária, pois, enquanto esta tem como hipótese de

incidência o consequente da norma primária sancionatória pelo descumprimento do

dever instrumental, aquela tem como critério material o consequente dos deveres

instrumentais, que é norma primária dispositiva.

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5.9.2. Critério espacial

O critério espacial diz respeito ao local onde ocorre o fato jurídico do

descumprimento do dever instrumental, fixado em lei pelo ente que instituiu a sanção.

5.9.3. Critério temporal

O critério temporal demarca o exato momento em que o sujeito passivo

deve cumprir a sanção a fim de que não recaia sobre ele o evento da relação jurídica

processual. Ou seja, em não sendo cumprida a sanção administrativa, passado um dia

após a data estipulada, pode o Fisco ingressar em juízo para coercitivamente receber a

multa não paga.

A dúvida que aparece é: qual o momento em que nasce o direito à sanção?

Vimos no capitulo anterior que o critério temporal do dever instrumental

marca o exato instante em que as informações deverão ser prestadas, portanto a data

para o cumprimento do dever instrumental deve integrar a regra matriz de incidência

tributária, pois, passado um dia sem que sejam cumpridos os deveres estipulados em

lei, nasce o evento sanção, pelo descumprimento do dever instrumental.

Portanto, o direito à sanção nasce na data determinada para o cumprimento

do dever instrumental. Se não cumprido o dever instrumental, esta data vale como o

momento determinante ao direito à sanção pelo Estado credor.

Page 192: Andreia Fogaca Maricato

192

Denuncia espontânea

A denúncia espontânea é mecanismo normativo que permite ao sujeito

passivo tributário, mesmo diante de um evento sancionatório, evitar que o fato jurídico

sancionatório seja constituído pelo sujeito competente, e, portanto, impedir que a

constituição do descumprimento de um dever seja concretizada em nível individual e

concreto.

A denúncia espontânea no direito tributário do Brasil está prevista no artigo

138 do CTN que prescreve

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração. (grifos nossos).

Deste modo, a denúncia espontânea constitui-se em instrumento normativo

hábil a mutilar os efeitos jurídicos da sanção no direito tributário, que se opera quando

há espontaneidade do sujeito passivo ou aquele que, obrigado, deixou de cumprir a

obrigação ou dever, toma a iniciativa de cumprir a conduta prevista em norma

tributária e corrige informações imprescindíveis para o Fisco constituir ou não o

crédito tributário – obrigação tributária e dever instrumental.

Analisaremos a denúncia espontânea apenas no que ser refere ao dever

instrumental223.

223 Cabe destacar que há possibilidade se aplicar a denúncia espontânea nos casos de (i) lançamentos por homologação, com declaração e sem pagamento ou sem declaração e sem pagamento; (ii) para ilidir as multas

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193

O artigo 138 do CTN traz o termo “infração”, que, na sua acepção de base,

no direito tributário, comporta tanto aquela decorrente do não pagamento do tributo,

quanto a que for fruto do descumprimento do dever instrumental. Ambas as condutas

configuram infrações que, por vínculo de imputação normativo, implicam sanções

tributárias.

Depois, a expressão “... se for o caso...”, quase como se estivesse

combinando com o termo “infração”, na sua acepção estrita, qual seja, a decorrente do

não pagamento do tributo, deixa antever que pode haver denúncia espontânea em

relação à infração da qual não decorra o pagamento de tributo. Eis a infração

decorrente do descumprimento de dever instrumental.

O Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, conquanto

expressamente não admita a denúncia espontânea em relação à infração decorrente do

descumprimento de deveres instrumentais, prolatou, por intermédio do Conselho

Superior de Recursos Fiscais, algumas decisões que, se interpretadas de forma

sistemática, podem levar à conclusão de que é possível a denúncia espontânea, mesmo

naquelas infrações decorrentes do descumprimento de tais deveres.

MULTA ISOLADA – INEXISTÊNCIA DE TRIBUTO A RECOLHER – DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA (Art. 44, parágrafo primeiro, inciso IV, da Lei n. 9.430/96) – A exigência da multa isolada prevista na legislação de regência não tem o cabimento se o descumprimento versa desatendimento de mera obrigação acessória apurada após o encerramento do ano-calendário, sem repercussão na órbita do tributo. (recurso n. 107-121529 do processo n. 10467.004763\98-00, CSRF\01-04.263).

“punitivas”, e multas de mora; (iii) nas hipóteses de parcelamento ou compensação. Tema este muito bem tratado por Robson Maia Lins, em A mora no direito tributário. 2008, p. 235 e ss.

Page 194: Andreia Fogaca Maricato

194

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento no

mesmo sentido de que não é juridicamente possível a denúncia espontânea de infração

por descumprimento de dever instrumental. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO E ERRO MATERIAL NO ACÓRDÃO. CORREÇÃO. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. MULTA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE.

1. Os embargantes confessam que efetivaram o pagamento do tributo após o vencimento, embora sem pressão do Fisco. Tal circunstância é suficiente para que não seja aplicada a denúncia espontânea.

2. A configuração da “denúncia espontânea”, como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.

3. As responsabilidades acessórias autônomas, sem qualquer vínculo direto com a existência do fato gerador do tributo, não estão alcançadas pelo art. 138 do CTN. Precedentes.

4. Não há denúncia espontânea quando o crédito tributário em favor da Fazenda Pública encontra-se devidamente constituído por autolançamento e é pago após o vencimento.

5. Inexistência de parcelamento, na hipótese, que se reconhece, com a sua correção.

6. Embargos acolhidos, porém, sem efeitos modificativos. Acórdão mantido. (no EDAG n. 568.515/MG, Rel. Ministro José Augusto Delgado). (grifos nossos).

Vê-se que, tanto quanto o Conselho de Contribuintes do Ministério da

Fazenda, quanto o STJ, ligam a possibilidade ou não de denúncia espontânea em

relação aos descumprimentos de deveres instrumentais à inexistência ou não de tributo

decorrente do cumprimento daquele referido dever. É o que a jurisprudência do STJ

denomina de “obrigação acessória autônoma.”

Talvez, a raiz desta conclusão esteja na antiga e antiquada concepção de

base da expressão “obrigação acessória”, que, sem ser genuína obrigação, por ausência

Page 195: Andreia Fogaca Maricato

195

de dimensão econômica, também nem sempre o cumprimento das condutas ali

prescritas dão ensejo ao nascimento da obrigação tributária principal cujo conteúdo

seja tributo, assim denominado no art. 3, do CTN224.

5.9.4. Critério pessoal

A relação jurídica que nasce com a norma sancionadora instrumental obriga

o sujeito passivo, que é o contribuinte ou responsável legal, a pagar ao sujeito ativo,

que é um dos entes tributantes que instituiu o dever instrumental ou por ele delegado,

uma prestação de cunho pecuniário a título de sanção pelo descumprimento do dever

instrumental.

Esta sanção que podemos chamar de multa, por ter cunho pecuniário, é o

objeto da relação entre o sujeito ativo e passivo em decorrência do fato jurídico do

cumprimento do dever jurídico de fazer, ou não fazer.

Além do contribuinte, a lei prevê sanção ao responsável tributário, pelo

descumprimento do dever instrumental, neste sentido prescreve o artigo 136 do CTN

Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e a extensão dos efeitos do ato.

Entende-se que o simples descumprimento da obrigação tributária ou do

dever instrumental é suficiente para determinar a responsabilidade do contribuinte,

independentemente de sua intenção de pagar ou não, escriturar ou não o livro fiscal,

etc.

224 Robson Maia de LINS. A mora no direito tributário. 2008, p. 237.

Page 196: Andreia Fogaca Maricato

196

Vimos no capitulo anterior que o responsável tributário também responde

pelo descumprimento dos deveres instrumentais a ele impostos. Ou seja, se o

substituto não retém o imposto de renda, é obrigado ao pagamento do tributo em lugar

do contribuinte; se retém, ele não será considerado depositário infiel (lei 8.866/94).

5.9.5. Critério quantitativo

Diferentemente da RMDI (regra matriz do dever instrumental), a RMDDI

(regra matriz do descumprimento do dever instrumental) tem como objeto da relação

jurídica a sanção. A norma secundária também tem como objeto da relação uma

sanção, todavia, a relação jurídica é processual.

Na regra matriz do descumprimento do dever instrumental, podemos

visualizar a presença do critério quantitativo, com a base de cálculo e a alíquota.

Tanto a base de cálculo como a alíquota devem respeitar os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade, pois a multa tem como objetivo coibir a ilicitude

e não punir o contribuinte a ponto de ter que fechar as portas do seu estabelecimento.

Portanto, a aplicação da multa que ultrapasse 3 vezes o valor do bem (300% sobre o

tributo) ou 12 vezes o valor do bem (300% sobre o valor da operação) é

desproporcional, inadequada e não atinge sua finalidade, pelo contrário, destrói o bem

do qual o fruto é desejado.

Deste modo, a não observância dos deveres instrumentais prescritos no

direito positivo, faz nascer uma norma na relação jurídica sancionatória dos deveres

instrumentais, ou seja, dado o fato do não cumprimento dos deveres instrumentais,

então deverá o faltoso pagar multa.

Page 197: Andreia Fogaca Maricato

197

A relação jurídica sancionadora instrumental obriga o sujeito passivo a

pagar ao sujeito ativo uma prestação pecuniária a título de multa em decorrência da

não observância do dever instrumental prescrito225. A multa aplicada é uma relação

jurídica que se instaura, perante a ocorrência do fato jurídico da não observância do

dever jurídico de fazer, ou não fazer, ou seja, pelo não adimplemento da relação

jurídica de dever instrumental, entre os mesmos sujeitos da relação não cumprida.

D {[ h → R’(Sa, Sp)] . [ - R’ (Sa, Sp) → R” (Sa, Sp)]}

Norma primária dispositiva

Cm.Ce.Ct

Relação jurídica ← fato jurídico sancionador

Sancionatória instrumental instrumental

(Sa → Bc x al ← Sp)

Onde,

D: indicador da operação deôntica incidente sobre a relação de implicação

intraproposicional

h: hipótese de incidência

R’: variável relacional

Sa: sujeito ativo

Sp: sujeito passivo

“.”: conectivo lógico conjuntor

-R’: não cumprimento da variável relacional

“→”: conectivo deôntico interproposicional

225 Idem, p. 134-35.

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198

R”: variável relacional

Cm: critério material

Ce: critério espacial

Ct: critério temporal

Bc: base de cálculo

al: alíquota

Vale ressaltar que a incidência da norma de multa pelo descumprimento do

dever instrumental não depende do pagamento do tributo.

Mais uma vez Paulo de Barros Carvalho226 traz importantes luzes para o

bom equacionamento desta questão, quando sustenta que as normas que fixam deveres

instrumentais ou formais têm eficácia imediata. Este atributo significa dizer que o não

cumprimento das normas que prescrevem tais deveres tornam-nos extintos e fazem

surgir penalidades de cunho pecuniário (multas).

Sobre essas penalidades, estamos de acordo com a assertiva pronunciada

por Fábio Fanucchi227, quando diz que o descumprimento dos deveres instrumentais

somente é causa suficiente e necessária para implicar relações jurídicas de natureza

penal, isto é, de natureza sancionatória – não pode o descumprimento, em nenhuma

hipótese, dar ensejo ao surgimento de uma sanção de natureza civil.

Na conformidade de nossas premissas, devemos reafirmar que não é

suficiente o “evento” sancionatório para converter a sanção pelo descumprimento do

dever instrumental em norma sancionatória secundária. É preciso que haja a

226 Decadência e prescrição. 1976, p. 87 e ss. 227 Curso de direito tributário brasileiro. 1975, p. 449-457.

Page 199: Andreia Fogaca Maricato

199

constituição do fato jurídico e linguisticamente, após o lapso temporal previsto no

consequente da regra matriz sancionatória.

5.10. O descumprimento dos deveres instrumentais relacionados

às imunidades e isenções

As situações de imunidades e isenções tributárias vêm quase sempre

condicionadas ao cumprimento de certos deveres instrumentais, que, uma vez não

cumpridos em tempo e modo prescritos, podem, na maioria das vezes, dar causa à

incidência da RMIT, quando há imunidades ou isenções tributárias condicionadas; ou

podem fazer cessar os efeitos dessas exonerações tributárias, quando há remissões e

anistias tributárias condicionadas

Paulo de Barros Carvalho228 define imunidade tributária como uma classe

finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da

Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência para

expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e

suficientemente caracterizadas. Para ele, as imunidades são somente aquelas expressas

claramente no texto constitucional, ou seja, estão taxativamente explicitadas na

Constituição, não dispondo o legislador infraconstitucional de nenhuma liberdade no

sentido de editar novos enunciados veiculadores de normas jurídicas sobre a

imunidade.

Vimos que as imunidades dizem respeito à incompetência de referidas

pessoas políticas para criarem em abstrato, tributos, ajudando a delimitar o campo

tributário, conferindo também a certas pessoas, os sujeitos imunes, um direito

subjetivo de não tributação.

228 Curso de direito tributário. 2008, p. 184.

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200

Detêm as imunidades também um caráter instrumental, pois, na medida em

que conferem um direito subjetivo aos sujeitos imunes, impõem um dever jurídico aos

entes legiferantes de direito público interno, cujo núcleo deôntico aponta nitidamente

para uma proibição, privando os tais entes a expedir regras jurídicas que instituam

tributos. Ou seja, a incompetência das pessoas políticas para expedir regras, inovando

nosso ordenamento, ocorre de forma expressa através do modal proibido.

O não cumprimento dos deveres instrumentais nas imunidades

condicionadas acarreta a perda da imunidade: este entendimento é pacífico na doutrina

e na jurisprudência. O próprio CTN, no art. 14, com as modificações introduzidas pelo

inciso I da Lei Complementar nº 104, de 2001, estabelece o cumprimento dos deveres

instrumentais como condição para o enquadramento de uma entidade como imune.

O cumprimento dos requisitos previstos devem ser provados através de

documentos idôneos, pois, se não assim não estiverem totalmente caracterizados, a

autoridade competente (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) poderá

suspender a aplicação do beneficio.

Como a isenção é uma norma que decorre da lei, atuando sobre a regra

matriz de incidência tributária, os beneficiários da isenção deverão cumprir os

requisitos estabelecidos pela lei, para gozarem do benéfico, assim, deverão observar e

cumprir todos os deveres instrumentais impostos, caso contrário, perderão a isenção

concedida.

José Souto Maior Borges229 destaca as distinções entre perda e extinção da

isenção, que são fenômenos inconfundíveis, ou seja, a extinção ocorre quando a

229 Teoria geral da isenção tributária, 2007, p. 195.

Page 201: Andreia Fogaca Maricato

201

isenção desaparece do sistema tributário, enquanto que a perda consiste na

circunstância de determinada pessoa, até então isenta, ser excluída do gozo ou desfrute

da isenção, como, por exemplo, no cancelamento do gozo de uma isenção para certas

pessoas, que estavam sendo beneficiadas.

Ferando Sainz de Bujanda230 aponta como sendo as mais importantes

causas de extinção das isenções as seguintes: (i) supressão do tributo a que a isenção

se refira; (ii) derrogação das normas que a instituíram, ou a ausência de convalidação,

se esta for necessária; (iii) nas objetivas, a modificação do pressuposto de fato, que

coloque o sujeito isento no âmbito da não sujeição; (iv) nas temporárias, o transcurso

do tempo para o qual foram concedidas; (v) nas internacionais, a resolução dos

convênios em que foram pactuadas e o abandono do critério da reciprocidade; (iv) nas

subjetivas, concedidas em favor de uma entidade determinada, a extinção jurídica

dessa entidade.

Já a perda da isenção pode decorrer das seguintes formas: (i)

desaparecimento das circunstâncias que legitimam o desfrute da isenção; (ii)

caducidade dos prazos concedidos para solucionar a renovação da isenção, quando este

requisito for necessário, transcorrido um período de tempo, para prosseguir o desfrute;

(iii) infração dos deveres impostos ao beneficiário, quando a perda da isenção for,

nessa hipótese, a sanção legalmente prevista.

Desta forma, o não cumprimento dos deveres instrumentais acarreta a perda

da isenção.

230 Introducción al derecho financeiro de nuestro tempo. 1962, p. 459-60.

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202

5.11. O descumprimento dos deveres instrumentais relacionados

às remissões e anistias tributárias

A remissão vem do verbo remitir, é o perdão, indulgência, indulto. É uma

das formas extintivas da obrigação tributária, prevista no artigo 172 do CTN.

Com a remissão, desaparece o direito subjetivo de exigir a prestação e, por

decorrência lógica e imediata, some também o dever jurídico cometido ao sujeito

passivo, mas obviamente se a remissão for total231.

Este perdão concedido através da remissão exige a edição de uma lei

autorizadora.

Desta forma, para que o contribuinte adquira a remissão prevista em lei,

deverá cumprir os deveres instrumentais ali estabelecidos. No caso do seu não

cumprimento, este acarretará a perda do benefício.

Anistia fiscal é o perdão da falta cometida pelo infrator de deveres

tributários e também quer dizer o perdão da penalidade a ele imposta por ter infringido

mandamento legal.

Aliomar Baleeiro232 afirma que “a anistia não se confunde com a remissão.

Esta pode dispensar o tributo, ao passo que a anistia fiscal é limitada à exclusão das

infrações cometidas anteriormente à vigência da lei, que a decreta”.

231 Paulo de Barros CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método. 2008, p.485. 232 Direito tributário brasileiro. 2000, p. 955.

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Portanto, mesmo muito parecida com a remissão, pois ambas retroagem a

operações das relações jurídicas já constituídas, elas não se confundem, uma vez que a

remissão é o perdão do debito tributário – natureza tributária; e a anistia é o perdão

sobre ato de infração ou sobre a penalidade que lhe foi aplicada – cunho sancionatório.

A anistia pode ser concedida expressa (quando o legislador explicitamente

indica os ilícitos tributários que ele remite), ou tacitamente (eventual modificação das

normas deixe de definir certo ato como infração, artigo 106, inciso I, ‘a’ do CTN –

desaparecendo o ilícito, beneficiam-se os atos ou fatos pretéritos por força de sua

aplicação retroativa).

Anistia é um perdão veiculado por lei e de caráter retroativo, que pode ser

total ou parcial, com relação à sanção, e atinge a norma sancionatória, além de diferir

da remissão, por tratar de ilícito. Assim, tendo a anistia total, não há mais o crédito

sancionatório, no entanto, o crédito tributário continuará.

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204

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segue abaixo as considerações finais que foram construídas de acordo com

as premissas desenvolvidas e analisadas neste trabalho. Estão dispostas na ordem em

que os assuntos foram tratados no texto.

1. Partimos da premissa que conhecemos um objeto quando sabemos

distinguir entre as proposições verdadeiras ou falsas que descrevem, porque o objeto

que conhecemos não é a coisa em si, mas as proposições que o descrevem. Portanto, o

mundo exterior só existirá para o sujeito cognoscente se houver uma linguagem que o

constitua.

2. Firmada essa premissa – que o conhecimento se opera mediante

construção linguística –, podemos afirmar que não existe fato antes da interpretação. É

mediante interpretações, construções de sentido e significações que o homem chega

aos eventos, aos acontecimentos do mundo circundante, sendo imprescindível a

existência de um corpo linguístico para fazer a conexão entre o homem e a realidade.

Todavia, isto não significa que inexiste qualquer objeto físico quando não houver

linguagem. O que estamos falando é que só teremos acesso às coisas que existem no

mundo por meio da linguagem. Como leciona Paulo de Barros Carvalho, “conheço

determinado objeto na medida em que posso expedir enunciado sobre ele, de tal arte

que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições descritivas ou

indicativas”233. O conhecimento pressupõe a existência de linguagem, cria ou constitui

a realidade sendo impossível conhecer as coisas como elas se apresentam fisicamente,

fora dos discursos a que elas se referem.

233 Direito tributário: Fundamentos jurídicos da incidência. 2008, p. 110.

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3. Definimos como norma jurídica o resultado da interpretação do produto

legislado, cumprindo sempre enfatizar a distinção entre a norma jurídica e o texto legal

que a veicula. A norma jurídica se estrutura por meio de uma proposição, que deve ser

entendida na forma de estrutura lógica implicacional, contendo sempre uma hipótese

vinculada a uma consequência. Conforme ensina Lourival Vilanova234 – “é uma

estrutura lógico-sintática de significação: a norma conceptua fatos, e condutas

representam-no não como desenho intuitivo, imagem reprodutiva (que somente pode

ser do concreto – há normas abstratas) de fatos-eventos e fatos-condutas. Representa-

os como significações objetivas – endereçadas ao objetivo, confirmáveis ou não nas

espécies de eficácia ou ineficácia por parte das situações objetivas”.

4. A estrutura da norma jurídica tributária completa é composta: a) pela

norma primária, que tem como elemento uma hipótese tributária que descreve um fato

de possível ocorrência e sua consequência que é a materialização do fato, nascendo

uma relação jurídica tributária (sujeito ativo e sujeito passivo); e b) por uma norma

secundária que prescreve qual a providência sancionatória a ser tomada, aplicada pelo

Estado-juiz, fazendo nascer relação jurídica processual.

5. Temos a fenomenologia da incidência tributária quando ocorrer uma

operação lógica entre dois conceitos conotativos (da norma geral e abstrata) e

denotativos (da norma individual e concreta), é a relação entre o conceito da hipótese e

o conceito do fato de uma dada pessoa cumprir no tempo histórico e no espaço de

convívio social o que estava descrito na hipótese. Utiliza-se também a palavra

subsunção para fazer referência a esse processo do enquadramento do fato na

amplitude da norma. Para que ocorra a incidência, é necessário que haja uma norma

jurídica válida (sinônimo de existência) e vigente, e a realização do evento

234 As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 2005, p. 16.

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206

juridicamente vertido em linguagem que o sistema indique como própria e

adequada235.

6. O estudo do dever instrumental – regra matriz e sanção aplicada – no

direito tributário requer algumas tomadas de posição em relação ao uso de institutos

concebidos e trabalhados no direito civil e penal, e, em termos cronológicos, usados

pelo direito tributário. Assim, o conceito de obrigação, sujeito de direito, dever

jurídico, direito subjetivo, como o conceito de sanção e suas conseqüências foram

trabalhados no âmbito do direito civil e penal.

7. Definimos obrigação como sinônimo de relação, qual seja o vínculo

estabelecido entre o sujeito ativo e o sujeito passivo em torno de uma prestação,

trataremos no item seguinte de obrigação tributária. Entendemos que o elemento

distintivo entre as obrigações (civil, penal, tributária, etc.) é o objeto da obrigação. A

obrigação tributária é a prestação de cunho tributário sobre a qual há o vínculo jurídico

entre o sujeito ativo (Fazenda Pública) e o sujeito passivo (contribuinte). Tal prestação,

em face de seu objeto, divide a obrigação tributária em principal (dar o tributo) e

acessória (fazer, não fazer ou tolerar algo de natureza instrumental tributária).

8. No que se refere as obrigações acessórias, dotamos a terminologia

“deveres instrumentais” para as chamadas “obrigações acessórias” eleita pelo direito

positivo e que conduz a interpretação de serem tais deveres adicionais à obrigação

tributária, pois, conforme já analisado, as obrigações acessórias não são, nem

obrigações, nem acessórias (dependentes)236. Constituem-se, sim, em dever, porque,

decorrem da lei e são instrumentais por terem a função de operacionalizar a regra

matriz de incidência tributária, servindo como instrumento da atividade de arrecadação

e fiscalização dos tributos.

235 Paulo de Barros CARVALHO. Parecer: Isenção tributárias do IPI, em face do princípio da não cumulatividade. RDT nº 33, 1998, p. 145. 236 Paulo de Barros CARVALHO. Curso de direito tributário. 2008, p. 286.

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207

9. A causa geradora dos deveres instrumentais é a lei. Assim, ocorrida à

situação descrita na norma, nasce o dever de fazer, não fazer ou tolerar, sem cunho

pecuniário.

10. O fato jurídico do dever instrumental é qualquer situação que torne

obrigatória a prática ou a abstenção de atos, isto é, qualquer ocorrência fática prevista

na lei tributária que imponha um fazer, não fazer ou tolerar de natureza tributária,

excluída a obrigação de pagar o tributo. E nasce ele da ocorrência do respectivo fato

jurídico, ou, como prefere Luciano Amaro237, no momento da ocorrência do

“pressuposto de fato legalmente definido”. Neste diapasão, os deveres instrumentais

tributários são previstos nas normas gerais e abstratas que fazem nascer a relação

jurídica de cunho não patrimonial em face dos fatos previstos no antecedente daquelas.

11. Tanto os deveres instrumentais, como as sanções pelo seu

descumprimento devem ser instituídos por lei (complementar ou ordinária) e por

decretos legislativos que aprovem tratados internacionais. Ou seja, diante do princípio

da legalidade genérica prevista no art. 5º, inciso II, combinado com a leitura do art.

150, inciso I, ambos da Constituição Federal, dentro da necessária interpretação

sistemática do direito, consistindo as obrigações em prestações positivas ou negativas

(fazer ou não fazer algo), só podem ser introduzidas validamente no sistema jurídico

por meio de lei.

12. Os princípios da proporcionalidade e a razoabilidade parecem em um

primeiro momento serem sinônimos. Todavia, entendemos que há distinção entre elas,

tanto que, para o exame da proporcionalidade, a doutrina estabelece uma linha de

raciocínio que se faz de forma objetiva por meio da verificação, no ato do poder

237 Direito tributário brasileiro. 2008, p. 335.

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208

público, do implemento dos requisitos da adequação, da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito. Diferentemente, o exame da razoabilidade é

influenciado pela sua aplicação no sistema do common Law, no qual a ideia do

razoável é feita quase que intuitivamente pelo juiz que, na apreciação do caso

concreto, leva em conta apenas as circunstâncias que o individualizam, sem que exista

uma aparente preocupação com a fundamentação teórica do posicionamento adotado.

13. Os deveres instrumentais e as sanções pelos seu descumprimento, além

de serem instituídos por lei, deverão observar os princípios da razoabilidade e da

proporcionalidade.

14. A Regra Matriz dos deveres instrumentais é composta de antecedente e

consequente, ligados entre si pela causalidade jurídica ou imputação. Na hipótese, está

descrito um fato que, ocorrido, dará ensejo à obrigação administrativa tributária

formal. Esta é uma prestação de fazer ou não fazer, sem cunho patrimonial. Portanto, a

Regra Matriz dos deveres instrumentais tem no seu antecedente, à semelhança da

Regra Matriz de incidência tributária, os critérios: material, espacial e temporal.

14.1. O critério material pode ou não ser o mesmo descrito na hipótese da

norma tributária. Ou seja, essa norma é produzida com a finalidade de prover a

autoridade administrativa de informações sobre eventual ocorrência de fatos jurídicos

que ensejam o nascimento de obrigações tributárias, que sem eles, não poderiam ser

constituídas na forma jurídica própria.

14.2. O critério espacial nem sempre coincide com o âmbito de validade da

Regra Matriz de incidência tributária, qual seja, o território onde a referida norma tem

validade.

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209

14.3. O critério temporal é o momento em que ocorre o fato jurídico,

trazido pela norma tributária de deveres instrumentais, e é nesse preciso instante que

acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra o sujeito

passivo ao sujeito ativo em função do objeto – fazer ou não fazer. O critério temporal

demarca o exato instante em que as informações deverão ser prestadas.

14.4. Critério pessoal nos deveres instrumentais será composto pelo sujeito

passivo (contribuinte ou responsável) e o sujeito ativo, (a pessoa de quem se exige o

cumprimento de informações, em linguagem competente, que digam respeito à

arrecadação e à fiscalização de tributos, ou ainda aquele que suportar a atividade de

fiscalização realizada pelo agente público competente).

14.5. Critério quantitativo, neste ponto a RMDI diferencia-se da regra

matriz de incidência tributária, pois nos deveres instrumentais não temos um critério

quantitativo, por não se tratar de uma relação pecuniária. O critério qualitativo do

dever instrumental configura uma relação jurídica composta por dois sujeitos, o ativo e

o passivo, e uma prestação a ser cumprida, consistente no objetivo prestacional,

delimitada pelo critério qualitativo.

15. No que concerne à regra matriz dos deveres instrumentais, a data para o

cumprimento do dever imposto deve integrar o consequente da sua regra matriz, para

determinar o exato momento em que aquele dever foi cumprido, ou o exato momento

em se cabe a aplicação da multa pelo seu descumprimento.

16. O fato é que a Regra Matriz dos deveres instrumentais busca

operacionalizar a Regra Matriz de incidência tributária, está relacionada com a regra

matriz de incidência tributária, tanto que pode ter o mesmo fato jurídico que esta. Isto

não significa dizer que os deveres instrumentais dependem da Regra Matriz de

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210

incidência tributária; pelo contrário, trata-se de uma norma autônoma, mas que visa

instrumentalizar a Regra Matriz de incidência tributária.

17. Deve-se cumprir dos deveres instrumentais tanto nas imunidades como

nas isenções. Além destas hipóteses, o Código Tributário Nacional é claro quando

prescreve a não dispensa do cumprimento das obrigações acessórias nos casos de

anistia, remissão, suspensão da exigibilidade do crédito tributário, etc.

18. Sabemos que a norma jurídica é bimembre, ou seja, é composta por uma

norma primária e outra norma secundária. Ambas apresentam a mesma estrutura, mas

conteúdos significativos diversos. A primeira norma prescreve uma relação jurídica de

cunho material, dada a ocorrência de um determinado fato. Enquanto a segunda,

conectada à primeira, prescreve uma sanção – que é uma relação jurídica coercitiva

para assegurar o cumprimento da norma primária, caso seja verificado o fato descrito

na primeira e não seja cumprida a prescrição por ela estabelecida

18. O termo “sancionatório” utilizado neste trabalho está em oposição ao

“indenizatório” ou “ressarcitório”. Ou seja, a sanção é aplicada à prática de um ato

ilícito, podendo ou não ter culpabilidade. A indenização é reparação de dano.

19. Adotamos sanção como aquela aplicada pela Administração Pública, ou

seja, aquela relação prescrita no consequente de uma norma jurídica primária

sancionatória cuja hipótese descreve a inobservância de uma conduta imposta por

outra regra jurídica (norma primária dispositiva).

20. O § 3º do artigo 113 do CTN prescreve: “A obrigação acessória, pelo

simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à

penalidade pecuniária”.

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211

20.1. Sabemos que se houver o descumprimento do dever formal,

desaparece a relação que o instituíra e surge em seu lugar um vínculo sancionatório,

portador de uma penalidade pecuniária que onerará o patrimônio do infrator. Esta

multa é cobrada com os mesmos recursos administrativos e com o emprego dos

mesmos instrumentos processuais utilizados na cobrança de tributos. Todavia, não

pode o legislador igualar duas figuras distintas: dever e penalidade.

20.2. Deste modo, entendemos que este parágrafo terceiro padece de

inconstitucionalidade, uma vez que confunde os institutos dos deveres instrumentais

com o da penalidade tributaria.

21. As sanções tributárias têm como finalidade básica garantir a efetividade

das normas primárias dispositivas que veiculam obrigações principais e deveres

instrumentais. Exercem no direito uma utilidade plúrima, destacando-se dentre suas

funções a preventiva, a repressiva, a reparatória, a didática, a incentivadora e a

assecuratória.

23. Não se pode confundir a sanção pelo descumprimento dos deveres

instrumentais com as sanções políticas, porque, enquanto a primeira, conforme já

visto, constitui-se de medidas autorizadas pelo sistema com o fim de assegurar o

efetivo recebimento do crédito tributário, as sanções políticas são medidas que

implicam violação aos direitos dos contribuintes, ou seja, medidas restritivas de direito

não autorizadas pelo sistema jurídico positivo.

24. A norma sancionatória aplicada ao descumprimento do instrumental

tem como hipótese de incidência a não observância de dever instrumental e, por

consequência, uma relação jurídica que se instaura entre aquele responsável pelo

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adimplemento do dever instrumental (sujeito passivo) e o Fisco (sujeito ativo). Os

sujeitos da relação jurídica são os mesmos, o que os diferencia é o objeto da prestação,

ou seja, na relação de dever instrumental, é um fazer ou não fazer, enquanto na relação

de descumprimento do dever instrumental, é um montante determinado, firmado

segundo os valores e interesses do legislador, porque o objeto da relação descumprida

(de dever instrumental) é insusceptível de valorização econômica, o que revela a

impossibilidade de ele ser tomado como base de cálculo para o montante a ser pago a

título de multa instrumental.

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