análise de poema 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS E LITERATURAS ANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO LLV-7717 JOÃO JÚLIO FREITAS DE OLIVEIRA ANÁLISE DO POEMA “BOA CONSTRICTOR”

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Page 1: Análise de Poema 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

CURSO DE LETRAS-PORTUGUÊS E LITERATURASANÁLISE DO TEXTO LITERÁRIO

LLV-7717

JOÃO JÚLIO FREITAS DE OLIVEIRA

ANÁLISE DO POEMA“BOA CONSTRICTOR”

Florianópolis

2014

Análise do poema

Page 2: Análise de Poema 1

“boa constrictor”

João Júlio Freitas de Oliveira1

“A literatura abre ao infinito a possibilidade de interação com os outros e, por isso, nos enriquece infinitamente.”

Tzvetan Todorov

INTRODUÇÃO

O presente texto tem como objetivo analisar o poema “boa constrictor”, de Angélica

Freitas, publicado em seu livro um útero é do tamanho de um punho, em 2013. Essa análise

pressupõe considerações de aspectos estruturais e de conteúdo e não objetiva a uma

interpretação definitiva, já que um poema se trata de um gênero textual passível de inúmeras

análises e de interpretações. Esse trabalho nada mais é do que uma tentativa de exercitar a

leitura do poema de modo a ir além de uma leitura superficial, o que pode ser possível com a

contribuição, por exemplo, de um texto de Candido (1995), “Na sala de Aula”, que apresenta

alternativas de análise de poemas.

Assim, haverá, ao longo deste trabalho, a disposição do poema na íntegra; uma breve

biografia da escritora do poema; primeira interpretação a partir do título; a verificação de

alguns versos, a fim de identificar elementos e características; e algumas possíveis

interpretações em relação ao conteúdo poético.

BOA CONSTRICTOR

1 Aluno do Curso de Letras – Português pela Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalho produzido na

disciplina de Análise do Texto Literário, ministrada pela Professora Luciana Tiscoski, semestre 2014-1.

Page 3: Análise de Poema 1

estava enrolada num galhoentre folhas nem se mexia

a danadame viu era hora do almoço

e me disse na língua das cobras:

parada

virei o tronco ela já vinhacalculava minha espinha

cobreavame poupe eu disse

e ela na língua das cobrasnegava:

você sabe porque veiohoneypie

e sabe pra onde vai

me envolveu com destreza me apertou bem as pernas

me prendeu de jeito até que meu peito ficou maiorque a alma

um crec cracde ossos quebrandouma lágrima escorrendo:parecia amor

a falta de ar o sangue subindo pra cabeça

onde toda a história começa.

A autora

Page 4: Análise de Poema 1

A escritora Angélica Freitas, nascida em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia oito de

abril de 1973, estudou e formou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande

do Sul (UFRGS), morou por um período em São Paulo, onde trabalhou como repórter para o

jornal O Estado de São Paulo e a revista Informática Hoje. Em 2012, publicou o livro um

útero é do tamanho de um punho, que conquistou grande sucesso da crítica, em que a obra foi

finalista, em 2013, no Prêmio Portugal Telecom.

Análise do poema “boa constrictor”

A começar pelo título, é possível ter uma ideia prévia do caminho que pode ser

traçado na hora da leitura do poema. A composição “boa constrictor” se refere ao nome

científico de uma espécie de cobra, também conhecida como jiboia-constritora. Esse animal,

classificado como serpente, é a segunda maior cobra existente na fauna brasileira, detecta suas

presas pela percepção do movimento e do calor e as surpreende em silêncio. Mata sua presa

por meio de constrição, envolvendo o corpo a ela e sufocando-a.

Dado o esclarecimento em relação ao título do poema, este, a partir de uma proposta

de análise de Candido(1995), oscila entre a primeira e a terceira pessoa do singular da voz do

discurso e possui 28 versos, divididos, ao que parece, em cinco estrofes. Os versos sugerem,

de alguma forma, uma dispersão, ou seja, o rompimento com uma forma fixa na estrutura. No

entanto, apesar dessa disposição dos versos, essa configuração pode inferir a uma decisão da

autora em provocar a sensação de descolamento na hora da leitura.

Por se tratar de um poema que menciona algumas ações executadas por uma serpente,

é possível verificar que os versos parecem indicar uma leitura que se movimenta como o

rastejar de uma cobra, com verbos que indicam ação ou movimento: vinha, disse, calculava,

envolveu, apertou e prendeu. Assim, no que diz respeito à estrutura, todo o poema parece

imitar o caminho não linear de uma serpente.

Alguns versos, inclusive, apresentam cortes, em que a oração se completa em verso

seguinte, por exemplo:

“entre folhas nem se mexia // a danada”

“até que meu peito // ficou maior // que a alma”

“parecia amor //a falta de ar”

Esses cortes nos versos podem evidenciar a reafirmação do senso de movimento que

existe no poema, pois esse tipo de construção, inadequado gramaticalmente, foge às regras de

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normatização da língua Portuguesa e é bastante utilizado na linguagem poética, também

conhecido por “enjambement”, processo poético que consiste no desalinhamento da estrutura

métrica de uma composição, em que há continuação do sentido de um verso no verso

seguinte.

Ainda sobre a estrutura dos versos, é possível verificar que o poema parece ter dois

tipos de construção de versos que alteram o ritmo da sua leitura: o primeiro tipo, que ocorre

até a metade da obra poética, dispõe de versos com palavras isoladas, o que delimita bem uma

pausa na leitura e que pode ter relação com o ato de movimentar-se de uma cobra; já o

segundo tipo apresenta uma peculiaridade na construção a partir do verso “me envolveu com

destreza”, em que se verifica uma sequência de versos, da direita para a esquerda, que parece

afunilar o poema, bem no momento em que a serpente aperta sua vítima, na tentativa de

provocar ao leitor o desconforto da leitura, com o “aperto” dos versos.

O poema também apresenta algumas rimas misturadas, no final dos versos: danada e

parada; vinha e espinha; cobreava e negava; jeito e peito; quebrando e escorrendo, cabeça e

começa. Quanto à linguagem, há o predomínio de inadequações da norma culta,

principalmente em relação ao início dos versos, com colocação pronominal na posição de

próclise, uma vez que não se inicia orações com pronome oblíquo. Além disso, não houve a

preocupação com a pontuação dos versos nem com a regra ortográfica de iniciar orações com

a primeira em maiúscula.

Para além da análise estrutural proposta por Candido (1995), o poema de Angélica

Freitas apresenta, por exemplo, o uso de algumas figuras de linguagem: onomatopeia, “um

crec crac”, som de ossos quebrando; e prosopopeia, “me disse na língua das cobras// parada”,

atribuição de características humanas a seres. Há, também, o uso de uma linguagem simples,

aparentemente popular, o que sugere uma leitura de proximidade com o leitor, através de

versos que remetem à fala, uma linguagem informal, o diálogo.

Se de um lado existe a consideração de que a serpente realiza o ato de atacar a presa,

um ato violento; de outro, é possível perceber uma “quebra” desse ato quando há a

comparação com o amor. Nessa perspectiva, é possível a aproximação de palavras

contraditórias (matar x amor), pois o envolver da cobra com a presa, a fim de matá-la, causa o

“aperto” e a falta de ar, da mesma forma que o amor, “parecia amor // a falta de ar”. O

sentimento de amor, assim, pode ser entendido como algo que também prende, aperta,

provoca “a falta de ar” e o “sangue subindo pra cabeça”.

Essa “aproximação” de palavras que têm denotação oposta é o que causa,

possivelmente, a surpresa do poema, recurso que o diferencia da prosa, já que a leitura de um

Page 6: Análise de Poema 1

poema pressupõe a fuga daquilo que óbvio.

Outra leitura pertinente pode ocorrer se for considerado o contexto bíblico, quando se

verifica o contato entre a serpente e a figura feminina (alusão à Eva), esta que não reage

diante do animal que a envolveu com destreza. Logo em seguida, “toda a história começa”.

Esse último verso do poema, o que poderia “fechá-lo” ou “encerrá-lo”, na verdade

induz ao início de uma história, este que evoca o sentido de origem, de continuidade de

possibilidades. Se o leitor pode verificar uma forma não fixa em “boa conscrictor”, também

pode perceber que o poema não tem fim, ampliando as leituras de interpretação.

CONCLUSÃO

Com essa breve análise, espera-se que as interpretações relacionadas ao poema sejam

plausíveis, levando em conta que o gênero literário é um campo aberto para novas e múltiplas

leituras. Desse modo, a intenção foi o de promover uma percepção mais acurada sobre o

poema escolhido e instigar o exercício de análise em novas leituras literárias.

Como indicação de leitura para relacionar com “boa constrictor”, faz-se plausível a

menção do poema “Duas Meninas De Tranças Pretas”, de Jorge de Lima, que, de alguma

maneira, também apresenta elementos da natureza ou a intervenção dos animais (natureza)

sobre o homem, além da reflexão desse homem (humano) sobre a natureza, em que ele deixa

de fazer parte da natureza no momento em que reflete sobre.

REFERÊNCIAS

CANDIDO, Antonio. “Introdução”. Na sala de aula. São Paulo: Ática, 1995.

FREITAS, Angélica. um útero é do tamanho de um punho. São Paulo: Cosac Naify, 2013.