análise de interação texto-imagem nos jornais o estado de s. paulo

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ANÁLISE DA INTERAÇÃO TEXTO-IMAGEM NOS JORNAIS O ESTADO DE SÃO PAULO E JORNAL DA TARDE Marisa Nascimento* DIRECT PAPERS 57 2011 ISSN 1413-442-X Publicado por: LAEL, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil * Relatório final de Iniciação Científica. Orientadora: Professora Doutora Leila Barbara

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ANÁLISE DA INTERAÇÃO TEXTO-IMAGEM NOS JORNAIS O ESTADO DE

SÃO PAULO E JORNAL DA TARDE

Marisa Nascimento*

DIRECT PAPERS 57

2011

ISSN 1413-442-X

Publicado por:

LAEL, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

* Relatório final de Iniciação Científica. Orientadora: Professora Doutora Leila Barbara

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1. Apresentação

O presente relatório contém o que se foi desenvolvido na pesquisa de análise da

interação de textos e imagens nos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.

Além do estudo disposto neste documento, há também a descrição do andamento da

pesquisa de acordo com o cronograma, bem como o levantamento das atividades

realizadas ao longo da iniciação científica.

2. Resumo do projeto inicial

O trabalho busca analisar a disposição e interação de textos e imagens na capa e

nas páginas de editorial e opinião dos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da

Tarde. Tanto o primeiro quanto o segundo jornal são publicações da mesma agência, o

Grupo Estado, o que significa que as matérias contidas nos dois veículos de

comunicação são produzidas dentro de um mesmo espaço. No entanto, eles apresentam

as notícias de forma diferente, o que implica em novas formas de interação entre o

veículo de comunicação e o público leitor. A diferença na maneira de veicular a notícia

ao público – os receptores da informação – significa também diferenças nos textos e na

interação texto-imagem em cada jornal.

2.1. Fundamentação Teórica

A Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF), desenvolvida por Michael Halliday

(HALLIDAY, 2004), permite identificar significados criados pelos autores dos textos

para realizar determinadas funções sociais e atingir determinados públicos. Na LSF,

existem conceitos – metafunções ideacional, interpessoal e textual – adequados para

analisar a relação entre o texto e o contexto, de forma a entender como as pessoas

utilizam a linguagem para representar idéias e relacionar-se com o mundo.

As metafunções permitem identificar os diferentes modos de significados

construídos pela gramática. São três as metafunções oferecidas pela LSF:

- interpessoal: analisa o discurso, envolvimento e/ou distanciamento do

texto com o leitor, tratando do mundo social;

- ideacional: analisa o conteúdo proposital, o conjunto de idéias e

percepções, tratando do mundo natural;

- textual: analisa a organização do que o texto diz.

3

Esta pesquisa analisa as metafunções interpessoal e ideacional do material

coletado.

Os estudos de multimodalidade propostos por Theo Van Leeuwen e Gunther

Kress (LEEUWEN &; KRESS, 1996) são uma extensão da análise das metafunções

para os recursos visuais. Dessa forma, é possível analisar, com os mesmos conceitos da

Lingüística Sistêmico-Funcional, as imagens. O elemento imagético interage com o

texto, transmitindo ao leitor uma informação com valores agregados. Os recursos

visuais têm forte presença na sociedade moderna; trata-se da era multimídia. Assim, é

muito importante analisar a interação entre textos e imagens num meio de comunicação

formador de opinião.

As manchetes, as opiniões e os editoriais dos jornais juntamente com as imagens

veiculadas – fotos, ilustrações, charges – transmitem mensagens que vão além do seu

valor informacional. A linguagem do jornal, construída pelos recursos textuais e

imagéticos, traz consigo um substrato de significados importantes de serem analisados,

permitindo-se estabelecer a relação entre o público leitor, os autores do jornal e os

textos em si.

2.2. Metodologia

Como previsto no projeto desenvolvido junto à professora orientadora, a

pesquisa desenvolveu-se por meio de coleta de materiais – jornais – para a análise dos

componentes textuais e imagéticos. No período entre novembro de 2009 e março de

2010 realizei uma coleta randomizada de vinte edições, dos quais metade são

publicações de O Estado de S. Paulo e a outra metade, do Jornal da Tarde.

Os textos de opinião e editoriais foram analisados com o auxílio do programa de

computador Wordsmith Tools, mais precisamente da ferramenta Concord, que permite

listar o número de palavras dos textos e escolher os termos mais freqüentes e relevantes

para realizar e enfocar a análise, sendo possível descrever o contexto de ocorrência,

comparando, nos textos, o uso de termos e como estes se apresentam no texto.

Como a LSF leva em conta o fato do significado da linguagem relacionar-se com

os contextos de cultura e de situação dos escritores e dos leitores, a análise da

composição textual se mostra significativa para analisar o entendimento de realidade

veiculado no texto.

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Por meio das metafunções (ideacional e interpessoal) a pesquisa busca entender

como se dá a relação entre os textos veiculados nas manchetes da capa, na página de

opinião e nos editoriais com os leitores dos jornais. A análise das metafunções

possibilita o entendimento do contexto em que ocorre a relação entre público leitor e os

textos produzidos, juntamente com seus autores.

A linguagem visual é um recurso muito usado no jornalismo. Texto escrito e

texto visual dialogam entre si e apresentam ao leitor uma mensagem rica de

significados, que vão além da superfície noticiosa. Por esta razão, a pesquisa tanmbém

se estendeu para a análise dos recursos imagéticos, levando também em conta a LSF.

Tanto a metodologia quanto a fundamentação teórica do projeto inicial foram

mantidas.

3. Apresentação de trabalhos e participação em eventos

Assim que decidi dedicar-me ao estudo da Lingüística Aplicada, no primeiro

semestre de 2009, entrei em contato com a professora Leila Barbara, a qual foi muito

solícita e já me introduziu em seu grupo de orientandos. Em maio do mesmo ano,

participei como ouvinte do meu primeiro congresso de Linguística, o 17º InPLA

(Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada), onde pude entrar em contato com

as pesquisas realizadas na área.

Após a elaboração e entrega do projeto inicial, em setembro de 2009,

aprofundei-me na análise do material que já vinha coletando, e, em novembro,

apresentei dois trabalhos referentes à minha pesquisa. O primeiro foi na Semana

Acadêmica da PUC-SP; o segundo foi no V Congresso Internacional da Associação de

Linguística Sistêmico-Funcional da América Latina, em Mar Del Plata, Argentina.

Nestes eventos, apresentei respectivamente os seguintes trabalhos: “Análise da

interação texto-imagem nos jornais ‘O Estado de S. Paulo’ e ‘Jornal da Tarde’ ”e

“Comparação entre a disposição de textos e imagens entre dois jornais brasileiros: ‘O

Estado de S. Paulo’ e ‘Jornal da Tarde’ ”.

A oportunidade de participar de um evento internacional possibilitou-me o

contato com outros pesquisadores que desenvolvem trabalhos na mesma área em que

estudo. Além disso, freqüentei uma aula ministrada por Jim Martin, intitulada

“Reflexions on Sydney School”. Martin é professor e pesquisador de Lingüística na

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Universidade de Sydney. Participei também de uma aula elaborada por Daniel

Fernández, cujo tema era “Reflexiones em torno a los procesos de categorización,

etiquetamiento y perspectivas de análisis”.

Em abril de 2010, fiz a cobertura jornalística da “Conferência Mundial dos

Povos sobre o Câmbio Climático e os Direitos da Mãe Terra”, em Cochabamba, Bolívia,

para a Oboré, uma organização que atua com jornalismo cidadão e para o Jornal

Laboratório do curso de Jornalismo, Contraponto.

Ainda em 2010, organizei, ao longo do mês de maio, a Oficina de Charge da 30ª

Semana de Jornalismo da PUC junto ao Departamento de Jornalismo, que contou com a

participação da professora Laís Guaraldo, do curso de Multimeios e do chargista André

Marangoni. Nesta oficina apresentei aos alunos participantes o desenvolvimento do meu

trabalho de iniciação científica no tocante à análise das charges que coletei para a

pesquisa.

Em outubro de 2010, apresentei o trabalho “Análise do conteúdo político na

interação texto-imagem dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde ”no VI

Congresso da Associação de Lingüística Sistêmico-Funcional da América Latina, em

Fortaleza. Neste mesmo congresso, participei dos seguintes minicursos: “Digital

literacy: a social semiotic perspective”, ministrado pela Professora Doutora Emilia

Djonov, da Universidade de Sydney, e “Analysing the construal of second-order

semiosis in verbal art”, ministrado pela Professora Doutora Alice Caffarel, tembém da

Universidade de Sydney.

Neste ano de 2011, darei continuidade às minhas pesquisas acadêmicas.

Apresentarei em junho uma comunicação individual no 18º InPLA (Intercâmbio de

Pesquisas em Lingüística Aplicada), intitulada “Tempo e espaço em Saussure e

Halliday”, na qual analiso duas teorias lingüísticas, a LSF e o Estruturalismo

Saussuriano, estudadas ao longo da minha iniciação científica. Neste congresso

trabalharei como monitora. Além disso, pretendo comparecer ao VII Congresso da

Associação de Linguística Sistêmico-Funcional da América Latina que, este ano, será

novamente na Argentina.

A experiência de ser bolsista de iniciação científica despertou meu interesse pela

pesquisa acadêmica. Tenho planos de desenvolver junto com a Professora Leila Barbara

um projeto de mestrado em 2012.

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4. Cronograma geral da pesquisa

C o l e t a

de dados

A n á l i s e

de dados

Anál i se de

bibliografia

Elaboração e

e n v i o

relatórios

Atividades

d e

orientação

Congres

sos

2009 X X X X

Mar/10 X X X X

Abr/10 X X X X X

Mai/10 X X X X

Jun/10 X X X X X

Jul/10 a Out/10 X X X

Ago/10 a Out/10 X X X X X

Nov/10 a Mar/11 X X X

5. Modificações realizadas na pesquisa

Na elaboração do projeto de iniciação científica, havia a intenção de estender a

análise para os elementos publicitários da capa. No entanto, os textos e as imagens

necessitam maior atenção. Não haveria tempo suficiente para integrar os elementos

publicitários na análise. Por essa razão, foquei-me na análise dos elementos

jornalísticos.

Ao longo da coleta de dados, houve uma grande mudança na estrutura de um dos

jornais analisados. Trata-se da nova diagramação que O Estado de S. Paulo realizou

em março de 2010. Dessa forma, o estudo requereu um melhor entendimento a respeito

de projetos gráficos em Jornalismo. A tese de mestrado do professor Valdir Mengardo,

O Olhar Domesticado (1989), contribui para uma compreensão mais específica.

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6. Resultado da pesquisa

Conforme o Relatório Parcial elaborado em agosto de 2010, na primeira etapa da

pesquisa, foi possível coletar o material necessário para a realização do estudo. Num

total de vinte edições de jornais, dividi o corpus da seguinte maneira:

O Estado de S. Paulo Jornal da Tarde

Unidades analisadas 10 10

Textos de opinião 20 10

Textos de editorial 30 10

Manchete principal 10 10

Imagem principal da capa 10 10

Elemento visual 10 10

Como é possível depreender do esquema acima, as edições de O Estado de S.

Paulo superam numericamente o Jornal da Tarde nas produções textuais de editorial e

opinião. Há três textos de editorial no Estadão para um no JT. Da mesma forma, o

primeiro jornal publica diariamente dois textos de opinião, enquanto o segundo mantém

a publicação unitária.

A quantificação dos dados acima demonstra que os jornais têm formulações

diferentes. Os dois veículos fazem parte da mesma agência, o Grupo Estado, indicando

que a empresa elabora dois produtos distintos porque há uma segmentação do público

leitor de cada meio de comunicação1.

1 Inicialmente, o “Jornal da Tarde” era publicado no período vespertino. A diferença de horário das publicações dos dois jornais era também um demonstrativo de que públicos diferentes visavam ser alcançados. Quem lia o jornal de manhã, não precisaria ler a edição da tarde, e vice-versa. Atualmente, as redações fecham praticamente no mesmo horário. Mesmo assim, a segmentação do público permanece.

Tabela 1. Cronograma da primeira etapa da pesquisa

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A Lingüística Sistêmico-Funcional se baseia na perspectiva das fontes ao invés

da perspectiva das regras, isto é, a análise da linguagem parte da fonte – o autor e seu

contexto –, ao invés de tomar como ponto de partida as regras gramaticais. Dessa forma,

a teoria formulada por Halliday enfatiza o contexto social, e não a sintaxe, centrando-se

nas classes de significado e não nas classes de forma. Por meio das metafunções, o

entendimento da linguagem considera a perspectiva social.

Como estudante de Jornalismo, percebo e estudo a importância de analisar a

maneira como a informação é veiculada nos jornais e como ela é direcionada ao público

leitor, à sociedade. Conforme o público a que o jornal se direciona muda, a transmissão

da notícia se diferencia. No mundo atual, a opinião pública tem grande importância. Por

isso, a análise de instrumentos formadores de opinião pública merece grande destaque, e

deve-se buscar entender o subtexto das mensagens, ou seja, o implícito do discurso

visto, num primeiro momento, superficialmente.

Carmen Caldas-Coulthard observa que a notícia não é o evento em si, mas o

relato de um evento (CALDAS-COULTHARD,1997, p. 35). Isto demonstra que a

elaboração jornalística é uma representação de mundo.

6.1. Aspectos estruturais

Retomo neste tópico o que já foi publicado no Relatório Parcial. É importante

ressaltar que as edições referentes ao dia 02 de setembro de 2009 foram tomadas como

exemplo para ilustrar o resultado obtido na análise do material.

A análise do material coletado possibilitou averiguar que a estrutura da capa e

das páginas de opinião e editorias nos dois jornais é sempre a mesma:

- há uma manchete principal e uma foto principal na capa;

- os textos de opinião e editorial, além do desenho que os acompanha

ocupam a mesma posição em todas as edições.

Tabela 2. Corpus da pesquisa

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Pode-se observar que as capas contêm chamadas para outras matérias – além do

espaço ocupado pela publicidade –, mas há uma manchete e uma foto em destaque. O

Jornal da Tarde comumente utiliza o recurso de fazer uma imagem avançar em seu

logotipo. Curiosamente, a utilização deste mecanismo em O Estado de S. Paulo se fez

presente após a sua reforma gráfica, em março de 2010.

A utilização deste mecanismo demonstra que o Estadão pretendeu reformular

sua apresentação ao público que o lê. Como O Estado de S. Paulo é um jornal mais

tradicional, ele tem um caráter conservador muito presente. Por essa razão, a reforma

gráfica foi pensada estrategicamente e demorou para acontecer. Devido à revolução

tecnológica pela qual passam os meios de comunicação, é preciso incorporar novos

perfis para se adequar à nova realidade. O Estadão reformulou a sua versão impressa e

seu site, criando também outras plataformas de comunicação como Twitter e Facebook.

Neste processo, o JT também criou as novas plataformas.

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Ao virar a página inicial, o leitor se depara com a(s) página(s) que contém(êm)

os textos de opinião e editorial. Assim como no caso da capa, os jornais adotam a

mesma estrutura em todas as publicações.

Texto visual 1. Capas de O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, ambas de 02/09/2009.

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De acordo com o estudo multimodal, o elemento que ocupa o centro é aquele

que merece o principal destaque, além de ser o mediador entre os planos superior e

inferior da página (KRESS & VAN LEEUWEN, 2006, p. 197).. No caso das capas dos

jornais, o elemento que se sobressai no Estadão é a manchete principal, ao passo que a

foto principal é o destaque central do JT (ver Texto visual 1).

Nas páginas de opinião e editorial do JT, o elemento central é a charge, que,

além de ocupar o centro da página, expande-se para a margem esquerda. Já no Estadão,

acontece um fato curioso: na primeira página, o centro é ocupado por um pedaço do

recurso visual e por um pedaço dos textos de opinião. A segunda página dá total

destaque aos elementos textuais, a ponto dos textos se iniciarem com letra capitular,

recurso que não é utilizado no JT (ver Texto visual 3).

Van Leeuwen e Kress, no livro Grammar of Visual Design analisam que a

saliência determina o grau de importância de cada elemento (KRESS & VAN

LEEUWEN, 2006, p. 201).

Pelo fato de O Estado de S. Paulo publicar mais textos de opinião e editorial

que o Jornal da Tarde, há duas páginas destinadas a tais publicações no primeiro

jornal, enquanto que no segundo há apenas uma. Nesta análise numérica, é importante

perceber também que, além de haver mais textos no Estadão, a quantidade de caracteres

de tais textos mais uma vez superam os do JT.

Quantidade de caracteresQuantidade de caracteresQuantidade de caracteresQuantidade de caracteresQuantidade de caracteresQuantidade de caracteres

Editorial 1 Editorial 2 Editorial 3 Opinião 1 Opinião 2

O Estado

de S. Paulo

4332 4136 4253 5762 5660

Jornal da

Tarde

2944 X X 2724 X

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6. 2 Aspectos visuais

É interessante perceber que o logotipo do Jornal da Tarde utiliza de maneira

inversa as cores do logotipo de O Estado de S. Paulo:

À parte esta análise curiosa, o a imagem principal da capa e o desenho que

acompanha os textos de opinião e editorial também foram analisados. O que se percebe

é que os recursos visuais do Jornal da Tarde ocupam uma área maior em relação à área

ocupada pelos mesmos objetos no outro jornal tomado para estudo. Se a produção

textual é mais enfática no Estadão, o JT prioriza a produção imagética.

Nas capas tomadas como exemplos para ilustrar este relatório, os dois jornais

veiculam como foto principal o levante ocorrido em Heliópolis em 2009. Apesar de a

circunstância ser a mesma, as fotografias se diferem em vários aspectos.

O tamanho que cada imagem ocupa na capa é diferente. A fotografia do Jornal

da Tarde chega a ser cerca de duas vezes maior que aquela de O Estado de S. Paulo.

É importante perceber que a imagem do Estadão é acompanhada de legenda, um

recurso escrito para complementar a explicação da imagem. O recurso da legenda

demonstra, mais uma vez a prioridade do texto verbal em O Estado de S. Paulo.

13

Apesar das imagens conterem os mesmos elementos – o ônibus em chamas, o

bairro e um indivíduo que se assusta com o incidente –, as perspectivas retratadas em

cada foto são distintas.

Van Leeuwen e Kress salientam que a diferença entre o ângulo oblíquo e o frontal

corresponde à diferença entre afastamento e envolvimento (LEEUWEN & KRESS,

2006, p. 136). A perspectiva da foto do Estadão, além de distanciada, apresenta uma

angulação oblíqua, que é percebida pela direção diagonal na qual o indivíduo corre. Já a

foto do JT mostra um grau de envolvimento maior, proporcionado pela retratação

frontal do fato, captando, inclusive, a emoção da personagem.

Representações diferentes em diferentes jornais reforçam a idéia de que os

públicos leitores interagem de maneira distinta com o texto, seja ele verbal ou

imagético. Cada imagem é capaz de representar a relação social entre o produtor, o

espectador e o objeto representado (VAN LEEUWEN & KRESS, 2006, p. 42).

Os jornais estudados também apresentam diferenças no tocante ao tipo de

elemento visual que veiculam em suas páginas de opinião e editorial.2 A diferença

inicial se dá em relação ao recurso estilístico. Enquanto o Jornal da Tarde apresenta

charges, as imagens contidas em O Estado de S. Paulo são caricaturas.

2 O termo recurso visual é utilizado com o intuito de referir-se tanto às charges do Jornal da Tarde quanto às caricaturas de O Estado de S. Paulo.

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Todas as charges do Jornal da Tarde são de autoria de Diogo Salles. O Estado

de S. Paulo veicula caricaturas elaboradas por dois artistas: Cássio Loredano e Leo

Martins. A caricatura presente na edição do Estadão publicada em 02/09/2009 é de

autoria de Loredano.

É interessante perceber que o desenho do Jornal da Tarde contém a assinatura

do chargista. Já a imagem de O Estado de S. Paulo imprime somente o nome por

extenso do autor da caricatura. Esta análise sobressai mais uma vez a importância que o

Estadão dá ao texto verbal formal. O artista não assina seu desenho; seu nome está

presente cumprindo a formalidade de créditos para o autor. Nota-se, mais uma vez, a

presença de legendas em um recurso imagético de O Estado de S. Paulo.

O Estadão apresenta a caricatura dentro de uma seção denominada “Sinais

Particulares”. A existência de uma seção destinada ao recurso visual da página de

opinião e editorial representa a formalidade do jornal.

A multimodalidade possibilita entender que representações visuais podem ser de

dois tipos: narrativa ou conceitual (KRESS & VAN LEEUWEN, 2006, p. 59). Balões de

diálogo, bem como a presença de dois ou mais elementos na composição visual

caracterizam a imagem como narrativa. Trata-se da charge veiculada no JT. No caso da

imagem do Estadão, a presença de um único elemento, cuja retratação apela para

características específicas e únicas – a aquisição da Marvel pela Disney é caracterizada

pelo uniforme de super-herói que Mickey Mouse veste – demonstra que a caricatura é

uma representação visual conceitual.

6.3. Aspectos textuais

A leitura das manchetes também foi publicada no relatório parcial, mas é

importante que sua análise também se faça presente neste relatório final. Cada jornal

apresentou diferenças na elaboração das manchetes. A Linguística Sistêmico-Funcional

permitiu o entendimento das escolhas de itens lexicais que compõem as manchetes do

material coletado. Tomando-se mais uma vez o exemplo das edições de 02/09/2009, as

manchetes se apresentam da seguinte forma:

Análise das manchetesAnálise das manchetes

O Estado de S. Paulo BNDES terá reforço para ajudar Petrobrás

Jornal da Tarde Revolta com hora marcada toma conta de Heliópolis

15

O Texto visual 1 indica que enquanto a manchete do Jornal da Tarde dialoga

com a foto principal, a manchete de O Estado de S. Paulo não realiza esta relação. O

leitor do JT tem, num primeiro momento apenas uma informação – o levante em

Heliópolis –, ao passo que o leitor do segundo jornal recebe, neste primeiro momento de

visualização da capa, duas informações distintas – o levante em Heliópolis e a ajuda

feita pelo BNDES à Petrobrás.

É interessante perceber que as manchetes de O Estado de S. Paulo apresentam

uma freqüência maior de siglas do que as do outro jornal analisado. Das dez edições do

Estadão coletadas, em sete há a ocorrência de siglas. São elas:

- GM (General Motors), na manchete da edição de 01/06/2009;

- BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na edição

de 02/09/2009;

- BCs (Bancos Centrais), na edição de 07/09/2009;

- STF (Supremo Tribunal Federal), nas edições de 10/09/2009 e19/09/2009;

- DEM (Democratas) e DF (Distrito Federal), ambos na edição de 14/02/2010;

- TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na edição de 22/05/2010.

Apenas uma edição do Jornal da Tarde, das dez coletadas apresenta sigla.

Trata-se da publicação do dia 22/05/2010, na qual há a sigla PM (Polícia Militar).

Os tipos de verbo veiculados nas manchetes também apresentam distinções. O

Jornal da Tarde utiliza freqüentemente processos verbais no presente do indicativo. Há

maior variação quanto ao uso de tempos verbais nas manchetes de O Estado de S.

Paulo. Como se pode ver na Tabela 4, a manchete do Estadão contém um processo

verbal no futuro do indicativo – terá – e outro no infinitivo – ajudar.

A Lingüística Sistêmico-Funcional analisa os verbos conforme o significado que

eles veiculam. Diferentemente da gramática tradicional, que classifica os verbos

conforme a sintaxe – verbo de ligação, verbo intransitivo, verbo transitivo direto, verbo

transitivo indireto e verbo transitivo direto e indireto –, a teoria formulada por Halliday

analisa o significado semântico contida no processo verbal. Os processos podem ser de

seis tipos:

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- mentais: são processos de sentir, relativos à representação do mundo interior

(ex.: pensar);

- materiais: são processos de fazer, relacionados a ações do mundo físico (ex.:

fazer, pegar, jogar);

- verbais: são processos de dizer alguma coisa (ex.: dizer, falar);

- relacionais: têm função classificatória, relacionando duas entidades no discurso

(ex.: ter, ser, estar);

- comportamentais: são ações que englobam comportamentos físicos e

psicológicos realizados de forma simultânea, de forma que o participante deva ser uma

figura animada ou personificada (ex.: preocupar-se);

- existenciais: há apenas um tipo de participante, que é o participante existente

(ex.: haver) (LIMA LOPES & VENTURA, 2008, p. 2-13).

Há uma ocorrência maior de processos materiais nas manchetes do JT, ao passo

que o Estadão apresenta ocorrências de processos verbais, materiais e relacionais. A

manchete do JT de 02/09/2009 contém um processo material – toma – e a manchete do

Estadão de 02/09/2009 contêm dois processos: um relacional – terá – e outro material –

ajudar.

Na análise dos textos de opinião e editorial, além da diferença de quantidade

entre os jornais (p. 7), os assuntos abordados, bem como as escolhas lexicais, são

distintos nos dois veículos de comunicação. A tabela abaixo mostra os títulos dos textos

veiculados nas edições de 02/09/2009.

Títulos dos textosTítulos dos textosTítulos dos textosTítulos dos textosTítulos dos textosTítulos dos textos

Editorial 1 Editorial 2 Editorial 3 Opinião 1 Opinião 2

“O Estado

d e S .

Paulo”

O palanque do

pré-sal

A fé como

negócio

U m

orçamento

eleitoral

O caso do caseiro

assombrado

Distorcendo a

distorção

“Jornal da

Tarde”

Ar poluído, um

jeito indireto de

fumar

X X R e d u ç ã o d a

j o r n a d a d e

trabalho

X

Percebe-se, pela leitura dos títulos, que os assuntos abordados nos textos do

Estadão têm caráter mais político e crítico, ao passo que os textos do JT priorizam a

17

abordagem social, analítica e local. Itens lexicais como “palanque”, “assombrado” e

“distorção” demonstram a presença de posicionamento crítico.

Em O Estado de S. Paulo, a abordagem política é evidenciada pela presença de

palavras como “pré-sal”, “eleitoral” e “caseiro” 3 . No caso do “Jornal da Tarde”, as

expressões “ar poluído” e “jornada de trabalho” indicam maior incidência de assuntos

de cunho social e cotidiano. A ausência de adjetivação demonstra menos crítica na

composição textual. Além disso, a proposta de temas abordados nos textos do JT

indicam maior vínculo com os aspectos locais – a cidade de São Paulo. Este estudo

demonstra que o leitor de O Estado de S. Paulo se depara com maior diversidade de

itens lexicais que o leitor do Jornal da Tarde.

Na análise dos textos, a ferramenta Wordsmith Tools contribuiu para apresentar

de forma mais nítida as asserções feitas acima no tocante à composição textual. Foi

possível evidenciar que duas palavras tiveram incidência relevante no corpus da

pesquisa. Trata-se dos seguintes itens lexicais: “governo” e “trabalho”. Enquanto o

termo “governo” teve maior incidência nos textos de editorial, o termo trabalho foi mais

incidente nos textos de opinião. Devido à relevância observada nas ocorrências, os dois

itens lexicais foram analisados para o presente relatório final. O corpus foi dividido em

duas partes: textos de editorial e textos de opinião.

6.3.1. Governo

O termo governo aparece 70 vezes no corpus composto por editoriais. É

importante perceber que a ocorrência do termo nos textos do JT é muito pequena –

apenas duas – para as 68 do Estadão.

O Jornal da Tarde veicula a palavra em análise a aspectos de cunho regional,

como se observa abaixo:

1. “Seria conveniente, pois, que o setor de patrimônio do governo municipal fizesse logo esse levantamento”. 2. “O líder do governo na Câmara, Police Neto, rebateu as críticas da oposição petista...”

3 Francenildo Santos Costa (ou "Nildo") é um caseiro brasileiro, que obteve notoriedade ao dizer publicamente ter visto o então Ministro da Fazenda Antonio Palocci freqüentar habitualmente uma determinada mansão em Brasília. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Francenildo_Santos_Costa

18

Já nos textos do Estadão, as 68 ocorrências relacionam o termo governo a

aspectos de cunho internacional, nacional, político e econômico, como é possível

averiguar nos exemplos abaixo:

1. “A proposta de criação de um Fundo Monetário Europeu, lançada pelo governo alemão, é um novo desdobramento da crise iniciada...”

2. “O governo também poderá extinguir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria...”

3. “o governo federal está agindo demagogicamente no campo do ensino, lançando...”

4. “E receberá da União um aporte de R$ 100 bilhões para o governo ampliar o controle acionário que nela já detém.”6.3.2. Trabalho

A palavra “trabalho” se evidenciou mais presente nos textos de opinião. Com o auxílio

da ferramenta Concordance, é possível entender como os textos de cada jornal emprega

o termo em questão. Tanto nos texto de opinião do JT como nos do Estadão, o número

de ocorrência é o mesmo: quatro para ambos.

No Jornal da Tarde, o termo trabalho está relacionado a atividades variadas e também

ao emprego:

1. “muito trabalho pela frente e a negociação ainda será difícil...”

2. “dá mais trabalho e é mais difícil de conseguir...” 3. “não apenas na universidade, mas também no trabalho.”

Já em O Estado de S. Paulo verifica-se uma relação mais restrita a emprego:

1. “a redução da jornada semanal de trabalho.”2. “E não será aumentando a carga de trabalho”3. “a carga de trabalho do juiz no Brasil é excessiva”

Esta análise indica que no JT há uma capacidade maior de abstração do termo, ao

passo que o Estadão se limita à relação trabalho como emprego. Expressões como “dá

mais trabalho” indicam também uma escrita mais informal.

7. Considerações finais

Ao longo da iniciação científica, foi possível aplicar os conhecimentos

adquiridos em torno da Teoria Sistêmico-Funcional e da multimodalidade nas

manchetes, títulos dos artigos, textos e imagens das capas e das páginas de opinião e

19

editorial. A multimodalidade, em especial, foi o estudo a que mais me dediquei e vejo,

como estudante de um curso de comunicação social, a importância de se estudar este

tema. Van Leeuwen e Kress mencionam que a linguagem visual dominante é hoje

controlada pelos impérios da mídia de massa (VAN LEEUWEN & KRESS, 1996, p. 5).

A importância da análise multimodal em um gênero discursivo como o jornal se

faz importante, já que os recursos imagéticos também constroem e/ou ratificam a

mensagem do texto verbal. Como bem aponta Leonardo Mozdenski, “o texto verbal

vem sendo cada vez mais integrado a outras semioses – ilustrações, fotografias,

etc” (MOZDENSKI, 2008, p. 26).

Juntamente à análise dos textos verbais, a multimodalidade permitiu identificar o

perfil de cada jornal estudado. O Jornal da Tarde é um jornal voltado ao público da

região de São Paulo, veicula notícias de caráter regional e transmite a informação de

maneira informal, valorizando o recurso visual. Já O Estado de S. Paulo é um jornal de

caráter mais conservador, destinado a um público nacional e valoriza o texto escrito. O

Estadão dá mais ênfase aos assuntos políticos e econômicos do país.

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