texto novo a temática do ciúme - 14 - 08 - 2009
Post on 23-Jun-2015
1.059 Views
Preview:
DESCRIPTION
TRANSCRIPT
1
O CIÚME: UMA ABORDAGEM BIOENERGÉTICA
José Gilson Farias Cavalcanti
A TEMÁTICA
A temática do ciúme tem estado presente, com alguma freqüência, na minha
atividade clínica, ora na queixa inicial, ora durante o processo terapêutico. É
curioso observar que, embora o tema esteja mais ligado às relações amorosas,
apresenta-se, também, relacionado a irmãos, aos pais e a objetos preferidos. A
forma de lidar com o ciúme, em seus diversos graus, parece guardar relação
com o caráter. Neste estudo, o ciúme será tratado no contexto da relação
amorosa entre duas pessoas que assumem um compromisso de estarem
juntas.
O ciúme permeia as relações humanas e, mais precisamente, as relações
amorosas. É nesse campo que o sofrimento parece ser maior. Outro fato
interessante prende-se a uma certa”universalidade” desse sentimento na
cultura do homem “civilizado”. Perpassa o tempo e a geografia. Na história do
homem esse assunto o acompanha, independentemente do lugar onde tenha
habitado. O tema é por demais instigante por essa ‘universalidade” e porque as
paixões humanas são sempre atualíssimas. Sente-se ciúmes e fala-se de
ciúmes com muito mais freqüência do que supomos. Isso pode ser percebido
claramente ou inferido nas entrelinhas de conversas íntimas, nas “rodas” de
bate-papo e em outras situações. As teorias populares sobre o assunto são
vastas. Vão da indicação de amor até a insanidade. Por ter uma gradação de
intensidade, o ciúme tem uma escala de conseqüências nas relações: do
rompimento ao fortalecimento das relações. Pode ser justificado por dados da
realidade, mas pode ser fruto da imaginação, podendo fazer parte de um
quadro de paranóia.
2
O ciúme também traz no seu bojo temas transversais como inveja, raiva,
fidelidade, amor. Daí a riqueza e a complexidade desse tema tão antigo, tão
atual e interessante para a atividade clínica. Esses temas são pontas de
icebergs que precisam de uma investigação no inconsciente para a
compreensão de como foi formado no indivíduo, as possíveis repressões a ele
ligados, bem como toda a cadeia formada pelos intrincados eventos de uma
vida humana .
Para aprofundar a discussão sobre o ciúme e complementar as considerações
teóricas elaboradas, realizamos uma pesquisa de campo
A investigação procurou dar um foco na relação do ciúme com a classificação
caracterológica da Bioenergética. Assim, pretendeu-se descobrir se existe uma
relação mais estreita entre a adoção de comportamentos indicativos de ciúme e
o caráter oral. Para tanto, a pesquisa abrangeu os 5 (cinco) tipos de caráter da
Bioenergética: esquizóide, oral, psicopata, masoquista e rígido. A partir das
respostas obtidas, pode-se verificar como as pessoas se comportam quando
sentem ciúmes e estabelecer uma correlação maior entre o caráter oral e o
ciúme.
Na verdade, muito se tem escrito sobre o ciúme, enfocando vários ângulos.
Este trabalho acrescenta, tão somente, uma abordagem bioenergética ao tema
uma vez que o ciúme revela um comportamento específico, constituindo uma
defesa de caráter, na linguagem bioenergética.
3
VISÃO CONCEITUAL
Enquanto sentimento, trata-se de um processo que envolve inicialmente os
sentidos (sensação corporal) e, num momento posterior, a elaboração mental
das sensações sentidas. O sentimento está sempre ligado a uma disposição
afetiva em relação a objetos (coisas, seres). Sentir é sofrer a ação de algo
interno ou externo à pessoa que sente. O sentimento é uma reação psicofísica
a um estímulo interno ou externo à pessoa, podendo ser agradável,
desconfortável ou até mesmo aflitivo. Os sentimentos têm intensidades
diferentes. O medo que se sente, por exemplo, pode ser maior numa pessoa
do que numa outra. E até na mesma pessoa a intensidade tem variação de
acordo com o contexto. O prazer sentido pode ser maior numa ocasião e
menor noutra.
O ciúme é um sentimento que pode ser extremamente desconfortável porque
estará sempre ligado à possibilidade maior ou menor de perda do que se ama
e que se pretendia exclusividade de posse. Assim, a perda que se prenuncia
no ciúme não significa necessariamente deixar de ter o objeto, mas a forma
como pensava tê-lo, ou seja, exclusivista.
O ciúme nunca está sozinho como sentimento. Na verdade, desencadeia uma
série de outros sentimentos intrinsecamente ligados a ele. O medo, a
ansiedade, a angústia, a raiva e a tristeza fazem parte da “cadeia do ciúme”. É
o conjunto desses sentimentos que desencadeará a aflição e o sofrimento,
próprios do ciúme. O medo é o medo da perda, da traição, da competição, do
rival e de si mesmo.
O medo da perda é porque deixará a pessoa sem a propriedade do ser amado.
O ciúme, quando surge de forma intensa, evoca, para quem o sente, o pacto
silencioso de que “eu sou seu(sua) e você é meu (minha)”, vigente enquanto
4
durar o relacionamento amoroso. A possibilidade de quebra desse pacto
representa uma perda muita sentida do que se imaginou possuir,
desencadeando um aviltamento ao seu direito. Ter o outro passa a ser um
direito.
O medo da traição provocará a desconfiança. Os estados de prontidão e de
vigilância são acionados; a desconfiança surge ao menor sinal (demonstração
de afeto por outra pessoa).
O medo do(a) rival existe porque a pessoa amada busca num terceiro algo que
não encontra na pessoa. O que tem essa pessoa que movimenta o(a) seu(sua)
amado(a) noutra direção que não para si? Eu nunca sou bom(boa) o bastante
para que se volte somente para mim. O registro é o de que não foi bom(boa) o
suficiente para ter somente para si a pessoa amada. Isso evocará a sua baixa
auto-estima construída nas suas relações primárias, quando suas
necessidades de apoio, segurança e de proteção não foram atendidas na
medida que precisava.
O meda da competição é porque terá que enfrentar um outro, podendo ganhar
ou perder (e a perda já está inscrita, por ocasião da vivência do Édipo); e o
medo de si mesmo porque terá que se confrontar consigo mesmo (auto
percepção mais profunda e, quem sabe, verdadeira)
Esses medos provocados pelo ciúme desencadearão outros sentimentos ( a
ansiedade, a angústia, a raiva) ameaçando não só a estrutura da relação,
como também a estrutura psíquica e, às vezes, a estrutura física das pessoas
envolvidas.
Como qualquer sentimento, é natural o surgimento do ciúme, como são a
inveja, o luto, a raiva, a saudade, a alegria etc. O importante será considerar
sua origem, intensidade, duração, forma de sentir e reagir, a importância que
assume no cotidiano da pessoa e como interfere na vida de quem convive com
ela .
5
O ciúme, numa gradação, vai de zelo pela relação amorosa até a insanidade.
De todo modo, o ciúme tem sempre algo de cruel para quem o sente e a quem
ele é direcionado.
Parece ser comum que o ciúme apareça na vida da pessoa como aparecem
outras características suas como criatividade, inteligência, saudade, tristeza.
Há, porém, pessoas nas quais o ciúme assoma como algo monstruoso,
perturbando totalmente a vida das pessoas envolvidas: quem sente ciúme e o
parceiro a quem se destina o ciúme.
Para quem o sente, o ciúme traz consigo uma série de sentimentos negativos e
torturantes, como o medo da perda de alguém, a inveja da maior liberdade e
autodeterminação que se imagina o parceiro ter, a inferioridade perante o rival,
o qual se costuma minimizar com adjetivos pouco elogiosos, mas que
inconscientemente se imagina supervalorizado, as dúvidas sobre si mesmo, os
sentimentos de impotência, dependência, baixa auto-estima, depressão,
desespero. A quem é dirigido, o clima permanente de suspeita, os infindáveis
interrogatórios, as desconfianças contínuas , tornam sua vida um inferno.
Sheakespeare, em Otelo, narra o que pode acontecer com o ciúme patológico:
Otelo mata Desdêmona por ciúme, a partir das intrigas de Iago. De qualquer
forma, o ciúme é marcado pela dor cuja intensidade guarda relação com a
estrutura da personalidade.
Assim, o ciúme também elicia o zelo, a incerteza, a insegurança, a humilhação,
o abandono, a inveja que já estão inscritos na pessoa, tendo em vista sua
história de vida .
6
ABORDAGEM PSICANALÍTICA FREUDIANA
No texto “Alguns Mecanismos Neuróticos no Ciúme, na Paranóia e no
Homossexualismo”, Freud coloca que é normal a pessoa sentir ciúmes. Diz ele
que se alguém diz não senti-lo é porque sofreu severa repressão e, por
conseqüência, o ciúme tem um papel ainda maior na vida inconsciente da
pessoa.
Para Freud existem três graus de ciúme:
a) Competitivo ou Normal
Compõe-se do pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder o
objeto amado e da ferida narcísica. Provoca sentimentos de inimizade e de
hostilidade contra o rival “bem sucedido” e, a depender da quantidade de
autocrítica, responsabilizando-se pela possibilidade de perda.
Esse ciúme tem sua origem, segundo Freud, na vivência do Édipo ou na
relação com os irmãos.
O ciúme pode ser experimentado bissexualmente. Nesse caso, por exemplo, o
homem tem ciúmes da mulher que ama e sofre por isso, mas também sofrerá
porque ama inconscientemente esse homem, sentindo ódio da mulher rival.
b) O Ciúme Projetado
Deriva da própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos nesse
sentido que foram reprimidos. No primeiro caso, como defesa, a pessoa
projeta a infidelidade para a outra. Isso se tornará mais lógico na medida em
que a outra pessoa dá margem a tal fato. No segundo caso, a negação do
impulso da infidelidade é tão forte que encontra escoamento na projeção à
outra pessoa.
7
Uma pessoa ciumenta não apresenta tolerância para uma gentileza e até
mesmo um flerte, desconhecendo que isso pode ser uma salvaguarda contra a
infidelidade real. Não acredita existirem interrupção e retorno ao objeto amado
c) O Ciúme Delirante
Tem sua origem em impulsos reprimidos no sentido da infidelidade, mas o
objeto, nesses casos é do mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante torna sua
posição entre as formas clássicas da paranóia.
Como tentativa de defesa contra um forte impulso homossexual indevido, ele
pode, no homem, ser descrito pela fórmula: Eu não o amo; é ela que o ama. A
partir daí, aparecem os delírios que configuram o quadro da paranóia.
Na verdade projetam exteriormente para os outros o que não desejam
reconhecer em si próprios. No caso do ciumento paranóico a projeção
representa uma defesa contra o seu homossexualismo.
Para Freud existem dois momentos formadores de pessoas ciumentas: o
período pré-edípico e o edípico.
Na fase oral do desenvolvimento psicossexual da criança, o prazer está no
sugar o peito que é estendido para outros objetos. Nessa fase, desenvolve-se o
chamado complexo materno caracterizado por um apego excessivo à mãe,
podendo gerar o ciúme dos irmãos, do pai e de quem a mãe goste ou se
relacione. O ciúme assim provocado pode ser excessivamente hostil e
agressivo para com os irmãos, podendo provocar desejos reais de morte deles.
8
Na vivência do período edípico, o menino se volta para a mãe de modo afetivo-
sexual. O mesmo se dá com a menina com relação ao pai. Nesse período é
comum que o objeto amado seja só seu e qualquer possibilidade de ameaça de
perdê-lo gera ciúmes e reações hostis contra rivais, principalmente o genitor do
mesmo sexo. A depender da forma como esse período é atravessado pela
criança a inscrição do ciúme será mais ou menos intenso. A saída do período,
caracterizado pela identificação com o pai do mesmo sexo, como forma de
obter o seu objeto, faz com que haja uma renúncia a esse objeto e a busca de
outro semelhante, do ponto de vista sexual. Mas a situação edipiana nem
sempre é vivida sem atribulações e a saída do período pode não se dar desse
jeito. O aprisionamento à essa situação contribuirá para uma fixação
carregada, entre outros aspectos, do ciúme do objeto amado.
9
ABORDAGEM BIOENERGÉTICA DO CIÚME
Inicialmente, vamos verificar, no geral, o que faz com que uma pessoa se
relacione amorosamente com outra. Há algo nesse outro que atrai, que faz com
que se queira estar junto. Esse estar junto irá envolver o compartilhamento de
suas vidas. Portanto, o outro atende desejos que ora são conhecidas ora
desconhecidas pelos envolvidos na relação. Das necessidades conhecidas
pode-se localizá-las e enumerá-las: companheirismo, sexo, status, afeto,
dinheiro etc. Das necessidades desconhecidas não se pode falar porque não
se tem acesso a elas. Elas não são conscientes. Mas a não consciência delas
não implica na sua inexistência. A motivação humana é,basicamente,
inconsciente. Assim, há, também, um quantum de energia advinda das
instâncias inconscientes que me levam ao outro; despertam a necessidade de
sua presença. Algo se passa que aciona os desejos, a busca de satisfação de
necessidades.
Somos incompletos por natureza. Nascer é contatar com a falta. É sentir que
precisamos do mundo e das pessoas. Viver representa, em um nível, buscar
preencher as faltas que vão surgindo ao longo da vida. Novamente, vamos nos
deparar com faltas que nos são conhecidas e com outras inconscientes que
aparecem sob a forma de angústia, de ansiedade, de medo, de depressão ou
de pânico, difíceis de serem lidadas.
Perceber-se incompleto e “faltoso” nos faz sofrer. Parece haver uma inscrição
no humano da completude, da potência, da inteireza (será a centelha divina
que habita em nós; o “todo” que habita as partes”? ou a vida intra-uterina?)
porque somente conhecemos um lado quando sabemos do seu oposto. Eu sei
que existe a alegria porque conheço a tristeza. Assim, parece que o que
“perdemos” ao nascer nos arremessa a buscar o que foi perdido para
preencher essa falta primeira. Mas, o que foi perdido? Aí, poderemos nos
lançar a uma série de hipóteses ou de possibilidades. Sem podermos ter a
10
precisão, dizemos que perdemos a sensação de estarmos completos, de um
estado de graça. Viveremos, no entanto, com a sensação dessa falta. A essa
primeira falta poderão juntar-se outras ao longo da vida e o “buraco” interior vai
se aprofundando.
Sabemos que a rejeição que um ser pode sofrer ainda no útero ou o abandono
pós-natal ou a desconexão entre o bebê e a mãe ou, ainda, a frieza nos
cuidados dos primeiros anos inscrevem na pessoa (nas dimensões bio-psico-
sócio-espiritual) faltas. A depender da história de cada um (estamos falando
das marcas da própria espécie e da dinâmica familiar diferencial) as faltas
serão mais ou menos profundas. E, aqui, passamos a mergulhar um pouco
mais na etiologia da formação do caráter oral. A formação desse caráter se dá
no primeiro ano de vida quando a necessidade da criança de ter a mãe com
presença calorosa não é satisfeita por morte, doença ou ausência determinada
pela necessidade de trabalhar. A criança vive sucessivas experiências de
privação que inscrevem na sua mente e no seu corpo o abandono. Cansa de
chorar ou de utilizar outra linguagem para expressar sua necessidade de
nutrição, de amor, de contato. Essa falta vai acompanhando o crescimento e
registrando um débito desse seu primeiro grande objeto de amor: a mãe. Cada
falta provoca uma necessidade que impulsiona a pessoa à vida procurando
satisfazê-la. Esse movimento de busca exige o dispêndio de energia. Assim, a
falta “rouba” uma energia que estava harmonizada com o todo, deixando
“buracos” que pedem preenchimento para o restabelecimento do equilíbrio, da
homeostase.
O percurso que a pessoa usa para o restabelecimento da homeostase, para o
preenchimento desses claros e que vão estar inscritos, como já dissemos, no
corpo, na mente e no espírito, é complexo. Os caminhos se transformam em
verdadeiros labirintos cuja saída final desejada é o bem-estar, é o sentimento
de pertencer ao universo, é a aceitação das faltas e da impotência, é o deixar a
vida fluir mais espontaneamente, é a predominância da graça, da beleza e da
harmonia.
11
Como muitas dessas faltas nos fazem sofrer porque são dolorosas, utilizamos
mecanismos para suportá-las e seguirmos em frente nas nossas vidas. O
principal deles é a repressão. Outro mecanismo também comum é a negação
da falta, adotando-se uma postura de não reconhecê-las, ou seja “eu não
preciso do outro”. O outro é quem me deve (a noção de que o mundo lhe deve
irá acompanhá-lo pela vida) Como para o inconsciente só existe o sim a
energia represada pelo não reconhecimento da falta exige escoamento. A
negociação necessária será intermediada pelo ego já desenvolvido. Essa
negociação implicará a utilização de mecanismos (defesas) para a vazão do
inconsciente. Portanto a manifestação do inconsciente é, para a pessoa,
incompreensível e sem muito nexo.
As buscas de preenchimento dessas faltas são encetadas por movimentos
interiores mas a pessoa não sabe que essas faltas jamais serão preenchidas
pelos verdadeiros objetivos perdidos. A pessoa não é mais um bebê. Ela não
pode fazer o tempo voltar O que está presente é a agonia pela perda e a
necessidade de preenchê-la. Sem saber da impossibilidade do resgate do
perdido a pessoa busca algo que, de alguma forma, se “pareça” ou “lembre” ou
tenha alguma ligação com o verdadeiro objeto. E isso irá acontecer mais
fortemente quando está amando uma outra pessoa. Por isso dizemos que as
relações de um modo geral, e as amorosas em particular, são carregadas de
transferência. Há algo naquele outro que me faz sentir, pensar e, às vezes, ter
certeza de que vai preencher o meu vazio, vai ser o resgate do perdido, enfim,
encontrei o que estava me faltando.
Mas, é uma ilusão acreditar que o outro possui o algo que me falta. O objeto
perdido jamais será recuperado. Não se pode modificar a história passada. As
paixões são tanto maiores quanto maiores são as faltas. A intensidade da força
da ilusão de completude é a mesma da desilusão posterior, acrescida do
sentimento de fracasso, quando a paixão acaba.
Se eu perdi algo que deixou uma lacuna tão significativa em mim, que me fez
sofrer tanto, ao encontrar um outro em quem acredito me preencherá o vazio,
não quero perder de novo esse objeto. Se eu sinto que encontrei no outro “a
12
razão do meu viver”, ficarei feliz e farei tudo para não perdê-lo porque a
experiência de exilado da completude está bem inscrita no meu ser. O que
faço? Tomo posse e me aproprio desse objeto. É meu e de ninguém mais.
Uma vez apreendido por mim, eu vou querer que esse outro seja como eu
quero (como eu idealizei). A posse, a propriedade sobre o outro tem de ser
como eu quero (porque eu preciso assim). Qualquer movimento do outro fora
do meu desejo é percebido como ameaça. Se o outro exerce sua liberdade de
buscar o seu bem-estar com outros objetos (situações ou pessoas) eu sinto
ciúmes. Não sou o único como eu pensava ser ou como eu queria ser para
esse outro. A necessidade de exclusividade é sinal de uma falta profunda
(grande vazio, energia nefasta). O ciúme é, então, um sinal de alerta, de
ameaça de perda desse objeto possuído, dessa “mãe” encontrada. A
possibilidade de perdê-lo ou ter de compartilhá-lo remete a pessoa à estaca
zero na sua busca. É como aqueles joguinhos em que você está já ganhando
e, de repente, tem de voltar e recomeçar tudo de novo. Só que é pior porque
jogo é jogo e vida é vida. Além disso, existe a questão: o que o outro está
procurando num terceiro que eu não tenho (quanto onipotência a nossa!)?
Como se pudéssemos completar totalmente o outro! Como se o mundo do
outro fôssemos nós porque reduzimos o nosso mundo ao outro. Quanto
sacrifício! E por isso, exigimos o mesmo sacrifício (redução do mundo, da vida)
do outro.
Quanto mais o oral exige exclusividade mais torpedeia a liberdade do outro e
mais o afasta de si, sem o saber, e mais o outro se afasta dele. Encerrados
numa relação baseada em suas faltas, fecha-se ao desenvolvimento de sua
potencialidade de amar. Desenvolve um autopoliciamento de si mesmo e um
patrulhamento do outro. Essa relação vai empobrecendo e apodrecendo. O
resultado ou é a acomodação neurótica (não é feliz com o outro, mas sem o
outro também não o será e não ficará sozinho na infelicidade) ou a relação se
desfaz (chega um momento em que um ou os dois não agüentam) ou se
instalam a mentira, a omissão, o medo, o perigo, os escapes entre as partes. E
tudo começou com a ilusão de que o outro preencheria as suas faltas.
13
É certamente infantil acreditar e querer que o outro só tenha olhos para si.
Essa ilusão tem assento, novamente, no absoluto que foi a vida intra-uterina,
no narcisismo primário. A impossibilidade de se manter nesse estágio vem com
o nascimento, tornando-se a primeira castração. A outra grande e importante
castração vem com a descoberta de que o desejo da mãe se movimenta em
direção a outra pessoa (pai ou substituto). Mas, a situação extrema da
castração será representada pelo abandono e pelo desamor da mãe, para
quem o filho passa a representar a evidência de sua própria castração.
Portanto, a ilusão de que o outro só quer a mim é o desejo de restauração do
narcisismo primário. Ou seja, encontrar na pessoa amada a total completude
cujos desejos são os meus desejos, sendo igual a mim e que veio para me
salvar da falta.
Energeticamente, a pessoa com predominância da oralidade apresenta baixa
carga (não foi suficientemente energizada de amor). Desenraizada, a energia
de sustentação do corpo (pernas) e que permite a locomoção é pouca. A
respiração (fonte de obtenção de energia) é superficial devido ao fraco impulso
de sugar na infância. A agressividade para a manutenção de seus processos
vitais é reduzida. Cansa-se rapidamente quando engajado numa atividade
contínua. Alterna períodos de elação e de depressão. Elação quando sente que
encontrou numa pessoa a “mãe” com seus significados (amor, proteção,
incentivo, confiança); depressão quando se sente abandonado (mais uma vez).
A libertação pessoal requer confrontos com o individual e com a cultura. Há
uma relação delicada entre a pessoa e o social. Uma é matéria-prima e produto
da outra parte pela influência mútua que exercem. A transformação pessoal
advirá de um investimento em si próprio para si próprio. Esse empreendimento
poderá ser feito sozinho ou com a ajuda de um outro (o outro sempre está
presente)!
A vida será um fardo mais leve até que a gente retorne para o estado de
completude (graça) de onde possivelmente viemos. Sabendo “a dor e a delícia
de ser o que é”(1) descansaremos quando, num outro instante (que difícil,
não?) “repousarmos no Absoluto” (2).
14
A PESQUISA
Para aprofundar a discussão sobre o ciúme e complementar as considerações
teóricas elaboradas, realizamos uma pesquisa de campo, focando a
classificação caracterológica da Bioenergética. Assim, pretendeu-se descobrir
se existe de uma relação mais estreita entre a adoção de comportamentos
indicativos de ciúme e o caráter oral. Para tanto, a pesquisa abrangeu os 5
(cinco) tipos de caráter da Bioenergética: esquizóide, oral, psicopata,
masoquista e rígido (histérica e fálico narcisista).
A Pesquisa teve como objetivo averiguar a seguinte hipótese:
A intensidade do sofrimento causado pelo ciúme é maior nas pessoas com
predominância da oralidade do que nas dos demais tipos de caráter, na
classificação da Bioenergética.
A pesquisa foi feita por meio de questionários que foram respondidos por
pessoas acima de 20 anos de idade e que se encontravam, naquele momento,
em processo terapêutico da Análise Bioenergética.
O questionário, de perguntas objetivas, foi elaborado contendo
comportamentos indicativos de ciúme e duas perguntas abertas, ao final, onde
se pretendeu conhecer as reações da pessoa quando ela sente e sabe que
está com ciúmes.
15
A amostra da investigação foi formada por clientes de Analistas Bioenergéticos
que se dispuseram a participar da pesquisa. Foram aplicados 25 questionários
assim, distribuídos:
5 – oral
5 – esquizóide
5 – psicopático
5 – masoquista
5 – histérica
5 – fálico narcisista
Os terapeutas escolheram clientes que se dispuseram a participar do
levantamento, de forma anônima.
16
DADOS OBTIDOS
Após o tratamento dos dados, classificamos o grau de ciúme conforme o total
de pontos obtidos por cada participante, resultando na tabela que segue.
Tabela 3 – Classificação do Grau de Ciúme, segundo o Caráter
CARÁTER
CLASSIFICAÇÃO
TOTAL POUCO CIUMENTO
CIUMENTO MUITO CIUMENTO
ESQUIZÓIDE
2
3
-
5
ORAL
-
-
5
5
MASOQUISTA
3
-
2
5
PSICOPÁTICO
1
1
-
2
HISTÉRICO
4
1
-
5
FÁLICO NARCISISTA
1
4
-
-
A computação das respostas, traduzida nesta Tabela, permite concluir que os
orais apresentam um maior número de comportamentos indicativos de ciúme e,
portanto, são mais ciumentos e sofrem muito mais com o ciúme do que as
pessoas dos outros caráteres.
As respostas à pergunta aberta (Qual(is) sua(s) reação(ões) quando sente
ciúmes?) foram apuradas por caráter. Assim, as reações computadas dizem
respeito à forma de reagir das pessoas com o mesmo caráter. Uma análise
qualitativa dessas respostas foi feita para a verificação de relação com a
hipótese do trabalho .
17
A listagem está por ordem de freqüência ( da maior a menor freqüência) e
foram as seguintes:
Esquizóide
� Fica introspectivo(a)
� Fica calada
� Sente afastamento
� Fica de mau humor
� Disfarça
� Sente raiva
� Chora, mas não na frente da pessoas
� Conversa depois com o(a) parceiro(a)
� Pára e reflete
� Exterioriza o ciúme
Masoquista
� Vontade de gritar, brigar, mas não faz nada
� Medo
� Raiva
� Insegurança
� Calado(a)
� Briga
� Perda do controle
� Fica silencioso(a)
Psicopático
� Incômodo
� Reflexivo
� Auto cobrança de uma postura mais aberta
� inseguro
18
Histérica
� Brava
� Briga
� Fica alguns dias sem falar
� Magoada
� Torna-se mais interessante que a rival
� Disfarça
� Medo
� Conversa expressando para o parceiro o ciúme
� Emburrada
� Mãos frias, taquicardia
� Ódio
Fálico Narcisista
� Fica sério
� Irritadiço
� Procura ter certeza se houve ou não traição
� Não admite ser traído
Oral
� Tristeza
� Angústia
� Aperto no peito
� Falta de ar
� Vontade de morrer
� Depressão
� Retraimento
� Insegurança
� Sensação de perda
� Abandono
� Solidão
� Raiva
� Descontrole
� Cobra, briga
� Fúria
19
A conclusão é a de que a nossa hipótese foi confirmada, dentro do universo
pesquisado e da metodologia adotada. De qualquer forma, julgamos que a
pesquisa precisa ser aprofundada, em termos de um universo maior de
participantes.
É curioso observar que as reações explicitadas pelas pessoas pesquisadas são
próprias do padrão de resposta dos tipos de caráter, na teoria da
Bioenergética. E essas reações guardam relação com a etiologia dos
caráteres. O ciúme elicia situações passadas, vividas na infância, nos períodos
pré-edípicos e edípicos. Os sentimentos evocados são aqueles que foram
reprimidos e as reações constituem o padrão de resposta construído para
fazer frente a eles e, portanto, para a sobrevivência da criança.
Para uma melhor compreensão faremos uma análise de cada caráter
pesquisado, associando as reações expressas pelas pessoas aos traços de
caráter.
O esquizóide tem reações que lhes são próprias como o afastamento, o voltar-
se para si, o disfarce e a raiva contida. A possibilidade da perda do vínculo, tão
difícil para o esquizóide, o remete ao medo de morrer; à rejeição que sofreu
desde quando estava no útero da mãe.
O psicopático reage sentindo-se incomodado. O que pode estar subentendido
nesse incômodo? A possibilidade de perda do objeto pode significar, muito
provavelmente, o medo de perder o poder sobre o outro, a conquista realizada;
um golpe na sua tirania ou sedução.
O masoquista reage sofrendo com a situação. Tem vontade de gritar, brigar,
afirmar-se, mas não faz nada ou faz muito pouco para expressar o seu
desagrado, a sua raiva. Como disseram, ficam calados(as), silenciosos(as),
submetendo-se à situação. A possibilidade de se ver trocado significa uma
ratificação da humilhação já sofrida antes, por alguém que gostava muito (a
20
mãe). Assim, o ciúme no masoquista, suscita a sua baixa auto-estima e, muitas
vezes, o sentimento de culpa por ter feito algo errado para o outro.
A Histérica reage ficando brava, brigando, explodindo ou disfarçando,
procurando enfrentar a rival, tornando-se mais interessante que ela (mãe). O
ciúme pode ser prenúncio de traição, já vivido na fase edípica. Apresenta
somatizações que variam em função das vulnerabilidades físicas de cada uma.
O Fálico-Narcisista diz ficar sério, irritadiço, procurando ter certeza da traição.
Traição é seu núcleo traumático. Como se sentiu traído pela mãe que não o
reconheceu como homem, a possibilidade de repetição dessa experiência na
vida adulta remete-o à experiência vivida anteriormente. Não confiar, não abrir
o coração é o seu lema para não sofrer. O ciúme intensifica o sinal de alerta, a
desconfiança, de uma possível rejeição. É a prontidão para uma possível ferida
no amor-próprio. É perda do controle da situação.
As reações citadas pelos participantes do tipo Oral são perfeitamente
condizentes com o caráter. A tristeza, a depressão, a sensação de perda, de
abandono, o aperto no peito, a falta de ar, a solidão e a raiva são reações
típicas do caráter oral, na teoria da Bioenergética. Reporta o Oral às situações
de abandono a que foi submetido no primeiro ano de vida. O que era para ser o
seu “tudo” deixa de atender às suas necessidades de aceitação, afeto, amor,
toque. A perspectiva de perder o(a) parceiro(a) faz reviver a perda da figura
materna amável.
21
Comentários relativos às respostas ao questionário:
Mandar seguir o(a) parceiro(a) ou seguir você mesma(o) e contratar detetive
para fazê-lo obteve o grau mínimo) de todos os caráteres. Isso pode significar
um ciumento mais doentio, não se enquadrando no quadro das neuroses que é
o caso dos caráteres;
Não gostar que o(a) parceiro(a) vá dançar com outra(o) foi apontado pelo grau
máximo dos caráteres oral, psicopático, masoquista e fálico-narcisista..
Provavelmente, um contato mais próximo como é o caso de dançar provoque
ciúme em todos os caráteres;
Os orais responderam no grau máximo a 17 perguntas de um total de 25,
significando, muito provavelmente o quanto são ciumentos;
A pesquisa revela um fálico-narcisista ciumento que controla o sentimento,
expressando-o sem a intensidade vivida. Parece ser muito difícil para ele
admitir que a(o) parceira(o) possa deixar de gostar dele, de admirá-lo, de
continuar a ser sua conquista. A expressão na intensidade vivida representaria
admitir uma vulnerabilidade, a castração, coisa difícil para um fálico-narcisista.
Em apenas duas perguntas os orais apresentaram um grau menor que outro
tipo de caráter: Ouvir telefonemas e preferir não ter uma vida social mais
intensa para evitar que o(a) parceiro(a) tenha contatos com outras pessoas. O
primeiro caso aparece como uma surpresa visto que revelaram abrir
correspondências, examinar bolsos, carteiras, roupas, celular, extratos de
cartão de crédito, etc. Talvez ouvir telefonema os coloquem mais em risco de
serem flagrados do que fazer as outras verificações. Quanto ao segundo caso,
evitar uma vida social mais intensa represente a possibilidade de dividir a
atenção, o afeto com outras pessoas que, provavelmente, estarão
representando os irmãos.
22
CONCLUSÕES
O presente estudo teve como objetivo abordar o tema ciúme, focando-o nas
relações amorosas entre duas pessoas que decidiram assumir um
compromisso de estarem juntas, estabelecendo uma relação entre o caráter,
na teoria de Alexander Lowen, e o grau de ciúme sentido, através da
expressão de comportamentos indicativos de ciúme.
O ciúme, enquanto um sentimento de ameaça de perda do objeto amado, é
natural do ser humano. A intensidade do sentimento é que vai variar de pessoa
a pessoa e guarda relação com o caráter de cada uma.
O ciúme desencadeia outros sentimentos que a ele estão ligados como medo,
ansiedade, angústia, raiva, tristeza, inveja, insegurança, entre outros. Isto quer
dizer que o ciúme nunca surge sozinho. Associado a ele assomam outros que
irão constituir a “cadeia de reação” da pessoa com ciúme. As reações podem
ser classificadas em neuróticas (em se tratando de caráter) e psicóticas
(quando a pessoa possui uma estrutura psicótica desenvolvida, como é o caso
da paranóia). O ciúme pode significar um zelo pelo objeto amado até uma
demonstração de insanidade, a depender, é claro, do grau do sentimento e da
reação provocada por ele.
Do ponto de vista teórico, embasamos a hipótese (os orais são mais
ciumentos) na etiologia do caráter oral, onde o abandono da mãe sentido pelo
bebê, provocará uma falta de amor, de carinho, de toque, de aceitação que o
acompanhará durante sua vida adulta. Essa falta inscrita irá provocar
comportamentos de busca de preencher o vazio deixado por essa mãe. O
encontro com uma pessoa por quem sente amor desencadeará uma ilusão de
encontro com um objeto que preencherá o grande vazio que o acompanha.
Assumirá uma atitude de posse exclusiva e qualquer possibilidade de essa
outra pessoa relacionar-se com terceiros poderá ser sentida como uma
ameaça à “estabilidade” conseguida. Surgirá, então o ciúme num grau elevado,
adotando comportamentos indicativos de ciúme.
23
Para testar essa hipótese, procedemos a uma pesquisa de campo, onde
pudemos investigar que comportamentos são adotados, na média das
situações, por pessoas de caráteres diferentes na teoria da Bioenergética.
Estabelecemos uma comparação das reações explicitadas pelos participantes
da pesquisa e concluímos, tendo em vista a metodologia adotada, que,
realmente, os orais apresentam um maior número de comportamentos
indicativos de ciúme e, portanto, são mais ciumentos e sofrem muito mais com
o ciúme do que as pessoas dos outros caráteres.
24
7. BIBLIOGRAFIA
FREUD, Sigmund.Alguns mecanismos Neuróticos no Ciúme, na Paranóia e
no Homossexualismo. Traduzido por Jayme Salomão. Standard Brasileira e
Imago: Rio de Janeiro. 1980.
LOWEN, Alexander. Bioenergética. Traduzido por Maria Silvia mourão Netto.
Summus: São Paulo. 1982.
LOWEN, Alexander. O Corpo em Terapia: a abordagem bioenergética.
Traduzido por Maria Silvia Mourão Netto. Summus: São Paulo. 1977.
REICH, Wilheim. Análise do Caráter. Traduzido por M. Lizette Branco e
Maria Manuela Pecegueiro. Martins Fontes: São Paulo. 1980.
ELSWORTH, F. Baker. O Labirinto Humano – Causas do Bloqueio da
Energia Sexual. Traduzido por Maria Silvia Mourão Netto. Summus: São
Paulo. 1980.
BUSS, David M. A Paixão Perigosa. Traduzido por Myriam Campelo.
Objetiva: Rio de Janeiro. 2000.
SHAKESPEARE, William. Otelo. Traduzido por Beatriz Viegas Faria. L&M
Editores: Porto Alegre. 2001
top related