rondÔnia, um estado de fronteira na amazÔnia … · rondonia, a frontier state of ... rios para a...
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
RONDOcircNIA UM ESTADO DE FRONTEIRA NA AMAZOcircNIA
OCIDENTAL BRASILEIRA FLUXOS MIGRATOacuteRIOS DO PASSADO E A IMIGRACcedilAtildeO HAITIANA NO INIacuteCIO DO SEacuteCULO XXI RONDONIA A FRONTIER STATE OF BRAZILIAN WESTERN
AMAZONIA MIGRATORY FLOWS FROM PAST AND THE
HAITIAN IMMIGRATION IN THE EARLY 21ST CENTURY
Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Geraldo Castro Cotinguiba Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Correspondecircncia
Rua Algodoeiro 4661 Caladinho
Porto Velho ndash Rondocircnia ndash Brasil CEP 76808-252
E-mail mpimentel9gmailcom gcotinguibagmailcom
Resumo
Este artigo tem o objetivo de apresentar um
panorama dos diferentes fluxos migratoacute-
rios para a regiatildeo de fronteira da Amazocirc-
nia ocidental brasileira no estado de Ron-
docircnia e sua formaccedilatildeo colonial A ecircnfase eacute
sobre a recente imigraccedilatildeo de haitianos para
a cidade de Porto Velho Analisamos este
fenocircmeno sob a perspectiva teoacuterica da mi-
graccedilatildeo transnacional que considera que os
indiviacuteduos em mobilidade vivem aleacutem das
fronteiras nacionais e mantecircm intensa liga-
ccedilatildeo com o seu lugar de origem por meio
de redes familiares
Palavras-chave Fronteira fluxos migratoacute-
rios Rondocircnia
Abstract
This article aims to present an overview of
different migration flows to the border area of
Brazilianacutes western Amazon in the state of
Rondocircnia and its colonial formation The
emphasis is on recent immigration of Hai-
tians to the city of Porto Velho We analyze
this phenomenon from the theoretical per-
spective of transnational migration consider-
ing that individuals living in mobility across
borders and maintain strong links with their
place of origin through family networks
Keywords Frontier migration flows Rondocirc-
nia
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 46
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Apresentaccedilatildeo1
Nos uacuteltimos cinco anos o estado de Rondocircnia em diferentes momentos tor-
nou-se objeto de reportagem da grande miacutedia e de alguns trabalhos acadecircmicos em
relaccedilatildeo a novos fluxos migratoacuterios por um lado pelas migraccedilotildees internas motivadas
pela construccedilatildeo de duas grandes hidreleacutetricas no rio Madeira Jirau e Santo Antocircnio
por outro lado pela imigraccedilatildeo haitiana a partir de 2011
Nessa perspectiva nosso intuito eacute apresentar a partir da formaccedilatildeo do estado
um panorama dos diferentes fluxos migratoacuterios ocorridos em Rondocircnia e sobretudo
refletir sobre a recente mobilidade de haitianos para o Brasil especificamente para
Porto Velho tomando-a conceitualmente na perspectiva teoacuterica da migraccedilatildeo trans-
nacional2 a qual toma como referecircncia o contexto em que os indiviacuteduos vivem em
espaccedilos aleacutem das fronteiras nacionais e mantecircm todavia intensa relaccedilatildeo com a ori-
gem por meio de suas redes familiares e ao mesmo tempo influenciam aconteci-
mentos nos paiacuteses de destino
O texto estaacute dividido em duas partes principais quais sejam a primeira
aborda um panorama histoacuterico da formaccedilatildeo do estado de Rondocircnia como uma re-
giatildeo de fronteira e tem como objetivo situar o incremento populacional no acircmbito
das migraccedilotildees internas em diferentes momentos especialmente no contexto da colo-
nizaccedilatildeo dessa territorialidade entre os anos de 1980 e 1990 sem perder de vista a
presenccedila imigrante na construccedilatildeo da Estrada de Ferro Madeira Mamoreacute no final da
primeira deacutecada do seacuteculo XX trazendo agrave luz a recente entrada de migrantes internos
para a construccedilatildeo das duas usinas hidreleacutetricas Jirau e Santo Antocircnio para uma
reflexatildeo sobre esse momento histoacuterico
Jaacute a segunda parte o nosso objetivo eacute situar a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade
de Porto Velho que teve iniacutecio no primeiro trimestre de 2011 Nesta parte apresen-
taremos um panorama dos acontecimentos relacionados a esse grupo de imigrantes
Tambeacutem situaremos a nossa pesquisa e alguns dos resultados alcanccedilados a partir de
nossa vivecircncia de campo a partir dos dados coletados aleacutem de situar a conjuntura
tanto local em relaccedilatildeo a nossa pesquisa quanto nacional sobre os desdobramentos
dessa imigraccedilatildeo
Rondocircnia formaccedilatildeo histoacuterica e as migraccedilotildees em um estado de fronteira
De forma geral podemos dizer que o processo de tomada do territoacuterio que
hoje conhecemos como Rondocircnia ndash agrave eacutepoca ocupado por diversos povos indiacutegenas
1 Parte dos dados deste artigo foi extraiacuteda de um estudo mais amplo a dissertaccedilatildeo de mestrado de
Geraldo C Cotinguiba Aqui foram feitas algumas modificaccedilotildees e incorporadas outras informaccedilotildees
complementares
2 FOURON Georges E SCHILLER Nina Glick Georges woke up laughing long-distance nation-
alism and the search for home New York Duke University Press 2001
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ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido
localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-
ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo
republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os
jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-
tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-
nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale
do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-
gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas
A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque
eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de
vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-
deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-
dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em
vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre
Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar
que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram
resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado
de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis
em 1903
O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-
vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o
Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o
Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de
dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao
Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de
3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja
dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade
satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de
capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra
4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-
160 juldez de 2010
5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em
httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012
6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores
arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado
brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas
Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu
Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste
7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008
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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a
nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira
Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-
beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado
como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia
A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-
daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees
opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um
mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento
histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-
levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a
construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-
ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos
num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez
com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-
anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9
Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos
no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo
que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais
deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou
para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-
dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral
pelos sobrenomes10
Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-
res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro
9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em
httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014
10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham
de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-
grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-
VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs
identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12
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Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse
de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11
Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar
Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se
confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo
colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda
deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente
entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores
sem-terra e os povos indiacutegenas
Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse
processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como
no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente
fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral
o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida
atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade
humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo
detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo
Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente
o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12
Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13
de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas
que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar
Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal
Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado
o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o
Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979
assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima
segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira
11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70
12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
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TA
L E
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Apresentaccedilatildeo1
Nos uacuteltimos cinco anos o estado de Rondocircnia em diferentes momentos tor-
nou-se objeto de reportagem da grande miacutedia e de alguns trabalhos acadecircmicos em
relaccedilatildeo a novos fluxos migratoacuterios por um lado pelas migraccedilotildees internas motivadas
pela construccedilatildeo de duas grandes hidreleacutetricas no rio Madeira Jirau e Santo Antocircnio
por outro lado pela imigraccedilatildeo haitiana a partir de 2011
Nessa perspectiva nosso intuito eacute apresentar a partir da formaccedilatildeo do estado
um panorama dos diferentes fluxos migratoacuterios ocorridos em Rondocircnia e sobretudo
refletir sobre a recente mobilidade de haitianos para o Brasil especificamente para
Porto Velho tomando-a conceitualmente na perspectiva teoacuterica da migraccedilatildeo trans-
nacional2 a qual toma como referecircncia o contexto em que os indiviacuteduos vivem em
espaccedilos aleacutem das fronteiras nacionais e mantecircm todavia intensa relaccedilatildeo com a ori-
gem por meio de suas redes familiares e ao mesmo tempo influenciam aconteci-
mentos nos paiacuteses de destino
O texto estaacute dividido em duas partes principais quais sejam a primeira
aborda um panorama histoacuterico da formaccedilatildeo do estado de Rondocircnia como uma re-
giatildeo de fronteira e tem como objetivo situar o incremento populacional no acircmbito
das migraccedilotildees internas em diferentes momentos especialmente no contexto da colo-
nizaccedilatildeo dessa territorialidade entre os anos de 1980 e 1990 sem perder de vista a
presenccedila imigrante na construccedilatildeo da Estrada de Ferro Madeira Mamoreacute no final da
primeira deacutecada do seacuteculo XX trazendo agrave luz a recente entrada de migrantes internos
para a construccedilatildeo das duas usinas hidreleacutetricas Jirau e Santo Antocircnio para uma
reflexatildeo sobre esse momento histoacuterico
Jaacute a segunda parte o nosso objetivo eacute situar a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade
de Porto Velho que teve iniacutecio no primeiro trimestre de 2011 Nesta parte apresen-
taremos um panorama dos acontecimentos relacionados a esse grupo de imigrantes
Tambeacutem situaremos a nossa pesquisa e alguns dos resultados alcanccedilados a partir de
nossa vivecircncia de campo a partir dos dados coletados aleacutem de situar a conjuntura
tanto local em relaccedilatildeo a nossa pesquisa quanto nacional sobre os desdobramentos
dessa imigraccedilatildeo
Rondocircnia formaccedilatildeo histoacuterica e as migraccedilotildees em um estado de fronteira
De forma geral podemos dizer que o processo de tomada do territoacuterio que
hoje conhecemos como Rondocircnia ndash agrave eacutepoca ocupado por diversos povos indiacutegenas
1 Parte dos dados deste artigo foi extraiacuteda de um estudo mais amplo a dissertaccedilatildeo de mestrado de
Geraldo C Cotinguiba Aqui foram feitas algumas modificaccedilotildees e incorporadas outras informaccedilotildees
complementares
2 FOURON Georges E SCHILLER Nina Glick Georges woke up laughing long-distance nation-
alism and the search for home New York Duke University Press 2001
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ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido
localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-
ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo
republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os
jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-
tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-
nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale
do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-
gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas
A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque
eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de
vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-
deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-
dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em
vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre
Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar
que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram
resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado
de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis
em 1903
O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-
vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o
Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o
Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de
dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao
Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de
3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja
dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade
satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de
capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra
4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-
160 juldez de 2010
5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em
httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012
6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores
arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado
brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas
Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu
Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste
7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008
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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a
nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira
Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-
beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado
como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia
A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-
daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees
opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um
mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento
histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-
levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a
construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-
ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos
num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez
com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-
anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9
Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos
no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo
que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais
deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou
para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-
dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral
pelos sobrenomes10
Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-
res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro
9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em
httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014
10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham
de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-
grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-
VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs
identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12
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Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse
de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11
Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar
Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se
confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo
colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda
deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente
entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores
sem-terra e os povos indiacutegenas
Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse
processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como
no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente
fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral
o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida
atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade
humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo
detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo
Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente
o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12
Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13
de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas
que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar
Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal
Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado
o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o
Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979
assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima
segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira
11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70
12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 56
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
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23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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ndash ocorreu de diferentes maneiras desde o seacuteculo XVII Esse processo eacute conhecido
localmente como ciclos3 econocircmicos Assim esses ciclos satildeo divididos em fases di-
ferentes uma no periacuteodo colonial outra no periacuteodo imperial e as demais no periacuteodo
republicano Na eacutepoca da colocircnia trecircs grupos principais foram os protagonistas os
jesuiacutetas os bandeirantes e os negros escravizados Os jesuiacutetas com o objetivo de ca-
tequizaccedilatildeo os bandeirantes pela busca por mineacuterios preciosos e a captura de indiacutege-
nas para tornaacute-los escravos4 os negros no processo de exploraccedilatildeo mineral no Vale
do Guaporeacute no seacuteculo XVIII5 O negro e o iacutendio contudo foram mantidos agrave mar-
gem da histoacuteria e sua histoacuteria soacute passou a ser registrada nas uacuteltimas deacutecadas
A fase imperial se confunde com a transiccedilatildeo para a republicana e o destaque
eacute sobre a descoberta da utilizaccedilatildeo do laacutetex extraiacutedo da seringueira6 para processos de
vulcanizaccedilatildeo a borracha ldquoO vale amazocircnico de forma geral e os vales do rio Ma-
deira e Guaporeacute-Mamoreacute do atual territoacuterio rondoniense foram rapidamente inseri-
dos nessa nova perspectiva econocircmicardquo7 O ciclo da borracha foi determinante em
vaacuterios sentidos como o povoamento colonizador e a demarcaccedilatildeo territorial entre
Brasil e Boliacutevia para a delimitaccedilatildeo das fronteiras entre os dois paiacuteses Vale ressaltar
que a regiatildeo foi motivo de litiacutegio e conflito entre Espanha e Portugal que soacute foram
resolvidos por Brasil e Boliacutevia entre a segunda metade do seacuteculo XIX com o Tratado
de Ayacucho de 1867 e selado no iniacutecio do seacuteculo XX com o Tratado de Petroacutepolis
em 1903
O objetivo desse uacuteltimo Tratado era cessar o conflito entre brasileiros e boli-
vianos Os brasileiros exploravam seringais em territoacuterio pertencente agrave Boliacutevia o
Aquiri hoje o estado do Acre De acordo com Manoel Rodrigues Ferreira8 com o
Tratado o Brasil se comprometeu em pagar duas indenizaccedilotildees uma agrave Boliacutevia de
dois milhotildees de Libras Esterlinas e a outra de cento e dez mil Libras Esterlinas ao
Bolivian Syndicate pela posse do territoacuterio e construir uma ferrovia a Estrada de
3 Utilizamos a terminologia ldquociclordquo no entanto natildeo queremos com isso dizer que a regiatildeo seja
dependente desses momentos pois a economia assim como os demais aspectos de uma sociedade
satildeo dinacircmicos Esses ldquociclosrdquo significam momentos em que a regiatildeo dinamizou um montante de
capital maior que o que regularmente sua histoacuteria econocircmica registra
4 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado da colocircnia ao golpe de 1964 ACTA Geograacutefica Boa Vista v 4 n 8 p 143-
160 juldez de 2010
5 FONSECA Dante R da MORATTO Juliana TEIXEIRA Marco Antocircnio D A presenccedila negra em Rondocircnia as estruturas do povoamento Disponiacutevel em
httpwwwgepiaaunirbrindexphp123articleviewFile1510 Acesso em 15 jul 2012
6 Para extraccedilatildeo do laacutetex na Amazocircnia duas categorias foram recrutadas o civil trabalhadores
arregimentados pelos seringalistas e o ldquosoldado da borrachardquo os quais foram recrutados pelo Estado
brasileiro num processo de seleccedilatildeo semelhante ao recrutamento de soldados para as Forccedilas Armadas
Sobre os ldquosoldados da borrachardquo ver por exemplo SECRETO Mariacutea Veroacutenica Soldados da Borra-cha trabalhadores entre o sertatildeo e a Amazocircnia no governo Vargas Satildeo Paulo Fundaccedilatildeo Perseu
Abramo 2007 O recrutamento se deu majoritariamente na regiatildeo Nordeste
7 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
8 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo 10 ed Satildeo Paulo Melhoramentos 2008
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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a
nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira
Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-
beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado
como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia
A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-
daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees
opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um
mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento
histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-
levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a
construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-
ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos
num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez
com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-
anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9
Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos
no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo
que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais
deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou
para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-
dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral
pelos sobrenomes10
Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-
res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro
9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em
httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014
10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham
de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-
grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-
VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs
identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12
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Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse
de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11
Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar
Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se
confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo
colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda
deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente
entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores
sem-terra e os povos indiacutegenas
Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse
processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como
no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente
fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral
o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida
atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade
humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo
detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo
Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente
o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12
Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13
de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas
que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar
Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal
Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado
o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o
Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979
assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima
segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira
11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70
12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
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23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Ferro Madeira Mamoreacute ndash a EFMM ndash desde a fronteira entre os dois paiacuteses ateacute a
nascente cidade de Porto Velho distante 366 km para escoar a produccedilatildeo seringueira
Com a construccedilatildeo da EFMM iniciada em 1907 e finalizada em 1912 a regiatildeo rece-
beu milhares de trabalhadores nacionais e internacionais o que pode ser considerado
como o primeiro ciclo de imigraccedilatildeo intensa da histoacuteria de Rondocircnia
A construccedilatildeo da Ferrovia eacute tida localmente como um dos siacutembolos da fun-
daccedilatildeo de Rondocircnia A EFMM mesmo marcada por uma gama de contradiccedilotildees
opera no plano da representaccedilatildeo coletiva como um mito fundador ou mesmo um
mito de origem que liga o antes o agora e o porvir Nesse sentido esse momento
histoacuterico tem lugar central na histoacuteria da regiatildeo e eacute tambeacutem um acontecimento re-
levante para a histoacuteria nacional Do ponto de vista da mobilidade humana para a
construccedilatildeo da EFMM foi necessaacuterio arregimentar milhares de trabalhadores que fo-
ram deslocados para a regiatildeo onde muitos morreram ao longo de quase seis anos
num episoacutedio considerado desastroso econocircmica e humanamente Esse desastre fez
com que a Ferrovia ficasse conhecida como ldquoFerrovia do Diabordquo10
A Estrada de Ferro Madeira-Mamoreacute atraiu vaacuterios contingentes mi-gratoacuterios destinados ao trabalho nas obras da ferrovia nos setores teacutecnicos e administrativos da empresa construtora com seus diver-sos ramos de exploraccedilatildeo comercializaccedilatildeo e serviccedilos e ao comeacutercio que se formava ao redor Nesta fase de imigraccedilotildees instalaram-se em terras rondonienses (notadamente nos nuacutecleos urbanos de Porto Ve-lho Jacy-Paranaacute Mutum-Paranaacute Abunatilde Guajaraacute-Mirim e Costa Marques) turcos siacuterios judeus gregos libaneses italianos bolivi-
anos indianos cubanos panamenhos porto-riquenhos italianos barbadianos tobaguenses jamaicanos9
Apesar da diversidade de nacionalidades esses imigrantes ficaram conhecidos
no imaginaacuterio local como barbadianos talvez por terem sido pessoas desse grupo
que permaneceram na cidade apoacutes a construccedilatildeo da ferrovia A maioria dos demais
deixou a regiatildeo retornando aos paiacuteses de origem ou partindo para outros paiacuteses ou
para outras regiotildees do Brasil Na contemporaneidade ainda se encontram os descen-
dentes das famiacutelias que ficaram em Porto Velho os quais satildeo identificados em geral
pelos sobrenomes10
Por barbadianos ficaram conhecidos genericamente os trabalhado-
res caribenhos recrutados para a construccedilatildeo da Estrada de Ferro
9 Relatoacuterio elaborado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministeacuterio do
Desenvolvimento Agraacuterio Governo Federal 2007 p 11 Disponiacutevel em
httpsitmdagovbrdownloadptdrsptdrs_territorio029pdf Aceso 25 nov 2014
10 Os barbadianos como apontado por Cledenice Blackman eram falantes da liacutengua inglesa e vinham
de uma colocircnia inglesa Barbados uma das ilhas do Caribe Cf BLACKMAN Cledenice Os imi-
grantes antilhanos de Porto Velho In CAMPOS A P GIL A C A SILVA G V da BENTI-
VOGLIO J C NADER M B (Orgs) Anais eletrocircnicos do III Congresso Internacional UfesUni-versiteacute Paris-EstUniversidade do Minho territoacuterios poderes identidades (Territoires pouvoirs
identiteacutes) Vitoacuteria GM Editora 2011 p 1-12
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Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse
de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11
Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar
Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se
confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo
colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda
deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente
entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores
sem-terra e os povos indiacutegenas
Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse
processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como
no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente
fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral
o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida
atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade
humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo
detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo
Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente
o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12
Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13
de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas
que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar
Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal
Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado
o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o
Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979
assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima
segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira
11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70
12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
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23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Madeira-Mamoreacute Cabe aqui alertar que embora grande parte viesse
de Barbados tambeacutem vieram trabalhadores de Granada Santa Luacute-cia entre outras ilhas do Caribe11
Se a EFMM eacute um marco inicial do processo colonizador do que veio se tornar
Porto Velho o que agora se chama Rondocircnia eacute fruto de um longo processo que se
confunde como apontamos acima com a proacutepria histoacuteria brasileira desde o periacuteodo
colonial A conquista pelo territoacuterio ainda se encontra em curso no iniacutecio da segunda
deacutecada do seacuteculo XXI e conserva em seu interior a marca do conflito principalmente
entre os latifundiaacuterios madeireiros mineradores e garimpeiros contra os agricultores
sem-terra e os povos indiacutegenas
Ainda em relaccedilatildeo aos referidos ciclos outros se inserem e na esteira desse
processo de tomada territorial houve o incremento da populaccedilatildeo natildeo indiacutegena como
no ciclo do ouro dos mineacuterios da borracha da agropecuaacuteria e mais recentemente
fala-se em ciclo energeacutetico ou das hidreleacutetricas Essas leituras privilegiam em geral
o aspecto econocircmico ndash o que natildeo deixa de ser o principal motivo ndash e natildeo datildeo a devida
atenccedilatildeo aos desdobramentos dos processos migratoacuterios As pistas sobre a mobilidade
humana estatildeo presentes em todos os trabalhos entretanto eacute necessaacuteria uma reflexatildeo
detida para que se possa pensar sua dinacircmica ao longo do tempo
Foi nesta mesma base de formaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro e ama-zocircnico que ocorreu tambeacutem a formaccedilatildeo do atual territoacuterio rondo-niense As terras que constituem o atual estado de Rondocircnia foram primeiramente tomadas ao iacutendio por seringalistas Posteriormente
o proacuteprio Estado e o capital expropriaram natildeo somente o iacutendio como tambeacutem o garimpeiro o posseiro o seringueiro o ribeirinho entre vaacuterios outros As terras do estado permaneceram historica-mente sob o controle de uma oligarquia regional12
Politicamente o estado de Rondocircnia13 eacute fruto do Decreto-Lei nordm 5812 de 13
de setembro de 1943 assinado pelo entatildeo presidente da Repuacuteblica Getuacutelio Vargas
que criou o Territoacuterio do Guaporeacute Em 17 de fevereiro de 1956 passou a se chamar
Territoacuterio Federal de Rondocircnia em homenagem ao sertanista e positivista Marechal
Cacircndido Mariano da Silva Rondon (1865-1958) Em dezembro de 1981 foi aprovado
o projeto de transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado e em 04 de janeiro de 1982 o
Coronel do Exeacutercito Jorge Teixeira de Oliveira que governava a regiatildeo desde 1979
assumiu como o primeiro governador do estado que naquela eacutepoca era a vigeacutesima
segunda unidade da Federaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira
11 MENEZES Nilza Gecircnero e religiosidade na comunidade caribenha de Rondocircnia Revista Mandraacutegora n 16 vol 16 2010 p 70
12 PESSOcircA Vera Luacutecia S SOUZA Murilo M O de O processo de formaccedilatildeo do territoacuterio
rondoniense revisitado Op cit
13 Fonte httpwwwibgegovbrestadosatperfilphpsigla=ro Acesso em 22 nov 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 54
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 62
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
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56
17 15 18 20
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Formado por uma aacuterea geograacutefica 236576167 quilocircmetros quadrados Ron-
docircnia estaacute localizado politicamente na regiatildeo norte do Brasil e congrega uma popu-
laccedilatildeo segundo o IBGE de 1728214 pessoas Seu territoacuterio estaacute na Amazocircnia Oci-
dental brasileira e suas fronteiras satildeo ao sul e oeste com a Boliacutevia a leste com o estado
do Mato Grosso ao norte com o Amazonas e ao Oeste tambeacutem com o estado do
Acre Sua divisatildeo poliacutetica compreende um total de 52 municiacutepios pelos quais estatildeo
diferentes grupos eacutetnicos e culturais que expressam uma variedade linguiacutestica espe-
cialmente em relaccedilatildeo aos povos que habitam a regiatildeo haacute milhares de anos A con-
quista desse territoacuterio se deu por meio de um brutal genociacutedio contra os povos indiacute-
genas habitantes da regiatildeo ao longo do processo colonizador desde os portugueses
ateacute o presente Na contemporaneidade haacute cerca de onze mil indiacutegenas distribuiacutedos
em 13 territoacuterios com suas cosmovisotildees diversificadas entre si
Rondocircnia eacute fruto de uma das mais recentes conquistas da antiga marcha civi-
lizatoacuteria dos Bandeirantes rumo ao Oeste assim como da saga dos jesuiacutetas com seu
discurso de salvaccedilatildeo da alma dos selvagens por meio da conversatildeo ao cristianismo
Por outro lado a histoacuteria recente aponta que a conquista soacute se efetivou com a colo-
nizaccedilatildeo da expansatildeo agraacuteria de povos vindos do sul do Brasil no seacuteculo XX Todo o
processo eacute marcado pela invasatildeo de terras antes habitadas pela captura subjugaccedilatildeo
e dizimaccedilatildeo da maior parte de sua populaccedilatildeo e definitivamente pela tomada do
territoacuterio para a exploraccedilatildeo dos recursos naturais sejam de madeira de mineacuterio da
pecuaacuteria ou da agricultura em larga escala
Dois grupos protagonistas envolvidos foram negligenciados e silenciados di-
ante da noccedilatildeo de civilizaccedilatildeo os indiacutegenas e os negros enquanto o missionaacuterio e
principalmente o Bandeirante satildeo tratados como heroacuteis civilizadores14 As investi-
das da elite letrada foram ao longo do tempo na poesia e na histoacuteria locais retra-
tando a realidade de forma idiacutelica e numa tentativa de homogeneizaccedilatildeo social Den-
tre os representantes dessa elite letrada estaacute o padre Vitor Hugo reivindicando o pro-
cesso civilizacional da regiatildeo pelos jesuiacutetas que a seu tempo teve a obra continuada
pelos salesianos
Outros reivindicaram para si o papel de colonizador da regiatildeo o que na visatildeo
de Manoel Rodrigues Ferreira15 teria sido a construccedilatildeo da EFMM o aacutepice dessa em-
preitada Cada um falou de acordo com o seu lugar ocupado num dado momento da
histoacuteria A disputa travada pela busca de um locus privilegiado pela elite local teve
como objetivo a tentativa de construccedilatildeo de um pensamento local em prol de uma
cultura homogecircnea o que se mostrou um projeto frustrado ldquoRondocircnia se tornou
uma terra de migrantes e a convivecircncia de inuacutemeros traccedilos culturais eacute a sua realidade
14 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Tese (Doutorado) ndash
Faculdade de Ciecircncias e Letras de Assis ndash UNESP Assis 2011
15 FERREIRA Manoel R A ferrovia do diabo Op cit
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
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23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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mas agraves vezes isso natildeo se daacute de forma tatildeo harmocircnica como se idealizardquo16 Essa har-
monia idealizada estaacute em conflito com os excluiacutedos que satildeo as diversas etnias indiacute-
genas e os negros que marcam presenccedila fiacutesica com seus remanescentes eacutetnicos e
quilombolas em diferentes lugares da regiatildeo
Outro siacutembolo que estaacute relacionado com a formaccedilatildeo de Rondocircnia eacute a rodovia
federal que atravessa o estado desde a divisa com o Mato Grosso ateacute a fronteira com
o Acre ao longo da qual os migrantes internos se instalaram e fundaram vaacuterias cida-
des Construiacuteda praticamente no curso das linhas telegraacuteficas instaladas pela equipe
do Marechal Rondon e da BR-29 no governo JK a BR-364 abriu caminho para a
colonizaccedilatildeo da regiatildeo No periacuteodo da ditadura militar (1964-1985) especialmente na
deacutecada de 1970 houve a ldquodoaccedilatildeordquo de terra para as pessoas que quisessem ocupar a
regiatildeo imortalizando diversos conflitos entre a populaccedilatildeo jaacute estabelecida os indiacutege-
nas e os ldquoinvasores brancosrdquo Com a transformaccedilatildeo do Territoacuterio em estado a mi-
graccedilatildeo de colonizaccedilatildeo intensificou-se no periacuteodo da ditadura militar sob o lema de
ldquouma terra sem homens para homens sem-terrardquo
Antes da construccedilatildeo da BR-364 a regiatildeo mantinha comunicaccedilatildeo mais estreita
com Manaus por meio de hidrovias pelos rios Madeira e Amazonas Isso se dava
devido agrave impossibilidade de tracircnsito por vias terrestres com a regiatildeo sudeste e centro-
oeste A BR-364 possibilitou a interligaccedilatildeo com o sul centro-oeste e sudeste e como
isso teve iniacutecio o fluxo migratoacuterio do Rio Grande do Sul Paranaacute e Satildeo Paulo ma-
joritariamente aleacutem de Espiacuterito Santo Minas Gerais Cearaacute e Paraiacuteba Era uma co-
lonizaccedilatildeo natildeo mais do Brasil seiscentista ou setecentista a mando da coroa portu-
guesa mas de final do seacuteculo XX no periacuteodo republicano brasileiro Esses migrantes
nacionais colonizadores passaram a reivindicar para si mesmos a identidade de pio-
neiros formadores do estado Pioneiro eacute nesse sentido o colono que chegou derru-
bou a floresta expulsou o iacutendio fundou vilas ndash que mais tarde se tornaram as cidades
ndash ao lado da BR-364 e demarcou o territoacuterio
Na deacutecada de 1970 e 1980 ainda ocorreram outros fluxos migratoacuterios que natildeo
os de colonizaccedilatildeo Se aos pioneiros a moeda de troca ofertada era a terra ldquodoadardquo
pelo governo federal para os demais os motivos eram o trabalho na capital em seg-
mentos como comeacutercio sauacutede estatuaacuterio educaccedilatildeo e a esperanccedila de muitos de rea-
lizar o sonho de encontrar o eldorado nos garimpos que proliferaram nos rios da
regiatildeo como o Madeira Diversos foram os grupos de migrantes de diferentes lugares
que chegaram agrave regiatildeo como o caso dos ocircnibus traziam professores de estados do
Nordeste sobressaindo o da Paraiacuteba Pela relativa e recente formaccedilatildeo social e poliacute-
tica de Rondocircnia nos moldes do Estado brasileiro pode-se dizer que eacute um estado
formado por migrantes em sua maioria variando as origens os motivos pelos quais
migraram e o momento histoacuterico
A questatildeo migratoacuteria ainda eacute um tema a ser estudado em profundidade e dis-
cutido em vaacuterios sentidos quais sejam os conflitos eacutetnicos questotildees linguiacutesticas de
16 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit
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ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
L E
NT
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VIS
TA
DO
S -
23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 64
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
ordem poliacutetica domiacutenio da terra dentre outros aspectos A histoacuteria da formaccedilatildeo do
estado de Rondocircnia eacute uma histoacuteria que se confunde com diferentes movimentos mi-
gratoacuterios para a regiatildeo desde o periacuteodo da criaccedilatildeo do Territoacuterio passando pela for-
maccedilatildeo poliacutetica do estado ateacute a as primeiras deacutecadas do seacuteculo XXI Ao que tudo
indica esse eacute um processo que natildeo se encerrou e natildeo daacute mostras de que se encerraraacute
tatildeo cedo pois se encontra pujante
Tabela 1 Crescimento populacional de Rondocircnia entre 1950 e 2005
POPULACcedilAtildeO DO ESTADO DE RONDOcircNIA
Ano Habitantes
1950 36935
1960 70783
1970 111064
1980 491069
1991 1130874
2000 1377792
2005 1534594
2010 1562409
2013 1728214 (estimativa do IBGE)
2014 1748531(estimativa do IBGE)
2015 1768204 (estimativa do IBGE)
Fonte Valdir Aparecido de Souza Rondocircnia uma memoacuteria em disputa17
Na contemporaneidade sobretudo a partir de 2010 o estado de Rondocircnia
passou a receber mais um fluxo migratoacuterio especialmente para a capital do estado
Porto Velho com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas na calha do rio Madera A pri-
meira eacute a usina de Santo Antocircnio distante cerca 8 km da cidade e a segunda eacute a usina
de Jirau situada aproximadamente 120 km do centro da cidade no distrito de Jaci-
Paranaacute Rondocircnia vem registrando no seacuteculo XXI de acordo com dados do IBGE
um aumento consideraacutevel de sua populaccedilatildeo Em 2000 o contingente populacional
era de 1379787 passando em uma deacutecada para 1562409 quando o Censo de 2010
registrou um aumento de 182622 pessoas O ritmo de crescimento populacional foi
maior entre 2010 e 2013 quando no espaccedilo de quatro anos a populaccedilatildeo somou
1728214 com um aumento de 165805 habitantes nesse periacuteodo
Em relaccedilatildeo ao ciclo energeacutetico natildeo encontramos estudos sobre o desloca-
mento de milhares de trabalhadores para a regiatildeo no periacuteodo que compreende o iniacute-
cio da construccedilatildeo das hidreleacutetricas refletindo uma constante em relaccedilatildeo ao estado
em geral A questatildeo migratoacuteria natildeo tem sido tema de destaque de pesquisadores lo-
cais o que demonstra que haacute todo um trabalho ainda a ser realizado A partir de
17 SOUZA Valdir Aparecido de Rondocircnia uma memoacuteria em disputa Op cit p 22
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
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L E
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23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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2010 estimamos que tenham chegado mais de 50000 pessoas em Porto Velho mo-
tivadas pela construccedilatildeo das hidreleacutetricas entre trabalhadores seus familiares e em-
presaacuterios em busca de oportunidades de negoacutecio
Tabela 2 Crescimento populacional da cidade de Porto Velho entre 1950 e 2010
POPULACcedilAtildeO DA CIDADE DE PORTO VELHO
Ano Habitantes
1950 27244
1960 51049
1970 88856
1980 138289
1991 286471
2000 334585
2010 428527
2013 484992 (estimativa do IBGE)
2015 502748 (estimativa do IBGE)
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE18
Na capital assistiu-se a um crescimento diferenciado de 334661 em 2000
para 410520 em 201019 A estimativa para 2013 segundo o IBGE era de 484992 o
que representaria um aumento de 74472 pessoas o que se confirmado um incre-
mento proacuteximo de aproximadamente 181 Esse fluxo migratoacuterio tem suas origens
a partir de setembro de 2008 com o iniacutecio das obras da hidreleacutetrica de Santo Antocirc-
nio20 o que se intensificou com os trabalhadores migrantes contratados em outras
regiotildees do Brasil os chamados ldquobarrageirosrdquo que trabalham apenas por um periacuteodo
e ao teacutermino da obra do contrato ou por outras circunstacircncias migram para outras
regiotildees contudo muitos permanecem Devemos levar em consideraccedilatildeo ainda que
muitos desses trabalhadores satildeo acompanhados pelas suas famiacutelias
18 Conferir em httpwwwcenso2010ibgegovbrsinopseindexphpdados=6ampuf=00 e
httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=ampcodmun=110020ampsearch=rondonia|port
o-velho|infograficos-informacoes-completas (Estimativa 2013) Acesso em 22 nov 2015
19 Alguns estudos jaacute foram realizados como as pesquisas coordenadas pela professora Liacutelian Moser
da UNIR na regiatildeo sul do estado sobre assentamento de algumas famiacutelias como em Ouro Preto
dacuteOeste Um desses estudos recentes eacute a dissertaccedilatildeo defendida junto ao Mestrado em Histoacuteria e
Estudos Culturais da UNIR pelo historiador Eduardo Ernesto sobre a colonizaccedilatildeo no sul de
Rondocircnia Outro passo foi dado no final de 2013 quando foi aprovado na mesma universidade o
Grupo de Pesquisa Migraccedilotildees Memoacuteria e Cultura na Amazocircnia Brasileira o MIMCAB coordenado
pelos autores deste artigo O objetivo desse grupo eacute realizar um mapeamento multidisciplinar sobre
os movimentos migratoacuterios no estado
20 O vencimento do leilatildeo para a construccedilatildeo da usina foi em dezembro de 2007 Fonte
httpwwwodebrechtenergiacombrpt-brquem-somoslinha-do-tempo Acesso em 22 nov
2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Graacutefico 1 Aspectos comparativos do crescimento da populaccedilatildeo do estado de
Rondocircnia e de sua Capital Porto Velho entre os anos de 1950 e 2015
Fonte Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica ndash IBGE Natildeo encontramos os nuacutemeros para Porto Velho
para o ano de 2014
Joseacute Alves e Antocircnio Thomaz Juacutenior ao analisarem aspectos da migraccedilatildeo do
trabalho para a construccedilatildeo das hidreleacutetricas do rio Madeira fazem um breve compa-
rativo entre esse processo e o da construccedilatildeo da usina de Itaipu no tocante ao quan-
titativo de trabalhadores e comentam que ldquoo contingente de matildeo-de-obra em Itaipu
no aacutepice de sua construccedilatildeo foi de cerca de 40 mil trabalhadores nuacutemero equivalente
as UHEs de Santo Antocircnio e Jiraurdquo E mais adiante apontam a relaccedilatildeo entre a
construccedilatildeo das usinas e a migraccedilatildeo para trabalho
Soacute em 2008 quando foi emitida a Licenccedila de Instalaccedilatildeo do canteiro de obras consta-se um aumento populacional de 205 mil pessoas o que mostra o forte incremento populacional no municiacutepio em de-correcircncia dos empreendimentos barrageiros Esse fluxo migratoacuterio necessariamente natildeo ocorre somente com a matildeo-de-obra direta para os AHEs de Jirau e Santo Antocircnio pois as notiacutecias dos empreendi-mentos barrageiros jaacute permitem uma atraccedilatildeo de pessoas e capitais em busca de trabalho renda e lucro21
21 ALVES Joseacute THOMAZ JUacuteNIOR Antocircnio A migraccedilatildeo do trabalho para o complexo hidreleacutetrico
madeira In XIII Jornada do trabalho A irreformabilidade do capital e os conflitos territoriais no
36935
70783
111064
491069
1130874
1377792
1562409
1728214
1748531
1768204
27244
51049
88856
138289
286471
334585
428527
484992
502748
0 200000 400000 600000 800000 100000012000001400000160000018000002000000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
2013
2014
2015
Populaccedilatildeo de Rondocircnia e Porto Velho -Comparaccedilatildeo
Porto Velho Rondocircnia
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
L E
NT
RE
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TA
DO
S -
23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Para uma cidade de meacutedio porte como Porto Velho o ciclo econocircmico ener-
geacutetico agravou alguns problemas jaacute existentes como a fragilidade e a limitaccedilatildeo dos
serviccedilos puacuteblicos em sauacutede o tracircnsito moradia dentre outros Nesse movimento de
realizaccedilatildeo de duas obras de grande porte permeadas pelo discurso do progresso ndash e
amparada pela poliacutetica de aceleraccedilatildeo de crescimento do governo federal ndash muitas
pessoas buscaram a regiatildeo para trabalho e negoacutecios e nesse fluxo os haitianos apa-
recem como uma categoria diferenciada imigrante Esse fluxo migratoacuterio para a ca-
pital rondoniense eacute historicamente o segundo de um paiacutes do Caribe para a regiatildeo e
o fator motivador mais uma vez eacute o trabalho Nesse sentido discutiremos a partir
deste ponto a imigraccedilatildeo haitiana para a cidade de Porto Velho sobretudo por se
tratar de uma dinacircmica que temos acompanhado desde a chegada dos primeiros gru-
pos agrave cidade no primeiro trimestre de 2011
Como apontamos anteriormente a migraccedilatildeo interna e a imigraccedilatildeo na forma-
ccedilatildeo de Rondocircnia estatildeo relacionadas com a formaccedilatildeo desse estado como relaciona-
mos a entrada no passado de migrantes nacionais e de imigrantes quando da cons-
truccedilatildeo da EFMM Ao longo da formaccedilatildeo do estado os fluxos migratoacuterios mantive-
ram uma constante e pode-se afirmar que Rondocircnia eacute um estado formado por mi-
grantes Na contemporaneidade a constante se manteacutem tanto pela presenccedila de mi-
grantes internos para a construccedilatildeo das usinas hidreleacutetricas quanto com a imigraccedilatildeo
especialmente a haitiana desde o iniacutecio de 2011 No entanto natildeo eacute soacute a nacionali-
dade haitiana que se faz presente no estado De acordo com nossa experiecircncia de
campo e a partir de diaacutelogos com organizaccedilotildees da Sociedade Civil outras nacionali-
dades como peruana boliviana cubana residem nesta regiatildeo da Amazocircnia ocidental
brasileira contudo natildeo dispomos de estudos sobre a presenccedila desses outros imigran-
tes e dessa maneira nosso objetivo nesta parte do texto eacute discutir aspectos gerais da
presenccedila haitiana em Porto Velho
Ao longo de nossa pesquisa sobre a imigraccedilatildeo haitiana ainda em 2011 en-
tramos em contato tambeacutem com cidadatildeos de outras nacionalidades como colom-
bianos estadunidenses guianense inglecircs dominicano e irlandecircs e tivemos a convic-
ccedilatildeo de que a regiatildeo figura tanto como um ponto de passagem quanto de residecircncia
para imigrantes Uma das razotildees para isso ndash e natildeo a uacutenica ndash eacute fato de Porto Velho ser
uma cidade que estaacute no circuito de fronteiras nacionais Primeiro fisicamente como
se verifica em seus limites com a Boliacutevia especialmente no ponto de cruzamento da
rodovia federal BR-364 ao cruzar com o rio Madeira em seu encontro com o rio
Abunatilde Esta rodovia por sua vez eacute a uacutenica saiacuteda terrestre para as regiotildees Centro-
Oeste Nordeste Sudeste Sul e parte do Norte
Em segundo lugar para quem parte de Rio Branco capital acriana Porto Ve-
lho eacute a primeira cidade de acesso via terrestre No caso da imigraccedilatildeo seis cidades
limiar do seacuteculo XXI Os novos desafios da geografia do trabalho Presidente Prudente CEGeT e
UNESP 2012 p 8
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
L E
NT
RE
VIS
TA
DO
S -
23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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gecircmeas dinamizam o fluxo de pessoas entre Brasil Boliacutevia e Peru nas regiotildees de
fronteira Guajaraacute-Mirim e Guayaramerin separadas pelo rio Mamoreacute em Rondocirc-
nia entre Brasil e Boliacutevia As demais satildeo Brasileia e Cobija entre Brasil e Boliacutevia
ligadas por uma ponte sobre o rio Acre e tambeacutem Assis Brasil e Intildeapari entre Brasil
e Peru tambeacutem ligadas por um ponto sobre o rio Acre Essas duas cidades brasileiras
ficam no estado do Acre e se tornaram um dos principais pontos de entrada de imi-
grantes no Brasil desde 2010 Em janeiro de 2014 por exemplo quando estivemos
nessa regiatildeo a informaccedilatildeo fornecida por um funcionaacuterio do governo do Acre foi de
que ateacute o dia 15 daquele mecircs haviam passado 18 mil e somadas agraves demais nacio-
nalidades relacionadas como senegalesa bengali dominicana sul-africana congo-
lesa nigeriana dentre outras somavam-se 18 no total
A presenccedila haitiana em Porto Velho
A chegada do primeiro grupo de 06 haitianos a Porto Velho ocorreu no dia
06 de fevereiro de 2011 contudo foi com a chegada de outro grupo de 105 um mecircs
depois que a presenccedila desses imigrantes passou a receber atenccedilatildeo dos meios de co-
municaccedilatildeo local e tambeacutem do poder poliacutetico estadual Como jaacute apontado em outro
trabalho22 a chegada do grupo maior se deu por indicaccedilatildeo de representantes do go-
verno do Acre que prometera ao grupo a possibilidade de trabalho nos canteiros de
obra das usinas do rio Madeira Deixados em distrito distante de Porto Velho 120
quilocircmetros e sem o emprego prometido o grupo foi alojado em um ginaacutesio de es-
porte na capital sob responsabilidade do governo estadual por meio da Secretaria
de Estado de Assistecircncia Social a SEAS23 Natildeo houve envolvimento do governo mu-
nicipal em relaccedilatildeo a se pensar uma poliacutetica de acolhimento
Nossa experiecircncia direta com o grupo teve iniacutecio a partir de julho de 2011
quando demos iniacutecio a um projeto de extensatildeo24 universitaacuteria para ensino da liacutengua
portuguesa para esses imigrantes e ao mesmo tempo realizando observaccedilotildees para
uma pesquisa cientiacutefica de cunho antropoloacutegico e linguiacutestico Firmamos uma parce-
ria de trabalho com a Paroacutequia Satildeo Joatildeo Bosco que cedeu o espaccedilo fiacutesico e com o
22 COTINGUIBA Geraldo C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil ndash a relaccedilatildeo entre trabalho e processos
migratoacuterios Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria e Estudos Culturais) ndash UNIR Porto Velho 2014
23 De acordo com os dados levantados por nossa pesquisa ateacute iniacutecio de 2014 a SEAS havia atendido
3878 haitianos com encaminhamento para emprego na cidade ou em intermediaccedilatildeo com empresas
para trabalho em outros estados do Centro-Oeste Sul e Sudeste O atendimento aos haitianos foi
suspenso quando Porto Velho sofreu com os danos causados pela cheia histoacuterica do rio Madeira no
iniacutecio de 2014 Em relaccedilatildeo a essa Secretaria e sua relaccedilatildeo com os haitianos um estudo ainda estaacute por
ser realizado
24 O projeto foi intitulado Migraccedilatildeo internacional na Amazocircnia brasileira linguagem e inserccedilatildeo social de haitianos em Porto Velho registrado no Departamento de Liacutenguas Vernaacuteculas da UNIR Ainda
se encontra em atividade e eacute aberto para outros imigrantes Foi pensado pelos autores e por eles eacute
coordenado A equipe principal eacute composta por estudantes de graduaccedilatildeo de Letras Portuguecircs e con-
grega outros de outras aacutereas
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Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 59
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
L E
NT
RE
VIS
TA
DO
S -
23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Serviccedilo Pastoral do Migrante (catoacutelico) na troca de experiecircncias de trabalho e infor-
maccedilotildees
O trabalho de extensatildeo e a pesquisa se encontram em atividade e alguns re-
sultados jaacute foram alcanccedilados como o atendimento permanente a haitianos no pro-
jeto de ensino de portuguecircs realizaccedilatildeo de quatro viagens agrave regiatildeo de fronteira no
estado do Acre a escrita de trecircs relatoacuterios dois artigos cientiacuteficos uma dissertaccedilatildeo e
a escrita de um livro para ensino de portuguecircs para haitianos25 o qual foi adaptado
para senegaleses e bengalis Ao longo desse periacuteodo cerca de 600 haitianos estiveram
em contato com o projeto e dele se beneficiaram com o aprendizado da liacutengua por-
tuguesa obtiveram informaccedilotildees sobre leis trabalhistas geografia e histoacuteria do Brasil
e tradiccedilotildees culturais brasileiras
Outros escritos de cunho cientiacutefico encontram-se em fase de preparaccedilatildeo ou-
tros aguardando publicaccedilatildeo em breve todos em relaccedilatildeo a essa imigraccedilatildeo Aleacutem da
cidade que vivemos e conduzimos estes trabalhos tivemos a oportunidade de visitar
no total ateacute o momento da escrita deste artigo mais de 20 outras cidades nos estados
do Rio Grande do Sul Santa Catarina Paranaacute Satildeo Paulo Mato Grosso Amazonas
o Distrito Federal assim como as jaacute referidas cidades de fronteira com a Boliacutevia e o
Acre Outras parcerias foram realizadas ao longo desses anos com outras instituiccedilotildees
e pesquisadores de diferentes lugares do Brasil no sentido de realizarmos um traba-
lho conjunto para compreender essa dinacircmica migratoacuteria No momento da escrita
deste artigo no final de 2014 temos conhecimento de que outros grupos de pesqui-
sadores estatildeo se organizando com objetivos semelhantes como em universidades dos
estados do Paranaacute e do Rio Grande do Sul
Em nossos estudos procuramos encontrar um perfil dessa imigraccedilatildeo e o fize-
mos no entanto ele natildeo reflete a realidade ou a totalidade dos indiviacuteduos O que
podemos afirmar eacute que serve apenas como referencial pois haacute uma heterogeneidade
de pessoas de categorias de migrantes que precisam ser levadas em conta para que
se compreenda melhor a magnitude dessa dinacircmica Assim quando utilizamos a ca-
tegoria haitianos queremos dizer que
as origens satildeo vaacuterias mesmo sendo tomados como uma categoria coletiva suas praacuteticas variam e no interior do grupo haacute diferenccedilas tais como os que vecircm do meio rural ou do meio urbano do interior ou da capital catoacutelicos ou protestantes escolarizaccedilatildeo em diferentes
niacuteveis Os haitianos residentes em Porto Velho mantecircm como liacutengua de comunicaccedilatildeo no interior do grupo apenas o crioulo haitiano que aliaacutes eacute o idioma de 95 da populaccedilatildeo no Haiti26
25 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia Lima NOVAES Maria de Lourdes (Orgs)
Liacutengua portuguesa para haitianos 1 ed Florianoacutepolis SESI Departamento Regional de Santa
Catarina 2014
26 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Apontamentos sobre o processo de inserccedilatildeo
social dos haitianos em Porto Velho Travessia (Satildeo Paulo) v 70 p 99-106 2012 p 101
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
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Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 60
Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
L E
NT
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VIS
TA
DO
S -
23
9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 58
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O que percebemos eacute que o que podemos afirmar como elementos homogecirc-
neos entre a maioria dos haitianos satildeo alguns siacutembolos ou praacuteticas constitutivas do
que podemos chamar de sua identidade nacional e cultural como uma relaccedilatildeo muito
estreita com a bandeira nacional e consequentemente um apego agrave nacionalidade
haitiana manifesta muitas vezes pelo orgulho de autoafirmar-se e reivindicar os pa-
pye isto eacute os papeacuteis os documentos que atestam a sua nacionalidade A isso somam-
se outros elementos e praacuteticas como a liacutengua materna o crioulo Kreyogravel Ayisyen ndash
o francecircs apesar de liacutengua oficial eacute falada por uma minoria eacute a liacutengua da burocracia
um status de poder ndash a culinaacuteria e a muacutesica predominantemente o ritmo konpa
Outra percepccedilatildeo nossa eacute em relaccedilatildeo ao perfil desses imigrantes no que carac-
terizamos como trecircs fases desse mesmo processo migratoacuterio e sua dinacircmica A pri-
meira fase diz respeito aos precursores pessoas com experiecircncias migratoacuterias dentro
do proacuteprio Haiti ou para outros paiacuteses antes de chegarem ao Brasil a maioria ho-
mens entre 25 e 35 anos muitos falantes aleacutem do crioulo o francecircs o espanhol e
alguns o inglecircs provenientes de meios urbanos e com uma meacutedia de anos escolares
mais longa Esses precursores estabeleceram-se numa regiatildeo proacutexima ao centro da
cidade e em empregos no ramo da construccedilatildeo civil A segunda fase passou a ser com-
posta por homens e mulheres mais jovens de diferentes regiotildees urbanas e do campo
menos tempo escolar ndash principalmente as mulheres as quais satildeo na maioria mono-
liacutengues falantes apenas do crioulo ndash com pouca permanecircncia na cidade
A terceira fase se confunde com a segunda pelo contexto posterior agrave primeira
mas se destaca pelo fato de ter um diferencial enquadra-se no campo do direito do
imigrante portador do visto de permanecircncia no Brasil Os sujeitos dessa fase fazem
parte do direito de reuniatildeo familiar e satildeo majoritariamente mulheres casadas e cri-
anccedilas e adolescentes Os graacuteficos que apresentaremos abaixo fazem parte das duas
primeiras fases ainda natildeo incorporando os sujeitos dessa terceira O contexto con-
templado dos dados coletados e transcritos nos graacuteficos compreendem os anos de
2011 e 2013 A tabela abaixo com base em dados de uma Casa de Apoio que vo-
luntariamente acolheu haitianos entre 2011 e 2012 na expectativa de uma parceria
com a SEAS demonstra um perfil inicial dessa migraccedilatildeo
De acordo com nosso levantamento documental a parceria com a SEAS natildeo
se concretizou efetivamente mas mesmo assim o trabalho teve prosseguimento nos
meses seguintes por conta da proacutepria Casa de Apoio A ajuda do governo estadual
aconteceu poreacutem natildeo de maneira regular por meio de um termo de cooperaccedilatildeo ou
contrato mas com auxiacutelios alimentaccedilatildeo e cafeacute da manhatilde De acordo com as fichas
de entrada e saiacuteda de hoacutespedes o primeiro registro de entrada de haitianos eacute do dia
11 de marccedilo de 2011 uma semana depois da chegada dos 105 Na praacutetica com base
em nossa etnografia o trabalho de acolhimento durou mais de um ano no entanto
seus registros apontam para um periacuteodo exato de 12 meses No total foram abrigados
234 haitianos sendo 207 homens e 27 mulheres dentre as quais duas mulheres eram
crianccedilas Apenas dois adolescentes de 17 anos uma moccedila e um rapaz Esses 4 casos
entraram como acompanhamento familiar Abaixo o graacutefico apresenta esse perfil de
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
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Escolaridade
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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maneira geral ao longo dos 12 meses relacionados relativo agrave entrada mensal por
gecircnero
Tabela 3 Dados quantitativos totais da acolhida na ldquoCasa de Apoio Raimundo Nevesrdquo 20112012
Planilha Geral ndash Entrada de haitianos na Casa de Apoio 2011 e 2012
MecircsAno Entrada Faixa Etaacuteria Permanecircncia na Casa Masc Fem
Mar 2011 10 06 04
Abr 2011 8 07 01
Mai 2011 16 14 02
Jun 2011 5 03 02
Jul 2011 17 16 01
Ago 2011 18 18 00
Set 2011 12 12 00
Out 2011 2 02 00
Nov 2011 13 13 00
Dez 2011 1 01 00
Jan 2012 106 94 12
Fev 2012 26 21 05
Total de Meses
Total de Entradas
Idade Meacutedia Permanecircncia Meacutedia na Casa de Apoio
Total Masc
Total Fem
12 234 24 a 30 anos 45 dias 207 27
Total de haitianos que foram abrigados na Casa de Apoio 234
Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil27
Desses 48 tinham entre 21 e 30 anos 31 entre 31 e 40 anos 6 entre 41
e 50 anos 1 entre 51 60 anos e 12 natildeo informou a idade e 2 com ateacute 20 anos
A distribuiccedilatildeo do percentual de gecircnero ficou com 14 para mulheres e 86 para
homens Esses dados revelam nessa fase uma migraccedilatildeo predominantemente mas-
culina e com pessoas numa faixa etaacuteria que atendia agraves necessidades do setor empre-
gador naquele momento a construccedilatildeo civil majoritariamente
Em outro contexto a partir de um levantamento realizado por meio de uma
pesquisa de campo e com base na declaraccedilatildeo dos nossos interlocutores procuramos
verificar o perfil dos haitianos na cidade atentando para outras questotildees como o
estado civil escolarizaccedilatildeo trabalho etc No total entrevistamos 117 entre 2012 e
2013 sistematizamos as informaccedilotildees em graacuteficos para expressaacute-las quantitativa-
mente Em termos qualitativos natildeo apresentamos aqui uma anaacutelise criacutetica desses da-
dos o que fazemos eacute apontar alguns aspectos gerais a partir deles com vistas a uma
reflexatildeo Desconstruiacutemos algumas hipoacuteteses que tiacutenhamos e com isso tivemos mais
clareza quanto aos motivos dessa migraccedilatildeo
27 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
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Gecircnero
Mulheres Homens
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
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EnsSupInc4
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Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Graacutefico 2 Percentual de gecircnero dos 117 entrevistados
Fonte pesquisa de campo dos autores
Um primeiro aspecto que verificamos foi que em ralaccedilatildeo ao gecircnero o per-
centual pouco se alterou em comparaccedilatildeo com aquele relacionado anteriormente no
primeiro ano Isso para noacutes explica-se por trecircs motivos principais ndash se confrontado
com o aumento do nuacutemero de mulheres em 2014 ndash pelo fato de as mulheres haitia-
nas nessa migraccedilatildeo serem majoritariamente monoliacutengues do Kreyogravel o que se cons-
titui uma barreira para o trabalho na cidade de Porto Velho tanto no comeacutercio
quanto em serviccedilos domeacutesticos Segundo dentro da mesma loacutegica em relaccedilatildeo ao
trabalho o ramo que mais emprega os haitianos na cidade eacute a construccedilatildeo civil o que
inviabilizou a entrada de mulheres nessa fase Terceiro o fator tempo para a obten-
ccedilatildeo do Visto Permanente para os homens que ao obtecirc-lo daacute iniacutecio ao processo de
reuniatildeo familiar Os primeiros processos de reuniatildeo familiar que temos conheci-
mento se iniciaram no final de 2012 e comeccedilo de 2013 e as famiacutelias comeccedilaram a se
reunir por volta da metade de 2013 Do total dos entrevistados 29 se declararam
casados
Jaacute na pesquisa de Cotinguiba28 apresentada em sua dissertaccedilatildeo de mestrado
em relaccedilatildeo agrave escolaridade dos haitianos foi desconstruiacutedo o mito criado pelos tele-
jornais locais de que esses imigrantes eram na maioria formados academicamente
De acordo com a autodeclaraccedilatildeo de 173 interlocutores revelou-se um perfil hetero-
gecircneo em relaccedilatildeo aos estudos escolares Natildeo vimos os diplomas e dentre os partici-
pantes apenas 15 declararam ter terminado um curso superior A maioria natildeo che-
gou agrave universidade tendo cursado os Ensinos Fundamental ou Meacutedio conforme o
graacutefico abaixo Vale ressaltar que dos casos que acompanhamos dos portadores de
diploma universitaacuterio o entrave que encararam foi com a burocracia para convali-
daccedilatildeo e todos os processos juriacutedicos Dos que portam o certificado de Ensino Meacutedio
a burocracia tambeacutem eacute outro entrave para a convalidaccedilatildeo que eacute feita pelo Conselho
28 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
96
21
0 20 40 60 80 100 120
1
Gecircnero
Mulheres Homens
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
EnsFundCompl14
EnsMeacutedInc30
EnsMeacutedCompl29
EnsSupInc4
EnsSupCompl15
Escolaridade
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
56
17 15 18 20
TO
TA
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9
LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Estadual de Educaccedilatildeo Agora em 2015 temos conhecimento de apenas 03 haitianos
estudando em faculdades de Porto Velho29
Graacutefico 3 Escolaridade informada pelos 173 entrevistados
Fonte Fonte Geraldo Cotinguiba Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil30
Outros dois enfoques que procuramos dar em nossa pesquisa foram sobre os
motivos de emigraccedilatildeo e o lugar de origem dos que emigraram Com isso tiacutenhamos
dois objetivos primeiramente entender os principais motivos que os haitianos alega-
vam para emigrarem e segundo verificar se a tese do governo brasileiro reificada
pelos meios de comunicaccedilatildeo de massa ndash como pelos telejornais das principais emis-
soras do paiacutes ndash de que o terremoto de 2010 era a causa principal
Ao perguntarmos por que vieram para o Brasil encontramos apenas duas de-
claraccedilotildees de que o terremoto era a causa uma vez que haviam perdido a famiacutelia e
todos os bens e com isso a alternativa que tinha era partir para outro lugar Natildeo
queremos dizer com isso que o terremoto natildeo tenha um efeito sobre a emigraccedilatildeo de
haitianos o que discutimos eacute que essa natildeo eacute a uacutenica causa eacute mais uma dentre um
conjunto Outros motivos tais como o endurecimento da fiscalizaccedilatildeo em outros pa-
iacuteses que tecircm haitianos como Estados Unidos Franccedila e Canadaacute os conflitos eacutetnicos
com a vizinha Repuacuteblica Dominicana onde haacute mais de 700 mil vivendo a projeccedilatildeo
da imagem do Brasil internacionalmente como um paiacutes gerador de empregos e em
crescimento econocircmico em plena crise internacional do capital a realizaccedilatildeo da copa
do mundo de 2014 a declaraccedilatildeo do entatildeo presidente brasileiro Lula de que o Brasil
os acolheria os problemas poliacuteticos econocircmicos e climaacuteticos internos do Haiti
29 Para uma leitura mais detida sobre a questatildeo da inserccedilatildeo no ambiente escolar veja nosso trabalho
COTINGUIBA Geraldo C COTINGUIBA-PIMENTEL Mariacutelia L Imigraccedilatildeo haitiana para o
Brasil os desafios no caminho da educaccedilatildeo escolar Revista Pedagoacutegica Chapecoacute v 17 n 33 p 61-
87 juldez 2014
30 COTINGUIBA G C Imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Op cit
Natildeo Estudou1
EnsFundInc7
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EnsMeacutedInc30
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Escolaridade
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Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Revista Territoacuterios amp Fronteiras Cuiabaacute vol 8 n 2 jul-dez 2015
Como se pode ver haacute fatores diversos e natildeo se pode atribuir exclusividade de
apenas um O que podemos afirmar eacute que com a Resoluccedilatildeo nordm 97 de 12 de janeiro
de 2012 o Brasil deu um argumento legal para essa migraccedilatildeo ao conceder um visto
por razotildees humanitaacuterias Em seu Paraacutegrafo uacutenico do Artigo 1ordm essa resoluccedilatildeo pre-
coniza que as razotildees satildeo ldquoaquelas resultantes do agravamento das condiccedilotildees de vida
da populaccedilatildeo haitiana em decorrecircncia do terremoto ocorrido naquele paiacutes em 12 de
janeiro de 2010rdquo Ao verificarmos as cidades de origem percebemos que da cidade
Porto Priacutencipe epicentro do terremoto o quantitativo era pouco em relaccedilatildeo ao total
dos nossos interlocutores
Graacutefico 4 Lugares de origem no Haiti
Fonte pesquisa de campo dos autores
Ao longo de toda a nossa pesquisa identificamos pessoas provenientes de 50
cidades e tambeacutem que viviam em outros paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana
Franccedila Estados Unidos31 Martinica Bahamas Equador Venezuela A partir disso
refletimos sobre essa imigraccedilatildeo e suas consequecircncias para os sujeitos nela envolvi-
dos como as condiccedilotildees a que muitos se submeteram para entrar no Brasil uma vez
que a oferta de visto natildeo supria a demanda e a alternativa foi recorrer a meios proacute-
prios para isso
Ainda em relaccedilatildeo agraves limitaccedilotildees da Resoluccedilatildeo 97 ndash que jaacute comentamos e criti-
camos em outro trabalho32 ndash em seu primeiro ano que limitou a 100 o nuacutemero de
vistos mensais para haitianos entrarem no Brasil o que natildeo solucionou a situaccedilatildeo
31 Nos estudos mais recentes o que tem despertado nossa atenccedilatildeo eacute a categoria ldquotransmigranterdquo cir-
cunscrita ao contexto das migraccedilotildees transnacionais
32 COTINGUIBA Geraldo C PIMENTEL Mariacutelia L Wout raketegrave fwontyegrave anpil mizegrave
reflexotildees sobre os limites da alteridade em relaccedilatildeo agrave imigraccedilatildeo haitiana para o Brasil Universitas Relaccedilotildees Internacionais Brasiacutelia v 12 n 1 p 73-86 janjun 2014
18 15
110
15
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LUGAR DE ORIGEM NO HAITI
MARIacuteLIA PIMENTEL COTINGUIBA GERALDO COTINGUIBA Paacutegina | 63
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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mas serviu indiretamente para alimentar a esperanccedila de muitos haitianos poderem
emigrar para o Brasil e por natildeo obterem o visto em tempo haacutebil se lanccedilaram na rota
ldquoclandestinardquo por paiacuteses como Repuacuteblica Dominicana Panamaacute Equador Peru ateacute
alcanccedilarem as fronteiras brasileiras pelo Acre ou pelo Amazonas Os recursos para
isso foram os denominados ldquocoiotesrdquo
As consequecircncias disso foram as abjeccedilotildees passadas pelos haitianos nessa rota
verificando-se casos de prisotildees espancamentos roubos humilhaccedilotildees racismo estu-
pros e assassinatos o que faz transparecer natildeo apenas as fronteiras fiacutesicas que os
indiviacuteduos tecircm de cruzar em migraccedilotildees transnacionais mas suportar os limites das
barreiras impostas pela intoleracircncia do racismo e mesmo da negaccedilatildeo da condiccedilatildeo
de humano do outro As fronteiras natildeo se restringem apenas agraves linhas dos mapas a
pontes ou rios elas persistem em determinadas praacuteticas de determinados grupos em
diferentes lugares Diante do que vimos e ouvimos ateacute o ponto que essa pesquisa se
encontra um proveacuterbio haitiano que vimos escrito na parede de um dos lugares que
foi utilizado como abrigo em Brasileia no Acre parece ser a reflexatildeo que a imigra-
ccedilatildeo haitiana chama agraves claras Tout moun se moun men tout moun pa menm Toda
pessoa eacute uma pessoa mas as pessoas natildeo satildeo (iguais) as mesmas
Consideraccedilotildees finais
O estado de Rondocircnia tem em sua histoacuteria uma relaccedilatildeo estreita com movi-
mentos migratoacuterios sejam internos ou de imigraccedilatildeo Como vimos no passado essa
regiatildeo da Amazocircnia Ocidental recebeu imigrantes no periacuteodo colonial e mais tarde
no periacuteodo aacuteureo da borracha e dentre esses sujeitos figura no imaginaacuterio local os
barbadianos categoria utilizada para se referir aos diferentes povos que vieram de
diferentes ilhas do Caribe e de outros paiacuteses A colonizaccedilatildeo interna promovida pelos
governos militares no processo de transformaccedilatildeo do territoacuterio em unidade da federa-
ccedilatildeo dinamizou uma migraccedilatildeo interna muito intensa especialmente entre os anos de
1980 e 1990 Mais recentemente com a construccedilatildeo de duas hidreleacutetricas no rio Ma-
deira Rondocircnia recebeu milhares de migrantes internos trabalhadores para atende-
rem agrave demanda por forccedila de trabalho dos consoacutercios construtores
Nesse contexto imigrantes de diferentes nacionalidades33 se encontram em
tracircnsito e residindo na capital do estado com destaque para os haitianos que come-
ccedilaram a chegar agrave cidade no primeiro trimestre de 2011 Desde meados de 2012 Porto
Velho tem mantido uma meacutedia entre 1800 a 2500 desses imigrantes residindo em
33 Ressaltamos que eacute expressiva a presenccedila de imigrantes bolivianos no entanto natildeo temos conheci-
mento de estudos realizados sobre essa imigraccedilatildeo para Porto Velho A principal aacuterea de fronteira
binacional Brasil e Boliacutevia no estado de Rondocircnia tem duas cidades-irmatildes Guajaraacute Mirim e Guyara-Merim ndash distantes 365 km de Porto Velho ndash separadas pelo rio Mamoreacute Haacute um intenso fluxo de
pessoas e mercadorias entre ambas dinamizado por um sistema de transporte aquaacutetico pujante A
expectativa eacute que essa regiatildeo passe por um profundo processo de mudanccedila se se concretizar a cons-
truccedilatildeo de uma hidreleacutetrica binacional nas suas mediaccedilotildees
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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bairros proacuteximos agrave regiatildeo central trabalhando majoritariamente no ramo da cons-
truccedilatildeo civil
A dinacircmica migratoacuteria haitiana apresenta ao longo desse periacuteodo uma dife-
renciaccedilatildeo em relaccedilatildeo aos sujeitos envolvidos nesse processo os quais classificamos
em trecircs fases de maneira que uma dialoga com a outra contudo apresentando ca-
racteriacutesticas particulares individuais em cada uma delas como origens regionais es-
colaridade formal gecircnero faixa etaacuteria
O que nosso estudo revelou ateacute o estaacutegio que nos encontramos eacute que o Brasil
eacute mais um paiacutes uma base numa rede de conexotildees para o que os proacuteprios sujeitos
denominam como dyaspora Segundo o presidente do Conselho Nacional de Imigra-
ccedilatildeo ndash CNIg ndash senhor Paulo Seacutergio de Almeida em duas conferecircncias sobre migra-
ccedilotildees ndash uma em Manaus e outra em Porto Alegre ndash das quais participamos haacute neste
final de 2014 no Brasil aproximadamente 40 mil haitianos A maior parte estaacute con-
centrada nas regiotildees sul e sudeste Em nossas estimativas em Porto Velho haacute cerca
de 2 mil34 e pelas informaccedilotildees que temos eacute uma migraccedilatildeo que se manteacutem ininter-
rupta
Como reflexatildeo deixamos uma frase que ouvimos de alguns haitianos em al-
gumas cidades a de que quando um paiacutes abre as portas para os haitianos eles natildeo
param de entrar ateacute o dia que fecharem-na Isso natildeo significa que todos queiram vir
para o Brasil mas que poderaacute se tornar um paiacutes que muitos entraratildeo e muitos outros
sairatildeo Muitos vecircm para o Brasil com a ideia de que eacute um paiacutes onde se tem muito
trabalho e se pode ganhar bastante dinheiro para ajudar os familiares na origem com
qualidade de vida adequada para si e para a famiacutelia com possibilidade de estudar e
se profissionalizarem para retornar ao Haiti ou permanecer por algum tempo traba-
lhando no Brasil Para outros o Brasil eacute uma base para permanecer por algum tempo
um lugar onde se pode conseguir migrar para outros paiacuteses
Talvez seja cedo para dizer se os haitianos permaneceratildeo no Brasil o que
podemos afirmar eacute que o paiacutes agora eacute definitivamente uma base para esses sujeitos
que estatildeo em conexatildeo com outros sujeitos em outros paiacuteses numa loacutegica compreen-
dida contemporaneamente pelos estudos teoacutericos com uma migraccedilatildeo de caraacuteter
transnacional do qual o Brasil pelo lugar que passou a ocupar internacionalmente
em diferentes acircmbitos foi inserido nesse contexto Natildeo acreditamos que as pessoas
migrem por vaidade haacute sempre um motivo Assim migrar no es delito delito es lo
que causa la migracioacuten
34 Do ponto de vista geograacutefico e em relaccedilatildeo agrave mobilidade de pessoas Porto Velho eacute uma cidade de
passagem para outros estados do Brasil para quem parte do Acre por via terrestre Estimamos que
entre 2011 e o final de 2014 tenham passado pela cidade pelo menos 15 mil haitianos ou mais Outros
deixaram o Acre de aviatildeo
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
Artigo recebido em 20 de novembro de 2015 Aprovado em 11 de dezembro de 2015
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Sobre os autores Mariacutelia Lima Pimentel Cotinguiba
Doutora em Linguiacutestica e Liacutengua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Juacutelio de Mesquita Filho (UNESPAraraquara) Professora Adjunta da Universidade
Federal de Rondocircnia (UNIR) Participa do Programa de Mestrado Acadecircmico em Letras e do Mestrado Acadecircmico em Estudos Literaacuterios da Universidade Federal de
Rondocircnia Geraldo Castro Cotinguiba
Cientista social Doutorando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente na Universidade Federal de Rondocircnia (UNIR)
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