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CELSO INNOCENTE
O retorno do menino do espaço.
ISBN 978-85-914107-3-6
1ª edição
Penápolis- São Paulo
Innocente, Celso Aparecido
2012
5
Sumário
Prefácio --------------------------------------------- 7
O retorno do menino do espaço ------------------ 9
A repercussão dos fatos --------------------------- 25
Celebridade ------------------------------------------ 45
Viagem a Orlando ---------------------------------- 67
Na NASA -------------------------------------------- 89
Disneylândia ---------------------------------------- 111
Retorno ao lar --------------------------------------- 125
Na televisão ----------------------------------------- 139
Avaliação escolar ----------------------------------- 157
De volta as aulas ------------------------------------ 175
Cachorro que ladra não morde -------------------- 193
Triste história de amor ----------------------------- 203
Subcapítulo ou epílogo ---------------------------- 219
Sobre o autor ----------------------------------------- 221
Outros trabalhos ------------------------------------- 225
Celso Innocente
6
Este é o terceiro volume da série composta por:
- Regis um menino no espaço,
- Um menino no espaço – 2ª parte,
- O retorno do menino do espaço,
- Regis um menino do planeta Terra.
Portanto, para melhor compreensão da estória,
recomenda-se que leia primeiro os volumes I e II.
Foto capa:-
Switie 187- For NASA
O retorno do menino do espaço
7
Prefácio
o ano de um mil novecentos e oitenta, de
nossa era, Regis, um menino de nove anos de
idade, fora sequestrado na Terra e levado a um planeta a
oitenta e sete anos luz de distância, onde era amado e
querido por todos seus habitantes, seres humanos,
idênticos aos terráqueos, sendo devolvido um ano depois,
com a agravante de que, não envelhecera um minuto
sequer.
No segundo semestre de oitenta e um, eis que Regis
é novamente sequestrado e levado ao mesmo planeta, de
onde retornara há pouco tempo, com o mesmo objetivo:
levar-lhes amor e simplicidade, ignorando o principal
sentimento do menino: amor e saudade da Terra.
Sete anos depois, percebendo que não conseguiam
cativar o menino da Terra, resolveram então devolvê-lo,
com a promessa de que jamais o tiraria novamente daqui.
O objetivo deste livro, o terceiro da sequência,
Regis o menino do espaço, é mostrar então a consequência
deste retorno. O que vai acontecer agora, oito anos depois.
Como será a vida diferente de Regis. O retorno à escola. As
N
Celso Innocente
8
novas amizades. O interesse de sua viagem espacial, para a
mídia e viação aero espacial.
Entre na vida simples de Regis, um menino com o
coração puro e cheio de amor. Talvez você possa desejar
ter o mesmo destino diferente desse garoto especial.
Para melhor compreensão desta narrativa, é
aconselhável que se tenha lido primeiro:
Regis, um menino no espaço.
Um menino no espaço - 2ª parte.
Penápolis, São Paulo, Brasil, América Latina,
Planeta Terra, Sistema Solar, Via Láctea, Universo.
Setembro 2012
O autor
O que será agora de Regis, o menino
que fora sequestrado e levado a um
planeta distante, sendo devolvido, oito
anos depois, sem ter envelhecido um
minuto sequer. Com o mesmo rostinho
infantil e jeitinho simples de criança
O retorno do menino do espaço
9
O retorno do menino do espaço
xatamente setenta e um dias terráqueos de
viagem interplanetária, não aparentando mais
do que sete dias para mim, a grande nave preta e dourada,
pousou em um terreno baldio, bem próximo à minha casa.
Quer dizer: não pousou completamente, pois ficou
levitando a dois metros de altura. O robô Luecy abriu a
porta, que se formou, criando certa ranhura na parte
lateral, quase inferior da nave; uma pequena escada
escorregou como chumbo derretido, formando cinco
degraus e chegando até a uns trinta centímetros do solo.
Eu que já me levantara da poltrona do copiloto, abracei o
tal robô de metal, que me ignorou por não ter tal costume
de carinho, hábito adquirido pelos humanos deste gigante
universo e ao sair, parei na porta, olhei no relógio e
insinuei:
— Luecy, realmente você é um robô muito
inteligente. São exatamente dezenove horas e sete minutos,
do dia vinte e quatro de setembro, como você disse.
— Sou um robô susteriano, construído sem falhas.
— Boa viagem de volta, amigão!
E
Celso Innocente
10
— Virei lhe buscar em breve, pra vê-lo nadar
peladão!
— Breve! Acho que não!
— Duvida?
— Por favor! Não!
— Brincadeirinha!
Desci daquela enorme nave, sob os olhares curiosos
de dezenas de pessoas adultas e crianças, encantadas com
aquela estranha visão. Entre elas, conheci Paulinho, com
quase treze anos de idade, em perfeito estado de saúde,
que correu a me abraçar, sorrindo:
— Regis! Você era mais velho do que eu! Lembra?
— Agora sou o caçulinha de casa!
Erick, já com dezessete anos, se aproximou
dizendo:
— Você nunca me buscou! Eu também deveria ser
criança como você!
— O senhor Frene só queria eu!
A escada daquele imenso disco voador se recolheu,
sua porta se fechou e em menos de trinta segundos
desapareceu no céu.
Seguido por todos: trajando short marrom e
camiseta amarela; descalço; acabei de chegar a minha casa.
Era Sábado. Papai e mamãe juntos, não acreditando,
vieram a meu encontro me abraçar.
Como eles estavam diferentes! Como haviam
envelhecidos nestes últimos sete anos em que se passara.
— Meu Deus! Meu filho! — Não acreditava mamãe,
rindo e chorando ao mesmo tempo. — Eu sabia que você
voltaria um dia! Você não mudou nada nestes anos todos!
Não acredito que você esteja aqui! Por favor, jure que
nunca mais vai nos abandonar!
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— Nunca mais deixarei vocês, mamãe! — Prometi
também chorando (Eu era chorão mesmo). — Promessa de
meu papai número três!
Realmente, eu não mudara nada: estava agora com
mais de dezessete anos e seis meses de vida, porém
aparentava apenas um singelo menininho de nove anos.
Suster, o planeta de onde acabara de chegar, fôra abalado
por uma radiação, devido uma grande explosão, causada
pela morte de uma gigante estrela do cosmos. Tal radiação,
talvez acabara benéfica a seus habitantes, pois ela não
deixava as células envelhecerem e com isto, os seres
humanos daquele planeta, se tornaram praticamente
imortais, imunes a qualquer tipo de doenças infecciosas. É
lógico, que se alguém pular de um prédio ou se der uma
facada em alguém, esta pessoa, com certeza morrerá.
Eu estivera em Suster, por um período de oito anos
e voltara agora à Terra, com o mesmo jeitinho de criança
em que saí daqui e segundo disse o Senhor Frene, a
radiação em meu organismo, será eliminada aos poucos e
só após esta eliminação, eu voltarei a envelhecer
naturalmente, como qualquer outro terráqueo.
Estava agora, sentado no sofá da sala, cercado por
muitas pessoas: papai, mamãe, Paulinho, Erick, os outros
irmãos (Luis, Leandro, Letícia e Carlos Henrique) e muitos
vizinhos, os quais, com exceção do amigo adulto Luciano,
muitos deles, eu nem conhecia. Todos me bombardeavam
com muitas perguntas e eu praticamente só ouvia, não
respondia quase nenhuma delas.
— Quer comer algo? — Perguntou-me mamãe.
— É o que mais quero mamãe! Passei fome durante
toda essa viagem!
Ela se levantou e correu para a cozinha em busca de
algo.
Celso Innocente
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— Onde você esteve, eles não te alimentavam
direito? — Perguntou-me papai.
— Claro que sim! Passei fome durante a viagem,
pois saímos apressados de lá e mal tivemos chance de
pegar alguma coisa pra comer. Sorte que estando na nave,
a gente só precisa se alimentar uma vez por semana.
Levantei-me e seguido por todos, fui até a cozinha,
onde mamãe já estava com panelas no fogo, refazendo um
jantar.
— O que está fazendo, mamãe?
— Uma janta pra você!
— Vocês já jantaram?
— Já! Estou fazendo especialmente pra você!
— Não precisa! Eu como qualquer coisinha!
— Faz muitos anos que espero fazer uma janta pra
você! Hoje é o melhor dia de minha vida!
Voltou a me abraçar chorando, pedindo:
— Por favor, meu filhinho, nunca mais abandone a
gente!
— Não vou mais sair daqui, mamãe! Isso é uma
promessa! Já disse que o senhor Frene me prometeu!
Pensei um pouco e me lembrando de algo, ironizei:
— Só espero que papai não tenha prometido cortar
mais nadinha de mim!
Da outra vez em que estivera sequestrado pelos
mesmos susterianos, papai, sem saber onde eu me
encontrava, fizera uma idiota promessa que se eu voltasse,
ele me circuncidaria no mesmo dia. Embora eu fosse só um
menininho pequeno, não concordava com tal sacrifício,
pois se a promessa era dele, por que meu frágil corpinho
era que teria que pagar!
O jantar demorou quase uma hora para ficar
pronto. Enquanto isso, eu seguira ao banheiro, onde me
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13
deliciara com demorado e saudoso banho, em normal
chuveiro terráqueo.
Depois de tal banho, praticamente todos jantaram
novamente, me fazendo companhia e conversando muito.
Todos continuavam fazendo muitas perguntas, tudo de
uma só vez e eu continuava não respondendo quase nada.
— Pessoal: chega de tantas perguntas pro Regis. —
Pediu papai. — Ele agora precisa descansar!
— Na realidade, não estou tão cansado papai! —
Neguei. — Mesmo assim, estou curioso pra dormir
novamente em minha casa. Já sei que não tenho mais cama
aqui! O Erick está dormindo nela!
— Já estou lhe devolvendo sua cama agora! — Se
prontificou rindo, meu amigo.
— Não se preocupe! — Insinuei. — Eu durmo em
qualquer lugar! Pode até ser no sofá da sala!
— Nada disso! — Negou Erick. — Você vai dormir
mesmo em sua cama! Eu durmo no colchão, a seu lado!
— Amanhã prometo contar tudo, de onde estive até
então. Hoje, prefiro só ouvir e realmente dormir, logo após
o jantar.
— Concordamos com você filho! — Disse mamãe,
tornando me abraçar chorando, ainda não acreditando no
que estava acontecendo.
Poucos minutos depois, acabado o jantar, fui ao
banheiro escovar os dentes com os dedos, pois não existia
mais escova para mim. Em seguida, me despi completa-
mente e vesti uma espécie de calção de dormir (cueca
samba canção de seda) e uma camiseta sem manga, que já
eram mesmo meus, que embora antigos, mamãe guardara
com carinho, sabendo que um dia eu retornaria e iria
precisar.
Celso Innocente
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Então os amigos se foram e eu, primeiro do que os
demais, fui mesmo dormir em minha antiga cama, a qual
Erick, realmente fizera questão em me devolver.
©©©
Já era madrugada, em torno de três horas, quando
acordei com uma voz bem suave, sussurrando em meu
ouvido:
— Rééégis...
O quarto estava escuro, com algum reflexo de luz,
através das frestas da veneziana. Olhei e só vi Erick,
dormindo no colchão, a meu lado.
— Garoto Regis! Sou eu!
Conheci a voz de Luecy, o robô.
— Estou aqui fora, Regis! Venha!
Levantei-me apressado, mudei rapidamente de
roupas, para evitar gozação tipo bulling pelo robô, corri,
abri a porta da cozinha e saí para o quintal. Lá estava ele, à
minha espera. Espantei-me muito em vê-lo.
— Luecy! O que você faz aqui? Há esta hora já era
pra você estar muito longe da Terra!
— Estou sem combustível! — Disse-me ele.
— Jura? E o que você vai fazer?
— Você terá que retornar urgente para Suster
comigo!
Espantei-me de verdade:
— Ah isso não senhor! Jamais sairei de minha casa!
— Será necessário! Sem você não consigo voltar pra
minha casa!
— Muito simples! Então você ficará aqui conosco
pra sempre!
— Jamais abandonarei meu mundo!
— Então que se dane você! Eu jamais abandonarei
minha família novamente!
O retorno do menino do espaço
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— O senhor Frene lhe trará de volta.
— Que o senhor Frene venha lhe buscar! Basta que
venham em dois ou três; então você poderá ir embora com
eles!
Enquanto discutíamos, caminhávamos devagar e
foi com isto, que já estávamos defronte ao enorme disco
voador. Luecy abriu sua porta e pediu:
— Entre! O senhor Frene quer falar contigo!
— Acha que sou tão bobo, Luecy? Se eu entrar aí,
você fechará a porta e quando eu perceber, já estará muito
longe de minha casa.
— Não farei isto, garoto Regis! Não enquanto você
ou o senhor Frene não me ordenar!
— Não entrarei aí, Luecy!
— O que está acontecendo, Regis? — Perguntou-me
Erick que acabara de chegar. — Percebi que você saiu,
então resolvi segui-lo.
— A nave está sem combustível! Luecy não
consegue ir embora!
— E o que ele quer de você?
— Que eu vá com ele! Só assim terá combustível
novamente!
— Como assim? Por quê?
— O combustível desta nave, é produzido pela
presença humana, em seu interior!
— Como assim Regis?
— Esta nave consome gás carbônico! — Insinuou
Luecy.
— E o que você vai fazer, Regis? — Perguntou-me
Erick.
— Você entendeu o que ele disse? — Perguntei
admirado à Erick.
Celso Innocente
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— Claro! — Exclamou Erick. — Que esta nave
consome gás carbônico!
— Como você pode entendê-lo? — Insisti ainda
admirado.
— Eu posso interpretar qualquer linguagem do
Universo. — Insinuou Luecy.
— O que você pretende fazer, Regis? — Insistiu
Erick.
— Já disse a Luecy, que não abandonarei meu
mundo jamais! Espero que ele fique aqui conosco! Afinal
ele é apenas um robô! E que eu saiba robô não sente
saudades de casa!
— Não posso abandonar o mundo que me criou! —
Negou ele.
— O que sugere então? — Perguntei-lhe.
— Primeiro você fala com o senhor Frene!
— Jamais me arriscarei a entrar aí!
— Tenho uma ideia, Regis… — Alegou Erick. — Se
vocês dois toparem…
— Que idéia você tem? — Perguntei-lhe
desconfiado.
— Vocês precisam da presença humana! Eu sou
humano! Você não pretende retornar àquele mundo! Eu
não tenho nada aqui! Logo, não tenho nada a perder!
— Erick, não diga bobagens! — Pedi.
— Não é bobagem! Você sempre sentiu falta daqui!
Acontece que você tem de quem sentir falta. Eu, embora
agradeça muito à sua família em ter me acolhido, não
tenho nada por sentir falta!
— Erick! Você tem mãe! — Alertei bravo.
— Minha mãe nunca me quis! Nem se importará se
souber que fui embora!
O retorno do menino do espaço
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— Se importará sim! — Afirmei convicto. — Você
não conhece o coração de uma mãe!
— Se importará tanto, Regis, que faz dois anos que
ela não vem me ver! — Insinuou meu amigo, com certas
lágrimas. — Nem sei onde ela está!
— Falaremos com o senhor Frene! — Alegou o
robô. — Entrem os dois!
— Não me arriscarei, Luecy! — Neguei bravo. —
Não confio em susterianos!
— Ficarei na entrada da cabine, para que você se
sinta seguro.
Pensei um pouco e então me decidi, entrando na
nave:
— Está tudo bem! Falaremos com o senhor Frene!
Sentei-me na poltrona do piloto principal; fiz sinal
para que Erick sentasse na outra. Luecy cumpriu sua
palavra de robô, ficando na entrada da cabine. Acionei a
tecla R-5 e após aguardar alguns segundos, em meu
monitor, surgiu o senhor Frene, dizendo:
— Olá Regis! Parece que Luecy se esqueceu que não
é humano e não pode conseguir combustível pra nosso
brinquedinho.
— E o que o senhor quer de mim?
— Não que eu exija, mas você terá que voltar pra
cá!
— O senhor sabe que jamais concordarei com isso!
— Sei! Mas prometo lhe devolver à sua Terra no
mesmo dia! Só preciso que você traga Luecy de volta!
— Senhor Frene: embora eu o ame também, saiba
que jamais sairei da Terra, novamente!
— Regis: embora quiséssemos muito, até a pouco
tempo e se você concordasse, ainda queríamos! Mas agora
Celso Innocente
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não pretendo mais trazê-lo em definitivo pra cá! Não
precisamos mais!
— Deixou de me amar como a um filho? —
Perguntei-lhe com certo sorriso admirado.
— Jamais! Mas tenho algo pra lhe mostrar! Aguarde
só um pouquinho!
Saiu da frente da câmera e pelo jeito, também da
sala do computador.
— Onde será que ele foi? — Perguntei a Luecy.
— Ele tem uma surpresa pra você! É só aguardar!
Alguns segundos depois ele retornou, colocando
sentado a seu lado, um me…ni…no, de uns nove anos. Um
menino não! Era eu… Mas como podia? Eu não estava lá!
Estava na Terra! E não estava sonhando! Então seria uma
montagem de cinema? Filmadora?
— Regis: — Disse ele. — Apresento-lhe, Regis!
— Co…como as…sim? Eu estou na Terra! Não
pode ser eu! É um truque!
— Não Regis! — Negou o senhor Frene. — Somos
muito avançados em nosso mundo! Diga oi a seu outro eu,
Regis!
— Olá Regis da Terra! — Disse meu outro eu, com
minha mesma voz e meu mesmo jeitinho tímido. — Sei
tudo sobre você e talvez um dia possamos nos conhecer!
— Que loucura é essa, senhor Frene? —desesperei-
me.
— Não se assuste Regis! Há sete anos, quando lhe
trouxemos pra cá, já sabíamos que você não aceitaria ficar
conosco, então nossa ideia fôra1 de apenas trazê-lo pra
1 Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do
Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o
advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro,
preferi adotar o tal acento circunflexo em fora.
O retorno do menino do espaço
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colhermos seu DNA e em poucos dias lhe devolveríamos à
sua família. Porém aconteceu o acidente de seu irmão
Paulinho. Então conseguimos com isto, uma mudança nos
planos, fazendo você permanecer conosco. Mas já
tínhamos colhido seu DNA, no dia em que você chegou
aqui, através de pouquíssimas células de seu organismo e
os mesmos médicos que cuidaram de Paulinho no hospital,
cuidaram da gestação e nascimento deste menino aqui a
meu lado. No dia em que você aceitou em fazer a cirurgia
cerebral e nós não achamos ético fazê-la, este Regis aqui, já
tinha nascido em Merlin e permanecera protegido em
ambiente esterilizado e livre de nossa radiação, por todo
esse tempo, vindo a se desenvolver e crescer normalmente.
Fizemos aquilo que já era planejado e apesar de você ter
ficado muito mais tempo conosco, resolvemos fazer aquilo
que é proibido na Terra. Você sabe! Não sabe?
— Ele é um... clone? — Perguntei, já sabendo a
resposta.
— Exatamente! Ele é idêntico a você! Até mesmo a
pinta que você tem na altura do tórax, é igual. Sabe aquela
pelinha de porco, que você tem num lugarzinho especial?
Também tem! A vantagem, é que ele não conhecendo a
Terra, não sente falta daí e está muito feliz conosco!
— Então o senhor vai me esquecer!
— Um pai jamais esquece um filho! O que vou fazer
sempre é acreditar que seu outro eu, é na verdade você
mesmo! Com isto, todo amor que temos para com você,
daremos a ele. Mas isto não quer dizer nada! Como lhe
prometi, no dia em que você resolver voltar pra cá, é só
pedir e irei imediatamente. Se isto acontecer um dia;
Celso Innocente
20
apesar de eu achar que não acontecerá, teremos dois
adoráveis Regis, vivendo conosco.
— Por isto que o senhor nunca me levou à Merlin,
para conhecer os médicos que cuidaram de meu irmão?
— Pode ser! Era preciso precaução, para que nosso
segredinho não vazasse.
— Não sei o que dizer senhor Frene! — Neguei
ainda espantado. — Foi uma surpresa e tanto! Acho que
neste caso, fico até muito feliz e um pouco enciumado.
Creio que gostaria de conversar mais com ele! Ficar amigo
dele! Creio que ele seja meu irmão!
— E é! — Confirmou o senhor Frene. — Venha
trazer Luecy, fique só algumas horas conosco e conversará
muito com seu outro eu!
— Não, não! Prefiro não me arriscar!
— Estou lhe garantindo!
— Uma vez falei sobre um clone com o senhor
Tony e ele me disse que seria impossível criar um outro ser
idêntico. Quer dizer: Poderia ser idêntico, porem ninguém
nasce grande!
— Milagres da ciência avançada! — Riu o senhor
Frene. — Seu outro eu, foi planejado e criado com muito
carinho em Merlin! Venha conhecê-lo! Te devolvo à sua
Terra! É uma promessa de pai, pra filhinho amado!
— Desculpe, mas não vou não!
— Seu outro eu, nasceu bebê, como todos os bebês!
Como já disse, se desenvolveu em ambiente protegido.
Hoje ele tem seis anos de idade, se medirmos pela Terra.
— Ele está de meu tamanho!
— Agilizamos seu metabolismo! — Riu o senhor
Frene. — Agora, estando fora do ambiente protegido, ele
não crescerá mais! Ajude Luecy a devolver nossa nave!
O retorno do menino do espaço
21
— Advinha se vou sair da Terra? — Ironizei. —
Mas temos uma solução pra este caso!
— Solução! Que solução?
— Meu amigo Erick! Já lhe falei muito sobre ele! Ele
aceita levar Luecy até o senhor!
— Verdade isso, Erick? — Perguntou o homem a
meu amigo.
— Sempre quis ir até aí! — Alegou Erick.
— Não é uma viagem de duas horas e não posso
lhe devolver rapidamente! Não é como viajar para
Araçatuba!
— Sei de tudo isso! — Confirmou Erick.
— Como Erick pode entender o senhor? —
Estranhei. Mas já sabia a resposta.
— Falo sua língua! Lembra? Estudei com você!
Se calou por um instante, depois perguntou:
— Quanto tempo pretende ficar conosco, Erick?
— O tempo que o senhor me aceitar!
— Não sentirá falta de casa?
— Não tenho nada por aqui! Sempre estive abando-
nado!
— Embora você não seja assim uma criança, é um
bom adolescente e com certeza sua companhia fará muito
bem pra nosso Regis! Porém é uma decisão difícil!
— Pedi muitas vezes, pra que Regis convencesse o
senhor em me levar!
— Sei de tudo isso! Ele sempre me pediu isso!
O senhor Frene se virou para o meu outro eu, a
oitenta e sete anos-luz de distância e perguntou:
— O que você acha de um novo amiguinho,
querido Regis?
— Se é amigo de meu irmãozinho, gostarei muito!
— Insinuou meu outro eu, um pouco tímido.
Celso Innocente
22
— Se assim desejarem: Regis, você pode ficar com
seus pais e Erick venha com Luecy. Só que a permanência
por aqui será muito longa! Talvez pra sempre!
Levantei-me da poltrona, ainda ouvindo o senhor
Frene:
— Concorda realmente Erick?
— Sim! — Afirmou ele, entusiasmado.
— Promete não ficar choramingando pelos cantos,
como fazia esse meu amado filhinho terráqueo?
— Ficarei aí com Regis dois!
— Bem vindo à bordo! — Riu o senhor Frene. — Só
temos um problema!
— Qual? — Questionei-o.
— Durante a viagem, você se alimentou bem?
— Não muito! — Neguei, me lembrando de que
não havia alimentos para Erick na nave.
— Posso fazer Erick dormir durante toda a viagem!
— Insinuou o senhor Frene. — Assim ele não precisará de
alimentos!
— Não quero dormir! — Negou meu amigo.
Quem ousaria passar todo o tempo dormindo,
durante a mais espetacular viagem de toda a sua vida?
Nem eu!
— Esperem só um pouco!— Resolvi, correndo para
casa.
Abri a geladeira de mamãe e raptei duas bandejas
de iogurte, um queijo tipo frescarine, inteiro, um pacote de
salsichas, uma bola de mortadela de um quilo... E do
armário, três caixas de leite longa vida, duas caixas de suco
de soja, uma lata de achocolatado, dois pacotes de bolachas
doces, dois de bolachas salgadas, duas latas de sardinhas
em conserva e um vidro de azeitonas verdes. Enchi duas
garrafas pets descartável, com água; coloquei tudo em três
O retorno do menino do espaço
23
sacolas plásticas; segui ao quarto e mesmo no escuro,
apanhei um monte de roupas que teria certeza serem de
Erick e então, quase não conseguindo carregar, retornei até
a espaçonave, entregando tudo a Erick e o acompanhando
até a cozinha, dizendo:
— Sei que não é o suficiente! Acho que terá que
fazer bastante economia, mas não vai morrer durante a
viagem!
Enquanto me retirava, já no corredor entre à cabine
e o grande hall de entrada, ouvi o senhor Frene, dizendo:
— Não se preocupe, em uma viagem espacial não
se come muito! Regis: Até qualquer dia! Não se esqueça de
que o amamos muito!
Voltei-me sorrindo e acenei dizendo:
— Eu amo muito o senhor também! Mas também
amo muito minha família e a Terra!
Retornei, dei um abraço em Erick, dizendo:
— Tenho certeza de que você será muito feliz por
lá!
— Agradeça seus pais por mim!
— Pode deixar que eu cuide da situação! — Voltei-
me a Luecy, dizendo:
— Agora você tem um novo amigo pra perturbar e
ensinar-lhe muita coisa.
— Ele nadará pelado em seu lugar!
— Boa idéia! Mas lá tem outro Regis pra você
azucrinar!
Quando já ia descer pelas escadas, elas se
recolheram rapidamente e a porta se fechou bruscamente,
então Luecy, ainda no hall da nave, me disse:
— Garoto Regis! Surpresa!
Me apavorei. O motor na nave foi acionado, mesmo
não tendo ninguém em sua cabine.
Celso Innocente
24
— O que há Luecy? — Gritei com o coração
disparado, assustado.
— Que tal uma pequena viagem até o mundo
Suster? — Alegou o robô.
— Pare com isso! — Gritei. — Quem ligou esta
nave?
— Eu! — Alegou ele, até parecendo rir. — Não
preciso estar na cabine para este treco funcionar!
— Não vou com vocês, robô hipócrita! — Gritei
apavorado. — Eu explodo esta porcaria!
A porta tornou a se abrir, fazendo os degraus de
escada, descerem até perto do chão e o robô ironizou:
— Brincadeirinha! Regis ficará na Terra!
Refazendo-me do susto, desci rapidamente da nave.
A escada se recolheu e a porta se fechou. Em poucos
segundos, seus motores aumentaram a potência e menos
de um minuto depois, lentamente começara a tomar altura,
então, em mais alguns segundos, como um raio,
desapareceu no Universo.
Lentamente, ainda olhando para o Céu escuro,
retornei para casa, fechei a porta, deitei em minha cama e
comecei a pensar em tudo o que ocorrera.
O retorno do menino do espaço
25
A repercussão dos fatos
o acordar, já passava das nove horas da manhã
de domingo. Olhei para o colchão vazio ao
lado de minha cama e tive a confirmação de que não fôra
um sonho. Levantei-me e segui para a cozinha, onde
encontrei mamãe, cuidando da louça, do jantar anterior.
— Oi mamãe! — Chamei-a.
Ela se voltou, vindo novamente me abraçar:
— Oi filhinho! Você dormiu bem? Descansou
bastante?
— Não estou cansado mamãe! A viagem pelo
espaço não cansa as pessoas! É bastante chata, porque não
se tem muito o que fazer naquele espaço limitado, mas é
confortável!
— Que bom que você está aqui! Que bom que não é
apenas um sonho! — Continuava me apertando forte.
— Não é mamãe! Nem pra mim! Voltei pra ficar
aqui pra sempre!
— Sonhava com você todas as noites, durante todos
esses anos! Sabia que você estava vivo... — Recomeçara a
chorar. — ...em uma estrelinha qualquer! Só não sabia qual
era ela!
A
Celso Innocente
26
— Eu também sonhava com todos daqui! Todos os
dias!
— Você viu o Erick? — Perguntou-me ela,
parecendo desconfiar de algo. — Ele desapareceu!
— Mamãe… Ele foi embora…
— Embora! Como assim? Ele não tem pra onde ir!
Apontei com o dedo para o espaço, sem nada dizer.
— Onde Regis? — Assustou-se ela. — O lugar dele
é aqui, conosco!
— Ele se foi em meu lugar! Mandou que
agradecesse a senhora e papai.
— Regis, você está brincando comigo! Diga que
está!
Acenei que não
— Aquela nave que trouxe você, foi embora na
mesma hora e Erick estava aqui, até irmos dormir!
— A nave retornou durante a madrugada!
— Não pode ser verdade! — Apavorou-se ela. —
Erick tem que ficar aqui!
— Ele sempre esteve abandonado aqui na Terra!
Sempre quis ir em meu lugar, pro planeta do senhor Frene!
Isto agora aconteceu! Não podemos fazer mais nada!
— A mãe dele vai ficar louca!
— A mãe dele, nunca o quis de verdade! Agora ela
não precisará mais se preocupar.
— Regis! Você não podia ter deixado isso acontecer!
Você acompanhou isso?
— Era a mim, que eles queriam levar novamente!
—Nunca mais teremos sossego com esse fulano do
espaço! — Se desesperou ela.
— Garanto que eles jamais virão me buscar! O Erick
sim, sempre estará com eles! Não podemos fazer nada!
Somente torcer por ele! Alem de que: ele não foi
O retorno do menino do espaço
27
sequestrado! Prontificou-se a ir! Garanto que lá, ele será
muito feliz!
Ela não se conformava. Seguiu para a sala,
deitando-se no sofá. Acho que sua pressão, caiu um pouco.
— E quem assaltou minha geladeira e meu
armário?
Fiquei meio sem jeito:
— Foi a última vez, que Erick lhe deu gastos,
mamãe! — Insinuei. — Mas não foi ele quem pegou!... Fui
eu!... Acontece que a viagem é muito longa e na nave não
existia mais nada! Eu passei necessidades na vinda!
— Nunca mais teremos sossego!
— Já está decidido! Jamais sairei da Terra! Aos
poucos minha vida retornará ao normal. Pode acreditar!
— Você deveria estar mocinho, como o Erick e seus
irmãos! Portanto é só um garotinho de nove anos!
— Acho que isto até é bom! — Insinuei. — Afinal,
perdi oito anos de convívio com vocês! Estes oito anos
serão compensados agora!
— O que vai ser de nós?
— A senhora não gosta de mim, assim criança?
Levantou-se, me abraçando novamente e dizendo:
— Eu o amo muito, filhinho! Do jeito que estiver!
Você está muito lindo! Eu sabia que voltaria um dia! E
sempre esperei você, ainda criança! Nunca o imaginei mais
velho!
— Só precisarei arranjar novos amigos! Os meus já
estão todos adultos!
— Você demorou muito pra retornar! Nós
estávamos ficando cada dia mais desesperados! Sua
ausência era uma ferida em nosso peito, que teimava em
não cicatrizar.
Celso Innocente
28
— Sabe mamãe, eu deveria ter voltado muito antes;
mas tive que prometer ficar por lá…
— Como assim?
— Lembra-se do acidente de Paulinho?
Ela se entristeceu novamente:
— Você soube? Ele quase morreu! Ficou muito mal
mesmo!
— Nós acompanhamos todo o sofrimento dele,
junto com a senhora e papai.
— Viu tudo?
— O senhor Frene me devolveria à Terra, mas como
o estado de Paulinho era muito sério, se comprometeu em
salvá-lo, desde que eu aceitasse ficar pra sempre em Suster.
— O que você está dizendo? Quer dizer que…
— Paulinho foi salvo pelos dois médicos mais
experientes de Suster.
— Isso não é possível! — Negou ela com lágrimas.
— O que ocorreu na verdade, foi um milagre que os
médicos não entenderam!
— Sim! Um milagre de Deus! Mas com a
experiência de dois grandes médicos! Alem dos médicos
aqui da Terra, que também trabalharam com muita
dedicação.
— Os médicos admiraram a milagrosa recuperação
sem sequelas de Paulinho. — Ela continuava chorando.
— Pois é mamãe! Com isto, tive que permanecer em
Suster! Só consegui voltar agora, graças às travessuras do
robô, que me trouxe sem permissão do senhor Frene!
— Sem permissão? — Assustou-se ela.
— Isso mesmo! Viemos escondidos.
— Ah não! Então esse homem virá te buscar
novamente!
O retorno do menino do espaço
29
— Não tenha medo! — Ri. — Ele já concordou em
me trocar por Erick. Alem do mais, já existe um novo
garotinho de seis anos de idade em meu lugar.
— Ele sequestrou outro menino? — Se incomodou
mamãe.
— Não! O único terráqueo atualmente no espaço é
o Erick!
— E quem é o outro menino? Você me disse da
outra vez, que lá não nascem crianças!
— Não se preocupe mãe! Milagres da tecnologia de
um mundo avançado!
— Sabe filhinho, toda noite eu ficava olhando pras
estrelas, imaginando em qual delas estaria você. Quando
via uma muito brilhante, que até parecia piscar pra mim,
imaginava vê-lo e assim, como no final do filme “O
Pequeno Príncipe”, esperava ouvir seu sorriso bonito,
vindo direto pra mim, mas como você nunca sorria, — Ela
chorava bastante. — acreditava que você estivesse muito
triste.
Eu também chorava com ela. Puxa, como sou
chorão!
— Realmente mamãe, eu nunca ficava feliz!
Aquele domingo foi passando muito depressa.
Nossa casa estava sempre cheia de gente, amigos e
curiosos, em busca das notícias de meu retorno. Assim
como era em Suster, aqui também, até parecia que eu era
um ídolo, onde todos me admiravam e faziam centenas de
perguntas, das mais simples até as mais esquisitas.
©©©
No final da tarde, estava brincando com Paulinho,
no fundo de nosso quintal, quando percebi parar em frente
de casa, um carro tipo Santana Quantum, de uma emissora
de televisão regional. Seus ocupantes: um homem branco
Celso Innocente
30
de uns vinte e cinco anos e uma linda mulher morena, de
cabelos longos, aparentando uns vinte anos, apearam do
veículo e antes de chamar, papai os atendeu, ficaram
conversando por alguns minutos, então o homem apanhou
uma câmera de tevê e a mulher, um microfone. Tendo
certeza de que o assunto era eu, me aproximei. A moça
educadamente cumprimentou-me:
— Olá! Você é Regis, suponho!
— Sim! Sou eu!
— Podemos saber um pouco de sua história?
— Prefiro que não! — Neguei — Podem saber
minha história; mas prefiro que não divulguem!
— Por quê?
— Se você falar de mim na televisão, em poucos
dias, vou acabar parando novamente na NASA.
— Isso é bom! Suponho!
— Já estive lá! Gostei! Mas prefiro ficar quietinho
aqui em casa.
— Assim como ficamos sabendo de seu retorno,
outros saberão! Mesmo que a gente não comente nada!
— Isso lá é verdade! — Concordei. — Papai decide
o que vocês podem fazer. Eu porem prefiro não comentar
nada na televisão. Pelo menos por alguns dias.
Realmente não falei nada, mas papai permitiu que
eles gravassem uma longa reportagem. Afinal, minha
história era muito interessante.
©©©©
Dez horas daquela noite, me aproximei da cama
onde meus pais já estavam dormindo e chamei em voz
baixa:
— Mamãe!
— O que foi? — Se surpreendeu ela.
— Posso dormir com você?
O retorno do menino do espaço
31
— Mas... Por quê? — Se admirou.
— Por favor! Só hoje!
Papai se levantou, dizendo:
— Tudo bem! Durma em meu lugar, que eu durmo
na sua cama.
Na manhã de segunda-feira, às sete horas, em um
jornal regional, o apresentador anunciou:
“— Após sete anos desaparecido, retornou no inicio
da noite de sábado à Terra, o menino Regis Fernando de
Araújo. A reportagem é de Silvia Helena.”
Em reportagem gravada em nossa casa na tarde de
domingo, com imagens do local, a repórter dizia:
“— Eram sete horas da noite deste Sábado, quando
um enorme disco-voador, pousou novamente em
Penápolis, trazendo de volta, o garoto Regis, que estava
desaparecido desde um mil novecentos e oitenta e um. É
fácil acreditar que Regis fôra sequestrado por alienígenas,
pois durante estes sete anos, ele não envelheceu nada,
continuando com a mesma aparência de quando
desapareceu. Tenho comigo uma foto de Regis, feita em
mil novecentos e setenta e nove e comparando com ele
aqui a meu lado, se percebe que não mudou em nada e
olha que sendo criança, sete anos depois, a aparência
mudaria muito. Regis prefere não dar entrevistas. Pediu
que deixássemos para outro dia, mas seu pai concordou
em falar”.
Virou-se para papai e perguntou:
“— O que aconteceu realmente?”
“— Na verdade, Regis foi sequestrado duas vezes.
A primeira foi no dia vinte e cinco de Março de oitenta,
sendo devolvido exatamente um ano depois. Naquele
mesmo ano, oitenta e um, no dia vinte e seis de agosto, ele
foi novamente sequestrado. Naquele dia, quando começou
Celso Innocente
32
a escurecer e Regis não chegava da escola, começamos a
nos desesperar. Quando escureceu de vez, minha mulher
quase morreu. Já sabíamos que por mais um ano,
estaríamos sem nosso filho. A coisa foi muito pior, pois
depois de sofrermos muito, um ano se passou e Regis não
retornou. Todos os dias sofríamos muito! Sabíamos que
qualquer dia ele retornaria, mas só agora, depois de sete
anos, este momento chegou.”
“— Como o senhor pode ter certeza, que ele esteve
mesmo em outro planeta?”
“— Primeiro, porque vi a nave chegando; depois,
porque meu filho continua criança, quando já deveria ter
dezessete pra dezoito anos. Ele nasceu em oito de Março
de Setenta e um”.
“— É isso mesmo, segundo disse Regis, ele esteve
em um planeta semelhante à Terra, porém mais adiantado
e seu nome é Suster. Fica na mesma Via Láctea, a oitenta e
sete anos-luz de distância. Regis contou ainda, que a
viagem para este planeta, demora pelo menos setenta dias
em uma velocidade muito acima da velocidade da luz, que
é de trezentos mil quilômetros por segundo.”
Novamente o microfone foi direcionado para papai,
que concluiu, me abraçando:
“— Meu filho, agora só quer descansar, curtir sua
infância na Terra e prometeu que jamais sairá daqui”.
A repórter encerrou:
“— Silvia Helena, diretamente de Penápolis, aqui
na Terra. — Ironizou ela. — Para o Primeiro Jornal”.
O apresentador do jornal, ainda comentou:
“— Regis nos faz lembrar o personagem de
histórias infantis, Peter Pan, o menino que não queria
crescer. O interessante é que ele não é um anão que não
quer crescer. Na verdade, ele não está é envelhecendo. Pelo
O retorno do menino do espaço
33
que vimos aí na reportagem de Silvia, ele realmente
continua igual sua foto de mil novecentos e setenta e nove.
Nove anos atrás”.
Naquela manhã, papai e meus irmãos, Luis de vinte
e um anos e Leandro de dezenove, foram trabalhar; minha
irmã Letícia, de dezesseis e os irmãos Carlos Henrique de
quatorze e Paulinho de treze anos, foram para a escola.
Consequentemente, fiquei sozinho em casa, com mamãe.
Na realidade, não ficamos tão sozinhos assim, pois,
principalmente depois do jornal da tevê, muitos curiosos
apareceram. Alguns, mais tímidos, apenas passavam em
frente de nossa casa, devagar... olhando; outros, até
chamavam no portão e mamãe aparecia para atendê-los.
Eu evitava sair na rua, só aparecendo quando se tratasse
de pessoas conhecidas, mesmo porque nestes casos,
mamãe às convidava para entrar.
Durante toda aquela manhã foi assim. Sentia pena
de mamãe, pois seu serviço de casa estava cada vez mais
atrasado. Por isso mesmo, tentando ajudá-la, como fazia no
passado distante, lavei toda a louça, preparei as sete
camas, varri toda a casa e passei pano molhado nos móveis
da sala e da copa.
— Meu filhinho! — Me abraçou ela com lágrimas.
— Você tá trabalhando tanto! Vá descansar!
— Não estou cansado mamãe! Desse jeito vou ficar
mal acostumado! — Brinquei. — A senhora está me
paparicando muito!
Enquanto ela tentava preparar o almoço,
descasquei e piquei uma abobrinha menina e cortei alguns
tomates, que ela iniciara e teve que atender a porta.
Por volta do meio dia, todo nosso batalhão familiar,
retornou para o almoço, que foi servido no horário de
costume, depois, deitei-me para descansar um pouco.
Celso Innocente
34
Acordei por volta das quatorze horas e corri ao
banheiro, para lavar o rosto e tirar a preguiça. Neste
horário, em casa, estava eu, mamãe e Paulinho. Minha
irmã e Henrique, haviam ido ao curso de Inglês.
Alguém chamou por mamãe no portão e ela, já
cansada dessa rotina, correu atender. Poucos segundos
depois, retornou acompanhada por uma linda jovem (a
mais bonita que já vi em minha curta existência na Terra):
morena, de cabelos longos. Pensei logo se tratar de outra
repórter de televisão. Porém estava sem maquiagem.
— Oi Regis! — Cumprimentou-me ela, com um
lindo sorriso, no canto esquerdo da boca, brilhando em um
batom incolor. — Você realmente continua o mesmo!
— Elizabeth! — Exclamei, reconhecendo-a, nem
mesmo sei como.
Levantei-me do sofá e ela me abraçou, beijando
meu rosto e deixando que a beijasse também.
— Você está muito bonita! Você sempre foi muito
linda! Quantos anos você tem?
— A mesma idade que você deveria ter!
— Dezessete?… Você tem namorado?
— Meu único namorado se chama Regis! —
Brincou ela, em belo sorriso. — Mas ele me deixou!
— Voltei agora! — Disse-lhe com o coração
palpitando feliz, como se fosse um príncipe. — Você ainda
me quer?
— Serei sempre sua namorada! Terei que esperar
você se tornar um pouco mais adulto… Mas vou esperar!
Uma sombra de tristeza passou sobre meu rosto.
— O que foi? — Perguntou-me ela.
— Não me tornarei adulto tão logo!
— Não se preocupe! Seremos eternos enamorados e
eu esperarei por você!
O retorno do menino do espaço
35
— O senhor Frene me disse, que mesmo na Terra,
não envelhecerei tão logo!
Ela pensou um pouco e disse:
— Esperaremos!
— Pode demorar pelo menos uns vinte anos, para
que eu comece a envelhecer e mesmo assim,
provavelmente jamais possa ter um filho.
Era certo que sua conversa de namorado, não
passava de mera brincadeira; mas para mim era sério: eu
que sempre a admirei em sua infância, me apaixonei
imediatamente, quando a reencontrei ali na sala de nossa
casa. Gostaria de poder realmente me tornar seu eterno
príncipe encantado e chamá-la de minha princesa. Meu
coração de criança bateu mais forte, parecendo ter desejos
de mocinho, mas seria impossível ela me esperar.
— Acho que terei que autorizar você me deixar e
conseguir outro namorado!
— Impossível meu gatinho! — Riu ela. — Faz sete
anos que espero por você! Vou continuar te esperando!
— Quando você tiver quarenta anos, eu estarei
parecendo seu filhinho.
— Ta me chamando de velha?
— Hoje não! Mas quando você tiver quarenta, eu
estarei com a mesma aparência de agora.
— Não pode ser Regis! — Negou mamãe. — O
clima aqui da Terra é diferente e você vai ficar um moço
muito bonito, loguinho, loguinho! Você não acha Beth?
— Quem sabe? — Aleguei. — O senhor Frene
prometeu me ajudar!
— Quem? — Assustou-se mamãe (ela se assustava
muito fácil).
— Sem que eu precise sair daqui, mamãe!
Celso Innocente
36
Beth continuou conosco a tarde toda, inclusive,
auxiliando mamãe no trabalho de atender a porta e
conversar com as pessoas, que buscavam informações
sobre “o menino que retornou do espaço”.
©©©
Na mesma emissora, a qual noticiara minha volta à
Terra, no jornal matutino, em âmbito regional, agora no
jornal da noite, reprisara a mesma notícia, porém em
âmbito nacional.
— Pronto! — Insinuei sério. — Agora vou ficar
famoso de verdade!
— É melhor você cobrar cachê! — Brincou
Henrique.
— Me dê um autógrafo? — Caçoou Paulinho,
pulando sobre mim, no sofá da sala.
Por volta das dez horas daquela noite, papai fôra se
deitar e eu o acompanhei, deitando-me a seu lado.
— O que há, Regis? — O estranhou.
— Nada! Posso ficar um pouco aqui?
— Claro! — Me abraçou. — Preciso mesmo
recuperar o tempo que ficamos longe.
Cinco segundos depois, como ele continuava
abraçado a mim, lhe pedi:
— Não precisa me abraçar papai! Sou homem!
— Pra mim você não é homem! — Me deixou. —
Pra mim você é meu filho! E também estou com
necessidades de seu carinho.
©©©
Quando acordei, chacoalhado por Paulinho, ainda
na cama de meus pais, pouco depois das seis horas da
manhã seguinte, fiquei sabendo, que em frente de casa,
havia um batalhão de gente. Eram repórteres de diversas
O retorno do menino do espaço
37
emissoras de televisão, rádio, jornal e revista. Papai já
havia atendido a todos e prometeu que eu falaria com eles.
Fui ao banheiro, tomei um ótimo banho, escovei os
dentes, vesti calça e camisa chique. Mamãe penteou meus
cabelos, dizendo, que era para que eu ficasse ainda mais
bonito, para aparecer na tevê. Tomei um rápido café, com
leite e pão caseiro. Tornei a escovar os dentes; não que
fosse costume escovar os dentes duas vezes de manhã
(tinha vezes que não escovava nenhuma); mas era uma
ocasião especial e não ia querer ser visto na televisão, com
fiapo de pão grudado nos dentes. Meus três irmãos mais
jovens seguiram para a escola.
Já passava das sete horas, quando, acompanhado
por papai, fui ao encontro dos jornalistas, inclusive a
mesma Silvia de domingo:
— Regis concorda em falar com vocês. — Afirmou
papai. — Desde que seja para todos ao mesmo tempo. Ao
contrário, se tornaria muito demorado e cansativo, alem de
repetitivo.
Naquele momento, as câmeras já estavam ligadas e
foi ali mesmo, na entrada do portão, que iniciamos uma
pequena entrevista, em regime coletivo.
— Sinto muito ter feito esperarem por mim! —
Aleguei. — Levantei-me agora a pouco e só agora, acabei
de tomar café.
— Qual sua idade Regis? — Perguntou-me alguém.
— Embora não pareça, tenho dezessete anos! Nasci
em março de mil novecentos e setenta e um.
— Você disse ter sido sequestrado há sete anos, por
seres alienígenas. — Insinuou outro repórter. — Confirma
isso?
— Não eram monstros, como nossa fértil
imaginação cria! — Neguei. — Eram seres humanos,
Celso Innocente
38
idênticos a nós. Inclusive, foi por isso mesmo que me
levaram!
— Por que seres humanos, idênticos a nós, se
preocupariam em sequestrar um menino da Terra? —
Perguntou-me outro.
— Em seu planeta não existem crianças! São
imortais e só existem adultos! A idade média de cada um
de seus mais de três bilhões de habitantes é de cinco mil
anos! Ou seja, qualquer um deles, nasceu antes mesmo de
Jesus ter vindo à Terra. Muitos deles, já nos visitaram, a
milhares de anos no passado.
— Como é a vida neste planeta? — Perguntou outro
repórter. — Como é sua alimentação?
— A alimentação é idêntica à nossa. Com exceção
de que lá não se come carne animal! A alimentação é a base
vegetal e muita coisa concentrada, principalmente para
longas viagens!
— Como, concentrada?
— Existe uma espécie de alimentação concentrada
em minúsculos tubos, como uma cápsula de remédio. Ao
se fazer uma viagem muito longa, como vir à Terra por
exemplo, seria impossível armazenar alimentação para
seus setenta dias de viagem, então eles utilizam pouca
alimentação natural e na maioria, concentrada. Esta
alimentação não tem gosto, mas por outro lado, a pessoa
não precisa ir ao banheiro, não engorda e não sente fome.
Eu prefiro muito mais um bife com batata frita! Faz tempo
que não como um desses!
— Por que eles queriam uma criança?
— Queriam um filho infantil! Diziam que uma
criança traz felicidade! Para eles eu era muito especial! Só
retornei porque fugi; caso contrário ainda estaria lá. Jamais
concordariam que eu viesse embora.
O retorno do menino do espaço
39
— Faziam algum mal à você?
— Mal físico não! Eu sofria sim! Mas era com a
ausência de casa; de minha família e de meus amigos!
— O que você fazia nesse lugar?
— Brincava sempre sozinho, ou com um robô
esperto; jogava videogame, nadava sozinho, ou às vezes
acompanhado por uma jovem chamada Leandra. Acho que
o nome verdadeiro dela nem era esse! Ia à televisão, ao
parque... viajava um pouco e ultimamente estudava
bastante.
— Realmente esta seria outra pergunta! — Insinuou
a repórter Silvia. — A gente percebe que você fala até
muito bem, se compararmos à uma criança de nove a dez
anos de idade! Você estudava naquele planeta?
— Quando Sai de lá, estava cursando a sétima série!
Estudava pelo menos seis horas diárias!
— Eles falam nosso idioma? Falam Português?
— Não! Não consigo entender patavina de seu
idioma! A gente se comunicava, graças a um aparelho
tradutor criado por eles. Aliás, estão centenas de anos,
avançados em relação à nós. Esses equipamentos de
televisão que vocês estão utilizando aqui, não existem lá!
Não há necessidade que um cameraman fique com um
peso desses nos ombros! Isso lá é em miniatura e
controlado por um sistema computadorizado. Não
possuem fita magnética. São minúsculos cartões, capazes
de armazenar imagens de um dia inteiro de gravação.
— Como funciona a nave espacial?
— Não sei direito! — Neguei. — Quando se vai
fazer uma viagem, os engenheiros estudam e traçam toda a
rota em um computador de bordo! Embora haja um ou
mais astronautas, acompanhando toda a viagem, a nave é
pilotada praticamente no automático. É tão simples, que
Celso Innocente
40
até mesmo eu, já pilotei uma delas. E isto, quando eu tinha
realmente nove anos de idade!
— Como é possível uma viagem tão longa ser
realizada em pouco tempo? Setenta dias é muito pouco,
visto a distância real.
— Concordo e não sei explicar! Só sei que a nave
viaja numa velocidade superior a velocidade da luz. Eles
me disseram também, que no espaço, o tempo passa mais
depressa, o que talvez complicasse ainda mais nosso
entendimento.
— Mais depressa? — Questionou-me um dos
repórteres. — Não seria o contrário?
— Realmente! — Concordei. — Pra quem está
dentro da nave, quanto maior a velocidade, mais os
ponteiros do relógio parecem parar! A tal viagem de
setenta e um dias, parece ser feita em sete ou dez dias! Sei
lá! É apenas impressão!
— Talvez explique o motivo pelo qual você não
envelheceu! — Comentou a repórter Silvia.
— Pode até ser um dos motivos também! Mas não o
real!
— Como é o planeta onde você esteve? Idêntico à
Terra?
— É e não é! — Gesticulei com as mãos. — Tem um
clima idêntico ao nosso! Tem água, oxigênio, nitrogênio,
vaporização da água, dióxido de carbono, temperatura de
trinta e cinco graus… Tem os tais efeitos eletromagnéticos,
protegendo o planeta contra os tais ventos solares
(estelares). Mas não tem noites! Duas estrelas gigantes se
encarregam de iluminá-lo em suas trinta e duas horas
diárias. Só em determinado período do ano, que passa um
pequeno espaço de tempo diário, sem iluminação em certa
O retorno do menino do espaço
41
parte do planeta2. Não onde eu morava! E assim mesmo o
período é tão pouco que não chega a escurecê-lo. Pra se ter
uma idéia, os carros de lá não possuem faróis.
— Chove?
— Semelhante à Terra. Porém nunca presenciei
tempestades muito violentas! Chega a sofrer descargas de
raios e trovões e até mesmo, traz certa escuridão ao
planeta! Por isso mesmo, o senhor Frene mencionou, que
seria útil a instalação de faróis em carros e mais lâmpadas
nas residências.
— Deve ser muito calor!
— Trinta e cinco graus! Existe também a camada de
ozônio, que assim como na Terra, protege o planeta contra
os raios ultravioletas, que é pior do que aqui, devido não
haver noites e ser bombardeado constantemente por duas
estrelas. Só que a deles é pro...tegida. Os susterianos, por
não gerarem mais vidas, prezam muito as que têm, então,
ao contrário de nós, não devastam tudo! Eles protegem e
conservam sua camada de ozônio. Não existem nada em
spray e conservam rigorosamente as matas naturais e todo
tipo de natureza.
— Se eles são seres humanos idênticos a nós e
saudáveis, inclusive imortais, por que não existem
crianças?
Houve risos, imaginando uma pergunta um pouco
maliciosa.
— A princípio, eles achavam que era escassez de
oxigênio, mas depois de muito estudo, concluíram que a
mesma radioatividade que os tornaram praticamente
2 Isto acontece devido a órbita elíptica com que o exo-planeta faz ao
centro de suas duas estrelas gigantes.
Celso Innocente
42
imortais, também os tornaram estéreis. — Respondi,
também com leve sorriso.
— Eles não namoram?
— Claro! Namoram, casam e transam
normalmente! Só não geram bebês!
— Acho esse assunto desnecessário! — Insinuou
papai.
— Tudo bem papai! — Aleguei com sorriso maroto.
— Já tenho dezessete anos! Já estudei sobre isso!
Todos riram.
— Você aprendeu muito sobre aquele planeta?
— Estive lá por oito anos! Não tinha muito o que se
fazer, a não ser estudar e perguntar. Aprendi muito! Posso
ser considerado um susteriano original!
Claro que foi apenas uma metáfora.
— Como é viajar no espaço?
— Belo! Magnífico! Recomendaria a todos! Posso
ser considerado privilegiado.
— O que se vê?
— O espaço sideral, muda de cor e forma a todo o
momento! Às vezes é azul, ou verde; então muda pra um
tom rosado, ao mesmo tempo escurece. Muitas vezes,
deparamos com chuva de meteoritos, outras vezes, são
meteoros grandes… se a nave fosse pilotada manualmente,
com certeza não se chegaria a nenhum lugar, mas, como
ela é automática, consegue desviar de todos os meteoros
pesados. Os menores se desviam por si mesmo! É como se
a nave tivesse um repelente contra esses... digamos...
insetos! Como se fosse um objeto imantado de pólo
semelhante aos meteoritos! Pólos idênticos se repelem!
Não é isso?
— Dá pra assistir aurora boreal?
O retorno do menino do espaço
43
— Muito difícil! Este fenômeno acontece
geralmente nos polos dos planetas!
— Se a nave se desvia dos meteoros, com certeza
sai fora da rota traçada pelos engenheiros. E aí?
— O computador de bordo alarma, percebendo o
ocorrido e a coloca novamente na rota. O senhor Rud me
disse, que se a nave ficar fora de rota apenas um milímetro,
ela jamais chegara a seu destino real.
— Como os engenheiros conseguem traçar uma
rota tão longa?
— Não sei responder! Só sei que eles usam um
mapa estelar! Assim como na Terra, cada estrela pra eles
tem um nome! Lógico que não os mesmos nomes dados
por nós! Procure em nossos mapas estelares, na
Constelação de Ursa Maior e não encontrarás uma estrela
por nome Kristall ou Brina! Muito menos, um planeta
habitado por nome Suster.
— Elas estão nessa constelação?
— Sim! Mas não são vistas da Terra, a olho nu!
— Como eles descobriram Regis aqui na Terra?
Como eles descobriram à Terra?
— Isso foi a cinco mil anos!... Não Regis... Que não
existia. — Emendei. — Mas à Terra! O pai do senhor Frene
foi um dos descobridores. Quando uma estrela explodiu
no espaço, ameaçando Suster, alguns astronautas,
imaginando ser o fim de sua espécie, saíram pelo Universo
em busca de um planeta ideal. A maioria deles jamais
retornaram. Devem ter morrido, ou se perdido no espaço.
O pai do senhor Frene, com outros quinze tripulantes
chegou à Terra, mas retornou alguns anos depois. Eles
tornaram a visitar nossa Terra mais algumas vezes. Depois,
devido à longa distância e como as naves não eram tão
modernas como as de hoje... Naquela época, se demorava
Celso Innocente
44
pelo menos um ano pra chegarem até aqui; por isto
resolveram nunca mais vir. Só há alguns anos, resolveram
ter uma criança em seu meio e como eram estéreis e já com
essas naves mais velozes, decidiram buscar uma aqui na
Terra. Ser eu foi apenas um acaso. Poderia ser Paulinho…,
Henrique…, Kadu… Uma menina...
Para não prolongar muito a conversa, tentava
ocultar muita coisa nas respostas e dava uma resposta
comprida, pois sabia que se dissesse apenas o mínimo,
surgiria outra pergunta complementar.
Também evitei comentar sobre o sequestro de
Erick, o acidente de Paulinho e principalmente meu clone,
que mesmo eu, só ficara sabendo recentemente.
Todos os repórteres e curiosos presentes,
admiravam minha fisionomia infantil, saber tanto sobre
qualquer pergunta, mas se esqueciam de que eu teria
estudado e aprendido muito na prática. E que, além do
mais, não era tão jovem assim.
Terminada aquela pequena entrevista, agradeci a
todos e entrei. Papai também pediu licença, alegando
precisar trabalhar e se retirou.
A maioria dos repórteres desmontaram seus
apetrechos, se retirando também. Outros, porém,
preferiram permanecer mais algum tempo no local.
O retorno do menino do espaço
45
Celebridade
ssim como no dia anterior, só ficara eu e
mamãe em casa e como no dia anterior, os
trabalhos domésticos ficaram muito atrasados, devido ela
sempre atender pessoas chamando no portão, com isto,
resolvi me despir daquela roupa de passeio, vestir apenas
um short e uma camiseta surrados e ajudá-la em seus
afazeres mais fáceis. Mamãe sempre educada, não ficava
nervosa, mesmo que tivesse que ir ao portão diversas
vezes em poucos minutos e mesmo que os repórteres, a
interrompesse com algumas perguntas.
Mesmo eu, apesar de evitar sair ao portão, algumas
vezes, sentia na obrigação em fazê-lo, quando mamãe
estava com o almoço no fogo, ou trabalhando no fundo do
quintal, ou no banheiro…
Ao atender uma dessas vezes o portão, um dos
repórteres me pediu:
— Regis, nos dê mais algumas respostas.
— Não posso agora! — Neguei. — Papai não me
autorizou!
— O que você disser agora, a gente pede permissão
a ele depois.
A
Celso Innocente
46
— Desculpe! — Pedi educadamente. — Não quero
ter problemas com papai! Nem pra mim, nem pra você!
Antes do meio dia ele voltará. Quem sabe então…
©©©
Quando meu batalhão familiar chegou quase todos
juntos, só havia dois repórteres de televisão, a espera no
portão. Eles pediram permissão à papai para que eu falasse
mais um pouco. A princípio ele tentou recusar, mas como
eu percebera, fui até ele e pedi:
— Só mais algumas perguntas papai! Eles ficaram
esperando até agora! Estão aqui desde cedo!
— Quanto mais você falar, mais transtorno pra
você!
— Já estou me vendo de volta à NASA!
— Está bem então! Desde que seja rápido, pois
preciso almoçar. Vá se trocar!
— Não há necessidades! — Negou o repórter. — É
bom que Regis seja uma criança natural!
Papai me olhou dos pés à cabeça e insinuou:
— Parece uma doméstica, com essa roupa molhada!
Puxei a camiseta confirmando e dando de ombros.
— Vamos lá! — Concordou papai.
— Regis, como está sendo sua nova vida na Terra?
— Perguntou-me o mesmo repórter.
— Estou parecendo famoso! — Ri. — Não posso
nem sair no portão! Acho que vou acabar dando
autógrafos!
— Está complicado, ou você gosta?
— Prefiro ser eu mesmo! Ser famoso é coisa de
artista de cinema! Mas se você permitir gostaria de
aproveitar esta chance pra agradecer a todos que querem
me visitar e dizer que estou acostumado a ser muito
O retorno do menino do espaço
47
amado. Em Suster eu era... Aliás, sou amado por mais de
três bilhões de pessoas, homens e mulheres.
— O que você tem feito na Terra, desde que
chegou?
— Tenho deixado de ser vagabundo! Em Suster eu
era muito mimado! Faziam tudo por mim! Se deixasse, até
banho davam em mim! Aqui, como mamãe tem muito
trabalho, inclusive atendendo o portão por minha causa,
tenho procurado ajudá-la um pouquinho. Por isto estou
com a roupa molhada! Estava esfregando o chão com pano
molhado.
— Você disse que estudava em Suster! Estudava
matérias de lá ou daqui? Ou é tudo igual?
— Nada igual! — Neguei. — Estudava matéria dos
dois lugares! Tinha professores particulares pra estudar
assuntos de lá e outros pros assuntos daqui! Não poderia
continuar analfabeto.
— O que você estudava?
— Tudo! Matemática, Língua Portuguesa, Inglesa,
Geografia, História dos dois mundos, Ciências…
— Como é o convívio entre as pessoas neste
planeta?
— Não muda muito daqui! Existe amizade, mas
também há divergências! O sistema de saúde é muito
avançado! Não existem doenças físicas ou psicológicas! Só
as acidentais. Embora eles sejam praticamente imortais,
alguns acidentes são fatais e o número de habitantes tem se
reduzido bastante. Suster é maior do que a Terra, porém
seu número de habitantes por metro quadrado é bem
menor e tende a se diminuir drasticamente, devido abusos.
— Você voltaria a viver lá?
— Não! Jamais sairei da Terra!
— O que vai acontecer a você, a partir de então?
Celso Innocente
48
— Pretendo ter uma vida normal! No próximo ano,
voltarei à escola, creio que na sétima série... Se eles
deixarem! Mesmo porque eu estava cursando a sétima
série. No futuro, não tão já, vou namorar e pretendo me
casar. Vou trabalhar também, é lógico!
— Você comentou seu retorno à NASA. Você irá
pra lá?
— Da outra vez, há sete anos, fui e gostei! Se depen-
desse só de minha vontade, preferia não ir, ou pelo menos
dar um tempo! Mas acredito que tão logo, receberemos a
visita de alguns de seus especialistas.
— Você se considera inteligente?
— Sou igual a todos! Sei mais do que um menino
de nove anos! Não por ser mais inteligente, mas sim por
ser mais estudado e mais velho! Tenho dezessete anos e
não sei tanto quanto um jovem desta idade! Estou atrasado
em relação a minha idade! Nunca estudei física, biologia,
química, fisiologia e outras matérias dessa faixa etária. O
que me faz estar atrasado na escola.
— Você se considera um jovem, ou uma criança?
— É muito bom ser criança! — Afirmei orgulhoso.
— Acho que é assim que me sinto! Apesar de já ter a idade
de um adolescente, meu metabolismo é de uma criança. Só
que agora, estou sem amigos dessa idade. Preciso
conquistar outros.
— Será a coisa mais fácil do mundo, Regis! — Afir-
mou convicto o repórter. — Eu lhe garanto!
Ele mesmo fez sinal para a câmera, para encerrarem
aquela conversa. O outro repórter também.
— Obrigado Regis! — Agradeceu ele. — Vamos
deixar você almoçar.
O retorno do menino do espaço
49
— Você é realmente um menino especial! — Alegou
o outro repórter. — Seu coração é bondoso! Não tem
maldade e é muito educado.
— Outro dia a gente conversa mais. — Lhes disse,
dando um abraço em cada um, inclusive nos dois camera-
man. Em Suster, estava habituado a este tipo de carinho.
Papai, alegando estar atrasado, pediu licença e
entramos, mesmo antes deles irem embora. Iriam demorar
um pouco, pois tinham que recolher seus equipamentos.
©©©
Após o almoço, segui à meu quarto, tirei a camiseta
e deitei um pouco para descansar.
Quando acordei, ouvindo vozes, já eram quase
quinze horas. Levantei-me e segui até a cozinha, onde
encontrei mamãe falando com Beth.
— Oi Beth! — Cumprimentei-a, com a maior cara
de sono. — Que bom que você veio!
— Estava com saudades! — Insinuou ela.
Segui ao banheiro, onde lavei o rosto, depois
retornei à cozinha.
— Vista uma roupa, filho! — Pediu mamãe.
— Não se preocupe! — Alegou Beth. — Ele está
bem assim!
Na verdade, estava sem camiseta, mas estava de
short e embora fosse um pouco curto, não me incomodava
tanto.
Deixamos mamãe com seus afazeres e seguimos
juntos para a sala, sentando juntos no sofá.
— Você continua estudando? — Perguntei-lhe.
— Estou no terceiro ano do segundo grau! Estudo
de manhã.
— Eu também deveria estar no último ano!
Celso Innocente
50
— Não se preocupe com isso! — Pediu ela. — Você
ainda é muito jovem! Voltará à escola no ano que vem e
loguinho estará lá!
— Vou tentar me matricular na sétima série!
— Acredito que você terá que se matricular na
terceira, novamente!
— Já concluí a terceira, quarta, quinta e sexta série!
Mesmo estando em Suster!
— Será que tem validade?
— Espero que sim!
Uma pequena tristeza dominou meu semblante.
— O que foi? — Perguntou-me ela.
— Você… Não tem mesmo… Namorado?
Colocou o dedo indicador direito em meus lábios,
insinuando:
— Nunca tive outro namorado! Não é brincadeira!
— Na verdade, nós nunca fomos namorados!
Éramos crianças e amigos!
— Sei disso! Nem mesmo é por sua causa que não
tive namorados. Acho que não arranjei alguém que fosse
minha alma gêmea.
— Entendo!
— Mas gosto de você, de verdade!
Exibi um sorriso moderado.
— Mas acho que não poderemos mesmo, sermos
namorados!
— Provavelmente me acusariam de pedofilia! —
Brincou ela. — Mas seremos namoradinhos de faz de
conta!
— Acho que não é a mesma coisa! — Insinuei triste.
— Espero que você vá a minha casa me ver.
— Lógico que irei!
O retorno do menino do espaço
51
— Então tá! — Se levantou, deu-me um beijo no
rosto. — Deixe-me ir embora! Tenho um trabalho de
Química pra amanhã!
— É cedo ainda!
— Pode deixar que eu voltarei!
Despediu-se de mamãe e saiu.
©©©
Naquela noite, todos os noticiários de todas as
emissoras de televisão, mostravam como matéria principal,
o relato, sobre meu retorno do espaço. Alguns deles,
analisando o acontecido, como um fato real e importante,
sendo algo a se pensar com muita cautela; outros, porém,
ironizando, como se fosse algum truque de publicidade,
duvidando inclusive, de minha foto de nove anos no
passado, dizendo que era alguma montagem e que talvez,
a foto fosse na verdade de papai. Isso porem não me
afligia. Talvez fosse até bom, se todos acreditassem nesses
jornalistas que ironizavam minha longa viagem, ou seja: se
ninguém acreditasse em mim, provavelmente a NASA, ou
CERN3, também não se importaria com minha história e
me deixaria em paz, levando a vida de simples criança, que
almejava ser.
Pouco depois das nove horas, deitei-me na cama de
meus pais.
Uma hora depois, já estava praticamente dormindo,
quando percebi que papai tentava me carregar no colo,
para minha cama.
3 - A Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (em francês: Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire), conhecida como CERN (antigo acrônimo para Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) , é o maior labora-tório de física de partículas do mundo, localizado na região noroeste de Genebra, na fronteira Franco-Suíça e foi criada em 1954.
Celso Innocente
52
— Me deixa! — Pedi, preguiçoso.
— Regis, filho! — Insistiu ele. — Você está grande!
Tem que dormir em sua cama!
— Não quero! — Neguei, praticamente dormindo.
Realmente eu estava grande, para ainda pensar em
dormir com meus pais. E mais: Nunca havia dormido com
eles antes. Mesmo quando bebê dormia em um berço no
mesmo quarto, mas nunca na mesma cama.
Mas ainda naquela noite, acabei dormindo ali,
enquanto papai seguiu para o quarto que eu deveria
dividir com os demais irmãos.
©©©
Na manhã seguinte, percebi que o sarcasmo de
alguns jornalistas, não me deixaria livre do assunto
“espaço sideral”. Ao me levantar, novamente acordado por
Paulinho, pouco depois das seis horas, fiquei sabendo que
lá na rua, existiam dezenas de outros jornalistas, querendo
novamente falar sobre a tal viagem ao planeta Suster.
Quem os atendeu desta feita foi Luis, meu irmão
mais velho, dizendo que eu falaria com eles, mas
demoraria um pouco, pois ainda estaria dormindo.
Tomei um banho, escovei os dentes, vesti roupa
chique, incluindo calça e camisa de manga longa, tomei
um reforçado café à base de leite, pão e queijo, tornei a
escovar os dentes. Com apoio de mamãe, penteei meus
cabelos castanhos, que não eram tão curtos e só por volta
das sete horas, quando meus irmãos já haviam se retirados,
uns para a escola, outros para o trabalho, é que saí
acompanhado por papai, que cumprimentou os jornalistas
e pediu.
— Essa gravação tem que ser bem rápida, pois
tenho que ir para o trabalho!
O retorno do menino do espaço
53
Descobrimos que entre os jornalistas, alguns eram
correspondentes internacionais e que com certeza, em
poucas horas, meu retorno já estaria nos ouvidos dos
conferentes da NASA americana.
Para mudar um pouco a cara das imagens, a pedido
de alguns jornalistas, seguiríamos até uma represa da
prefeitura, existente próximo à minha casa, onde seria feita
a reportagem.
Antes porem, me ausentei por alguns segundos,
para colocar em meu peito, sem contar a ninguém, meu
aparelhinho tradutor, ganho do senhor Frene, para com
isto, poder entender as perguntas ou metáforas,
formuladas em Inglês, pelos correspondentes de outros
países.
As perguntas iniciaram imediatamente sem muita
novidade. Ou seja: praticamente as mesmas do dia
anterior. O que os deixaram muito impressionados foi a de
não saber como poderia eu, simples criança, entender
perfeitamente Inglês, sem nunca ter estudado tal idioma.
Quando me perguntaram se já havia estudado tal idioma,
respondi que teria estudado desde á quinta série, na escola
de Suster. Mas qualquer um sabe que ninguém aprende a
falar Inglês fluente, apenas com o curso básico da escola
primária. Preferi não revelar a eles a verdadeira razão.
Embora tenham ficado admirados, não insistiram muito
nesta pergunta.
©©©
Naquela noite, deitei-me primeiro que meus pais,
em sua cama e antes que eles fossem se deitar, eu já estaria
dormindo.
Acordei por volta das onze horas da noite, naquela
que deveria ser a minha caminha de criança. Levantei-me e
caminhando devagar no escuro, segui para seus quarto,
Celso Innocente
54
onde me enfiei no meio dos dois. Papai resmungou alguma
coisa, se levantou e saiu. Mamãe me abraçou e eu já estava
dormindo.
©©©
Sábado, nove horas da manhã, mamãe atendeu o
chamado no portão. Pediu para aguardar e chamou papai.
Eu o acompanhei e apesar de encontrá-lo bem mais velho,
com o cabelo puxando para o grisalho, já o reconheci de
longe. Meu coraçãozinho bateu assustado.
— Bom dia! — Cumprimentou-nos ele. — Lembra-
se de mim?
— Já sabia que o senhor viria! — Afirmei, franzindo
os lábios, com certo receio. — Mas torcia pra que não
viesse!
— Que isso garoto! Sou tão mal assim?
— O motivo de sua vinda é que me assusta! Não é
papai?
— É doutor Marcelo! Sua visita não é de
cordialidade! — Retrucou papai.
— Que isso pessoal! Só vim lhes oferecer mais um
passeio, com tudo pago pelo governo americano!
— Já passeei muito doutor Marcelo! — Insinuei. —
Prefiro descansar um pouco!
— A viagem só será em dez de Outubro! Até lá dá
pra descansar bastante!
— Hoje já é dia primeiro, doutor! — Alegou papai.
— Tem só uma semana! Que dia será dia dez?
— Segunda feira! Às nove horas, um carro oficial
buscará vocês e os levarão à São Paulo, onde
embarcaremos juntos aos Estados Unidos.
— O que vai acontecer dessa vez por lá? —
Perguntei-lhe.
O retorno do menino do espaço
55
— Nada de mais! Será a mesma coisa que aconteceu
da outra vez. As mesmas perguntas e simples exames!
— As mesmas perguntas e simples exames, o
senhor diz! — Exclamei de cara feia. — Então serão as
mesmas respostas! Não seria melhor evitarmos tudo isso?
O governo americano economizaria muito dinheiro! E eu
ficaria com minha família!
— Regis, a NASA investe milhões de dólares
mensais, em pesquisas espaciais! — Alegou doutor
Marcelo. — Qualquer novidade que você levar a ela, será
de muito grande importância e o dinheiro que ela vai
gastar com você, não significa nada!
— Essa é boa! — Ri, com sarcasmo, pelo jeito errado
de falar. — Muito grande importância! É irrelevante
doutor!
— Um jeito exagerado de falar! — Justificou doutor
Marcelo. — Mas é real!
— Quantos dias ficaremos por lá? — Perguntou-lhe
papai.
— Uma semana no máximo! A diferença, é que
desta vez, pra compensar o sacrifício de Regis, eles
proporcionarão dois, ou até mais dias inteiros para um
passeio, onde todas as crianças adoram! Sabe onde é Regis?
— Disneylândia! — Exclamei com leve sorriso.
— Isso mesmo garoto! Serão dois dias só de alegria!
Você se divertirá merecidamente! Eu e seu pai iremos de
carona!
— Dá outra vez que fui lá, vocês fizeram um exame
radioativo em mim sem nos pedir permissão.
— Quem lhe falou isso? — Se espantou o homem.
— O senhor Frene!
— Esse homem sim lhe prejudicou! — Reclamou o
homem visivelmente nervoso. — Não nós!
Celso Innocente
56
— Ele pode ter me prejudicado, mas vocês não
estão se importando com isso! Vocês até acham muito
bom! Pra suas pesquisas aeroespaciais. E ele ter me
prejudicado, não quer dizer que vocês podem fazer o
mesmo!
— Só injetamos pequena quantidade de mercúrio
em suas veias, para criar certo contraste e medir seu nível
de radioatividade.
— Não nos pediu permissão! — Insisti com certa
revolta.
— Nada nocivo! — Negou ele.
— Mercúrio em minhas veias, não é nocivo? Que tal
em suas veias!?
— A quantidade foi tão insignificante, que seu
organismo, o eliminou em menos de vinte e quatro horas!
— Não nos pediu permissão! — Insisti. — E quem
me garante, que meu organismo eliminou em menos de
vinte e quatro horas?
— Os médicos do mundo inteiro, fazem exames
deste tipo, centenas de vezes por dia, em pacientes de
todas as idades.
— Doutor Marcelo, o meu organismo é diferente do
organismo de qualquer pessoa, do planeta inteiro!
— Prometo que desta vez não faremos nada
escondido! Qualquer coisa que tentarmos contra ti, será
muito bem esclarecido antes!
— Quero levar toda a minha família! — Pedi.
— Impossível garoto! As passagens já estão
compradas.
— É só comprar outras!
— Não dá garoto! Muita gente!
— Só mais seis!
O retorno do menino do espaço
57
— Negociar isso será muito complicado! — Alegou
doutor Marcelo.
— Então não irei! Pede pra NASA vir até aqui!
O doutor Marcelo não esperava por isso. Pensou
um pouco e disse:
— Posso conseguir passagem pra mais dois! —
Confirmou.
— Nesse caso Regis, viaja você, sua mãe e seus
irmãos menores. — Afirmou papai. — Eu fico!
— Doutor Marcelo, o senhor mesmo disse, que a
NASA, não se importa com esse dinheiro. — Cobrei. —
Que é muito pouco em vista do que eles investem
mensalmente.
— O problema não é a NASA, mas sim o governo.
A verba pra esta viagem já está orçada.
— Orçada como? Se ninguém sabia que eu iria
voltar?
— No começo do ano, se cria uma verba, pros
assuntos extras! É daí que vem!
— Touchê! — Ri, franzindo os lábios. — As outras
seis passagens, sairão da verba dos assuntos extras!
— É complicado garoto! Não são só as passagens!
Tem também os hotéis, os passeios e o mais difícil: os
passaportes.
— Tudo bem doutor Marcelo! — Concordei. — Eu,
mamãe, Paulinho, Henrique e papai!
— Tire um dessa conta! — Pediu ele.
— Eu! — Caçoei.
— Desta vez eu ficarei no Brasil, Regis. — Aceitou
papai. — Tenho que trabalhar!
— Papai é quem decide! — Concordei. — Posso ir
agora? Preciso sair!
Celso Innocente
58
— Tudo bem! — Concordou ele. — Te vejo dia dez,
no aeroporto de Cumbica.
— Aonde você vai, Regis? — Perguntou-me papai.
— Na casa de Beth!
— Namoradinha! — Brincou doutor Marcelo.
— Sorte sua, que não pedi pra levá-la também!
Retirei-me, indo realmente fazer minha prometida
visita, à garota Elizabeth.
Chamei-a em seu portão e quem atendeu foi sua
mãe:
— Oi Regis! Você não mudou nada mesmo!
Lembra-se de mim?
— Claro que sim! Estive fora um tempinho, mas
estou de volta! A Beth está?
— Claro! Entre!
Entrei em sua bonita casa. Elizabeth era filha única
e sua casa estava sempre muito bem arrumada. Diferente
de minha casa de antigamente, onde, embora mamãe
tentasse incansavelmente, o monte de crianças, não
deixava nada no lugar. Agora, portanto, como todos
cresceram, as coisas já paravam um pouco mais
organizadas.
Mal acabei de me sentar, no confortável sofá da sala
e Beth, que estava em seu quarto, entrou:
— Oi Regis! — Me beijou na face. — Finalmente
você veio me visitar! Resolveu sair da toca?
De fato, foi à primeira vez que saí de casa, desde
meu retorno.
— Estava com saudades! — Aleguei. —Você não
apareceu mais!
— Muito trabalho escolar! Mas senti sua falta
também! — Mostrou-me um belo sorriso.
O retorno do menino do espaço
59
Ela era realmente a garota mais bela que conheci
em toda minha vida. E agora, praticamente mulher, estava
ainda mais bela do que quando criança. Acho que estava
realmente apaixonado por aquela princesa, saído de algum
conto de fadas.
— Vou ter que viajar novamente! — Insinuei triste.
— Como assim? Vai pra NASA?
— Isso mesmo! Preferia ficar!
— Aproveite pra passear! Serão poucos dias!
— Iremos à Disneylândia!
— Que legal! — Sentou-se a meu lado. — Me leve
com você!
— Bem que gostaria! Consegui lugar pra minha
mãe e dois irmãos menores.
— E seu pai?
— Não vai!
— Divirta-se por mim! — Pediu ela sorrindo. —
Quando estiver cara a cara com Mickey, lembre-se de mim!
— Por quê? — Ri. — Você não se parece com ele!
— Lembre que eu queria estar junto!
— Darei um abraço nele por você! — Sorri
levemente.
— Ânimo menino! — Pediu dona Joana, mãe de
Beth. — Qualquer garoto daria tudo por um passeio
desses!
— É que estou cansado, dona Joana!
— Vá se divertir menino! Depois você descansa! —
Aconselhou ela. — Quer tomar um suco?
Calei-me. Beth confirmou:
— Quer sim mamãe! Conheço Regis!
Dona Joana foi buscar o suco.
— Você almoçará conosco! Certo!
Celso Innocente
60
— Não posso Beth! Não disse nada pra mamãe!
Caso eu demore muito, ela terá um troço! Tem medo de
tudo! Tá me paparicando muito!
— Até eu estaria! — Brincou dona Joana.
— Iremos avisá-la! — Se prontificou Beth.
— Obrigado!
— Obrigado de nada! — Negou ela. — Estava
esperando por este dia!
A mãe dela entrou com uma jarra de suco de caju e
nos serviu, perguntando:
— Você ficará mesmo para o almoço?
— Beth me convidou!
— Ouvi!
Tomamos o suco. Dona Joana quis saber mais sobre
minha longa viagem. Disse ter ouvido comentário na
televi-são, mas não gostou muito da ironia de alguns
jornalistas, que pareciam duvidar de minha história.
Após relatar parte de minha viagem e tomarmos
quase toda a jarra de suco, fui com Beth, avisar mamãe de
que almoçaria com aquela princesinha.
Enquanto caminhávamos pelas quase quatro
quadras de distância, ela me disse:
— Sabe Regis, sempre me senti culpada por você
ter sido sequestrado?
— Por quê?
— Lembra-se que você queria que eu o
acompanhasse por aquele caminho do aeroporto?
— Lembro!
— Eu me recusei. Se eu tivesse ido, talvez você não
tivesse sido sequestrado.
— É! Estaríamos em dois! — Confirmei.
— Ou nós dois poderíamos ter sido sequestrados!
O retorno do menino do espaço
61
— Seria bom! — Disse alegre. — Pelo menos eu
teria companhia agradável!
— E hoje, eu também estaria como há oito anos!
— O que seria bom! — Insinuei meio triste. —
Assim saberia que jamais à perderia.
— Você não vai me perder, Regis! — Negou ela. —
Eu não tenho outro namorado!
— A cada dia que passar, você estará mais adulta e
eu continuarei criança. Você não poderá me esperar! Nem
eu posso exigir isso!
Como sempre, eu já estava chorando. Já
chegávamos à frente do portão de casa. Ela me abraçou
dizendo:
— Deixe de ser bobinho Regis! Não chore!
— Acho que eu te amo, do fundo de meu coração!
Te amo de verdade! Mas sou só uma criança!
Ela me deu um beijo de leve nos lábios. Um
pequeno beijo; mas o melhor beijo de toda minha
existência humana. Passou os dedos sobre minhas lágrimas
e me disse:
— Você tem quase dezoito anos!
Ao entrarmos, mamãe logo perguntou:
— Você estava chorando, Regis? O que aconteceu?
— Não foi nada mamãe! Só estava recordando!
— O quê?
— Minha infância! — Brinquei.
— Não se preocupe! — Pediu Beth. — Regis irá
almoçar em minha casa. Se a senhora permitir!
— Claro! Só queria saber…
— Nada sério! Nada a ver com o senhorrr...
Freeene. — Tranquilizou-a Beth.
©©©
Celso Innocente
62
Como vinha acontecendo em todos os dias, sem
que, nem eu mesmo soubesse por que, às dez horas da
noite, mamãe foi se deitar e eu a segui, deitando-me a seu
lado e sendo abraçado por ela.
— Mamãe, não precisa me abraçar! — Pedi. — Já
sou grande!
— Engraçado como você já é grande pra um abraço
de mãe, mas ainda não é grande pra dormir junto com a
mãe!
— Não quero dormir naquela cama! — Neguei.
— Está bem! Escolhe outra cama e trocaremos pra
você!
— Quero dormir com você!
— Seu pai já está com ciúmes!
— De mim!?
— A lei natural das coisas é: O marido dorme com a
esposa e o filho dorme em seu quarto com os irmãos.
— Não quero! — Neguei sério.
— O que fizeram com você naquele mundo?
— Nada mamãe! — Neguei convicto. — Lá eu
dormia sozinho!
— O que os adultos faziam com você? — Se preocu-
pou ela.
— Nada! Eles me veneravam como se eu fosse um
ídolo! Mas me respeitavam como se eu fosse uma criança!
— Tem adultos que dizem respeitar alguém como
se fosse uma criança, mas a usam como se fosse objeto! —
Continuava assustada mamãe.
— Não tenha medo mamãe! Eu era protegido.
— Por que aqui você quer dormir conosco? Não
aceita dormir sozinho, como sempre fez!
— Acho que quero carinho!
— Mas não quer um abraço!
O retorno do menino do espaço
63
©©©
Todos os dias, dando um jeitinho manhoso e
dormindo na cama de meus pais, se passou uma semana.
Com certeza, Erick continuava enfrentando às
travessuras de Luecy e o racionamento do pouco alimento,
dentro daquele enorme disco voador, ainda a apenas um
décimo, da longa viagem que o levaria ao distante planeta
Suster.
Domingo à noite, acompanhado por toda minha
família, estava na sala, assistindo a um famoso jornal
domingueiro, que anunciara falar sobre o caso Regis.
(Desculpe-me ser repetitivo).
A reportagem começou assim:
“—Existe vidas em outros planetas? Regis diz que
sim! O menino Regis, atualmente com dezessete anos,
desaparecido na Terra, há sete anos, foi encontrado no
Sábado, dia vinte e quatro e jura ter sido sequestrado por
seres alienígenas, de um distante planeta por nome Suster.
Segundo Regis, que continua aparentando ter nove anos,
esse planeta e seus habitantes são idênticos à Terra”.
“— Como é o planeta onde você esteve? Idêntico à
Terra?”
“— É e não é! — Gesticulei com as mãos. — Tem
um clima idêntico ao nosso. Tem água, oxigênio,
nitrogênio, vaporização da água, dióxido de carbono,
temperatura de trinta e cinco graus… Mas não tem noites!
Duas estrelas gigantes se encarregam de iluminá-lo em
suas trinta e duas horas diárias. Só em determinado
período do ano, que passa um pequeno espaço de tempo
diário, sem iluminação, em certa parte do planeta. Não
onde eu estava! Mas o período é tão pouco, que não chega
a escurecê-lo. Pra se ter uma idéia, os carros lá não
possuem faróis”.
Celso Innocente
64
“— O doutor Marcelo é professor e pesquisador de
ufologia da Universidade Federal de Brasília e viajará com
Regis, no próximo dia dez para os Estados Unidos, onde
participarão de análises pelos engenheiros espaciais da
NASA:”
“— Doutor Marcelo: — Perguntou o repórter. —
Até onde é verdade, a história contada por Regis?”
“— Tudo é verdade! — Afirmou doutor Marcelo,
meio bravo. — Caso contrário não perderia meu tempo em
viagens desnecessárias.”
“— Nossa reportagem esteve analisando as
respostas de Regis, levando-as inclusive para ouvir
opiniões de especialistas e eles acham impossível, por
exemplo, que se faça uma viagem de oitenta e sete anos
luz, em apenas setenta dias. A nave teria que estar a uma
velocidade muito alem da velocidade do som ou da luz”.
“— E quem disse que estas velocidades devem ser o
limite máximo? No espaço não há fronteira, não há
barreira, não há limite! Nossas leias da física, não
necessariamente se aplicam ao cosmos!”
“— Não existe nenhum material físico,
comprovado, que suportaria tal velocidade. Ou seja: a nave
se desintegraria! Pegaria fogo ou coisa assim!”.
“— Bem que você mencionou: Material físico
comprovado! Como vou comprovar material físico criado
por seres de um mundo distante?”
“— A lei da física diz que todo o universo é criado
com os mesmos componentes químicos!”
“— Com material feito na Terra, pode ser! Depois, o
material se desintegra em contato com a atmosfera
terrestre, não no vácuo do espaço sideral. Ou seja: ao
adentrarem em nosso espaço, eles podem ter diminuído
drasticamente a velocidade e estando no vácuo, atingirem
O retorno do menino do espaço
65
milhões de quilômetros por segundo, como insinuou o
próprio garoto”.
“— Regis alegou que a nave é feita de aço”.
“— Ele supôs: aço ou níquel! Mas ele também disse
que pode ser mercúrio! Existe mais mistério entre o Céu e a
Terra, do que nossa mente vã possa imaginar! Isso é uma
mensagem bíblica!”
“— Regis não poderia ter ficado trancado em algum
lugar, aqui mesmo na Terra e ter sido libertado só agora?”.
“— Muitas pessoas viram a nave pousar próximo à
casa dele.”
“— Não traria contaminação espacial? Algum tipo
de vírus? Algum tipo de radiação?”
“— Trouxe radiação! — Informou o doutor
Marcelo. — Pelo menos no organismo de Regis. Pra se ter
uma idéia: os cabelos dele estão do mesmo tamanho do
que era a oito anos no passado; faz oito anos que ele não
apara as unhas e seus dentes de leite, continuam tão
perfeitos como era há oito anos. Embora ele tenha hoje
dezessete anos, carrega consigo todas as características de
sua infância. Nem sua puberdade e muito menos sua
adolescência, não chegou”.
“— Poderia ser uma característica física incomum?”
“— Tão incomum, que em todo planeta Terra, só
existe um caso assim! Regis não é um anão! Apesar da
idade, ele ainda é uma criança”.
“— Por que seres humanos, idênticos a nós, se
preocupariam em sequestrar um menino da Terra? —
Perguntou-me outro repórter em entrevista anterior”.
“— Em seu planeta não existem crianças! São
imortais e só existem adultos! A idade média de cada um
de seus mais de três bilhões de habitantes é de cinco mil
anos. Ou seja, qualquer um deles, nasceu antes mesmo de
Celso Innocente
66
Jesus ter vindo à Terra. Muitos deles, já nos visitaram a
milhares de anos no passado”.
“— Mistérios do universo sempre foram
pesquisados pelos seres humanos. — Comentou o
apresentador do jornal. — E estas aventuras do garoto
Regis, trazem a tona muitas novidades, que serão
desvendadas pelos analistas da NASA.”
Encerrou a reportagem, com imagens de um
monstro em forma de sapo gigante, tirada de um filme de
ficção científica.
— Só idiotice! — Protestei chateado e fui me
deitar... Na cama de meus pais.
O retorno do menino do espaço
67
Viagem à Orlando
a madrugada de segunda-feira, dia dez,
passava por um terrível pesadelo: estava
preso dentro de uma nave em forma de bola gigante e
escura e viajava perdido pelo espaço; a nave girava a uma
velocidade incalculável e eu me sentia muito mal; de
repente, um monstro em forma de sapo maior do que a
própria nave surgia com uma bocarra aberta, com dentes
serrilhados e babando muito ácido. Quando aquele
horroroso monstro começava a engolir a nave, gritei
apavorado:
— Mamãe! Mamãe!
Acordei, sendo levantado da cama por papai:
— Calma, Regis! Já passou… Passou… Foi só um
pesadelo.
— Papai! Não deixe me levar! Estou com medo!
— Calma! Ninguém vai te levar! Está tudo bem
agora!
— Não me deixe sozinho!
— Deite e durma! Ficarei aqui com você!
Deitou-se a meu lado, me confortando.
N
Celso Innocente
68
Quando acordei novamente, já estava sozinho,
ainda na cama de casal, já passava das sete horas da
manhã. Fui direto ao banheiro, tomei um banho demorado,
escovei os dentes e me troquei, com roupas leves de verão;
apenas um short sem cueca e camiseta. Estávamos no mês
de Outubro e fazia bastante calor. Mamãe penteou meus
cabelos, demoradamente, sabendo que aquele tipo de
carinho me deixava muito feliz, por ter sido privado disso
em minha verdadeira infância. Depois, junto com ela,
papai, Paulinho e Henrique, tomamos um reforçado café
da manhã.
Pouco depois das dez horas daquela manhã, um
carro preto, marca Chevrolet Comodoro, com placa do
poder legislativo da Prefeitura Municipal, estacionou em
frente nossa casa, informando que nos levaria até
Araçatuba, de onde embarcaríamos em avião, para a
capital.
Sabendo que aquilo iria acontecer, já estávamos
todos de malas prontas. Nossos passaportes foram
novamente providenciados em prazo recorde, por doutor
Marcelo.
A viagem até Araçatuba e depois à capital correu
sem muitas novidades, exceto para meus maninhos, que
desfrutaram muito das paisagens, pois nunca tinham
viajado, alem da recente prainha do Salto de
Avanhandava4, na cidade de Barbosa, dista trinta
quilômetros de Penápolis.
4 Até o início de 1982, o local era formado por diversas quedas d’água,
as quais a natureza demorou milhões de anos para construir e eu
adorava passear em tal local, mas o homem as destruiu em menos de
dez anos, represando tudo, para construção de barragem de
hidroelétrica.
O retorno do menino do espaço
69
Participamos junto com doutor Marcelo, já com
nossos passaportes, em um almoço caprichado, em um
restaurante do próprio aeroporto internacional de Guaru-
lhos. Mais uma vez, meus maninhos se encantaram com
tantas guloseimas, principalmente doces e como estavam
em fase de crescimento, comiam em exagero.
Paulinho, Henrique e mamãe estavam encantados:
nunca sequer viram aviões maiores do que os famosos
teco-tecos, do aeroclube de nossa cidade, que era por sinal,
especialista em oficina destas pequenas aeronaves. Agora,
porém, pouco antes das quinze horas, assim que passamos
pelas vistorias de raios-X, das malas de viagem,
embarcávamos na primeira classe, de um gigante 767-300
do Delta Air Lines.
Às quinze horas e cinco minutos, o avião levantava
voo, para uma viagem sem escalas. Todos nós, estávamos
nos divertindo muito com aquele passeio. Era novidade
para mamãe e meus maninhos; para mim, nem tanto, pois
já fôra aos Estados Unidos, há sete anos no passado,
embora, não em primeira classe. Agora parecia mais
divertido, pois estava acompanhado por eles. Há sete anos,
apenas papai fôra comigo. Era interessante, pois com a
aparência de criança, era criança mesmo que me sentia;
sendo estranho apenas, que meus maninhos, antes
menores e mais jovens do que eu, agora eram mais velhos.
Às zero horas e quarenta minutos (vinte e duas
horas e quarenta minutos em Nova Yorque, que são duas
horas a menos do que em São Paulo, devido ao fuso
horário), o avião pousava no John F. Kennedy
International Airport, em Nova Yorque. Após o demorado
desembarque e mais demorado e nervoso check-in, na
alfândega do aeroporto, onde verificavam um a um todos,
os passaportes e possíveis imigrantes sem vistos,
Celso Innocente
70
conseguimos passar pela saída do aeroporto, tomando um
táxi, direto ao Roosevelt, que é um gigante hotel de três
estrelas, localizado no Upper East Side, na Madison at
45th, a onze quilômetros do aeroporto, próximo a diversos
museus.
Já era quase meia noite, quando chegamos ao hotel.
O Doutor Marcelo ficara separado, no mesmo hotel. O
apartamento era de muito luxo, com ar condicionado, tevê
com centenas de canais, banheira com hidromassagem,
telefone, sala de estar, secador de cabelo, tábua e ferro de
engomar, quatro camas de solteiro e outros apetrechos que
nem reparei, pois como já havíamos jantado no avião, nem
escovei os dentes e em menos de dez minutos, só de cueca
e camiseta, já estava praticamente dormindo.
Acordei no meio da madrugada, me levantei de
minha confortável caminha de solteiro e deitei-me ao lado
de mamãe, deixando-a desconfortável. Ela me abraçou e
continuou dormindo.
Acordei por volta das nove horas da manhã.
Paulinho mudava os canais na televisão. Como ele não
entendia nada, pois todas as emissoras transmitiam em
inglês ou espanhol, ia mudando constantemente. Pedi que
ele parasse de apertar o controle, ao sincronizar uma
emissora espanhola, que comentava um noticiário, sobre
nossa chegada aos Estados Unidos:
“Ya en Nueva York, el chico Regis, que visitará el
complejo del Centro Espacial Kennedy de la NASA. Llegó
la noche y durante el día de hoy, viajará a Orlando, en
Florida. El Centro Espacial John F. Kennedy (KSC) es el
espacio del puerto de lanzamiento de naves espaciales de
la NASA en Cabo Cañaveral situado en Merritt Island,
Estados Unidos.. El sitio se encuentra entre Miami y
Jacksonville. Tiene cincuenta ycinco kilómetro de largo y
O retorno do menino do espaço
71
unos diez kilómetro de ancho, con una superficie de
quinientos sesenta y siete kilómetro plaza. Alrededor de
diecisiete mil personas trabajan en el sitio. Existe un centro
para visitantes y público en giras, el KSC es uno de los
principales sitios de interés turístico para los visitantes de
la Florida. Debido a la mayor parte de la KSC tiene límites
a su desarrollo, el sitio también sirve como un santuario
ecológico, con sólo el nueve por ciento de sus tierras
desarrollados. Regis, con tres familias y un investigador
brasileño, se hospeda en un hotel de Nueva York y luego
en avión para un viaje de unas dos horas a Orlando, un mil
quinientos nueve kilómetros”.
“— Já está em Nova Yorque, o garoto Regis, que
visitará o complexo do Centro Espacial Kennedy, da
NASA. Regis chegou durante a madrugada e ainda hoje,
deverá viajar para Orlando, na Florida. O Centro Espacial
John F. Kennedy (KSC) é o porto espacial de lançamento
de veículos espaciais da NASA, localizado no Cabo
Canaveral, na Ilha Merritt, nos Estados Unidos. O local se
localiza entre Miami e Jacksonville. Ele possui cinquenta e
cinco quilômetros de comprimento e cerca de dez
quilômetros de largura, cobrindo uma área de quinhentos
e sessenta e sete quilômetros quadrados. Cerca de
dezessete mil pessoas trabalham no local. Existe um centro
de visitantes e passeios públicos, sendo o KSC um dos
principais pontos turísticos para os visitantes da Flórida.
Devido ao fato de grande parte do KSC ter limites para seu
desenvolvimento, o local também serve como
um santuário ecológico, possuindo apenas nove por cento
de seu terreno desenvolvido. Regis, com três familiares e
um pesquisador brasileiro, está hospedado em um hotel de
Nova Iorque e seguirá de avião, em viagem de
Celso Innocente
72
aproximadamente duas horas, para Orlando, a mil
quinhentos e nove quilômetros de distância”.
— Teremos que viajar mais, Regis? — Perguntou-
me Paulinho.
— Você entendeu o que o repórter falou? —
Perguntei-lhe.
— Mais ou menos! Espanhol não é tão complicado!
— Teremos que ir até Orlando! Deve ser hoje de
manhã!
Levantei-me, tirei meu aparelhinho tradutor,
colocando-o no pescoço de Paulinho, mudei o canal de
tevê para um com programação em inglês, fazendo o
menino se admirar e segui direto ao banheiro. Liguei as
torneiras da banheira, enquanto escovava os dentes; depois
me despi, entrei na banheira, sentando-me para um
delicioso banho, com a hidromassagem ligada, fazendo um
turbilhão de espumas.
Vinte minutos depois, após meus irmãos usarem o
banheiro comigo dentro, separado apenas pelo tal box, de
acrílico embaçado e devido muita insistência de mamãe,
saí do banho, enrolei na toalha e fui até o quarto, para me
enxugar direito e vestir roupas, enquanto os demais
retornavam ao banheiro, com mais privacidade.
Pouco antes das dez horas, descemos para o
primeiro andar, no restaurante, onde nos deliciamos com
reforçado café da manhã, regado a chocolate, muitos
frutos, sequilhos, diversos tipos de pães e bolos, sucos,
leite, café, ovo mexido, presunto, mozzarella, queijos e
outras tantas delícias.
Para nós, inclusive para mamãe e meus maninhos,
aquilo era coisa de rico, principalmente por sermos pobres
e jamais terem estado em um hotel antes; exceto eu, que já
O retorno do menino do espaço
73
estivera uma vez aqui na Terra e também, acostumado a
muita mordomia em Suster, o planeta do senhor Frene.
Outra coisa que me deixava à vontade era, graças
ao aparelhinho tradutor, que tornara a pegar de Paulinho e
sempre trazia pendurado como adereço no pescoço,
conseguir entender o que todos falavam. O que não era
possível para mamãe e Paulinho, que só estudaram inglês,
no ensino fundamental e Henrique, que embora, estivesse
atualmente fazendo curso, ainda não era expert em tal
idioma.
Na saída do café, encontramos doutor Marcelo, que
nos cumprimentou:
— Bom dia pessoal! Estão prontos?
— Pra que? — Perguntou mamãe.
— Já tomaram café?
— Acabamos de sair da mesa! — Confirmou
mamãe.
— Sairemos do hotel às doze horas e iremos para o
aeroporto, pra continuarmos a viagem!
— A que horas é o avião? — Perguntei-lhe.
— Treze horas e trinta minutos.
— Estaremos prontos e desceremos na recepção. —
Informou-lhe mamãe.
— Então até já!
©©©
Saímos do hotel às doze horas, indo direto ao
aeroporto, aonde chegamos de táxi, quinze minutos antes
das treze horas. Às treze horas e trinta minutos, em outro
avião comercial, seguimos para Orlando, na Flórida, aonde
chegamos pouco antes das dezesseis horas e novamente de
táxi, nos dirigimos ao centro espacial John Kennedy, no
Hotels Near Kennedy Space Center, aonde chegamos por
volta das dezessete horas e ficamos hospedados todos no
Celso Innocente
74
mesmo hotel, ao contrário do ocorrido da outra vez, onde
papai e o doutor Marcelo ficaram hospedados na cidade de
Orlando e eu, ficara no edifício da NASA.
A Flórida é um estado americano que fica
praticamente dentro do mar, separado dos outros estados.
É quase como se fosse uma ilha, com apenas uma entrada.
Acomodados em apartamento de luxo, melhor ao
que estivemos em Nova Iorque, com uma cama de casal e
duas de solteiro. Deitei-me, tomando posse de uma das
camas (adivinhem qual!), sendo imitado por meus dois
irmãos, passando a assistir tevê, que fôra ligada por
Paulinho, o qual, novamente não deixava em nenhum
canal, pois talvez procurasse algum que transmitisse em
língua portuguesa, o que não encontrou.
Quinze minutos depois, bateu em nossa porta e
mamãe atendeu. Era uma mulher muito jovem (vinte anos
talvez), cabelos curtos e vestida com trajes de médica:
— Good afternoon! — Cumprimentou ela.
Mamãe não entendeu.
— The Regis is?
Mamãe continuou na mesma. Levantei-me e fui
falar com ela.
— Boa tarde! Eu sou Regis!
Deu-me a mão dizendo:
— Sou a doutora Wendell! Posso entrar?
— Entre! — Apontei para a sala de estar.
Ela entrou, sentando-se no sofá.
— Gostaram de nosso hotel? — Perguntou-me ela.
— Muito bonito! Meus irmãos e mamãe também
gostaram! Desculpe, mas eles não entendem o que você
fala!
— Como você, tão jovem, consegue falar Inglês?
— Tenho meus truques! — Insinuei rindo.
O retorno do menino do espaço
75
— Muito bem! Enquanto estiver conosco, serei sua
médica!
— Preciso de médica?
— Espero que não! — Riu ela. — Mas amanhã cedo,
faremos alguns exames!
— Pra que? Faz tempo que não fico doente!
— Por isso mesmo! — Riu ela, tirando dois frascos
de sua valise, me entregando a seguir. — Precisava
explicar à sua mãe!
— O que a senhora falar eu posso repetir e ela me
entende. — Insinuei.
— Morning tomorrow need to scoop urine and
feces. — Disse ela.
— Mamãe, preciso colher urina e fezes, amanhã de
manhã, em jejum. — Avisei para mamãe, que acenou
positivamente.
— We will also test for blood. So don't take coffee!
— Também tenho que fazer exame de sangue em
jejum! — Voltei-me para a doutora e decidido insinuei. —
Não vou fazer exames radioativos!
— Claro que não! — Exclamou ela. — Só os que
mencionei.
— Da outra vez me injetaram mercúrio nas veias!
— Não faremos nada de anormal contigo. —
Esclareceu ela. — Virei buscá-lo amanhã às sete horas!
Tudo bem!
— E minha turma?
— Eles terão o dia livre! Aqui no centro espacial
existe um parque muito especial. Eles gostarão muito!
Garanto-lhe!
— Sozinhos eles estarão perdidos! — Insinuei.
— Mandarei um guia que fala Português, os
acompanhar.
Celso Innocente
76
— Verdade?
— Deixe comigo! — Levantou-se, abriu a porta e ao
retirar-se, disse:
— Ainda é cedo; se quiserem dar uma volta,
fiquem à vontade. O jantar é a partir das dezenove horas,
no restaurante do primeiro andar. Até amanhã!
Retirou-se. Esperei que ela entrasse no elevador e
fechei a porta. Voltei para minha turma, dizendo:
— Se quiserem dar uma volta, existe um belo
parque espacial perto daqui. E o melhor: é tudo grátis!
©©©
Naquela noite, como já fazia todos os dias,
enquanto meus irmãos deitaram nas camas de solteiro,
deitei-me com mamãe.
Como prometido, às sete horas da manhã de
quarta-feira, doze de Outubro, a doutora Wendell, bateu à
porta e eu mesmo atendi. Ela já estava acompanhada por
outra moça: morena clara de lindos cabelos lisos curtos;
não mais do que dezoito anos de vida.
— Bom dia Regis! — Cumprimentou-me a doutora.
— Esta é Judith. Ela fala Português e estará o dia todo com
sua família.
— Bom dia! Ambas são bonitas! — Insinuei.
— Você é um bom galanteador! — Riu a doutora.
— Está pronto?
— Sim! Assustado!
— Nada vai lhe acontecer! Colheu o material?
— Já! Mas falta o pior!
— O que?
— O sangue! Não gosto de agulhas!
— Uma picadinha de pernilongo! Vamos?
Voltei-me para mamãe, dizendo:
O retorno do menino do espaço
77
— Não se preocupe mamãe, não fugirei novamente!
A Judith ficará com vocês e à tarde a gente se encontra.
— Nada disso! — Negou mamãe, preocupada. —
Aonde você for eu irei junto!
— Não se preocupe! — Pediu Judith. — Regis
estará bem! Só fará alguns exames médicos e responderá
poucas perguntas. Ele estará no prédio da NASA. Aqui
mesmo, no complexo.
— Não importa! — Insistiu mamãe. — Ele é menor
e se vai fazer exames médicos, eu irei com ele!
— Mamãe! — Pedi. — Me deixe! Se a senhora ir
comigo, os meninos terão que ir também e não
aproveitarão a viagem!
— A gente fica sem aproveitar a viagem! — Insistiu
ela. — Não vou deixá-lo sozinho!
— Não se preocupe! — Insisti com ela. — Não
sairei deste complexo de prédios!
Apesar de não concordar muito, ela acabou aceitan-
do, desde que a gente se encontrasse no horário do almoço.
Segui, acompanhado pela doutora, até um ambula-
tório médico, no edifício da NASA, que fica próximo ao
hotel. A primeira coisa que ela fez, foi realmente colher
meu sangue, onde, apesar de quase nem sentir a agulha, fiz
tamanha careta, que ela mesma caçoou:
— Nem parece ter dezessete anos de vida!
— Olha só o bracinho do homem! — Justifiquei.
— Agora você tomará seu café da manhã!
— Obá! — Ironizei. — A melhor parte!
Pelo interfone, solicitou à garçonete, que era uma
moça de uns vinte anos, também morena e muito gentil,
que me levou até o refeitório, situado no mesmo prédio,
me colocando a postos, sob uma mesa e me serviu um
excelente café.
Celso Innocente
78
Retornando ao ambulatório médico, a doutora me
levou até uma sala em separado e pediu:
— Tire a roupa...
— Oh, oh! — Tímido como sempre fui, me espantei.
— Oh, oh... Por quê? — Riu ela. — Pode ficar de
cueca!
— O que vai ser agora? — Perguntei indiferente.
— Precisamos fazer uma tomografia! Mas não se
preocupe, é um exame simples!
— De cueca? — Emendei.
— Homenzinho! — Riu ela.
Já estava ficando habituado a estes pedidos, em me
despir, que já nem sentia tanta vergonha. Tirei a roupa e
estando de cueca, ela pediu:
— Este adereço em seu pescoço, também precisa
sair!
— Se tirá-lo, não entenderei mais o que a senhora
fala!
— Então é isso! Seu segredo mágico! — Insinuou
ela, segurando o aparelhinho. — Não tem problema! Não
precisamos nos comunicar durante o exame.
— Nada de venenos em meu sangue!
— Só um pequeno contraste, pra podermos separar
seus órgãos e glóbulos!
— Nada feito! — Neguei convicto.
— É inofensivo! Lhe garanto!
— Não pro meu organismo! Que não envelhece e
não consegue eliminar o que recebe!
— O contraste será um intruso em seu organismo.
— Tentou explicar ela. — Quando isso ocorre, os
anticorpos travam uma guerra, eliminando-o.
— Nessa guerra, quem sairá perdendo, com certeza
serei eu!
O retorno do menino do espaço
79
— Tudo bem! — Se convenceu ela. — Faremos tal
exame, sem contraste!
Então retirei o aparelhinho, colocando-o sobre uma
mesinha. Ela fez sinal para que me deitasse sobre uma
mesa grande, então ligou um aparelho que me envolveu o
corpo, fazendo uma leitura lenta e geral:
— Let your brain!
Ela se esqueceu que eu não podia entendê-la.
— Thyroid... trachea... aorta...
Será que alguém vai plantar alface em mim?
— Now your heart and lungs!
Fiquei na mesma! Alguma coisa do coração!
— Spleen… Liver… Gallbladder...
— ...kidneys... stomach!
Só entendi estômago!
— Small intestine... large intestine.
Acho que são intestinos!
— Bladder... Prostate... Urethra... Testicles.
Êpa!... Acho que é meu negócio de fazer xixi!
Poucos minutos depois, tendo concluído o exame,
mandou me levantar e me vestir. De posse de meu
aparelhinho, então lhe disse:
— Não entendi patavina do que me disse:
Intestines, heart, stomach…
— Não importa! — Negou ela. — Quero que você
beba bastante água!
— Bastante?
— Uns dez copos, pelo menos!
— Não consigo!
— Não precisa ser de uma vez! Beba aos poucos e
não faça xixi!
Celso Innocente
80
— O que vai ser agora?
— Faremos um ultrassom!
— Acha que estou grávido?
— Pode ser! — Riu ela.
Assustei-me. Ela percebeu:
— É brincadeira Regis! O exame é pra ver alguns
órgãos internos seu! Os exames que fizemos nos
mostraram algumas alterações e precisamos de mais
detalhes.
— O que se passa?
— Só queremos mais detalhes, de o porquê de você
não envelhecer e até quando!
— A senhora conseguirá me dar respostas, de até
quando?
— Estou tentando! Preciso contar com você!
— Tudo bem!
— Poderemos fazer o exame de contraste? Você
disse que não quer, mas é pro seu bem!
— Exame radioativo?
— O nível de radiação é muito baixo e seu
organismo o eliminará em poucas horas.
— Meu organismo é diferente dos outros
organismos! A senhora mesma confirmou isto, vendo que
não envelheço!
— Mesmo assim, como já lhe disse, quando algo
estranho invade esse organismo, ele reage imediatamente,
o expulsando sem trégua.
— Preciso ver com mamãe!
— Fale com ela durante o almoço ou à tarde!
Garanto que é pro seu bem!
Retirei-me e bebi de uma vez, dois copos de água.
Parece pouco, mas estávamos antes do almoço e sou
O retorno do menino do espaço
81
pequeno. Afastei-me, indo para o pátio e para o jardim,
caminhando sempre em busca de alguém conhecido.
— Regis! — Chamou-me uma voz conhecida.
Virei-me e reconheci o senhor Charles, um pouco
mais velho do que há sete anos:
— Senhor Charles! O senhor continua por aqui?
— Claro garoto! Aqui é meu lar! E você? Como tem
passado? Viajou muito durante esse tempo?
— Estive fora novamente!
— Estou sabendo! — O confirmou.
— Fui fazer uma pequena viagem! — Ironizei com
sorriso maroto.
— Pequena!? — Riu ele.
— Sim! Um mundo vizinho da Terra! Irão me
entrevistar novamente?
— Com certeza! Temos um encontro às dez horas
de amanhã! Como vai indo seus exames médicos?
— Vou fazer um ultrassom! Queremos saber o sexo
do nenê!
— Então tá! — Riu ele. — Depois você me conta!
— Vou beber mais água!
— Muito bom! Amanhã a gente se vê!
Já ia me retirando, quando ele tornou me chamar e
perguntou:
— Quem é o pai?
Fiz gesto de “sartei de banda”, igual a Zé Coqueiro,
no filme “O menino da porteira” e voltei ao bebedouro,
onde consegui beber mais dois copos de água. Já começava
a sentir a bexiga cheia. Abri uma geladeira tipo frigobar e
apanhei uma garrafa de meio litro de água e lentamente
me afastei novamente ao jardim, caminhando até um
grande açude, que existe dentro do complexo, um pouco
afastado do ambulatório médico.
Celso Innocente
82
Esperava encontrar mais algum conhecido,
inclusive, quem sabe, meus familiares; mas como o
complexo é muito grande, não encontrei ninguém.
Enquanto caminhava, sempre bebia um gole de
água e quando estava admirando o açude, a garrafinha já
estava praticamente vazia; minha bexiga, porém, estava
lotada e já sentia vontade em esvaziá-la, então,
caminhando um pouco mais rápido, retornei ao
ambulatório, aonde cheguei suado e ofegante. A secretária
da doutora Wendell, percebendo, perguntou:
— Está pronto pro exame?
— Acho que sim!
— Vou chamar a doutora!
Retirou-se, voltando dois minutos depois com a
doutora, que perguntou:
— A bexiga está cheia?
— Se beber mais água, ela vai explodir!
— Então vamos ao exame! Venha comigo!
A acompanhei até uma sala de ultrassom, idêntica
às nossas do Brasil. Embora eu jamais tivesse visto uma.
Tirei a camiseta e deitei-me. Ela baixou meu short até o
joelho e só um pouquinho, a cueca (sem me despir);
levantou meu pescoço, retirando meu aparelhinho
tradutor, esfregou um gel gelado sobre toda minha barriga
e iniciou um exame, onde alguma coisa de dentro de meu
corpo aparecia em um aparelho de tevê, tipo monitor de
umas quinze polegadas, sem comentar o que se passava.
Conforme forçava minha barriga, talvez forçando minha
bexiga com aquele aparelho, que com certeza, deveria
existir uma câmera que gravava em raio xis, me dava uma
vontade doida de fazer xixi, fazendo com que o danado
chegasse até a porta de saída e parasse por ali.
O retorno do menino do espaço
83
Cinco minutos depois, terminando o exame,
apanhou uma toalha de papel, limpou o gel de minha
barriga, normalizou minha cueca e short, então pediu que
me levantasse, devolvendo meu aparelhinho:
— Muito bem! — Disse ela, com leve sorriso. — Me
acompanhe.
— Posso me vestir?
— Ainda não!
— Quase que a senhora me fez fazer xixi nas calças!
Levou-me até outra sala, onde existia um tipo de
vaso sanitário no chão, com alguns cabos ligados.
— Já que é assim, então faça seu xixi neste vaso!
Esvazie toda a bexiga!
Papai me contara um dia, que já fizera um exame
destes. O computador vai medir a velocidade e força do
jato de urina, pra saber principalmente se a pessoa tem
algum problema de infecção urinária ou de próstata. Então
resolvi perguntar:
— Este exame não é feito só por pessoas mais
velhas do que eu?
— Como você sabe? — Admirou-se ela.
— Não seria pra ver coisas de adultos?
— Realmente! E não é tão necessário pra você! Mas
como você já está com a bexiga cheia, não custa nada fazer!
Ou você prefere não fazer?
— Quero fazer xixi!
— Então está na hora! Só espere-me sair da sala e
deixá-lo à vontade!
Ela se retirou e eu esvaziei minha bexiga. Parecia
que não queria mais parar e a sensação era realmente
muito boa. Acho que despejei uns cinco litros de urina5.
5 Exagero.
Celso Innocente
84
Voltei à sala da doutora, que já em poder desse
resultado, se levantando, disse:
— Este está muito bom! Venha comigo!
Voltamos à sala de ultrassom, onde me mandou
deitar e ao repetir o ultrassom, perguntei-lhe:
— Outra vez?
— É só pra ver se você realmente esvaziou a bexiga!
— Tenho certeza que sim! — Ri.
Ela esfregou o aparelhinho sobre minha barriga e
confirmou:
— Está excelente! Levante-se, se vista e venha
comigo!
Vesti a camiseta, voltei com ela à sua sala e então,
sentei-me à sua frente. Ela me olhou firme e séria, então
falou6:
— Vou lhe fazer algumas perguntas. Não é
brincadeira e é pro seu bem. Para uma criança de nove
anos, são perguntas desnecessárias. Mas em seu caso, você
tem dezessete e precisamos de dados reais. Tudo bem?
— Que mistério! — Assustei um pouco.
— Você já se masturbou alguma vez na vida?
— Quê!? — Me envergonhei, principalmente por
ser pego de surpresa com tal pergunta indiscreta.
— Ou pelo menos, depois de ter ido ao outro
planeta?
— Nãão! — Neguei convicto, sem gostar de tal
pergunta intrometida.
— Já eliminou algum líquido diferente pelo pênis?
— Como assim? — Perguntei sem olhar para ela.
— Algo que não seja xixi!
6 Desculpe-me o assunto tabu, mas faz parte das investigações médicas
na estória.
O retorno do menino do espaço
85
— Nunca! — Neguei muito tímido.
— Alguma vez já teve um tipo de sonho e acordou
molhado, com algo que não seja xixi?
— Como? — Continuava tímido.
— Um tipo de líquido grosso?
— Nada disso! — Neguei sem olhar para ela.
— Você às vezes se... excita?
— Pra que estas perguntas tontas?
— Preciso descobrir se você é criança ou
adolescente!
— Até os bebês se excitam às vezes! — Insinuei
bravo.
— Está bem, Regis! — Concluiu ela, rindo de leve e
se levantado. — Desculpe-me as perguntas bobas!
Levantei-me também e a acompanhei até a saleta da
secretária.
— Não temos mais exames pra fazer! Falaremos
amanhã cedo!
— Descobriu algo sobre mim?
— Vou rever todos os exames e falo com você
amanhã. Mas só pra lhe tranquilizar, lhe garanto que tem
uma saúde de ferro!
— Terei filho um dia?
— Por que pergunta isso? — Se admirou ela, já
sabendo a verdadeira resposta.
— O senhor Frene me disse, que eu jamais serei
papai!
Ela se abaixou diante de mim e segurando em meus
dois braços confirmou:
— Lamento informá-lo, mas acho que infelizmente
ele tem razão. Venha comigo!
Voltamos a seu consultório, sentei-me novamente
diante dela, que me disse:
Celso Innocente
86
— Vou rever seus exames com atenção e lhe conto
as novidades, mesmo que você já tenha voltado ao Brasil.
Mas a princípio, posso afirmar que existe um tipo de
bactéria ou vírus, alojado em seu sangue e organismo. Esse
vírus não é mal! Pelo contrário: ele impede suas células de
envelhecer e se multiplicar. Com isto você não envelhece e
não cresce! Não posso afirmar até quando este vírus
permanecerá em seu organismo, pois ele não está sendo
eliminado em hipótese alguma. Você não deverá tão cedo
ter barba, nem pelos embaixo dos braços, ou no peito.
— O senhor Frene me disse tudo isso!
— Disse que você não sairá da infância? Que você
não chegará à adolescência? Não produzirá espermato-
zoides? Não poderá ser papai?
Dei de ombros.
— Mas não quer dizer que não poderá namorar!
— Acho que estou apaixonado!
— Verdade? — Brincou ela. — Quem é a felizarda,
em namorar o menino mais famoso do Universo?
— Se chama Elizabeth! É minha colega desde a
escola e tem dezessete anos!
— Não está um pouco velha pra você?
— Ela disse que vai me esperar, mas sei que não
será possível e terei que autorizá-la a namorar outro!
Ela pensou um pouco e concordou:
— Talvez seja melhor você tê-la apenas como
amiga!
Deixei correr uma pequena lágrima.
— Você perdeu sua infância, indo ao espaço. Talvez
o que esteja acontecendo, seja uma forma de recuperá-la.
— Fora de meu tempo!
— Verdade! Mesmo assim, refaça seus amiguinhos
e procure ser feliz.
O retorno do menino do espaço
87
— Não se preocupe! Gosto de ser criança! Só
preciso me readaptar. Meus pais estão mais velhos! Meus
irmãos caçulas, já não são mais caçulas. Trocaram de lugar
comigo!
— Aproveite esta nova infância! — Pediu ela. —Ela
deverá passar um dia!
— O senhor Frene prometeu me ajudar!
— Como ele poderá fazer isso? Está muito longe!
— Acho que me prometeu só pra não me
desanimar! Eles também não têm filhos! Só um clone meu.
— O que você disse? — Se espantou. — Um clone?
— Desculpe doutora Wendell! — Me arrependi. —
Não deveria ter falado nisso!
— Mas é verdade? Existe um clone seu?
Acenei lentamente que sim e continuei:
— Promete não comentar com ninguém! Eu não
havia falado nem mesmo com meus pais sobre isso!
— Não se preocupe! É seu segredo, eu não conto! —
Se levantou e me abraçou amigavelmente. — Como ele é?
— Idêntico à mim! Foi tirado de meu DNA!
— Ele está naquele planeta alienígena?
— Sim! Ficou em meu lugar! Como não conhece a
Terra, não sente saudades e me substitui. É a única criança
em Suster! Na verdade, eu também não o conheço
pessoalmente. Só o vi uma vez! E assim mesmo, pelo
vídeo.
— Regis, isso é ótimo! Aqui na Terra não existe
clone de pessoas!
— Eu sei! O senhor Frene me disse!
— Como ele pode saber?
— Ele sabe tudo! O importante é que ele tendo o
outro Regis, não mais me buscará na Terra!
Celso Innocente
88
— Você precisa contar a seus pais! Isso os
tranquilizará mais!
— Temo que eles achem que o outro Regis, seja
também outro filho deles! Eu o vejo como um irmão
gêmeo!
— É complicado! Mas o clone realmente é possível!
Aqui na Terra não existem! Mas é devido apenas a
questões morais e religiosas!
Levantei-me e pedi:
— Posso ir agora?
— Sim, pode! Sabe voltar ao hotel, sozinho?
Acenei que sim e pedi:
— Jura por Deus não contar este segredo?
— Juro por Deus e por você, Regis! Só contarei no
dia em que você me autorizar!
Deu-me um beijo na face e então saí, retornando ao
hotel.
Apanhei um cartão magnético na recepção e subi
pelo elevador, até o sexto andar; andei alguns passos no
corredor e apontei o cartão a um receptor eletrônico,
próximo à fechadura da porta, no apartamento de número
seiscentos e doze. A porta se abriu, entrei, deitei-me no
sofá da sala de estar e liguei a televisão com o controle
remoto.
O retorno do menino do espaço
89
Na NASA
cordei às duas horas da tarde, com o barulho
de meus irmãos e mamãe entrando no
apartamento. A televisão continuava ligada em um canal
de notícias americano.
Enquanto dormia, ao longe, conseguia ouvir o
noticiário, principalmente quando se referia a minha visita
aos Estados Unidos. Embora o noticiário fosse transmitido
em Inglês, conseguia entender perfeitamente.
— Faz tempo que você chegou, Regis? —
Perguntou-me mamãe.
— Mais de hora! — Respondi. — Tenho fome!
— Levante-se e vamos almoçar! O restaurante é no
primeiro andar! Você tomou café de manhã?
Acenei que sim, me levantando e indo direto ao
banheiro.
©©©
Enquanto almoçava, no restaurante do hotel, junto
com meus familiares, recebi novamente a visita do senhor
Charles:
— Bom dia turminha! — Cumprimentou-nos ele. —
Como está o passeio?
A
Celso Innocente
90
— Ainda não passeei! — Neguei.
Entregou-me uma caixa, de mais ou menos um
metro de altura.
— Hoje é dia da criança, então resolvemos dar-lhe
um presente especial.
Levantei-me do almoço e abri imediatamente a
caixa. Era uma lindíssima miniatura em aço, de uma
espaçonave da NASA. Enquanto me deslumbrava com o
lindo brinquedo de coleção, o senhor Charles comentava:
—É a nave Challenger. Foi projetada em mil
novecentos e setenta e cinco e voou pela primeira vez em
oitenta e um, com o nome de Colúmbia. Em quatro de
Abril de oitenta e três, fez seu primeiro voo com esse novo
nome. Em vinte e oito de Janeiro de oitenta e seis, às onze
horas e trinta e nove minutos, explodiu, setenta e três
segundos após o lançamento, matando sete tripulantes,
entre eles uma mulher civil. Quando você estava indo a
outro planeta, nossa Challenger também estava viajando
pelo espaço. Ela fez nove missões e explodiu na décima.
Funcionava como lançador de foguetes e também em
missão tripulada.
— O que é missão tripulada?
— O que o nome diz? — Ironizou o senhor Charles.
— Tri...pulação? —Balancei os ombros junto com
pequena careta.
— Isso! Já foram construídas outras semelhantes.
Espero que goste.
— Adorei senhor Charles! — Agradeci feliz. — Vou
levá-la comigo!
— Outra coisa: Durante o período em que vocês
estiverem aqui, a NASA lhes dará uma ajuda de custo de
cem dólares diários. É para pequenas despesas!
O retorno do menino do espaço
91
— Isso é importante senhor Charles. — Lembrou
mamãe. — Estamos sem um tostão nos bolsos e os meninos
andam querendo alguma coisa.
— Iremos providenciar imediatamente!
©©©
Às dez horas da manhã seguinte, bateu na porta do
apartamento. Quem atendeu foi mamãe. Era novamente o
senhor Charles:
— Bom dia! — Cumprimentou-lhe mamãe.
— Bom dia! Regis já está pronto?
— Aonde irão levá-lo? — Insistiu mamãe.
— Não se preocupe! Não sairemos do complexo
Kennedy! Regis passará apenas por uma entrevista,
acompanhada por umas cinco pessoas, entre elas o doutor
Marcelo.
Tirou do bolso um envelope e entregou para
mamãe, dizendo:
— São mil dólares! Depois a gente faz o acerto final!
Vamos Regis!
— Podemos acompanhá-los? — Insistiu mamãe.
— Preferimos que não! Mas não se preocupe! Este
herói aqui, estará muito bem! Não passará por nenhuma
tortura, nem vexame! Como lhe disse: apenas uma
entrevista.
— Falando nisso mamãe: — Me lembrei. — A
doutora quer fazer um exame com injeção de mercúrio em
minhas veias!
— Aquele exame perigoso? — Se estressou ela. —
Nem pensar!
— Não estou sabendo disso! — Negou Charles.
— Não deixe que apliquem nada em seu corpo! —
Recomendou-me mamãe. — Acho que terei que estar com
você!
Celso Innocente
92
— Não se preocupe mamãe! — Pedi. — Ninguém
porá as mãos em mim!
Seguimos para o edifício da NASA, acompanhado
por doutor Marcelo, que nos esperava na recepção. Era a
mesma sala, onde estive há sete anos. Uma espécie de
consultório grande, cheia de computadores.
Outras quatro pessoas já estavam presentes. Entre
elas a doutora Wendell, que me deu um beijo na face,
perguntando:
— Como passou de ontem?
— Um pouco assustado! — Respondi sério.
— Não tenha medo, menino! — Pediu-me ela. —
Somos diferentes, mas somos amigos!
— Mamãe não autorizou em fazer o exame com
mercúrio!
— Tudo bem! — Concordou ela. — Faremos apenas
um eletrocardiograma.
— Pra quê? — Questionei-lhe, já que era tão jovem
pra esse tipo de exame.
— Analisar este coraçãozinho!
— Ele está apaixonado! — Ironizei com sorriso
maroto.
Cumprimentei os outros três: todos doutores em
tecnologia espacial, entre eles o americano Jack Schmitt,
um dos astronautas a ir à lua a bordo da nave Apollo
dezessete, em mil novecentos e setenta e dois. Estava então
com cinquenta e três anos. Muito bom e brincalhão.
Os outros dois, Louis Muller, engenheiro em
assuntos astronômicos, de uns cinquenta anos e Mark,
também engenheiro.
— Precisamos que você tire a camiseta e deite-se
nesta cama. — Pediu a doutora Wendell.
— Novamente sem roupa!?
O retorno do menino do espaço
93
— Só a camiseta! — Insinuou ela.
— Já estive nesta cama! — Insinuou Jack Schmitt. —
É tão confortável que espero que você não durma!
Tirei a camiseta e me deitei.
A doutora colocou diversos apetrechos, que ela
dizia serem eletrodos, grudados em meu corpo: no tórax,
barriga, pescoço e testa.
— Pra que tudo isso? — Perguntei admirado.
— Queremos apenas acompanhar suas reações! —
Disse-me ela.
— Saber se estou mentindo?
— Pode ser! — Riu Jack Schmitt.
— Falando sério! — Interrompeu Mark. — O que
aconteceu a você, depois que retornou à Terra, em mil
novecentos e oitenta e um?
— Estive aqui na NASA! O senhor Charles estava
aqui!
— Depois disso, Regis? — Mark seria o
interlocutor.
— Pra evitar tantas perguntas, contarei o que sei. —
Aleguei. — Tentei continuar estudando, mas o senhor
Frene, mandou me buscar novamente!
— Animado esse homem! Não? — Riu Jack. — Pra
gente dar um pulinho até a lua, existe um planejamento de
muitos anos e muito dinheiro investido. O senhor Frene,
portanto, resolve buscar um menino na Terra e vem
imediatamente.
— Ele pode estar ouvindo o senhor! — Insinuei
zombeteiro.
— Mais essa ainda! Tira sua privacidade!
— Com certeza!
— Como é essa nave? Como viaja? Quanto demora?
Celso Innocente
94
— É um enorme disco voador, construído em mate-
rial parecido a níquel! Na verdade não sei direito o que é!
Eles falam que é uma espécie liquida, como mercúrio ou
estanho derretido! Viaja a uma velocidade muito superior
a velocidade da luz e é totalmente controlada por
computador. Existem os engenheiros que planejam a
viagem e traçam toda a rota no computador. A nave
obedece à risca esta rota! Caso haja risco de colisão com
algum asteróide, ela automaticamente se desvia,
retornando à rota original, segundos depois.
— Como são os alienígenas?
— Idênticos ao senhor! Até no modo de se vestir!
Na verdade, são mais inteligentes... Não que o senhor seja
burro! Mas são mais inteligentes, devido à longa
experiência, vivida em mais de cinco mil anos de vida.
— Ninguém vive cinco mil anos, Regis! — Negou
Louis.
— Eu tenho quase dezoito! Pareço?
— Como você consegue falar minha língua? —
Continuou Louis.
— Eu não consigo! Apenas interpreto! —
Apresentei-lhe meu aparelhinho.
— Cinco mil anos! — Admirou-se Jack. — Você
estava no paraíso!
— Nem tanto! Apesar de tudo, lá também existem
problemas e até mortes! Não por doenças!
— Ninguém fica doente? Jamais? — Perguntou
Louis.
— Suster é um planeta maior, porem, idêntico à
Terra. Tem muito oxigênio, gás carbônico, nitrogênio,
vapor d’água, clorofila e saúde. É iluminado por dois sóis,
fazendo com isso um dia de trinta e duas horas, de oitenta
minutos cada. Sabe o que significa isso?
O retorno do menino do espaço
95
— O que? — Perguntou Louis.
— Um dia em suster é maior do que dois dias na
Terra!
— Por que eles te queriam nesse lugar? —
Prosseguiu Mark.
— Só queriam ter uma criança! Eles não tinham
crianças por lá!
— O que aconteceu?
— Um problema radioativo os deixou estéreis! A
doutora sabe disso!
— Realmente! — Confirmou ela. — Nos exames
que fizemos em Regis, confirmou esse problema!
Possivelmente ele jamais se tornará pai! Possivelmente,
nem mesmo adulto ele se tornará!
— Vai ser um Peter Pan? — Gracejou Jack. —
Michael Jackson está construindo a Neverland real. Quem
sabe você possa ir morar com ele!
— Obrigado! Prefiro voltar ao Brasil!
— Ele é muito famoso!
— Sei disso! Gosto de suas músicas! Principalmente
“Ben”.
— Voltando ao assunto: — Pediu Mark. — Qual à
distância de Suster? Você sabe?
— Oitenta e sete anos luz.
— Quanto tempo de viagem?
— Setenta e um dias terráqueos! Quase trinta
susterianos! Dentro da nave, parece que não são nem duas
semanas!
— Tem lógica a questão de dentro da nave não
parecer nem duas semanas! Se algo viajar além da
velocidade da luz, é como se o relógio tivesse quase
parado. Isso explica você não ter envelhecido nesse tempo,
enquanto que seus pais e principalmente seus irmãos
Celso Innocente
96
menores ultrapassaram você. Mas por outro lado, o que
nos tá dizendo é impossível! Você teria que viajar mais do
que um ano luz diário! Ninguém consegue esta façanha!
— Diga isso ao senhor Frene! — Gracejei.
— É o mesmo que acreditarmos em viagem no
tempo!
— Acho que loguinho, isso será possível!
— Por que eles vieram tão longe? Não teria vida em
um planeta mais próximo deles?
— Idêntica a nós humanos, só no planeta de Mira!
— Quem é Mira?
— Uma menina de minha idade! Só que bem maior!
— Maior? Adolescente!
— Não! Gigante!
— Quem lhe disse?
— Eu vi pessoalmente! Quase morri nesse lugar!
Fiquei preso em uma teia de aranha, que era do tamanho
de uma onça. Até hoje tenho pesadelos com aquele
monstro!
— O que é onça? — Quis saber Jack.
— Um animal silvestre do Brasil! — Respondi, com
cara de sabe tudo.
— Como esse cara é meio atrapalhado e já lhe
buscou por duas vezes na Terra, não seria perigoso lhe
buscar novamente?
— Nunca mais ele me buscará!
— Como pode ter certeza?
— Me prometeu!
— Da outra vez, ele te prometeu também! —
Afirmou o doutor Marcelo. — Lembro que você me disse!
— Dessa vez é diferente! Ele não me buscará mais!
— O que é diferente? — Insistiu Mark. — Como
pode ter certeza?
O retorno do menino do espaço
97
— Eles não precisam mais de mim!
A doutora Wendell se espantou. Ela sabia que eu
acabaria contando meu segredo.
— Eles sabem que fizeram muito mal à Regis! —
Insinuou ela pra me ajudar. — Ele não suportaria ser
sequestrado novamente! O stress o mataria!
— Seria isso Regis? — Insistiu Mark.
— O senhor Frene não é tolo e sabe que não seria
nada bom pra mim! Ele ainda me ama!
— Concordam em viver sem crianças?
— Eles têm outra criança! — Contei.
A doutora Wendell se assustou.
— Criaram um robozinho! — Tentou me ajudar ela.
— Não é isso Regis?
— Não! Um menino de verdade! Nem é um
menino! Ele é um adolescente e nesse momento está
viajando pra Suster. O mesmo disco que me trouxe, está
levando pra lá, meu amigo Erick! Ele tem dezessete anos e
concordou em ir.
— Como assim, Regis? — Se espantou ainda mais, a
doutora.
— O que lhe disse ontem é verdade doutora
Wendell! Só ocultei o Erick! Ele é praticamente
abandonado na Terra e disse que será feliz no mundo do
senhor Frene. Nesse momento ele e Luecy viajam pelo
espaço e ainda estão a três quarto de distância! Não
viajaram nem a metade do caminho! Só deverão chegar lá,
no início de dezembro.
— Quer dizer que existe outra criança terráquea
sequestrada por esse doido? — Quis saber Mark. — Você
avisou as autoridades?
— Pra quê? Eles irão resgatar Erick?
— Isso é uma afronta!
Celso Innocente
98
— Não se zangue senhor Mark! — Pedi. — O
senhor Frene é amigável!
— Depois de tudo que lhe fez, você acha isso?
— Ele me ama! Apesar de tudo, só queria meu bem!
— Outro menino sequestrado! — Não aceitava
Mark. — Até quando? Dez anos?
— Acho que para sempre! Mas ele estará feliz!
Garanto!
— Você garante! Se esquece da família na Terra? —
Comentou nervoso Mark. — Se quando você estava por lá,
você se divertia e era feliz; saiba que seus pais choravam
aqui na Terra!
Meu coração bateu assustado. Nervoso, comecei a
chorar e arrancar todos os tais eletrodos de meu corpo.
— Eu não era feliz coisa nenhuma! Chorava todos
os dias! E se estou aqui hoje, é porque batalhei por isso!
Chorei, briguei, apanhei, fiquei amarrado, insisti e até Fuji!
Quase morri na fuga e vem o senhor me dar lição de
moral?
— Respeito comigo, Regis! — Pediu Mark.
— Respeito comigo também! — Gritei.
— Posso mandar prendê-lo por desacato!
— Que desacato?
— Calma gente! — Pediu a doutora, me dando um
lenço de papel. — Só estamos conversando!
Devagar, ela voltou a grudar os tais apetrechos
elétricos em meu corpo.
— Regis: — Prosseguiu Louis. — Você voltou pra
Terra porque fugiu?
— Mais ou menos! — Respondi, limpando os olhos.
— Consegui a ajuda de Luecy!
— Quem é Luecy? — Perguntou Jack.
O retorno do menino do espaço
99
— O robô! Fizemos uma aposta e ele me trouxe à
Terra! Quando ele resolveu voltar à Suster sozinho, não
conseguiu. Precisava de pelo menos um ser vivo na nave!
— Como assim? — Quis saber Louis.
— A nave só funciona com a presença de um ser
vivo. Ela é semelhante à uma planta, aproveitando o gás
carbônico, que eliminamos. Dentro dela o clima é sempre
agradável. A gente nem precisa tomar banho e não
necessita de máscaras de oxigênio. Tudo é produzido pela
nave. Com isto, um robô sozinho não é capaz de viajar com
ela.
— Vou entender! — Insinuou Mark. — A insignifi-
cante quantidade de gás carbônico que nós eliminamos, se
transforma em combustível suficiente, em um disco voador
enorme; enquanto isso, ele nos fornece o oxigênio puro,
pra nos manter vivo durante a viagem?
— É isso que os astronautas susterianos me
disseram! — Confirmei com cara de poucos amigos, não
querendo conversa com o tal Mark.
— Pra mim lançar uma pequena nave da Terra,
levando por exemplo um satélite em sua órbita, a energia
que eu preciso, me consome mais de treze mil quilos de
combustível por segundo e você vem me querer convencer
de que com zero de nada, você faz uma viagem através do
espaço distante!
— Eu não quero convencer o senhor de nada,
senhor Mark! — Neguei fazendo careta. — Quem sabe eu
estivera dormindo durante sete anos e agora venho aqui
para brincar de cientista ou astrônomo com o senhor!
— Qual material não se desintegra à uma
velocidade maior que a da luz? — Perguntou-me Louis.
Celso Innocente
100
— Parece níquel! — Respondi. — Mas não deve ser!
A velocidade é muito maior do que a da luz! Estes
mistérios, eu não sei responder!
— Mas você chegou a viajar sozinho numa nave
deles! — Insinuou Charles. — Foi o que você disse da outra
vez!
— Tentei fugir!
— Como você traçou sua rota? — Quis saber
Charles.
— Não tracei! Tentei fugir pilotando a nave
manualmente! Achava que sabia o caminho pra Terra! Pior
besteira! Perdi-me por completo!
— E como você se encontrou?
— Virei a nave cento e oitenta graus e tentei voltar
à Suster!
— Esperto você! — Riu a doutora.
— Burro eu! Acabei no planeta de gigantes! Depois
de escapar da aranha gigante, com a ajuda do pai de Mira e
ser estudado por eles durante vários dias, consegui ir
embora e depois de chorar muito, durante muitos dias
perdido no espaço, o senhor Frene conseguiu me
reencontrar por monitoramento e então me guiou de volta
até ele.
— Puxa! — Suspirou a doutora.
— Puxa, digo eu! Não brinque com o espaço de
Deus!
— Regis: — Insistiu Mark. — O que faremos pra
trazer Erick de volta?
— Acho que não podemos fazer nada! — Neguei.
— Acredito que a NASA não possui uma nave capaz de ir
até Suster!
— Lógico que não! — Exclamou Jack. — Nossas
viagens tripuladas não vão alem da lua! Mesmo as não
O retorno do menino do espaço
101
tripuladas como a Voyager por exemplo, que foi lançada
em mil novecentos e setenta e sete, só chegará a Plutão
mais ou menos em dois mil e quinze.
— Mas você consegue falar com o tal senhor Frene!
— Insistiu Mark.
— Até o senhor consegue! — Insinuei rindo. — É
muito provável que ele esteja assistindo nossa entrevista!
— Como isso é possível? — Duvidou Charles. —
Que sistema seria capaz de nos ver ao vivo, oitenta e sete
anos luz de distância?
— Ele me disse que foi instalado um satélite
invisível, que monitora a Terra constantemente.
— Então é guerra! — Riu Jack. — Eles estão nos
espionando!
— O objetivo era de apenas me espionar! Eu sim
nem tenho privacidade! Não posso nem ir ao banheiro,
sem que eles estejam me vendo!
— Não pode fazer nadinha errado, garoto! — Riu
Jack.
— Nem sexo. — Ri também, zombeteiro.
— Safadinho! — Caçoou a doutora.
— Brincadeira! — Corrigi. — Estou me
acostumando com os gracejos dos adultos!
— Acho bom você construir um banheiro de
chumbo! — Emendou Jack.
— Ãh! — Não entendi.
— O chumbo é resistível a muita coisa! Pode ser
que ele te dê privacidade!
— É verdade? — Acho que me interessei.
— Nem a radiação atravessa as paredes de chumbo!
— Confirmou o senhor Charles. — Já viu falar no grave
acidente na usina nuclear de Chernobyl?
— Não! — Franzi o nariz.
Celso Innocente
102
— Ocorreu em mil novecentos e oitenta e seis. Você
não estava na Terra. Ninguém sabe até hoje quantas mil
pessoas morreram nesse acidente. Alguns falam em quatro
mil, outros falam em cem mil. O fato é que todos foram
enterrados em caixão de chumbo.
— Acho que vou pedir pra NASA construir um
banheiro de chumbo, pra eu ter mais privacidade contra o
olho eletrônico do senhor Frene.
Embora os assuntos sempre saiam fora do foco
principal, Mark, que anotava tudo, era muito esperto e
tirava proveito de cada detalhe. Acho que o assunto
satélite invisível foi o mais importante no seu conceito. Ele
sabia que invisível era um termo para dizer que não seria
captado pelos radares da Terra, mas que na verdade, o
satélite espião estava lá, perdido junto aos milhares de
outros terráqueos que existem no espaço, a uma distância
aproximada de até trinta e seis mil quilômetros de altura,
ou pior: sendo os susterianos avançados como eu dizia o
satélite deles, poderia estar em outra órbita, bem superior
(e realmente estava, a cinquenta mil quilômetros) e pior
ainda: se eles realmente desejassem espionar toda a Terra,
teria que ter pelo menos três satélites, chamados
geoestacionários (e tinham). Se a ideia fosse realmente me
espionar, bastava apenas um desse tipo de satélite,
pendurado numa baixa órbita (cerca se quinhentos
quilômetros), na região noroeste do estado de São Paulo,
imaginando assim, que eu jamais estaria algum dia, em
entrevista no Cabo Canaveral, em estação espacial da
NASA.
— Acredito que ele não esteja nos vendo! —
Insinuou Mark.
— Eles têm imagens gravadas, desde o dia em que
nasci! — Insinuei.
O retorno do menino do espaço
103
— Não acredito que eles pudessem esperar você
aqui na NASA! — Negou Mark.
— E qual a diferença? — Quis saber a doutora.
— Uma coisa é instalar um satélite de
monitoramento local! — Alegou Mark. — Outra é um de
monitoramento global!
— Regis disse que ele instalou um destes, em altís-
sima órbita. — Afirmou Charles.
— Mesmo que os satélites existam e ele nos
espiona, — Insistiu a doutora. — é impossível que ele o
veja em tempo real, estando a oitenta e sete anos luz de
distância.
— O senhor Frene criou um atalho virtual no
espaço, capaz de nos ver e ouvir ao vivo! — Aleguei,
fazendo gestos de sabido. — Em tempo zero.
Louis e Charles, que quase não falavam, estavam
sempre acompanhando a tela do computador, que por sua
vez, estava ligado à máquina, que tinham seus fios, os tais
eletrodos, grudados em meu corpo. Eram milhões de
detalhes que se transferiam automaticamente para a tela
daquele computador.
— O que significa todos aqueles detalhes no com-
putador? — Perguntei.
— Isso é um polígrafo! — Explicou Louis.
— O que faz um... Polígrafo? — Me perdi.
— É um detector de mentiras! Todas as reações de
seu cérebro são direcionadas pra lá. Cada detalhe que você
omitir, mas seu cérebro pensar é automaticamente
direcionado pra lá! Se aparecer detalhes em vermelho, é
porque você mentiu.
— Vixi! — Caçoei. — Vai esgotar a tinta vermelha
de sua impressora!
Celso Innocente
104
— Nem tanto! — Riu Charles. — Você não mentiu
muito até agora! Só o necessário!
Pensei um pouco e olhando para a tela do monitor,
resolvi dizer:
— O senhor Frene é um monstro, que parece um
sapo gigante e cospe veneno pela boca!
Mark se assustou e eu ri, quando percebi um monte
de caracteres esquisitos em vermelho, que surgiu na tela
do monitor. Não era brincadeira de Louis. Aquela
máquina, realmente conseguia decifrar a verdade e a
mentira.
— A polícia deveria usar essa máquina pra prender
ladrões! — Insinuei rindo.
— E usa! Só que na polícia, a entrevista é mais
estressante do que a que fazemos contigo!
— É!? — Duvidei.
— Claro! — Exclamou Charles. — É o objetivo do
detector! E alem de que, você não é nenhum bandido!
Aquela conversa perdurou até às treze horas. Acho
que contei tudo sobre minha viagem interplanetária. Acho
que minha única omissão foi meu segredo revelado apenas
à doutora Wendell. Espero que a máquina da verdade, não
tenha conseguido identificá-lo. Nem sei por que desejava
tanto omitir este fato. Acho que realmente temia por meus
pais. Não queria que eles sofressem, imaginando um outro
filho, preso no planeta Suster. Não entendia nada sobre
clone. Não sabia e nem sei, como isso é produzido, através
do DNA de algo vivo.
Às quatorze horas, já com meus irmãos e mamãe,
seguimos para o almoço, no restaurante do próprio hotel.
Na manhã de sexta-feira, às nove horas, estava
novamente no consultório da doutora Wendell.
— Você falará com os engenheiros, ainda hoje?
O retorno do menino do espaço
105
— Disseram que sim! Às dez horas.
— Como você está se sentindo?
— Ainda sinto assustado!
— Por quê? Ninguém vai lhe fazer mal!
— Não sei! Sinto o coração apertado! Tenho
vontade de estar em casa!
— Sua família está com você! Não tem o que temer!
— Doutora Wendell, como é feita a clonagem?
— Pergunta interessante e muito difícil de explicar.
Mesmo eu sendo médica, não saberia explicar
corretamente. O fato é que, tecnicamente é impossível
clonar um ser humano. O que se pode clonar na verdade
são embriões, que seria o mesmo processo de gêmeos
idênticos, utilizando células do irmão, antes dele nascer.
Teríamos que fazer o que a natureza já faz por nós.
— Como o senhor Frene conseguiu um clone meu?
— Como você não produz espermatozóides,
acredito que ele tenha tirado uma ou várias células sua,
congelado estas células e então, retirado um óvulo de uma
mulher doadora, mesmo ela sendo estéril, como você disse,
então ele deve ter tirado o núcleo desse óvulo, de alguma
maneira praticamente micro cirúrgica, no lugar desse
núcleo, eles implantaram uma de suas células. A partir daí,
sua célula começou a se dividir, se multiplicando
rapidamente; uma vira duas, que vira quatro e vai pra
oito…Isso vai fazer com que esse óvulo se transforme em
um embrião. A partir de então, eles implantam esse óvulo
no útero de uma mulher; não necessariamente a doadora
do óvulo e não importa que ela seja estéril. Eles só
precisam do útero dela. A partir daí, o resto é idêntico ao
desenvolvimento de um bebê normal.
Celso Innocente
106
— Como a célula nesse caso se dividiu, se as
minhas células não se dividem mais? Como meu clone tem
meu tamanho, se em Suster ele não pode envelhecer?
— Desculpe Regis! — Pediu ela. — O que eu lhe
disse, é meu parecer! Nem deve ser assim que foi realizado
seu clone! Vou estudar o caso. Se descobrir eu te conto!
— E sobre minha saúde? Tem alguma novidade?
— Você é o garoto mais saudável que já conheci!
— E meu futuro filho?
— Vou me dedicar à sua saúde com carinho! Vou
apresentar sua infertilidade em um congresso e ver o que
descubro! Prometo lhe deixar informado.
— Já que está tudo bem, estou indo ao encontro dos
outros engenheiros.
— Pode ir! Não estarei lá e talvez não o veja até sua
partida ao Brasil! Quando aparecer novidades entrarei em
contato.
Deu-me um beijo e saí ao encontro dos demais
engenheiros, que estavam no mesmo prédio.
Ainda não eram dez horas, quando o senhor Mark,
Charles e o doutor Marcelo, me convidaram a entrar na
sala de entrevista.
— Pode se sentar. — Pediu Mark.
Sentei-me à frente deles, em uma confortável
poltrona de tecidos. Louis e o astronauta Jack, não estavam
presentes.
— Regis, na tarde de ontem, estivemos analisando
sua entrevista, gravada em nosso computador. — Avisou-
me Mark. — Você não mentiu nenhuma vez, com exceção
da hora em que chamou o senhor Frene de sapo; mas
omitiu muita coisa. Talvez esteja receoso de colaborar
conosco. Não se preocupe, nós não iremos declarar guerra
ao planeta do senhor Frene. Mesmo porque, não temos
O retorno do menino do espaço
107
tecnologia suficiente pra irmos até ele; nem mesmo de
encontrar seu satélite invisível…
— Depois, ele não é tão inimigo assim! — Insinuou
o doutor Marcelo.
— E eu não omiti nada! — Neguei. — Tudo o que
me perguntaram, respondi do jeito que sei!
— Só o mínimo necessário! — Insinuou Mark.
— Detalhei até demais! — Insisti.
— Não se preocupe! — Insinuou Mark. — Você
omitiu, mas seu cérebro não! Neste computador, está
gravado tudo o que aconteceu à você, desde o momento
em que saiu da Terra, em mil novecentos e oitenta. Você
sabe muito, garoto! Tem estudado muito! Principalmente
em relação ao planeta Suster!
— Meu cérebro contou tudo?
— Não escondeu nada! — Exclamou Charles.
— É como se seu cérebro fosse um agá-d (HD) e
nosso computador fizesse uma cópia dele. — Explicou
Mark. — Sabemos, por exemplo, que você tentou fugir
uma vez e a nave caiu, se incendiando! Verdade?
— Verdade! — Confirmei.
— O senhor Frene chegou a espancá-lo e amarrá-lo
na cama!
— Verdade! — Confirmei. — Mas posso ter falado,
da outra vez em que estive aqui!
— Você esteve num planeta, o qual batizou por
nome de… Mark Três! Verdade?
— Concordo!
— Isso você não contou à ninguém!
— Concordo!
— O senhor Frene, pretende explodir nossa Terra,
utilizando grande quantidade de raios gama!
Celso Innocente
108
— Quê!? — Me espantei.
— Seu cérebro nos disse! — Insistiu Mark.
— Nem sei o que é raios gama! — Neguei com
sinceridade.
— Estou brincando, garoto! — Continuou Mark. —
mas sabemos tudo! Ou quase tudo! Ainda não tivemos
tempo de analisar todas as informações geradas por seu
cérebro.
— O fato Regis: — Alegou Charles. — É que não
precisamos mais entrevistar você. Isso é bom! Você terá o
dia livre pra visitar nossas dependências e o parque, com
sua família. Tudo que precisamos, está no computador e
não será usado pro mal. Pode acreditar!
— Como prometemos: — Prosseguiu o doutor
Marcelo. — Sábado e domingo, você e sua família terão os
dias livres para um passeio à Disneylândia. Eu não estarei
com vocês, mas Judith os levarão no carro dela.
— Não precisam mais de mim? — Perguntei.
— Está livre! — Riu Charles. — A cópia de seu
cérebro está conosco!
— Dá a impressão que vocês estão me roubando!
— Não temas! — Pediu Mark.
— O senhor Frene tira minha privacidade! Agora
vocês roubam meus pensamentos! Pobre infeliz, de um
menininho de nove anos de idade!
— Pelo menos você contribui pro futuro das
viagens espaciais, administradas pela NASA!
— O que significa NASA? — Perguntei curioso.
— National Aeronautics and Space Administration.
— Respondeu Charles. — Já te disse isso antes!
O retorno do menino do espaço
109
— Não sou tão bom de memória! — Dei de ombros.
— E você corre o risco de ir pra Genebra. — Alegou
Mark. — Um belo passeio pela Suíça!
— Sai de mim! — Neguei assustado. — Vou pro
Brasil!
— Acho que a CERN quer falar contigo!
O retorno do menino do espaço
111
Disneylândia
aquela tarde, após o almoço, estive com minha
família, que já estavam bem familiarizados,
visitando o parque espacial que existe no grande complexo
do centro espacial e descobri que o local é muito bonito,
com parque de diversões infantil e parque ecológico,
preservando inclusive, espécies animais em risco de
extinção, podendo ser visitado por civis do mundo inteiro,
que se hospedam ou não, no mesmo hotel, em que nós
estávamos.
Visitamos também, uma base de lançamento de
foguetes, denominada Pe trinta e nove (P.39), a qual foi
responsável por lançamento da Colúmbia e Challenger (é a
mesma nave, que foi rebatizada). Naquela época essa
missão se chamava ésse te ésse cinquenta e um éle (STS-
51L).
Na manhã de sábado, saímos pouco depois das sete
horas do hotel, em companhia de Judith, que falava Portu-
guês fluentemente, embora um pouco arrastado, seguindo
à passeio aos parques da Disneylândia.
A viagem de carro, do centro espacial até Orlando,
durou cinquenta minutos.
N
Celso Innocente
112
O primeiro local em que fomos foi na própria
cidade de Orlando, o Sea World Adventure Park, que
apresentava principalmente espetáculos com baleias e
golfinhos, em esplêndido shows acrobáticos, nos
gigantescos tanques tipo piscina. Ali ficamos até às dez e
meia da manhã, depois seguimos para o Discovery Cove,
que fica junto ao Sea world. Neste local, eu, Paulinho e
Henrique, aproveitamos para nadar e abraçar os golfinhos,
que eram mais dóceis do que nosso cachorrinho Jerry.
Naquele momento sim, me senti o menino mais feliz de
todo o mundo, junto com aqueles bichos muito
inteligentes.
Só quando sai dali, me lembrei de nosso
cachorrinho e como não teria o visto, perguntei a
Henrique:
— Onde foi parar o Jerry?
— Morreu! Já faz três anos!
— Como? — Me entristeci. — Ele era muito novo!
— Atropelado por um carro!
Dali seguimos para Walt Disney World. Um
enorme complexo que combina quatro parques temáticos
espetaculares (incluindo el Magic Kingdom), dois parques
aquáticos, um complexo desportivo, una zona comercial,
restaurantes, bares, campos de golfe, instalações para
desportes aquáticos, tênis, spas e vinte hotéis temáticos.
Ali chegamos às quatorze horas, onde, embora sem
muita vontade, paramos de nos divertir e fomos almoçar,
em um gigante e belo restaurante à beira de uma
gigantesca piscina. Embora mamãe exigisse, eu, Paulinho e
Henrique, preferimos não almoçar, mas sim nos
deliciarmos com saborosos lanches, tipo Mac Donald.
O pior foi depois do lanche, pois mamãe não nos
deixava divertir, alegando ter que esperar pelo menos uma
O retorno do menino do espaço
113
hora, para se fazer a tal digestão, evitando ter que nos
transportar dentro de caixões, devido uma cruel congestão
alimentar.
Assim sendo, enquanto aguardávamos os tais sucos
gástricos, formado pelos ácidos nucleicos ou clorídricos em
nossos estômagos, dissolver os pesados lanches; já que
andar ajudaria muito, passamos a visitar os centros
comerciais e só às três e meia da tarde, podemos continuar
nossa diversão; mas era até difícil saber o que fazer, pois o
local é maior do que muitas cidades e cheio de diversões,
principalmente aquáticas, onde eu e meus irmãos,
voltamos a nadar, em piscinas de água aquecida e outras
de água salgada.
Um local tão bonito e divertido, onde qualquer
criança sonharia em morar por lá. Muito mais bonito, do
que o parque construído pelos avançados humanos de
Suster. Eu até esquecera a saudade do Brasil e se pedissem
para passar um mês por lá, creio que toparia sem pensar
duas vezes.
Na saída daquele excelente complexo de
diversões, ainda seguimos para a Universal Orlando, indo
direto para o parque aquático Wet`n Wild, aonde
chegamos, já às vinte e uma horas e embora não quisesse
aceitar, cansados, ficamos apenas para assistir uma
tradicional e magnífica queima de fogos de artifício muito
colorida, que parecia ser realizada dentro do Oceano.
Chegamos de volta ao Hotel, no complexo espacial,
às onze e meia da noite. Agradecemos Judith, que era
excelente amiga e já no apartamento, mamãe disse:
— Corre tomar banho, Regis!
— Não mamãe! — Neguei. — A senhora está mais
cansada do que a gente, então vá primeiro!
— Jura que é isso o que você quer?
Celso Innocente
114
— A gente te ama! — Aleguei.
— É isso aí! — Consentiu Henrique.
Ela riu e não perdeu tempo. Correu ao banho.
©©©
Acordei às nove horas da manhã de domingo.
Estava com a mesma roupa em que cheguei do passeio, na
noite anterior, deitado na cama de casal. Meus dois irmãos,
também estavam de roupas do passeio, deitados em suas
camas e mamãe já havia se levantado.
Levantei-me em silêncio e segui ao banheiro,
encontrando mamãe, na sala de estar.
— Bom dia Regis! — Cumprimentou-me ela. —
Dormiu bem?
— Nem tomei banho!
— Quando saí do banho, os três estavam dormindo
tão bem, que resolvi deixá-los em paz! Afinal, tomaram
muito banho durante o dia!
— Vou tomar banho agora!
— Faça isso! Fará se sentir muito bem!
Realmente foi o que fiz. Tomei um banho bem
demorado, só saindo do banheiro, já com os dentes
escovados e cabelos penteados, meia hora depois. Segui até
o quarto, aonde vesti apenas uma cueca e tornei a me
deitar.
Mamãe acordou meus dois irmãos, pedindo que
fossem tomar banho, para que fossemos tomar café, o qual,
como na maioria dos hotéis, era limitado somente até as
dez horas.
©©©
Devido todos nossos atrasos, resultado do cansaço
do dia anterior, só conseguimos chegar a nosso passeio,
quase meio dia, onde começamos pela Main Street, que é a
rua principal e entrada do parque, passando pelo castelo
O retorno do menino do espaço
115
de Cinderela. Quando chegamos, estava acontecendo um
belíssimo desfile, com a presença de todos os personagens
Disney. Todos mesmo. Desde Mickey e sua turma, até
Cinderela, Capitão Gancho, Peter Pan, Pato Donald, João
Bafo de Onça, Huguinho, Zezinho e Luisinho… e Todos os
outros.
Eu esperava estar no passeio, apenas como mero
menino espectador, mas, de repente, alguém do parque,
me convidou para seguir à frente do desfile, junto com
Mickey e Minie, que eram os anfitriões. Vestiram-me em
uma roupa especial, semelhante à astronauta da NASA e
me deixaram à vontade, naquela diversão especial. Embora
me sentisse um menino normal... Não era tanto! Estava
ficando cada dia mais famoso, devido às especulações da
mídia, do mundo inteiro.
Às duas horas da tarde, estava na Frontierland, que
era a Terra da Fronteira, dos índios e cowboys e onde se
encontra a famosa “Big Thunder Mountain Railroad”, a
montanha-russa, em forma de trenzinho, que passa por
uma mina do velho Oeste e Splash Mountain, onde você
cai de uma montanha direto na água. É lógico que mamãe
não queria ir, por medo de cair na água, mas acabou não
resistindo; afinal, devido a esse medo da água, já perdera
diversos passeios. Mas o medo foi só no início, depois que
estava molhada, acho que se divertiu tanto quanto nós,
crianças.
Dali seguimos para Fantasyland (terra da fantasia)
onde se encontram: “Peter Pan´s Flight” (o voo de Peter
Pan); onde você tem a sensação de voar sobre a Terra do
Nunca; um local magnífico, que parece ter parado no
tempo; onde toda criança se sente assim como eu, um
menino que parou de ficar adulto. O Carrossel da
Cinderela, as Aventuras da Branca de Neve, as xícaras
Celso Innocente
116
gigantes do País das Maravilhas e o espetacular Mickey´s
Philharmagic Orchestra (um filme em terceira dimensão
“3D”, tecnologia de vídeo avançada, absolutamente
fantástica, a qual não existe no Brasil e nem mesmo no
planeta Suster), onde você parece fazer parte do filme.
Devido termos chegado muito tarde ao parque,
acabou o tempo e quando saímos da Terra da Fantasia, já
era noite e nós ainda não tínhamos almoçado, então,
mamãe e Judith, apesar de todos nossos protestos,
decidiram retornar para o hotel. Por fim, conseguimos em
comum acordo, parar numa fantástica lanchonete, antes do
retorno.
Acabamos por chegar ao hotel, só às onze e meia da
noite e combinamos de sairmos bem cedo, na manhã
seguinte, de volta ao parque.
©©©
Às seis e meia da manhã de segunda-feira, acordei
na mesma cama com mamãe e pulei imediatamente. Puxei
o lençol de Paulinho e Henrique:
— Acorde gente! Já está tarde!
Os dois se espreguiçaram, mas não relutaram. Acho
que, apesar do cansaço, estavam tão animados quanto eu.
Voltei até mamãe e chamei:
— Acorde mamãe, senão vamos nos atrasar!
Ela virou de lado, observou o horário no
sintonizador de canais da televisão e reclamou:
— É muito cedo Regis! Volte pra cama!
— Não é cedo mamãe! — Neguei. — Combinamos
com Judith, às oito horas.
— Está bem! Vá pro banho, que vou levantar!
Entrei no banheiro e embora Paulinho estivesse
escovando os dentes, tirei a roupa e tomei um banho tão
rápido, que até ele criticou:
O retorno do menino do espaço
117
— Isso foi banho, Regis?
— Não podemos perder tempo! — Neguei, me
enrolando na toalha e já preparando o creme dental.
©©©
Às nove horas daquela manhã, já estávamos na
Tomorrowland (Terra do Amanhã), onde o tema é o futuro
e onde se encontra a Tomorrowland Árcade, um centro de
diversões de alta tecnologia, tal que daria inveja às mais
avançadas tecnologias do senhor Frene; a “Space
Mountain”, uma montanha-russa toda no escuro, onde
mamãe relutou para entrar conosco, mas acabou por ir e
não se arrependeu e o Tomorrowland Indy Speedway. Ali
eu percebi que realmente não tinha dezessete anos; que
realmente havia parado no meu tempo e estava com
apenas nove anos de idade! Ou será que meus irmãos e até
mamãe (incluindo Judith), se sentiam também, com apenas
nove anos de idade?
Chegamos a Adventure Land (Terra da Aventura),
ao meio dia e meia. Local que tem como atrações a Jungle
Cruise, um passeio vestido a caráter, por uma selva
tropical, visitando os Pirates of the Caribbean (Piratas do
Caribe), em uma viagem demorada, onde termina numa
batalha entre piratas. É lógico que mamãe estava
apavorada, pois a batalha parecia tão real, que realmente
nos assustava, principalmente porque, talvez já sabendo de
nossa visita, eu fôra sequestrado pelo capitão Barbossa.
Devido o trauma de me perder sempre para o senhor
Frene, mamãe se desesperou ainda mais, só que como era
fictício e o pirata Jack Sparrow, percebendo o medo real de
mamãe, tratou de me salvar imediatamente das mãos do
capitão, me entregando e dando um beijo real, no rosto de
mamãe.
Celso Innocente
118
Duas e meia da tarde, ainda sem almoço, chegamos
a Liberty Square (Praça da Liberdade), que tem como prin-
cipais atrações à famosa “Haunted Mansion”, ou mansão
assombrada, com seus mil fantasmas, alguns assustadores,
outros atrapalhados e até alguns bonzinhos.
Nesta mansão, com tantos fantasmas, tinha certeza
que encontraria meu fantasminha predileto,
“Gasparzinho” e toda sua turma; mas tal foi minha
surpresa, pois não havia sinal de nenhum deles.
Embora inesquecível o passeio ao castelo, o mais
divertido foi também o Riverboat, onde pegamos o barco
Liberty Belle e fomos dar uma volta demorada pelos rios
do parque.
Enquanto mamãe seguia em uma parte do barco
com Paulinho, eu seguia com Henrique. Então lhe
perguntei:
— Por que no meio de tantos fantasmas, a gente
não viu o Gasparzinho?
— Ele não é personagem Disney7! Por isso ele não
tava lá! Queria ser ele?
— Se eu fosse um desenho, queria ser o Riquinho8?
— Por quê? Gosta dele?
— Ele é bonito!
— Se você fosse um desenho, seria o Reginaldo9. —
Insinuou com sarcasmo meu irmão, dando ênfase no
nome. — Ou então a Branca de Neve!
— Eu não, oh! Sou homem! — Exclamei convicto.
— Poderia me casar com ela! Ser seu eterno príncipe
encantado! O senhor Luciano já me chama mesmo de
príncipe!
7 Gasparzinho é personagem Harvey Comics. 8 Personagem em desenho de Hanna Barbera. 9 Amigo não muito confiável de Riquinho.
O retorno do menino do espaço
119
— Chama mesmo? — Riu ainda com sarcasmo,
Henrique.
— Ou pelo menos chamava! Há alguns anos!
Príncipe francesinho.
— Por que francesinho? Não gosta de tomar banho?
— Eu hem! Tomo banho duas vezes por dia!
— Teve gente que foi dormir sem tomar banho
anteontem!
— Verdade! Eu, você e Paulinho! Mas eu pelo
menos tinha tomado banho de manhã!
Uma grande pena, foi na pressa em sair de Suster,
ter deixado por lá, minha câmera de vídeo e meu relógio
de pulso. Se estivessem comigo, poderia ter registrado
muita coisa bonita. Sabia, que devido nossas condições
financeiras, outro passeio destes, talvez não se realizasse
nunca mais. Cheguei a acreditar, ter valido o sacrifício de
ter ido ao planeta do senhor Frene, em troca deste passeio
e que, como já citei: o parque do senhor Frene, não chegava
nem aos pés dos parques da Disney. E olha que estávamos
no parque de Orlando, sabendo que existem outros,
inclusive na Califórnia.
Às cinco horas da tarde, chegamos a Mickey´s Toon
Town Fair: (Cidade do Mickey), que é onde fica a casa do
Mickey, da Minie, o barco do Donald e a fazenda do
Pateta. É ali que se reúnem todos os personagens da
Disney e onde um fotógrafo do próprio parque,
gentilmente nos acompanhou, realizando outro de nossos
sonhos de crianças: a oportunidade de sermos fotografados
com cada um de todos os personagens.
E este foi também, o último de nossos passeios aos
parques da Disney. Às oito horas da noite, acenamos
dizendo adeus e mesmo relutando, retornamos com
Celso Innocente
120
dorzinha no peito, para a última noite, no hotel do centro
espacial Kennedy.
©©©
Enquanto tomava café da manhã de terça-feira, às
seis horas, no restaurante do hotel, recebemos a visita do
senhor Charles.
— Bom dia brasileiros! — Cumprimentou-nos ele.
— Como foi o passeio nestes últimos dias?
— Excelente! — Respondeu Paulinho. — A gente
não pode ficar mais?
— Querem ficar mais? — Admirou-se ele — Você
também quer, Regis?
— Quem não quer? — Insinuei.
— Você! Tava doido pra ir embora!
— Não sabia que seria tão divertido!
— Posso ver com Mark! — O alegou. — Se
quiserem ficar mais uns dois dias!
— Não! — Negou mamãe. — A gente agradece!
Gostamos muito! Mas creio que está na hora de
retornarmos ao Brasil!
— Quem sabe o Regis se aventure em outra missão
espacial e então volte aqui! — Brincou Charles.
— Pelo amor de Deus! — Pediu mamãe aflita. —
Nem brinque com isto!
— Brincadeira!
— Devo devolver-lhe algum dinheiro! — Alegou
mamãe.
— Está tudo certo! Espero que tenham realmente
gostado daqui!
©©©
Enquanto terminava de arrumar as malas, no
apartamento do hotel, alguém bateu na porta e mamãe
correu a atender. Era a doutora Wendell, que nos
O retorno do menino do espaço
121
cumprimentou em Inglês e entrou. Como ninguém
entendia nada do que ela dizia, se dirigiu à mim, que
conseguia decifrar suas palavras, devido ao aparelhinho
em meu pescoço.
— Missão cumprida? — Perguntou-me ela.
— Gostei muito deste passeio! — Aleguei. — Acho
que tudo valeu a pena!
— Que bom! — Riu ela. — A gente fica muito feliz
por você!
— Descobriu algo sobre minha saúde?
— Nada de novo! — Negou ela. — Creio que terá
que se acostumar com sua infância prolongada!
— Já estou me acostumando!
— E a namorada?
— Creio que irei perdê-la pra outro! — Respondi
triste.
— Gosto muito de você, garoto! — Abraçou-me ela.
— Estarei torcendo por você!
— A senhora foi muito boa comigo! — Aleguei. —
Obrigado!
Deu-me um beijo no rosto, depois deu a mão à
mamãe e meus dois irmãos, beijando-os também na face e
sorrindo se retirou.
Acabamos de pegar nossas bagagens, inclusive a
miniatura da nave Challenger, que ganhei de Charles e nos
retiramos do hotel.
Na recepção, encontramos com doutor Marcelo e
sem precisar acertar nenhuma conta, nos dirigimos ao hall
de entrada, onde Judith já nos esperava para o translado
até o aeroporto, em um carro grande, tipo Blazer.
Às oito horas, já na sala de espera, do aeroporto
internacional de Orlando, encontramos o fotógrafo do
parque de Disney, que após nos cumprimentar, me disse:
Celso Innocente
122
— Mickey me pediu que lhe trouxesse um presente!
E me entregou uma caixa de uns quarenta centíme-
tros de cumprimento, por uns trinta de largura e dez de
altura. Abri-a imediatamente: era um álbum de fotografias,
com mais de trinta diferentes fotos muito belas, as quais
tiramos no dia anterior, na terra de Mickey.
— Muito obrigado de verdade! — Agradeci-o feliz
da vida, dando-lhe um abraço surpresa, que até ele não
esperava. — É o melhor presente de toda minha vida!
— Nós é que ficamos felizes de verdade, com sua
honrada visita a nossos parques! — O Alegou. —
Esperamos que retorne algum dia!
— Como eu gostaria! — Insinuei.
— Então venha! Procure-nos e teremos o enorme
prazer, em lhe conceder todas as visitas, sem nenhum
ônus!
— Podes crer que eu virei! — Exclamei rindo.
O agradecimento à simpática Judith, que tanto nos
ajudou nos Estados Unidos, foi também um tanto emocio-
nante, principalmente para mamãe, que estaria perdida
sem ela. Tadinha de mamãe: não sabia sequer, pedir um
cafezinho, naquele país de língua tão diferente.
Quase nove horas, após o demorado trabalho de
vistoria de passaportes, bagagens e outras tantas
burocracias, estávamos todos acomodados, a bordo de
uma aeronave do Delta Air Lines, todos na mesma fila de
poltronas, sendo, eu na janelinha do lado direito da nave; a
meu lado, no meio, Henrique e no corredor a mamãe. Na
mesma fila, do lado esquerdo, na janela Paulinho e no
meio o doutor Marcelo. A outra poltrona ficara
desocupada.
A aeronave decolou às nove horas e cinco minutos,
com destino ao aeroporto de Cumbica, em São Paulo, com
O retorno do menino do espaço
123
escalas em Nova Yorque e Rio de Janeiro. Pelo menos, não
teríamos que trocar de avião em nenhum ponto.
Se a viagem fosse sem escalas, deveríamos estar em
Cumbica, antes das vinte e uma horas, mas devido às duas
longas paradas, só chegamos às vinte e duas horas e trinta
minutos.
Como tivemos muita sorte no desembarque, até
rápido, antes das vinte e três horas, já estávamos dentro de
um táxi, correndo apressado, em destino ao terminal
rodoviário da Barra Funda, onde, graças ao horário de
pouco movimento e avenidas de trânsito rápido,
conseguimos chegar, pouco antes das vinte e três horas e
trinta minutos; tempo muito corrido, mas suficiente para
embarcarmos no ônibus leito, das Empresas Reunidas
Paulista, que sairia em apenas dez minutos, com destino
sem escalas, à Penápolis.
Mal, muito mal mesmo, tivemos tempo de
agradecer e nos despedirmos do doutor Marcelo, que
logicamente não viajaria conosco, pois residia em São
Paulo e estava mesmo, era com vontade de chegar à sua
casa.
Embora a viagem de avião seja confortável, eu não
conseguira dormir e então, cansado e devido o conforto de
viajar deitado em ônibus de primeira categoria, não vi nem
mesmo a saída de São Paulo. Acho que mesmo antes de
chegar ao Cebolão, já estava dormindo, na poltrona dupla
com mamãe e só acordei, sendo chamado por ela,
chegando à estação rodoviária de Penápolis, pouco depois
das seis horas da manhã.
Como nossa casa não era tão distante da rodoviária
(oitocentos metros) seguimos a pé, cada um de nós,
carregando um pouco da bagagem, que também não era
tanta assim. Não compramos praticamente nada na
Celso Innocente
124
América, pois nem mesmo dinheiro, havíamos levado, nos
sacrificando apenas com os mil dólares, que recebemos de
ajuda de custos. Parecia pouco, mas graças ao prestígio em
ser um menininho famoso, muitas das nossas atividades
por lá, não tivera ônus, fazendo o pouco se tornar muito.
O retorno do menino do espaço
125
Retorno ao lar
hegando a nossa saudosa casa, papai e os
demais, já estavam acordados nos esperando.
Eles sabiam que deveríamos chegar neste horário,
portanto, fomos recebidos com verdadeira festa de abraços
e perguntas. Nossa família, apesar de pobre, era e
principalmente depois de tal drama vivido, ainda é muito
unida.
Fomos todos juntos, tomar café, preparado por
minha irmã Letícia e papai. Um verdadeiro banquete, em
nossa homenagem.
Percebi no jeitão de papai ouvir nossas façanhas,
um pouco de ciúmes, em não ter aproveitado, o passeio
que fizera comigo há sete anos, onde visitou muitos
lugares em Orlando, mas não estivera em nenhum dos
parques Disney. Na época, como eu não pude ir, ele
achava que aquilo era apenas para crianças.
Pouco depois, mesmo sem terminar os assuntos,
Letícia seguira para a escola, papai, com meus irmãos Luis
e Leandro seguiram para o trabalho. Henrique e Paulinho,
embora cansados, resolveram também ir para a escola,
pois, alem de já terem perdidos seis dias de aulas, estavam
ansiosos para contar suas aventuras na terra de tio Sam,
C
Celso Innocente
126
aos amigos. Com isto, como sempre, em casa só ficamos eu
e mamãe.
— Vá dormir um pouco Regis! — Pediu ela.
— Pra que? — Insinuei admirado. — Já dormi a
noite toda!
— No ônibus a gente não dorme direito!
— Com certeza eu dormi muito! Vou ajudá-la um
pouco!
— Não precisa! A turma deixou a casa em ordem!
Só vou fazer um almoço pra nós... mais tarde! Agora até eu
vou deitar um pouco!
— Vá sim mamãe! Eu fico de plantão!
Sorte que durante muito tempo, não apareceu
ninguém em nossa casa. Mamãe realmente estava cansada
e acabou adormecendo logo. Eu fiquei na sala, brincando,
principalmente com a miniatura da Challenger.
Eram quase nove horas, quando alguém bateu
palmas no portão e eu corri a atender. Tive uma agradável
surpresa: era Elizabeth.
— Oi Beth! Você não foi à escola?
— Faltei, pois estava ansiosa pra ver você!
Abri o portão e a abracei com carinho. Ela deu-me
um beijo na face e perguntou:
— Chegaram agora de manhã?
— Às seis horas! Você sabia?
— Sua irmã me falou ontem, que se vocês não per-
dessem o ônibus, chegariam nesse horário!
— Realmente foi muito corrido! Chegamos à rodo-
viária, apenas dez minutos antes do ônibus sair! Entre!
— Só está você aqui?
— Eu e mamãe! Mas ela está descansando!
— Paulinho e Carlos foram pra escola?
O retorno do menino do espaço
127
— Preferiram ir, pois já perderam muitos dias de
aulas!
Sentamos juntos no sofá da sala.
— Como foi seu passeio na NASA?
— Não passeei muito na NASA! Mas em compensa-
ção, o que divertimos na Disney, você nem acredita!
— É bom lá?
— É o melhor lugar do mundo! Eu ficaria por lá
mais uma semana!Ou até um mês!
— Nem se lembrou de mim?
— Não esquecia você nem um pouco! Pena que não
pode ir com a gente.
— Da próxima vez, darei um jeitinho de ir! Nem
que for dentro das malas!
— O duro, é o peso pra gente levar! — Brinquei.
— Que isso Regis? Ta me chamando de gorda?
— Acha! — Assustei-me. — Você é grande, pra que
eu a carregue!
— E quando nos casarmos? Não vai me levar no
colo pro quarto, na lua de mel?
Entristeci-me um pouco.
— As notícias não são muito boas pra nós! — Justi-
fiquei.
— Por que não?
— A doutora Wendell, acha que não terei barba tão
logo!
— A gente se casa sem barba mesmo! — Brincou
ela.
— Não é só a barba!
— Seja o que for Regis! Mesmo que você seja
criança, gosto é de você!
— Daqui uns dois ou três anos, você será maior de
idade e se continuarmos namorando, não dará certo!
Celso Innocente
128
— Por que não?
— Você será realmente acusada de pedofilia!
— Oficialmente nós temos a mesma idade!
— Mas você vai querer um homem adulto! Nem
filho a gente poderá ter!
Colocou o dedo indicador direito em minha boca,
dizendo:
— Só quero você! Vamos mudar de assunto, pois
este papo está lhe deixando triste!
— É que eu tenho medo de perder você!
— Não vai me perder! Pensa que eu não tenho
medo de perder você também?
— Como assim?
— Se você realmente continuar jovem por muitos
anos, eu irei me envelhecer e aí sim, você vai acabar não
me querendo mais!
— Isso jamais Beth! Sempre amarei você!
— Está bem! — Deu-me um leve beijo nos lábios,
fazendo meu coraçãozinho gelar de felicidade. — Conte
mais de suas aventuras na Disney!
— Espere aqui! — Disse-lhe, me levantando. — Vou
lhe mostrar algo!
Saí correndo até meu quarto, apanhei o álbum de
fotos e voltei, sentando-me a seu lado, coloquei o álbum
em seu colo e disse:
— Veja que maravilha!
Ela começou a folhear aquele álbum. Na primeira
página, eu disse:
— Veja! Sou eu e Mickey!
— Que lindo!
— Me lembrei de você quando estava com ele!
Virou a página e eu lhe narrei, apontando o dedo
nas fotos:
O retorno do menino do espaço
129
— Aqui é Paulinho e Clarabela! Esse outro é Henri-
que e Minie.
Na próxima página:
— Veja! Eu e Peter Pan! Esta é Judith, mamãe e
Margarida.
Até parece que precisava ficar comentando, sendo
que as fotos mostravam quem era e com exceção de Judith,
Beth conhecia todos os demais.
Próxima página:
— Eu, Henrique, Paulinho e Pateta. Ele tem uma
fazenda! Acredita?
— Nessa outra sou eu e Tio Patinhas! Acredita! Ele
me deu a moedinha número um! Espere! Vou buscá-la!
Saí novamente correndo a meu quarto e trouxe em
seguida, uma moedinha dourada, de um centavo de dólar,
com a cara do tio Patinhas no verso. Entreguei a Beth,
dizendo:
— Veja! Agora vou ser o menino mais sortudo do
mundo!
— Você é o menino mais sortudo do mundo, Regis!
— Riu ela.
— Veja: Minie, eu, Paulinho e Mickey!
Mamãe, que acabara de se levantar, apareceu na
porta da sala e cumprimentou Beth:
— Oi Beth! É você quem está com o meu
tagarelinha?
— Oi! — Disse ela.
— Desculpe mamãe! A gente acordou você?
— Você me acordou, Regis! — Insinuou ela.
— Sinto muito!... Acho que me esqueci!
— Não se preocupe! — Consolou-me ela. — Até
que foi bom! Eu precisava mesmo levantar. Se não o
pessoal chega pro almoço e as panelas estarão frias.
Celso Innocente
130
— A gente ajuda a senhora! — Se ofereceu Beth. —
Eu e Regis!
— Não é preciso! Obrigado! — Agradeceu ela. —
Continuem vendo as fotos! E agora já podem falar alto!
Eu já vinha falando muito alto.
Continuei comentando cada foto, conforme Beth
folheava o álbum.
— Paulinho com Pato Donald; Henrique com um
dos três patinhos, Huguinho, Zezinho ou Luisinho, sei lá
qual!
— Este é Huguinho! — Riu ela.
— Como sabe? — Duvidei.
— Huguinho é o líder dos três e usa boné
vermelho! Zezinho é o mais esperto e usa boné azul!
Luisinho é o mais criativo e usa boné verde!
— Por que você sabe isso?
— Adoro ler suas histórias em quadrinhos!
Não acreditei muito nela, mas devia estar falando a
verdade, então continuei narrando:
Eu e Paulinho com Branca de Neve... mamãe e
Maga Patológica... eu com capitão Gancho... todos nós com
Pluto... Paulinho com João Bafo de Onça... eu com os
irmãos metralhas... Paulinho com Gastão... eu com o
Professor Pardal... Henrique com Chiquinho e
Francisquinho... — Me virei a ela, perguntando — Sabe
quem é o Chiquinho e o Francisquinho?
Ela forçou os lábios e acenou que não.
Continuei:
— Eu e meus irmãos com Zé Carioca. Sabia que o
Zé carioca é brasileiro? Ele é do Rio de Janeiro! Claro! Ele é
carioca!... Aqui eu e meus irmãos com vovó Donalda... eu e
Mogli... todos nós na entrada do parque... eu e Paulinho na
piscina com tobogã gigante e acabou.
O retorno do menino do espaço
131
Ela estava rindo, então perguntei sério:
— Do que você está rindo?
— De seu comentário! Até parece que eu já não os
conhecia!
— Verdade! — Me acanhei. — É que sou bobão!
— Bobão nada! — Exclamou ela. — Estou até com
inveja!
Continuei contando as novidades por bastante
tempo. Quando Beth quis ir embora, eu e mamãe não
permitimos, fazendo com que ela ficasse para almoçar
conosco e continuei contando tudo o que se passara na
América, enquanto juntos, ajudávamos mamãe na cozinha.
Assim que lhe mostrei a miniatura da Challenger,
Beth me perguntou:
— Seus irmãos não ficaram com ciúmes de seus
presentes?
— Não! Eles também ganharam a moedinha
número um do tio Patinhas! E as fotos são de nós todos!
Calei-me por um instante, depois conclui:
— Eu é que fiquei com inveja deles! Eles passearam
mais do que eu!
— Como assim?
— Enquanto eu estava levando agulhada no braço e
um monte de trecos grudado em mim, eles estavam se
divertindo!
©©©
Ao ir para a cama naquela noite, papai foi rigoroso:
— A partir de hoje, você vai dormir em sua cama!
— Ordenou-me ele.
— Não quero! — Neguei com manha.
— Você já é grande! Não justifica querer dormir
com a gente!
Como permaneci calado, ele prosseguiu:
Celso Innocente
132
— Você tem ciúmes de mim e sua mãe juntos?
Acenei que não!
— Pois é! — Insinuou ele. — Eu estou com ciúmes
de você e da mamãe!
— Nããão! Eu sou só o filho da mamãe! Não vou
namorar ela!
— Quanto tempo faz que não durmo com ela?
Eu não era ignorante. Era até experto demais e
sabia do que ele falava.
— Tudo bem papai! — Concordei. — Você dorme
com a mamãe.
Deitei-me em minha cama.
Duas horas depois, ainda estava rolando em minha
caminha e não conseguia dormir.
Levantei-me e segui de mansinho para o quarto
deles, enfiando-me no meio dos dois e permanecendo
quietinho.
Mais uma hora se passou e acordei com papai
sentando-se ao lado da cama e reclamando, de certa forma
nervoso:
— Ah não!
Ascendeu a luz e continuou:
— O que há com você Regis? Tem medo do que?
Nada respondi, permanecendo encolhido, igual
cachorrinho novo quando está dormindo.
— Vou ter que levar você em um psicólogo! Mesmo
que sua idade fosse nove anos, já seria grande demais, pra
dormir debaixo da saia da mãe!
Levantou-se, apagou a luz e seguiu para meu
quarto. Eu, apesar de ter ficado com o coração assustado e
com certo remorso, em tomar-lhe seu lugar de rei da casa,
me virei na cama e continuei dormindo.
©©©
O retorno do menino do espaço
133
Na tarde de quinta-feira, papai e eu fomos à escola
Marcos Trench, onde, na diretoria encontramos dona
Margareth, diretora desde quando eu estudava lá. Não sei
como, mas ela me reconheceu de longe:
— Olá Regis! — Disse ela. — Fugiu mesmo da
escola!
— Ele pretende voltar no ano que vem! — Alegou
papai.
— Claro que sim! — Me abraçou ela. — Sua vaga
está sempre reservada! E espero que não fuja mais!
— Não fugirei nunca mais! — Me comprometi.
— Interessante como você continua sempre igual!
— Só que Regis, deseja se matricular na sétima
série! — Pediu papai.
— Não há como! — Negou a diretora. — Que série
ele estava quando foi embora?
— Eu estava na terceira série, mas estudei muito,
mesmo estando fora! Apesar de perder alguns anos,
consegui concluir a terceira, quarta, quinta e sexta série.
Este ano estava fazendo a sétima!
— Lá onde você se encontrava? — Perguntou-me
ela.
— Sim! Tive ótimos professores! Alguns
particulares!
— O estudo lá não tem valor aqui pra nós!
— Por que não?
— Com certeza o currículo escolar de lá não bate
com o nosso! — Insinuou ela.
— É o mesmo!
— História do Brasil, por exemplo! — Disse ela.
— Estudei!
— Como assim? — Admirou-se ela.
Celso Innocente
134
— O senhor Frene concordou que eu não ficasse
analfabeto e me incentivou.
— Mas eles estão a par de nosso mundo assim, em
tudo?
— Tive professores da Terra! Estudava por
telepatia!
— Como assim?
— Dona Regina me deu aulas na terceira série!
— Antes de você se ir! Eu sei!
— Quando eu estava distante! Ela sabe disso! Dona
Elza, me deu aulas na quarta série! Ela também sabe disso!
— Não é possível! — Não a acreditou. — Espere
um momento.
Retirou-se. Eu e papai sentamos e aguardamos por
uns dois minutos, até que ela retornasse acompanhada por
dona Regina e dona Elza.
— Não acredito que é meu aluno predileto! —
Exclamou dona Regina. — Menino fujão!
— Não se esqueceu de mim?
— Como poderia? — Disse ela.
— E eu nunca vi você! — Negou dona Elza. — Mas
te conheço muito!
Ambas me abraçaram.
É eu realmente era muito querido.
— Regis me contou uma história! — Insinuou a
diretora. — Quero saber o que é verdade! Vocês duas
deram aulas pra ele, mesmo ele não estando presente?
— Era mesmo verdade Regis? — Perguntou-me
dona Regina. — Todo tempo era você?
— Eu não podia continuar analfabeto! O senhor
Frene arranjou um jeitinho, de eu frequentar suas aulas!
— Acabei me acostumando! — Disse dona Regina.
— Mas no começo achava que estava sonhando. Devido o
O retorno do menino do espaço
135
que aconteceu à Regis, ele acabou se tornando especial pra
mim!
— Eu também não conseguia entender! — Insinuou
dona Elza. — Não conhecia Regis! Foi Regina quem me
apresentou! Nunca, com exceção de hoje, o havia visto! Só
o conheci por voz e achava loucura! Durante as chamadas,
tinha que ter cuidado pra não falar com ele e os demais
alunos notarem e pensarem que eu estava ficando louca!
— Vocês falavam com Regis? — Duvidou a
diretora. — Como era possível? Ele estava muito distante!
— Acho que por isso, ele se tornou um aluno
especial! — Insinuou dona Elza. — Estou feliz em lhe
conhecer de verdade!
— Obrigada dona Elza! Nunca esquecerei suas
aulas! Nunca esquecerei o que a senhora e dona Regina
fizeram por mim! O carinho que tinham por mim!
— Tinham não! — Negou dona Regina. — Temos!
— Nunca consegui esquecê-lo, menino! — Insinuou
dona Elza.
— Pra falar a verdade, depois que você deixou de
frequentar minhas aulas, fiquei até com ciúmes! —
Insinuou dona Regina com sinceridade.
— Acho que sou um menino especial! — Brinquei.
— Sou muito feliz pelo carinho que me dão!
— Podem voltar à suas salas! — Pediu dona
Margareth. — As crianças estão sozinhas!
As duas me abraçaram, despediram-se de papai e
retornaram às suas classes.
— Regis! Não sei realmente o que fazer! — Se
perdeu a diretora. — Imaginava você retornando pra
terceira série! Vou ter que conversar com a delegacia
regional de ensino e explicar seu caso. Veremos o que eles
falam!
Celso Innocente
136
— Tudo bem! — Concordou papai. — Voltaremos
outro dia?
— É melhor! Voltem segunda-feira, que verei o que
deveremos fazer.
©©©
Ao chegarmos em casa, de bicicleta, naquela mesma
tarde, avistamos ao longe, um carro de uma emissora de
televisão.
— Você tem visita, Regis! — Afirmou papai.
Nada falei. Ele teve uma idéia:
— Quer ir à casa da Beth? Eu falo que você vai
passar a noite fora.
— Não papai! — Neguei. — Ele voltaria amanhã!
Acabamos de chegar e um pouco ofegante e suado,
devido às pedaladas, entramos na sala, onde encontramos
sentado no sofá, André, um famoso apresentador de
televisão, em um programa domingueiro, acompanhado
de outros técnicos.
— Aqui está nosso jovem astronauta! — Comentou
André, se levantando e me abraçando. — Me conhece?
— Um pouco! — Afirmei com sinceridade. — Dá
pra saber que o senhor é muito famoso!
— Primeiro, eu não sou senhor! — Negou ele. —
Depois: sei por que você não me conhece!
— Praticamente Regis não passou nenhum
domingo aqui em casa. — Alegou papai. — Nem poderia
ter assistido a um programa seu!
— Verdade! — Concordou André. — E este outro
garoto aqui? — Chamou Paulinho. — Me conhece?
— Muito! — Confirmou meu irmão. — A televisão
aqui, aos domingos, só fica ligada em seu programa.
O retorno do menino do espaço
137
— Muito bem Regis! — Alegou André. — A minha
proposta é a seguinte: Quero você em meu programa de
domingo! Posso contar com você?
Olhei para papai, depois mamãe e meio com
desânimo disse, franzindo os lábios:
— Estou cansado, papai!
— Você não vai se cansar! — Negou André. —
Prometo levá-lo e trazê-lo, de avião.
— Chegamos de viagem ontem! — Insinuei.
— Pois bem! — Concordou André. — Por isto que
eu vim pessoalmente! Analisando esse fato, imaginei em
fazer a reportagem aqui mesmo!
— Não preciso ir à São Paulo?
— Você escolhe! Aqui, ou lá!
— Prefiro ficar aqui!
— Em São Paulo, você ficaria em hotel de primeira
classe!
— Prefiro ficar no hotel primeira classe de minha
mãe!
— Êta menininho decidido! Não? — Afirmou ele.
— Parabéns por essa frase!
— Regis é muito amoroso! — Afirmou mamãe. —
Os outros também são!
— Mas Já viu falar no Othon Palace?10
— Não! — Neguei, dando de ombros.
— Faremos a reportagem aqui! Você concorda em
nos conceder uma entrevista?
— Papai é meu empresário! — Caçoei.
— A única coisa André. — Observou papai. — É
que alguns jornalistas são muito carinhosos com Regis, aí
apresentam no jornal, piadas e comentários de mau gosto.
10 O hotel mais caro e famoso da capital paulista.
Celso Innocente
138
— Compreendo! Fazem sarcasmo e metáforas com
o que não podem acreditar. Eu tenho assistido os
telejornais!
— Com isto, meu menino fica com cara de idiota!
— Não fico não papai! — Neguei prontamente. —
Não estou nem aí se acreditam em mim ou não!
— Por isso eu gostaria que fossem ao programa! —
Aconselhou André. — Lá faremos uma reportagem ao
vivo, sem podermos fazer cortes nem montagens! Mas
mesmo aqui, tenho meu nome pra zelar e não trairei um
menino simpático como Regis!
E assim aconteceu mais uma longa entrevista, a um
famoso programa de auditório. Primeiro tomei um banho,
pois embora não envelhecesse, transpirava como qualquer
garoto e o suor, principalmente após um longo percurso
pedalando, apesar da televisão não mostrar, não cheirava
muito bem.
À noite, ao deitar-me na cama de meus pais, ele
voltou a reclamar:
— Regis, você acha certo dormir junto com a
mamãe e eu dormir sozinho?
Balancei os ombros timidamente, sem nada dizer.
— Que marido e mulher somos nós? — Insistiu ele.
— Está bem papai! — Concordei. — Vou dormir em
minha cama!
Durante várias horas fiquei em minha caminha,
tentando dormir, sem, contudo pregar os olhos. Levantei-
me, apanhei a manta fina e segui ao quarto de meus pais,
forrei o chão ao lado de mamãe e deitei-me ali.
O retorno do menino do espaço
139
Na televisão
a tarde de domingo, reunidos na sala de casa,
aguardávamos a apresentação daquela
reportagem, que com certeza, seria a última do programa.
Durante as chamadas comerciais, André sempre
comentava, mostrando uma bonita foto minha, junto com a
miniatura da Challenger:
— Ainda hoje: Este menino diz, “Fiz uma longa
viagem, em um disco voador”.
E após muita espera, André informou:
— Traremos agora uma completa reportagem com
o garoto Regis. A idéia era trazê-lo ao palco, mas como ele
chegou dos Estados Unidos esta semana e estava um
pouco cansado, resolvemos fazer a reportagem em sua
casa. Vejamos:
Ainda André, em imagem gravada em frente minha
casa, dizia:
Estamos em Penápolis, a quinhentos quilômetros
da capital paulista, na casa de Regis Fernando de Araujo,
um menino simples, de nove anos de idade — Fez pequena
pausa. — Ou seria dezessete! Regis nos traz uma história
N
Celso Innocente
140
incrível, que até parece ter sido tirada do mundo do faz de
conta. Ele... alega ter viajado durante muito tempo, em um
enorme disco voador.
Em frente minha escola, André continuou:
— Pouco antes do meio dia de vinte e cinco de
Março de mil novecentos e oitenta, Regis saiu pela última
vez, de mais um dia de aula, na terceira série e no retorno
pra casa, foi sequestrado por seres alienígenas, sendo
levado a um distante planeta, por nome Suster.
Agora em frente à fonte jorrando água, na praça
principal, sentados em um banco, André me perguntou:
— Qual foi o objetivo dos alienígenas sequestrarem
você?
— Primeiro, quando se fala em alienígenas, dá-se a
impressão que são monstros de duas cabeças, soltando
babas pela boca e ganindo igual dragão (tudo bem que eu
jamais teria visto um dragão ganindo).
— Com certeza eles não eram assim!
— Muito pelo contrário! São seres humanos,
idênticos a nós. A diferença é que são de um planeta
centenas de anos, avançados em relação a nós terráqueos.
— E o que eles queriam sequestrando um menino
na Terra?
—11 A mais de cinco mil anos, houve uma grande
explosão nuclear, a milhões de quilômetros de distância de
Suster. Os cientistas de lá, estudaram e chegaram à conclu-
são que em pouco tempo, uma nuvem radioativa, atingiria
seu planeta e provavelmente os eliminariam. Então
criaram com extrema urgência, diversas naves espaciais e
em grupos de dez a quinze tripulantes, saíram em busca de
11 Desculpem-me, mas é necessário o relato repetitivo (novamente),
pois se trata de uma reportagem televisiva. Para não se tornar osmose o
leitor pode ignorar este trecho.
O retorno do menino do espaço
141
um planeta que fosse ideal para sobreviverem. A maioria
dessas naves espaciais jamais retornou. Uma das que
voltaram, pertencia ao pai do senhor Frene, que até hoje é
o, digamos, todo poderoso de seu planeta. Quando eles
saíram em viagem, o senhor Frene ainda era criança,
quando voltaram, ele já era adulto e seu pai, então já estava
velho e contou toda sua façanha interplanetária. Ele viajou
durante muitos anos e conseguiu chegar até a Terra,
descobrindo que aqui era um planeta muito semelhante ao
seu. A idéia era, apesar da longa distância, buscar o
máximo de gente possível, se é que a radiação já não
tivesse destruído a todos. Chegando lá, ele descobriu outra
realidade. As crianças haviam se tornados adultos e os
idosos haviam falecidos. O planeta então estava sendo
habitado apenas por adultos. Não nasciam mais crianças e
perceberam que os adultos não estavam envelhecendo.
Com isso, abandonaram a idéia de retornarem à Terra e
assim se passou milhares de anos, sem que nunca mais
viessem aqui.
— Quer dizer que eles estiveram aqui na Terra, a
cinco mil anos atrás?
— Isso mesmo! Antes de Jesus vir ao mundo!
Depois eles passaram muito tempo sem vir.
— E por que eles sequestraram você?
— O pai do senhor Frene, devido à idade avançada,
acabou falecendo, mas ele vive até hoje! Tem mais de cinco
mil anos…
— São imortais?
— Praticamente sim! A radiação que atingiu seu
planeta infiltrou no organismo dos seres vivos e causou
um tipo de imunidade. As células pararam de se dividir e
reproduzir, ao mesmo tempo em que parou de envelhecer.
Ou seja, ninguém mais envelhece naquele planeta! Só que
Celso Innocente
142
devido a este mesmo fato, ninguém mais reproduz! Isto é:
não nasce mais nenê. Hoje Suster é um planeta de três
bilhões e quatrocentos milhões de habitantes adultos
saudáveis, porem não tem nenhuma criança!
— É aí que entra seu sequestro?
— Exatamente! Os habitantes de Suster parecem
que estavam sentindo um tipo de solidão afetiva! Por mais
que eles tinham, sentiam falta de uma… arte de criança…
Então resolveram aperfeiçoar suas naves e sabendo que na
Terra existia vida humana, voltaram pra cá, trazendo um
conjunto de satélites invisíveis e espião…
— Invisíveis, quer dizer: não é visto pelos radares!
— Isso mesmo! Ta lá no espaço, perdido junto aos
nossos! Resolveram que queriam uma criança da Terra!
Então no nosso ano de mil novecentos e setenta e um,
instalaram esses satélites e começaram a acompanhar a
vida na Terra. Um dia qualquer, disse o senhor Frene, que
em comum acordo da nação; mas acredito que não! Na
verdade, assim como o presidente dos Estados Unidos,
decide fazer uma guerra contra, por exemplo, o Vietnam e
diz que foi o povo americano quem quis, acho que foi ele
também quem queria uma criança da Terra e diz que foi o
povo quem decidiu.
— Esse exemplo da guerra, é bem pensado! E então
ele decidiu ter uma criança da Terra?
— Exatamente! Daí escolher Regis foi apenas um
acaso. Não é que sou o mais bonito, nem o mais
inteligente! O fato é que no momento em que resolveram
escolher a criança, eram cinco horas da manhã do dia oito
de Março e bisbi… não consigo dizer isso!
— Bisbilhotando! Observando!
— Isso mesmo! Seu olho eletrônico acabou
descobrindo a casa de mamãe e acabou assistindo a meu
O retorno do menino do espaço
143
nascimento. Eu nasci em casa! Sabia? Mamãe não arranjou
carro a tempo de ir ao hospital. Morávamos no sítio!
— Antigamente, a maioria dos bebês nasciam em
casa! Aí resolveram que você seria o bebê deles?
— Isso mesmo! Passaram a me acompanhar e me
proteger! Eu não sabia de nada, mas era protegido por eles.
Escapei inclusive de ser picado por uma cobra venenosa.
— Mas eles demoraram pra te buscar?
— Isso! Se eles me buscassem sendo nenê, meu
organismo iria criar anticorpos, minhas células não
envelheceriam e eu seria sempre nenê! Mas não era um
nenê que eles queriam! Não pra arcar com a
responsabilidade de ter que preparar mamadeira, ou trocar
fraldas! Queriam um menino maior, pra poder brincar,
conversar, fazer arte, chorar…
— Você estando lá, chorava?
— É o que eu mais fazia! — Brinquei, falando a
verdade. — Chorava todos os dia!
— Por quê? Eles maltratavam você?
— Não! Eles me amavam e ainda amam até hoje! Eu
chorava mesmo era de saudades de casa!
— Por isso eles esperaram você crescer um pouco e
resolveram lhe buscar no ano de oitenta? Você tinha…
— Nove anos! Hoje tenho dezessete! Parece?
— Não! Pra mim você tem nove!
— É isso! Fui pra lá! Meu organismo criou proteção
e então deixei de envelhecer. O pessoal da NASA disse que
vou ser um Peter Pan!
— Mas e agora, você de volta à Terra: Continua não
envelhecendo?
— O pessoal da NASA, fez diversos exames em
meu organismo e não chegou a nenhuma conclusão ainda!
O senhor Frene, no entanto, disse que depois de uns dois
Celso Innocente
144
anos, voltarei a envelhecer naturalmente, mas que nunca
poderei ser papai!
— Nem consegue dar uma namoradinha? —
Gracejou o apresentador.
— Namorar consigo! É lógico! — Ironizei. — O pro-
blema, é que minha namorada, logo acabará se
transformando em minha mãe!
— Como assim?
— Ela segue o ciclo da vida normal e eu fico parado
no tempo! Ela envelhece e eu continuo criança! Tenho uma
namorada… linda! — Dei uma piscadela pra câmera. —
Mas ela já tem, realmente dezessete anos! De idade e de
aparência!
Em montagem, mostrou-me abraçando a Beth, em
câmera lenta.
— Regis, seu pai me disse que alguns jornais fazem
comentários de mau gosto a respeito de sua história. Eu
não faço isso! Pelo contrário: meu trabalho é muito sério e
vi sua certidão de nascimento, vi foto sua, que, aliás, quero
mostrar, de oito anos atrás. — Apareceu bem nítido, minha
certidão de nascimento, com a data de nascimento em
destaque. — Você era igual é hoje. Falei hoje com sua
professora da terceira série, também de oito anos atrás.
Então não tenho como duvidar de sua história. E mais: a
gente percebe que você não é um anão! É apenas uma
criança! E não é que não cresceu! Você realmente não
envelheceu.
Mostrou-me atualmente ao lado de minha foto do
ano oitenta.
— O que os outros jornalistas duvidam: — Conti-
nuou ele. — É que seria impossível se fazer uma viagem a
um planeta distante como Suster, que você disse estar a
oitenta e sete anos luz, em apenas setenta dias. O que seria
O retorno do menino do espaço
145
oitenta e sete anos luz? Seria o tempo a qual, a luz
demoraria em chegar até a esse lugar, em oitenta e sete
anos! Só pra se ter uma idéia, a luz do Sol, demora mais de
oito minutos pra chegar até nós!
— Oito minutos e treze segundos! — Concluí. —
Mas eles disseram, que além da nave deles conseguir se
locomover, muito além da velocidade da luz, devido não
haver atrito, por falta de gravidade no tal vácuo do espaço
sideral, ela também consegue criar um efeito, que se
resume em ampliar o espaço passado e encolher o espaço
futuro, viajando como se fosse numa bolha neutra, fazendo
com que oitenta e sete anos luz, se resultem em... sete,
talvez.
— Este é outro ponto a ponderar! Você é um
menino muito inteligente!
— Impressão sua! Não sou mais inteligente do que
um menino de dezessete anos! Pode parecer que sou mais
inteligente do que um de nove! Afinal, estudei muito, no
lugar de onde venho!
— Ou seja: Apesar de sua carinha bonita, você não
é uma criancinha! Por isso sabe tanto quando um,
digamos: jovenzinho de dezessete anos!
— Obrigado pela “carinha bonita”! — Balancei os
ombros.
— O povo susteriano realmente é imortal?
— Praticamente sim! É claro que se alguém apanhar
uma arma de fogo e der um tiro na cabeça de outro, nem
sua avançada medicina poderá salvar o coitado! Se um
louco, encher a cara e sair dirigindo na contra mão em alta
velocidade e bater de frente em um dos monstruosos
veículos de carga, só se Deus conseguir salvá-lo! Na
verdade, devido a esses fatos, a população susteriana está
diminuindo drasticamente. Eles são imortais, em relação à
Celso Innocente
146
morte por doenças ou velhice. Lá não existe câncer, aids,
lepra, diabetes… infarto do miocárdio...
— Você disse que eles têm uma medicina muito
avançada. Pra que? Se eles não têm doenças!
— Como acabei de comentar, tem alguns acidentes!
Embora, como eles dão muito valor à vida, se cuidam
muito! Lá não existem loucos, a fim de beber e sair
dirigindo na contra mão, como eu citei de exemplo! Lá,
praticamente não existem crimes e nem bandidos!
Praticamente não existe pobreza! Todos têm vida digna e
se ajudam mutuamente! Vivem assim, digamos como em
uma grande e única família!
— Não existem assaltos?
— Não! Tanto é que nas casas não existem muros!
Na grande mansão onde eu morava, por exemplo, não
existem trancas nas portas. Quando eu chegava de frente à
porta de meu quarto, ela se abria automaticamente. E
assim, qualquer um que quisesse entrar em meu quarto, o
procedimento era idêntico.
— Mas assim não existe privacidade!
— Normalmente ninguém faz isso, respeitando a
privacidade dos outros. Eu por exemplo, talvez por ser
criança, não tinha muita privacidade! Embora pudesse
trancar minha porta por dentro! Mas geralmente, a pedido
do senhor Frene, não fazia! A não ser que estivesse bravo!
Às vezes acordava com a presença do senhor Frene, Luecy
ou mesmo Leandra!
— E se a gente quisesse dormir pelado? — Brincou
o apresentador.
— Sendo adultos, eles respeitam a privacidade! Eu
porem, não sou de dormir... pelado!
— É o paraíso?
O retorno do menino do espaço
147
— O senhor Frene me disse com muita mágoa, que
aqui na Terra privilegiada que é, cada mãe que rejeita um
filho em seu ventre, que cada pai, que autoriza o aborto e
que cada médico inescr... inescr...
— Inescrupuloso... — Ajudou-me André.
— ...que realiza este aborto, já está condenado sem
perdão, ao fogo do inferno!
Fiz este comentário, com a mesma mágoa, com que
o senhor Frene me contou um dia.
— Calma, Regis! — Observou André.
— É verdade André! Vão ter que acertar conta com
Satanás!
— Você é durão, menino!
— O povo susteriano, vive em um mundo, o qual
você disse ser o paraíso! Quase é! Tem tudo de bom! Mas
eles vivem tristes! Gastaram o equivalente a bilhões de
dólares, só pra me buscar na Terra, com o único objetivo de
ter o sorriso de uma criança. Eles não foram bem
sucedidos! Eu era esta criança e estava lá, mas não podia
levar a felicidade que eles almejavam. Como eu poderia
levar felicidade a eles, se eu não era feliz?
— Resumindo: provavelmente eles dariam tudo,
apenas pra ter o sorriso de uma criança! Algo pelo qual,
eles estão privados!
— Provavelmente... não! — Enfatizei a palavra. —
Eles dariam tudo, com certeza! Essa criança, que você falsa
mãe, através da mão assassina de um médico, utilizando
navalhas12, a retalham, seria muito especial pra eles! Você
sabia André, que quando um médico retalha uma criança,
no ventre da mãe, realizando um aborto, essa criança
12 fórceps
Celso Innocente
148
reluta inutilmente, tentando sobreviver? Sabia que essa
criança sente muita dor e sofre muito antes de morrer?
— Seria a mesma coisa que retalhassem a gente! —
Explicou o jornalista. — Eu, você, o telespectador…
— Com mais uma agravante: Nós temos como nos
defender! O Pobrezinho não! Está preso no útero limitado!
Sua casinha sagrada! O senhor Frene me contou estas
coisas e muito mais, com muita mágoa no coração. — Não
pude deixar de me emocionar e deixar rolar lágrimas. — E
ele também chorava quando comentava estas coisas.
— Regis: voltando a nosso assunto, vi hoje de
manhã, uma nota divulgada pela NASA, que dizia: Garoto
Regis esconde um segredo, o qual a NASA não consegue
desvendar. Isso é verdade?
Assustei-me com a surpresa, sentindo até calafrio.
— Segredo?! Eu?!
— A reportagem dizia que eles analisaram todas as
entrevistas que você concedeu a eles, inclusive fizeram um
check-up de seu cérebro e chegaram a esta conclusão.
Admitem até a possibilidade de levá-lo novamente até lá,
ou mandar uma equipe pra falar com você, aqui no Brasil.
— Pra falar a verdade, você me pegou de surpresa!
— Me atrapalhei. — Não vi essa reportagem! Mas não vou
negar: escondi realmente algo deles e prefiro não falar
nada sobre isso por enquanto.
— Por quê? É muito grave?
— Não! — Neguei convicto. — Não é nada
importante! Mas diz respeito a minha família e nem a eles
contei ainda! O fato é que ninguém vai atacar a Terra! O
povo susteriano é de muita paz!
— Conte aqui pra mim, no meu ouvido, seu
segredo.
— Não André! Ainda não!
O retorno do menino do espaço
149
— È muito sério?
— Nada sério! — Neguei. — A doutora Wendell, da
NASA, já sabe.
— Depois você me conta esse segredo! — Brincou
André. — Só me conte: como é a vida em Suster!
— Imagine a Terra sem guerras, sem doenças, sem
pobreza, sem bandidos, sem analfabetos, sem fome, só que
também... sem crianças! Isto é Suster! A Terra sem estes
problemas!
— Menos as crianças! — Riu André. — Criança não
é problema!
— Eu que o diga! — Confirmei. — Criança é
símbolo de simplicidade e amor!
— Seria perigoso eles voltarem aqui pra lhe buscar?
— Jamais! É uma promessa do senhor Frene! Ele
nunca mais me buscará na Terra!
— Já houve uma promessa dessa e ele não cumpriu!
Não é mesmo?
— Mas agora ele cumprirá! O meu segredo faz
parte disso, inclusive. Alem de que: Meu amigo Erick, está
nesse momento a caminho de lá, em meu lugar! Todos já
sabem disso! Não é?
— Erick tem dezessete anos e foi pra Suster! Ele
ficará lá?
— Com certeza! Ele sempre quis ir!
— E você nunca foi feliz, estando lá?
— Eu acho que fui o maior fracasso dos susterianos.
Eles queriam uma criança pra ser como filho de todos seus
habitantes, mas na verdade, acabei me tornando um
bichinho de estimação na grande mansão do senhor Frene.
Tinha contato físico apenas com poucos. A grande maioria
só me conhecia pela televisão e eu nunca vi, nem zero
vírgula zero, zero, um por cento.
Celso Innocente
150
— E seu segredo é…
— Não estou preparado! — Neguei sério.
— Acha que sua história daria um filme?
— Ficaria bem legal! — Ri convicto.
— A maioria de nós, busca a jovialidade eterna!
Você tem esse privilegio. O que você acha disso?
— Muito bom! Tenho inúmeras vantagens e estou
até ficando famoso! É diferente!
— Um herói nacional?
— Herói é médico! Bombeiro! Pai de família!
A reportagem terminou aí.
De volta ao palco do programa, ao vivo, André
ainda comentou:
Esta reportagem foi gravada na tarde de quinta-
feira. Até o momento, Regis não revelou seu segredo. O
que posso falar dele, é que é um menino muito bom e
educado, berço de uma família simples e unida. Como ele
falou na reportagem: O Universo tem muitos mistérios e
nós não conseguimos desvendá-los. O que espero é que
um dia nossa querida Terra, possa ser um local tão bom
quanto ela já é, mas com a pureza do planeta em que Regis
visitou. Aproveito pra mandar um grande abraço a ele e
toda sua família fantástica e no dia em que quiser, nosso
programa está de portas abertas para recebê-lo, com muito
amor e carinho.
Assim terminou a reportagem. Só que agora eu
tinha um...outro problema:
— Qual é o seu segredo Regis? — Perguntou-me
mamãe.
Levantei-me seguindo rumo ao banheiro.
— Vou tomar um banho agora!
O retorno do menino do espaço
151
Ela me deixou ir. Mas eu sabia que ela e papai
voltariam a insistir. Eu evitara falar no assunto, temendo
por eles mesmo.
Ao terminar o banho, o jantar estava pronto. Então,
sem tocar nesse assunto, comentávamos apenas a
reportagem exibida a pouco na televisão.
Jantei rápido e sendo o primeiro a terminar, me
levantei pedindo:
— Dá licença. Acho que já vou dormir.
— Regis, espere! — Pediu mamãe. — Você não
dorme tão cedo!
— Estou cansado!
— Por favor! — Pediu ela. — Sente-se e espere!
Tornei a me sentar e enquanto esperava, tomei um
copo de suco de caju, que ela mesma preparara. Alem de
que, enquanto isso pensava o que iria falar, sobre meu
segredo bobo.
Cinco minutos depois, todos havia terminado o
jantar e então seguimos para sentar no sofá da sala, onde
Paulinho ligara a televisão.
— Desligue a televisão Paulinho! — Pediu ela.
Ele obedeceu sem reclamar e sentou-se a meu lado.
— Seu segredo é tão grave assim, filho? — Pergun-
tou-me papai.
— Não! — Neguei. — É só uma bobagem!
— Nós somos sua família! — Insinuou mamãe. —
Não somos?
— Claro! — Exclamei. — E eu os amo muito!
— Então não devemos ter segredos! — Cobrou-me
ela.
— Mas é que… — Tive dificuldades.
— Se você não quer que outros descubram a gente
mantém segredo! — Prometeu papai.
Celso Innocente
152
— Não há problema com os outros!
— O problema diz mesmo respeito a nós? —
Assustou-se mamãe. — Nossa família?
— Temo que sim! — Aleguei.
— Por isso que você tem que nos contar! — Pediu
papai. — Se o problema é conosco, precisamos saber, pra
poder ajudá-lo!
— Não preciso de ajuda! Estou bem!
— O que é que há? — Assustou-se ela. — É com
Paulinho?
— Claro que não! — Exclamei. — Paulinho tem
saúde de ferro! Acontece que…
Papai sentou-se a meu lado, me abraçando.
— Seja o que for filho, precisamos saber.
— É que o senhor Frene…
— Eu sabia! — Reclamou mamãe. — Tinha que ser!
— Ele jamais me levará de volta à seu planeta! Não
precisa ter medo!
— Espero que sim! — Disse ela. — Temo por todos
nós!
— Ele não precisa mais de mim!
— Aonde você quer chegar, filho? — Desconfiou
papai.
— O senhor Frene criou uma cópia idêntica à mim!
— O quê? — Se embaraçou papai. — Como assim?
— Um boneco! — Exclamou mamãe. — Um robô!
— Não! — Neguei. — Um ser humano perfeito!
Fala, anda, come, chora, ri, ama, sente dor…
— Como assim, Regis? — Insistiu mamãe.
— É como se ele fosse outro eu! Tem coração,
sangue, alma, toma banho, janta, dorme…
— Isso não é possível! — Negou ela. — Ele não é
Deus!
O retorno do menino do espaço
153
— Ele tirou algumas de minhas células, colocou
uma delas, em um óvulo não fecundado de uma mulher de
lá e conseguiu criar uma cópia perfeita de mim. A única
diferença é que, como ele não conhece a Terra, então não
sente falta daqui.
— Regis, isso é impossível! — Insistiu papai
— Papai! Até aqui na Terra, isso já é possível!
Imagine no mundo avançado do senhor Frene!
— Meu Deus! — Se entristeceu também papai. — É
como se você continuasse lá!
— Não papai! Eu estou aqui! É como se ele fosse
meu irmão gêmeo! Gêmeo idêntico!
— Nossa! — Exclamou Paulinho. — Agora somos
sete irmãos!
Mamãe estava chorando. Olhei à ela e disse:
— Viu agora mamãe, por que eu não queria contar?
Sabia que a senhora iria sofrer de novo!
— Não tem problema filho!— Insinuou ela. — È
melhor que a gente saiba! Assim você não sofre sozinho!
— Não sofram por ele! — Pedi. — Ele não conhece
a Terra, nem nossa família! Então é feliz onde está!
— Vá descansar filho! — Pediu ela. — Você não
podia carregar esse fardo sozinho.
Acho que só depois dessa conversa, é que comecei a
entender de verdade, o que o outro Regis significava para
mim. Era como se ele fosse realmente um eu. Como se
estivesse então, faltando um pedaço de mim e que agora,
nossa família estivesse incompleta de novo.
Deitei-me, como sempre, na cama de meus pais e
chorei de saudades daquele estranho. Pela primeira vez,
papai não reclamou de eu dormir em sua cama,
praticamente grudado à sua eterna namorada. Na verdade,
Celso Innocente
154
naquela noite, acho que os dois, sequer conseguiram
dormir direito. E não foi por estarem em camas separadas.
©©©
Ao me levantar, pouco depois das seis horas da
manhã seguinte, mamãe me perguntou:
— Dormiu bem?
— Bom dia mamãe! — Cumprimentei-a. —
Consegui dormir!
— Me ajude a preparar o café!
— Posso tomar banho primeiro?
Minha família não tinha o costume do banho pela
manhã. Mesmo os irmãos que iam à escola, não tinham
este bom hábito. Eu, porém, devido o calor de Suster,
acostumado a sempre que acordava ir direto ao banheiro,
para pelo menos uma ducha, mantinha vivo aqui na Terra,
o mesmo costume saudável.
Quando saí do banheiro, o café já estava preparado,
então disse à mamãe: ‘
— Desculpe não tê-la ajudado!
— Não se preocupe! Gosto de seu costume em
tomar banho cedo! Alem de bonito, você fica perfumado. É
mais gostoso o cheiro do banho, do que do perfume sobre
o suor da noite.
— Obrigado por me mimar mamãe! — Disse rindo,
abraçando-a. — Jamais deixarei vocês!
— Vá pro café!
Enquanto tomava café, percebi que calada, ela me
olhava sem piscar os olhos. Acho que sabia o que ela
estava pensando e para não deixá-la ainda mais triste,
resolvi permanecer calado. Com certeza, ela estava
medindo todos meus traços físicos e imaginando outro ser,
idêntico a estes mesmos traços, em um mundo, perdido no
espaço infinito.
O retorno do menino do espaço
155
— O que você acha que o outro Regis está fazendo
agora? — Perguntou-me ela triste.
— Deixe-o mamãe! Tenho certeza de que ele está
feliz no mundo do senhor Frene!
— Mas ele é um pedacinho da gente! — Ela estava
chorando. — Não é justo!
— Ele praticamente não conhece a gente! Não pode
sentir nossa falta!
— É como se fosse um filho distante! Assim como
você!
— É só uma célula de meu corpo, que ficou por lá!
Se a senhora sofrer, eu sofrerei também!
Foi então que ela chorou ainda mais.
— Não tem jeito de trazermos ele pra cá?
— Ele nunca seria feliz aqui mamãe!
— Claro que será! Ele é nosso filho!
— Ele seria tão triste aqui, quanto eu era lá! Pode
acreditar!
O retorno do menino do espaço
157
Avaliação escolar
pós o almoço, ajudei mamãe a lavar a louça.
Enquanto ela lavava, eu secava com pano de
prato e guardava tudo no armário da copa.
Enquanto trabalhava, mamãe, ainda triste, tentava
ficar calada, mas eu, jeito animado de moleque sapeca,
tagarelava mais do que o menino que engoliu uma vitrola.
Terminando esta pequena tarefa, fui até a casa de
Elizabeth, que me recebeu no portão, com carinho.
— Entre Regis! — Disse-me ela. — Estou estudando
um pouco.
— Não quero atrapalhar! Volto depois.
— Imagine! — Insinuou ela. —Nenhum estudo é
melhor do que sua visita!
Entrei em sua sala, onde encontrei sua mãe.
— Oi Regis! — Cumprimentou-me sua mãe. —
Vimos você na televisão ontem!
— Gostaram? — Perguntei.
A
Celso Innocente
158
— A Beth ficou toda inchada, quando você disse
que era namorado dela!
— Contei à meus pais o que disse ser segredo!
— Contou? — Perguntou-me Beth.
— Eles me obrigaram!
— Não sei seu segredo e não precisa revelar, mas
sinto muito! — Disse Beth.
— Você pode saber! Só mamãe não poderia!
— O que há de errado com sua mãe, Regis? — Quis
saber dona Joana.
— Com ela nada! — Neguei. — Meu segredo é que
tenho um irmão gêmeo e ela não sabia!
— Nossa! — Exclamou Beth. — Que loucura!
©©©
Quando retornei para casa, quase seis horas da
tarde, mamãe me disse:
— A diretora da escola esteve aqui, agora à pouco!
— Nossa mamãe! Esqueci que deveria ter ido lá!
— Foi o que ela disse!
— Como sou irresponsável!
— Não se preocupe! Ela disse que falou com a
delegacia de ensino e eles falaram até com o ministro da
educação.
— E o que ele disse?
— Amanhã é feriado13, então você deverá estar na
escola, na quarta-feira à uma hora da tarde, onde será
submetido a várias provas. Se conseguir passar em todas,
será matriculado na sétima série!
— Jura!? — Fiquei contente.
— É o que ela disse!
— Que bom!
13 Vinte e cinco de Outubro, é aniversário de Penápolis.
O retorno do menino do espaço
159
— Mas são várias provas! Ela disse que não é nada
fácil! Mandou você dar uma lida em matérias da sexta
série.
— Sexta série é fácil! Não se preocupe! Me sairei
bem!
— Inglês, Matemática, História do mundo, Ciências
e Geografia.
— Tudo bem mamãe! — Insinuei confiante. —
Estudei isto! Não terá Língua Portuguesa?
— Ela não disse!
Naquele momento, papai e os demais irmãos já
estavam em casa. Parecia que, por solidariedade, ninguém
ousava tocar no assunto sobre o outro Regis.
Ao ir para a cama naquela noite, papai me arrastou
para meu quarto, encostou a cama de Paulinho ao lado da
minha e disse:
— Será que se Paulinho dormir a seu lado, você
consegue ficar aqui?
Apenas balancei os ombros, como a dizer
“veremos”.
Na manhã seguinte, acordei na mesma cama, em
que meu maninho, que já não era tão caçulinha assim
(quase treze anos), dormia abraçado a mim.
©©©
Então, quarta-feira, vinte e seis de Outubro, às treze
horas, estava sentado na cadeira de dona Margareth, que
me disse:
— Você fará cinco avaliações. Eu procurei não
dificultar muito, mas se você preferir, não será necessário
fazer todas hoje.
— Creio que não haverá problemas, dona
Margareth! — Aleguei confiante. — Eu estudei a sexta
série!
Celso Innocente
160
— Qual matéria você prefere fazer primeiro?
— Matemática! — Pedi sem hesitar.
Ela me entregou duas folhas: uma em branco, para
que eu a usasse e outra com as questões, para que eu
copiasse.
— Toda a avaliação deverá ser feita à tinta. Caso
você erre, pode rabiscar e refazer na frente! Alguma
dúvida?
— Está tudo bem!
— Prefere que eu saia da sala?
— Não se preocupe! Pode ficar!
E assim, sem muita pressa, fiz minha primeira
avaliação. No exercício dois, achei interessante a
coincidência nos nomes Regis, Leandro e Henrique.
Esbocei leve sorriso e continuei, demorando quase trinta
minutos para concluí-la.
— Está pronta, dona Margareth! — Afirmei, me
levantando.
— Muito bem! — Pegou a prova. — Foi
complicado?
— Não! — Neguei. — Foi bem fácil!
— Qual deseja fazer agora?
— Pode ser de Inglês! — Aleguei.
Do mesmo modo, me entregou duas folhas
dizendo:
— Proceda da mesma forma. Use só caneta. Se
errar, pode rabiscar e refazer. Enquanto isso, eu corrijo a
primeira.
É lógico que prova de Inglês não é nada fácil, mas
também não foi o fim do mundo. Demorei também
aproximadamente trinta minutos e ao final, entreguei à
diretora dizendo:
— Ufa! Esta foi mais difícil!
O retorno do menino do espaço
161
— Quer deixar as outras pra depois do recreio?
— Ainda dá tempo de fazer mais uma! Pode ser de
História!
— É História Crítica! Embora procurasse formular
perguntas fáceis! Perguntas do dia-a-dia!
— Vejamos! — Disse-lhe rindo.
Entregou-me duas folhas, eu procedi da mesma
forma. Porém, como eram apenas cinco questões, consegui
resolver em menos de vinte minutos.
— Está pronta dona Margareth! — Disse-lhe alegre.
— Realmente não foi complicado!
— Quer deixar as outras duas pra depois? Você
deve estar com os dedos doendo!
— Posso apenas ir ao banheiro e tomar água?
— Fique à vontade!
Enquanto caminhava até o banheiro, passei em
frente à classe de dona Regina, que me chamou:
— Regis!
Parei e ela chegou até a porta.
— Como vai? — Perguntou carinhosamente.
— Muito bem, graças a Deus!
— Está fazendo as avaliações da sexta série?
— Sim! Como sabe?
— Dona Margareth nos contou. Estou torcendo por
você!
— Obrigada dona Regina! A senhora é legal!
— Já fez alguma?
— Matemática, Inglês e História Crítica!
— Foi bem?
— Creio que sim! — Afirmei rindo.
— Então vá com fé!
— Obrigada dona Regina! Tchau!
Celso Innocente
162
Acabei de chegar ao banheiro, a fim de descarregar
a bexiga e depois até o bebedouro, a fim de reencher a
mesma bexiga. Em seguida, retornei à diretoria. Ao passar
pela classe de dona Regina, fiz um sinal de positivo à ela e
acabei de chegar, para mais uma avaliação.
— Qual você fará agora, Regis? — Perguntou-me
dona Margareth.
— Quais faltam?
— Apenas Ciências e Geografia.
— A senhora pode sortear.
Ela me entregou duas folhas e então, fiz em menos
de vinte minutos, a avaliação de Geografia. Depois, às
quinze horas, juntamente com as outras crianças de minha
idade, quer dizer: tamanho, saí para mais um recreio, no
saudoso Grupo Escolar Marcos Trench, de minha infância.
Durante o recreio, a princípio, sentei-me sozinho na
famosa muretinha isolada; mas não demorou muito tempo
e uma menininha loira se aproximou:
— Posso me sentar aqui? — Perguntou-me ela.
— Pode! — Afirmei.
— Você é Regis? — Perguntou-me ela.
— Sou!
— Vi você na televisão, no domingo!
— É verdade! Eu estive lá! To ficando famoso! —
Ironizei.
— Você viajou pelo espaço?
— Fui longe!
— É divertido?
— Muito lindo!
— Vai estudar conosco?
— Creio que sim! Mas de manhã!
— Por quê?
— Vou fazer a sétima série! Só tem de manhã!
O retorno do menino do espaço
163
Naqueles poucos segundos, já tinham outras três
meninas e dois meninos conosco.
— Você é pequeno pra fazer a sétima série! Eu
estou na terceira!
— Você estuda com a dona Regina?
— Sim! Ela é muito boa!
— Sei disso! Já estudei com ela!
— Ela falou de você!
— Verdade?
— Sempre fala!
As outras crianças entraram na conversa e eu acabei
arranjando alguns amiguinhos, dois deles: os meninos,
como estavam na quarta série, provavelmente estudariam
no mesmo turno em que eu deveria estar no ano seguinte.
Quando soara o sinal, às três horas e trinta minutos
da tarde, indicando o final do recreio, eu estava cercado
por mais de dez crianças e estava feliz. Fazia tempo, que
praticamente não conversava com outros seres inocentes,
assim de meu tamanho.
Todos disseram tchau, sem inveja ou maldade,
retornando as suas salas de aula e eu retornei à diretoria,
onde dona Margareth, me entregou a última avaliação,
com as mesmas recomendações.
— Gostou de ir pro recreio? — Perguntou-me ela.
— Foi ótimo! — Exclamei alegre. — Estava
precisando de um contato com crianças!
— Você só voltará às aulas no ano que vem, mas
caso queira nos visitar às vezes. Lembre-se, você é nosso
aluno e esta é sua escola.
— Posso mesmo vir?
— Claro! Procure vir no horário do recreio, pra
conviver com as crianças!
Celso Innocente
164
— Agradeço muito! E virei mesmo!
— Então agora se concentre na última prova. É de
Ciências!
Acho que foi a mais fácil. Corpo humano era
comigo mesmo. Estava acostumado às longas conversas
sobre o assunto com o senhor Frene.
Em menos de vinte minutos, entreguei a prova à
dona Margareth, que a corrigiu em menos de dois minutos
e feliz, me entregou todas juntas.
— De uma analisada no resultado de seu trabalho!
— Disse-me ela.
Olhando primeiro a prova de matemática, insinuei:
— No exercício dois a senhora usou meu nome e de
meus dois irmãos. Por quê?
— Ao criar o exercício, não sabia quais nomes
adotar! Lembrei-me de você!
— Sabia o nome de meus irmãos?
— Descobri no dia em que fui à sua casa!
— Meu pai foi malvado comigo! — Ironizei. —
Trinta e oito moedas pra mim, setenta e seis pro Leandro e
duzentas e vinte e oito pro Henrique! To mal de herança!
— E de nota? Como está?
— Pareço um gênio! — Ironizei, examinando todos
os resultados:
O retorno do menino do espaço
171
— Posso considerar-me matriculado na sétima
série? — Perguntei contente.
— Ainda falta Língua Portuguesa!
— Então vamos fazer!
— Não será uma avaliação comum! Quero que faça
em casa, uma redação de umas vinte linhas, narrando uma
viagem que você fez. Pode me trazer amanhã.
— Tudo bem! Considere feita!
— Mas você já está na sétima série, pois em redação
não se dá nota. Será feita apenas para arquivarmos junto
com sua pasta escolar.
Agradeci à diretora, apanhei minha bicicleta e
animado, retornei para casa.
— Paulinho, me empresta uma caneta e uma folha
de caderno! — Pedi a meu irmão caçula.
— Vai escrever uma cartinha de amor pra Beth? —
Perguntou-me ele, rindo.
— Nada disso! — Neguei. — Vou fazer uma
redação pra escola!
— Como foi à prova, filho? — Quis saber mamãe.
— Muito difícil?
— Excelente!
Apanhei a caneta e a folha de caderno, que
Paulinho me arrumou, sentei-me diante da mesa da copa e
escrevi:
Celso Innocente
172
Quando terminei, corri à casa de Beth, a fim de lhe
contar meu sucesso, mas como ela não se encontrava, pois
teria ido fazer um trabalho escolar na casa de uma amiga,
retornei à minha casa, onde resolvi ir direto ao banho.
O retorno do menino do espaço
173
No dia seguinte, aproveitei para levar a redação à
escola, saindo de casa às duas e meia da tarde, assim
estaria lá, próximo ao horário do recreio.
Entrei no corredor, seguindo até a sala da diretora.
— Olá Regis! — Cumprimentou-me ela. — Estava
te esperando! Fez a redação?
— Aqui está! — Entreguei-lhe.
Deu uma rápida olhada e disse:
— Está ótima assim! Não se preocupe, pois em
redação a gente não dá nota! Agora sim, você pode se
considerar na sétima série, no início do próximo ano letivo!
— Até que enfim! Acho que vou voltar a ter uma
vida normal!
— Pode ir agora e obrigado!
Relutei um pouco, permanecendo sério e ela perce-
beu.
— O que há? — Perguntou-me ela.
— Posso ficar na hora do recreio?
— É lógico que sim, menino! Aqui é sua escola!
— Posso visitar a classe de dona Regina?
— Vá lá! Será bom que você conheça as outras
crianças!
Segui até a sala de dona Regina. Quando parei na
porta, ela, que estava sentada, me convidou:
— Entre, Regis!
Fui até ela, que se levantando, me segurou pelos
ombros e disse:
— Crianças, esse é o Regis! Já lhes falei sobre ele!
Ele foi meu aluno há alguns anos e agora vai voltar à nossa
escola! Como é que a gente faz quando recebe uma visita?
— Boa tarde Regis! — Saudou-me a classe em coro.
— Seja bem vindo!
Celso Innocente
174
— Obrigado! Dona Regina é a melhor professora do
mundo!
— Não me deixe tímida! — Pediu ela.
— Não é bajulação! É a verdade!
— Crianças, Regis é um menino especial! Ele fez
uma lonnnnga viagem e agora voltou pra ficar! Ele é um
menino muito bom e simples! Aliás, está precisando
arrumar muitos amigos. Vocês topam incluir Regis, em
suas listas de bons amigos?
— Sim! — Disse a classe em coro.
— Os amigos que eu tinha, hoje estão mais velhos
do que eu! Creio que continuam meus amigos, mas não os
tenho visto! A maioria já nem estuda mais nesta escola14!
Em seguida soara o sinal, anunciando o horário do
recreio e todos, inclusive eu, saímos para o pátio, onde
encontrei a mesma turminha do dia anterior e mais,
praticamente toda a classe de dona Regina. Eu até parecia
alguém muito importante, no meio daquela turma de
crianças, onde todos tinham praticamente o meu tamanho.
O assunto mais comentado era sem dúvida, minha
longa viagem ao espaço e minha presença na televisão.
Embora, eu tentasse desviar o assunto, para conversas
sobre a vida de crianças... Na Terra.
Percebia claramente, que aos poucos, minha
vidinha simples estava voltando ao normal, vindo a ser o
mesmo menino feliz de antigamente.
14 O Marcos Trench só tinha o curso fundamental.
O retorno do menino do espaço
175
De volta as aulas
omo já citei, aos poucos, minha vida ia
voltando à rotina infantil: andava de bicicletas;
ajudava mamãe em alguma atividade doméstica; fazia
diversas visitas à casa de Beth e ela, geralmente retribuía;
pelo menos uma vez por semana, visitava minha escola,
sempre próximo ao horário do recreio; jogava o mesmo
vídeo game Atari, o qual ganhara a muitos anos na NASA,
brincava, geralmente com meus irmãos maiores, ou, na
maioria das vezes, sozinho, pois ainda não fizera nenhum
amiguinho novo, com exceção das crianças da escola.
Nenhum deles porem residia próximo à minha casa15, pois
as crianças de meu bairro, geralmente estudavam na escola
Casa da Amizade, que ficava mais próxima.
Nos primeiros dias, sempre fôra assediado por
emissoras de televisão, rádio e jornal, querendo ouvir
minha história, inclusive meu segredo, que uma vez
revelado à mamãe, não tinha mais tanto interesse e eu
comentava com qualquer repórter.
15 Há oito anos tinha um montão deles, mas todos cresceram.
C
Celso Innocente
176
Quatro de Dezembro, logo que levantei, às seis
horas da manhã, disse à mamãe:
— Hoje, há essa hora, Erick deve estar chegando à
Suster.
— Só hoje! — Admirou-se ela. — Desde aquele dia?
— São setenta dias de viagem!
— A gente sente tanta falta dele! — Lembrou-se ela
triste. — Estávamos acostumados com ele aqui. É um
garoto muito divertido e já fazia parte de nossa família!
— Deixe ele! — Pedi. — Tenho certeza que ele será
muito feliz estando por lá! Acredito também, que foi a
melhor escolha que o senhor Frene fez, me trocando por
Erick! Agora sim, acredito que uma criança, ou mesmo que
seja adolescente, leve tanta felicidade àquele mundo de
adultos! Depois, a mãe dele o ama tanto, que nunca mais
veio procurá-lo!
— Creio que ela nem sabe onde ele se encontra
hoje! — Insinuou Henrique, que acabara de entrar na
cozinha.
— Pelo menos, ele fará companhia à seu
irmãozinho que ficou lá! — Se conformou mamãe. —
Ainda não consigo acreditar nessa história!
— Acha que é mentira minha, mamãe? — Perguntei
admirado.
— Não! — Negou ela. — Você não mentiu! Eu é
que não consigo acreditar.
— Os dois serão felizes juntos! — Tentei consolá-la.
— Eu queria tanto que ele estivesse aqui!
— Mamãe! — Chamei-lhe a atenção.
— O que me conforta, é tentar acreditar, que assim
você estará seguro aqui!
— Jamais deixarei vocês mamãe! Já prometi isso!
— Não é você que me assusta!
O retorno do menino do espaço
177
©©©
Seis de fevereiro de um mil novecentos e oitenta e
nove, sete horas da manhã, junto com Paulinho, que faria a
oitava série16, estávamos na entrada da escola, para mais
um ano de estudo. Fazia quase oito anos, que não sentava
em uma cadeira escolar.
Logo no início, fui assediado por diversos colegas
de classe, que já me conheciam, devido minhas visitas
regulares, no final do ano anterior. A diferença era eu ser o
menorzinho de toda a turma, de toda a escola, no período
vespertino, pois, embora próximo a completar dezoito
anos, tinha o corpo e a aparência de nove, enquanto que
praticamente todos esses colegas de sétima série, estavam
com idade entre treze e quatorze anos.
Felizmente não tive grandes problemas, para a
readaptação, pois, alem de ser bem aceito pelos colegas,
percebi que também os professores, tinham um carinho
especial para comigo. Tinham alguns, que devido meu
tamanho, me tratavam como se eu fosse um frágil vaso de
louça.
Quanto às matérias, não tinha dificuldades, pois,
alem de ser considerado um menino inteligente, já havia
estudado a sétima série, no primeiro semestre do ano
passado.
Meus colegas de classe eram: Alex, Luis Henrique,
Leandro (tinha dois), André, Gabriel, Victor, Daniel,
Marcio, Evandro, Renan, Felipe, Lucas, Ronaldo, Paulo
Augusto, Paulo Sergio, Junior e Mateus, que, apesar de
seus treze anos de idade, era tão pequeno quanto eu. Entre
as meninas, eram: Regina, Suely, Letícia, Alessandra,
16 (Henrique e Letícia, já não estudavam mais no Marcos Trench, pois
estavam no ensino médio e foram para o Yone Dias de Aguiar).
Celso Innocente
178
Márcia, Andresa, Renata, Andréia17 e Lucia. Comigo,
éramos em vinte e nove pré-adolescentes.
Meus professores eram: Fernando, de Inglês; Rosa,
de Matemática; Walter, de História Universal; Joana, de
Língua Portuguesa; Izabel, de Ciências; Madalena, de
Geografia e Rubens, de Organização Social.
No primeiro dia de aula, a professora Madalena, de
Geografia, pediu:
— Como neste semestre, vamos estudar o espaço e
os astros, gostaria que ainda este mês, fizéssemos um
trabalho sobre o assunto. Com isso, queria pedir a você
Regis, se é possível, que faça uma dissertação sobre este
assunto para todos nós.
— Dissertação? — Estranhei. — Como assim?
— Faça uma narrativa do que você conhece sobre o
espaço! Você fala o que sabe do seu jeito, nós o ouviremos
e então cada um dos alunos fará um trabalho, tipo redação,
sobre o assunto. Que tal?
— Não sei se consigo! — Neguei tímido.
— É claro que consegue! — Me animou ela. — Vi
você na televisão e gostei muito!
— Está bem! — Concordei, me levantando. — Vou
falar apenas aquilo que sei!
— Se precisar anotar algo no quadro, fique à
vontade! E não se preocupe com o tempo. Temos duas
aulas seguidas!
Iniciei meu comentário um pouco tímido, mas
percebendo a atenção que os colegas demonstravam,
acabei por ficar à vontade e descrevia os fatos com muita
naturalidade. No princípio, como um monólogo, mas
depois que Andréia, irmã de Daniel, resolveu me
17 (tinha duas, uma, irmã de Daniel)
O retorno do menino do espaço
179
interromper para uma pergunta, todos os demais seguiram
o mesmo caminho e sendo assim, a aula ficou até bem
divertida e o tempo de cem minutos, se tornou um tanto
curto, para tanto assunto18.
Ao final da aula, a professora disse:
— Para a próxima aula, quero que façam um
trabalho em grupo de três ou quatro, baseado neste
assunto. Pode ser uma redação, apresentando um resumo.
Vai valer dois pontos pra somar com a prova do bimestre.
— Minha equipe, serei eu, Marcio, Evandro e Regis.
— Se prontificou Daniel.
Senti problemas, pois alguns colegas já me
disseram antes da aula, que estes três grandalhões,
repetentes do ano anterior, não eram flor que se cheira e
gostavam de explorar os meninos menores.
A próxima aula de Geografia seria na quarta-feira.
Tínhamos tempo mais do que hábil para fazermos tal
trabalho.
O dia letivo terminou às onze horas e trinta
minutos. Com isto retornamos para casa, sem combinar
como faríamos o trabalho. Paulinho me esperou no portão
e seguimos juntos.
— Como foi seu primeiro dia de aula, Regis? —
Perguntou-me ele.
— Foi bem! Só o que me preocupa é um trabalho de
Geografia que devemos fazer em equipe. Minha equipe
parece ser problemática.
— Como assim?
— Meus parceiros de equipe. Acho que você os
conhece. Daniel, Evandro e Marcio.
18 Não vou descrever o assunto da aula neste espaço, para não se tornar
mais uma vez repetitivo
Celso Innocente
180
— Que mal, maninho! — Se preocupou Paulinho.
— São três repetentes da minha classe! Eles são problemas
sim! Seria melhor você os evitar!
— Já me falaram!
— Como você foi parar na equipe deles?
— Fui escolhido!
— Por eles, lógico! — Confirmou Paulinho. — Eles
sabem que você é inteligente e vão te explorar! Não te
ajudarão no trabalho!
©©©
No horário do recreio da terça-feira, procurei os três
companheiros de equipe. Dei sorte, porque estavam juntos,
sentados na mureta do grande hall de descanso, caçoando
e jogando bolinhas de papel em outras crianças. Já havia
percebido que eles andavam sempre juntos.
— Pessoal, precisamos combinar como e aonde
iremos nos reunir pro trabalho de Geografia. — Cobrei-os.
— Temos que fazer hoje, pois o trabalho é pra amanhã!
Daniel se levantou, colocou a mão em meus
ombros, dizendo:
— Sabe o que é maninho: Hoje a gente tem um
compromisso com nossa galera e não vai dar! Mas você é
um garoto esperto e papo legal! Você faz o trabalho! A
gente fica te devendo essa! Legal?
— O trabalho é pra ser feito em equipe! — Insinuei
um tanto arrependido por estar nesta equipe.
— Da próxima vez, a gente batalha e você se
esgueira! Beleza?
— Não concordo com isso não! — Neguei.
— Que isso garoto! Uma mão lava a outra!
— E as duas lava a cara! — Completei o tal prover-
bio.
O retorno do menino do espaço
181
— Você é esperto e sabe o que tem que escrever!
Você nos ajuda! Nós ajudamos você! Manjou?
Fiz um sim sem vontade e me retirei.
Não era tão esperto quanto pensava. Minutos
depois, senti que deveria ter dito não e que faria o trabalho
sozinho, sem mencioná-los na equipe.
©©©
Durante a aula de Geografia de quarta-feira, a
professora pediu:
—Todas as equipes fizeram o trabalho?
Como ninguém retrucou:
—Tragam pra mim!
Enquanto todos entregavam seus trabalhos,
inclusive eu, ela dizia:
— Este trabalho vale dois pontos na média do
bimestre! Isto quer dizer que a prova que faremos valerá
oito pontos!
Conferindo um a um, os trabalhos entregues, ela
chamou minha atenção:
— Regis! Seu trabalho foi feito individual?
Nada respondi.
— Só consta seu nome em seu trabalho!
Dá pra imaginar o que meus parceiros… de equipe,
sentiram.
Percebi também, o que meus outros colegas de
classe sentiram, em solidariedade a mim.
— Devo considerá-lo individual?— Insistiu a
mestra.
— Está faltando, dona Madalena! — Interferiu
Daniel. — Eu, o Marcio e o Evandro, somos da equipe de
Regis!
— Vocês fizeram o trabalho juntos? — Insistiu ela.
— É claro que sim! — Afirmou Daniel.
Celso Innocente
182
— Só vejo um tipo de letra! Alem de constar só um
nome! Sendo assim, só posso considerar o que vejo! Quem
não me entregar o trabalho hoje, terá dois pontos a menos
na média.
— Fizemos o trabalho em conjunto! — Insistiu Da-
niel.
— Este assunto está encerrado! — Informou dona
Madalena. — Mas se quiserem, ainda dá tempo de fazer o
trabalho no recreio e me entregar na sala dos professores!
Colocou os trabalhos sobre a mesa e disse:
— Neste semestre, iremos realmente estudar o
espaço e os astros; mas não avançaremos alem de nosso
astro principal, o Sol. Ou seja: iremos estudar o nosso
sistema Solar! A história que Regis nos trouxe na última
aula é muito bonita, interessante e real! Mas está muito
alem do que a gente necessita pra sobrevivermos. Aqui
iremos ver nossa atmosfera, a troposfera... estratosfera...
mesosfera... os efeitos da ionosfera. Vamos com certeza
estudar nossa protetora camada de ozônio, que nos
protege principalmente contra os nocivos raios
ultravioletas, pelos quais somos bombardeados
diariamente, através de nosso astro rei, o Sol. E esta
camada de ozônio, aliás, está sendo destruída por nós
mesmos, através de poluição e até simples sprays de
desodorantes ou pesticidas. Vamos ver também, como o
venenoso dióxido de carbono, acaba sendo muito útil para
nosso planeta. Quem sabe me dizer de onde surgi o
dióxido de carbono?
— Erupções vulcânicas! — Exclamou Gabriel.
— Muito bem! E de onde o vulcão tira esses
dióxidos de carbono?
— São gases criados por fósseis antigos! —
Explicou ainda Gabriel.
O retorno do menino do espaço
183
— E por que ele acaba sendo útil ao planeta?
— Armazena calor! — Concluiu o mesmo menino.
— Exatamente! Graças ao dióxido de carbono,
também conhecido como anidrido de carbono, presente em
nossa atmosfera, lá na estratosfera, a Terra é um planeta
quente! Se ele não estivesse lá, a Terra não seria azul e sim
branca, totalmente coberta por grossa camada de gelo.
Acho que preocupado, nem estava prestando
atenção na aula.
Quando a mestra se retirou, no intervalo de troca
de professores, Daniel veio até minha carteira, puxou
minha camisa e disse nervoso:
— Seu moleque cretino! Vou arrebentar sua cara lá
fora! Pode me esperar!
Embora ele tivesse quatorze anos, parecia ter bem
mais. Sorte que o professor de Inglês, entrou rapidamente
na sala de aula, fazendo com que todos voltassem a seus
respectivos lugares.
Às onze horas e trinta minutos, final do dia letivo,
tentei sair o mais rápido possível. Apanhei minha bicicleta
aro dezesseis e nem esperei por Paulinho, procurando
escapar de confusão. Mas não foi possível. Daniel, Marcio e
Evandro, também muito rápidos, me alcançaram antes
mesmo que eu tivesse montado na bicicleta. Evandro a
puxou com força para trás, enquanto Daniel gritava:
— Calma aí seu metido a sabe tudo!
Evandro não levara muita sorte. Quando puxou a
bicicleta com força, talvez por meu espanto, soltei-a e ela
derrapou, acabando por cair sobre ele, machucando seu
olho direito com a alavanca do freio. O moleque
estremeceu de dor e saiu de lado a se socorrer, enquanto
que Daniel, covardemente (devido nossas diferenças de
Celso Innocente
184
tamanho e físico), me segurou pelo colarinho da camisa
branca, tentando me levantar, dizendo:
— Vou quebrar seus dentes e mostrar quem é que
manda neste pedaço! Cretino!
Parece que estava mesmo com sorte. Quando ele
forçava pra me levantar, eu mesmo tropecei em uma
pedra, que juraria não estar ali, fazendo com que ele caísse
de cara no chão da rua mal recapeada e com isso,
machucando suas duas mãos nas pedras, a ponto de
sangrar bastante, fazendo com aquilo, o grandalhão gritar
de dor.
Então, Marcio, furioso, resolveu me agredir
sozinho. Eu, porém, sem esperar, me abaixei, a fim de
apanhar minha bicicleta caída e o pivete acabou por
tropeçar em mim, caindo de costas sobre minha pobre
bicicleta, machucando suas próprias costas, a ponto de
levantar do chão, torto de dor.
As crianças que nos rodeavam, gritavam em come-
moração à minha vitória prévia, quando apareceu
Paulinho, acompanhado por outros três garotos da oitava
série.
— Calma aí! — Gritou ele. — Quem pensa que vai
maltratar meu irmãozinho!
— Não se preocupe! — O tranquilizou André (de
minha sala). — Regis, sozinho, já deu um jeitinho nos
covardes!
— Tá tudo bem Regis? — Perguntou-me Paulinho.
Não soube responder nada. Na verdade, estava tão
assustado, que nem saberia dizer o que realmente tinha
acontecido. Então apenas balancei os ombros.
Mesmo assim, Paulinho e seus colegas recém
chegados, deram alguns safanões nos marmanjos dizendo:
O retorno do menino do espaço
185
— Saiba que este é meu irmãozinho preferido!
Alem de que, toda a escola gosta dele! Ai de quem pensar
em relar a mão neste menino, ou em qualquer outro!
André colocou a mão em meus ombros e disse a
Paulinho:
— Nós ajudaremos a cuidar desse garoto! Se bem
que o danado parece saber se virar muito bem!
A roda de crianças foi se dissolvendo, inclusive
André e os colegas de meu irmão, além de meus
agressores. Com isto, de bicicletas, retornamos à nossa
casa.
No caminho, Paulinho ainda me perguntou:
— O que houve? Por que seus companheiros de
equipe tentaram lhe espancar?
— Não coloquei o nome deles em meu trabalho! —
Expliquei.
— Não colocou? — Se admirou meu irmão.
— Não! Eles não me ajudaram a fazer nada!
— Que eles não iriam ajudar eu já sabia! Mas que
você não colocaria os nomes deles… Vá ter coragem assim
não sei aonde!
— Por quê? Eu deveria ter colocado?
— Outro menino de seu tamanho, se comparando o
tamanho deles, colocaria!
— Agi mal?
— Você agiu como um herói! O problema é que
muitos heróis acabam morrendo!
— Hem! — Me assustei.
— Não se preocupe! Você não vai morrer! Alem do
mais… Parabéns por sua coragem! Te admiro muito
maninho!
Dei um leve sorriso, depois pedi:
— Paulinho! Não conte nada pra mamãe, tá!
Celso Innocente
186
— Sei disso garoto! — Riu ele. — Conheço a mamãe
melhor do que você!
Chegando em casa, fui direto ao quarto, ainda
acompanhado por Paulinho, para trocar de roupas e
depois almoçar. Enquanto trocava, me lembrei do senhor
Frene e comecei a decifrar o enigma de tal quebra cabeças:
só poderia ter sido ele. Nem um menino do mundo, teria
tanta sorte, a fim de três agressores se acidentarem
atrapalhada-mente ao mesmo tempo, enquanto tentavam
espancá-lo. Até imaginei a cena:
“O senhor Frene chama meu outro eu e Erick à sala
do computador e diz”:
— Três valentões pretendem massacrar nosso Regis
na Terra! Nós não iremos deixar! Certo?
— O que faremos senhor Frene? — Pergunta Erick.
— Pra que temos o botão ípsilon três?
— Proteger Regis na Terra! — Confirmou o outro
eu.
— É isso aí! — Exclamou o senhor Frene. — Então,
entremos em ação!
E como em um vídeo game do futuro, conforme os
moleques tentavam me agredir, os três, lá no espaço,
batalhavam por mim.
Eu já de cueca, estava rindo. Era realmente isso o
que teria acontecido. Então olhei para o alto e disse
sozinho:
— Obrigado senhor Frene! Tenho certeza que foi o
senhor!
Acabei de me trocar e fui almoçar com os demais,
que já estavam a postos, defronte à mesa. Sentei-me,
observando na parede, uma foto minha, com roupas de
astronauta:
O retorno do menino do espaço
187
— Como está indo de escola, Regis? — Perguntou-
me papai.
— Eu?! — Me espantei, olhando para Paulinho. —
Muito bem! Estou me adaptando!
— Adaptando a que? — Quis saber mamãe.
— É… — Me embaracei. — Ao convívio com
crianças maiores do que eu!
E assim, conversando meio preocupado,
continuamos o delicioso almoço, preparado por mamãe,
que era ótima cozinheira.
Ao terminar o almoço, corri a meu quarto e me
deitei para descansar um pouco. Aquilo já era uma rotina:
sempre dormir um pouco após o almoço.
Acordei por volta das três horas da tarde e
encontrei mamãe, ainda trabalhando na cozinha.
— De novo não ajudei você, mamãe! — Insinuei
triste. — Me desculpe!
— Não se preocupe! — Pediu ela. — Quero que
você cumpra apenas a sua obrigação!
— E qual é minha obrigação? — Perguntei
duvidoso.
— Estudar, ser criança e ser feliz!
— Puxa mamãe! — Ri alegre. — Sou o menino mais
feliz do mundo!
— É isso o que mais queremos! — Disse ela com
sinceridade.
— Posso ir à casa da Beth?
— Dê-me um beijo!
Atendi seu pedido com carinho e saí às pressas de
bicicleta até a casa de Beth, que ficava a quatro quadras de
nossa casa.
Chamei no portão e sua mãe me atendeu. Como
sempre, muito feliz, me cumprimentou:
Celso Innocente
188
— Bem vindo Regis! Entre!
Adentrei a sua sala, onde encontrei Beth sentada no
sofá, com um livro na mão.
— Oi Beth! — Cumprimentei-a. — Estudando, pra
variar?
— Não! Estou apenas lendo um romance!
Beijei-a no rosto, sentei-me a seu lado e perguntei:
— Bonita história?
— “Amor, O Pacto Quebrado”!19 Muito lindo! E
você? Como está?
— Briguei na escola! — Contei-lhe um tanto
chateado.
— Você! Regis! Brigou na escola?
— Briguei!
— Duvido! Ninguém ousaria brigar com você!
— Três grandalhões brigaram comigo… Mas não se
preocupe! Correu tudo bem!
— Bateram em você?
— Não deu muito certo pra eles!
— Se alguém bater em você, me avise! — Disse ela
brava. — Juro que vou lá e arrebento a cara do ordinário!
— Calma Beth! — Pedi rindo exageradamente. —
Não tenha tanta violência!
— Você é meu namorado! Protegerei você com
unhas e dentes!
— Obrigado! — Agradeci ainda rindo. — Paulinho
e seus amigos me protegeram!
— Mesmo assim, dê meu recado, a quem quer que
seja! — Pediu ela ainda brava. — Ai de quem relar os
dedos em você!
19 Obra de “Barbara Cartland”
O retorno do menino do espaço
189
— Não se preocupe! No geral, sou amigo de todos!
— Também acho que seja!
— Sabe Beth! Eu te amo muito e sei que você gosta
muito de mim também...
— Gosto muito uma ova! — Reclamou ela. — Te
amo do fundo de meu coração!
— Obrigado! Mas é por te amar, que quero lhe
pedir algo.
— O que você vai inventar agora?
— Você terá que arranjar outro namorado!
— Pare com essa conversa, menino! — Disse ela,
fingindo braveza. — Já tivemos esse papo e não vou deixar
que você me abandone.
— Não quero te abandonar! — Insinuei triste. —
Mas você não vai poder me esperar! Daqui a pouco tempo,
estarei parecendo seu filho!
— Que assim seja!— Disse ela. — Se não podermos
casar, terei você como a um filho!
— Mas você precisará de um marido!
Pôs o dedo indicador direito em meus lábios, como
de costume e disse:
— Não quero um marido! Só amo você... gatinho!
Dona Joana apareceu na sala e disse:
— Parem com esse namorico e venham tomar um
suco!
©©©
Às sete horas da manhã seguinte, já dentro da sala
de aula, enquanto aguardávamos a entrada da professora,
dona Izabel, de Ciências. Daniel, talvez pra não mostrar
moleza, se aproximou de minha carteira, puxou minha
camisa no ombro e disse:
Celso Innocente
190
— Olha aqui seu molequinho! Não esqueci o que
aconteceu ontem não, tá! E não vá dar de bebê chorão,
correndo a contar pro irmãozinho não, viu! Se você bobear,
vou acabar com sua panca de metido! Ontem você levou
muita sorte, mas a sorte não acontece todo dia não! Certo?
É melhor ficar esperto!
— Cala a boca Daniel! — Gritou sua irmã Andréia,
se levantando. — Deixe o menino em paz! Vá mexer com
alguém do seu tamanho!
— Você que não se meta! — Ameaçou ele, a própria
irmã. — A conversa não chegou ao galinheiro ainda!
— Vá ser valentão com alguém de sua laia! Você
quer mostrar de valente por cima de Regis, só porque ele
não fez o trabalho de mão beijada pra você! Ele agiu
corretamente. — Olhou pra mim e disse. — Parabéns
Regis! Se todos os garotos agissem como você, não teria
valentão explorando as crianças menores!
— Dá próxima vez, estarei na equipe deste pirralho
novamente! — Afirmou Daniel. — Quero ver quem vai
impedir!
— Não quero estar na sua equipe! — Neguei um
pouco assustado.
— Veremos! — Disse ele, rangendo os dentes.
Nesse momento, a professora dona Izabel, entrou
na classe. Todos se sentaram. Quando Daniel se virou para
seguir até seu lugar, sua camisa enroscou na carteira de
Alex, que sentava atrás de minha carteira, fazendo com
que ele saísse tropeçando quase caindo, com a camisa
rasgada. Toda a sala de aula riu, inclusive Evandro e
Marcio. Apenas três pessoas não riram: o desastrado
Daniel, bufando de raiva, eu por medo e a professora por
respeito.
O retorno do menino do espaço
191
Na saída, adotei uma estratégia diferente ao dia
anterior. Aguardei que praticamente todos os alunos se
retirassem da escola, saindo quase por último. Apanhei
minha bicicleta e avistei Paulinho, me aguardando na
esquina. Acho que Daniel, Marcio e Evandro, resolveram
deixar de confusão, pois como só estavam eu e Paulinho,
éramos presas fáceis demais para eles.
O retorno do menino do espaço
193
Cachorro que ladra não morde.
pesar destes pequenos desentendimentos no
começo do ano letivo, no mais, tudo correu
muito bem. Tornara-me amigo de todos e era considerado
assim, um gênio de inteligência e por outro lado, uma
mascotinho frágil da classe. Todos tinham muito zelo por
mim, querendo me proteger de tudo e de todos.
O fato de uma longa viagem espacial ter-me
tornado um garoto especial, foi aos poucos sendo
esquecido e quase ninguém mais entrava nesse assunto,
quando me viam ou vinham falar comigo. Ninguém da
NASA, jamais veio me procurar. Nem mesmo um único
jornalista abordava mais este assunto. Continuava sendo
especial, não por ter viajado no espaço, mas por ter parado
no tempo do crescimento ou envelhecimento.
©©©
Estávamos já no final do mês de Março, eu já teria
completado dezoito anos de idade e os dias letivos
seguiam sem muitas novidades. Porém a professora Rosa,
de Matemática, resolveu nos mandar fazer um trabalho,
A
Celso Innocente
194
valendo dois pontos, para ser somado à nota do primeiro
bimestre escolar.
— Quero que vocês se reúnam em grupinhos de
quatro ou cinco e façam uma atividade juntos, tipo testes
de que-i20.
— O que é isso? — Questionou duvidoso Victor.
— Vou explicar! — Se dirigiu ao quadro a mestra,
escrevendo um breve exercício: Complete com os númerais que estão faltando:
1 – 2 - .... – 8 – 16 - ..... 64 — Quem sabe completar?
Vários alunos levantaram o braço e ela pediu:
— Responda você, Victor!
— É o quatro e o trinta e dois!
— Muito bem! Todos conseguiram enxergar isto?
Já que não houve dúvidas, ela continuou:
— Cada grupinho fará um trabalho assim, criando
dez exercícios diferentes. As respostas deverão estar em
folha separada.
— Meu grupo vai ser, eu, o Marcio, o Daniel e o
Mateus. — Se prontificou o complicado Evandro.
Pelo menos não me adotou.
— Não quero ser do grupo de vocês! — Negou o
menorzinho da turma, depois de mim, Mateus.
— Que isso Mateus! — Resmungou Marcio. — Tá
excomungando seus colegas?
Percebi que os aproveitadores da turma, me
deixariam em paz, mas que explorariam outro mascotinho.
Mateus, branco, de cabelos loiros, cortado em estilo
curto, apesar de ter completado treze anos de idade, assim
20 Q.I – Quociente de inteligência ou nível mental.
O retorno do menino do espaço
195
como eu, não parecia ter mais do que seus nove e por isso
mesmo, recebeu o apelido de “Grilo”.
Ao perceber a imposição dos tipos exploradores,
contra indefeso, acho que nem pensei direito e me ofereci.
— Eu também serei do grupo de Mateus!
— Ninguém convidou você pro nosso grupo! —
Negou Daniel.
— Eu não quero estar nesse grupo! — Reclamou
Mateus.
— Você não me quer no grupo, Mateus? — Insisti.
— Você eu quero! Não quero ser do grupo do
Evandro!
— Já está combinado! — Se prontificou Daniel. —
Seremos nós quatro, mais o oferecido do Regis! Espero que
ele não crie problemas.
— Chega meninos! — Pediu a mestra. — O grupo
vocês escolhem depois! O trabalho é pra ser entregue
amanhã. Portanto, ter que ser feito ainda hoje!
Ao final do período escolar daquele dia, na saída do
portão, barrei os quatro companheiros, perguntando:
— A que horas vamos fazer nosso trabalho?
— Às nove horas da noite, em minha casa! — Se
prontificou Daniel.
— Até parece que mamãe me deixa sair de casa
neste horário! — Reclamou (com razão) o pequeno Mateus.
— O bebê tem medo de escuro? — Caçoou
Evandro.
— Nem minha mãe me deixa sair de casa neste
horário! — Neguei sério. — E mesmo que ela deixasse eu
não sairia!
— Por quê? — Riu Evandro. — Nessa hora os
bebezinhos precisam vestir fraldas?
Celso Innocente
196
— Podemos fazer o trabalho às três horas, em
minha casa! — Ofereci.
— Ninguém vai querer ir à sua casa! — Negou
Marcio. — Jardim Brasília! Isso não é morar! É esconder!
— Podemos fazer em casa. — Ofereceu Mateus. —
Eu moro aqui perto, na mesma rua da escola (Minas
Gerais).
©©©
Cinco minutos antes das três horas daquela tarde,
chamei no portão de uma bonita casa, construída no alto
de um terreno e pintada nas cores azul (por fora) e gelo
(por dentro). O mesmo coleguinha de escola, me atendeu,
abrindo o portão de ferro e me convidando a entrar.
Arrastei minha bicicleta média, para seu quintal,
subi cinco degraus de escadas e adentrei ao interior de sua
sala, onde fui recebido com um beijo carinhoso na face, por
uma linda e jovem mulher, branca, de cabelos castanhos
longos e belo sorriso.
Dois minutos depois, já estávamos ajoelhados no
tapete daquela sala, ao lado de uma mesinha de centro,
feita de mogno, dando início aos rascunhos de nosso
trabalho, proposto pela professorinha Rosa.
— Será que os meninos virão? — Perguntou-me
Mateus.
— Acho que não!
— Colocaremos os nomes deles?
— Claro que não! — Neguei com toda certeza.
E assim, de um jeito até divertido, elaboramos,
rascunhamos, rabiscamos, refizemos e depois de decidido,
paramos para um gostoso café da tarde, com bolo de
laranja, pão caseiro com manteiga e suco de goiaba
vermelha, preparado carinhosamente por dona Christina,
O retorno do menino do espaço
197
(a mãe de meu parceiro de trabalho) na belíssima copa
daquela casa.
Depois, voltando à sala, eu mesmo, por ter a letra,
considerada menos feia, passei a limpo, o seguinte
trabalho:
Celso Innocente
198
Às dezessete horas, com nossa missão cumprida,
sem a ajuda dos demais companheiros de equipe e com o
dever em posse de Mateus, retornei à minha casa, distante
quase três quilômetros dali.
No início da primeira aula do dia seguinte, assim
que concluiu a chamada, dona Rosa pediu:
— Vamos recolher os trabalhos. Todas as equipes
fizeram?
Um a um, os membros das equipes, foram
entregando seus trabalhos e eu tive uma pequena surpresa,
quando, Evandro, com sorriso besta na cara, se levantou e
levou um trabalho pronto para a mestra.
Tudo bem! Concordei comigo mesmo. Nada contra
ele ter mudado de ideia e feito seu próprio trabalho, sem a
nossa ajuda.
O problema foi que Mateus nem se levantou de seu
lugar.
Fiz gestos para ele, que mostrou um sinal de que os
grandalhões teriam se apoderado de nosso trabalho e
acrescentado seus nomes à ele.
Baixinho encardido poderia ser eu!
Não era justo e eu não aceitaria.
Assim que todos entregaram seus trabalhos, dona
Rosa, ainda perguntou:
— Todos entregaram?
Concordo que um pouco assustado, com o coração
descompassado, levantei a mão direita:
— O que houve Regis? — Questionou-me ela.
— Nosso trabalho está com problemas!
— Como assim? Não dá mais pra corrigir não!
— Posso ver ele?
— Venha cá!
O retorno do menino do espaço
199
Me aproximei e ela mesmo, procurando entre
todos, o encontrou dizendo:
— Regis, Mateus, Evandro, Marcio e Daniel. É este?
— Este trabalho foi feito apenas por mim e Mateus!
— E por que consta o nome dos demais?
— Não foi feito por eles! — Neguei muito nervoso.
— Quero que tire o nome deles!
— O Regis está ficando biruta, professora. —
Interferiu Evandro. — É claro que nós ajudamos no
trabalho! Não tá vendo nossos nomes?
— Aliás! — A alegou. — As únicas letras de vocês
aqui, estão nos nomes. No resto, só vejo mesmo é a letra de
Regis!
Celso Innocente
200
— Eu fiz o rascunho com Mateus. — Expliquei. —
Na hora de passar a limpo, decidimos que eu escreveria.
— E por que o nome dos outros estão aqui?
— O Mateus deve saber!
— Por que Mateus? — Perguntou-lhe a mestra.
O menino amedrontado, apenas balançou os
ombros.
— Está decidido! — Afirmou a mestra, rabiscando
três nomes daquele trabalho. — Marcio, Evandro e Daniel,
se quiserem, ainda terão outra chance de fazer um trabalho
e me entregarem na aula de amanhã.
Ao final daquele dia letivo, com medo de confusão,
na saída das aulas, fingi precisar ir ao banheiro e só sai
para a rua, quando todos praticamente já teriam ido
embora, restando apenas Paulinho, me esperando, sentado
em sua bicicleta.
©©©
Já em sala de aulas, na manhã seguinte, percebi que
algo estava errado, observando Mateus cabisbaixo, sentado
quietinho em seu lugar, na quarta fila, primeira cadeira.
Eu, sentando-me na segunda fila, segunda cadeira, tentei
perguntar-lhe o que se passara, obtendo a resposta de
Lúcia:
— O Evandro, cercou e maltratou ele na entrada da
escola, baixando sua calça, na frente de todo mundo.
Se eu detestava me expor despido, tinha certeza de
que todas as crianças detestam.
Novamente meu sangue de baixinho encardido,
chegou a mil graus dentro das finas veias. Olhei furioso
para o grandalhão, que de posse de um trabalho de
matemática, que possivelmente teria feito na tarde
anterior, mostrava um sorriso idiota e percebendo minha
ira, caçoou:
O retorno do menino do espaço
201
— Acho que tá na hora das pessoas se colocarem
em seus lugares!
Abri minha bolsa, apanhei minha garrafinha de
boca larga, cheia de achocolatado quase quente, abri-a e
me dirigi ao grandalhão, que se distraíra e sem pensar,
dominado por desejo de justiça e ódio, despejei todo
aquele líquido marrom em sua cabeça, espalhando por
toda sua roupa, carteira e trabalho a ser entregue.
O idiota deu um grito, saltou para trás e toda a sala
de aula, inclusive seus dois comparsas, riram de tal atitude
corajosa, proporcionada por um pivetinho como eu.
Voltei para minha cadeira, enquanto o professor
Valter adentrava à sala e ao ver tal cena, perguntou:
— O que houve aqui?
— Regis, — Insinuou o grandão com a cara
faiscando de ódio. — considere-se um moleque morto!
©©©
Como diz um ditado popular, cão que ladra não
morde, portanto, apesar de Evandro tentar me cercar
sozinho por vários dias seguidos, sem, contudo conseguir,
pois eu sempre me protegia debaixo das saias (ou calças)
de meu irmão, os dias passaram normalmente, sem que
eles voltassem a interferir na vidinha dos menores, que de
certa forma, eram mesmo protegidos pelos demais colegas
de boa índole.
Ao final daquele ano letivo, concluí a sétima série
com ótimas notas, estando entre os primeiros alunos da
sala de aula.
No ano seguinte, não houve maiores problemas.
Cursei a oitava série na mesma escola, com praticamente
os mesmos professores e mesmos colegas de classe. Todos
os que estavam na sétima série foram aprovados e com
isto, tivemos apenas o acréscimo de dois novos colegas,
Celso Innocente
202
repetentes da oitava série anterior: Jean, que reprovou por
ter ficado doente e abandonado a escola no mês de Junho
passado e Renato, que teve problemas devido à separação
de seus pais e acabou desanimado, deixando de ser um dos
primeiros alunos de classe, acabando o ano em último
lugar.
Neste ano, também não houve maiores problemas.
Minha vida seguia na mesma rotina: escola, dormir após o
almoço, ajudar um pouco mamãe, andar de bicicletas,
brincar na rua próximo de casa, com Mateus (não o Grilo) e
Leonardo, que eram dois amiguinhos de meu tamanho e
visitar Beth, sempre! Continuava apaixonado por ela e era
retribuído com o mesmo carinho especial. Mas o fato é que
ela já completara dezenove anos e eu continuava com a
mesma cara de menininho, de sempre.
Nossa formatura de oitava série houve até colação
de graus, festa e baile. Fui na colação de graus, mas não na
festa. O que um menininho de nove anos de idade, iria
fazer em um baile de formaturas?
O retorno do menino do espaço
203
Triste história de amor
ara o primeiro ano colegial, mamãe me matricu-
lou também no período da manhã, na Escola
Estadual de Primeiro e Segundo Grau Professora Yone
Dias de Aguiar.
Primeiro dia de aula: onze de fevereiro de um mil
novecentos e noventa e um, sete horas da manhã. Quando,
pequenininho, de uniforme, sendo muito observado pelos
demais colegas, todos na faixa etária entre quinze e dezoito
anos, atravessei o portão de entrada e fui barrado pelo
inspetor de alunos, senhor Marcelo, que me segurando
pelos braços, perguntou:
— Aonde você vai garoto?
— Pra sala de aula! — Respondi surpreso. — Vou
estudar aqui, no primeiro ano!
— Aqui não tem primeira série no período da
manhã! — Informou-me ele. — Você deve estar
matriculado no período da tarde!
— Não estou na primeira série! — Neguei. — Estou
no primeiro ano colegial!
Ele me olhou dos pés à cabeça, se lembrou de algo e
disse:
P
Celso Innocente
204
— Espere aí! Estou conhecendo você! Você é aquele
garoto que esteve no espaço?
Acenei que sim.
— Venha comigo!
Levou-me até a presença da diretora, dona Luciana.
O fato era: Quando mamãe me matriculou, não
informou quem seria eu. Quer queira, quer não, isto seria
necessário, pois, mesmo tentando ser igual aos demais, eu
era muito diferente, tipo assim, uma aberração da
natureza21 e com isto, ninguém me esperava por lá.
— Ele está no primeiro ano do segundo grau e vai
estudar conosco! — Disse o inspetor à diretora.
Ela me olhou por cima dos óculos e disse:
— Não é que finalmente vou conhecer o menino
que veio do espaço!
Fiquei calado.
— Sente-se! — Pediu-me educadamente. — Me
desculpe o transtorno! É que não sabíamos de sua vinda!
— Acho que mamãe deveria ter explicado melhor,
no ato da matrícula!
— Tudo bem! Pra você enfrentar uma escola
secundária, não haverá problemas?
— Não! — Neguei sério.
— Pra nós também não! Você não é tão diferente
assim! — Insinuou ela rindo.
— É que eu me camuflo muito bem! — Insinuei me
levantando e representando. — Escondo minhas garras
afiadas... Minha cara enrugada... Minha língua comprida...
E meu cuspe ácido que corrói qualquer pessoa!
21 Não gosto de usar este termo, pois dá a impressão de algo horrível e
monstruoso, o que felizmente não se aplicava a mim.
O retorno do menino do espaço
205
— Você não é um alienígena tão feio assim! —
Brincou ela. — Mas acho melhor que eu o apresente a sua
nova sala de aula. Pode ser?
— Até agradeço à senhora! — Tornei me sentar.
— Esperemos que as aulas se inicie e iremos até sua
sala!
Voltou a seus afazeres matutinos, enquanto eu
aguardava o início daquele primeiro dia letivo.
Dois minutos depois, soou o sinal. Mesmo assim,
ela esperou mais alguns minutos e só depois, se aproximou
dizendo:
— Vamos lá!
Levantei-me e ela prosseguiu:
— Saiba que me sinto privilegiada, em contar com
você em nossa escola.
— Obrigado, de coração! É muito bom ser bem
recebido!
— Eu sei! — Riu ela. — Espero que não mostre suas
garras!
— Consigo me controlar!
— Então vamos lá?
Seguimos pelo corredor, até a sala, onde estava
escrito no alto da porta: 1º Colegial A. Pediu licença e
entramos:
— Classe! — Chamou ela. — Professora Janete:
primeiramente, quero desejar-lhes muito boas vindas ao
primeiro ano do segundo grau. Tenho certeza de que entre
vocês, muitos são novos em nossa escola, vindo de outros
colégios, aonde o ensino fundamental só vai até a oitava
série. Portanto, entre vocês, quem veio de outras escolas?
Doze adolescentes levantaram as mãos.
— Desejo a vocês que vieram de outras escolas, que
sintam-se felizes em nosso meio e aos que já eram de nossa
Celso Innocente
206
escola e nos conhecem, que recebam bem os novos
companheiros e continuem se dedicando. Agora ainda
mais, pois o segundo grau é um pouco mais… não digo
difícil, mas sim, esforçado. Aparecerão novas matérias:
Biologia, Física, Química, Fisiologia… Com isto, temos que
nos dedicar ainda mais. Estamos de acordo?
Alguns da classe, principalmente as meninas,
disseram sim. Dona Luciana prosseguiu:
— Agora quero apresentar a vocês, inclusive a você
Janete, — Disse segurando o braço da professora. — Mais
um coleguinha de classe. Trata-se de Regis Fernando. Acho
que a maioria de vocês já o conhecem e aqueles que ainda
não o conhecem, Regis esteve ausente da Terra por um
longo período e após seu retorno há quase... três anos, —
Me olhou, perguntando. — É isso Regis?
Acenei positivamente e ela prosseguiu:
— Então Regis voltou à escola e agora nos dará o
privilegio de sua companhia, durante os próximos três
anos. O que peço a vocês, é que o tenham como a um
grande amigo, lhes dando apoio e contando com o apoio
dele também! Regis é um menino muito especial e tenho
certeza de que ele vai nos ajudar muito, principalmente
trazendo fatos que ele aprendeu, visitando outros lugares
desconhecidos por nós. Outros planetas… a NASA…
Podemos contar com você, Regis?
— Claro que sim! Se eu for útil…
— Como não sobrou nenhum lugar vago aqui na
frente, gostaria de pedir: se alguém aqui da frente puder
ceder o lugar à Regis. Ninguém é obrigado! — Riu ela
carinhosamente. — É que ele é um pouco menor do que
vocês! Então seria útil ele sentar-se à frente do grupo!
— Não se preocupe dona Luciana! — Pedi. —
Estarei bem, mais ao fundo também!
O retorno do menino do espaço
207
— Lembre-se! — Prosseguiu a diretora. — Não é
privilegio! Digamos assim, que se faz necessário.
Dois meninos se levantaram ao mesmo tempo.
— Pode usar este lugar! — Disse um deles,
seguindo a um lugar vago, cinco cadeiras mais ao fundo.
— Como você se chama? — Perguntou a diretora.
— Leandro! — Disse ele calmamente.
— Obrigado Leandro! Pode se sentar Regis!
Sentei-me na primeira cadeira da terceira fila, ao
lado da porta. A diretora se retirou e Janete prosseguiu:
— Muito bem então! Seja bem vindo a nossa sala,
Regis. Eu me chamo Janete e lecionarei Biologia, que é uma
matéria que estuda…
— A vida! — Exclamei.
— Isso mesmo! É quase a mesma coisa do que
vocês estudaram em Ciências, no ginasial. A diferença, é
que aqui a gente vai se dedicar mais ao estudo de vidas
microscópicas: amebas... Protozoários e seres unicelulares.
Alguém sabe dar um exemplo de algo que tem apenas uma
célula?
— Gema de ovo! — Disse Leandro.
— Parabéns!
Ao contrário do que imaginava, fui muito bem
recebido no início de meu segundo grau. Imaginava que
muitos colegas iriam caçoar de meu pequeno tamanho, me
chamando de tampinha, grilo, anão, mascotinho, pequeno
polegar… Mas não. Acho que por isto mesmo, todos me
tratavam super bem e com muito respeito. Parecia que
cada um deles, queria cuidar melhor ainda de mim...
Tinham-me, realmente como uma mascote e admiravam
eu saber tanto quanto eles; acreditavam que eu era um
menino prodígio; não conseguiam me imaginar com vinte
Celso Innocente
208
anos de idade. Para eles, a aparência era o que importava e
então eu teria apenas nove anos e pronto!
No começo do ano letivo, minha classe tinha trinta
e quatro alunos. Três deles: André, Daniel e sua irmã
Andréia, vieram do Marcos Trench e já eram meus velhos
conhecidos. Os demais eram: Leandro, que me cedeu o
lugar, Felipe, Lucas, Renato, Marcelo, César, dois Paulo
Sergio, dois Alexandre, Mateus, Leonardo (não eram meus
vizinhos), Pedro Henrique e Fabio. As meninas eram:
Lucia, Cristiane, Mariana, Joana, Mirian, Lauriana, Letícia,
duas Fátima, Ivana, Maria Eduarda, Márcia, Eliane, Luana,
Conceição e Sonia.
Quase meio dia, chegando de volta à minha casa,
acompanhado por Paulinho, que após um ano separado,
voltara a ir para a escola comigo, estando ele no segundo
ano do colegial, também estudava no Yone. Quando
mamãe nos viu chegar, perguntou-me:
— Como foi seu primeiro dia de aula?
— Surpresa pra todo mundo! — Aleguei. — Até pra
diretora! Ninguém esperava um menininho de nove anos
no segundo grau!
— E então?
— Até o inspetor de alunos me barrou na entrada!
Disse que lá não tinha primeira série!
— Queriam te mandar de volta pra primeira série
Regis?! — Se admirou Leandro, que já estava almoçando.
— Pra você ver o que tenho que passar!
Segui para o quarto e me troquei de roupas,
vestindo um velho short cinza e camiseta sem cavas
branca; depois, descalço, segui para a mesa, almoçar com
os demais.
Quase cinco horas da tarde, após almoçar, dormir
um pouco e ajudar mamãe a passar pano molhado pra
O retorno do menino do espaço
209
limpar o chão, apanhei minha bicicleta e fui até a casa de
Beth, contar minhas aventuras, em meu primeiro dia de
aula no segundo grau. Chamei no portão e sua mãe me
atendeu, pedindo que entrasse.
Coloquei a bicicleta na varanda de entrada e segui
com sua mãe até a sala, onde a encontrei sentada, quase no
colo de um rapaz de sua idade. Meu coração bateu
desesperado. Ela deu um risinho pra lá de fingido, me
dizendo:
— Oi Regis! Este é meu amigo Peter!
Amigo! Pensei trêmulo! Nem eu, que a namoro a
tantos anos, jamais me sentei tão próximo.
— Como vai garoto? — Perguntou-me ele cínico. —
Beth fala muito em você!
— Es…tou bem… Obrigado! — Quase nem
consegui falar.
— Sente-se! — Pediu ela. — Estamos planejando
um trabalho.
— Não… — Neguei. — O... brigado… Só dei uma
passadinha… Também tenho um trabalho…
— É verdade! — Disse ela. — Agora você está no
colegial. Terá muitos trabalhos. Quando precisar posso
ajudá-lo.
— Está bem! Agora já vou indo. Tchau!
Saí que nem uma bala da casa dela e acho que
cheguei à minha casa, em menos de trinta segundos; joguei
a infeliz bicicleta no chão do quintal e corri a meu quarto,
onde, deitei-me de bruços e estava chorando. Fazia muito
tempo que não chorava mais. Porem, desta feita, não era
choro bobo de criança saudosa! Parecia mais um choro de
adulto! Meu coração batia dolorido, assustado e com raiva.
Beth era muito ingrata, cínica e fingida.
Celso Innocente
210
Acho que mamãe me viu entrar quase correndo.
Então entrou em meu quarto e me vendo de bruços
soluçando, sentou-se a meu lado e perguntou:
— O que há com você, Regis?
Sentei-me a seu lado e parecendo querer um forte
abraço, disse, soluçando muito:
— A Beth é uma safada!
Acho que ela percebeu do que se tratava. Abraçou-
me, perguntando:
— Ela terminou com você?
— Pior que a safada nem fez isso! — Disse
chorando. — Mas acabei de vê-la, sentada praticamente no
colo de um rapaz.
— Ela não pode ser sua, filho!
— Sei disso mamãe! Mas eu a amo muito!
— Esse amor não daria muito certo!
— Fale isso pro meu coração!
Ela riu carinhosamente, deu um beijo suave em
meu peito e tornando a me abraçar apertado, disse:
— Chore mesmo! Isso lhe fará muito bem! Eu não
consigo encontrar nada pra lhe confortar.
Papai, que acabara de chegar do trabalho, chegou
até a porta do quarto; mas mamãe, o vendo, colocou o
dedo indicador na boca, esboçou um leve sorriso, como a
pedir silêncio. Ele, sem entender muito, se afastou.
— Mamãe… O que vou fazer agora? — Chorei
ainda mais.
— Por enquanto, só chorar. — Disse ela carinhosa-
mente. — Depois, aos poucos, essa dor se cicatrizará.
— Ela é uma falsa!
— Acho que não filho! No fundo, ela te quer muito
bem! Pode ter certeza! Depois, eu mesmo vi você aconse-
lhando ela a arranjar outro namorado.
O retorno do menino do espaço
211
— Eu sei! Mas eu não queria isso!
— Faz o seguinte: Vou te deixar sozinho. Pode
chorar até acabarem essas lágrimas. Você ficará bem!
— Meu coração dói muito, mamãe! — Chorava
mais.
— Eu sei que dói! — Acariciou meu peito, como se
fosse uma massagem.
— Dá vontade esquecer que sou homem e dar um
murro na cara dela!
Mamãe riu de meu jeito de falar, se levantou e na
saída da porta ainda me disse:
— Se precisar, é só me chamar.
E se retirou.
Voltei a me deitar e permaneci ali, imaginando um
milhão de coisas: ora a favor de Beth, ora contra ela. O fato
era que, embora concordasse que ela deveria arranjar
alguém para lhe fazer realmente feliz, como mulher; por
outro lado, não aceitava perdê-la assim, para um estranho,
que acabava de chegar do nada.
Só às sete horas da noite, me levantei indo direto
tomar um banho demorado. Retornei ao quarto enrolado
na toalha, acabei de me enxugar e me vesti com roupas de
dormir: uma camiseta verde clara, sem cavas e uma cueca
da mesma cor, tipo samba canção de algodão. Segui para a
copa, onde papai, mamãe, Paulinho e Letícia, estavam
reunidos para o jantar.
Durante aquela refeição, quase ninguém conversou.
Eu também permaneci calado, só pedindo licença para ser
o primeiro a sair da mesa e ir para a sala, assistir televisão.
Nem sei o que estava passando, pois com milhões de
pensamentos na cabeça, meus neurônios não conseguiam
processar mais nada.
Celso Innocente
212
Em seguida, papai e Paulinho vieram juntar-se a
mim, enquanto mamãe e Letícia lavavam a louça do jantar.
Os demais irmãos, não jantaram em casa, devidos alguns
compromissos. Percebi que papai queria tocar em meu
assunto particular, para me dar alguns conselhos, mas
talvez não encontrando palavras, preferisse calar-se.
Ainda não eram nove horas, quando me levantei,
disse boa noite a todos e fui me deitar. Ninguém contestou,
pois já era de costume mesmo, eu dormir cedo, pois
sempre acordava no máximo às seis horas da manhã.
Logicamente não dormia mais com meus pais e
mesmo com Paulinho, que desde quando papai encostara
sua cama à minha pela primeira vez e eu amanheci
abraçado a ele em sua cama, aos poucos esse velho hábito
foi se tornando insignificante e nem mesmo sei, quando foi
que acabei por abandonar tal costume bobo, de criança
medrosa.
Era madrugada, quando tive um sonho diferente
com Beth: sonhei que estava sem camisa e a beijava nos
lábios, como nunca fizera antes; um beijo longo e
apaixonado e ela acariciava meu corpo inteiro. De repente,
apareceu Peter, com um chicote de couro cru nas mãos e
quando me deu a primeira chicotada, acordei assustado,
chamando:
— Mamãe!
Ela apareceu num instante. Sentei-me na cama e ela
me abraçou dizendo:
— Calma! Já passou!
Eu estava suado.
— Você está ardendo em febre! — Disse-me ela. —
Vou lhe dar um remédio.
Enquanto ela foi preparar um remédio, papai, que
também surgira, sentou-se a meu lado.
O retorno do menino do espaço
213
— Você teve um pesadelo? — Perguntou-me ele.
Acenei que sim.
Não era um pesadelo! A princípio era um sonho
bom!
Mamãe retornou rápido, tomei o remédio
preparado por ela e voltei a me deitar.
— Boa noite mamãe! Boa noite papai!
— Se precisar de algo, você chama! — Disse-me
papai.
— Obrigado! Vou ficar bem!
Em menos de cinco minutos estava novamente
dormindo.
Fazia muitos anos que não ficava doente. Não seria
normal ter tal febre. Mas acho que a danada não vinha de
meu organismo imortal e sim de uma alma apaixonada.
Acordei às seis horas e como de costume, fui direto
ao banho. Encontrei papai na entrada do banheiro.
— Volte pra cama, Regis! — Disse ele. — Falte à
aula hoje!
— Não papai! — Neguei. — É começo de ano e eu
estou bem! Não precisa se preocupar!
— Mas você teve febre alta, à noite!
— Era dor de cotovelo! — Insinuei com um sorriso
forçado.
Papai riu e eu entrei no banho.
©©©
Já eram mais de três horas da tarde, eu estava na
sala, fazendo o que a maioria das crianças fazem:
assistindo a um filme na televisão. Por ironia, se tratava de
“Meu primeiro Amor”, uma linda história de amor, vivida
por duas crianças, com final nada feliz.
Celso Innocente
214
Alguém chamou no portão e mamãe foi atender.
Em menos de trinta segundos, Beth, sozinha, entrou na
sala.
— Oi Regis! — Cumprimentou-me ela, com voz de
piedade.
— Oi. — Respondi secamente.
— Posso me sentar?
Acenei que sim.
Ela sentou-se bem próximo.
— Está bravo comigo?
Não respondi.
— O Peter? Realmente já faz algum tempo que a
gente se conhece! Nunca lhe falei dele, pois éramos apenas
amigos!
— Não parece! — Duvidei.
— Realmente! A gente começou a namorar ontem!
Eu deveria ter lhe contado! Mas nem deu tempo!
— E eu? — Comecei a chorar.
— Regis! — Levantou meu queixo. — Olhe pra
mim! Já tenho vinte anos e nunca namorei outra pessoa!
Você era meu primeiro e único namorado! Mas pense bem:
vou acabar ficando pra titia! Depois, foi você mesmo quem
me aconselhou a arranjar alguém! Não foi?
— Mas era da boca pra fora! — Continuei
chorando.
— Eu continuo querendo você! Mas é um amor
especial! Um amor diferente!
— Vai namorar aquele rapaz?
— A gente se gosta!
— Então vou arrancar meu coração!
— Vai nada! — Riu ela. — Você é muito especial
pra mim!
Passou a mão em meus olhos, dizendo:
O retorno do menino do espaço
215
— Enxugue essas lágrimas! Não sofra! A gente vai
continuar sendo os mesmos! Tenho certeza que você
gostará de Peter! A gente fala muito de você!
— O que vai ser de mim, Beth? Não consigo aceitar
você com outra pessoa! — Continuava chorando.
— E quando eu estiver velhinha, parecendo sua
vovó e você continuar sendo um gatinho como hoje! O que
vai ser de mim?
— Você não será velhinha e eu gatinho!
— Imagine o ano de dois mil e trinta! Vamos estar
na faixa dos sessenta anos! Só que você continuará com
essa carinha bonita de nove anos.
— Será!
— É o que parece!
— Não quero perder você, Beth! — Falei soluçando.
— Você não me perderá! Mesmo eu namorando
Peter, vou continuar a ter por você, o mesmo carinho que
tenho hoje.
— E ele?
— Tenho certeza que ele vai ter um carinho especial
por você também! Ele é muito bom! Garanto que não terá
ciúmes de você!
— Estou com o coração partido! — Insinuei com
sinceridade.
— Não fique assim!
Levantou-se.
— Vamos comigo visitar o Peter! Quero apresentar
direito, você a ele!
Acenei negativamente.
— Como não?
— Quem sabe depois que eu me recompor!
— Não quero vê-lo triste!
— Acho que vou ficar bem!
Celso Innocente
216
— Não tenha mágoa de mim! Pensa que eu também
não sinto dor no coração, em tomar uma decisão assim?
— Acredito em você!
— Jura?
Acenei que sim.
— E me perdoa?
— Já sabia que isto teria que acontecer um dia!
— Pois é! Você mesmo me aconselhou!
Deu-me um beijo na face, disse tchau e se retirou.
Talvez fosse aos braços de Peter.
Desliguei a televisão, deitei em minha cama e
continuei chorando, ainda mais.
©©©
Beth namorou firme com Peter, por mais de dois
anos, então se casou na Igreja Matriz (Santuário de São
Francisco de Assis), no centro da cidade. Eu, ainda
sonhando com ela, vi como estava bela, vestida de noiva.
Não iria cumprimentá-la, mas como ela me viu, julguei que
seria falta de educação, então a abracei em silêncio:
— Você está trêmulo Regis! O que há?
Ao olhar-me nos olhos, percebeu minhas lágrimas.
— Que isso menino? Já falamos muito sobre isso!
Tenho vinte e três anos! Não poderia mais esperar por
você!
— Sei disso Beth!
— Você será nosso filhinho! Lembra?
— Já tenho muitos pais! O que eu queria era um
amor!
— Seja criança menino! Você tem esse privilegio!
Afastei-me dela, ainda com os olhos cheios de
lágrimas. Até me esqueci de cumprimentar o noivo.
Agora era definitivo: dois anos separados e eu
jamais aceitei a idéia de perdê-la, afinal, éramos
O retorno do menino do espaço
217
namoradinhos desde os sete anos de idade, quando
estudávamos juntos, na segunda metade da primeira série.
Mas agora, teria acabado de vez: ela estava casada e nada
mais podia fazer...
... Aliás, acabei por me tornar amigo de Peter e
realmente, ele tinha um carinho especial por mim, assim
como a maioria das pessoas.
Mesmo depois que eles se casaram, menos vezes,
mais continuei frequentando sua casa, que era próximo a
casa de sua mãe. E para que não houvesse nenhum tipo de
problemas, só a visitava quando Peter estava presente. Ela
realmente não mudou muito. Mesmo depois de casada. Só
mudou em respeito às responsabilidades, em cuidar de
uma casa e de um esposo... E passou a me querer, dizia ela,
como se eu fosse assim, o primeiro filhinho seu, com os
mesmos abraços e beijos de antigamente. Beijos nas
bochechas!
Quase coincidência, sua primeira filhinha natural,
nasceu bem próxima à data de meu aniversário, em seis de
março, de um mil novecentos e noventa e quatro. Recebeu
o nome de Letícia. Dois dias depois, eu completava vinte e
três anos de idade e continuava com rostinho de nove.
— Nem pense em paquerar minha gatinha! —
Disse-me Beth, brincando.
— Não vou não! — Neguei rindo.
©©©
Consegui bolsa de estudos, abandonei papai e
mamãe, indo estudar no centro de São Paulo, capital, na
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Só
visitava-os nos feriados prolongados ou férias. Muitas
vezes, com saudades, eles acabavam indo me ver, visto
uma distância de quinhentos quilômetros, sem nave
espacial para a viagem.
Celso Innocente
218
Especializei-me em Pediatria e concluí meus
estudos, no final do ano dois mil. Retornando à minha já
saudosa Penápolis, mas por parecer uma criancinha, não
pude exercer minha profissão, me tornando apenas médico
assistente, realizando consultas simples (quando o caso era
mais complexo, tinha que encaminhar a criança a outro
médico22).
Todos meus irmãos já se casaram e se mudaram.
Letícia se mudou com o esposo Jeferson para Recife e
Leandro com Raisse, para Florianópolis. E todos, até
Paulinho, me fizeram ser um jovem titio de seis sobrinhos:
Leonardo, de meu tamanho, nove anos e Ricardo, seis,
filhos de Carlos Henrique e Luana, que brincavam comigo
de igual para igual; Michael, doze anos, filho de Letícia;
Yasmin, oito anos, filha de Leandro; Mariana, sete anos,
filha de Luis e Isadora; e mais um Regis (meu irmão me
ama), seis anos, filho de Paulinho e Jussara, que mora bem
próximo de casa e com isso, o menino fica mais tempo
conosco, do que com os próprios pais.
22 Qual pai confiaria seu filho pequeno a um menininho de nove anos
de idade, com um bisturi nas mãos?
O retorno do menino do espaço
219
Subcapítulo final ou epílogo.
stamos agora no dia sete de Março do ano dois
mil e nove, véspera de meu trigésimo oitavo
aniversário natalício. O pessoal da NASA, CERN, ou
jornalistas, jamais me procuraram e eu voltei a ter uma
vida praticamente normal, apesar de continuar com a
aparência de um menininho de nove anos de idade e
jamais ter arranjado qualquer outra namorada.
Até a poucos minutos, estava brincando com outro
Regis, com quase doze anos de vida (não é meu sobrinho e
nem mesmo o filho do senhor Luciano, que já tem pratica-
mente trinta anos de idade). Foi mais uma homenagem
que me fizeram de surpresa, quando eu ainda me
encontrava em São Paulo. Ele nascera em vinte e sete de
Junho de um mil novecentos e noventa e sete e é o segundo
filho de Beth.
Daqui a pouco, às onze horas da noite, estarei no
Clube de Campo Lago azul, presente na grande festa de
debutantes de Letícia, a primeira filha de Beth, que
completou seus quinze aninhos, ontem.
Porem, devido meu costume em dormir muito
cedo, às nove horas, resolvi deitar um pouco, antes de
E
Celso Innocente
220
seguir para a festa, que com certeza, embora pretendo ficar
pouco tempo, durará a noite toda.
Dez minutos depois, alguém bateu na porta e
mamãe a abriu:
— Regis! — Disse ela surpresa. — Pensei que já
estivesse na cama!
O que será que meu sobrinho viera fazer em casa
àquela hora! Pensei. Ele realmente vinha muito, mas
sempre de dia. A não ser que ele fosse à festa de Letícia
comigo! Ele também já completara quinze anos de vida e
realmente fôra convidado.
— Onde arranjou esta roupa? — Insistiu mamãe.
E por que será que ele permanecia quieto? Ele era
um menino hiperativo e falava mais... Que o homem da
cobra.
Levantei-me, indo de encontro a ele e mamãe,
tendo uma grande surpresa e calafrio ao mesmo tempo. Na
porta de entrada de casa, parado em silêncio e apesar do
calor que se faz no mês de março, trajando blusa amarela e
preta, calça jeans, tênis branco e azul de marca
desconhecida, um relógio dourado no pulso direito, estava
eu... Mas como eu? Acho que já teria dormido e estava
sonhando...
Aproximei-me devagar e mamãe se apavorou,
quando percebeu que estava diante de dois Regis,
idênticos.
— Você veio ficar conosco? — Perguntei-lhe
segurando sua mão.
— Não! — Negou o outro Regis.
— Então!?...
— Vim apenas fazer-lhe uma visita!
Fim
O retorno do menino do espaço
221
Sobre o autor
(o autor, com os filhos Leandro e Henrique).
Missão difícil, criar uma pequena autobiografia. Eu, Celso Aparecido Innocente, nasci no bairro do Degredo, um sítio nos arrabaldes do município de Penápolis, estado de São Paulo, no mês de junho de 1958. Realmente isto: naquele tempo, dificilmente, por dificuldades de transporte, uma criança nasceria em hospitais e eu não fui diferente, com ajuda de parteira, às quatro horas da manhã, do dia vinte e cinco, eu fora apresentado a este mundo dos vivos. Até os oito anos de idade, como parte de minha primeira infância, morei no bairro Córrego dos Pintos, de onde recordo apenas os dois ou três últimos, sendo considerado um menino feliz e aventureiro, devido as peripécias de uma turminha da mesma faixa etária: irmãos, primos e amigos dos sítios circunvizinhos, onde as aventuras eram à base de nadar completamente nus no Rio Lajeado; pescar lambaris, principalmente com peneiras, na época da piracema; caçar
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passarinhos de todas as espécies, fazendo uso de arapucas; espantar os macacos, que insistiam em roubar nosso bananal; correr seminu dentro de um belíssimo riozinho todo de pedras sabão e... Chega se não acabo escrevendo um livro. Após esta fase, já morando na cidade, comecei a gostar de contos, livros e escrever, desde que aprendi a ler, adorando as fábulas, que surgiam como parte de meu aprendizado, nos livros de “Literatura e Linguagem”, lendo-as todas, já no primeiro dia em que tomava posse de tais livros. Ao contrário de praticamente todas as demais crianças, outra de minha atividade favorita na escola primária, era quando a mestra nos pedia que criássemos uma composição (o que hoje se chama de redação), sobre um assunto específico, com ela, inclusive, colando sobre um acessório denominado flanelógrafo, algumas figuras, para servirem de inspiração e referência para o pequeno aluno, que acabava criando tal composição em no máximo vinte linhas de um caderno de brochuras. Eu porem abusava de detalhes, chegando a pelo menos cinquenta linhas. Apaixonando-me por livros, onde, com menos de doze anos de idade, já tendo lido dezenas deles, principalmente da série “Vagalume”, acabei me apaixonando por criar meus próprios contos e embora com muitos erros de vocabulário, passando a escrever quase que diariamente, a princípio em sobras de cadernos escolares e depois, com a ajuda de pequena máquina de escrever. Sendo assim, passei a sonhar em um dia me tornar conhecido, tendo meu nome gravado em letras garrafais, na capa de um belo best’seller. Porem na época, esta seria uma missão quase impossível, pois as editoras só publicavam livros de escritores famosos e de preferência internacionais. Portanto, almejando tal sonho em ser conhecido, parti para o aprendizado da arte na música, a princípio, devido estatura ainda infantil, tentando aprender instrumentos musicais, tais como cavaquinho, gaita, violão e até viola. Porem, ao perceber que esta de fato não era minha vocação, apoiado
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por um grupo de adolescentes amigos, partimos juntos para o aprendizado na arte teatral, onde me foi favorável, não tanto como ator, por não ser assim um garoto fotogênico, mas foi onde escrevi minhas primeiras peças de artes dramáticas e comédias. Agora, depois de tantos anos, estando aposentado da Telefônica – SP, onde trabalhei por vinte e seis anos, na área de telecomunicações, ministrando cursos a colegas da própria empresa e de parceiras, nesta área, tais como transmissão de dados e internet em banda larga, sendo casado, três filhos abençoados por Deus, com a graça da união familiar e com o mercado favorável a autores independentes, consegui publicar alguns de meus contos, escritos lá na adolescência e... Como já mencionei, chega, para que não vire um livro.
Para referências acesse:
www.innocent3.wix.com/celso
www.hino100t.jimdo.com
www.facebook.com/hino100t
Hino100t@hotmail.com
i.celso@terra.com.br
www.Celsoinnocente.blogspot.com.br
Penápolis – São Paulo – Brasil – Planeta Terra
Maio de 2012.
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Outros trabalhos
Alma inocente 1980
Os três Patotas em: O sequestro 1980
Um menino chamado “Innocente” 1980
Regis, um menino no espaço 2012
Adolescentes sexuais 1982
O grande palco da vida 2013
Simplesmente um artista 1983
Caso verdade: Leucemia 1985
Pensamentos de parede 1988
Um menino no espaço, 2ª parte 2012
O retorno do menino do espaço 2012
Menino anjo 2012
Anjo da cara suja 2013
Regis um menino do planeta Terra 2013
Sanguinário imortal 2014
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