leonardo gurgel leite resposta alÉrgica e...
Post on 05-Aug-2020
10 Views
Preview:
TRANSCRIPT
HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ
RESIDÊNCIA DE ANESTESIOLOGIA
LEONARDO GURGEL LEITE
RESPOSTA ALÉRGICA E ANESTESIA
FORTALEZA
2016
LEONARDO GURGEL LEITE
RESPOSTA ALÉRGICA E ANESTESIA
Trabalho de Conclusão de Curso, como
requisito parcial para término da residência
médica em Anestesiologia, no Hospital
Geral de Fortaleza.
Orientador: Prof. Dr. Rogean Rodrigues
Nunes
FORTALEZA
2016
LEONARDO GURGEL LEITE
RESPOSTA ALÉRGICA E ANESTESIA
Trabalho de Conclusão de Curso, como
requisito parcial para término da residência
médica em Anestesiologia, no Hospital
Geral de Fortaleza.
Aprovada em ____/____/______
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes (Orientador)
Corresponsável CET-HGF
_______________________________________
Dr. Germano Pinheiro Medeiros
Corresponsável CET-HGF
_______________________________________
Dr.ª Nely Marjollie Guanabara Teixeira
Corresponsável CET-HGF
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Everardo e Waleska, pela educação, apoio e oportunidades que me
foram dadas.
Aos colegas de residência, atuais e anteriores, pelo companheirismo, amizade e
aprendizado compartilhados nesses três anos.
Ao Prof. Dr. Rogean Rodrigues Nunes, orientador desta monografia, pela dedicação
e pelos ensinamentos acadêmicos e profissionais.
Ao Dr. Germano Pinheiro Medeiros, pelo estímulo constante ao estudo e empenho em
melhorar a qualidade da residência.
À Dr.a Nely Marjollie Guanabara Teixeira, pela empatia e humanidade com que
transmite os conhecimentos.
Ao Dr. José Carlos Rodrigues Nascimento, pela paciência e responsabilidade no trato
com seus alunos.
À Dr.a Aglais Gonçalves da Silva Leite, pela dedicação ao bom funcionamento do
serviço de Anestesiologia do Hospital Geral de Fortaleza.
Aos demais preceptores de todos os hospitais de ensino, por ensinarem na prática a
arte e ciência da anestesiologia.
RESUMO
Reações alérgicas não são incomuns durante anestesia. Reações graves como a
anafilaxia, no entanto, são raras. A anafilaxia é uma reação aguda, grave e
potencialmente ameaçadora à vida. Ela leva a instabilidade hemodinâmica, obstrução
de vias aéreas superiores e inferiores e sintomas cutâneos. Os principais alérgenos
responsáveis por reações anafiláticas no período perioperatório são bloqueadores
neuromusculares, antibióticos e látex. O diagnóstico da anafilaxia pode ser difícil
durante anestesia, pois há vários fatores que podem levar aos mesmos sintomas. O
tratamento deve ser rápido, pois o quadro pode evoluir para parada cardiorrespiratória
em questão de minutos. A epinefrina é o fármaco de escolha, e sua administração
precoce é associada a menor mortalidade. É importante realizar uma investigação
para determinar o agente causador, assim como identificar alternativas seguras a
serem utilizadas no futuro.
Palavras-chave: Hipersensibilidade. Anafilaxia. Anestesia. Perioperatório.
ABSTRACT
Allergic reactions are not uncommon during anesthesia. Severe reactions like
anaphylaxis, however, are rare. Anaphylaxis is an acute, severe, and potentially life-
threatening reaction. It leads to hemodinamic instability, obstruction of upper and lower
airways, and cutaneous symptoms. The main allergens responsible for anaphylactic
reactions in the perioperative period are neuromuscular blocking agents, antibiotics,
and latex. The diagnosis of anaphylaxis during anesthesia can be difficult, as there are
many factors that can lead to the same symptoms. Treatment must be prompt,
because progression to cardiac arrest can happen in a matter of minutes. Epinephrine
is the drug of choice, and its early administration is associated with lower mortality. It
is important to perform an investigation to determine the causative agent, as well as
identify safe alternatives to be used in the future.
Keywords: Hypersensitivity. Anaphylaxis. Anesthesia. Perioperative.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 7
2 FISIOPATOLOGIA....................................................................................... 7
3 EPIDEMIOLOGIA........................................................................................ 9
4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO....................................... 10
5 TRATAMENTO............................................................................................ 12
6 INVESTIGAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR.............................................. 15
7 ALÉRGENOS ESPECÍFICOS DO PERÍODO PERIOPERATÓRIO............ 17
7.1 Bloqueadores neuromusculares.................................................................. 17
7.2 Antibióticos................................................................................................... 18
7.3 Hipnóticos.................................................................................................... 20
7.4 Opioides....................................................................................................... 20
7.5 Anestésicos locais....................................................................................... 20
7.6 Látex............................................................................................................ 21
7.7 Outros agentes............................................................................................ 22
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 23
REFERÊNCIAS........................................................................................... 24
7
1 INTRODUÇÃO
Reações alérgicas, ou reações de hipersensibilidade, são reações adversas mediadas
imunologicamente, ao contrário de efeitos adversos causados por idiossincrasias
farmacológicas, toxicidade direta, sobredose de fármacos e interações
medicamentosas.1 Esta revisão foca nas reações de hipersensibilidade imediata (Tipo
I de Gell e Coombs), em especial a reação anafilática, por sua gravidade e possível
ocorrência no período perioperatório. A anafilaxia é uma reação alérgica aguda, grave
e potencialmente ameaçadora à vida.2 No período perioperatório, tem uma incidência
estimada de 1 a cada 13,000 anestesias, sendo mais comumente causada por
bloqueadores neuromusculares, antibióticos e látex.3 A incidência de doença alérgica
tem aumentado ano a ano, embora a mortalidade permaneça estável.3
2 FISIOPATOLOGIA
As manifestações clínicas das reações de hipersensibilidade imediata são causadas
por mediadores liberados por mastócitos e basófilos. Estas células podem ser
ativadas por mecanismos mediados por IgE, por complemento, e por vias não
imunológicas.2 Tradicionalmente as reações não mediadas por IgE eram chamadas
de anafilactóides; atualmente este termo está em desuso, sendo todas as reações
chamadas de anafiláticas. Muitas vezes não é possível diferenciar clinicamente os
tipos de reação, e o tratamento deve ser o mesmo. Após determinação do mecanismo
por testes específicos, se dividem em anafilaxia alérgica e anafilaxia não-alérgica.4
Na reação mediada por IgE deve ocorrer primeiro sensibilização a um antígeno com
produção de anticorpos. Moléculas antigênicas (geralmente proteínas) são capazes
de estimular a produção de anticorpos por si próprias. Haptenos são moléculas muito
pequenas que precisam se ligar a uma proteína endógena como a albumina para se
tornarem antigênicas.1 A resposta a um antígeno pode ser orquestrada por linfócitos
TH1 (mediada por IL-12) ou TH2 (mediada por IL-4). Os linfócitos TH1, produtores de
IL-12 e interferon-gama, levam a síntese de anticorpos IgG, enquanto os linfócitos
TH2, produtores de IL-4, IL-5, IL-9 e IL-13, levam a síntese de anticorpos IgE.
Indivíduos que respondem a um antígeno primariamente através de expressão de TH2
estão mais suscetíveis a anafilaxia. Uma vez produzidos, os anticorpos IgE
específicos para o antígeno se ligam a mastócitos teciduais e basófilos circulantes
8
através de receptores de alta afinidade para IgE (receptor Fc epsilon I [FcεRI])
presentes na superfície celular. Caso ocorra reexposição ao antígeno, o mesmo irá se
ligar ao complexo IgE-FcεRI na superfície de mastócitos e basófilos; é necessária a
ligação multivalente de um antígeno com vários complexos IgE-FcεRI, o que irá causar
a agregação dos receptores e desencadear a cascata de sinalização que leva a
liberação de mediadores alérgicos e inflamatórios. Modulação inibitória dessa via
ocorre através do receptor de IgG Fcg IIb (FcgRIIb), também existente na superfície
de mastócitos e basófilos. Anticorpos IgG específicos para o antígeno formam
complexos com os alérgenos, podendo formar uma ponte entre FcεRI e FcgRIIb, o
que inibe a sinalização e liberação de mediadores. Esse equilíbrio entre IgG e IgE é o
suposto mecanismo dos protocolos de dessensibilização a alérgenos.2
A ativação do complemento pode ocorrer pela via clássica, via alternativa e via da
lecitina. A ativação pela via clássica é iniciada por ligação de anticorpos IgG ou IgM a
antígenos, como na reação transfusional hemolítica. Complexos heparina-protamina
ativam complemento pela via clássica in vitro e in vivo.2 Ativação do complemento pela
via alternativa pode ser estimulada por meios de contraste radiológico e membranas
usadas para circulação extracorpórea e diálise. A via da lecitina é iniciada por
glicoproteínas de alguns patógenos.2 As três vias convergem para a clivagem de C3,
levando a formação do complexo de ataque à membrana (MAC), o que afeta
diretamente a integridade das membranas de mastócitos e basófilos, levando a
degranulação e liberação de mediadores.2
Ativação de mastócitos por vias não imunológicas pode ocorrer após administração
de alguns fármacos, como opioides e bloqueadores neuromusculares. O mecanismo
pelo qual isso ocorre é pouco compreendido. A estimulação não imunológica de
mastócitos depende fortemente do cálcio intracelular e mostra rápida inativação, ao
contrário da estimulação imunológica, que depende do cálcio extracelular e tem uma
taxa lenta de inativação.2
Uma vez que o mastócito ou basófilo é ativado por qualquer um dos mecanismos,
ocorre liberação de mediadores armazenados em grânulos e também produção de
novos mediadores. A interação desses mediadores com células estruturais, como
células endoteliais, epiteliais e musculatura lisa, causa os sintomas da anafilaxia.5
Mediadores liberados incluem histamina, triptase, leucotrienos, prostaglandinas,
quimiocinas, cininas, endotelinas e fator de ativação plaquetária.5 Cada mediador tem
9
diversas ações; a multiplicidade e redundância dos efeitos dos mediadores torna
improvável que a inibição da síntese de apenas um deles tenha impacto clínico
significativo na doença alérgica.5 Mediadores como histamina, prostaglandina,
leucotrienos e cininas contraem musculatura lisa, aumentam a permeabilidade
vascular, aumentam a secreção de muco nas vias aéreas e atraem outras células
inflamatórias.5 A vasodilatação é um componente fundamental da resposta alérgica,
e geralmente é acompanhada de extravasamento microvascular em vênulas pós-
capilares, levando a exsudação de plasma e edema local. Prostaglandinas, histamina,
leucotrienos e óxido nítrico são mediadores importantes da vasodilatação.5
A proliferação de mastócitos, em conjunto com inflamação progressiva, contribui para
piora dos sintomas mesmo quando o alérgeno não está mais presente. As citocinas
recrutam mais células inflamatórias, o que pode levar a uma segunda onda de
degranulação de mastócitos, causando uma recorrência dos sintomas de 6 a 8 horas
depois da apresentação inicial.1
3 EPIDEMIOLOGIA
A incidência de reações de hipersensibilidade em anestesia é bastante variável,
devido a dificuldades na caracterização de reações e diferenças geográficas
importantes.2,6 A ocorrência de reações de hipersensibilidade no período
perioperatório não é infrequente, com incidência variando de 1:385 a 1:677.6,7
Reações graves como a anafilaxia, entretanto, são raras, com uma incidência em
torno de 1:13,000.3 Um estudo de oito anos na França mostrou uma incidência de
anafilaxia perioperatória de 1:9,940.8 Estudo similar na Austrália mostrou uma
incidência de 1:11,000.9 Já nos Estados Unidos, um estudo com uma estratégia de
busca mais refinada mostrou uma incidência de 1:4,583.6 A incidência de doença
alérgica tem aumentado a cada ano, embora a mortalidade permaneça estável.3 Uma
possível explicação é a chamada “hipótese da higiene”, a noção de que quando o
sistema imunológico em desenvolvimento é privado de antígenos microbianos que
estimulem células TH1, surge a oportunidade de prolongar a sensibilização de células
TH2.2
Fatores de risco para reações graves incluem atopia, asma, rinite alérgica, eczema,
idade avançada, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, uso de anti-
10
hipertensivos, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e triptase basal
elevada.3,10,11 O uso de betabloqueadores e inibidores da enzima conversora de
angiotensina (IECA) tem sido implicado no aumento da incidência e gravidade de
reações anafiláticas, especialmente quando as duas classes de fármacos são usadas
em conjunto.12
Bloqueadores neuromusculares são a principal causa de anafilaxia perioperatória na
maioria dos estudos, embora haja alguma variação geográfica. No Reino Unido, os
bloqueadores neuromusculares são responsáveis por cerca de 38% dos casos de
anafilaxia perioperatória13,14, enquanto na França essa taxa chega a 58%.8
Antibióticos parecem ser a segunda causa mais frequente, representando em média
15% dos casos, com variação de 8% a 31%.8,13,14,15 O látex é uma causa emergente
de anafilaxia perioperatória, em um estudo chegando a representar quase 20% dos
casos.8 Outros fármacos como hipnóticos, opioides e anestésicos locais são causas
menos frequentes de anafilaxia.8,13,14 O antisséptico clorexidina e o corante azul
patente, usado como marcador linfático, têm sido cada vez mais reconhecidos como
causa de anafilaxia perioperatória.13,14
4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO
Os sinais e sintomas da anafilaxia podem afetar vários sistemas orgânicos. O padrão
dos sintomas (início, número, duração) varia bastante entre pacientes e até no mesmo
paciente em diferentes episódios de anafilaxia.10 Sinais cutâneos e de mucosa
incluem urticária, angioedema, prurido, flushing, e edema de mucosas. Sintomas
respiratórios incluem rinorreia, congestão nasal, espirros, disfonia, rouquidão, estridor,
taquipneia, dispneia, sibilos, broncoespasmo, hipóxia e parada respiratória. Sintomas
cardiovasculares incluem dor torácica, taquicardia e outras arritmias, hipotensão,
choque circulatório e parada cardíaca. Outros sintomas incluem dor abdominal,
náuseas, sensação de morte iminente, tontura, confusão mental e gosto metálico na
boca.10 O colapso cardiovascular é a apresentação clínica mais comum no período
perioperatório.2 Durante anestesia, sintomas cardiovasculares ocorrem em 84,04%
dos casos, sinais cutâneos em 70,24% dos casos e sintomas respiratórios em 41,35%
dos casos.8
11
O diagnóstico da anafilaxia é principalmente baseado na história clínica, incluindo
informações sobre exposição a potenciais alérgenos nas horas precedendo o início
dos sintomas.10 A World Allergy Organization (WAO) definiu critérios diagnósticos para
anafilaxia (QUADRO 1).10 Num ambiente de pronto-socorro, esses critérios mostraram
sensibilidade de 96,7% e especificidade de 82,4% para detectar reações
anafiláticas.16 No período perioperatório esse diagnóstico pode ser difícil, pois muitos
dos sintomas podem ser mascarados pela anestesia geral ou atribuídos a outras
causas. Sinais cutâneos são menos frequentes durante anestesia (70%) comparado
a anafilaxia em outros cenários (90%), muitas vezes só aparecendo após a
restauração da pressão arterial.2,8,10 Além disso, no período perioperatório muitas
medicações diferentes são administradas num curto período de tempo, além da
presença de outros potenciais alérgenos como látex e clorexidina, o que dificulta a
identificação do agente causador.2
Exames laboratoriais como a dosagem de triptase e histamina podem auxiliar no
diagnóstico de uma reação anafilática.10 Dosagem de complemento não tem valor
nesse cenário.17 A triptase deve ser colhida entre 15 minutos a 3 horas do início dos
sintomas, e a histamina entre 15 e 60 minutos.10 Um estudo com pacientes
apresentando choque anafilático mostrou que a dosagem de triptase e histamina é útil
para diferenciar o choque anafilático de outros tipos de choque; os valores de corte
foram de 7,35 μg.L-1 para a triptase (sensibilidade de 92% e especificidade de 92%) e
6,35 nmol.L-1 para a histamina (sensibilidade de 90,7% e especificidade de 91,7%).18
A dosagem seriada da triptase durante um episódio de anafilaxia e uma dosagem
basal após a recuperação parecem ser mais úteis do que uma dosagem isolada.10 Um
aumento maior que 141% da triptase basal mostrou valor preditivo positivo de 80%
para anafilaxia mediada por IgE.14 No entanto, esses exames não são universalmente
disponíveis. A dosagem de histamina requer cuidados especiais na coleta, como uso
de uma agulha calibrosa e resfriamento da amostra a 4°C; a triptase deve ser colhida
num frasco sem anticoagulante, mas não requer outros cuidados.10
12
Quadro 1 – Critérios clínicos para o diagnóstico da anafilaxia
Anafilaxia é provável quando qualquer um dos 3 critérios é preenchido
1: Aparecimento súbito de sintomas envolvendo pele e mucosas (urticária, edema de
mucosas)
E pelo menos um dos seguintes:
A) Comprometimento respiratório (dispneia, broncoespasmo, hipóxia)
B) Hipotensão ou sintomas de disfunção orgânica (hipotonia, síncope,
incontinência)
2: Dois ou mais dos seguintes ocorrendo rapidamente após exposição a um alérgeno
provável para aquele paciente:
A) Envolvimento de pele e mucosas (urticária, edema de mucosas)
B) Comprometimento respiratório (dispneia, broncoespasmo, hipóxia)
C) Hipotensão ou sintomas de disfunção orgânica (hipotonia, síncope,
incontinência)
D) Sintomas gastrointestinais persistentes (dor abdominal, vômitos)
3: Hipotensão após exposição a um alérgeno conhecido para aquele paciente
A) Crianças: Valor específico para a idade ou redução de 30% do basal
B) Adultos: Pressão sistólica < 90 mmHg ou redução de 30% do basal
Adaptado de Simons FER, Ardusso LRF, Bilò MB et al. World Allergy Organization guidelines for the
assessment and management of anaphylaxis.10
5 TRATAMENTO
Reações anafiláticas devem ser reconhecidas e tratadas precocemente, pois a morte
pode ocorrer em minutos.2,10 Os princípios gerais do tratamento se aplicam para
qualquer paciente com anafilaxia, independente do agente causador. Deve-se
interromper a exposição ao provável agente e chamar por ajuda imediatamente. Caso
não haja um acesso venoso, epinefrina intramuscular deve ser aplicada. O paciente é
colocado em posição supina com os membros inferiores elevados, e se monitoriza a
pressão arterial, frequência cardíaca, função respiratória e oxigenação. Caso haja
suspeita de comprometimento de vias aéreas por edema laríngeo, deve-se realizar
imediatamente a intubação traqueal; no edema laríngeo rapidamente progressivo,
uma via aérea cirúrgica pode ser necessária.2 Assim que possível, deve-se administrar
13
oxigênio suplementar e obter um acesso venoso, iniciando a reposição volêmica.2,10
Anestésicos voláteis devem ser descontinuados para minimizar os efeitos inotrópicos
negativos, diminuição da resistência vascular sistêmica e interferência com a resposta
compensatória à hipotensão. O halotano sensibiliza o coração aos efeitos
arritmogênicos das catecolaminas, que serão utilizadas no tratamento da reação
anafilática grave; portanto, caso seja necessário continuar a anestesia inalatória,
deve-se utilizar outro agente, como isoflurano, sevoflurano ou desflurano.2
A epinefrina é a medicação de primeira linha a ser administrada no caso de anafilaxia,
principalmente por conta de seu efeito α1-adrenérgico vasoconstritor, que previne e
trata a hipotensão e o choque, assim como a obstrução de vias aéreas causada por
vasodilatação e edema de mucosas.10 Outras características importantes incluem
inotropismo e cronotropismo positivos pelo efeito β1-adrenérgico e diminuição da
liberação de mediadores, broncodilatação e alívio da urticária pelo efeito β2-
adrenérgico.10 No tratamento inicial, deve ser administrada por via intramuscular no
vasto lateral da coxa, na dose de 0,01 mg.kg-1 de uma solução de 1 mg.mL-1, sendo
a dose máxima 0,5 mg para adultos e 0,3 mg para crianças.10 Essa dose pode ser
repetida em 5 a 15 minutos, se necessário. No entanto, se houver choque circulatório
instalado ou iminente, a epinefrina deve ser administrada por via intravenosa na dose
de 0,1-1 μg.kg-1, podendo ser seguida de uma infusão contínua de 0,1-0,15 μg.kg-
1.min-1, titulada de acordo com a resposta.2 Efeitos adversos como arritmias
ventriculares, crises hipertensivas e edema pulmonar podem ocorrer em até 10% das
administrações intravenosas de epinefrina.3 Em casos refratários de choque
anafilático, a associação de vasopressina e epinefrina parece ser mais efetiva do que
epinefrina isolada.2
Medicações de segunda linha como anti-histamínicos, agonistas β2-adrenérgicos e
glicocorticoides têm evidências mais fracas de benefício na anafilaxia; seu uso não
deve atrasar a administração da epinefrina, que é o tratamento de primeira linha.10
Anti-histamínicos H1, como a difenidramina, aliviam prurido, urticária, angioedema e
sintomas nasais e oculares, mas não afetam sintomas graves como obstrução de vias
aéreas e hipotensão.10 Anti-histamínicos H2, como a cimetidina, podem ser usados
para evitar o efeito vasodilatador da histamina em receptores H2 endoteliais2, embora
o benefício não seja comprovado.3,10 Agonistas seletivos β2-adrenérgicos, como o
salbutamol, servem como adjuvantes no tratamento do broncoespasmo, mas não
14
afetam o edema laríngeo e obstrução de vias aéreas superiores.10 Glicocorticoides,
como a hidrocortisona, têm um início de ação mais lento mas podem auxiliar no
tratamento do broncoespasmo persistente e potencialmente evitar uma reação
bifásica, embora esse efeito não tenha sido provado.2,10
Após resolução do quadro é importante uma observação cuidadosa, pois cerca de
4,7% dos pacientes podem ter uma apresentação bifásica, na qual os sintomas
reaparecem entre 6 e 8 horas depois da apresentação inicial, mesmo na ausência do
agente causador.3
Além de manejar o tratamento agudo, o anestesiologista tem um papel fundamental
no diagnóstico da anafilaxia e posterior investigação do agente causador. A British
Society for Allergy & Clinical Immunology (BSACI) estabeleceu um protocolo com
ações a serem tomadas pelo anestesiologista nessa situação (FIGURA 1).17
15
Figura 1 – Papel do anestesiologista na investigação da anafilaxia
Adaptado de Ewan PW, Dugué P, Mirakian R et al. BSACI guidelines for the investigation of suspected
anaphylaxis during general anaesthesia.17
6 INVESTIGAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR
A causa de uma reação anafilática pode ser identificada com testes cutâneos, testes
in vitro e testes provocatórios realizados numa clínica especializada em alergia e
imunologia, preferencialmente com experiência em alergia medicamentosa.4,17 Sem
16
uma investigação rigorosa, alguns pacientes poderão ser taxados com uma alergia
inexistente e outros poderão ficar sob risco de reexposição a um alérgeno real.2 No
ato do encaminhamento, deve ser fornecida uma cópia da ficha de anestesia,
detalhando os medicamentos utilizados, a hora em que foram administrados, e os
sintomas apresentados pelo paciente.17 Além de investigar os fármacos que foram
administrados, é útil investigar outros bloqueadores neuromusculares e anestésicos
venosos de uso frequente para identificar opções seguras a serem utilizadas no
futuro.17 Idealmente os testes devem ser realizados entre 4 e 6 semanas após o
episódio, pois a degranulação intensa de mastócitos e basófilos pode levar a um
período refratário e testes falso negativos.19 No entanto, caso haja urgência em
determinar o agente causador, testes cutâneos precoces (até 4 dias do episódio)
podem ser realizados com uma taxa de sucesso de até 60% em identificar o agente,
porém sem excluir a necessidade do teste tardio.19
Testes cutâneos incluem o teste de puntura (skin prick test), feito no antebraço, e o
teste intradérmico, feito no dorso. Utiliza-se uma amostra diluída do fármaco a ser
testado. Devem ser feitos com um controle positivo (histamina) e um controle negativo
(solução salina).2 São os mais disponíveis para diagnóstico de alergia
medicamentosa, embora haja limitações pela falta de testes validados para vários
fármacos, além de dificuldade de interpretação.17 Têm um papel estabelecido no
diagnóstico de alergia à penicilina, também sendo úteis para bloqueadores
neuromusculares, barbitúricos e látex.2 Certos fármacos, como atracúrio, mivacúrio e
alguns opioides, causam liberação direta de histamina, podendo levar a um teste falso
positivo.17 Os testes devem ser realizados em clínica especializada, com material e
pessoal adequado para tratar uma reação anafilática.17
O principal teste in vitro realizado é o RAST (radioallergosorbent test), que detecta
anticorpos IgE específicos no soro. O alérgeno é incubado com o soro a ser estudado,
fazendo com que anticorpos específicos de todas as classes de imunoglobulina sejam
ligados; em seguida, as partículas são lavadas e uma segunda incubação é feita com
um anticorpo anti-IgE radiomarcado. A radioatividade detectada é diretamente
relacionada ao conteúdo de IgE antígeno-específico do soro original. Quando
realizado adequadamente tem boa correlação com testes cutâneos e testes
provocativos, com a vantagem de não expor o paciente ao antígeno.2
17
Para reações não mediadas por IgE, testes cutâneos e in vitro não são úteis, podendo
se chegar ao diagnóstico clínico por exclusão ou com testes provocatórios.17 Alguns
fármacos não têm reagentes disponíveis para testes cutâneos ou in vitro,
necessitando também de testes provocatórios.10 Doses diluídas, em concentrações
gradativamente maiores, são administradas num ambiente controlado, com pessoal
treinado e material para ressuscitação cardiopulmonar disponível.10
7 ALÉRGENOS ESPECÍFICOS DO PERÍODO PERIOPERATÓRIO
7.1 Bloqueadores neuromusculares
Os bloqueadores neuromusculares são a principal causa de anafilaxia durante
anestesia.2,8,13,14,20 Representam de 37% a 58% dos casos de anafilaxia
perioperatória, com variação geográfica considerável.2,8,13 Em uma análise de 2,022
casos de alergia a bloqueadores neuromusculares, 84 (4,1%) foram fatais, com
fatores de risco para maior mortalidade incluindo sexo masculino, cirurgia de
emergência, obesidade, uso de betabloqueadores, hipertensão e outras doenças
cardiovasculares.21 Os fármacos mais implicados parecem ser rocurônio (29,3%-56%
dos casos), succinilcolina (18,5%-33,4% dos casos) e atracúrio (9%-35,4% dos
casos).8,13,22 Um estudo mostrou uma incidência de anafilaxia de 1:2,080 para a
succinilcolina, 1:2,499 para o rocurônio e 1:22,451 para o atracúrio.23 Reação cruzada
entre os diferentes bloqueadores neuromusculares é comum.17 Em pacientes
alérgicos a rocurônio ou vecurônio, o cisatracúrio é o bloqueador neuromuscular com
menor taxa de reação cruzada.22
A incidência de anafilaxia a bloqueadores neuromusculares mostra uma variação
geográfica importante em pacientes sem exposição prévia a essa classe de fármacos,
sugerindo contribuição de fatores externos na fisiopatologia.2,24 Acredita-se que
epítopos de íons quaternários de amônio sejam o principal determinante alergênico
desses fármacos.24 Esses íons também são encontrados em medicamentos,
alimentos, cosméticos, desinfetantes e materiais industriais, podendo ocorrer
sensibilização com a exposição ambiental.2 A folcodina, um antitussígeno utilizado em
alguns países, tem um epítopo de íon quaternário de amônio e é altamente
imunogênica.25 Países com alto consumo desse medicamento mostram maiores taxas
de anafilaxia a bloqueadores neuromusculares, enquanto que em países onde seu
18
uso foi proibido se observou redução da incidência de anafilaxia a bloqueadores
neuromusculares.24,25 Também foi demonstrado maior sensibilização a bloqueadores
neuromusculares em cabeleireiros, provavelmente devido à exposição ocupacional a
produtos com íons quaternários de amônio.26 História prévia de hipersensibilidade a
antibióticos se mostrou um fator de risco para testes cutâneos positivos para
bloqueadores neuromusculares.27
Recentemente tem se considerado o sugamadex como um possível auxiliar no
tratamento da anafilaxia ao rocurônio, com relatos de uso com sucesso.28 Ao
encapsular a molécula do rocurônio, o sugamadex impediria a interação deste com
anticorpos IgE; no entanto, não se sabe se isso realmente ocorre, e se o sugamadex
é capaz de reduzir a liberação de mediadores por mastócitos e basófilos numa
anafilaxia já instalada.29 Uma análise recente de 13 casos onde o sugamadex foi
administrado na suspeita de anafilaxia por rocurônio não mostrou modificação do
curso clínico da hipersensibilidade.30 Além disso, o próprio sugamadex é capaz de
desencadear reações anafiláticas.31 Seu uso em casos de suspeita de anafilaxia ao
rocurônio ainda é incerto, devendo ser reservado para casos refratários a outras
medidas.29
7.2 Antibióticos
Antibióticos usados no período perioperatório são responsáveis por cerca de 15% das
reações anafiláticas.15 Fatores de risco para alergia a antibióticos incluem HIV positivo
e fibrose cística.32 As reações mais comuns a antibióticos são erupções maculo-
papulares, urticária e prurido, ocorrendo tipicamente dias após o início do tratamento
(período no qual ocorre a sensibilização); em exposições futuras, a reação pode
ocorrer mais rapidamente.32 Reações graves como a anafilaxia mediada por IgE são
menos frequentes.32
O grupo das penicilinas, que inclui antibióticos como oxacilina, ampicilina, amoxicilina
e piperacilina, é o mais implicado em reações alérgicas; a incidência de anafilaxia
induzida por penicilina é em torno de 1 a cada 5,000 a 10,000 casos.32 Um mesmo
fármaco pode ter múltiplos determinantes antigênicos e iniciar múltiplas respostas
imunológicas. Para as penicilinas, foram identificados um determinante antigênico
maior (grupo peniciloil, formado pela abertura do anel β-lactâmico) e vários
determinantes menores.32 Reações anafiláticas às penicilinas são mais
19
frequentemente causadas por anticorpos IgE direcionados contra determinantes
menores.2
As cefalosporinas de primeira geração são usadas com frequência para profilaxia em
procedimentos cirúrgicos.15 Anafilaxia às cefalosporinas é rara, com uma análise
mostrando cinco casos em 901,908 exposições orais e oito casos em 487,630
exposições parenterais.33 Assim como as penicilinas, as cefalosporinas possuem um
anel β-lactâmico em sua estrutura, levando a preocupação com reações cruzadas. A
taxa de reações cruzadas era classicamente considerada em torno de 10%, mas esse
dado é baseado em estudos retrospectivos numa época em que a alergia a penicilina
não era confirmada laboratorialmente32; dados recentes sugerem que a taxa de
reações cruzadas é em torno de 1%.34 Antibióticos frequentemente usados no lugar
das cefalosporinas em pacientes alérgicos a penicilina, como clindamicina e
ciprofloxacino, têm uma incidência de reações alérgicas maior do que as
cefalosporinas nesse grupo de pacientes.15 No entanto, em pacientes que
apresentaram reações alérgicas graves à penicilina, o uso de cefalosporinas não é
recomendado.32
Os carbapenêmicos são outra classe de antibióticos β-lactâmicos. Reação cruzada
entre penicilina e carbapenêmicos é rara. Em um estudo com 212 pacientes
comprovadamente alérgicos a penicilina, nenhum apresentou reação a testes
cutâneos e testes provocativos com imipenem, meropenem e ertapenem.35
A vancomicina tem efeitos adversos que podem mimetizar uma reação alérgica,
embora não sejam mediados imunologicamente; anafilaxia verdadeira à vancomicina
é rara. Hipotensão importante pode ocorrer após infusão rápida. Também pode
ocorrer a síndrome do homem vermelho, um eritema pruriginoso intenso do tronco
superior, braços e pescoço.2
Sulfonamidas são geralmente seguras, podendo ocasionalmente causar reações
alérgicas menores como rash cutâneo; reações graves são mais comuns em
pacientes HIV positivos.2 Reações cruzadas entre antibióticos e outros fármacos
contendo sulfonamida - como diuréticos, sulfoniluréias e celecoxib - parecem
improváveis, pois os antibióticos possuem grupos amina aromáticos não presentes
nos outros fármacos.32
20
7.3 Hipnóticos
Reações alérgicas aos hipnóticos comumente usados em anestesia, como tiopental,
propofol, midazolam, etomidato e cetamina, são raras.36 Os barbitúricos são os
fármacos mais implicados, sendo a incidência de reações de hipersensibilidade ao
tiopental estimada em 1:30,000.36 Não há relatos de reação de hipersensibilidade
mediada imunologicamente ao isoflurano, desflurano e sevoflurano.36 Reações
alérgicas ao propofol têm uma incidência estimada de 1:60,000 exposições.20
Frequentemente há preocupação sobre a administração de propofol em pacientes
alérgicos a ovo, soja ou amendoim devido à existência de componentes derivados
desses alimentos na emulsão do propofol, levando ao uso de fármacos alternativos.2
No entanto, tal prática não é baseada em evidências.37 Pacientes alérgicos a ovo
tipicamente reagem à albumina contida na clara, e não à lecitina da gema que está
presente na emulsão do propofol.2 O óleo de soja usado na emulsão é refinado,
processo no qual as proteínas alergênicas são removidas; quanto ao amendoim, a
taxa de reação cruzada com a soja é baixa.37 Estudos recentes não encontraram
ligação entre alergia a propofol e alergia a ovo, soja ou amendoim.37-39
7.4 Opioides
Opioides tipicamente causam liberação de histamina por mastócitos não mediada
imunologicamente. A maioria das reações são autolimitadas e restritas a urticária e
prurido; ocasionalmente pode haver hipotensão leve tratável com reposição
volêmica.2 Anafilaxia verdadeira a opioides é rara; são responsáveis por menos de 2%
dos casos de anafilaxia perioperatória, sendo fentanil e morfina os agentes mais
frequentemente implicados.8,13
7.5 Anestésicos locais
Reações alérgicas a anestésicos locais são excessivamente raras2, representando de
0,33% a 1,7% dos casos de reação anafilática perioperatória.8,13 A maioria das
reações adversas a anestésicos locais são devido a outras causas, como toxicidade
sistêmica, reações vasovagais, estimulação simpática endógena, efeitos colaterais da
epinefrina e respostas psicomotoras como hiperventilação e pânico.2,40 Em uma
análise de 2,978 casos suspeitos de alergia a anestésico local, apenas 29 casos
(0,97%) de reação mediada por IgE foram confirmados; 75% destes foram devido a
21
anestésicos locais do tipo amida, provavelmente refletindo seu uso preferencial na
prática anestésica.40
Tradicionalmente considera-se que os anestésicos locais do tipo éster apresentam
reações alérgicas com mais frequência do que os do tipo amida.40 Anestésicos locais
do tipo éster são metabolizados para ácido para-aminobenzóico (PABA), uma
substância encontrada com frequência em cosméticos, loções, e filtros solares,
podendo ocorrer reação cruzada.2 O metilparabeno, um agente preservativo usado
tanto nos anestésicos locais do tipo amida quanto do tipo éster, também é
metabolizado para PABA, e pode ser a causa de boa parte das reações alérgicas a
anestésicos locais.40
7.6 Látex
O látex é um produto encontrado em muitos itens de uso corriqueiro e em materiais
médicos. A taxa de sensibilização ao látex tem aumentado desde o seu
reconhecimento em 1979, com o uso mais frequente de luvas para proteção individual
de profissionais da saúde.41 Isso tem mudado de forma significativa a epidemiologia
da anafilaxia perioperatória, sendo o látex atualmente uma das principais causas.2 Ao
contrário do que ocorre com agentes intravenosos, as reações ao látex geralmente
têm um início insidioso, pois o alérgeno precisa ser absorvido pelo peritônio e outras
mucosas.17 O látex deve ser sempre considerado no diagnóstico diferencial da
anafilaxia perioperatória.41
As reações são causadas pelas proteínas presentes no látex, que existem em
quantidade variável nos produtos. Há uma diferença da ordem de 3000 vezes entre a
quantidade de proteínas presentes em luvas de diferentes fabricantes. O talco usado
nas luvas pode carrear o látex, tornando-se um aeroalérgeno.41
A sensibilização ao látex é definida como a presença de anticorpos IgE contra o látex,
mas sem manifestações clínicas. A sensibilização ao látex nem sempre leva a alergia
ao látex, mesmo se houver contato continuado com o produto. Alergia ao látex se
refere a qualquer reação ao látex mediada imunologicamente e associada a sintomas
clínicos.41
Reações ao látex incluem dermatite de contato irritativa, que é a mais comum e
geralmente é benigna; dermatite de contato alérgica, ou reação de hipersensibilidade
22
Tipo IV, que resulta da sensibilização de células T; e reação de hipersensibilidade
Tipo I mediada por IgE, que é a mais grave.41
Grupos de risco para alergia ao látex incluem profissionais da saúde, outros
profissionais com exposição ocupacional ao látex, pacientes com mielomeningocele,
e pacientes atópicos.41 Anestesiologistas têm uma prevalência de 12,5% para
sensibilização ao látex e de 2,4% para alergia ao látex.42 Pacientes que sofreram
reações sistêmicas graves frequentemente têm história de atopia ou urticária e
angioedema ao contato com borracha.2 Há relatos de reação cruzada entre o látex e
algumas frutas, como kiwi, banana, abacate, manga, pêssego e morango.41
No cuidado de um paciente com alergia a látex, várias precauções devem ser
tomadas. Deve-se coordenar as equipes cirúrgica, anestésica e de enfermagem, para
que todos estejam cientes da situação. Materiais contendo látex devem ser evitados
e retirados da sala; deve-se ter uma lista com os materiais alternativos livres de látex
disponíveis. Muitos materiais usados com frequência podem conter látex, como
cateteres vesicais, luvas, garrotes, êmbolos de seringa, equipos intravenosos,
injetores laterais, frascos de medicamentos, curativos, bandagens elásticas, drenos,
fitas vasculares, eletrodos de eletrocardiograma, cateteres de artéria pulmonar,
máscaras faciais, balões, foles, circuitos de ventilação, manguitos de pressão arterial,
entre outros.41 Caso não haja identificação adequada na embalagem, pode ser difícil
identificar quais materiais contêm látex.41 É preferível que o caso seja a primeira
cirurgia do dia, para minimizar a contaminação com aeroalérgenos. Deve haver um
alerta de alergia ao látex colocado na porta da sala. No pós-operatório, alertas de
alergia ao látex devem estar presentes no leito e no prontuário do paciente. É
recomendado que se utilize um ambiente intraoperatório livre de látex em crianças
com defeitos urológicos congênitos e mielomeningocele desde o nascimento, para
evitar sensibilização futura ao látex.2
7.7 Outros agentes
A clorexidina é uma causa emergente de anafilaxia perioperatória, podendo ser
responsável por até 5%-8,7% dos casos.13,14 O início da reação pode ser lento após
contato com pele e mucosas, mas imediato após exposição intravascular – durante a
punção de um acesso venoso central, por exemplo.17 Por estar presente em diversos
produtos de consumo como antissépticos bucais e pastas de dente, não é raro ocorrer
23
sensibilização à clorexidina. No entanto, reações alérgicas à clorexidina em
profissionais da saúde com exposição ocupacional diária é extremamente rara.2 A
iodopovidona pode causar irritação local ou dermatite alérgica de contato, mas
reações anafiláticas são raras.2
Meios de contraste radiológico podem desencadear reações anafiláticas por ativação
do complemento e ativação não imunológica de mastócitos. O risco é maior com
contrastes iônicos e hiperosmolares. O pré-tratamento com prednisona, difenidramina
e efedrina reduz bastante o risco dessa complicação, o que não ocorre com reações
alérgicas causadas por outros agentes.2
A dipirona, um analgésico largamente utilizado em vários países, tem uma incidência
de reações anafiláticas estimada em 1:3,159.7 O paracetamol, um analgésico e
antipirético utilizado com frequência, raramente é causa de reações anafiláticas;
reações descritas à sua formulação intravenosa foram posteriormente identificadas
como reações ao excipiente manitol.43
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O anestesiologista deve estar preparado para reconhecer e tratar a anafilaxia. No
período perioperatório ocorre exposição a vários alérgenos em potencial, e o
diagnóstico da anafilaxia geralmente é mais difícil. Interrupção da exposição ao agente
suspeito e administração precoce de epinefrina são pedras fundamentais do
tratamento. Estratégias imunoterápicas específicas estão sendo desenvolvidas para
diversos antígenos, mas a melhor estratégia ainda é evitar exposição ao alérgeno. A
investigação por um especialista em alergia e imunologia é importante para identificar
o agente causador.2,10
24
REFERÊNCIAS
1. Fleisher LA, Mythen M. Anesthetic implications of concurrent diseases, In: Miller
RD, Cohen NH, Eriksson LI et al. Miller’s Anesthesia. 8a ed. Philadelphia,
Elsevier Saunders, 2015;1156-1225.
2. Holzman RS. Anaphylactic reactions in anesthesia, In: Longnecker DE, Brown
DL, Newman MF et al. Anesthesiology. 2a ed. New York, McGraw Hill Medical,
2012;1478-1490.
3. Simons FER, Ebisawa M, Sanchez-Borges M et al. 2015 update of the evidence
base: World Allergy Organization anaphylaxis guidelines. World Allergy Organ
J, 2015:8;32.
4. Sheldon J, Philips B. Laboratory investigation of anaphylaxis: not as easy as it
seems. Anaesthesia, 2015:70;1-5.
5. Barnes PJ. Pathophysiology of allergic inflammation. Immunol Rev,
2011:242;31-50.
6. Saager L, Turan A, Egan C et al. Incidence of intraoperative hypersensitivity
reactions: a registry analysis. Anesthesiology, 2015:122;551-559.
7. Berroa F, Lafuente A, Javaloyes G et al. The incidence of perioperative
hypersensitivity reactions: a single-center, prospective, cohort study. Anesth
Analg, 2015:121;117-123.
8. Mertes PM, Alla F, Tréchot P et al. Anaphylaxis during anesthesia in France: an
8-year national survey. J Allergy Clin Immunol, 2011:128;366-373.
9. Gibbs NM, Sadleir PHM, Clarke RC et al. Survival from perioperative
anaphylaxis in Western Australia 2000–2009. Br J Anaesth, 2013:111;589-593.
10. Simons FER, Ardusso LRF, Bilò MB et al. World Allergy Organization guidelines
for the assessment and management of anaphylaxis. World Allergy Organ J,
2011:4;13-37.
11. Mirone C, Preziosi D, Mascheri A et al. Identification of risk factors of severe
hypersensitivity reactions in general anaesthesia. Clin Mol Allergy, 2015:13;11.
12. Nassiri M, Babina M, Dölle S et al. Ramipril and metoprolol intake aggravate
human and murine anaphylaxis: evidence for direct mast cell priming. J Allergy
Clin Immunol, 2015:135;491-499.
13. Low AE, McEwan JC, Karanam S et al. Anaesthesia-associated hypersensitivity
reactions: seven years' data from a British bi-specialty clinic. Anaesthesia,
2016:71;76-84.
25
14. Krishna MT, York M, Chin T et al. Multi-centre retrospective analysis of
anaphylaxis during general anaesthesia in the United Kingdom: aetiology and
diagnostic performance of acute serum tryptase. Clin Exp Immunol,
2014:178;399-404.
15. Beltran RJ, Kako H, Chovanec T et al. Penicillin allergy and surgical prophylaxis:
cephalosporin cross-reactivity risk in a pediatric tertiary care center. J Pediatr
Surg, 2015:50;856-859.
16. Simons FER, Ardusso LRF, Bilò MB et al. 2012 update: World Allergy
Organization Guidelines for the assessment and management of anaphylaxis.
Curr Opin Allergy Clin Immunol, 2012:12;389-399.
17. Ewan PW, Dugué P, Mirakian R et al. BSACI guidelines for the investigation of
suspected anaphylaxis during general anaesthesia. Clin Exp Allergy,
2010:40;15-31.
18. Laroche D, Gomis P, Gallimidi E et al. Diagnostic value of histamine and
tryptase concentrations in severe anaphylaxis with shock or cardiac arrest
during anesthesia. Anesthesiology, 2014:121;272-279.
19. Lafuente A, Javaloyes G, Berroa F et al. Early skin testing is effective for
diagnosis of hypersensitivity reactions occurring during anestesia. Allergy,
2013:68;820-822.
20. Hepner DL, Castells MC. Anaphylaxis during the perioperative period. Anesth
Analg, 2003:97;1381-1395.
21. Reitter M, Petitpain N, Latarche C et al. Fatal anaphylaxis with neuromuscular
blocking agents: a risk factor and management analysis. Allergy, 2014:69;954-
959.
22. Sadleir PHM, Clarke RC, Bunning RC et al. Anaphylaxis to neuromuscular
blocking drugs: incidence and cross-reactivity in Western Australia from 2002
to 2011. Br J Anaesth, 2013:110;981-987.
23. Reddy JI, Cooke PJ, van Schalkwyk JM et al. Anaphylaxis is more common with
rocuronium and succinylcholine than with atracurium. Anesthesiology,
2015:122;39-45.
24. Brusch AM, Clarke RC, Platt PR et al. Exploring the link between pholcodine
exposure and neuromuscular blocking agent anaphylaxis. Br J Clin Pharmacol,
2014:78;14-23.
26
25. Katelaris CH, Kurosawa M, Moon HB et al. Pholcodine consumption and
immunoglobulin E-sensitization in atopics from Australia, Korea, and Japan.
Asia Pac Allergy, 2014:4;86-90.
26. Dong S, Acouetey DS, Guéant-Rodriguez RM et al. Prevalence of IgE against
neuromuscular blocking agents in hairdressers and bakers. Clin Exp Allergy,
2013:43;1256-1262.
27. Hagau N, Gherman N, Cocis M et al. Antibiotic-induced immediate type
hypersensitivity is a risk factor for positive allergy skin tests for neuromuscular
blocking agents. Allergol Int, 2016:65;52-55.
28. Conte B, Zoric L, Bonada G et al. Reversal of a rocuronium-induced grade IV
anaphylaxis via early injection of a large dose of sugammadex. Can J Anaesth,
2014:61;558-562.
29. Takazawa T, Mitsuhata H, Mertes PM. Sugammadex and rocuronium-induced
anaphylaxis. J Anesth, 2015:30;1-8.
30. Platt PR, Clarke RC, Johnson GH et al. Efficacy of sugammadex in rocuronium-
induced or antibiotic-induced anaphylaxis: a case-control study. Anaesthesia,
2015:70;1264-1267.
31. Tsur A, Kalansky A. Hypersensitivity associated with sugammadex
administration: a systematic review. Anaesthesia, 2014:69;1251-1257.
32. Gruchalla RS, Pirmohamed M. Antibiotic allergy. N Engl J Med, 2006:354;601-
609.
33. Macy E, Contreras R. Adverse reactions associated with oral and parenteral
use of cephalosporins: a retrospective population-based analysis. J Allergy Clin
Immunol, 2015:135;745-752.
34. Campagna JD, Bond MC, Schabelman E et al. The use of cephalosporins in
penicillin-allergic patients: a literature review. J Emerg Med, 2012:42;612-620.
35. Gaeta F, Valluzzi RL, Alonzi C et al. Tolerability of aztreonam and carbapenems
in patients with IgE-mediated hypersensitivity to penicillins. J Allergy Clin
Immunol, 2015:135;972-976.
36. Mertes PM, Tajima K, Regnier-Kimmoun MA et al. Perioperative anaphylaxis.
Med Clin North Am, 2010:94;761-789.
37. Asserhøj LL, Mosbech H, Krøigaard M et al. No evidence for contraindications
to the use of propofol in adults allergic to egg, soy or peanut. Br J Anaesth,
2016:116;77-82.
27
38. Molina-Infante J, Arias A, Vara-Brenes D et al. Propofol administration is safe
in adult eosinophilic esophagitis patients sensitized to egg, soy, or peanut.
Allergy, 2014:69;388-394.
39. Murphy A, Campbell DE, Baines D et al. Allergic reactions to propofol in egg-
allergic children. Anesth Analg, 2014:113;140-144.
40. Bhole MV, Manson AL, Seneviratne SL et al. IgE-mediated allergy to local
anaesthetics: separating fact from perception: a UK perspective. Br J Anaesth,
2012:108;903-911.
41. Hepner DL, Castells MC. Latex allergy: an update. Anesth Analg,
2003:96;1219-1229.
42. Brown RH, Schauble JF, Hamilton RG. Prevalence of latex allergy among
anesthesiologists: identification of sensitized but asymptomatic individuals.
Anesthesiology, 1998:89;292-299.
43. Jain SS, Green S, Rose M. Anaphylaxis following intravenous paracetamol: the
problem is the solution. Anaesth Intensive Care, 2015:43;779-781.
top related