colóquio de história medieval leme-ufmg - anais (2012-2013).pdf
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
LABORATRIO DE ESTUDOS MEDIEVAIS
COLQUIO DE HISTRIA MEDIEVAL LEME/UFMG
Anais do colquio realizado entre os dias 8 e
11 de outubro de 2012, na Faculdade de
Filosofia e Cincias Humanas da Universidade
Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte
2013
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C718a Coloquio de Histria Medieval Anais do colquio realizado entre os dias 8 e 11 de outubro de 2012 [recurso eletrnico] / Laboratrio de Estudos Medievais/UFMG.- Belo Horizonte :LEME/UFMG, 2013. Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-62707-43-8.
1. Histria Medieval . 2. Idade Mdia. 3.Cultura I. Laboratrio de Estudos Medievais. II. Universidade Federal de Minas Gerais. III.Ttulo.
CDD:940.1
CDU:930.9(08)
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1
FICHA TCNICA
Reitor da UFMG
Prof. Dr. Cllio Campolina Diniz
Diretor da FAFICH
Prof. Dr. Jorge Alexandre Barbosa Neves
Chefe do Departamento de Histria
Prof. Dr. Cristina Campolina
Coordenador de Curso de Ps-
Graduao em Histria
Prof. Dr. Jos Newton Coelho Meneses
Comisso organizadora do colquio
Coordenao
Dr. Andr Lus Pereira Miatello
Monitores
Alssio Alonso Alves
Felipe Augusto Ribeiro
Francisco de Paula Souza Mendona Jr.
Letcia Dias Schirm
Olga Pisnitchenko
Stella Ferreira Gontijo
Comisso editorial dos anais
Avaliao cientfica
Dr. Andr Lus Pereira Miatello
Editorao e montagem
Alssio Alonso Alves
Felipe Augusto Ribeiro
Capa:
Ludmila Andrade Renn
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2
AGRADECIMENTOS
O Laboratrio de Estudos Medievais ncleo UFMG agrade imensamente a todos
aqueles que contriburam para que o nosso Colquio se realizasse e fosse coroado com mais esta
coletnea das mais recentes produes de estudantes e professores de Histria Medieval de todo o
Brasil.
Primeiramente, agradecemos ao Departamento de Histria e ao Programa de Ps-
Graduao em Histria da Universidade Federal de Minas Gerais nas pessoas da Prof. Dr.
Cristina Campolina de S e do Prof. Dr. Jos Newton Coelho de Meneses, chefe do departamento
e coordenador do programa, respectivamente , por todo o suporte na concretizao de nossa
iniciativa.
Em segundo lugar, agradecemos a todos aqueles que participaram de nosso evento,
sobretudo queles que nos agraciaram com as comunicaes de seus trabalhos. Nos sentimos
orgulhosos tambm pela presena do pblico ouvinte, que prestigiou atento os quatro dias de
nosso evento.
Meno especial fazemos a todos os autores presentes neste volume, pela disponibilidade
em divulgar o seu trabalho e torna-los o rico fruto de nosso Colquio.
Finalmente, agradecemos a toda a equipe da biblioteca da Faculdade de Filosofia e
Cincias Humanas da UFMG, pela catalogao e registro destes anais, bem como a toda a equipe
de promoo do evento: Francisco de Paula Souza Mendona Jr., Letcia Dias Schirm, Olga
Pisnitchenko, Stella Ferreira Gontijo e Ludmila Andrade Renn.
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3
SUMRIO
Caderno de resumos ........................................................................................................................ 6
Apresentao
Prof. Andr Lus Pereira Miatello ................................................................................................ 20
CONFERNCIA: Sobre o fundamento voluntarista da poltica em Agostinho
Prof. Luiz Marcos da Silva Filho .............................................................................................. 23
Um capitel sem coluna: a ruptura entre monges e intelectuais medievais luz das
construes historiogrficas e testemunhos de poca (sculos XI e XII)
Carlile Lanzieri Junior .............................................................................................................. 29
O dzimo nos sculos XII e XIII: uma abordagem de direito cannico
Carolina Gual Silva ...................................................................................................................... 43
Nuntius, Legatus, Procurator et Ambaxiator: o vocabulrio das embaixadas na Cronica de
Salimbene de Adam e nos estatutos comunais de Piacenza, Verona e Milo
Edward Dettmam Loss ................................................................................................................. 52
Sobre a tirania e o tiranicdio na obra de Coluccio Salutati: apontamentos
Letcia Dias Schirm ...................................................................................................................... 63
O episcopado monrquico na sia Menor entre os sculos I e II d.C.: um debate
Pedro Lus de Toledo Piza ............................................................................................................ 73
Contra as Heresias de Irineu de Lyon: a formao da ortodoxia crist atravs da refutao
da doutrina gnstica
Lays Silva Stanziani ..................................................................................................................... 84
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4
O testamento de Cesrio de Arles: as transmisses de bens entre os bispos no perodo
merovngio (sculos VI-VII)
Karen Torres da Rosa ................................................................................................................. . 91
A Idade Mdia nos livros didticos
Marcelo da Silva Murilo ............................................................................................................. 111
Diego Gelmrez e a poltica de fortalecimento da S de Compostela
Jordano Viose ........................................................................................................................... 128
Intermediadores do sagrado
Felipe Augusto de Bernardi Silveira .......................................................................................... 137
Noes de Governo na Guerra das Rosas: Sir John Fortescue e o Parlamento
Wesley Corra ............................................................................................................................ 148
A autoridade do bispo na Glia Romana do sculo V
Felipe Alberto Dantas ................................................................................................................. 161
Reconquista? Restaurao? Reflexes historiogrficas sobre a Guerra Gtica, de Procpio
de Cesareia (sculo VI)
Renato Viana Boy ....................................................................................................................... 170
A teologia poltica do Imprio Cristo e a legitimao imperial de Constantino: reflexes
acerca do Louvor a Constantino de Eusbio de Cesaria
Robson Murilo Grando Della Torre ........................................................................................... 182
De cavaleiros a cavalheiros: a consolidao do Estado Absolutista e seu impacto sobre a
aristocracia guerreira feudal, sob a tica dos contos de cavalaria
Carolina Minardi de Carvalho .................................................................................................... 200
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5
O Juramento de Estrasburgo: O Primeiro Texto em Lngua Romnica (sculo IX)
Henrique Martins de Morais ....... 210
O Parlamento na Irlanda e as Relaes Anglo-Irlandesas (Sculos XIII-XV)
Vincius Marino Carvalho ...... 219
Humanitas e Divinatae: a dimenso poltica do riso em Franois Rabelais
Thiago Lara Rodrigues Pereira ... 229
Agobardo de Lyon e os escritos sobre os juzos de Deus (sculo IX)
Marcelo Moreira Ferrasin ... 250
Da Reforma Gregoriana revoluo que no sabia de si: para uma crtica arendtiana ao
conceito de Revoluo Papal
Philippe Oliveira de Almeida ..................................................... 265
Os cnones conciliares merovngios (sculos VI e VII): codificao, transmisso e recepo
Thiago Juarez Ribeiro da Silva ................................................... 282
Os francos e os romanos nas atas dos conclios merovngios dos sculos VI e VII
Vernica da Costa Silveira .......................................................... 289
Mediao poltica e construo de redes sociais a partir do caso da Condessa Matilda de
Canossa (sculos XI-XII)
Bruna Giovana Bengozi .............................................................. 303
Affectus: o movimento de amor rgio em Gilberto de Tournai (sculo XIII)
Wanderson Henrique Pereira ...................................................... 313
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6
CADERNO DE RESUMOS
SOBRE O FUNDAMENTO VOLUNTARISTA DA POLTICA EM AGOSTINHO
Luiz Marcos da Silva Filho
Trata-se de elucidar que logo no prlogo da obra De ciuitate dei, Agostinho apresenta concepo
de poltica e de histria com fundamento voluntarista, que, no decorrer da obra, revela-se em
contraposio concepo naturalista e intelectualista de Ccero, em sua obra De re publica. Para
tanto, investigaremos de que modo o autor estrema poltica e moral a partir da discusso em torno
da definio de populus, bem como por que o exame da libido ocasio para a fundamentao da
coero, na medida em que se trata de figura da vontade que expressa de maneira exemplar o
divrcio entre querer e poder.
PALAVRAS-CHAVE: Poltica. Moral. Vontade.
UM CAPITEL SEM COLUNA: A RUPTURA ENTRE MONGES E INTELECTUAIS
MEDIEVAIS LUZ DAS CONSTRUES HISTORIOGRFICAS E TESTEMUNHOS DE
POCA (SCULOS XI E XII)
Carlile Lanzieri Jnior
O ensaio analisa como a historiografia da segunda metade do sculo XX descreveu o papel do
monaquismo para formao intelectual da Europa medieval. Pelas obras analisadas e
confrontadas s fontes primrias dos sculos XI e XII, percebemos que existiu uma forte
tendncia historiogrfica em diminuir (ou mesmo negligenciar) as contribuies monsticas em
favor dos mestres intelectuais ligados ao meio urbano e s futuras universidades. O fator
econmico foi apresentado como principal elemento que pavimentou os caminhos do saber e do
ensino que surgiram a partir do sculo XII. Ao longo do perodo abordado, percebemos que as
diversas trocas entre ambientes e personagens dedicados formao discente demonstram mais
contribuies e permanncias que rupturas.
PALAVRAS-CHAVE: Historiografia. Intelectuais. Monaquismo.
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O DZIMO NOS SCULOS XII E XIII: UMA ABORDAGEM DE DIREITO CANNICO
Carolina Gual da Silva
Apesar da grande extenso e longevidade da instituio do dzimo no Ocidente medieval, os
estudos gerais e aprofundados sobre o assunto ainda so pequenos em nmero. As grandes obras
de referncia continuam sendo os dois volumes escritos por Paul Viard entre 1909 e 1912. Nos
ltimos cinco anos, no entanto, um esforo vem sido feito por um grupo de historiadores para
compreender melhor os processos envolvidos no pagamento, cobrana e utilizao desse tipo de
imposto, aparentemente bem estabelecido a partir da poca carolngia e abolido na Frana, por
exemplo, apenas com a Revoluo de 1789. Novas coletneas tm trazido abordagens diferentes
para os problemas histricos que esse tema complicado nos traz. O presente trabalho pretende
fazer um balano da historiografia mais recente sobre o tema alm de propor alguns elementos
para a anlise do dzimo a partir do direito cannico, com particular ateno s decretais de
Alexandre III presentes no ttulo XXX do livro III do Liber Extra e aos comentadores dessas
decretais, particularmente Hostiensis. O objetivo entender quais eram algumas das principais
discusses levantadas no campo do direito cannico a partir dos casos apresentados e s solues
propostas pelo papado.
PALAVRAS-CHAVE: Dzimo. Direito cannico. Decretais.
NUNTIUS, LEGATUS, PROCURATOR ET AMBAXATOR: O VOCABULRIO DAS
EMBAIXADAS NA CRONICA DE SALIMBENE DE ADAM E NOS ESTATUTOS
COMUNAIS DE PIACENZA, VERONA E MILO
Edward Dettmam Loss
O presente trabalho tem por objetivo explorar as menes dos diferentes tipos de envios e
embaixadas realizadas no sculo XII e XIII feitas pelo franciscano Salimbene de Adam em sua
obra Cronica. Acreditamos que a escolha dos termos utilizados pelo autor no seja to aleatria
quanto o carter catico de sua obra leva a crer e nem que se trate de uma mera alternncia entre
vocbulos de mesmo significado. Nossa hiptese que a sua opo terminolgica estabelecia
uma relao com as questes polticas nas quais as comunas do norte da Itlia estavam inseridas
no momento, algo que buscaremos demonstrar atravs da comparao dessas menes com a
legislao estatutria das cidades de Piacenza, Verona e Milo, produzidas em contexto
semelhante ao trabalho de Salimbene de Adam.
PALAVRAS CHAVES: Embaixadas. Salimbene de Adam. Estatutos.
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SOBRE A TIRANIA E O TIRANICDIO NA OBRA DE COLUCCIO SALUTATI:
APONTAMENTOS
Letcia Dias Schirm
A tirania foi um dos temas recorrentes nos estudos produzidos desde a antiguidade grega. No
sculo XIV, homens de saber como o chanceler florentino Coluccio Salutati, tambm se
dedicaram ao assunto. Para alm de sua obra intitulada De Tyranno, de 1400, que prope uma
abordagem que considera a produo literria escrita sobre a tirania e o tiranicdio, Salutati
tambm escreveu uma srie de missivas sobre a mesma questo, entre 1375 e 1378, nas quais
expe suas teorias sobre o estado tirnico e as bases da vida civil. O objetivo da presente
comunicao realizar uma anlise, ainda que breve, da teorizao construda pelo chanceler,
especialmente em seu tratado, a fim de relacion-lo ao momento histrico no qual foi produzido.
A proposta tentar compreender quem seria esse tirano apresentado pelo literato e qual o
posicionamento do chanceler em relao ao tiranicdio, tema que no foi to explorado durante os
sculos anteriores.
PALAVRAS-CHAVE: Tirania. Coluccio Salutati. Tiranicdio.
O EPISCOPADO MONRQUICO NA SIA MENOR ENTRE OS SCULOS I E II D.C.: UM
DEBATE
Pedro Lus de Toledo Piza
Esta comunicao pretende discutir o surgimento do episcopado de tipo monrquico nas Igrejas
crists na virada do sculo I para o sculo II d.C., tendo por foco a sia Menor, umas das regies
mais prolficas em documentao relativa ao cristianismo neste perodo. A discusso ter por
base e principal objeto de anlise obras de especialistas na rea de Histria do cristianismo
primitivo, obras estas que, embora abordem o tema das transformaes no apascentamento das
comunidades no perodo referido, pouco se aprofundam na questo.
PALAVRAS-CHAVE: Episcopado Monrquico. sia Menor. Igrejas.
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CONTRA AS HERESIAS, DE IRINEU DE LYON: A FORMAO DA ORTODOXIA CRIST
ATRAVS DA REFUTAO DA DOUTRINA GNSTICA
Lays Silva Stanziani
Na presente comunicao pretendemos analisar a construo da ortodoxia crist no sculo II d.C.
Iremos nos focar na obra de Irineu de Lyon Contra as heresias: denncia e refutao da falsa
gnose. Suas implicaes e a repercusso da obra no desenvolvimento dessa ortodoxia sero
importantes para a presente comunicao. Tambm iremos apresentar os meios pelos quais o
bispo lidou com a doutrina gnstica, sendo esses os pontos principais para a sua anlise do que
seria uma doutrina verdadeiramente crist. Irineu foi bispo da Diocese de Lyon, sendo assim,
possua papel importante na comunidade da qual participava.
PALAVRA-CHAVE: Irineu de Lyon. Ortodoxia Crist. Controvrsia Doutrinria.
O TESTAMENTO DE CESRIO DE ARLES E AS TRANSMISSES DE BENS EPISCOPAIS
NO PERODO MEROVNGIO (SCULOS VI-VII)
Karen Torres da Rosa
Devido ao aumento do interesse da historiografia a partir da segunda metade do sculo XX
questes que envolviam bens na Idade Mdia, h, consequentemente, um maior interesse pelos
testamentos merovngios. Esta apresentao ter por objetivo discutir como os testamentos, em
especial os episcopais, eram utilizados para essas transmisses de bens para notar, assim, quais
eram as relaes do bispo com esses bens. Para isso, ser analisado o testamento do bispo Cesrio
de Arles, de meados do sculo VII. Neste podemos notar certa ambiguidade nas relaes do
testador com os bens discriminados no documento, uma vez que no so explicitadas essas
relaes ou mesmo se esses bens pertenciam ao bispo ou Igreja. Sendo esta anlise a base desta
apresentao, procuraremos desenvolver reflexes sobre as prticas hereditrias encontradas no
perodo e como as sucesses hereditrias eram desenvolvidas na documentao. Entretanto, uma
vez que os conclios merovngios influenciam a atuao do bispo, ser necessrio, em paralelo,
dialogar com os cnones de tais conclios procurando identificar qual a relao do bispo Cesrio
de Arles com os bens e de que maneira ele os transmite. Verificamos que os conclios
merovngios so fundamentais na elaborao deste testamento episcopal, pois h a presena das
ideias de seus cnones na redao deste. Espera-se, assim, notar como o bispo Cesrio zela pelos
bens eclesisticos sem perder de vista as suas ltimas vontades na escolha de um sucessor
hereditrio. Essas duas preocupaes, presentes nos cnones conciliares e no testamento,
apresentam um conflito por aqueles bens que o testador procura resolver.
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PALAVRAS-CHAVE: Cesrio de Arles. Testamentos. Cnones Conciliares.
A IDADE MDIA NOS LIVROS DIDTICOS
Marcelo da Silva Murilo
Se nas universidades, estudantes, professores e pesquisadores dedicam-se a leitura de obras
acadmicas de relevncia terica e metodolgica para fins de seus estudos, nas escolas o livro
didtico que cumpre esse papel, o de subsidiar estudantes na formao do conhecimento crtico.
O trabalho pretende expor alguns elementos que integram o projeto de pesquisa em curso e onde
me ocupo em discutir as relaes que poderiam existir entre aquilo que os autores escolares
apresentam como modelo explicativo para o que denominam de grande crise do sculo XIV e as interpretaes historiogrficas, dedicadas ao estudo do perodo. Na proposta, situamos o livro
didtico como documento. O manuseio das fontes ser restrito s obras utilizadas no ensino
mdio. O livro didtico e tem sido por muito tempo um dos poucos mecanismos de insero dos
estudos medievais na escola. Mas ainda preciso problematizar e relativizar a sua produo, pois
no se sabe em que medida, as conquistas mais recentes, anunciadas pela historiografia tem, de
fato, reverberado na formao de crianas e jovens. Este estudo apenas o ponto de partida para
reviso e discusso do lugar do ensino da Idade Mdia na educao bsica e da necessidade de
atualizao da produo terica da escrita escolar da histria.
PALAVRAS-CHAVE: Idade Mdia. Livro Didtico. Crise do sculo XIV.
DIEGO GELMREZ E A POLTICA DE FORTALECIMENTO DA S DE COMPOSTELA
Jordano Viose
Neste estudo apresentamos um dos temas abordados na pesquisa O sagrado como instrumento de
poder na Historia Compostelana. Trata-se de um projeto de Iniciao Cientfica, desenvolvido
com bolsa da FAPEMIG na Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG, sob a orientao do
professor Dr. Adailson Jos Rui. A Historia Compostelana foi elaborada no sculo XII e possui
por objetivo central relatar os feitos de dom Diego Gelmrez (1101-1140) em benefcio da Igreja
de Santiago de Compostela. Dentre as informaes presentes nesta obra, apresentamos um estudo
referente narrativa que nos informa sobre o roubo de relquias da S de Braga realizado por
Gelmrez, no ano 1102. Esse relato nos oferece pistas para adentrarmos no contexto poltico de
rivalidades e interesses nos quais estavam envolvidas as Ss de Braga e Compostela. Por meio de
tal relato podemos tambm compreender a importncia que as relquias possuam naquele
momento. Para o que furtou, engrandecimento do seu poder e para o lesado, o enfraquecimento.
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A descrio do furto das relquias nos permite vislumbrar a importncia concedida pelos cristos
ibricos aos santos e as relquias no incio do sculo XII.
PALAVRAS CHAVE: Diego Gelmrez. Compostela. Relquias.
INTERMEDIADORES DO SAGRADO
Felipe Augusto de Bernardi Silveira
Este ensaio uma breve anlise da apropriao das imagens sacras como elementos condutores
ao sagrado na cultura popular. Pinturas, esculturas, emblemas e estampas tiveram sua funo
primeira como lgos da evangelizao dos povos. No entanto, as mltiplas apropriaes
acabaram por levar interpretao das formas mais independentes e ao desajuste do programa
institucional. As solues conciliares e as duras crticas conduzidas por membros da Igreja, como
Cludio de Turim, colorem todo o processo, indicando a transio de um universo imagtico em
busca de purificao, o que s seria possvel por meio da correta interpretao dos dogmas e da sagrada escritura.
PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Sagrado. Igreja Catlica.
NOES DE GOVERNO NA GUERRA DAS ROSAS: SIR JOHN FORTESCUE E O
PARLAMENTO (C. 1461- 1478)
Wesley Corra
O objetivo deste texto apresentar os resultados mais relevantes de nosso trabalho monogrfico
de concluso de curso finalizado em 2011 e originado de um estudo de iniciao cientfica no
qual investigamos a noo de governo polissmica presente no texto The Governance of England
de Sir John Fortescue (c. 1396 c. 1476) oferecido ao rei Eduardo IV (rei de 1461-1470 e de 1471-1483) por volta de 1471 como parte de sua reconciliao com a Coroa. Em seguida tratou-
se de verificar em que medida a noo de governo de Fortescue era praticada no Parlamento
ingls, em que medida seu texto apenas um artifcio materializado em tratado poltico e como
ele possivelmente foi apropriado por Eduardo IV. Para tanto analisamos a frequncia e a variao
de noes-chave no texto de Fortescue que nos permitiu articular com os processos vigentes, com
a cultura poltica inglesa desse perodo, com as prticas parlamentares e com o debate
historiogrfico. Acreditamos que a partir desta pesquisa foi possvel melhor compreender, do
ponto de vista da cultura poltica, esse perodo conturbado da histria inglesa tanto no que diz respeito aos acontecimentos e estruturas daquela sociedade quanto ao debate historiogrfico que a
circunda.
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PALAVRAS CHAVES: Inglaterra Medieval. Histria e Cultura Poltica. Representao de
Governo.
A AUTORIDADE DO BISPO NA GLIA ROMANA DO SCULO V: O CASO DE SO
GERMANO DE AUXERRE
Felipe Alberto Dantas
O presente texto apresenta as possibilidades de pesquisa sobre autoridade episcopal abertas por
um importante documento do sculo V, a Vita de So Germano de Auxerre, de Constncio de
Lyon. Para tanto, faremos uma exposio luz do contexto scio-poltico e religioso ao qual
estava inserido o mundo romano do sculo V. Focalizaremos, principalmente, o papel da atuao
e autoridade exercidas pelo bispo Germano, bem como das pessoas responsveis pela produo
de uma Vita a ele, num momento de reorganizao poltica pela qual passava o territrio da
Glia, onde assistimos a passagem do poder laico romano para outro, cristo e germnico. Essa
contextualizao deve-se ao intuito de vincular a obra em questo com o crescimento gradual
dessa autoridade episcopal e a funo social ocupada pelos bispos, bem como com as ideias
professadas pelos monges-bispos formados no monastrio de Lrins, que talvez dessem
justificativas atuao daqueles, face aos novos momentos vividos pelo Imprio e aos seus novos
habitantes.
PALAVRAS-CHAVE: Autoridade. Episcopado. Ascetismo.
RECONQUISTA? RESTAURAO? REFLEXES HISTORIOGRFICAS SOBRE A
GUERRA GTICA, DE PROCPIO DE CESAREIA (SCULO VI)
Renato Viana Boy
Em meados do sculo VI, o historiador Procpio de Cesareia se props, na obra Histria das
Guerras, a narrar as campanhas militares enviadas pelo Imperador bizantino Justiniano (527-565)
contra os persas nas fronteiras orientais, os vndalos no norte da frica e os godos na Pennsula
Itlica. Essa obra, formada por oito livros, constitui hoje um documento indispensvel para o
estudo dessas guerras a partir das quais o Imprio Bizantino visava recuperar o controle poltico
sobre suas antigas possesses. Grande parte dos trabalhos publicados sobre essas guerras,
utilizando-se de Procpio como fonte, classificaram tais conflitos como uma guerra pela
Restaurao ou Reconquista das antigas fronteiras romanas. Entretanto, propomos aqui uma relativizao dessa ideia. Nos trs livros dedicados Guerra Gtica, Procpio descreve, de fato,
um contexto de crise nas relaes entre os godos e o governo imperial. Entretanto, em nenhum
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momento Procpio classifica esses conflitos como tendo o objetivo de restaurar ou reconquistar as antigas fronteiras imperiais. Nesse sentido, a questo central : a partir de uma anlise da Guerra Gtica, qual o sentido que podemos perceber, em Procpio de Cesareia, para
tais conflitos? Para tanto, analisaremos os trs livros dedicados Guerra Gtica como
documentos principais desse trabalho, alm de uma bibliografia especializada no estudo do
governo de Justiniano e na produo historiogrfica de Procpio.
PALAVRAS-CHAVE: Restaurao. Reconquista. Procpio de Cesareia.
A TEOLOGIA POLTICA DO IMPRIO CRISTO E A LEGITIMAO IMPERIAL DE
CONSTANTINO: REFLEXES ACERCA DO LOUVOR A CONSTANTINO DE EUSBIO DE
CESARIA
Robson Murilo Grando Della Torre
Esta comunicao se detm sobre dois discursos pronunciados pelo bispo Eusbio de Cesaria na
dcada de 330 e que so conhecidos atualmente como parte de uma obra chamada Louvor a
Constantino. Nosso objetivo , por um lado, mostrar como a historiografia tem interpretado esses
documentos como parte ou como reflexo da ideologia imperial constantiniana em voga no
perodo e, por outro, propor alternativas de leitura com base nas recentes descobertas sobre a vida
de Eusbio e sobre seu carter como escritor. Sugerimos aqui que esses discursos, embora se
vinculem a elementos da propaganda constantiniana e se valham deles em sua argumentao,
apontam para outros tipos de preocupao, que eram a polmica de seu autor com pagos que se opunham s polticas de favorecimento imperial ao cristianismo e seu esforo apologtico para
defender a superioridade da religio crist frente s demais religies existentes no Imprio. Nesse
sentido, propomos que o Louvor a Constantino seja interpretado como veculo de uma ideologia
eclesistica que, ao mesmo tempo em que legitimava sua aproximao dos poderes seculares
constitudos, se contrapunha a seus crticos pagos. Alm disso, procuraremos mostrar a importncia da anlise da tradio manuscrita dessa obra e de sua fortuna crtica na Antiguidade
para a compreenso do prprio texto. Acreditamos que esses dois eixos analticos nos apontam
certas intenes do autor na publicao de seu texto, bem como o uso que foi feito dele nos
sculos imediatamente seguintes, que muito contribuem para uma melhor apreciao desses
textos.
PALAVRAS-CHAVE: Eusbio de Cesaria (c. 260-339). Constantino I, imperador romano (306-
337). Louvor a Constantino.
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DE CAVALEIROS A CAVALHEIROS: A CONSOLIDAO DO ESTADO ABSOLUTISTA
E SEU IMPACTO SOBRE A ARISTOCRAICA GUERREIRA FEUDAL, SOB A TICA DOS
CONTOS DE CAVALARIA
Carolina Minardi de Carvalho
A guerra medieval, em algumas regies praticada por seletos membros da aristocracia, tornou-se
fator de distino social e elevou o cavaleiro a uma categoria superior. Entretanto, ao longo de
sculos, o papel guerreiro dos cavaleiros perdeu gradativamente sua importncia. Objetivando
compreender o que aconteceu com os membros da cavalaria aps o desaparecimento de seu papel
guerreiro na sociedade, o trabalho que originou o presente artigo se baseou, a princpio, em
concepes muito questionveis que, ao longo do processo de investigao, foram alteradas de
maneira bastante significativa. Ao final do processo, as anlises se concentraram sobre o Amadis
de Gaula e a cavalaria aristocrtica presente na Pennsula Ibrica.
PALAVRAS-CHAVE: Cavalaria. Pennsula Ibrica. Processo Civilizador.
O JURAMENTO DE ESTRASBURGO: O PRIMEIRO TEXTO EM LNGUA ROMNICA
Henrique Martins de Morais
O presente trabalho se prope a ser uma pequena introduo e estudo sobre o documento
conhecido como Juramento de Estrasburgo (Les Serments de Strasbourg). Esse texto um
fragmento de uma obra maior e apresenta, em sua forma escrita, o primeiro relato documental de
uma lngua romnica, o franciano. No meu estudo eu fao uma breve introduo histrica poca
conturbada que esse relato foi produzido dentro do Imprio Carolngio, explicando a complicada
sucesso dinstica que se deu, bem como as guerras entre os descendentes de Carlos Magno.
Sobre o Juramento em si, eu exponho e traduzo uma pequena passagem explicando certas
caractersticas fonticas e sintticas da lngua franciana fazendo, quando possvel, uma ponte com
o francs, que tido como o estgio atual dessa lngua. Finalmente, lano uma breve pincelada
sobre certas questes de cunho tnico que cercam o documento, como uma possvel afirmao de
uma identidade latina frente a uma identidade germnica que se rivalizaria com ela.
PALAVRAS-CHAVE: Imprio Carolngio. Lngua Francesa. Serments de Strasbourg.
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O PARLAMENTO NA IRLANDA E AS RELAES ANGLO-IRLANDESAS (SCULOS
XIII-XV)
Vinicius Marino Carvalho
Esse trabalho se prope a delinear uma metodologia para um futuro estudo sobre os registros do
parlamento da Irlanda, entre os sculos XIII e XV. Parte-se do delineamento de um vis
tradicionalmente recorrente na historiografia sobre a Irlanda medieval: a interpretao de certos
estatutos e ordenanas como reaes a um percebido processo de aculturao de ingleses por
irlandeses, ou gaelicizao, como veio a ser chamado. Busca-se problematizar os pressupostos dessa acepo e levantar uma reflexo sobre a pertinncia da mobilizao dos registros do
parlamento sob essa chave interpretativa. Os objetivos so dois: em primeiro lugar, analisar as
menes a irlandeses na documentao, de forma a averiguar que critrios de alteridade (ou
identidade) so invocados para se referir a eles. Em segundo lugar, espera-se usar esse problema
como vis de reflexo sobre o prprio parlamento dentro da sociedade na qual estava inserido.
PALAVRAS-CHAVE: Irlanda. Parlamento. Norma.
HUMANITAS E DIVINATAE: A DIMENSO DO RISO EM FRANOIS RABELAIS
Thiago Lara Rodrigues Pereira
A pesquisa versa sobre a dimenso poltica do riso. Toma por objeto de anlise o livro Gargntua
de Franois Rabelais, publicada na conjuntura da Reforma e Renascimento europeus, e suas
implicaes poltico-ideolgicas sobre o contexto de produo da obra, a Frana quinhentista.
Para tal, torna imperativa a compreenso da historicidade do riso, ou seja, a multiplicidade de
significados atribudos ao gesto desde a Idade Mdia. Com base na produo existente sobre o
sentido do riso rabelaisiano, articula a obra vida do prprio autor, enquanto sujeito de seu
tempo. Embora ainda em curso, procura demonstrar a intencionalidade poltica das provocaes
explcitas que compe o texto-fonte, e associa, portanto, o ato de rir e provocar o riso, por meio
da literatura, a uma definio de postura diante das questes sociais pelos quais passava a Frana.
PALAVRAS-CHAVE: Riso. Franois Rabelais. Idade Mdia.
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AGOBARDO DE LYON E OS ESCRITOS SOBRE OS JUZOS DE DEUS
Marcelo Moreira Ferrasin
Os ordlios e os duelos medievais, compreendidos como juzos de Deus, desempenharam um importante papel no domnio da resoluo de conflitos. Esses mtodos atuaram na ausncia ou no
insucesso das provas por testemunhas, atos escritos e juramentos purgatrios. Os textos
legislativos, em especial as leges barbarorum (sculos VI-IX), destacam os juzos de Deus como um ltimo recurso para pr fim s questes duvidosas. Por muito tempo, os historiadores
conceberam os juzos de Deus como prticas irracionais, pags e brbaras. H pelo menos cinquenta anos, a historiografia sublinha que os historiadores mais antigos caracterizaram os
ordlios e os duelos pelas referidas qualificaes, porque pensaram as prticas de uma maneira
muito geral, negligenciando a diversidade dos procedimentos e sua aplicao como um ltimo
recurso. No sculo IX, o arcebispo Agobardo de Lyon escreveu uma obra endereada ao
imperador Lus, o Piedoso, requerendo fundamentalmente a revogao da lei burgndia, pois esta
lei trazia os duelos como prova. A crtica do bispo se baseava no fato de que essas provas
pervertiam a caridade, a justia e paz crists, enfraquecendo a unidade do imprio. Historiadores
modernos construram a imagem de Agobardo, como um bispo muito avanado para o seu tempo,
pois projetaram suas qualificaes sobre os juzos de Deus na obra do prelado. Nesta comunicao, pretendo demonstrar como as consideraes de Agobardo se referiram a uma
reflexo sobre os elementos de prova e sobre o ideal de unidade crist. Assim, mostrar-se- que
as designaes dos juzos de Deus como irracionais, pagos ou brbaros, no fazem parte do texto do arcebispo.
PALAVRAS-CHAVE: Agobardo. Juzos de Deus. Carolngios.
DA REFORMA GREGORIANA REVOLUO QUE NO SABIA DE SI: PARA UMA
CRTICA ARENDTIANA AO CONCEITO DE REVOLUO PAPAL
Philippe Oliveira de Almeida
O objetivo deste trabalho descontruir o conceito de Revoluo Papal, tal como desenvolvido por Harold Berman. Procurando solucionar aporias inerentes ao conceito de Reforma Gregoriana, Berman enfatiza o carter de ruptura poltica do movimento gregoriano, que teria dado incio tradio jurdica ocidental moderna. Para o autor, o rearranjo institucional
promovido pela Santa S representaria a primeira grande revoluo, qual se seguiriam a
Revoluo Alem (Reforma Protestante), a Revoluo Inglesa (Revoluo Gloriosa), a
Revoluo Americana, a Revoluo Francesa e a Revoluo Russa (que, a seu juzo, encerraria o
ciclo revolucionrio e comprometeria a trajetria da civilizao ocidental). Partindo da definio
desenvolvida por Hannah Arendt para o conceito de revoluo, pretendemos mostrar que a
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exposio de Berman anacrnica, pois projeta, na Idade Mdia Central, uma conscincia
revolucionria surgida to-somente no curso da modernidade.
PALAVRAS-CHAVE: Revoluo Papal. Reforma Gregoriana. Histria poltica medieval
OS CNONES CONCILIARES MEROVNGIOS: CODIFICAO, TRANSMISSO E
RECEPO
Thiago Juarez Ribeiro da Silva
Esta comunicao tem por objetivo desenvolver uma reflexo a respeito dos cnones conciliares
merovngios e seus usos no mbito legislativo dos sculos VI e VII. Dada a preocupao recente
dos historiadores com a especificidade dos gneros documentais medievais como obras dotadas
de regras particulares de composio, a problematizao da tradio manuscrita torna-se
exerccio imprescindvel para uma abordagem histrica satisfatria das fontes medievais. Com
esta premissa, apresentaremos o gnero documental conciliar: textos decorrentes das decises
tomadas nas assembleias episcopais, com foco daquelas originrias da Glia merovngia entre os
anos de 511 e 674. Para isto, a comunicao tratar de uma definio do gnero conciliar (o que
so conclios, quais as regras de sua composio, a quais interesses respondem como foco em seu
vocabulrio e sua categorizao pela historiografia); do processo de codificao dos cnones
conciliares merovngios (o problema dos manuscritos, os conclios descritos somente em fontes
narrativas como os Dez Livros de Histria de Gregrio de Tours e os variados tipos de colees
cannicas); o problema da transmisso das colees cannicas (evidenciado pelas reparties
destas colees ao longo dos sculos); a recuperao interna (o problema da recuperao de
cnones conciliares anteriores); por fim a possibilidade de se pensar a validade das colees
cannicas como cdice legal funcional na Glia merovngia.
PALAVRAS-CHAVE: Conclios. Merovngio. Tradio Manuscrita.
APONTAMENTOS SOBRE OS TERMOS TNICOS NAS ATAS DOS CONCLIOS
MEROVNGIOS
Vernica da Costa Silveira
O problema das identidades tnicas e seu possvel impacto no desenrolar dos eventos que se
seguiram tomada de Roma pelo rei visigodo Alarico uma das questes mais polmicas que
foram levantadas pela historiografia dos ltimos anos. possvel falar da existncia ou
emergncia de identidades tnicas que encerravam os brbaros em unidades sociais bem
definidas? Essas identidades tiveram papel preponderante na organizao social dos reinos
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brbaro-romanos que eram forjados no sculo VI? Acreditamos que essas perguntas devem ser
contempladas luz de uma anlise que coteje fontes de diversas naturezas produzidas no perodo
de interesse, assim como que leve em conta a maneira como a identidade romana era apresentada
nos documentos. Desta maneira, os objetivos de nossa interveno so: investigar como as atas
conciliares podem se inserir no contexto mais amplo das fontes legais merovngias; num segundo
momento intentamos apresentar um quadro geral das formas como os termos tnicos aparecem
nessas atas e, finalmente, discutir sobre a existncia de uma definio uniforme dos termos nesses
textos produzidos em diversos lugares, perodos e momentos do Reino dos Francos no perodo
merovngio.
PALAVRAS-CHAVE: Identidades tnicas. Atas Conciliares. Reino Franco.
MEDIAO POLTICA E CONSTRUO DE REDES SOCIAIS A PARTIR DO CASO DA
CONDESSA MATILDA DE CANOSSA (SCULOS XI-XII)
Bruna Giovana Bengozi
A figura da Condessa Matilda de Canossa (1046-1115) j foi explorada de diversas formas e
tambm foi alvo de vrias mitificaes, especialmente, como exemplo de liderana militar
feminina na Idade Mdia. Apesar da grande bibliografia sobre a Condessa e da sua atuao nos
campos de batalhas, poucos trabalhos foram produzidos no Brasil sobre a mesma. Tal questo
refere-se, principalmente, ausncia de reflexes mais detalhadas sobre a sua participao
enquanto mediadora poltica nas disputas entre o Papa Gregrio VII e o Imperador Henrique IV
durante a Querela das Investiduras. Dessa forma, pretendemos analisar a ativa atuao
diplomtica da Condessa Matilda de Canossa nos conflitos entre a Igreja e o Imprio ao longo
dos sculos XI e XII, por meio das cartas trocadas entre a Condessa e outros importantes
personagens. Atentaremos, tambm, para a posio ocupada pela mesma nas complexas redes
sociais formadas a partir dos conflitos entre Igreja e Imprio e das relaes de poder durante o
perodo da Querela das Investiduras. Buscaremos, portanto, compreender a figura da Condessa
no luz do mito da mulher guerreira, e sim a partir da sua importante e ativa posio na poltica
papal e imperial.
PALAVRAS-CHAVE: Matilda de Canossa. Mediao poltica. Redes sociais
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O CONCEITO DE AFFECTUS EM GILBERTO DE TOURNAI E SUA APLICAO NA
POLTICA RGIA CAPETNGIA (SCULO XIII)
Wanderson Henrique Pereira
Nesse texto pretendemos analisar o funcionamento das relaes de afeto (affectus) entre o rei e os
sditos em Gilberto de Tournai, importante telogo da universidade de Paris do sculo XIII e
membro da ordem dos minoritas. Para isso, Deteremos em sua obra: O Eruditio Regum et
principum, inserida dentro do gnero conhecido como Espelhos de prncipe, escritos que podem
se entendidos como verdadeiros manuais de ensinamentos morais dirigidos aos reis e prncipes.
Nessa obra, o termo affectus freqentemente usado, o que nos faz pensar na importncia das
relaes de afetos dentro das concepes polticas no reino Francs do sculo XIII. Assim, os reis
so orientados a amar seus sditos, por meio do amor fraterno (caritas) garantindo a unidade do
reino. O amor o vnculo de unio da Ecclesia e a forma de demonstrao desse amor por meio
dos affectus, definido como movimento amoroso da alma dirigido ao prximo.
PALAVRAS- CHAVE: Affectus. Caritas. Rei ideal.
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APRESENTAO
Tenho a grata satisfao de prefaciar mais um importante contributo dos programas de
Ps-graduao e dos cursos de graduao em Histria das universidades brasileiras que, nos
ltimos dez anos, triplicaram os esforos para consolidar o estudo da histria medieval como
prtica profissional e campo de pesquisa e incentivaram, talvez como nunca, a investigao de
jovens estudantes que, em todos os nveis da vida acadmica, tm descoberto, no perodo
medieval, estimulantes objetos de estudo. Fruto deste esforo coletivo e das melhorias
econmicas do Estado brasileiro, que aumentou as condies de trabalho das agncias de
fomento em pesquisa, podemos, hoje, contar com um bom nmero de publicaes, seminrios,
congressos, laboratrios e bibliotecas que materialmente contribuem de maneira inequvoca para
que os estudos medievais no Brasil tenham consistncia, maturidade e capacidade de dialogar
com os pesquisadores de outras partes, contribuindo com eles e no apenas reproduzindo suas
conquistas.
A Universidade Federal de Minas Gerais, por meio do Programa de Ps-graduao em
Histria da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, possibilitou que fosse dado mais um
passo nessa trajetria de dilogo, encontro e compromisso com o desenvolvimento acadmico ao
investir e incentivar a realizao do I Colquio de Histria Medieval da UFMG, de 2012. Durante
quatro dias, reunimos professores de Histria Medieval de sete universidades federais (UNIFESP,
UFRGS, UFMT, UNIFAL, UFLA, UFMG, UFG), e duas universidades estaduais (USP, UEG)1,
profissionais do sul, sudeste e centro-oeste brasileiros, membros de diversos laboratrios e grupos
de pesquisa. Participaram tambm pesquisadores de ps-graduao em nvel de doutorado e
mestrado e estudantes de iniciao cientfica de universidades federais, estaduais e, inclusive, da
Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais.
A obra que agora publicamos manifesta as contribuies que recolhemos de vrios
participantes e que esperamos seja de proveito para os estudos de outros colegas que enfrentam,
como ns, a difcil sina de estudar histria medieval no Brasil. Penso, sobretudo, nos jovens
talentos que entram para os diversos cursos de graduao nas reas de Humanidades e que nutrem
especial preferncia pelo medievo. Penso tambm nos profissionais de educao que lidam com o
1 Com exceo da conferncia do Prof. Dr. Luiz Marcos da Silva Filho (Departamento de Filosofia da
Universidade Federal de Lavras), as demais contribuies dos professores no constam destes Anais.
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ensino de histria medieval em sala de aula e, s vezes, no dispem de subsdios que ajudem a
incrementar o ensino; penso inclusive num pblico geral que, em meio a tantos apelos
sensacionalistas, no conseguem encontrar bons trabalhos sobre o nosso perodo de estudo. O
Laboratrio de Estudos Medievais, ncleo UFMG, reafirma seu compromisso com a produo, a
qualidade e a divulgao das pesquisas relativas ao medievo em mbito regional e nacional.
Esperamos, de fato, contribuir para o debate mais amplo de nossas temticas.
Cronolgica e tematicamente, os Anais do Colquio esto bastante completos: temos
trabalhos relativos aos primeiros sculos do cristianismo, que tratam do episcopado e da
fundamentao doutrinria de grupos cristos; temos tambm trabalhos sobre consideraes mais
especficas do perodo da oficializao do cristianismo e suas consequncias para a cultura
poltica romana; os sculos iniciais do medievo esto igualmente contemplados: so seis
trabalhos que empreendem discusso em mbito da realeza franca e visigoda, questes poltico-
eclesiais do espao romano-oriental, ou bizantino, e romano-ocidental, nos sculos V-VI; peo
permisso para fazer uma constatao elogiosa: o nmero dos trabalhos dedicados aos sculos
mais recuados da Alta Idade Mdia j um bom indcio daquele incremento que h pouco
mencionei; as dificuldades de acesso ao material documental e o menor ndice de publicaes
acadmicas disponveis j no so obstculos para os pesquisadores de Alta Idade Mdia que, em
nossas universidades, s vezes com graves carncias estruturais, ousam tratar de assuntos
bastante delicados e o fazem com coragem e criatividade. Mas, o leitor poder encontrar tambm
vrios trabalhos sobre os sculos VIII-IX, perodo frtil da afirmao de instituies, como o
imprio carolngio, de procedimentos judicirios, como os juzos de Deus, ou de expresses de
cultura, como as lnguas romnicas. Monarquia, papado, cavalaria, cotidiano, religiosidade e arte,
temas clssicos da chamada Baixa Idade Mdia (alguns distinguiriam uma terceira Idade Mdia,
a Idade Mdia Central), esto tambm considerados entre os trabalhos que ora apresentamos.
Destaco a contribuio do professor Marcelo da Silva Murilo que se dedica a pesquisar o modo
como os livros didticos discutem a Idade Mdia, assunto que traz tona um aspecto, s vezes,
pouco discutido pelos medievalistas, aquele da contribuio epistemolgica e social de nossa rea
nas salas de aula das escolas fundamentais e mdias. Ora, embora o Colquio que realizamos no
tenha tido por objeto esta discusso, considero de suma importncia tentar inserir os resultados
presentes nos Anais deste evento no mbito maior da divulgao acadmica tentando contribuir
com a melhoria do ensino de histria medieval nas escolas brasileiras. Obviamente que no
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suponho que o material atinja os professores da rede pblica de maneira massiva, mas no custa
sonhar que estamos procurando sanar a distncia entre a pesquisa universitria e o trabalho rduo
e acadmico dos colegas professores do ensino fundamental e mdio, a comear aqui em Belo
Horizonte e Minas Gerais, mas igualmente, quem sabe, em outros lugares em que este texto
chegar gratuitamente.
Agradeo a todos os participantes da comisso tcnica que viabilizaram esta publicao e
aos comunicadores que enviaram seus textos. Agradeo, mais uma vez, ao Programa de Ps-
graduao em Histria da UFMG que investiu no evento e garantiu a participao de vrios
professores e tornou possvel a abrangncia nacional do Colquio.
Belo Horizonte, 11 de setembro de 2013
Andr Luis Pereira Miatello
Professor de Histria Medieval da UFMG
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SOBRE O FUNDAMENTO VOLUNTARISTA DA POLTICA EM AGOSTINHO
Luiz Marcos da Silva Filho1
Logo nas primeiras linhas da obra A cidade de Deus, isto , logo em seu prlogo, o
projeto de Agostinho de refletir sobre a poltica e a histria em chave voluntarista explicitado.
Inicialmente, destaco o segundo e ltimo pargrafo do prlogo, em que juntamente com um
voluntarismo poltico, Agostinho apresenta trao de contrariedade da cidade terrena.
por isso que tambm a respeito da cidade terrena no deverei passar em silncio tudo aquilo que o plano desta obra exigir e a minha capacidade permitir dizer, cidade que com o desejo de dominar, e no obstante povos sejam seus escravos, domina a si mesma pela
libido de dominao2.
Ora, a cidade terrena no realiza o que projeta e, mais do que isso, realiza o contrrio do
que projeta, na medida em que se torna escrava de certa figura da vontade, a libido de dominao.
De todo modo, em se tratando de uma ciuitas ou res publica, ela guarda estatuto poltico, ainda
que moralmente desorientada e com trao de contradio, o que significa que seu fundamento no
nem a natureza, nem a razo. Por que seu fundamento no nem a natureza, nem a
razo? Porque para Agostinho s h natureza e razo onde h identidade, e, como vimos,
a cidade terrena se define pela negao da identidade, pois est em contradio consigo mesma,
realiza o contrrio do que projeta. Isso nos permite dizer que tambm logo nas primeiras linhas
do prlogo dA cidade de Deus vislumbramos que o projeto de reflexo voluntarista sobre a
poltica coincide com um projeto de desnaturalizao da poltica. Note-se, ainda, a concesso de
estatuto poltico para uma cidade ou repblica na ausncia de qualquer critrio moral, pois, tanto
a ordenada repblica celeste, quanto a desordenada repblica terrena, so repblicas. A
ausncia, porm, de critrio moral para conceder estatuto poltico para um conjunto de homens
no significa em Agostinho divrcio necessrio entre poltica e moral, muito menos
pretenso de conceder positividade para uma autonomia da poltica. Mas se Agostinho no
1 Professor de Histria da Filosofia Medieval, da Universidade Federal de Lavras (UFLA).
2 Unde etiam de terrena civitate, quae cum dominari adpetit, etsi populi serviant, ipsa ei dominandi libido
dominatur, non est praetereundum silentio quidquid dicere suscepti huius operis ratio postulat si facultas datur. AUGUSTINUS. De ciuitate dei, praefatio. Na ausncia de meno, todas as tradues so de nossa
responsabilidade.
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pretende estabelecer as jurisdies prprias da poltica e da moral, deparamos com o
problema de entender por que conferir estatuto poltico para um conjunto de homens moralmente
desorientados. Agostinho poderia proceder como Ccero, que em sua obra Da repblica no
concede estatuto poltico para toda e qualquer multitudo, mas somente para um conjunto de
inumerveis homens que estabeleam entre si duas condies, a saber, o consensus iuris e a
utilitatis communio. Povo no a unio de todos os homens de qualquer modo congregados,
mas a unio de inumerveis homens associados por assentimento de direito e utilidade comum3.
A definio ciceroniana de povo se d logo no livro I da obra, mas s no livro III o
leitor tem notcias de que o ius presente na primeira condio, em consensus iuris, o ius
naturale, cujo cumprimento exige a observncia da virtude da justia e a adequao do homem
com a natureza. Desse modo, a definio ciceroniana de povo no confere estatuto poltico para
um conjunto de homens moralmente desorientados, porque se trata de uma definio com
fundamento naturalista: aqueles que no cumprem a natureza de homem no so capazes de
inaugurar um modo de vida pblico, no podem adquirir estatuto de povo. No toa, nA
cidade de Deus, II, xxi, Agostinho diz que no momento oportuno, que ser somente no livro XIX,
mostrar por que segundo a definio ciceroniana de povo os romanos nunca foram um
povo, nem constituram uma repblica. Para mostrar isso e, ento, apresentar nova definio
de povo, Agostinho progressivamente, ao longo de toda A cidade de Deus, explicitar traos de
conflito e contradio, de modo particular, nos romanos (at o livro X), e, de modo universal, em
todo o gnero humano (XI-XXII). Tal explicitao de traos de conflito e contradio permite a
refutao da definio ciceroniana naturalista de povo. Com efeito, o que Agostinho pretende
ao longo de sua vagarosa exposio provar que o modo de existncia contraditrio dos romanos
e do ser humano em geral um modo de existncia em processo de afastamento da essncia, ou
da natureza, do homem.
3 [...] populus [autem] non omnis hominum coetus quoquo modo congregatus, coetum multitudinis iuris consensu
et utilitatis communione sociatum. CICERO, De re publica, I, xxv, 39, grifo nosso. As tradues de iuris consensus e utilitatis communio procuraram preservar mais o significado do que a proximidade de signos entre o latim e o portugus. A traduo de consensus por assentimento, e no por consenso ou consentimento, parece-nos mais rigorosa na medida em que remete adeso a um direito que o homem reconhece em sua prpria natureza a partir de processo intelectivo da alma e no por meio de acordo ou contrato
institudo a posteriori. J a traduo de utilitatis communio por utilidade comum, e no por comunidade interesses, parece-nos mais rigorosa na medida em que no projeta na Antiguidade a reflexo moderna sobre interesses.
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Mas quais so os traos de conflito e contradio do homem consigo mesmo? Um dos
momentos centrais para a transio da anlise histrica da contradio dos romanos, em
particular, para a contradio do ser humano, em geral, encontra-se nA cidade de Deus, XI, xxvi,
onde se d uma das aparies do chamado cogito agostiniano. Em uma discusso que tem como
alvo os cticos acadmicos, Agostinho nos diz que tem a certeza (que, mais precisamente, uma
phantasia kataleptik) de que existe, de que conhece e de que ama, ou deseja (amor, desejo,
querer, vontade, dileo em Agostinho so termos sinnimos). Em linhas gerais, o homem tem a
certeza de que existe porque ainda que ele se engane, ou ainda que ele duvide, para enganar-se ou
duvidar, ele precisa existir, se ele tem a certeza de que existe, ele tem o conhecimento de sua
existncia, de forma que tambm tem a certeza de que conhece, assim como tem certeza de que
deseja porque deseja continuar existindo e conhecendo, e mesmo que no deseje continuar
existindo e conhecendo, ainda assim se trata de um desejo de no existir e no conhecer.
Se Jean-Luc Marion tiver razo, a principal diferena do cogito agostiniano para o cogito
cartesiano que, para Agostinho, a certeza de minha existncia no se confunde com a certeza da
posse efetiva de minha essncia (Cf. MARION, 2008, p. 138-9). Se para Descartes, o
conhecimento de minha existncia se d juntamente com o de minha essncia, para Agostinho, ao
contrrio, a certeza de minha existncia , a um s tempo, certeza de que estou em processo de
destituio de essncia e identidade. em funo dessa dupla certeza que os captulos e os livros
subsequentes ao XI dizem que o homem por si mesmo, no mbito do ser, est condenado ao no-
ser, disperso, morte, no mbito do conhecer, ao erro, e no mbito do querer, ao
desregramento, ao descompasso entre querer e poder.
Para os nossos propsitos, ns nos concentraremos nos traos de contradio do homem
consigo mesmo no mbito do querer, da vontade, precisamente porque a cidade terrena, l no
prlogo, era contraditoriamente definida por meio de uma figura da vontade, a dominandi libido.
Assim, realizaremos anlise da vontade por intermdio da investigao agostiniana da primeira
contradio que sucedeu ao homem aps a falta original de Ado e Eva. Ao analisarmos a
exegese agostiniana do relato da queda, tambm pretendemos problematizar a suspeita de
Senellart de que na dramaturgia do pecado original, e na grandiosa encenao agostiniana da
seduo, do sexo e da morte, que devemos buscar os fundamentos de sua teologia poltica
(SENELLART, 2006: 73).
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No temos certeza se Agostinho empreende uma grandiosa encenao [...] da seduo,
do sexo e da morte. De todo modo, a reflexo a que o comentador se refere encontra-se nos
livros XIII e XIV dA cidade de Deus, que definem a libido como desejo sexual e originrio de
todos os outros desejos, de todas as outras libidos, notadamente da libido de dominao.
To logo se levou a efeito a transgresso do preceito, desamparados da graa de Deus, [os primeiros homens] se envergonharam da nudez de seus corpos. Por isso cobriram suas vergonhas com folhas de figueira, as primeiras, talvez, que se lhes depararam em meio de sua perturbao. Tais membros j os tinham antes, mas no eram vergonhosos. Sentiram, pois, novo movimento em sua carne desobediente, como castigo devido sua desobedincia. Comprazida no uso desordenado da prpria liberdade e desdenhando servir a Deus, a alma viu-se despojada da primeira sujeio de seu corpo e, por haver livremente abandonado o Senhor superior, no mantinha submisso o servo inferior nem mantinha submissa a si mesma a carne, como teria podido manter sempre, se houvesse permanecido submissa a Deus. A carne comeou, ento, a desejar contra o esprito. Nesse combate nascemos, arrastando o grmen de morte e trazendo em nossos membros
e em nossa viciada natureza a alternativa de luta e vitria da primeira prevaricao4.
Em sua exegese, Agostinho d especial ateno para a passagem do Gnesis em que a
vergonha apresentada como efeito da transgresso. Trata-se da vergonha em relao nudez,
no em relao nudez em si mesma, mas em relao ao que a nudez revela para o outro. E o que
a nudez revela para o outro e do que que o homem se envergonha? O que a nudez revela e que
motivo de vergonha um novo movimento desordenado da carne, uma ao em descompasso
com a inteno, com o querer, , rigorosamente, a libido, que inexistia nos homens antes do
pecado, juntamente com a inexistncia da vergonha. Isso significa que antes do pecado, com a
natureza ntegra, os rgos genitais eram submissos, apenas se movimentavam se o homem
quisesse que se movimentassem, como qualquer outra parte do corpo, mas aps o pecado, com a
transgresso da natureza, a primeira exteriorizao da contradio do homem consigo mesmo o
movimento carnal.
4 Nam postea quam praecepti facta trasgressio est, confestim gratia deserente divina de corporum suorum
nuditate confusi sunt. Unde etiam foliis ficulneis, quae forte a perturbatis prima comperta sunt, pudenda
texerunt; quae prius eadem membra erant, sed pudenda non erant. Senserunt ergo novum motum inoboedientis
carnis suae, tamquam reciprocam poenam inoboedientiae suae. Iam quippe anima libertate in perversum propria
delectata et Deo dedignata servire pristino corporis servitio destituebatur, et quia superiorem dominum suo
arbitrio deseruerat, inferiorem famulum ad suum arbitrium non tenebat, nec omni modo habebat subditam
carnem, sicut semper habere potuisset, si Deo subdita ipsa mansisset. Tunc ergo coepit caro concupiscere
adversus spiritum, cum qua controversia nati sumus, trahentes originem mortis et in membris nostris vitiataque
natura contentionem eius sive victoriam de prima praevaricatione gestantes. AUGUSTINUS. De ciuitate dei, XIII, xiii.
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A libido como contravontade expressa, por consequncia, o divrcio entre o querer e o
poder. Mas por que da libido sexual decorre a libido, por assim dizer, poltica, a libido de
dominao? Ora, a libido, para Agostinho, consiste no desejo de desfrutar, de gozar, de outra
criatura nela mesma, consiste, assim, no desejo de posse, de dominao, do outro, no desejo do
homem de ser Deus, o que, politicamente, expressa-se no desejo de dominar, de governar, toda a
criao. Como Pagels, citado por Senellart, nos diz, a tentativa orgulhos de Ado (foi a) de
estabelecer seu prprio governo autnomo (SENELLART, 2006: 73).
Queremos dizer, com isso, que a anlise do desejo de autonomia do homem condio,
nA cidade de Deus, para a compreenso da razo pela qual Agostinho concede a possibilidade de
divrcio entre a poltica e a moral, ou, em outras palavras, da razo pela qual Agostinho concede
que um conjunto de inumerveis homens guarde estatuto poltico, ainda que moralmente
desorientados. Mas de que forma e por que Agostinho concede estatuto poltico mesmo para um
conjunto de homens danado? A forma com que Agostinho concede a possibilidade de uma
poltica independente da moral se encontra em sua redefinio de povo elaborada contra a
ciceroniana. Povo o conjunto de inumerveis seres racionais associado pela concorde
comunho de coisas que amam5
.
Nesta definio, o amor, isto , a vontade, no a natura, nem a ratio, que desempenha
funo de fundamento da poltica. Seja qual for o amor, seja amor a Deus, seja amor dominao
imperial, se se tratar de amor socialmente partilhado, o suficiente para que um conjunto de
homens adquira estatuto poltico de povo. Mas por que todo esse empenho de Agostinho para
conferir estatuto poltico para povos moralmente depravados? Como j dissemos, no para
conceder positividade para uma autonomia da poltica. Ao contrrio, Agostinho confere estatuto
poltico inclusive para uma repblica moralmente desorientada para demarcar a negatividade da
autonomia da poltica. Toda a anlise, por exemplo, da Histria de Roma que Agostinho realiza
nos cinco primeiros livros dA cidade de Deus est a servio da moral.
Isso quer dizer que todo o empenho de Agostinho para conceder estatuto poltico para
povos imorais tem a finalidade de criticar uma poltica estremada da moral, uma poltica com fim
em si mesma, e legitimar a poltica apenas como meio, como instrumento, moral. Mais
precisamente, e agora estabelecendo relao entre A cidade de Deus e algumas Cartas e Sermes,
5 Populus est coetus multitudinis rationalis rerum quas diligit concordi communione sociatus. AUGUSTINUS.
De ciuitate dei, XIX, xxiv.
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o desapreo agostiniano por uma poltica estremada da moral guarda tambm o propsito de
legitimar uma estrutura de poder, no caso, a estrutura de poder imperial de Roma, que esteja a
servio da orientao moral da Igreja, para estabelecer, se necessrio, de forma coercitiva, a
coeso de desejos ordenados na sociedade. Assim, a represso exteriorizao de desejos
desordenados , para Agostinho, coero teraputica necessria para cidados destitudos, da
identidade entre querer e poder.
O poder no mais a consequncia de uma vontade que obedece, mas o meio de coagi-la a obedecer. Se bastava a Ado querer o bem para exercer seu poder, preciso que os homens submetam-se a um poder para serem capazes de bem querer. Desse modo Agostinho apaga o limite [...] entre a autoridade espiritual e a coero secular (SENELLART, 2006: 88).
REFERNCIAS
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______. De civitate Dei (Libri I-X). Corpus Christianorum Series Latina XLVII. Turnhout: Brepols, 1955.
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Brepols, 1982.
______. Epistolae. Patrologia Latina Tomus 33. Turnhout: Brepols, 1982.
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Teubneriana, 1964.
MARION, J-L. Au lieu de soi: lapproche de Saint Augustin. Paris: PUF, 2008.
SENELLART, M. As artes de governar: do regimen medieval ao conceito de governo. So
Paulo: Ed. 34, 2006.
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UM CAPITEL SEM COLUNA: A RUPTURA ENTRE MONGES E INTELECTUAIS
MEDIEVAIS LUZ DAS CONSTRUES HISTORIOGRFICAS E TESTEMUNHOS DE
POCA (SCULOS XI E XII)
Carlile Lanzieri Jnior1
1 Introduo
Na mitologia grega, rion foi um gigante que perdeu a viso pela ira alheia. Cego e
desorientado, rion vagou a esmo antes de encontrar a misericrdia do deus Vulcano que o
presenteou com um guia. Quedalio era seu nome. Sentado sobre os ombros de rion, Quedalio
o conduziu at a morada do Sol, onde o gigante enfim recuperou a viso h tempos perdida. O
fiel guia permaneceu firme at o trmino da misso para a qual fora designado (BULFINCH,
2002: 248).
Sobre os ombros de gigantes, ia-se ao longe, pois se enxergava mais e melhor. As
contribuies mtuas permitiam que caminhos longos fossem percorridos com eficcia. Tudo
isso os gregos ensinaram as civilizaes que os sucederam. Tal orientao mitolgica foi
retomada no medievo e se fez presente nas pginas memorialistas de Joo de Salisbury (c. 1120 -
1180) ao se referir a uma das mximas pedaggicas do mestre Bernardo de Chartres ( c. 1124)
em Policraticus (c. 1175):
Bernardo de Chartres costumava nos comparar a insignificantes anes empoleirados
sobre os ombros de gigantes. Ele nos mostrou que vamos melhor e mais alm do que
nossos predecessores, no porque tnhamos viso aguda ou altura elevada, mas porque
ramos erguidos por essas gigantescas estaturas (JOHN OF SALISBURY, 1990: 167)2.
Por longo tempo, imaginou-se que esse belo ensinamento fora cunhado pelo cientista
ingls Isaac Newton (1643-1727). Fruto do preconceito iluminista que nutriu numerosas
inverdades a respeito da Idade Mdia (AMALVI, 2002: 537-550; PERNOUD, 1994), tal
equvoco perdurou. Mas a verdade uma s: essa frase foi proferida e eternizada por dois
1 Doutorando em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Orientador: Professor Dr. Roberto
Godofredo Fabri Ferreira. Bolsista pelo CNPq. Professor de Histria Medieval do Departamento de Histria das
Faculdades Integradas de Cataguases Grupo UNIS. E-mail: lanzierijunior@uol.com.br. 2 Todas as tradues de obras em lngua estrangeira so de nossa autoria e inteira responsabilidade.
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importantes mestres do sculo XII medieval Bernardo de Chartres e Joo de Salisbury. Doutos
que trabalharam pela formao de diversos discpulos, resgate e estudo dos clssicos da
Antiguidade.
Essa diretriz conduziu os humanistas dos sculos XI e XII, homens que, antes do
Renascimento Italiano, interessavam-se pelo saber que por sculos os precedeu. Esse interesse
permitiu que diversos clssicos da cultura greco-romana fossem salvos do esquecimento e da
destruio. E um passo adiante foi dado: com base nessa herana, discentes foram educados e
novas obras compostas.
Um desdobramento da assertiva do mestre Bernardo de Chartres observada em outros de
seus ensinamentos igualmente rememorados por Joo de Salisbury, desta vez no primeiro livro de
Metalogicon, obra feita para elogiar as artes do Trivium (Gramtica, Retrica e Dialtica) e
criticar nscios detratores deste formato de ensino.
Para promover a aquisio da eloquncia e a obteno de conhecimento, nada melhor
que tais conferncias, que tambm tm uma salutar influncia na conduta prtica, desde
que a caridade modere o entusiasmo, e que a humildade no se perca durante o processo
de aprendizagem. Um homem no pode ser servo do saber e dos vcios carnais.
De cada estudante era requerida recitao diria de parte do que ouviu no dia anterior.
Alguns recitavam mais, outros menos. Assim, cada dia subsequente se tornava discpulo
de seu predecessor (JOHN OF SALISBURY, 1971: 68 e 70).
Segundo Joo de Salisbury, essas conferncias (collationibus) compunham o mtodo de
ensino de Bernardo de Chartres, que exigia que seus discpulos escrevessem diariamente prosas e
versos e expusessem os resultados alcanados, uma maneira de fixar os conhecimentos e refletir
acerca do que fora ensinado. Era evidente a valorizao do passado e do que se aprendeu antes. E
praticar sempre para que os conhecimentos no se perdessem e se solidificassem por experincias
anteriores (LANZIERI JNIOR, 2011).
Dialogar com os pares e o passado, valorizar e aprender com os sbios de outras pocas.
Preocupaes cultivadas pelos mestres medievais e que ajudaram na confeco de obras que
versaram sobre os mais variados temas (COSTA, 2012). Porm, como demonstraremos nas
pginas subsequentes deste ensaio, tal premissa se perdeu no horizonte terico de numerosos
medievalistas que, equilibrados sobre estaturas menos elevadas, no enxergaram para alm da
prpria autoridade (RUST, 2011: 64).
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2 O capitel
Em linhas gerais, a historiografia produzida durante boa parte do sculo XX sobre a
educao na Idade Mdia deu pouca ateno ao ensino desenvolvido em ambiente monstico
(RUBENSTEIN & VAUGHN, 2006: 1). O amplo favorecimento dado ao que aconteceu a partir
do Renascimento do Sculo XII evidencia essa negligncia. Em quase todos os manuais, o
monaquismo dos sculos X e XI emergiu como um plido contraponto, mera preparao de
terreno para os episdios grandiosos que o sucederam (entre outros, BROOKE, 1972 e
SWANSON, 1999).
Mas quando essa fratura se formou? Em 1957, com a publicao de Os intelectuais da
Idade Mdia de Jacques Le Goff (1995). Extremamente influente e arraigado nas geraes de
medievalistas das dcadas posteriores, o livro de Le Goff fechou as fronteiras: de um lado
ficaram os monges, do outro os mestres das escolas das catedrais urbanas e os primeiros
intelectuais profissionais ligados s razes das primeiras universidades do sculo XIII.
O momento decisivo do texto do professor francs deu-se na interpretao do embate
entre Bernardo de Claraval (1090-1153) e Pedro Abelardo (1079-1142). O primeiro foi pintado
com as cores turvas do arcasmo, um precoce inquisidor, enquanto o segundo recebeu as
tonalidades vvidas de um apaixonado revolucionrio frente de seu tempo. As afirmaes de
Jacques Le Goff ganharam feies cannicas (COSTA, 2010).
Os intelectuais da Idade Mdia atravessou as dcadas e se perpetuou atravs de novas
tradues, edies e revises. Porm, sua essncia continuou intacta. O que mais chamou nossa
ateno no texto de Jacques Le Goff e em todos que seguiram seu postulado foi a valorizao de
uma suposta laicizao da sociedade em decorrncia da ampliao das atividades econmicas e
urbanas, pedras de toque que romperam com o atraso de passado feudal e religioso e
purificaram a educao medieval, alando-a a patamares, enfim, aceitveis, ou mais prximos do
que se praticou em perodos mais recentes (ou modernos). Em outras palavras, na luta de
classes entre a sociedade feudal e a sociedade urbana, os louros da vitria foram entregues
ltima (LE GOFF, 2005: 296-298).
E se esse incremento econmico e urbano dos sculos XII e XIII permitiu a diviso do
trabalho em reas especficas, a educao no poderia escapar do alcance dessas transformaes.
Como resultado, as especialidades inerentes nova sociedade que se formava indicavam que o
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intelectual seria aquele que se dedicava exclusivamente ao ensino e recebia dinheiro em troca de
seus servios docentes. Esse foi ponto comum na historiografia que se sedimentou em torno do
livro de Jacques Le Goff. Vejamos alguns representantes dela.
Nos final dos anos oitenta do sculo XX, ao escrever sob a sombra do carvalho
legoffiano, Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri (1989: 125-141) igualmente analisou a
intelectualidade do sculo XII. Em suas assertivas, Brocchieri cunhou dois conceitos distintos:
intelectual fraco (ou incompleto) e intelectual forte (e outras variaes complementares,
como intelectual a tempo inteiro e intelectual de raa). O que os diferenciava era a inteno
profissional de transmitir seus conhecimentos, desejo visto com clareza apenas entre os ltimos.
Ao ir alm do que outrora afirmou Jacques Le Goff, Brocchieri definiu o intelectual
medieval a partir da ruptura entre aqueles que se dedicaram em tempo integral ao ensino e
aqueles que, depois de anos dedicados ao estudo, assumiram algum compromisso administrativo
na poltica de alguma corte medieval. Pela tica interpretativa de Brocchieri, apenas os primeiros
seriam intelectuais propriamente ditos, uma vez que retransmitiam o saber possudo e talhavam
outros como eles.
Entre Jacques Le Goff e Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri, ainda h mais um
elemento em comum: a definio do intelectual medieval com base no fator econmico. Para
ambos, o comrcio e urbanizao crescentes nos sculos XI e XII foram decisivos para a
existncia desse profissional, que ganhava a vida ao comercializar os conhecimentos que detinha.
Assim como Jacques Le Goff, Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri fez de Pedro Abelardo
seu ponto de partida e o descreveu com os rtulos evolucionistas de intelectual forte,
intelectual o tempo inteiro e intelectual de raa.
Pelo que se percebe, Jacques Le Goff e seus asseclas definiram um modelo unificado e
analisaram diversos personagens a partir deste. Quem no se encaixava no era descrito como
intelectual. Mas trabalhar a partir de uma premissa to hermtica e excludente no daria feies
sincrnicas ao que por si s era diacrnico? Em outros termos, definir um modelo nico no seria
retirar do perodo as vrias manifestaes de ensino que nele foram observadas e laurear uma
nica forma de saber e transmisso de conhecimentos?
O estilo legoffiano de conceber a viso medieval sobre o tempo (RUST, 2011: 54-64)
pode ser transplantado para este ensaio. Para Le Goff, em seus estudos sobre a Civilizao do
Ocidente Medieval, constitui-se entre os sculos XI e XII uma diviso do tempo, tempo da
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Igreja e tempo dos mercadores, o ltimo responsvel por definir os novos rumos da
Cristandade. Para trs ficava um mundo feudal rural e dominado pelo religioso, adiante, seguia o
mundo urbano, marcado pelo racionalismo e uma suposta identidade laica.
Se Jacques Le Goff agiu assim ao analisar o tempo medieval, afirmamos que ele fez algo
semelhante ao descrever a intelectualidade de ento. Como conseqncia direta do dinamismo
urbano e econmico, novas formas de ensino e saber se constituram jogando para segundo plano
o pensamento de feies religiosas conduzido por membros do clero, sobretudo os monges. Mas
sustentar esse tipo de anlise no seria construir historiograficamente uma ruptura que no existiu
segundo o que nos dizem os testemunhos da poca?
3 A coluna
Conforme antes mencionado, o ncleo sobre o qual gravitou a historiografia que pouco se
atentou ao monaquismo encontra-se na exaltao figura de Pedro Abelardo e sua vitria sobre
o mtodo de ensino conduzido por Anselmo de Laon. Todavia, essa longeva premissa
historiogrfica no se sustenta quando os testemunhos de Joo de Salisbury e Guiberto de Nogent
(c. 1055 - c. 1125) so aferidos. Ainda que concisos, ambos foram respeitosos ao se referirem a
Anselmo. Primeiro, Joo: Eles [os cornificianos] [embora s escondidas, porque no ousariam
fazer isso abertamente] presumem extinguir aquelas mais brilhantes luzes de Gaul, os irmos
telogos Anselmo e Raul, que deram brilho a Laon, e cuja memria feliz e abenoada (JOHN
OF SALISBURY, 1971: 22); agora, Guiberto: Quando todos os homens assentiram a eleio de
Gaudri, a nica suspeio veio de mestre Anselmo, cujo conhecimento das disciplinas liberais e
tranqilidade moral o tornaram um farol para todos na Frana na verdade, em todo o mundo
latino (GUIBERTO DE NOGENT, 1993: 284).
Ao contrrio das apressadas certezas retricas que a historiografia moderna imps ao
passado, personagens do medievo trataram Anselmo de Laon positivamente. Em Metalogicon,
Joo de Salisbury fez duras crticas a estudantes que desejavam simplificaes nos programas de
estudos os cornificianos , e que se vangloriavam pelos parcos conhecimentos adquiridos. Para
demonstrar o quanto eram tolos, ele exaltou a memria de Anselmo e de seu irmo, Raul ( c.
1133), antteses perfeitas para expor as insanidades de estudantes preguiosos e incapazes de
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compreender uma pedagogia baseada na reflexo e prtica permanentes (LANZIERI JNIOR,
2011).
Algumas dcadas antes de Joo de Salisbury, o abade Guiberto de Nogent, em Monodiae
(c. 1115), descreveu Anselmo no episdio em que se deu a escolha de um homem chamado
Gaudri para ocupar a cadeira episcopal da cidade de Laon. Se para Joo, Anselmo era uma luz
brilhante, para Guiberto ele era um farol cujo saber iluminava as pessoas. Portanto, mais que
pensar a (ou sobre a) Idade Mdia, deve-se pensar na Idade Mdia, pela alteridade encontrada
nas palavras de seus protagonistas. Sobre os ombros largos e firmes desses verdadeiros gigantes,
enxergamos melhor aquela poca.
Assim, diferente de um homem de conhecimentos limitados incapaz de enfrentar debates,
Anselmo foi igualmente lembrado e reverenciado como um mestre respeitado e influente. Com
efeito, acreditamos que o depoimento isolado de Pedro Abelardo tomado por Jacques Le Goff
deve ser confrontado ao que outras pessoas escreveram. E a comparao demonstra que, acima de
uma ruptura revolucionria ou superao de ideias declinantes, existiu um processo de trocas,
uma simultaneidade de opinies que evidencia a diversidade do perodo em questo e no
contradies que o levaram derrocada. Pensar de maneira diferente seria compreender a
realidade humana dividida em blocos distintos que, de tempos em tempos, sobrepunham-se uns
aos outros sem permitir manifestaes do que antes existiu.
Embora as teorias de Jacques Le Goff h dcadas apresentem pontos que no se
confirmam no contato com as fontes primrias, elas ainda perduram. Assim, as premissas deste
medievalista ressurgiram nos anos noventa do sculo XX com os estudos de R. W. Swanson
(1999) sobre o Renascimento do Sculo XII e suas bases polticas, sociais e, sobretudo,
econmicas. Ao seguir sem questionar os passos da historiografia que o precedeu, Swanson
corroborou as teses economicistas e praticamente negligenciou o trabalho com testemunhos de
poca.
Em um texto disposto como um leque sequencial, R. W. Swanson limitou-se a tpicos
meramente institucionais e apresentou nomes de mestres e centros de estudo mais conhecidos do
sculo XII. Nos raros momentos nos quais Swanson abordou os testemunhos deixados pelos
protagonistas de ento, tomou-os para referendar suas afirmaes. Ademais, entendemos que sua
narrativa aceitou desde o incio a existncia de um horizonte para o qual caminhava-se
progressivamente.
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Antes de prosseguir, um parntese: em quem acreditar? Nos testemunhos de poca ou na
historiografia? No se trata de optar por um caminho ou outro. Julgamos que os bons
historiadores (pelo menos os que compreendem os pilares sobre os quais o ofcio de historiador
se ergue) nem deveriam pensar algo diferente da primeira opo. Contudo, os escritos at aqui
inventariados apontam o contrrio e a sobreposio das fontes secundrias sobre as primrias.
Em 1994, C. Stephen Jaeger fez consideraes semelhantes s de Jacques Le Goff e
Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri. Ao longo de uma minuciosa narrativa, Jaeger lanou
mo de uma terminologia diferente, velha aprendizagem (old learning), que se referia aos
mtodos de estudo praticados at o sculo XII, e nova aprendizagem (new learning), que
sintetizava a metodologia que se tornou dominante a partir do sculo XII. Com palavras
diferentes, o livro de Jaeger trazia implcita a mesma diviso scio-temporal proposta por Le
Goff e desenvolvida por Brocchieri.
Como Le Goff e Brocchieri fizeram, C. Stephen Jaeger (1994: 229-233) descreveu
Abelardo como smbolo da ruptura entre velha e nova aprendizagem. Os monges eram os
representantes da primeira, os mestres das escolas urbanas aninharam-se sob a segunda. Jaeger
tambm afirmou que o proposto por sculos pelo monaquismo continuou a existir, mas em outro
universo: as cortes cavaleirescas. Por fim, mas no menos importante: o divisor de guas
apontado por este autor estava no uso da autoridade pessoal por parte dos mestres antigos como
maneira derradeira de sustentar as bases dos ensinamentos oferecidos.
Como anteriormente demonstrado, a primeira parte do argumento de C. Stephen Jaeger,
baseada nos enfrentamentos de Abelardo no faz sentido, pois se limitou a seguir o que foi
referendado pela historiografia impelida por Jacques Le Goff. A segunda, apoiada na autoridade
pessoal dos mestres antigos, igualmente perde sentido quando confrontada s fontes primrias.
Ao que tudo indica, Jaeger no considerou algo defendido por Anselmo de Aosta (ou Bec) (c.
1033 - 1109) em O gramtico:
[...] no quero que te apegues de tal modo s coisas que dissemos que as sustente
teimosamente, se algum conseguisse destru-las com argumentos mais fortes e
estabelecer coisas contrrias. Se isso acontecer, pelo menos no negars que estas
afirmaes nos serviram de exerccios para discusses (SANTO ANSELMO, 1979:
197).
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Essas so as frases de um mestre medieval do sculo XI. Homem ligado ao universo
monstico e responsvel pela formao de diversos outros mestres do sculo XII (VAUGHN,
2006: 99-127). Sem meias-verdades e jogos retricos, Anselmo foi taxativo: o conhecimento
formava-se pelo debate constante, e no se resumia autoridade de quem dizia ou escrevia algo.
Uma boa argumentao destituiria verdades estabelecidas. O ensinamento anselmiano ecoou no
stimo livro do Policraticus (1159) de Joo de Salisbury:
Se essas investigaes parecem se aproximar mais da filosofia formal, o esprito de
investigao deve corresponder mais s prticas acadmicas no lugar do plano de um
resoluto combatente, de modo que, no exame da verdade, cada pessoa reserva a si a
liberdade de julgar e a autoridade dos escritos deve ser considerada intil se subjugada
por um argumento melhor (JOHN OF SALISBURY, 1990: 147-148).
O estudante investiga, busca a verdade, no fim, julga. Se corretas e fundamentadas, as
consideraes desenvolvidas tomam o lugar do que ps prova. Este era o ciclo do conhecimento
definido por esses mestres Idade Mdia. Ao considerarmos o apreo dos medievais pelos
clssicos da Antiguidade, possvel afirmar que ambos, sobretudo o autor de Policraticus
(McGARRY, 1971: xxiii-xxiv), foram tributrios dos ensinamentos de Lcio Aneu Sneca (4
a.C - 65 d.C): Mesmo que seja visvel em ti a semelhana com algum autor cuja admirao se
gravou mais profundamente em ti, que essa semelhana seja a de um filho, no a de uma esttua:
a esttua um objeto morto (LCIO ANEU SNECA, 2009: 381-382).
Trs autores distintos, de formao e pocas diferentes, e um ponto convergente: pelas
ticas antiga e medieval, em confronto com o que C. Stephen Jaeger asseverou, o conhecimento
baseado puramente na autoridade pessoal era insuficiente, era preciso investigar, questionar as
verdades. Se preciso, super-las. Uma vez mais, a anlise isolada dos depoimentos de Pedro
Abelardo sobre Anselmo de Laon turvou a viso sobre a poca abordada. Pelo que escreveram
Anselmo de Aosta e Joo de Salisbury, luz do epistolrio senequiano, no mnimo, devemos
considerar que o apelo autoridade pessoal no era um cnone fossilizado na pedagogia
medieval dos sculos XI e XII, mais propensa ao dilogo que a imposio pura e simples.
Na primeira dcada deste sculo, Jay Rubenstein e Sally Vaughn (2006) organizaram uma
coletnea de estudos que reuniu autores com um tema nico: o impacto do ensino desenvolvido
nas escolas monsticas na Idade Mdia central (sculos XI-XIII), assim como o trabalho de seus
mestres, quase todos responsveis pela formao das geraes que conduziram o Renascimento
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do Sculo XII. A partir dessa coletnea, novamente retomamos a orientao que nos trouxe at
aqui: existiu uma ruptura entre o ensino monstico e o ensino das escolas das catedrais urbanas
ou estamos diante de um produto desenvolvido nos laboratrios da historiografia?
Um fato intrigante que, bem antes de Jacques Le Goff, Charles Homer Haskins (1927:
16), em livro quase centenrio, no foi to radical e dicotmico quanto seus sucessores. Para
Haskins, embora assaz descritivo em suas investigaes, o suposto renascimento ocorrido no
sculo XII possua razes intelectuais profundas, algumas delas ligadas ao monaquismo. Alm
disso, este autor, ainda que sucinto, entendeu os acontecimentos dos sculos XI e XII no como
uma criao indita, mas como a intensificao de um processo anterior, algo que se estendeu do
sculo IX (Renascimento Carolngio) ao XII.
Em publicao de meados dos anos oitenta, Marjorie Chibnall (1984: 99) retomou e
aprofundou o que Charles Homer Haskins apenas sugeriu. Referncia para Rubenstein e Vaughn
(2006: 4), Chibnall mostrou-se menos propensa a se render aos modelos economicistas fechados
que a historiografia tradicional lhe ofereceu. Para essa autora, necessrio entender os homens
ligados ao saber dos sculos XI e XII inseridos em um processo de trocas constantes, e estas se
mostraram mais freqentes que os conflitos. Em nossas anlises, percebemos que o que Chibnall
apontou torna-se mais ntido quando as prticas pedaggicas comuns entre mosteiros e escolas
das catedrais urbanas so observadas em conjunto.
E no dilogo com Charles Homer Haskins, Marjorie Chibnall, Jay Rubenstein e Sally
Vaughn, com os ps firmes na anlise das fontes primrias, que defendemos a necessidade de se
entender o que ocorreu no sculo XII como um processo multifacetado. Este no se deu em
blocos hermticos que deixavam para trs um passado supostamente religioso e arcaico. Em
suma, um processo amplo e que por bom tempo amalgamou realidades distintas, no uma
evoluo manifesta e ininterrupta sustentada por pilares estritamente laicos e econmicos.
A partir de nossas anlises do medievo, deparamo-nos com a aplicao de castigos,
prtica pedaggica que se disseminou por mosteiros e escolas pertencentes s catedrais urbanas.
Nem mesmo professores particulares remunerados abriram mo de tal recurso. Longe de serem
aes meramente violentas, os castigos intentavam corrigir estud
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