ação civil pública do brt - transoeste - replica 0059801 48.2014.8.19.0001
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Meio Ambiente – Capital
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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA
CAPITAL – ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Processo nº 0059801-48.2014.8.19.0001
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, pelo Promotor de
Justiça que ao final subscreve, nos autos da ação civil pública que move em face do MUNICÍPIO
DO RIO DE JANEIRO, vem, tempestivamente, apresentar
RÉPLICA
à contestação apresentada pelo réu, na forma a seguir exposta:
I - DA SÍNTESE DA DEMANDA
Trata-se de ação civil pública que busca provimento jurisdicional para proteger o
meio ambiente (incluindo a dimensão urbanística-ambiental) ameaçado de lesão irreparável e,
assim, prevenir graves impactos negativos à coletividade e à ordem jurídica, que ainda podem
ser evitados e sanados tempestivamente, adotando-se as medidas exigíveis previstas na
legislação de licenciamento ambiental, aplicáveis ao projeto denominado BRT Transoeste
– Lote Zero.
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Conforme amplamente divulgado pela própria Prefeitura, o Município do Rio de
Janeiro pretende realizar a ligação do Terminal Alvorada (localizado no entrocamento das
principais vias da Barra da Tjuca) com a futura Estação Metroviária do Jardim Oceânico
(localizada no início da Barra, e integrante da Linha 4 do metrô em construção), fazendo-o por
intermédio do sistema de BRT (corredores viários exclusivos para ônibus), mais
especificamente pelo denominado corredor TRANSOESTE.
Ocorre que, ao tentar suprir o atraso a que deu causa na implantação do referido
sistema de transporte modal, o Município do Rio de Janeiro, pelas Secretarias de Obras e de
Meio Ambiente, deliberadamente optou por desrespeitar normas constitucionais e legais,
cogentes e de ordem pública, que disciplinam um dos mais importantes instrumentos de
prevenção de impactos previstos no ordenamento jurídico: o licenciamento ambiental.
Com efeito, por ocasião do autolicenciamento ambiental do projeto em questão
- Lote 0 do BRT Transoeste – foram cometidas as seguintes ilegalidades, que caracterizam 5
vícios distintos que, mesmo considerados isoladamente, maculam e invalidam a licença auto
concedida pelos órgãos do Município:
(i) autolicenciamento ambiental deferido por órgão municipal incompetente para
licenciar no caso concreto;
(ii) não elaboração e aprovação de EIA/RIMA;
(iii) não realização de audiência pública, para assegurar participação popular e
conferir ampla publicidade aos impactos do empreendimento;
(iv) fragmentação ilícita do projeto, burlando normas procedimentais de
licenciamento ambiental aplicáveis, em razão da sua real dimensão;
(v) omissões na avaliação de impactos, notadamente dos negativos e que dizem
respeito às fases de obras e de operação do empreendimento;
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Nesse contexto, e malgrado os apelos da sociedade (eg. para participar
legitimamente do processo de licenciamento e discutir seus impactos em audiência pública) e as
tentativas do MPRJ (vg. com a expedição de recomendação às autoridades municipais)
anteriores ao ajuizamento da demanda para impedir, corrigir e sanar as ilegalidades verificadas,
o Município do Rio de Janeiro segue com o seu propósito de iniciar a implantação do referido
projeto, sem observar o devido processo legal de licenciamento ambiental, sendo certo que,
em 05 de fevereiro de 2014, concluiu a licitação para a contratação de empreiteira que
executará as respectivas obras, estando na iminência de iniciá-las a despeito de todas as
ilegalidades existentes.
Por todo o exposto, só restou ao MPRJ, na qualidade de representante da
sociedade titular dos direitos coletivos indisponíveis ameaçados - notadamente da ordem
urbanística e ambiental, bem como de seus componentes (mobilidade urbana efetiva e
sustentável e gestão democrática das cidades) -, a propositura da presente Ação Civil Pública,
na qual se busca, com base no princípio da prevenção de danos irreparáveis:
(i) a suspensão do autolicenciamento ambiental do projeto e a proibição
temporária do início das obras até que o Município tenha cumprido as
seguintes exigências legais:
a) a realização do necessário e adequado instrumento de avaliação de impactos,
qual seja, o EIA/RIMA;
b) a complementação dos estudos e análises integrantes da avaliação de impacto,
notadamente o estudo de alternativas locacionais e tecnológicas (verbi gratia:
extensão futura da Linha 4 do Metrô), bem como o estudo dos impactos
cumulativos e sinérgicos com outros empreendimentos e modais de transporte
que estarão integrados em retroalimentação de passageiros (consumidores e
contribuintes, em última análise);
c) a realização de audiência pública nos moldes legais.
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d) a obtenção de licença ambiental de instalação concedida pelo órgão
estadual competente para analisar empreendimentos de impactos significativos
(INEA).
Como se observa na síntese da demanda, o Ministério Público postula não mais
(nem menos) do que estrita observância do princípio da legalidade, no mérito desta ação civil
pública. Fomos extremamente contidos e rigorosos no autoexame dos limites do nosso munus
constitucional. Não postulamos, nem adentramos remotamente, no mérito administrativo do
projeto. Não opinamos, nem especulamos, em nenhuma linha da inicial, sobre a impertinência, a
inadequação e os interesses que tal decisão discricionária possa atender ou deixar de atender.
Traçamos uma linha vermelha que não ousamos atravessar sob nenhuma
hipótese. Esta linha é a mesma que foi traçada pelo Constituinte originário e pelos Legisladores
democraticamente eleitos para a difícil tarefa de disciplinar a forma com que o Poder Público
pode, e na verdade deve, agir em situações desta natureza.
Esta linha foi tracejada na Constituição e em leis muito claras e específicas.
Sublinhamos ao longo da inicial, e voltaremos a fazer nesta réplica, os limites da fronteira legal,
da forma mais detalhada possível, para que ninguém, nem mesmo o Poder Judiciário, olvide de
sua existência. Trata-se da mesma linha que o réu violou com desenvoltura, a pretexto de
infundada pressa.
A ação civil pública e o pedido liminar se baseiam unicamente em normas
constitucionais e legais explícitas, diretas, que estabelecem as etapas do devido processo de
licenciamento ambiental de empreendimentos deste porte, mas restaram atropeladas de forma
fulminante pelo réu no caso concreto.
Neste sentido, restando inequívoca a violação ao devido processo legal de
licenciamento ambiental e iminente o início das obras, cujos enormes impactos não foram
devidamente sequer analisados, muito menos mitigados, resta à sociedade a expectativa justa
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de procedência integral dos pedidos a tempo hábil de impedir a consumação de danos
irreparáveis à ordem jurídica e aos interesses indisponíveis da sociedade, tutelados na presente.
II – DA CONTESTAÇÃO DO MUNICÍPIO
O MUNCÍPIO, ao contestar a petição inicial, não suscitou qualquer questão preliminar,
limitando-se a argumentar no mérito os seguintes pontos:
a) Inexistência de fragmentação do processo de licenciamento ambiental.
b) Inexigibilidade de EIA-RIMA no caso em exame.
c) Competência municipal para o autolicenciamento ambiental.
d) Inexistência de omissões no processo de licenciamento ambiental.
e) Possibilidade de restaurar posteriormente os danos ao meio ambiente.
f) A “percepção” de que o empreendimento será útil ao sistema metroviário.
Passamos então a examinar cada um dos argumentos lançados na contestação,
à luz dos fatos e do Direito aplicável.
III – A FRAGMENTAÇÃO ILÍCITA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
O Município inicia sua contestação alegando inexistir fragmentação do
processo de licenciamento ambiental do projeto de implantação do ligação viário exclusiva para
BRT, denominado Transoeste – Lote 0.
Para sustentar tal negativa, eis que a fragmentação é explicitamente vedada no
ordenamento, o Município alega que o projeto original da Linha de BRT Transoeste previa que o
citado corredor de BRT se encerraria no Terminal Alvorada.
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Porém, alega o Município, com as obras de instalação da Linha 4 do Metrô, teria
então surgido a necessidade de estender a Linha de BRT Transoeste até a estação da Linha 4
no Jardim Oceânico.
Desta forma, conclui o Município que a fragmentação do processo de
licenciamento ambiental da Linha Transoeste obedeceu a um fato superveniente que lhe era
desconhecido anteriormente, qual seja, a existência da linha 4 do Metrô no Jardim Oceânico.
Tal argumento, com a vênia devida, não possui qualquer amparo nos fatos ou na
realidade.
O que o Município não disse em sua contestação, mas deveria ter dito porque
tem ciência, é que a Linha 4 do Metrô foi projetada há várias décadas, sua concessão e
construção foi licitada publicamente pelo Governo do Estado em 1998, e o licenciamento
ambiental de seu trecho situado na Barra (que inclui a Estação Jardim Oceânico) ocorreu em
2004.
Por fim, o Município também deveria ter dito, mas omitiu, que na ocasião em que
foi concedida a licença para o trecho inicial da Linha 4 em 2004, a própria Prefeitura havia
assumido o empreendimento metroviário de natureza estadual, através de convênio celebrado
com o Estado do Rio de Janeiro.
Ou seja, há mais de dez anos é de conhecimento público e têm ciência
inequívoca os órgãos técnicos do Município, que a Linha 4 do Metrô seria construída iniciando-
se no Jardim Oceânico. A única dúvida que poderia haver era sobre qual seria seu trajeto a partir
da Gávea, se em direção à Botafogo, ao Centro ou à Ipanema (alternativa concretizada). Mas a
existência de uma estação inicial no Jardim Oceânico nunca foi objeto de nenhuma controvérsia
ou dúvida.
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A construção efetiva da Linha 4 no Jardim Oceânico iniciou-se no longínquo ano
de 2011, com a instalação de canteiros de obras em plena via pública no coração do Jardim
Oceânico, de forma que é absolutamente destituída de mínima verossimilhança a alegação de
que o Município não tinha conhecimento da existência futura de estação metroviária da Linha 4
no Jardim Oceânico, quando projetou e obteve licença para a Linha de BRT Transoeste.
Tanto o Município sabia, que foi o próprio Município quem pleiteou, ao lado da
Concessionário Rio-Barra, a licença ambiental para construir o trecho inicial da Linha 4 (Jardim
Oceânico-Gávea) no ano de 2004. Naquela ocasião, a Prefeitura havia decidido executar com
recursos municipais o trecho inicial da Linha 4 do Metrô, com vistas a atender a realização dos
Jogos Panamericanos de 2007. Para tanto chegou a celebrar convênio com o Governo do
Estado, assinado em 29 de abril de 2004.
Desde aquela ocasião, o Município tinha total ciência de que o traçado da Linha
4 do metrô iniciava-se no Jardim Oceânico.
Fica, portanto, completamente afastada a alegação de que o Município não tinha
como prever a necessidade de se estender a Linha de BRT Transoeste até o Jardim Oceânico
quando da concepção do projeto do BRT e seu primitivo licenciamento ambiental.
O que o Município não tem como explicar, talvez por isso tenha recorrido à
narrativa acima desconstituída, é por qual razão seus órgãos de planejamento optaram pela
fragmentação do processo de licenciamento ambiental do BRT Transoeste, dividindo-o em 2
partes que receberam tratamentos completamente distintos até receberem licença ambiental,
apesar de integrarem a mesma linha de BRT.
O licenciamento do trecho inicial, que importou na duplicação da Avenida das
Américas a partir do do Recreio dos Bandeirantes, incluindo a construção do Túnel da Grota
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Funda, teve início em 1999, junto à FEEMA (órgão ambiental estadual), praticamente na mesma
ocasião que a Linha 4 do metrô foi objeto de concessão pelo Estado.
Em março de 2003, foi emitida pela FEEMA a Licença Prévia (LP n. FE003228)
para o projeto do Município, após a devida apresentação de EIA/RIMA e a indispensável
discussão em audiência pública. A Licença Ambiental de Instalação (LI n. FE003385) foi
concedida em 12 de agosto do mesmo ano, com validade até 2006.
De acordo com o empreendedor, as obras não foram realizadas à época por
inviabilidade econômica, decorrente do modelo de concessão viária adotado. Então,
posteriormente, a Prefeitura Municipal retomou o projeto entendendo como necessária a
implantação do projeto proposto, no entanto, com algumas modificações sensíveis.
Assim, em 18 de março de 2010, a Prefeitura Municipal solicitou ao INEA
(órgão ambiental estadual) nova Licença de Instalação para execução das obras do novo projeto
proposto. As principais alterações foram:
(i) eliminação da praça de pedágio;
(ii) alteração física do traçado e;
(iii) introdução do sistema de transporte BRT Transoeste.
Ou seja, somente em 2010, a Prefeitura efetivamente introduziu no projeto a
linha de BRT Transoeste, momento em que era inafastável sua plena ciência sobre a futura
existência da estação da Linha 4 do metrô no Jardim Oceânico, já tendo sido inclusive assinado
o Termo Aditivo ao contrato de concessão da referida linha metroviária que formatou o traçado
atualmente em execução (termo aditivo assinado no dia 25 de fevereiro de 2010, entre o Estado
do Rio de Janeiro e a Concessionária Rio-Barra).
Há que se mencionar que, na ocasião, a Licença de Instalação original do BRT
Transoeste (LI n. FE003385), emitida em 2003, já estava vencida desde 2006, portanto, era
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necessário reavaliar os impactos modificados do projeto. Era o momento oportuno para avaliar o
projeto da Linha de BRT em sua integridade, incluindo o trecho até o Jardim Oceânico, evitando-
se o fracionamento ilícito que se seguiu.
Mas não foi isso o que ocorreu.
Em 19 de abril de 2010, tendo em vista a profunda e substancial alteração do
projeto licenciado, o INEA solicitou à Prefeitura Municipal apresentação de um estudo
comparativo entre os projetos, destacando as alterações, incluindo a avaliação dos
impactos ambientais de cada uma das alternativas e inventário da vegetação.
Três meses depois, em 19 de julho de 2010, mostrando que é possível agir com
celeridade e atender à legislação ambiental, a Prefeitura Municipal apresentou os estudos ao
INEA, o que fundamentou a emissão, em 25 de agosto de 2010, da nova Licença de Instalação
(LI n. IN002584), com validade até 25 de agosto de 2013.
Em 08 de julho de 2011, o INEA concedeu a Averbação n. AVB001260 da
Licença de Instalação n. IN002584 para incluir duas condições de validade da licença, a saber:
recuperação de 10,00 hectares de vegetação nativa (mangue ou floresta ombrófila) no interior da
Reserva Biológica de Guaratiba, considerando o período de implantação do projeto e mais 4
anos de manutenção, garantindo assim a consolidação do plantio, em área a ser indicada pelo
INEA; e apresentação ao INEA, no prazo de 30 dias, para análise e aprovação, de projeto de
recuperação de vegetação.
Contudo, nenhuma destas licenças abrange o trecho denominado lote zero
(Alvorada – Jardim Oceânico). Nenhum dos estudos analisou o impactos deste trecho. Nenhuma
audiência pública permitiu à sociedade debater sobre o trecho mais sensível e polêmico.
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Indaga-se então, porque o Município não incluiu a extensão do BRT Transoeste
do Terminal Alvorada até o Jardim Oceânico (o trecho denominado Lote Zero) no processo de
licenciamento ambiental acima referido em curso no INEA?
Porque optou por caminho mais rápido e vedado pela legislação, que subtraiu da
sociedade a possibilidade de conhecer os reais impactos do projeto em EIA-RIMA e debatê-los
em audiência pública?
As razões desta fragmentação não foram esclarecidas pelo Município na
contestação, exceto pela justificativa absurdamente inverossímil de que o Município não tinha
ciência da futura existência da Estação Jardim Oceânico da Linha 4 do metrô.
Mas esta subtração do direito transindividual ao debate público e análise dos
impactos do projeto, relacionada à fragmentação indevida do licenciamento ambiental, tem como
consequência inafastável a nulidade ao processo de autolicenciamento e das licenças
autoconcedidas.
E a explicação para tal nulidade é simples:
(i) o projeto do lote 0 do BRT Transoeste é uma inequívoca extensão e
complementação do Projeto BRT Transoeste, que, como visto anteriormente, foi
licenciado pelo Estado (INEA) mediante licenciamento ambiental sujeito à
EIA/RIMA;
(ii) não se coaduna com a legislação ambiental o
fracionamento/desmembramento de determinado projeto (e seus respectivos
impactos) para fins de licenciamento ambiental;
(iii) o Município do Rio de Janeiro não pode licenciar projetos/atividades
sujeitos à EIA/RIMA.
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A Resolução CONEMA nº 42/2012, em seu artigo 1º, parágrafo único, III, dispõe
que “não será considerado de âmbito local o impacto ambiental quando a atividade for listada em
âmbito federal ou estadual como sujeita à elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e
respectivo relatório de impacto ambiental (RIMA)”.
Noutro giro, temos que a ratio da Lei Complementar nº 140/2011 pautou-se,
dentre outros princípios, pela unicidade do licenciamento, evitando a tão prejudicial superposição
de competência. Na linha de uma interpretação histórica, destacamos que a própria Consultoria
Legislativa da Câmara dos Deputados, em estudo sobre o histórico, as controvérsias e as
perspectivas da legislação sobre licenciamento ambiental, ressaltou o seguinte:
(...) assim, a regulamentação do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal e a edição de uma lei federal sobre o licenciamento ambiental são consideradas fundamentais para melhor cooperação entre a União, os Estados e os Municípios e, em especial, para o fortalecimento do SISNAMA. Sem tais leis, que estão atreladas uma à outra, e com base apenas na estrutura normativa hoje existente, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente poluidores e causadores de degradação ambiental continuará sujeito à superposição de atribuições governamentais e a desgastantes processos judiciais (Maurício Boratto Vianna, 2005).
Assim, e considerando que a Resolução CONEMA supracitada - que possui
fundamento de validade e previsão na própria Lei Complementar n. 140, de 08 de dezembro de
2011 – não alterou as regras para o licenciamento de empreendimentos como o objeto desta
demanda, vez que dependente de EIA/RIMA, não há espaço para discussões (dotadas de
juridicidade) sobre um inadmissível “repasse” de licenciamento, que, a par de ferir a partilha
constitucional de competência, acarreta um fracionamento (e enfraquecimento) do licenciamento
incompatível com a lógica e o caráter instrumental-protetivo do licenciamento.
IV – A EXIGIBILIDADE DE EIA-RIMA
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Sustenta também o Município que não seria exigível EIA-RIMA para o
licenciamento da Linha de BRT Transoeste porque este não é um “projeto de
desenvolvimento urbano”, tampouco é uma “ampliação estrada de rodagem”, ambos
conceitos legais que exigem expressamente EIA-RIMA.
Na visão do Município, o projeto da Linha de BRT Transoeste é apenas uma
mera “readequação viária”, seja lá o que isso signifique.
Com a venia devida, tal alegação baseia-se pura e simplesmente na
descaracterização semântica das expressões legais “projeto de desenvolvimento urbano” e
“ampliação estrada de rodagem”, substituindo-se tais categorias previstas no ordenamento, para
as quais se exige expressamente EIA-RIMA, por outra inexistente, fruto da criatividade vocabular
do réu, a tal “readequação viária”.
Ao que parece, nesta segunda alegação, o Município incrivelmente sustenta a
visão reducionista a respeito do instituto do licenciamento ambiental, restringindo-o à análise dos
impactos que afetem diretamente o meio ambiente natural e mais nada.
Fora destas hipóteses, que seriam bastante raras em uma metrópole, o
Município sanciona a tese de ser desnecessária qualquer exigência de estudos de impacto,
alternativas ou sinergia do empreendimento na sua zona de influência. Esquece-se, desta forma,
que o ser humano também pode ser severamente impactado em outras dimensões ambientais
que não seja a da natureza em seu estado primitivo.
Aliás, isto resta explícito na legislação aplicável, exposta minuciosamente na
inicial:
Não apenas os impactos ao meio ambiente natural (eg. fauna e flora) são dignos
do manto protetivo do EIA/RIMA, como também aqueles de natureza socioeconômica e
urbanística. Isso decorre do conceito amplo de meio ambiente (a propósito, confira-se conceito
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de poluição – LEI 6.938/81, ART. 3º, III; e MPRJ v. Niterói, TJRJ Apl 0045652-20.2009.8.19.0002
19ª Câm. Cível, 2012) e também da incorporação na Resolução CONAMA nº 01/1986 do meio
socioeconômico como objeto do diagnóstico ambiental avaliado pelo EIA/RIMA (art.6º, I, c).
A Resolução CONAMA n. 01, de 23 de janeiro de 1986, em seu art. 2º, lista as
atividades que dependem de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório
de impacto ambiental, a serem submetidos à aprovação do órgão competente, para seu
licenciamento. Dentre as atividades listadas, destaca-se o inciso “XV – Projetos urbanísticos,
acima de 100ha ou em áreas consideradas de relevante interesse ambiental a critério da SEMA
e dos órgãos municipais e estaduais competentes”.
A Lei Estadual n. 1356, de 03 de outubro de 1988, por sua vez, lista no art. 1º as
atividades que dependem de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório
de impacto ambiental, a serem submetidos à aprovação da CECA, para seu licenciamento, e
inclui, no inciso XIV, “projetos de desenvolvimento urbano em áreas acima de 50 (cinquenta)
hectares, ou menores, quando confrontantes com unidades de conservação da natureza ou em
áreas de interesse especial ou ambiental, conforme definidas pela legislação em vigor”. A
mesma definição pode ser observada no “item 4.14” da DZ-041.R-13 – Diretriz para Realização
de Estudo de Impacto Ambiental – EIA e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.
Observa-se, nesse contexto, que tanto a legislação federal quanto a estadual
determinam a necessidade de elaboração de EIA/RIMA, respectivamente, para o licenciamento
de projetos urbanísticos e projetos de desenvolvimento urbano, sendo que a Lei Estadual é
ainda mais restritiva quanto ao porte.
Como muito bem observado pelo GATE/MPRJ em seu Parecer Técnico nº
328/2013 (doc.08 da inicial), conquanto o projeto/empreendimento do BRT Transoeste – Lote 0
tenha sido classificado no processo de licenciamento ambiental como um corredor exclusivo de
ônibus de aproximadamente 6,4km, incluindo a implantação de estações de parada do sistema e
de obras de arte (pontes e viadutos), esse tipo de projeto extrapola tal classificação em função
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das transformações urbanísticas e socioeconômicas que pode gerar (ex.: valorização do solo,
alteração de uso, adensamento urbano, etc.).
Ademais, e novamente como bem alertado pelo GATE/MPRJ, o sistema de
BRT, por atrair uma grande quantidade de pedestres, antes inexistente, para o canteiro central
de uma via estrutural desenhada originalmente para dar prioridade ao fluxo de veículos, exige
que o projeto contemple elementos e soluções (ex.: tratamento urbanístico do espaço público
voltado ao pedestre1, inclusive das travessias) que vão muito além de um simples projeto de
corredor viário com sete estações, caracterizando-o como um projeto urbanístico e/ou como um
projeto de desenvolvimento urbano.
Nesse contexto, temos que o projeto em tela se enquadra no conceito de projeto
urbanístico ou de desenvolvimento urbano que, conforme definido no referido Parecer Técnico
do GATE, pode ser entendido como “uma intenção de intervenção física em solo urbano,
independente da natureza da atividade e da forma, relacionada à questão urbana, sendo
expresso por meio de um conjunto de elementos textuais e gráficos, cujos objetivos estão
vinculados aos objetivos maiores de suas regiões envolventes”.
Para além da natureza da intervenção, ou seja, de projeto urbanístico ou de
desenvolvimento urbano, afigura-se acertada a delimitação espacial encampada pelo Grupo
Técnico do Autor no Parecer Técnico nº 328/2013, ao consignar:”
“considerando que a área de influência direta de um sistema de BRT
inclui um raio de pelo menos 400 metros a partir de cada estação2
1 Tal preocupação deve ser ainda maior quando sabemos que é público e notório os constantes casos de acidentes (ex: atropelamentos) envolvendo este sistema. A propósito, vide doc. 09 em anexo.
2 Convencionou-se, na comunidade técnica-científica, que a poligonal formada pela distância de caminhada de 400 metros a partir de uma estação de transporte (ponto de conexão do sistema) configura a área de influência direta dos sistemas de transportes. Essa distância é caminhável para grande parte da população sendo, inclusive, referência para definir a distância entre pontos de ônibus (máximo de 800 metros). No caso do BRT Transoeste – Lote 0, o único trecho que não segue esse parâmetro é entre a Estação Porto dos Cabritos e o Terminal Jardim Oceânico, no qual a distância entre estações atinge 1.135 metros.
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(800m de diâmetro) e que o BRT Transoeste – Lote 0, possui 6,4km
(6.400m) de extensão, o projeto abrangeria uma área de
aproximadamente 512 hectares (5.120.000 m²), se enquadrando tanto
da definição da legislação estadual quanto federal. De forma mais
conservadora, ainda que se considere como área de projeto, apenas a
largura da Avenida das Américas, de aproximadamente 80 metros, o
empreendimento abrangeria 51,2 hectares (512.000 m²), se
enquadrando no porte definido pela Lei Estadual n. 1356, de 03 de
outubro de 1988.”
Conclui-se, portanto, que do ponto de vista técnico-legal, o projeto em questão
se enquadra, sem qualquer dúvida, tanto na legislação federal quanto estadual quanto à
necessidade de EIA/RIMA para a intervenção.
Em outras palavras, não são apenas “92 indivíduos arbóreos” que fazem
incidir as normas legais de licenciamento ambiental e a exigência de EIA-RIMA no caso
concreto.
Agora, mesmo que absurdamente entenda-se que uma nova Linha de BRT no
eixo do bairro mais importante da urbe, não caracteriza um “projeto de desenvolvimento
urbano”, ainda assim incidiria a exigência de EIA-RIMA por aplicação literal e expressa da
Resolução CONAMA que disciplina a matéria em âmbito federal e da Lei Estadual nº 1356/98.
A citada Resolução CONAMA, no artigo 2º, inciso I, determina que a execução
de estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, dependerá da elaboração de
estudo de impacto ambiental ( EIA ) e relatório de impacto ambiental a serem aprovados pelo
órgão estadual competente.
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Já a Lei Estadual nº 1.356/98, no artigo 1º, inciso I, determina que a execução
e AMPLIAÇÃO de estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, dependerá da
elaboração de estudo de impacto ambiental ( EIA ) e relatório de impacto ambiental a serem
aprovados pela Comissão Estadual de Controle Ambiental – CECA.
V – O PREJUÍZO E A NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE EIA-
RIMA
Resta inequívoca a nulidade do processo de autolicenciamento e das licenças
concedidas, decorrente da ausência de EIA-RIMA.
A noção de “vício”, notadamente à luz da doutrina e da jurisprudência, remete à
ideia de mácula, defeito ou irregularidade. Para os civilistas ou publicistas, a noção é
basicamente a mesma, consistindo na ausência de determinado requisito de validade do
ato/negócio jurídico.
Quando transpomos essa compreensão para o campo do licenciamento
ambiental, e nela inserimos a atuação do órgão ambiental responsável por sua condução,
podemos nos referir simplesmente a ilegalidades, que podem ser cometidas por ação (eg.
informação enganosa) ou omissão.
Não se olvide, ainda, que o princípio da legalidade (art. 37 da CRFB/1988), ao
lado da natureza administrativa do procedimento de licenciamento3, torna a existência daqueles
vícios especialmente gravosa, principalmente por abalarem, em maior ou menor grau, a
supremacia do interesse público - tais como a proteção ao meio ambiente sustentável, a função
social das cidades e a gestão democrática destas.
3 De acordo com o art. 1º, I, da Res. CONAMA nº 237/1997, o licenciamento ambiental é definido como o “procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”.
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Feita essa breve contextualização, voltemos aos vícios que inquinam, in casu, o
procedimento administrativo de licenciamento e o seu “ato final” e mais importante, qual seja, a
licença ambiental4. Destaca-se claramente a ausência de apresentação e aprovação de
EIA/RIMA.
Antes, no entanto, expliquemos o EIA/RIMA e a sua importância. O que é o
Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA/RIMA? Quando é IMPERATIVO exigi-lo?
De acordo com a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, “[a] construc a o,
instalac a o, ampliac a o e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos
ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob
qualquer forma, de causar degradac a o ambiental, dependera o de pre vio licenciamento (...)” (Lei
n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, art. 10).
É, por outro lado, o próprio Conselho Nacional do Meio Ambiente que define o
licenciamento e a licença ambiental como procedimento e ato final que representa o
conhecimento e certeza do órgão ambiental quanto à adequação técnica, legal e regulamentar
da atividade proposta pelo interessado, diante de condições, restrições e medidas de controle
ambiental estabelecidas pelo mesmo órgão (Resolução CONAMA n. 237, de 19 de dezembro de
1997, art. 1º, incisos I e II).
Os dados que instruem o licenciamento ambiental dizem respeito a duas
variáveis necessárias à finalidade do procedimento: a vulnerabilidade socioambiental do local da
atividade, assim como os potenciais efeitos desta – tanto da instalação quanto de seu
funcionamento (art. 2º, §2º da Resolução CONAMA n. 237, de 19 de dezembro de 1997).
Quando, em razão da conjugação daqueles dois fatores, houver probabilidade de que o potencial
impacto causado pela atividade seja significativo, a norma constitucional do art. 225, §1º, inciso
IV, exige que o licenciamento ambiental seja mais complexo e exauriente quanto às informações
4 Sobre a natureza (ato administrativo) e a finalidade da licença ambiental, vide inciso II do art. 1º da Res. supra.
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consideradas. O licenciamento ambiental passa a incorporar uma série de atos necessários para
a elaboração, publicidade, discussão, análise, aprovação e decisão com base em EIA/RIMA.
O EIA é, na verdade, mais do que um Estudo. Representa verdadeiro processo,
dentro do processo de licenciamento. Todo o seu conteúdo e rito são regidos por Lei - por força
da delegação legislativa do art. 8º, inciso I da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981 para o
CONAMA que, por sua vez, editou a Resolução CONAMA nº. 1, de 23 de janeiro de 1986. As
normas específicas que dão normatividade ao conteúdo mínimo e ao processo de publicidade e
participação pública do EIA incorporam-se e formam o devido processo legal do licenciamento,
condicionando a validade de todas as licenças ambientais que forem emitidas para o Projeto
analisado.
Bem de ver que a triagem é a primeira fase do processo de licenciamento, para
a definição sobre tratar-se ou não de hipótese que exija EIA. É saber se a atividade em questão,
proposta para o local pretendido pelo requerente, apresenta potencial de significativo impacto
ambiental. De acordo com os diferentes sistemas normativos – hoje, mais de 150 países –, o
critério de triagem pode ser o de (i) categorias, (ii) abertos ou (iii) uma combinação de ambos.
(SÁNCHEZ, L. E. Avaliação de Impacto Ambiental: Conceito e Método. São Paulo: Oficina de
Textos, 2008, p. 125).
O sistema brasileiro é o terceiro, uma combinação de critérios definidos por rol
exemplificativo de categorias específicas de atividades (Resolução CONAMA n. 1, de 23 de
janeiro de 1986, art. 2º) ao lado do poder-dever de o órgão ambiental avaliar circunstâncias
específicas de atividades outras que, em razão de sua natureza e local proposto para instalação
e funcionamento, apresentem o potencial de impactos significativos.
Para além da incidência da legislação supracitada, não se pode perder de vista,
ainda, que: (i) no âmbito do Município do Rio de Janeiro, em se tratando de licenciamento
ambiental, também se deve observar o Decreto Municipal nº 26.912/2006; (ii) que a expressão
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“significativo impacto ambiental” (rectius: socioambiental), uma vez revelada pelas circunstâncias
(local + impacto da atividade), impõe a apresentação e aprovação de EIA/RIMA.
O Decreto nº 26.912/2006 – regulamenta o licenciamento ambiental, a avaliação
de impactos ambientais e o cadastro ambiental Municipal e dá outras providências -, em seu
Anexo III, traz as “atividades ou empreendimentos sujeitos à apresentação de Estudo Prévio de
Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental – EPIA/RIMA”. E, logo em seu item 1), prevê
as seguintes atividades: estradas de rodagem, vias estruturais, túneis, viadutos e pontes.
Como dito acima, o empreendimento em questão prevê a construção de 2
pontes sobre o Canal do Marapendi e de 1 viaduto sobre a Rua Armando Lombardi.
Se não bastasse a adequação típica, suficiente para corroborar a exigência do
EIA/RIMA, temos que o cotejo do meio impactado com a atividade proposta também aponta para
a exigência do referido estudo. Ou seja, além da dupla fundamentação típica para a exigência do
EIA/RIMA, consubstanciada no projeto urbanístico/desenvolvimento urbano + construção de
pontes e viadutos, ainda temos um terceiro fundamento, revelado pela magnitude dos impactos
socioeconômicos.
Conforme mencionado anteriormente, o sistema brasileiro, para fins de
exigência de EIA/RIMA, é representado por uma combinação de critérios definidos por rol
exemplificativo de categorias específicas de atividades (Resolução CONAMA n. 1/1986, art. 2º)
com o dever-poder de o órgão ambiental avaliar circunstâncias específicas de atividades outras
que, em razão de sua natureza e local proposto para instalação e funcionamento, apresentem o
potencial de impactos significativos.
Assim, para além das hipóteses enunciadas na Resolução CONAMA (que
podem ser ampliadas pelos Estados e Municípios), tem-se que o dever-poder remanescente –
de exigir EIA para atividades não listadas no rol do art. 2º – decorre não só da própria expressão
“tais como” daquele dispositivo, como do próprio dever de dar concretude à expressão aberta
“significativo impacto ambiental”.
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In casu, a conjugação da relevância socioeconômica do meio e da pressão
urbanística do Projeto aponta para a potencialidade de impactos ambientais significativos (art. 2º,
caput, Resolução CONAMA n. 1/1986).
Ora, não resta dúvida que um sistema de BRT com mais de 6 km de extensão,
acompanhado de 7 estações, 2 pontes e 1 viaduto, além de um terminal de BRT (que, apesar de
não incluído formalmente no bojo do Projeto, obviamente o integra fática e urbanisticamente) e
que atinge uma unidade de conservação ambiental – a APA Marapendi, gera significativos
impactos socioeconômicos, ambientais e urbanísticos, tanto na fase de obras (vide, por
exemplo, os graves impactos da demolição do Elevado da Perimetral) como de operação.
Ainda mais no extenso trecho mais adensado (vg. população fixa e flutuante) da Barra da Tijuca.
Mesmo diante de uma múltipla fundamentação para o EIA/RIMA (projeto
urbanístico/desenvolvimento urbano com mais de 50 ha + ampliação de estrada de rodagem +
construção de pontes e viadutos, inclusive interferindo na APA Marependi + relevância
socioambiental do meio impacto sujeito à significativo impacto urbanístico e socioeconômico), o
Município, por seu órgão ambiental licenciador, entendeu pela desnecessidade do EIA/RIMA.
O Município fez pouco da legislação ambiental, e não porque a desconheça.
VI – A INCOMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA O AUTOLICENCIAMENTO NO
CASO CONCRETO
Ao justificar sua própria competência administrativa para autoconceder licença
ambiental ao projeto do BRT Transoeste Lote Zero, o Município invoca convênio celebrado com
o Estado do Rio de Janeiro.
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Mais adiante, o Município afirma que “autolicenciamento é da natureza do
sistema de licenciamento ambiental previsto no ordenamento brasileiro”, como se tal hipótese
fosse a regra natural.
Equivoca-se duplamente.
Em primeiro lugar porque o citado convênio exclui expressamente da
competência municipal o licenciamento ambiental nos casos em que for exigível EIA-
RIMA. Tais casos permanecem sob competência estadual.
Esta simples assertiva acrescida circunstância inequívoca de que é imperativa a
exigência de EIA-RIMA no caso concreto, já é suficiente para esclarecer a incompetência
municipal para se autoconceder licença ambiental no que toca ao Projeto de BRT
Transoeste.
Não obstante, convém registrar a gravidade qualificada do vício de
incompetência administrativa nas hipóteses de autolicenciamento.
Autolicenciamento é a denominação que se atribui ao processo administrativo no
qual há confusão entre o requerente da licença (empreendedor) e o órgão ambiental que
examina o requerimento (licenciador). No caso em exame, o requerente da licença (Secretaria
Municipal de Obras) e o órgão licenciador (Secretaria Municipal de Meio Ambiente), pertencem
ao mesmo ente público (Município) e os respectivos secretários são ocupantes de cargos de
confiança de livre exoneração, nomeados e submetidos à chefia hierárquica emanada da mesma
autoridade: S. Exa., o Prefeito.
Como demonstra a experiência, não é incomum em casos de autolicenciamento
que os órgãos técnicos vejam-se sobrepujados pelas decisões políticas superiores.
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Ocorre que a legislação ambiental tem base constitucional, possui validade,
eficácia e imperatividade, de forma que não pode ser reduzida a um detalhe inconveniente e
desimportante, destituído da possibilidade real de modificar ou retardar a execução de decisões
já tomadas muito antes do licenciamento sequer ter sido iniciado, em instâncias de natureza
política.
Não deveria ser assim, claro.
Em situações de autolicenciamento, justo para não conceder margem a qualquer
tipo de dúvida que possa surgir sobre a autonomia do órgão ambiental nas decisões proferidas
no seu âmbito de competência legal, o processo de licenciamento deveria se revestir de caráter
ainda mais rigoroso, amplamente público, transparente e estritamente respaldado pela
legalidade.
Não convém perder de vista que o projeto em análise (corredores viários
exclusivos para ônibus de passageiros, que atravessam o eixo principal do bairro que mais
cresce na cidade) é de notório interesse público, mas também de evidente interesse privado.
Portanto, a observância da legalidade estrita não é, de maneira alguma, formalidade
desimportante que possa ser modificada de forma discricionária pelo administrador da vez.
VII – AS GRAVES E ILÍCITAS OMISSÕES VERIFICADAS NO PROCESSO DE
LICENCIAMENTO
Em sua contestação, o Município afirma inexistirem omissões no processo de
licenciamento ambiental. Ao sustentar esta alegação, o Município parece flertar com a perigosa
tese de que qualquer ilegalidade formal eventualmente ocorrida teria sido suprida pelo conteúdo
do processo de licenciamento.
A maior de todas as omissões, é claro, reside na injustificável ausência de EIA-
RIMA já amplamente exposta e na supressão da imprescindível realização de audiência pública.
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A ausência dos estudos legalmente previstos impede, na prática, a mitigação
dos impactos através de medidas planejadas com antecedência e base técnico-científica.
Convenhamos que não possuem o Ministério Público, o Juízo a quo, tampouco o Prefeito
Municipal dons premonitórios sobre impactos viários.
Trata-se de matéria de altamente complexa que exige muito conhecimento
especifico, colheita intensa de dados de campo, e detida análise de cenários, com auxílio de
instrumentos simuladores de tráfego extremamente sofisticados (tanto o software quanto o
hardware).
Por esta razão, não ousa o Ministério Público afirmar se o projeto em questão
tem ou não condições de melhorar o fluxo viário na cidade, pela singela razão de que isto não foi
objeto de EIA/RIMA ou de qualquer outro estudo digno do nome, no âmbito do processo de
licenciamento ambiental do empreendimento.
Desta forma, preferimos nos limitarmos ao nosso restrito círculo de capacidades
e competências de natureza jurídica, sem anteciparmos conclusões que demandam estudos
altamente específicos.
Contudo, dentro da esfera jurídica, para a qual efetivamente estamos aptos a
exercer nosso mister, podemos afirmar sem sombra de dúvida que cumprir as normas legais de
licenciamento ambiental não é mera faculdade. É obrigatório e imperativo para todos que
desejem empreender em porte significativo, inclusive e especialmente o Poder Público, como
está ressaltado no art. 225, §1º, IV da Constituição Federal.
Sabemos que o processo de licenciamento ambiental e a exigência de EIA/RMA
e audiência pública, não são panaceia à prova de falhas. Mas são fruto das escolhas refletidas
do legislador e do Constituinte. Mesmo após a conclusão do licenciamento precedido de
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EIA/RIMA e de audiência pública, é possível, embora não seja provável, que algum dano
relevante venha a ser consumado em razão da instalação do empreendimento licenciado.
Porém, eis o ponto crucial, observar o devido processo legal de
licenciamento ambiental é muito mais seguro e menos temerário do que simplesmente
não cumpri-lo. Além disso, as exigências do licenciamento ambiental não são opcionais, como
resta claro no ordenamento jurídico.
Em outro ponto da contestação, o Município torna a minimizar os potenciais
impactos do empreendimento, afirmando que o principal impacto se refere à arborização urbana
no canteiro central. Como já salientado, esta visão reducionista e antiquada da verdadeira
função do licenciamento ambiental não encontra amparo na legislação vigente e, na prática,
afasta de qualquer análise o principal destinatário e beneficiário das normas ambientais
protetivas: o ser humano, incluindo as gerações futuras.
O Brasil há muito deixou de ser o país cuja economia era predominantemente
rural para se tornar nação industrializada e amplamente urbanizada. Os cidadãos, em sua vasta
maioria, vivem e trabalham nas cidades, nas metrópoles e os impactos das transformações no
meio ambiente urbano se tornaram absolutamente relevantes para o exercício da cidadania. Na
cidade do Rio de Janeiro, para ficarmos na urbe em questão, residem cerca de seis milhões de
pessoas.
Mas, aceitando-se a tese do Município, esta enorme coletividade composta de
milhões de cidadãos que vivem e necessitam se deslocar no caos de nossas grandes cidades
estariam à margem de qualquer benefício representado por mitigações e compensações de
impactos avaliados em EIA-RIMA antes da implantação de projetos discricionários de
transformação urbana. Óbvio nos parece que tal visão reducionista não pode prevalecer, sob
pena de tornar sem eficácia real boa parte da legislação ambiental vigente.
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Contudo, até mesmo os aspectos claramente relacionados ao meio natural são
reduzidos pelo Município a menos do que nada, como se demonstrará a seguir.
Em outra passagem da contestação, o Município reconhece que o projeto atinge
área de proteção ambiental municipal (a APA Marapendi).
Porém, de forma quase inacreditável, o Município afirma que “tivesse a área
características ambientais extraordinárias certamente não estaria classificada como área de
proteção ambiental, mas integraria outra unidade de conservação ambiental, de proteção
integral”.
Todos sabemos que existem diversas categorias de unidades de conservação
ambiental. Algumas mais inflexíveis em suas normas de uso e manejo, outras menos. Não
obstante, todas as unidades de conservação ambiental foram assim classificadas e instituídas
pelas suas características ambientais extraordinárias ou não ordinárias.
Não fosse assim, não seriam unidades de conservação ambiental, seriam áreas
urbanas ou rurais, sem qualquer restrição ou proteção desta natureza.
No caso da APA Marapendi pesa contra a alegação do Município, a
circunstância bastante constrangedora de se que trata de unidade de conservação municipal,
instituída pelo próprio Município, que é seu gestor.
Portanto, o próprio Município possui o dever legal de fiscalizar e velar para que
não seja consumada qualquer agressão ou impacto à unidade de conservação em questão,
agora rebaixada pela peça processual de defesa, à mera área destituída de características
ambientais extraordinárias.
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Em outro trecho da contestação, afirma-se, com sinceridade impactante, que “no
âmbito do Município do Rio de Janeiro a criação de áreas de proteção ambiental destina-se,
essencialmente, a um controle normativo, objetivando resguardar alguns atributos ambientais
relevantes de determinadas áreas urbanas.”
De fato, embora não de Direito, é isto mesmo o que ocorre.
Trata-se do fenômeno antijurídico, amplamente estudo pela doutrina ambiental,
denominado “Unidades de Conservação de Papel”.
APAs de papel são aquelas unidades de conservação criadas pelo Poder
Público através de atos formais protetivos, que nunca são concretizados ou traduzidos em
modificações sensíveis e verdadeiras no mundo real.
As unidades são criadas, mas não são instituídos conselhos consultivos com
participação social; não é nomeado gestor; não são destinados recursos materiais e humanos à
gestão da unidade; não é prevista verba orçamentária; jamais são elaborados e muito menos
implantados os planos de manejo exigidos na legislação do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação. Ou seja, a unidade de conservação existe formalmente, no papel, mas não de
fato.
No território do Município do Rio de Janeiro existem diversas unidades de
conservação de papel, algumas delas municipais. Tal circunstância é lamentável e já foram
ajuizadas algumas ações civis públicas para obrigar o ente gestor das unidades de conservação
a fazer o mínimo legal.
Todavia, não deixa de ser espantoso que se pretenda empregar esta situação
anômala e antijurídica, como argumento defensivo.
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VIII – O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS
Outro trecho da contestação que merece ser replicado encontra-se quase no
final da peça de defesa. O Município sustenta, fazendo eco à decisão de segundo grau que
indeferiu a liminar pleiteada, que “qualquer eventual impacto ambiental poderá ser
posteriormente restaurado”.
Com a devida vênia ao Município e ao órgão jurisdicional, esta afirmativa
lançada na peça de defesa, subverte dramaticamente todo o sistema constitucional e legal de
proteção ao meio ambiente.
O Direito Ambiental, inclusive o positivo, baseia-se fortemente no Princípio da
Precaução, da Prevenção, na ideia poderosa e inafastável de que os danos potenciais devem
ser analisados e mitigados previamente, antes de serem autorizados, porque é muito difícil, as
vezes impossível, repará-los. Este princípio tem amparo constitucional em diversos dispositivos e
na própria dimensão científica da matéria, que prioriza a prevenção acima de que qualquer
reparação posterior.
No caso do projeto em exame, uma obra pública de porte gigantesco e custo
orçado na casa das centenas de milhões, não se olvide que as intervenções, uma vez
efetivadas, serão irreversíveis.
Caso as ilegalidades (ausência de EIA/RIMA, incompetência do órgão
ambiental, incorreta avaliação de impactos e ausência de participação popular efetiva) cometidas
pela Administração não sejam reconhecidas pelo Judiciário a tempo de evitá-las, os prejuízos
estarão consumados de forma impossível de ser reparada in natura, até porque não há sentido
em se realizar EIA/RIMA e Audiência Pública (instrumentos preventivos e prévios por definição)
para licenciar algo que já foi instalado.
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Assim, o que está em jogo neste momento é a tutela do meio ambiente, da
função social da cidade e da qualidade de vida dos cidadãos - notadamente daquele expressivo
segmento de pessoas (cidadãos, contribuintes e consumidores) que
transitará/trafegará/conviverá com as intervenções urbanísticas questionadas nesta ação.
E a atuação preventiva, a par de se coadunar com os princípios jurídico-
ambientais, também evitará prejuízos financeiros, notadamente no campo das obras públicas -
com a indesejável situação “construção/demolição/reconstrução”.
Essa ponderação de interesses não é estranha ao juízo de aferição do periculum
in mora, podendo se conferir, por exemplo, o entendimento esposado pelo TJPR em Londrina v.
AMAE, TJPR SL 88868 Órgão Especial (2012): “(...) o que deve ser sopesado, então, para o
efeito de mensuração de risco de lesão à ordem pública ou à segurança e saúde públicas, é a
prevalência dos interesses em jogo, no contexto da tutela dos direitos fundamentais. Nesse
sentido, deve-se avaliar se é o caso de manter a suspensão das obras para evitar prejuízos ao
meio ambiente, ou se, de outro lado, as obras devem prosseguir para a promoção de melhorias
de trânsito e de ocupação no local; na opção de suspensão das obras, é preciso considerar que
a espera pela solução da demanda impede o Município de Londrina de prosseguir com os atos
tendentes a concluir a intervenção urbana; já a continuidade das obras, a par de promover a
revitalização do local, pode colocar em risco a tutela de interesses sociais em torno da proteção
do meio ambiente.”
Feita essa calibração, o órgão julgado arrematou: “analisados os interesses em
jogo e tendo em conta a tutela dos direitos fundamentais (...) impõe-se preservar a proteção do
meio ambiente considerada a provável irreversibilidade dos prejuízos resultantes do corte de
árvores, no contexto em que os objetivos da obra podem ser alcançados por outros meios”.
Tal preponderância do meio ambiente, vale dizer, encontra eco na jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça. Em Ponta Grossa v. IBAMA, STJ AgRg Susp Lim e Sent 1.279-
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PR Corte Especial (2011), tratava-se de ação popular em que a Corte Especial se viu diante de
ter que decidir por manter ou não decisão liminar suspendendo a implantação de aterro sanitário
cuja implantação era precedida de um EIA com alegação de falhas. A decisão foi no sentido de
que, diante da possibilidade de falhas no EIA que revelem o potencial de causar graves danos
ao meio ambiente – danos esses considerados à ordem pública –, impunha-se a prevalência do
princípio da prevenção, com a suspensão da implantação da atividade objeto do licenciamento.
Ou seja, ficou estabelecido que o critério de controle judicial em casos como o
presente deve ser aberto e protetivo ao meio ambiente: a dúvida deve militar em favor da
suspensão das atividades que possam causar danos (ilegais, portanto) ao meio ambiente.
IX – A IMPOSSIBILIDADE DE DISPENSAR ESTUDOS TÉCNICOS COM BASE
EM PERCEPÇÃO OU IMPRESSÃO
Por fim, deixamos para o encerramento, o trecho que mais nos parece
impactante na contestação do réu.
O Município, novamente ecoando a decisão dos órgãos jurisdicionais em sede
liminar, afirma a “percepção da utilidade da obra”, fundada na “impressão” relatada pelo Des.
Relator do agravo, “de que o sentido prático de todo sistema METRO/BARRA poderá ficar
comprometido se não fizer o Município a ligação desse sistema com o terminal Rodoviário
Alvorada”.
Com todas as vênias, o Ministério Público não tem a mesma impressão ou
percepção. E ainda que tivéssemos, não seria a mera impressão ou percepção ministerial que
guiariam as promoções e ações do parquet.
Em primeiro lugar porque, ao contrário do que sugere o trecho transcrito, esta
ação civil pública não tem o propósito de impedir a realização da obra, mas sim de obrigar o
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seu realizador a se submeter aos ditames da legislação ambiental, quais sejam, a elaboração
de EIA/RIMA e audiência pública prévia, realizados no âmbito de processo licenciamento
ambiental estritamente legal, conduzido por órgão estadual competente.
Caso, após este trâmite, estudos e debates públicos, se comprove que o
empreendimento pode sim ser licenciado, não será o Ministério Público que buscará impedi-lo
guiado por impressão pessoal.
Além disso, ao nos depararmos com afirmações situadas no complexo e
científico campo do conhecimento da engenharia de tráfego, baseadas em não mais do que a
impressão ou percepção pessoal de autoridades em Direito, não sabemos como replicar tais
afirmações sem corrermos o risco de ingressar em terreno insólito.
Voltemos ao trecho da decisão que indeferiu a liminar que percorre este mesmo
caminho.
Concordamos com a premissa estabelecida pelo Juízo que indeferiu o pleito
liminar. Qual seja, a mobilidade e o trânsito da cidade do Rio de Janeiro foram lançadas no caos,
“causado, em grande parte, pelas decisões tomadas pela própria
municipalidade”.
Este fato é público e notório ao ponto do Juízo a quo reconhecê-lo de ofício.
Qualquer pessoa que necessita se locomover na cidade do Rio de Janeiro sabe disso.
A gestão da mobilidade urbana na cidade do Rio de Janeiro, a pretexto de
implantar caríssimos projetos grandiloquentes, como a demolição da Via Perimetral, gerou
colapso viário sem precedentes que exaure a paciência de qualquer cidadão que desperdiça
horas congestionado quando ousa transitar de sua residência ao trabalho e vice-versa.
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Nesta altura, abrimos um breve parêntese para nos socorrermos das palavras
do Prof. Carlos Lessa, economista da UFRJ e ex-Presidente do BNDES, certamente mais
abalizado do que o subscritor desta réplica, para descrever a relevância crucial da mobilidade
urbana na vida das pessoas.
De acordo com o Prof. Carlos Lessa, os economistas dividem a duração de um
dia normal, em 3 períodos de 8 horas. Um dos períodos é destinado a dormir. O segundo
período é reservado ao trabalho. O último período de 8 horas é aquele no qual o ser humano
deveria ter liberdade para existir em sua plenitude, dedicando-se á família, ás relações sociais
aos seus interesses individuais e tudo mais que lhe aprouver.
Neste sentido, conclui o brilhante economista, pode-se afirmar que os habitantes
da cidade do Rio de Janeiro vivem uma grave crise existencial, na medida em que desperdiçam
suas melhores horas presos no colapso de um sistema viário absurdo e massacrante.
As razões deste colapso são muitas e variadas. Mas podem ser sintetizadas na
expressão “ausência de qualquer planejamento prévio, minimamente capaz de antever ou evitar
o caos no sistema viário”.
Considerando que o responsável constitucional pela gestão da mobilidade
urbana é o Município, não temos porque discordar da premissa estabelecida na decisão
que indeferiu a liminar, quando atribui ao Município parte da responsabilidade pelos
danos consumados contra a coletividade na gestão do tráfego.
Por outro lado, temos de admitir nossa perplexidade com a conclusão que a
mesma decisão extraiu desta premissa, ecoada em segundo grau e agora na peça de defesa do
Município: “é temerário que se suspenda uma obra desse porte que tem
condições de melhorar o fluxo do trânsito naquele bairro.”
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Com o perdão pela ênfase, é sim, extremamente temerário que se autorize uma
obra “desse porte” sem que tenha havido o estudo prévio de seus impactos, tanto na fase de
instalação quanto na subsequente operação.
A necessidade de tais estudos não é fruto da imaginação ministerial, eles estão
previstos taxativamente em lei para empreendimentos deste porte, frise-se mais uma vez.
Voltamos a registrar que não temos conhecimento suficiente sobre estudos e
soluções de engenharia de tráfego e mobilidade, na verdade não temos quase nenhum.
Mas sabemos, acima de qualquer dúvida que tais estudos são exigidos por lei e,
como já dito, envolvem vasta compilação de dados colhidos em campo, processados através de
simulações bastante complexas, que só podem ser feitas por software e hardware bastante
específicos, e analisadas por pessoas altamente qualificadas no ramo da engenharia de
transportes.
Como tais estudos não existem, porque não foram exigidos por quem deveria,
não temos a menor base para afirmar se o projeto de BRT Transoeste Lote Zero será benéfico
ou maléfico; altamente positivo ou severamente negativo ao fluxo e mobilidade urbana na cidade
do Rio de Janeiro, consideradas suas características e, sobretudo, comparado às alternativas
tecnológicas e locacionais disponíveis, dentre elas, a clamada extensão da Linha 4 do metrô do
Jardim Oceânico até o Terminal Alvorada.
Por esta razão, abstemo-nos de opinar sobre tal matéria de fundo e limitamo-nos
a postular que sejam exigidos tais estudos, que eles sejam realizados na forma da lei, que suas
conclusões sejam publicadas e debatidas em audiências públicas com a mais ampla participação
social. Tudo isso, antes que seja autorizada a execução do projeto, através de licença
autoconcedida por órgão claramente incompetente para tanto.
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Por todo exposto, o Ministério Público reitera a necessidade de procedência
integral dos pedidos formulados na inicial.
Rio de Janeiro, 15 de julho de 2014.
CARLOS FREDERICO SATURNINO
Promotor de Justiça
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