a geografia do vinho em minas gerais: patrimÔnio ... · é crescente as paisagens residuais de uma...
Post on 05-Oct-2020
6 Views
Preview:
TRANSCRIPT
A GEOGRAFIA DO VINHO EM MINAS GERAIS: PATRIMÔNIO, RURALIDADES E TERRITORIALIDADADES1
MARCELO CERVO CHELOTTI2
Resumo
A presente pesquisa teve como objetivo central discutir as expressões contemporâneas da
ruralidade associada ao cultivo da uva e do fabrico do vinho no sul de Minas Gerais, em especial
nos municípios de Caldas e Andradas. Em relação aos procedimentos metodológicos, esses
foram divididos em etapas, sendo elas: A primeira etapa correspondeu a pesquisa bibliográfica,
distribuída nos meses de fevereiro, março e abril de 2018 primeiros meses das atividades. Numa
segunda etapa realizamos a coleta em dados secundários: (a) na enciclopédia dos municípios
Brasileiros buscamos informações referentes a histórica econômica dos municípios de Andradas
e Caldas, em que evidenciamos a importância que a vitivinicultura representava para esses
municípios na década de 1950; (b) na Pesquisa Agrícola Municipal/PAM/IBGE buscamos uma
série história da evolução da área plantada com uvas em Minas Gerais; (c) Nos Censos
Agropecuários do IBGE buscamos informações para as décadas de 1960, 1970 e 1980
referentes a área cultivada com uvas em Minas Gerais, (d) no Banco de Dados de Uva, Vinho e
Derivados/VITIBRASIL, e (e) em sites institucionais da EPAMIG, EMBRAPA, IBRAVIN. Na
terceira etapa realizamos a pesquisa de campo, com objetivo de coletar os primários nos
municípios de Caldas e Andradas, realizada no mês de julho de 2018. Os resultados da pesquisa
demonstraram que a centenária tradição em cultivar a uva e realizar o processo de fabrico do
vinho produziram inegavelmente fortes traços identitários sobre o território sul mineiro, forjando
uma identidade territorial associada as expressões materiais e imateriais da vitivinicultura. Os
parreirais com elementos da paisagem estão associados a uma ruralidade típica de agricultura
familiar em pequenas propriedades. A modernização da vitivinicultura no sul de Minas Gerais
ocorreu com o desenvolvimento da técnica de dupla poda, desenvolvida pela EPAMIG, alterando
o ciclo de produção para a colheita nos meses mais secos, obtendo assim no inverno uma uva
com melhor qualidade. Além dos vinhos finos, a nova vitivinicultura mineira conecta-se com
outras experiências associadas ao mundo do vinho, como por exemplo o enoturismo. As
expressões contemporâneas da vitivinicultura sul mineira se manifestam territorialmente a partir
de dois grandes grupos sociais. De um lado, a vitivinicultura associada a produção artesanal de
vinho de mesa mantida como herança e patrimônio cultural; e por outro, uma nova vitivinicultura
desenvolvida a partir da produção de vinhos finos com investimentos de sujeitos com pouca
tradição no cultivo da uva e no fabrico do vinho. Portanto, a geografia do vinho no sul de Minas
Gerais está forjada entre relações que permeiam tradição e modernidade.
Palavras-chave: Patrimônio. Ruralidades. Territorialidades. Vitivinicultura. Sul mineiro.
1 Parte integrante da pesquisa desenvolvida no âmbito do estágio Pós-Doutoral realizado junto ao Núcleo de Estudos Agrários/NEAG e Centro do Patrimônio e Cultura do Vinho/CEPAVIN vinculados ao departamento de Geografia do Instituto de Geociências da UFRGS, sob supervisão da profa. Dra. Rosa Maria Vieira Medeiros. 2 Docente no Programa de Pós-Graduação em Geografia (Mestrado e Doutorado) do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/Minas Gerais. Coordenador do Laboratório de Geografia Agrária/LAGEA. E-mail: mcervochelotti@gmail.com
Abstract
The present research had as main objective to discuss the contemporary expressions of the rurality associated to grape cultivation and wine making in the south of Minas Gerais, especially in the municipalities of Caldas and Andradas. In relation to the methodological procedures, these were divided into stages: The first stage corresponded to the bibliographic research, distributed in the months of February, March and April of 2018 the first months of the activities. In a second stage, we collected secondary data: (a) in the encyclopedia of Brazilian municipalities, we searched for information about the economic history of the municipalities of Andradas and Caldas, where we showed the importance of viticulture to these municipalities in the 1950s; (b) in the Pesquisa Agrícula Municipal / PAM / IBGE we look for a series of history of the evolution of the area planted with grapes in Minas Gerais; (c) In the Agricultural Census of the IBGE, we sought information for the 1960s, 1970s and 1980s regarding the area planted with grapes in Minas Gerais, (d) in the Grape, Wine and Derivatives Database / VITIBRASIL, and (e) in institutional sites of EPAMIG, EMBRAPA, IBRAVIN. In the third stage we carried out the field research with the objective of collecting the primary in the municipalities of Caldas and Andradas, held in July 2018. The results of the research demonstrated that the centuries-long tradition of growing the grape and carrying out the process of manufacturing the wine produced undeniably strong identity traits over the southern mining territory, forging a territorial identity associated with the material and immaterial expressions of winemaking. The vines with elements of the landscape are associated with a rurality typical of family agriculture in small properties. The modernization of winemaking in the south of Minas Gerais occurred with the development of the double pruning technique, developed by EPAMIG, changing the production cycle for the harvest in the drier months, thus obtaining in winter a grape of better quality. In addition to fine wines, the new Minas Gerais wine industry is connected with other experiences associated with the world of wine, such as wine tourism. The contemporary expressions of viticulture south of Minas Gerais manifest themselves territorially from two great social groups. On the one hand, the viticulture associated with the artisanal production of table wine maintained as an inheritance and cultural patrimony; and on the other hand, a new winemaking developed from the production of fine wines with investments of subjects with little tradition in grape growing and wine making. Therefore, the geography of wine in the south of Minas Gerais is forged between relations that permeate tradition and modernity.
Keywords: Patrimony. Ruralities. Territorialities. Vitiviniculture. South mining.
Introdução
A valorização da ruralidade contemporânea passa pela consideração de
seus conteúdos e significados das práticas sociais. Assim, devemos em nossas
análises ir para além da dimensão do econômico, e incorporar também a
perspectiva cultural em seus sentidos materiais e imateriais. A partir dessa
premissa, compreendemos que muitas manifestações e práticas socioculturais
permanecem no rural, mesmo diante do processo de modernização, pois ambos
podem conviver nos mesmos territórios, apenas com diferentes expressões e
territorialidades.
Embora não tenha uma larga tradição na produção de vinhos, como
ocorre em muitos países europeus, no Brasil existe um considerável patrimônio
vitivinícola que merece ser preservado. Há que se destacar também que esse
patrimônio não se encontra localizado somente em territórios tradicionais do
vinho como o Rio Grande do Sul, mas também em Santa Catarina, Paraná, São
Paulo e Minas Gerais.
As recentes discussões sobre as expressões territoriais da vitivinicultura,
sejam elas associadas às práticas tradicionais do saber fazer o vinho
(colonial/artesanal), ou as novas práticas associadas a saber fazer associado
aos processos modernos (finos/castas), produzindo novas ruralidades
associadas a uva e ao vinho. Portanto, faz-se necessário compreender as
expressões contemporâneas da vitivinicultura, ou melhor, dos novos e velhos
territórios da uva do vinho.
Para Cavicchioli (2013) o vinho passou a ocupar um espaço bastante
especial no rol do patrimônio cultural, sendo que uma das preocupações atuais
reside na preservação deste patrimônio cultural do vinho. Acreditamos, que a
divulgação e o acesso das pesquisas a um público leigo ou não acadêmico é um
elemento essencial na preservação e valorização do patrimônio cultural do vinho,
pois, na medida em que as pessoas o conhecem podem identificar-se com ele,
compreendendo ser de interesse público a sua preservação.
O patrimônio e a cultura do vinho no Brasil de maneira ampliada requerem
investimentos em pesquisa e ensino de qualidade, a exemplo de outros países,
como França, Portugal, Espanha, entre outros. Há carência de informações,
dados e conhecimentos nesse campo, e o patrimônio do vinho no Brasil, com
poucas exceções, vai se perdendo a cada ano (VALDUGA, 2015).
O estudo da Geografia das regiões, na ótica dos territórios, da cultura e
do patrimônio da uva e do vinho, evidenciou que há no Brasil, estados e regiões
com identidade vitivinícola, cuja relevância enseja pesquisas específicas
(FALCADE, 2017).
Assim, motivados pela provocação de Medeiros (2017), Valduga (2015),
e Falcade (2017), a presente pesquisa teve como objetivo central discutir as
expressões contemporâneas da ruralidade associada ao cultivo da uva e do
fabrico do vinho no sul do estado de Minas Gerais, em especial nos municípios
de Caldas e Andradas (Mapa 1).
Os municípios sul mineiros de Andradas e Caldas se apresentam
enquanto excelente laboratório para discutirmos as expressões contemporâneas
da vitivinicultura. Ao mesmo tempo que possuem uma secular tradição no cultivo
da uva e do fabrico do vinho, também são palco de novas experiências na
modernização da vitivinicultura no Brasil tropical. Assim, tradição e modernidade
comparecem lado a lado na vitivinicultura do sul de Minas Gerais. Por um lado,
é crescente as paisagens residuais de uma vitivinicultura tradicional, e por outro,
é evidente uma nova vitivinicultura alicerçada em novos paradigmas técnico-
científicos.
Mapa 1 – Minas Gerais: localização da área de estudo da pesquisa
O espaço se organiza de forma distinta em razão da expansão da
viticultura. O vinho, pouco a pouco, ocupa espaços com a instalação de novas
vinícolas ou com a expansão das antigas nos novos territórios. São esses
territórios que atraem turistas ávidos em explorar e consumir de forma lenta e
suave os produtos locais plenos de sabores e saberes (MEDEIROS, 2017, p. 9).
Procedimentos metodológicos
Em relação aos procedimentos metodológicos, esses foram divididos em
etapas, sendo elas: A primeira etapa correspondeu a pesquisa bibliográfica,
distribuída nos meses de fevereiro, março e abril de 2018 primeiros meses
das atividades. Destaca-se que em relação ao levantamento bibliográfico,
buscamos nas principais obras teóricas discussões que contribuíssem como
a pesquisa em curso enriquecendo e alicerçando a elaboração dos resultados
e consequentemente a interface entre a teoria e a práxis.
Numa segunda etapa realizamos a coleta em dados secundários: (a) na
enciclopédia dos municípios Brasileiros buscamos informações referentes a
histórica econômica dos municípios de Andradas e Caldas, em que
evidenciamos a importância que a vitivinicultura representava para esses
municípios na década de 1950; (b) na Pesquisa Agrícola Municipal/PAM/IBGE
buscamos uma série história da evolução da área plantada com uvas em Minas
Gerais; (c) Nos Censos Agropecuários do IBGE buscamos informações para as
décadas de 1960, 1970 e 1980 referentes a área cultivada com uvas em Minas
Gerais, (d) no Banco de Dados de Uva, Vinho e Derivados/VITIBRASIL, e (e)
em sites institucionais da EPAMIG, EMBRAPA, IBRAVIN.
De acordo com Falcade (2017, p. 114) não há para todo o Brasil um
cadastro vitícola como existe, por exemplo, para o Rio Grande do Sul. Assim,
para considerar dados com igual metodologia/fonte sugere-se os dados do
IBGE.
De posse desses dados elaboramos uma série de mapas temáticos,
demostrando a dinâmica da vitivinicultura em Minas Gerais. A partir dos mapas
ficou evidente uma mudança no padrão espacial, ou seja, historicamente
concentrada no sul do estado, mas pós-1990 verificamos um deslocamento para
o norte, principalmente no Vale do Rio São Francisco, e com isso configurando
um novo padrão espacial da vitivinicultura em Minas Gerais.
A terceira etapa, correspondeu a pesquisa de campo que foi realizada no
período de 18 a 28 de julho de 2018. Para tal definimos duas frentes de trabalho:
(a) nos primeiros dias nos dedicamos a visitar as instituições, tais como
EMATER, EPAMIG e Prefeitura Municipal. No município de Andradas visitamos
a Casa da Cultura, que possui rico acervo sobre a história da vitivinicultura local.
Também visitamos a secretaria municipal de Agricultura, Turismo e Lazer, onde
tivemos acesso as discussões sobre o Plano Museológico do Museu do Vinho
de Andradas. No município de Caldas visitamos a EPAMIG, onde podemos
conhecer de perto os projetos de melhoramento vitícola em curso, bem como
suas instalações industriais e parreirais com diversas cepas plantadas. Outra
visita importante foi realizada na EMATER, no qual foi possível ter contato com
os nomes dos vitivinicultores, bem como seus endereços. Também visitamos a
Casa de Cultura de Caldas que contém rico acervo sobre a tradição da
vitivinicultura no município.
De posse de todo material documental e secundário, nos dias
subsequentes realizamos a pesquisa de campo com os vitivinicultores em suas
propriedades rurais. Nessa etapa foram realizadas as entrevistas, sendo
importante destacar que realizamos duas entrevistas por dia, pois valorizamos
as longas conversas e visitação ao parreiral e as instalações das adegas.
Outra estratégia metodológica utilizada no decorrer da pesquisa de campo
foi a prática do Diário de Campo. Depois de um dia inteiro de atividades de
campo, tomamos como prática a sistematização das informações obtidas em
forma de diário.
O presente texto, está estruturado em duas partes, além da introdução e
considerações finais. Na primeira caracterizamos a vitivinicultura mineira no
contexto brasileiro, e na segunda destacamos suas as expressões.
A vitivinicultura do sul de Minas Gerais no contexto brasileiro
Em 2018 a área de produção vitivinícola no Brasil corresponde a 79,1 mil
hectares. São mais de 1,1 mil vinícolas espalhadas pelo país, a maioria instalada
em pequenas propriedades (média de 2 hectares de vinhedos por família), sendo
o quinto maior produtor da bebida no Hemisfério Sul (IBRAVIN, 2018).
Ao desagregarmos os dados, observamos que de acordo com o
PAM/IBGE (2015), o estado do Rio Grande do Sul é o maior produtor brasileiro
de uva com uma área de 49.739 hectares, seguido por São Paulo (7.803 ha),
depois Pernambuco (6.814 ha), acompanhado por Santa Catarina (4.846 ha),
posteriormente o Paraná com (4.465 ha), e Minas Gerais com (856 ha).
Embora o estado de Minas Gerais compareça na sexta posição em área
de vinhedos, não podemos desconsiderar sua secular tradição no cultivo da uva
e no fabrico do vinho, em especial no sul do estado, concentrado historicamente
nos municípios de Caldas e Andradas. No entanto, nos últimos anos ocorreu
uma significativa expansão no cultivo de uvas para o norte do estado,
principalmente no perímetro irrigado do rio São Francisco (Mapa 2).
A consolidação desse movimento de espraiamento da produção vitícola
em Minas Gerais é realmente evidenciada nos dados do IBGE para o ano de
2015 (Mapa 2). Além da região sul com sua histórica tradição, outros polos se
consolidaram como o entorno de Pirapora e de Jaíba. No entanto, faz-se
necessário caracterizar melhor essa produção vitícola. Enquanto no Sul ocorre
o predomínio de uvas destinadas ao fabrico do vinho, no Norte a produção é
destinada a uvas in natura cultivadas com alta tecnologia e irrigação.
As expressões da vitivinicultura no sul mineiro
Nesse desafio de pesquisar novas e velhas regiões vitivinícolas, não
podemos negligenciar as experiências existentes em outras partes do território
brasileiro. No caso do sul mineiro a produção de vinho tem uma tradição que
remonta ao final do século XIX e início do XX.
De antemão, destacamos alguns elementos que corroboram com a
formação da identidade territorial vitivinícola no sul mineiro em especial em
Andradas e Caldas: (a) A existência da Festa da Uva e Festa do Vinho que vem
sendo realizadas desde a década 1950; (b) O papel histórico desempenhado
pela EPAMIG/Caldas desde os anos 1930 na difusão de tecnologia vitivinícola;
(c) O patrimônio material das antigas adegas; (d) O patrimônio imaterial contido
nos modos de cultivar a uva e fabrico do vinho; (e) A paisagem vinícola; e (f) as
novas experiências no cultivo e na fabricação do vinho que indicam uma
atividade viva, e não em extinção.
Durante o processo de formação territorial também se formou um
patrimônio cultural vitivinícola, pois na medida em que o tempo passa são
materializados no território distintas marcas do cultivar a uva e de fabricar o
vinho. No caso do município de Andradas (MG) existe a tradição da
vitivinicultura, como um traço da predominância da colonização italiana, que por
meio das famílias que se instalaram, passaram a reproduzir seus costumes e a
técnica de cultivo da uva e produção de vinhos.
É notável a tradição vitivinícola no município de Andradas, resguardada pelos produtores, que, em sua inscrição terrestre, têm a uva, o vinho e o modo de vida relativo a eles como valores geográficos (KALIL, 2016, p.62)
Assim, o passado foi reconstituído neste estudo tendo como principal fonte as histórias orais das famílias produtoras de vinho em Andradas, que possuem uma identidade baseada na tradição do vinho, marcada pela descendência italiana (KALIL, 2016, p.64)
O patrimônio cultural da vitivinicultura no sul mineiro se expressa de
maneira plural e difusa. As marcas desse patrimônio são visíveis na paisagem,
embora boa parte dos antigos parreirais estejam em declínio. O patrimônio
material em forma de antigas adegas é o registro histórico do tempo áureo dessa
atividade no município de Andradas. O patrimônio imaterial está nas memórias
dos descendentes de imigrantes italianos que por décadas produziram o vinho
colonial, e que apesar dos novos conceitos da vitivinicultura a tradição se
mantém.
Kalil (2013) propôs três possíveis cenários para a vitivinicultura em
Andradas: a tradicional, a comercial e a científica. A vitivinicultura tradicional
composta por vinícolas menores e artesanais, defronta-se com a inviabilidade de
manter a produção da uva Jacques e do seu vinho; a vitivinicultura comercial
formada apenas por duas vinícolas estão renovando seus parreirais com
cultivares para produção de vinhos finos e espumantes, além da aposta no
enoturismo; e a vitivinicultura científica, na qual tem-se investido em produção
apenas de viníferas para vinhos finos visando substituir a uva Jacques.
A grosso modo identificamos na pesquisa de campo, três grandes grupos:
1) Agricultores familiares/camponeses (apenas a família envolvida no cultivo da
uva e produção do vinho, podendo contar com trocas de dias de serviços,
mutirão, etc); 2) Institucional (EPAMIG enquanto incubadora vinhos finos, o
papel do Estado); e 3) Empresarial (São empresas familiares, estão na gestão
das empresas, mas contratam mão de obra para o processo produtivo, possuem
relações de trabalho assalariado).
No caso de Minas Gerais o grande marco do desenvolvimento tecnológico
para a vitivinicultura foi a técnica de dupla poda da videira3, que implica na
3 Técnica desenvolvida pelo pesquisador Murillo Alburquerque Regina da EPAMIG/Caldas, inverteu o ciclo biológico da videira, para que começasse a amadurecer no inverno evitando o verão com suas intensas chuvas.
inversão do ciclo produtivo da videira, alterando para o inverno o período de
colheita das uvas destinadas à produção de vinhos finos, em que o método
consiste na realização de podas em janeiro. As uvas colhidas no inverno
apresentam mais aroma e maior concentração de cor, o que contribui para o
aumento qualidade do vinho.
A modernização da vitivinicultura no sul de Minas Gerais ocorreu com a
alteração do ciclo de produção para colheita nos meses mais secos do ano, ou
seja, no inverno, contribuindo com a maturação das bagas e a melhoria da
qualidade do mosto, expresso principalmente pelo teor de açúcar, acidez e
compostos fenólicos. A nova técnica desenvolvida pela EPAMIG, realiza duas
podas anuais, e com isso a maturação da uva ocorre no inverno (período seco),
e não mais no verão (período chuvoso).
É inegável o conhecimento desenvolvido pelo Núcleo Tecnológico
EPAMIG-Uva e Vinho em aprimorar a vitivinícola mineira. Em pouco mais de
cinco anos, Minas Gerais saiu de uma condição inexpressiva na produção de
vinhos finos, para um cenário onde já se cultivam mais de 120 mil pés de videiras
finas, colocando o estado entre aqueles que mais produzem vinhos finos no país
(EPAMIG, 2017).
Portanto para Carvalho (2013. p.13) cai a antiga crença de que vinhos finos
só nascem de videiras plantadas entre os paralelos 30º e 50º de altitude tanto ao
norte, quanto ao sul. Hoje, encontramos vinhos finos nas mais diversas latitudes,
incluindo o paralelo 8°, no vale do rio São Francisco, entre a Bahia e Pernambuco
– nordeste brasileiro - , e no pararelo 14°S, em Ica, Peru.
A inclusão de Minas Gerais no cenário dos vinhos finos brasileiros parece
possível. Neste processo, tem-se buscado a valorização de tipicidades regionais,
que dentro em os consumidores poderão apreciar o “vinho do Cerrado”, o vinho
da região cafeeira” e o “vinho do Vale do Rio São Francisco” (REGINA, et al,
2006).
No contemporâneo, a vitivinicultura em Minas Gerais, mais
especificamente no sul do estado, se expressa entre uma territorialidade
tradicional associada a produção familiar artesanal, e uma outra territorialidade
moderna associada a produção industrial com novas técnicas de cultivo e
manejo.
Considerações finais
A centenária tradição em cultivar a uva, e realizar o processo de fabrico
do vinho, produziram inegavelmente fortes traços identitários sobre o território
sul mineiro, em especial nos municípios de Caldas e Andradas, forjando uma
identidade territorial associada as expressões materiais e imateriais da
vitivinicultura.
Nas últimas décadas a área vitícola diminuiu consideravelmente. A
tradicional vitivinicultura não acompanhou o processo de modernização da
atividade. Apresenta-se como uma atividade decadente, especificadamente
formada pelas paisagens residuais da vitivinicultura, com considerável
patrimônio material e imaterial.
No entanto, essa vitivinicultura está viva e em transformação. Pois existe
um forte movimento dotado de novas tecnologias para o cultivo de uvas para
produção de vinho fino. Mas, evidencia-se que não se tratam dos mesmos
sujeitos. Os novos vitivinicultores com caráter mais empresarial, não possuem
laços históricos e identitários com o cultivo da uva e com o fabrico do vinho.
Portanto, assistimos no sul mineiro um movimento que combina tradição
e modernidade. Em Caldas, por exemplo, existem vários produtores de vinho
artesanal/colonial que resistem diante de todo esse processo em curso, com
suas uvas rústicas e engarrafamento em garrafões. O mesmo ocorre com o
incentivo por parte do poder público municipal em reativar a tradicional Festa da
Uva de Caldas, que ocorre desde o ano de 1951, com o lema o “Resgate de uma
tradição”.
A modernidade se expressa na constante pesquisa científica em
encontrar tecnologias capazes de produzirem bons vinhos finos. O papel da
EPAMIG enquanto difusora de tecnologia e conhecimento é central nesse
processo. As novas vinícolas são incubadas pela EPAMIG, com isso recebendo
todo respaldo para seu funcionamento, desde a seleção das videiras a serem
plantadas, até a fase de elaboração e engarrafamento do vinho.
A viticultura contemporânea se expandiu territorialmente em todo estado
de Minas Gerais. Há, portanto, uma nova geografia da uva e do vinho. Outrora
concentrada quase que exclusivamente no sul mineiro, nos últimos anos a
viticultura avançou significativamente para o norte mineiro, em especial para a
região do rio São Francisco. O vinho produzido na Mantiqueira mineira batizado
de vinho de inverno, se propõe apresentar um novo terroir, ou seja, combinando
altitude, tropicalidade e novas técnicas de cultivo.
Pelo que que foi exposto no decorrer dessa pesquisa, não há como
negligenciar o tradicional cultivo de uva e o fabrico do vinho no sul mineiro. Como
também, não há como desconsiderar a efervescência de novas técnicas visando
a elaboração de vinhos finos dentro dos mais modernos processos produtivos.
Minas Gerais amplia sua geografia dos alimentos, além de produzir cafés,
cachaças e queijos, também pela condição de produtora de bons vinhos finos.
Portanto, essa é uma agenda de pesquisa que não se esgota nos limites desse
trabalho, pelo contrário, abre portas para novas inquietações.
Referências bibliográficas
CAVICCIOLI, Marina Regis. Desafios e perspectivas na preservação do patrimônio cultural do vinho. ANAIS... Colóquio internacional “Vinho, Patrimônio, Turismo e Desenvolvimento. Florianópolis/SC, 03 a 05 de dezembro de 2013. p. 26
CARVALHO, Rogério D. Vinho & prazer: apreciação de vinhos com...um sexto sentido. Rio de Janeiro: Mauad X, 2013
FALCADE, Ivanira. A geografia da uva e do vinho no Brasil: território, cultura e patrimônio. MEDEIROS, Rosa Maria Vieira; LINDNER, Michele. (Orgs.) A uva e o vinho como expressões da cultura, patrimônio e território. Porto Alegre: IGEO - Instituto de Geociências, 2017. p. 103-123 MEDEIROS, Rosa Maria Vieira. Centro do Patrimônio e Cultura do Vinho/CEPAVIN. MEDEIROS, Rosa Maria Vieira; LINDNER, Michele. (Orgs.) A uva e o vinho como expressões da cultura, patrimônio e território. Porto Alegre: IGEO/UFRGS, 2017
KALIL, Thalassa. O vinho em Andradas (MG): sabor, paisagem, lugar, memória e perspectivas dos produtores. Geograficidade, v6, n.2. 2016
REGINA, Murillo de Albuquerque et al. Novos polos vitícolas para produção de vinhos finos em Minas Gerais. EPAMIG: Informe agropecuário. Belo Horizonte, v. 27, n.234, set/out 2006.
top related