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  • 5/21/2018 a+mente+nova+do+rei

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    A MENTE NOVA DO REICopyright by Rodolfo Lobato

    [email protected]

    2009

    As abelhas constroem colmias to perfeitas que poderiam

    envergonhar a mais de um mestre de obras. Mas o pior mestre de

    obras superior melhor abelha porque, antes de executar a

    construo, ele a projeta em seu crebro.

    Karl Marx

    De todos os obstculos compreenso da Evoluo, as discusses em torno

    da mente ainda parecem um dos mais fecundos. Assim, como os religiosos seatrapalham com a Evoluo, tambm acontece quando tentam a neurocincia:

    [...] E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era to firme

    e to certa que todas as mais extravagantes suposies dos cticos

    no seriam capazes de abalar, julguei que podia aceit-la, sem

    escrpulo, como o primeiro da Filosofia que procurava.

    [...]compreendi por a que era uma substncia cuja essncia ou

    natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, no necessitade nenhum lugar, nem depende de qualquer coisa material. De sorte

    que esse eu, isto , a alma, pela qual sou o que sou, inteiramente

    distinta do corpo e, mesmo, que mais fcil de conhecer do que

    ele,e, ainda que este nada fosse, ela no deixaria de ser tudo o que

    .(DESCARTES,1641, 1973, p.54-55)

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    Para os antigos gregos, o termo psique ou almasignificava algo como o que

    normalmente entendemos como mente. Aristteles em Da Alma1. A alma tinha

    funes nutritivas, perceptivas e intelectuais e pelo movimento(Aristteles,

    1986, p413b) e a funo intelectiva a que comumente atribumos a mente.

    Mas a viso de alma em Aristteles faz parte de uma viso maior, uma viso

    teleolgica2 que se baseia em suas 4 causas. E que foi, especialmente,

    adotada por So Toms de Aquino e no sculo XVII rejeitada por Descartes,

    Locke, Leibniz e Spinoza3. Mas vejamos esses ltimos:

    [...]De sorte que esse eu, isto , a alma, pela qual sou o que sou,

    inteiramente distinta do corpo e, mesmo, que mais fcil de conhecer

    do que ele,e, ainda que este nada fosse, ela no deixaria de ser tudoo que .(DESCARTES,1641, 1973, p.54-55)

    Mas a mente isso que Descartes afirma? Antes de avanarmos vamos tratar

    de alguma coisa que j se apresenta em Descartes de forma implcita e que

    ser exposta mais exaustivamente a frente: essncia.

    Essncia, segundo uma definio restrita, seria o que constitui a natureza

    ntima das coisas, seu modo de ser especial; ser; existncia; substncia; idia

    principal; carter distintivo.4Uma discusso ontolgica. Porm, mesmo sendo

    uma discusso metafsica ela no est livre de ser submetida a formalizao

    da lgica e aos avanos da cincia. Existe uma essncia? Qual a essncia do

    unicrnio? A essncia tanto pode ser algo material, imaterial, real ou

    imaginrio. Por enquanto, entendamos que Descartes tem uma viso to

    essencialista, quanto a de seus crticos. No vamos ficar aqui discutindo

    definies. A usaremos para expor se h argumentos que sustentem a

    afirmao de que a mente distinta do corpo.

    H uma doutrina sobre a natureza e o lugar das mentes de tal modo

    prevalecente entre os tericos e at entre leigos que merece ser

    designada como teoria oficial.[...] A doutrina oficial, que procede

    Da alma: livros I, II, III [Traduo e notas: Maria Ceclia Gomes dos Reis]; So Paulo: Editora 34, 2006

    2Doutrina que trata das causas finais; conjunto das especulaes que se aplicam noo de finalidade.

    Para uma maior discusso ver: mente: conceitos chave em filosofia.Porto Alegre: Artmed,2007

    4(do lat.essentia)dicionrio brasileiro globo.So Paulo: Globo,1999

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    sobretudo de descartes, mais ou menos como descrita a seguir.

    Com a duvidosa exceo dos idiotas e das crianas de colo, todo ser

    humano possui um corpo e uma mente. Alguns prefeririam afirmar

    que todo ser humano tanto um corpo como uma mente. Seu corpo

    e sua mente normalmente esto atrelados um ao outro, mas depoisda morte do corpo a mente pode continuar a existir e funcionar. Os

    corpos humanos existem no espao e esto sujeitos a leis mecnicas

    que governam todos os outros corpos no espao.[...]Mas as mentes

    no existem no espao, nem suas operaes esto sujeitas a leis

    mecnicas[...]

    Eis o esboo da teoria oficial. Com freqncia me referirei a ela, com

    intuito pejorativo, como o dogma do fantasma na mquina.(RYLE,

    1949, p.13-17 apud PINKER, 2004, p.28)

    A mente uma coisaqualquer e o que queremos determinar que coisa

    essa. Se olharmos os outros animais podemos chegar a concluso, se formos

    Cartesianos, de que os outros animais no tem mente, mas logo podemos

    duvidar, e criticar Descartes, dizendo que um animal sente dor se o chutamos,

    e que possui algo que podemos chamar de mente, no como a nossa, mas

    mesmo assim , um tipo de mente. A mente de um besouro no ser como a de

    um elefante ou de uma bactria. Ao incluir outras categorias de animais aestranheza aumenta ao tratar da mente. As discusses em torno da mente

    comumente tendem a misturar noes de conscincia, Eu, autoconscincia,

    essncia, em um caldeiro discursivo que nos leva a autores.

    O que um corpo? Em uma definio geral, algo que ocupa espao. A

    eletricidade um corpo?A gravidade? Onde elas habitam? As discusses

    sobre o Universo apontam que ele constitudo, onde estamos, de trs

    dimenses maiso tempo. Nesta parte do Universo, o espao e o tempo estoem uma relao tal que a realidade se d atravs deles, eles no esto

    dissociados, ou ento, um vem depois do outro. Ambos so simultneos.

    Agora, pense sobre o seu corao, ele constitudo de tal forma, que sua

    fisiologia funciona de tal modo, possibilitando a sustentao parcial de

    determinada coisa(voc) por um tempo. Seu corao alm de perder ou

    produzir energia e por isso a necessidade de alimento, ele produz som, ritmo,

    movimento; seu pncreas produz insulina que quebra a glicose produzindoenergia. o seu pncreas que produz energia? seu corao que produz o

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    som; ou o movimento da circulao que atua em todo sistema circulatrio? Se

    pudermos observar o corpo por dentro, vamos encontrar o que o corao

    produz: circulao espalhada por todoo corpo. A energia gerada pela quebra

    da glicose uma parte do pncreas que continua a existir aps morrermos?E a

    circulao, ir habitar outro corpo?

    E a mente?

    Gottfried Leibniz usou uma imagem para tratar do problema mente-corpo:

    Ademais, deve-se confessar que a Percepo e aquilo que dela

    depende inexplicvel por razes mecnicas, isto , por figuras e

    movimentos. Imaginando-se que h uma mquina cuja estrutura a

    faa pensar, sentir e perceber, poder-se-, guardadas as mesmaspropores, conceb-la ampliada de sorte que se possa nela entrar

    como em um moinho. Admitido isso, l no encontraremos, se a

    visitarmos por dentro, seno peas impulsionando-se umas s outras,

    e nada que explique uma percepo.(LEIBNIZ, 1714, 2009, p.02)

    O que impede de tratarmos a mente como produto do crebro? A mente se

    reduz ao crebro? No. Da mesma forma que a energia metablica do

    pncreas no toda conseqncia dele. Ou ento, a circulao, como quandouma descarga eltrica em uma tomada pode alterar a circulao, seu som,

    movimento, ritmo, etc.; ou, a pessoa pode se assustar e desencadear um

    processo parecido. A mente produto do crebro, mas, no totalmente.

    Um corao artificial pode ser construdo e posto no corpo de um enfartado e

    aquilo que o orgnico fazia ele faz tambm, mas tambm, no totalmente e,

    no da mesma forma, assim como no poderamos usar o corao de qualquer

    pessoa para o enfartado; neste caso, um artificial seria o melhor. A organizaomaterial de algo pode funcionar de formas diferentes com conseqncias

    semelhantes. Um avio, um pssaro e uma folha de papel podem voar, mas os

    trs voam de formas diferentes. Se o objetivo for levar X de A para B, atravs

    de Z, X pode ir atravs de W de A para B, se tomar outro caminho ou tiver

    tempo. Z ou W podem desempenhar o mesmo papel, para objetivos

    semelhantes se tiverem tempo, mesmo que X tome caminhos diferentes. Mas,

    se voc quiser que o percurso feito por X, seja Z, melhor encontrar algo bem

    parecido com Z; talvez Z1, Z+1 ou ento, Z-1. Lembre-se, voc quer chegar at

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    B. O percurso de A at B, pode ser qualquer coisa: viver at determinado

    ponto; fazer um clculo com calculadora ou papel; ir at a padaria andando,

    correndo, de bicicleta, de carro, de avio; decidir se casar semana que vem ou

    daqui a trs anos; demonstrar amor dizendo Eu te amo, atravs de um gesto,

    um sorriso. Se voc quer chegar de A at B, so inmeros os modos e formas

    de chegar, e a eficcia de chegar est relacionada para os objetivos

    especificados ecom o material de Z. Se voc quer ir at a padaria, tanto faz se

    vai caminhando, ou de avio, mas se quer ir porque o pozinho vai sair em

    minutos melhor se apressar. Se voc quer demonstrar amor, um sorriso, um

    gesto, podem ter o mesmo efeito, mas se voc quiser ter certeza de que a

    pessoa no tenha dvidas, melhor olhar dentro dos olhos e dizer: Eu te amo.

    Os besouros podem chegar at a padaria? Sim. De modos e formas diferentes.

    Para comprar po?No. Da mesma forma que podemos fazer um cupinzeiro,

    mas no podemos morar em um; podemos manipular a estrutura molecular

    para fabricar vinho, mas um cabernetningum faz como uma uva.

    Mas e as mquinas? O que Leibniz teria dito se tivesse vivido o suficiente

    para conhecer os computadores? Enquanto tratamos dos animais parece ser

    mais fcil de compreender e rejeitar os argumentos de Descartes. A

    inteligncia artificial parece mais difcil de convencer algumas pessoas. Mas o

    que nos impede de concluir que os computadores tem mente? Por que

    Descartes afirma que s os seres humanos tem uma mente enquanto os

    animais e mquinas, no? Por que ele coloca estranhamente mquinas na

    discusso? O que leva Descartes a concluir que o qu faz os animais no

    terem mentes o mesmoque o leva a concluir que as mquinas tambm no?

    No h fantasma habitando os animais e mquinas em Descartes. Ele deve

    considerar no s os animais, mas as mquinas tambm como desprovidas dementes. Mas para rejeitar o direito de mente s mquinas devemos adotar uma

    noo essencialista como a de Descartes, e voltaramos ao incio. Uma

    mquina como o computador Deep Blueque ganhou o enxadrista Kasparov,

    tem uma mente para ganhar de um humano que nenhum outro humano tem e,

    nenhuma outra mquina at agora.

    Mas o computador somente faz o que dito para fazer, foi construdo por uma

    pessoa. Seguindo este argumento; devemos atribuir a vitria sobre o maiorenxadrista humano a um tcnico em engenharia computacional? Mas, e quanto

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    as calculadoras domsticas? Lembre-se, se queremos o resultado de 2+2,

    tanto faz se com papel ou lpis, uma calculadora ou pensando. Desde que o

    resultado seja 4. Se voc quer se exercitar talvez seja melhor fazer o clculo de

    cabea, mas se quiser rapidez, tente a calculadora. Algumas vezes as

    calculadoras falham, um nmero fica meio apagado, ou ela faz operaes

    erradas, e ai dizemos que ela est com defeito, mas no, totalmente; ela ainda

    pode fazer uma radiciao como ningum. Com nossas mentes o mesmo

    acontece, esquecemos algumas coisas, mas no todas, e mesmo queles que

    atribumos como desmemoriados possuem uma memria de alguma coisa,

    eles apenas se tornam incomunicveis; no conseguimos nos comunicar com

    eles, fazem coisas sem sentido. Lembre-se da sua calculadora que comeou a

    misturar os nmeros, no faz mais operaes, no entanto, o display continua

    aceso, apenas um curto ou o trmino da bateria cessa as funes do display.

    Dizemos ento que a mquina ficou maluca quando faz coisas sem sentido, e

    pifou quando no d nenhum sinal de... Vida.

    Mas as mquinas no tem emoes!Assim como voc no tem as emoes

    de um lagarto ou de uma mosca. Atribumos semelhana com criaturas mais

    prximas de ns em caractersticas. Por exemplo, voc est observando o pr-

    do-sol com a pessoa amada; a temperatura do ar, os pssaros, a luz, a pessoa

    ao seu lado; voc pode dizer, naquele momento, que feliz e nunca sentiu

    aquilo como, naquele momento. Passa um tempo. Voc retornou com a mesma

    pessoa, ao mesmo local, na mesma hora, na mesma data. Os pssaros esto

    l, as pessoas. Mas alguma coisa aconteceu. Aquela emoo no mais a

    mesma. Talvez vocs tenham discutido dias atrs; voc esteja preocupado

    com algo, parece que vai chover amanh; a pessoas ao seu lado esto

    visivelmente eufricas. Mas, aquela emoo no a mesma. Agora, imagineque o tempo passou. Voc brigou com a pessoa, encontrou outra e a levou a

    um parque para passear com o beb dela, de pedalinho, no lago. O pedalinho.

    Aquela tarde. Os patos. O campo do parque. Voc nunca foi to feliz quanto

    naquele momento. A emoo um estado presente no mundo, ele no

    apartado da razo. Um erro grosseiro e histrico. Sentimos onde estamos e

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    como sentimos nunca idntico porque nunca estamos sentido da mesma

    forma5.

    O uso muitas vezes da expresso software para explicar a mente tem o

    mesmo efeito de usar a expresso mente para explicar um software. Mas as

    palavras so meios para a comunicao. O que software e mente tem em

    comum o que fazem e no o que so em essncia.

    O que uma essncia? Qual a essncia do cho? Qual a essncia do ar?

    So todas as coisas, que eles no so. H um truque da mente aqui.

    Procuramos regularidades e elas acontecem em um tal tempo e espao; mas

    se voc abrir um ventilador no encontrar a alma do ventilador. Mas ns

    atribumos um ncleo a ns mesmos e esse ncleo apenas existe pois no

    todas as outras coisas ao infinito. Apenas por no termos tempo de enumerar

    todas as outras coisas que no so aquilo que categorizamos que permite

    que nos comuniquemos. A parede no tem essncia, seno a de no seruma

    placa de trnsito, o cho, a hipotenusa, a minha lembrana de um dia estar

    comendo um pedao de chocolate no aniversrio do meu av, o frio do vento

    ou essa frase que voc leu. As discusses essencialistas cabem mais na

    literatura que o que muitos pseudocientistas aproveitam para encher as

    prateleiras de antropologia e auto-ajuda.

    A inteligncia que a IA(inteligncia artificial) traz logo lembrada como uma

    caracterstica exclusiva humana. Livros como The bell curve6(A curva do sino)

    e Inteligncia Emocional, fizeram muito sucesso nos anos 80. Inteligncia

    Emocional, talvez, seja o livro de cincias sociais que mais tenha vendido nos

    anos 90. The bell curve trazia um fator geral para a inteligncia e de forma

    implcita de que os negros seriam menos inteligentes e, a IE trazia uma

    mensagem cheia de esperana, para que o individuo desse ateno aos seussentimentos e emoes. Hoje, h o popular Inteligncias mltiplas,que tenta

    postular a superioridade da mente humana. Mas, vejamos se isso mesmo o

    que a IM promulga:

    Para uma discusso filosfica ver Jean-Paul Sartre, Esboo para uma teoria das emoes, L&PM

    Pocket, 2008; e para uma elucidao cientifica ver Antnio Damsio, O erro de Descartes, 11ed.,Europa-Amrica, 1995.Sem traduo em portugus.

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    [...]tenho em meus arquivos o esboo de um livro de 1976 chamado

    Kinds of Minds, no qual eu planejava descrever os vrios tipos de

    mentes que a natureza nos d-como eles se desenvolvem nas

    crianas e como se decompem sob vrias formas de leses

    cerebrais[...] (GARDNER, 2001, p.45)

    Mas, somente em 1983, aps 4 anos de pesquisa o autor passou:

    [...] postulao da teoria explorada no esboo de kinds of Minds. Eu

    sabia intuitivamente que queria descrever as faculdades humanas,

    mas precisava de um mtodo para determin-las bem como de uma

    maneira para escrever sobre elas.

    [...]refleti sobre a melhor maneira de escrever sobre minhasdescobertas. Pensei em usar o venervel termo acadmico

    faculdades humanas, termos usados pelos psiclogos como

    habilidades, capacidades; ou termos leigos como dons ou talentos.

    No entanto, percebi que cada uma dessas palavras abrigava uma

    cilada. Finalmente optei pela audcia de me apropriar de uma palavra

    da psicologia e ampliar-lhe o significado- esta palavra , obviamente

    era inteligncia. Comecei definindo uma inteligncia como a

    habilidade para resolver problemas ou criar produtos valorizados em

    um ou mais cenrios culturais.

    [...]duas dcadas depois, apresento uma definio mais refinada.

    Agora conceituo inteligncia como um potencial biopsicolgico para

    processar informaes que pode ser ativado num cenrio cultural

    para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados

    numa cultura.

    [...]

    Venho refletindo sobre o que aconteceria se eu tivesse escrito um

    livro intitulado Sete dons humanos ou As sete faculdades da mentehumana. Acho que esse livro no chamaria muita ateno. A idia de

    que os rtulos podem ter grande influncia no mundo acadmico faz

    refletir, mas creio que minha deciso de escrever sobre as

    inteligncias humanas foi decisiva. Em vez de produzir uma teoria(e

    um livro) que simplesmente catalogasse coisas em que as pessoas

    podiam se destacar, eu estava propondo uma expanso do termo

    inteligncia de modo a abranger muitas capacidades que eram

    consideradas fora de seu escopo.(GARDNER, 2001, 45-47)

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    Repare que as duas definies, a antiga e a recente, o que ele est tratando

    so determinados fenmenos no particulares, que por convenincia ele

    chama de inteligncia. Quem estaria usando a Inteligncia mltipla de modo

    diferente do que ela ? Novamente com a voz o autor que aponta ele mesmo o

    mito:

    Mito 7

    S h uma abordagem pedaggica aprovada com base na teoria

    das IM

    Verdade 7

    Minha teoria no de modo algum uma receita

    pedaggica.(GARDNER, 2001, p.112)

    A IM foi adotada com alvoroo por disciplinas como pedagogia, onde

    pedagogos imaginam ver aquilo que desejam: uma receita pedaggica.

    O fantasma na mquina pode vir acompanhado, ou no, de outro argumento,

    o do bom selvagem:

    Muitos autores precipitaram-se a concluir que o homem

    naturalmente cruel e requer um sistema de polcia regular pararegenerar-se, porm nada pode ser mais manso do que ele em seu

    estado primitivo, quando posto pela natureza a igual distncia da

    estupidez dos brutos e do pernicioso bom senso do homem civilizado.

    [ ]

    Quanto mais refletirmos sobre esse estado, mais convencidos

    ficaremos de que era o menos sujeito de todos a revolues, o

    melhor para o homem, e que nada poderia ter arrancado disso o

    homem a no ser algum fatal acidente, o qual, pelo bem pblico,

    nunca deveria ter acontecido. O exemplo dos selvagens, que em sua

    maioria foram encontrados nessa condio, parece confirmar que a

    humanidade foi formada para manter-se sempre nela, que essa

    condio a verdadeira juventude do mundo, e que todos os

    progressos ulteriores foram muitos passos aparentemente em direo

    perfeio dos indivduos, mas de fato no caminho da decrepitude da

    espcie.(ROUSSEAU,1755, 1994, p.61-62 apud Pinker, 2004, p.25)

    A alternativa seria a natureza rubra e de garras de Hobbes:

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    Est assim evidente que, durante o tempo em que os homens vivem

    sem um poder comum que os mantenha em temor reverencial.

    Encontram-se naquela condio denominada guerra; e essa guerra

    de cada homem contra cada homem.[...]

    Em tal condio no h lugar para a laboriosidade, pois o fruto dela

    incerto, e consequentemente no h cultivo da terra, navegao, uso

    de artigos que podem ser importados por mar, no h edificaes

    cmodas, instrumentos para mover e remover coisas que requeiram

    muita fora, no h conhecimento da face da Terra, contagem do

    tempo, artes, letras, sociedade; e, o que pior de tudo, (h) contnuo

    medo e perigo de morte violenta; e a vida do homem () solitria,

    pobre, grosseira, animalesca e breve.(HOBBES, 1651,1957, p.185-

    186, apud Pinker, 2004, p.26)

    O medo por trs de o bom selvagem no ser verdade de que se ele no for

    bom em essncia, ser mau em essncia. O leitor mesmo pode perceber que o

    erro est em essncia que se agarra no argumento como um vrus de

    computador. Vamos ento passar um antivrus e ver o que ele pega.

    As discusses sobre tica apontam as discusses sobre o bem e o mal. Mas,os objetos dotados de caractersticas boas ou ms ir variar de cultura para

    cultura; uma cultura pode ter a morte de uma criana como algo mal e outra

    como algo benfico como um ritual de sacrifcio, esse dado exaustivamente

    conhecido dos antroplogos. O problema no est na questo do que bom ou

    ruim, est at onde entendemos cultura. Se, cultura algo que distingue a

    cultura ianommi da cultura ocidental, est perfeito, mas os nativos no fazem

    parte da cultura dos antroplogos relativistas e quando descobrem algo queno de tal forma adotam em alguma medida o novo conhecimento daquela

    outra cultura. Cultura um conceito aplicvel a todosos homo sapiens? Se a

    resposta no, a morte de uma criana enterrada viva para aplacar a ira dos

    deuses deve ser celebrado como mais uma jia na coroa do relativismo. Se,

    cultura um conceito aplicvel a todos os homo sapiens, os intelectuais ps-

    modernos e relativistas teriam problemas para encher as revistas eletrnicas,

    com seus artigos reluzentes.

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    Mas, quando o fantasma bondoso incorpora na mquina? Na educao, na

    sociedade, na famlia. Pois o humano uma tabula rasa, o que afirmam.

    Steven Pinker aponta a idia de tabula rasa como o argumento onde o

    fantasma bondoso encarna, e cita Locke para ilustrar:

    Suponhamos, pois, que a mente seja, como dizemos, um papel em

    branco, totalmente desprovido de caracteres, sem idias quaisquer

    que sejam. Como ela vem a ser preenchida?De onde provm a vasta

    proviso que a diligente e ilimitada imaginao do homem nela pintou

    com uma variedade quase infinita? De onde lhe vm todos os

    materiais da razo e do conhecimento? A isso respondo, em uma

    palavra: da experincia.(LOCKE,1690,1947, p.26, apud Pinker, 2004,

    p.23)

    Pinker lembra que a natureza humana, ou melhor, a negao da natureza

    humana, sustentada pela tabula rasa, o bom selvagem e o fantasma na

    mquina o que esto por trs da negao da natureza humana e o que

    fomentou horrores como os sintetizados pela frase de Mao: Uma folha de papel

    em branco no tem borres, por isso as mais novas e belas palavras podem ser

    escritas nela.(MAO apud PINKER, 2004). Para ajudar a compor est pgina Maoexterminou 65 milhes de pessoa.

    Mas, queremos evidncias. Se, somos tabulas rasas, a ser preenchidas pelos

    pais e pela sociedade, seria to difcil moldar os indivduos para que sejam

    bons e justos? Para que evitem a violncia e a discriminao, o cime e o

    dio? Se, somos bons selvagens, por que a guerra, o sexismo e a escravido

    existem mesmo em povos que no tiveram contato com o mundo civilizado i? E,

    se temos uma alma imaterial com poder de deciso, nem sempre fazemos as

    melhores escolhas e prejudicamos a ns mesmos e aos outros?

    A resposta para todas estas perguntas porque esto todas completamente

    erradas. So fruto da desinformao, do trabalho intelectual preguioso, do

    raciocnio comodista, do cinismo, da malcia e da arrogncia de intelectuais. O

    leigo menos responsvel hoje em dia por este tipo de perpetuao de

    equvocos, falcias e malcias do que o intelectual contemporneo.

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    Todo o constructo intelectual sobre a natureza est assentado em uma viso

    platnico-aristotlico7onde a essncia das coisas vem do passado original e

    conforme o tempo passa, mais distante estamos; mudana degenerao,

    pois,quanto mais distante do original, ento a ao deve ser para uma causa

    tal qual, um propsito. Mas o caso no criticar uma idia por ela estar, a

    muito tempo ou no, sendo perpetuada, e sim, se as idias correspondem aos

    fatos.

    No fosse a falta de evidncias daqueles argumentos, o que mais fazem

    contribuir levantando muralhas contra a avalanche de evidncias. O qu,

    melhor um curso superior de graduao, em um cenrio educacional onde as

    Universidades tornam-se cabides para centenas de pessoas em busca de um

    certificado que contribua em fortalecer as estatsticas quantitativas de pessoas

    com nvel superior pode fazer, em tal cenrio acadmico de desinformao,

    seguir o pastor como ovelhas e no discutir teorias ultrapassadas.

    Nenhum daqueles argumentos estariam presentes hoje em dia se a

    compreenso da Teoria da Evoluo fosse maior. A perpetuao dos

    argumentos equivocados se d na mesma medida em que se agarram a

    argumentos como instrumentos de f. Alguns, entre os fatos e as idias ficam

    com as idias.

    Pinker sintetiza o cenrio atual acadmico e terico sobre a mente e o

    comportamento:

    As trs leis da gentica comportamental podem ser as descobertas

    mais importantes na histria da psicologia. Mas muitos psiclogos

    no se dedicaram seriamente a elas, e a maioria dos intelectuais no

    as compreende, apesar de terem sido explicadas em matrias de

    capa de revistas informativas. Isso no acontece porque as leis so

    confusas; cada uma pode ser expressa em uma frase, e sem

    parafernlia matemtica. Acontece porque as leis aniquilam a tabula

    rasa, e a tabula rasa est to arraigada que muitos intelectuais no

    conseguem entenderuma alternativa, muito menos argumentar sobre

    ela ser certa ou errada.

    Eis as trs leis:

    Para uma discusso mais extensa ver Karl Popper, A sociedade aberta e seus inimigos, Vol I e II,

    Itatiaia, 1974.

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    -Primeira lei: Todas as caractersticas de comportamento humano so

    hereditrias.

    -Segunda Lei: O efeito de ser criado na mesma famlia menor que o

    efeito dos genes.

    -terceira lei: Uma poro substancial da variao em caractersticascomplexas do comportamento humano no explicada por efeitos de

    genes ou famlias.( PINKER, 2004, p.504)

    A terceira lei parece ajudar a entender as outras duas. Imagine dois irmos,

    gmeos idnticos, criados em famlias diferentes. Seus comportamentos sero

    mais semelhantes do que gmeos fraternos criados em famlias diferentes, e

    os gmeos fraternos tero comportamento mais semelhante do que irmos

    adotivos, e, irmos adotivos tero comportamentos mais semelhantes do

    irmos de espcies culturais diferentes. As trs leis tratam do que somos em

    comparao com nossos semelhantes. As leis no dizem que educao e

    cultura no influenciam no comportamento, mas, que so menores do que os

    genes. Observe que a terceira lei aponta uma poro substancial da variao

    que no explicada por efeitos ou famlias, a terceira leino aponta de onde

    vem essa poro. Essa poro aleatoriedade. Imagine novamente, os irmos

    idnticos, sendo fertilizados, e seu respectivo desenvolvimento uterino, vocpode visualizar que o desenvolvimento embrionrio por mais que seja

    compartilhado em um ambiente prximo como o tero, uma clula nervosa

    pode virar a direita ao invs da esquerda; aps nascer, um registrou uma

    memria no colo da me que outro no teve por estar dormindo e gerando

    imagens onricas; um saiu na chuva e tropeou, comeu algo estragado e

    tomou um remdio, sofreu uma desiluso amorosa, acreditou no papai Noel at

    mais tarde do que o outro por que as pessoas no contaram para ele; um leuWilliam Faulkner, outro Gabriel Garcia Marques; um ficou vivo, outro teve dez

    filhos e morreu depois da amante. Fim para os dois. Suas vidas em retrospecto

    podem ter sido, comparativamente, como de outras pessoas no gmeas

    idnticas, como semelhantes, mas uma parte de seu comportamento ficou

    varivel; de fora dos genes e das famlias.

    Diante de fatores aleatrios o que fazemos? Decidimos. E a qualidade do

    produto da deciso est em relao a quantidade e qualidade do que precedea deciso. A alternativa diante da aleatoriedade seria: menor quantidade e

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    menor qualidade. No temos como reter individualmente uma quantidade ou

    qualidade segura para a deciso certa, por que cada deciso somente gera

    uma outra situao de incerteza ao infinito. O que podemos fazer aceitar o

    resultado das escolhas. Como, nos comportamos diante do fenmeno da

    escolha. Como lembra Sartre, estamos condenados a liberdade

    Os sistemas de escolha so classificados quanto a sua dinmica8 , mas

    principalmente, quanto a velocidade.

    Temos aqui ento o modelo de algo que para fins de comunicao

    chamaremos mente, que aquilo que o crebro faz; e o comportamento, que

    o conjunto de fenmenos, motivados pela biologia mais do que pela cultura,

    mas, com uma poro de indeterminao(entendido aqui no o processo) mas,

    a verificabilidade da concluso do comportamento.

    Dotados desse sistema vamos estud-lo atravs de como esse sistema toma

    decises. No vamos tentar estudar a gentica para a concluso, mas o que o

    sistema de decises faz diante de situaes de incerteza.

    Um sistema heurstico de deciso pode ser um modelo analtico ou intuitivo.

    Usamos os dois constantemente, o analtico demanda tempo enquanto o

    intuitivo reage de forma instintiva.

    Qual sistema preponderante em nossa sociedade atual? O analtico. E a

    explicao para isso, talvez esteja na maior difuso da informao do que na

    industrializao, se bem que a industrializao favorece a propagao da

    informao. Mas o que quero destacar que em grandes concentraes, a

    informao circula e se estabiliza por maior tempo, veja no caso da antiga

    Alexandria, ou o advento da prensa, e a escrita que, talvez, esteja em um

    divisor de guas para a espcie humana. No est sendo destacado aqui o

    produto deste fenmeno mais a forma como acontece. A internet umexemplo, h muito lixo, mas muita informao de qualidade para decises

    analticas. Penso que um aumento do sistema analtico apenas iria diminuir o

    ritmo de difuso da informao, mas com uma predominncia do sistema

    intuitivo. Mas o caso no que um seja mais do que o outro e, sim, o que

    fazemos, com um e outro. Lembre que o produto de nossas decises est

    relacionado a quantidade e qualidade da informao precedente. Assim diante

    8Sistemas de deciso aplicados a mente, conhecidos comosistemas heursticos de deciso.

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    de um vulto vamos nos assustar, mas, rapidamente nossa mente corrige a

    informao nos dizendo que era apenas uma roupa no varal, no entanto, se

    estivermos preocupados com uma onda de assaltos na regio, tendemos a

    ligar para a polcia, se ouvirmos algo no quintal. O sistema intuitivo da conta do

    recado sem que nos preocupemos com ele. Mas o sistema analtico no.

    Diante de um tigre, no vamos ficar conjecturando a melhor forma de lidar com

    a situao: ou fugimos ou lutamos9. Mas a vida a muito deixou de ser uma

    constante intuitiva onde no nos preocupvamos em saber. Alguma coisa

    aconteceu para que pudssemos analisar o analisar. O sistema analtico envia

    uma mensagem do tipo: se voc no estiver em uma situao de fugir ou lutar

    conte comigo. Mas quando temos que fugir ou lutar? Quando, sabemos que o

    objeto de nossa situao de incerteza demanda lutar fugir ou analisar? Quando

    nos tornamos refm do sistema intuitivo como processo? Ningum sabe.

    Apenas sabemos que melhor saber do que no saber.

    Quais as instituies atuais que combatem o saber em prol da intuio como

    processo? A arte? A arte tem uma preocupao com que o processo responda

    a outras intuies e no esconde de ningum. O quero destacar so quais

    instituies reivindicam a intuio como processo seguro para as concluses.

    Bem, dentro da academia temos o relativismo, e fora, a religio. Em uma, a

    verdade relativa, para o relativismo; e para a religio, a verdade alcanada

    pela f. O que ambas tem em comum a no aceitao da crtica. Existem

    instituies que ligam at cultura e religio. O foco principal, so mais, aqueles

    que se locupletam das pessoas que pensam estar comprando um sistema

    analtico e levam um sistema intuitivo; sacolas e mais sacolas de roupa do

    rei10.Diante de um alfaiate, em suas diversas panplias, um fundamentalistas

    merece mais respeito, pois ele faz o que faz, acreditando do fundo do seucorao de que aquilo o bem, verdadeiro e belo.

    O sistema cerebral pode ser esquematizado com o complexo reptiliano, o sistema lmbico e o neocrtex.

    O sistema lmbico estaria na interao instintiva com o reptiliano para situaes que no demandammaiores consideraes.

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    (

    (

    (Kelley, 1996, grfico adaptado por Hagen da fig. 6.2 da p. 90)

    REFERNCIAS

    ARISTTELES. Os pensadores. Traduo de Leonel Vallandro et al.SoPaulo: Abril, 1973

    DAMSIO, Antnio. O erro de Descartes: emoo, razo e crebro humano.Traduo de Dora Vicente e Georgina Segurado. Portugal: Europa-Amrica,1994DESCARTES, Ren. Os pensadores. Traduo de J. Guinsburg e BentoPrado Jnior. So Paulo: Abril, 1973FERNADES, Francisco et al. Dicionrio Brasileiro Globo. So Paulo:Globo,1999GARDNER. Howard. Inteligncia: um conceito reformulado. Traduo deAdalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001GARDNER. Howard. Estruturas da mente: a teoria das intelignciasmltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2007

    HUMPHREY, Nicholas. Uma histria da mente.Traduo de Waltensir Dutra.Rio de Janeiro: Campus,1994

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