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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    ALLAN VALENZA DA SILVEIRA

    Dilogos crticos de Nestor Vtor

    CURITIBA2010

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    ALLANVALENZADASILVEIRA

    Dilogos crticos de Nestor Vtor

    Tese de doutorado apresentada aoPrograma de Ps-Graduao em Letras,na rea de concentrao de EstudosLiterrios, da Universidade Federal doParan, para a banca de defesa comopr-requisito parcial para a obteno dottulo de doutor em Estudos Literrios.

    Orientadora: Prof. Dr.Marta Morais daCosta

    CURITIBA2010

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    Este trabalho dedicado especialmente aos meus pais,

    Lucia e Eraldo, em quem, antes de quaisquer outras pessoas,

    penso quando sei que estou realizando algo importante.

    Dedico, tambm, a meu ex-orientador e amigo,

    Prof. dison, que, por circunstncias fora de nosso controle,

    no pode levar minha orientao at o final.

    Aos meus trs sobrinhos, ainda bebs,

    Felipe, Rafaela e Fabiano:

    de quem espero que um dia surja interesse em conhecer o meu trabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    Sempre uma lista de agradecimentos algo extenso e ingrato, pois nunca

    nos lembraremos de todos que nos ajudaram a realizar nossos sonhos e a vencernossos desafios. Mas alguns foram realmente marcantes em nossa caminhada, o

    que faz a lembrana destes valer a pena correr o risco do esquecimento e da

    injustia com outros.

    Em primeiro lugar, gostaria de agradecer Jane, por ter aguentado esses

    anos finais da pesquisa de doutorado e por ter entendido as minhas ausncias

    em momentos fundamentais da elaborao de minha tese. Agradeo muito ela,

    tambm, por ter escutado cada desdobramento de minhas pesquisas conformeelas iam surgindo sempre explicadas nos seus mais diminutos detalhes. Alm

    disso, gostaria de agradecer por, mesmo no meio de toda essa correria, no ter

    deixado de gostar de mim e ter aceitado tornar-se minha esposa. Beijos!

    Agradeo aos meus amigos e colegas, todos fundamentais para poder

    manter minha sanidade mental quando as pesquisas se tornavam exaustivas.

    Agradeo especialmente ao Cleverson, por todas as conversas durante os jogos

    de xadrez, que muito me ajudaram a organizar meu pensamento durante a

    pesquisa.

    Agradeo a todos os outros amigos que sentiram a minha falta enquanto eu

    precisava me dedicar aos estudos. Espero que entendam que a ausncia, apesar

    de doda, valeu pena.

    toda a minha famlia, que sempre esteve interessada no andamento do

    meu trabalho, sempre querendo saber quando ele terminaria para que eu

    pudesse voltar a frequentar os encontros e festas. Agradeo Nise por toda afora que deu e por todas as conversas animadoras sobre os trabalhos de ps-

    graduao.

    Gostaria de agradecer aos professores da UNICENTRO e da UEM, onde

    atuei como professor durante o perodo de realizao deste trabalho, e onde,

    alm de colegas, conheci pessoas muito especiais que estimo at hoje.

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    No poderia deixar de agradecer aos meus professores da UFPR, todos

    fundamentais para a minha formao e que agora deixam de ser meus

    professores e passam a ser meus colegas de instituio, onde hoje figuro no

    quadro de docentes. Ainda na UFPR, agradeo ao Odair, secretrio da ps, pela

    inesgotvel boa vontade e simpatia.

    Agradeo, ainda, a bolsa de pesquisa fornecida pelo CNPq, que muito veio

    a ajudar no momento em que precisei dedicar-me redao do texto; e

    Biblioteca Pblica do Paran, que muito me auxiliou a encontrar e fotografar as

    primeiras edies dos livros de Nestor Vtor.

    Agradeo muito Marta, minha orientadora, por ter me acolhido como seu

    orientando em um momento em que a minha caminhada na pesquisa j estavainiciada.

    Enfim, a todos que esqueci, agradeo muito por compreenderem que no

    cabia todo mundo nos agradecimentos.

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    natural que sejam tomados por cadveres, por autores infelizes que

    conhecemos para a dissecao, ressequidos, injetados de comentrios,

    reduzidos ao estado de peas anatmicas. (...)

    Resduos da admirao secular de outros.

    Paul Valry

    Descrente? Engano. No h ningum mais crdulo que eu. E esta exaltao,

    quase venerao, com que ouo falar em artistas que no conheo, f ilsofos que

    no sei se existiram!

    Ateu! No verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo,

    dolos que depois derrubo...

    Graci liano Ramos

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    RESUMO

    Esta tese se prope a estudar a obra de crtica literria produzida por Nestor Vtorque foi, ao longo dos anos, reunida em livros. A abordagem ser inicialmente feitaatravs de um panorama de todos os artigos selecionados para a anlise,enfocados um a um, usando o critrio cronolgico para se delimitar as questescomuns que embasaram cada perodo de sua crtica. Em um momento seguinte,se buscar apresentar um painel amplo contento a histria da crtica produzida arespeito da obra de Nestor Vtor e, a partir de tal abordagem, identificaremosquestes recorrentes a vrios historiadores e crticos literrios, assim comosalientaremos as suas especificidades. Das recorrncias a considerao de queNestor Vtor seria um crtico impressionista ser questionada, devido falta defundamentao que tal definio encerra. Na busca de suprir a vaguido de talconceituao, buscaremos encontrar as fundamentaes tericas que NestorVtor recebeu das correntes crticas europeias produzidas durante o sculo XIX,as quais se encontram presentes na crtica nestoriana, seja aceitando os seuspreceitos, seja questionando-os. De tal abordagem, buscaremos, enfim, definirquestes conceituais que permeiem toda a obra crtica de Nestor Vtor, definindoas suas formas de abordagem uma vez que definiriam para o prprio crtico o queviria a trabalhar, gerando quatro questes bsicas: a sua prpria noo de arteliterria; sobre como viria a trabalhar, definindo a noo e a funo da crticaliterria; estabelecendo tambm a noo do produtor da arte literria o escritor; e do receptor desta arte o leitor.

    Palavras-chave: Nesto r Vtor, crtica literria, literatura brasileira

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    ABSTRACT

    We aim in this thesis to study the literary critical work written by Nestor Vtor witchwas during the years put together in books. We start our study by a overview of all

    his selected articles, one by one, using a chronologic sequence what define for usgeneral ideas that support each phase of Nestor Vtors literary criticism.Following that, we will show a bibliographic review of the Brazilian literary criticismhistory about his critical works and through this review we can identify thecommon approaches of many researchers and the specific approaches that eachresearcher has about Nestor Vtors criticism. From the common approaches theidea of been Nestor Vtor an impressionist critic will be questioned, because itslack of support. By looking for theoretical support for his criticism, we will finddialogues in Nestor Vtors literary criticism with the nineteenth European criticismtendency, showing if Nestor Vtor accept or denied the ideas there are based on.Finally, after these dialogues, we will define four concepts in Nestor Vtorscriticism: the notion of literary art, the delimitation and function of the literary

    criticism, the idea of the literary creator the writer -, and the literary receptor the reader.

    Keywords: Nestor Vtor, literary criticism, Brazilian literature

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    LISTA DE ABREVIAES DAS OBRAS DE NESTOR VTOR1

    OC1 Obra crtica de NestorVtor, volume 1

    (VTOR, Nestor. Obra crtica de Nestor Vtor.Vol. 1. Rio de Janeiro: Fundao Casa de RuiBarbosa, 1969.)

    OC2 - Obra crtica de NestorVtor, volume 2

    (VTOR, Nestor. Obra crtica de Nestor Vtor.Vol. 2. Rio de Janeiro: Fundao Casa de RuiBarbosa, 1973.)

    OC3 - Obra crtica de NestorVtor, volume 3

    (VTOR, Nestor.Obra crtica de Nestor Vtor.Vol. 3. Rio de Janeiro: Fundao Casa de RuiBarbosa, 1979.)

    TF Terra do futuro (VTOR, Nestor.A terra do futuro impressesdo Paran. Curitiba: Prefeitura Municipal deCuritiba, 1996.)

    FF Folhas que ficam (VTOR, Nestor. Folhas que ficam.Rio de

    Janeiro: Grane Livraria Editora Leite Ribeiro &Maurillo, 1920.)

    EC Elogio da criana (VTOR, Nestor. Elogio da creana.Rio deJaneiro: Typ. do Jornal do Commercio, deRodrigues & C., 1915.)

    EA Elogio do amigo (VTOR, Nestor. Elogio do amigo. So Paulo:Monteiro Lobato & C.,1921.)

    GA Garo e Assis (VTOR, Nestor. Garo e Assis. In: BARRETOFILHO.Introduo a Machado de Assis. Rio deJaneiro: Agir, 1947.)

    1As abreviaes sero usadas nas referncias longas que estiverem em deslocamentocom relao ao corpo do texto, seguidas do nmero de pgina correspondente, evitando, assim,o aumento da j numerosa quantidade de notas de roda-p. Para as que estiverem inseridasdentro do corpo do texto ser utilizada a referncia em nota de roda-p. Os demais autorespresentes em citaes longas tero as suas referncias colocadas em notas de roda-p.

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    SUMRIO

    INTRODUO.................................................................................................. 13

    PARTE I NESTOR VTOR: O HOMEM, A OBRA, A POCA.......................... 23

    CAPTULO 1 HOMEM POLTICO VERSUSHOMEM ESTTICO................... 25

    CAPTULO 2 O INCIO DA CRTICA DE NESTOR VTOR: O CASODA MONOGRAFIA CRUZ E SOUSA................................................................ 37

    CAPTULO 3 1898-1902: NOVIDADES NO LIMIAR DO SCULO XX............ 56

    CAPTULO 4 1902-1905: DO BRASIL PARA A EUROPA; DAEUROPA PARA O BRASIL .............................................................................. 79

    CAPTULO 5 1906-1914 A CONSOLIDAO DO ESPAOCRTICO DE NESTOR VTOR ......................................................................... 95

    CAPTULO 6 1914-1920: ANTIGOS REFERENCIAIS CRTICOS NONOVO MUNDO GERADO PELA GUERRA ..................................................... 111

    CAPTULO 7 1921-1930: A REAO ESPIRITUALISTA E OSEXPERIMENTOS DE VANGUARDA............................................................... 136

    PARTE II DILOGOS E CONCEITOS TERICOS DA CRTICANESTORIANA................................................................................................ 173

    CAPTULO 1 A OBRA DE NESTOR VTOR NOS ESTUDOSLITERRIOS BRASILEIROS.......................................................................... 175

    1.1 VIDA LITERRIA ................................................................................... 1751.2 EVOCAES DE NESTOR VTOR ........................................................ 1881.3 LUGARES COMUNS DOS ESTUDOS SOBRE A CRTICA

    LITERRIA DE NESTOR VTOR ............................................................. 1931.4 ESPECIFICIDADES DOS ESTUDOS SOBRE A CRTICA

    LITERRIA DE NESTOR VTOR ............................................................. 213

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    CAPTULO 2 DILOGOS TERICOS DA CRTICA LITERRIA DENESTOR VTOR............................................................................................. 227

    2.1 NESTOR VTOR, CRTICO IMPRESSIONISTA ...................................... 2302.2 AS CORRENTES CRTICAS DO SCULO XIX E A CRTICA

    NESTORIANA ......................................................................................... 237

    2.2.1 Crtica objetiva ................................................................................ 2412.2.2 Retrato biogrfico ........................................................................... 2492.2.3 Histria literria ............................................................................... 2562.2.4 Crtica determinista ......................................................................... 2622.2.5 Crtica evolucionista ........................................................................ 2662.2.6 Simpatia ......................................................................................... 272

    CAPTULO 3 CONCEITOS TERICOS DA OBRA CRTICA DENESTOR VTOR............................................................................................. 276

    3.1 ARTE LITERRIA .................................................................................. 2763.2 A CRTICA E O CRTICO LITERRIOS.................................................. 2933.3 O AUTOR LITERRIO ........................................................................... 304

    3.4 O LEITOR .............................................................................................. 311

    CONSIDERAES FINAIS............................................................................. 318

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................ 331

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    INTRODUO

    O estudo sobre crtica literria no Brasil tem recebido pouco espao

    em nossos cursos de graduao, mas, felizmente, sua importncia amplia-

    se razoavelmente em especial nos estudos de ps-graduao. Apesar doaumento considervel do tempo destinado s abordagens de mtodos de

    ensino nos currculos de nossos cursos de Letras, a considervel ampliao

    do mercado de trabalho para escritores que procurem se dedicar a abordar a

    produo cultural e, destacadamente, dentro dela, a literria devido ao

    surgimento de diversas revistas e outros peridicos destinados a tais

    assuntos, tais produes costumeiramente tm como foco central a

    vulgarizao de obras, destinando-se especialmente a um grande pblico,

    apesar de, recentemente, diversos peridicos terem sido lanados comqualidades cada vez mais elevadas de crtica, mas, ainda assim, voltadas

    para a circulao em massa. Da mesma forma, essa ampliao do volume

    de publicaes tem crescido consideravelmente no meio acadmico, em

    especial depois do advento da internet, devido a superao de boa parte

    das limitaes de custo que o texto impresso acarretava. Tal proliferao de

    produes, alimentadas muitas vezes por crticos alm de tericos e

    historiadores da literatura, como divide Ren Wellek em seu trabalho

    Conceitos de crtica2, faz difundir o interesse pela crtica literria no pas.

    Esse interesse uma das razes do presente estudo. Ao escolher

    como objeto de estudo a produo crtica de Nestor Vtor (1868-1932),

    realizamos aqui um trabalho acadmico que no se limita exclusivamente a

    uma das linhas apontadas por Wellek, mas que transita pelas trs.

    Antes de iniciar a descrio efetiva do trabalho, entretanto, faamos

    uma delimitao do objeto sobre o qual lanaremos os olhos. Nestor Vtor foi

    um escritor muito profcuo, dono uma extensa obra na qual se contam livros

    de poesia, de fico e de viagens, alm de uma vasta produo crtica,

    publicada em jornais e livros, alm de ser algumas vezes produzida para

    conferncias e palestras. De sua produo, o que efetivamente interessar

    para o estudo nessa tese escrita para o programa de ps-graduao em

    2 WELLEK, Ren. Conceitos de crtica. Trad. Oscar Mendes. So Paulo: Cultrix,1963.

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    Letras da Universidade Federal do Paran , ser a sua parte de crtica

    literria. Com isso, deixaremos de lado a sua produo literria em prosa e

    verso de Nestor Vtor, at hoje ainda pouco explorada, assim como os

    seus textos de viagens, igualmente relegados quase que ao esquecimento.

    Tal recorte na sua bibliografia se faz com pesar, visto seus romances econtos em especial os ltimos serem de grande requinte e, quando

    abordadas tcnicas de escrita, contarem eles com novidades que s se

    difundiriam na produo literria em meados do sculo XX, como, por

    exemplo, o monlogo interior; da mesma forma, os seus textos de viagens

    foram deixados de lado mais por uma questo de delimitao do estudo do

    que pela sua qualidade, muito elevada, sendo que, inclusive, Paris, seu

    primeiro livro de viagens, ter sido considerado um dos melhores exemplares

    j escritos no gnero no Brasil e no somente por uma crtica de apoio,mas tambm por opositores tericos de sua prpria poca, como foi o caso

    de Slvio Romero.

    Desta forma, limitamos o estudo aos textos de crticas literrias

    produzidas por Nestor Vtor. Porm, mesmo assim nosso trabalho ainda no

    poderia ser levado adiante sem uma nova limitao do objeto. A sua

    produo sempre foi muito intensa, feita e publicada em diversos lugares

    diferentes. conhecida a sua colaborao para diversos jornais e revistas

    no Rio de Janeiro, em So Paulo e em Curitiba, alm de ter trabalhado em

    Paris e manter contato com lugares mais distantes no exterior, como a

    Blgica, e em outras localidades no Brasil, como a Bahia. Desta forma, fazer

    uma abordagem de toda a sua crtica produzida se tornava invivel para um

    mesmo pesquisador devido necessidade de vasculhar os acervos dos

    jornais de todas essas localidades, em busca de textos publicados muitas

    vezes, possivelmente, de forma espordica por Nestor Vtor e que no

    esto catalogados em lugar nenhum na historiografia da crtica literria

    brasileira estando, por isso, perdidos em algum lugar da histria de nosso

    pensamento literrio. Frente a esta limitao, decidimos concentrar o estudo

    aos textos que foram coletados em livro, tenham eles sido publicados

    originalmente em jornais, tenham sido produzidos para serem pronunciados

    em forma de palestra ou conferncia, ou tenham sido publicados

    originalmente j no formato de livro. Tal escolha se deu pelo fato de este ser

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    um dos primeiros estudos que abordaram a sua obra de forma completa,

    procurando compreender as mudanas e permanncias de suas posturas

    crticas. At hoje, quatro estudos trs de mestrado e um de doutorado

    foram realizados especificamente sobre a obra crtica, sendo que um deles

    em um programa de ps-graduao em Histria, escrito por AlessandraCarvalho3, se atm pouco s questes literrias e de fundamentao crtica,

    voltando-se mais para a insero do crtico em questo no seu contexto

    por sinal, o nico estudo, desses quatro, que foi publicado em formato de

    livro. A dissertao de mestrado4 de Maria Aparecida Roncato enfoca a

    produo do crtico sob o prisma de um intelectual engajado, procurando

    encontrar nela qual seria o modelo ideolgico adotado pelo crtico

    paranaense. A dissertao de mestrado5e a tese de doutorado6de Rosana

    Gonalves, ambas trazendo uma contribuio bem significativa para oestudo da crtica nestoriana, estando restrita a primeira a abordar um nico

    livro (A crtica de ontem, de 1919) e o segundo, j de carter mais amplo,

    buscando encontrar nos textos de Nestor Vtor categorias crticas amplas

    que fundamentem a prtica, mas ainda centrando-se mais nas crticas

    coletadas emA crtica de ontem.

    Dentro do panorama da histria da crtica literria no Brasil, apesar de

    Nestor Vtor ser citado vrias vezes, raramente trabalhado de forma um

    pouco mais aprofundada. Algumas vezes usado como fundamento para

    caminhos posteriores que a crtica literria veio a assumir, como no caso

    dos estudos de Leodegrio Azevedo Filho; outras vezes usado como um

    divulgador de ideias, mas que no se torna um marco da crtica literria,

    como apresentam os estudos de Wilson Martins; outras, ainda, apontam-no

    como um crtico que fica restrito ao simbolismo, revivendo a sua

    fundamentao esttica, seja na aplicao direta de suas diretrizes, seja

    3 CARVALHO, Alessandra I. de. Nestor Vtor um intelectual e as idias de seutempo. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.

    4 RONCATO, Maria Aparecida. Nestor Vtor: a atividade crtica como e enquantoprojeo de um modelo ideolgico. Dissertao de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-RJ,1979.

    5 GONALVES, Rosana. A evoluo do pensamento crtico de Nestor Victor nAcrtica de ontem. Dissertao de mestrado. Assis (SP): UNESP, 1996.

    6 Idem. Nestor Vtor: contribuies tericas, crticas e histricas. Tese dedoutorado. Assis (SP): UNESP, 2004. Texto no publicado.

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    pela rememorao dos valores simbolistas em tempos quando o simbolismo

    j no mais surtia efeito, como se apresenta nos estudos de Cassiana

    Carollo e de Andrade Muricy. Entretanto, a grande maioria das abordagens

    feitas sobre Nestor Vtor do conta apenas da questo da vida literria,

    inserindo-o no contexto social do Rio de Janeiro da Repblica Velha, como ofazem Brito Broca, Luis Edmundo e Swami Vivekanda.

    Para o critrio de seleo dos textos aqui estudados, como j foi dito,

    recorreu-se o fato de eles terem sido coletados em livro, uma vez que, alm

    do problema de tomar contato com os textos, perdidos em arquivos de

    jornais, a durabilidade do livro frente ao jornal muito maior, permitindo,

    inclusive, que os textos tenham recebido esse tratamento seletivo possam

    constituir, de forma mais eficaz, o cnone a ser formalizado sobre a obra

    crtica de Nestor Vtor na historiografia de nossa crtica literria. Sabemos,entretanto, que um estudo mais amplo, que buscasse revirar os arquivos de

    jornais por ns ignorados, poderia chegar a outras concluses que no as

    que chegamos aqui, abordando apenas os textos coletados em livro.

    Inclusive, esse um dos propsitos desse nosso estudo, que ele possa

    servir de guia para novas pesquisas que venham complementar e, se for o

    caso, corrigir as afirmaes aqui feitas.

    O estudo aqui realizado, enfim, trar como marco inicial da crtica

    literria7 nestoriana a monografia Cruz e Sousa, produzida no ano 1896,

    mas publicada somente em 18998; e se estender at 1930, quando publica

    O Esprito de Dostoivski. Este perodo (1896/99-1930) comporta a

    seleo feita nos trs volumes da Obra crtica de Nestor Vtor editados pela

    7 Outros crticos e historiadores literrios apontam textos crticos de Nestor Vtoranteriores a este, como o caso de Cassiana Lacerda Carollo, que fala de textos do autorescritos para a revista Club Curitibano j no incio da dcada de 1890, mas tais textosfogem de nossa delimitao por no terem sido coletados em livro.

    8

    H uma pequena divergncia nas datas de publicao desta monografia. Naedio feita pela Fundao Casa de Rui Barbosa, em prefcio escrito por Andrade Muricy,a publicao datada de 1898, apesar de ela estar datada, no mesmo livro, no breveprefcio escrito por Nestor Vtor para esta monografia, de 2 de janeiro de 1899. estamesma data que aparece no livro de Swami Vivekanda, Alma e Corao de Nestor Vtor,sobre o centenrio de nascimento de Nestor Vtor, assim como em Alfredo Bosi, na HistriaConcisa da Literatura Brasileira, em Tasso da Silveira, no livro Nestor Vtor prosa epoesia e, inclusive, no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, do prprio AndradeMuricy. Neste trabalho ser utilizada a data indicada no breve prefcio de Nestor Vtor, 2de janeiro de 1899, que, inclusive, coincide com a quase totalidade das indicaes dosestudiosos abordados nesta tese.

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    Fundao Casa de Rui Barbosa. Estes volumes comportam as seguintes

    obras: volume 1 Cruz e Sousa, A hora, Trs romancistas do Norte, Farias

    Brito e A crtica de ontem; volume 2 Introduo de Nestor Vtor ao livro A

    sabedoria e o destinode Maurice Maeterlinck, Matias Aires, Cartas gente

    nova e Os de hoje; volume 3 Homens e temas do Paran, Cartas de Paris,O mundo, de Paris, a colaborao a diversos peridicos (especialmente O

    Globo e Correio da Manh). Deste ltimo volume, no analisaremos a seo

    intitulada Arguies s teses de um concurso, que contm os pareceres do

    crtico sobre candidatos vaga de professor de Literatura Brasileira no

    Instituto Normal, realizado em 1930, por se tratarem de pareceres sobre os

    assuntos especficos abordados pelos candidatos. O seu estudo, entretanto,

    poderia ser profcuo em uma abordagem sobre a noo de educao

    presente na sua crtica.Vale ressaltar, conforme ser abordado no decorrer da tese, que a

    seleo apresentada pela Fundao Casa de Rui Barbosa organizada por

    Andrade Muricy. Esse outro autor paranaense tomado como um herdeiro

    ou discpulo direto. Desta forma, sempre h a necessidade de manter um

    olhar crtico sobre esta seleo de artigos e textos. Da mesma forma, alm

    da antologia ser organizada por este outro paranaense, dele a principal

    referncia sobre a vida e obra de Nestor Vtor, usada, muitas vezes, como a

    nica referncia por diversos estudiosos sobre o crtico paranaense aqui

    estudado. Tal fato nos faz redobrar, tambm, a ateno sobre o

    posicionamento dos diversos crticos e pesquisadores que se dedicaram a

    estudar ou comentar a sua obra.

    Alm desses textos publicados nos trs volumes da Casa Rui

    Barbosa, incorporaremos ao estudo o posfcio de Introduo a Machado de

    Assis, de Barreto Filho, escrito por Nestor Vtor e intitulado Garo e Assis

    e que, recortado e reescrito, veio a se transformar no estudo Correia

    Garo que se encontra em A crtica de ontem, integrante do primeiro

    volume da Casa Rui Barbosa. Esse posfcio representativo no somente

    para a compreenso de um momento da obra crtica nestoriana, mas

    tambm para a histria da sua participao na historiografia da crtica

    literria no Brasil. Este prefcio est presente na edio de 1947 do livro de

    Barreto Filho, mas, na edio de 1980, o prefcio encontra-se suprimido. O

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    pouco interesse destinado ao crtico paranaense se traduz em uma faca de

    dois gumes: por um lado, como a historiografia da crtica pouco atentou

    sobre a sua obra, muitos de seus textos, mesmo os coletados em livro, no

    tiveram segunda edio, fazendo com que Nestor Vtor casse em um semi-

    anonimato; por outro, como o seu nome passa a no ter relevncia nahistoriografia, fazendo com que seus textos no sejam reeditados e

    inclusive suprimidos, como o caso do posfcio em questo , Nestor Vtor

    passa a no ser divulgado, consolidando, assim, o seu lugar como um crtico

    que tem importncia secundria, quando muito.

    Tambm sero abordados neste estudo dois outros estudos: as obras

    Elogio da Criana, publicada em 1915, e Elogio do Amigo, de 1921. O dirio

    Intelectual de Nestor Vtor, Folhas que ficam, de 1920, no ser enfocado

    nos estudos, pois centra-se em aforismos e esquematizaes de suasideias, que foram abordadas em diversos artigos de sua crtica.

    Muitas vezes, no decorrer da tese, Nestor Vtor ser referido como

    crtico paranaense. Tal definio est centrada em duas questes: em

    primeiro lugar, a convico de que a grande parte de sua produo

    intelectual marcada por uma postura crtica que sobressai sobre as demais

    obras por ele produzida, compondo, desta forma, o centro principal de sua

    produo. Entretanto, o adjetivo colocado justaposto a ela no indica, de

    forma nenhuma, a defesa de nossa parte de que exista uma postura crtica

    tipicamente paranaense. A ausncia de relao com uma produo crtica

    regional se justifica, especialmente pelo deslocamento dos escritores

    paranaenses em direo ao centro intelectual e poltico nacional, o Rio de

    Janeiro. A escolha deste adjetivo se d, nica e exclusivamente por uma

    questo de origem geogrfica, nascido no litoral do Paran, em Paranagu.

    Retomando a questo da separao entre crtica, histria e teoria

    literria que Ren Wellek prope e que salientamos acima, como foi dito, o

    presente estudo no se restringe a utilizar como mtodo apenas uma dessas

    linhas, mas a discorrer sobre todas elas, utilizando, especialmente, como

    fundamentao, as posturas historicistas e tericas, aplicadas sobre uma

    produo crtica delimitada. Para tanto, a estrutura dessa tese se dividir em

    duas PARTES, cada uma delas compostas de CAPTULOS e, cada um

    deles podendo ser subdividido em sees menores, conforme a

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    necessidade. Cada uma das partes ter enfoques bem diferenciados,

    gerando resultados diferentes, mas que se interpenetram na construo do

    pensamento sobre a crtica literria de Nestor Vtor.

    Na primeira parte, ser proposto um estudo de carter histrico da

    crtica de Nestor Vtor, enfocando seus artigos de forma sincrnica,agrupando-os por data de publicao e salientando, alm do prprio

    contedo imediato dos artigos, o que h de comum entre os textos

    produzidos em uma mesma poca (referenciais tericos, autores e obras

    comuns, assuntos semelhantes, etc.). Esta parte ser composta por sete

    captulos, cada um correspondente a uma fase da produo crtica de

    Nestor Vtor, exceo dos dois primeiros captulos, o primeiro destinado a

    apresentar um panorama do autor e de sua poca, localizando-o, assim

    como a sua obra, poltica e socialmente, referenciando a sua vida e ocontexto extraliterrio, como forma de possuir uma linha de direcionamento

    sobre a qual esta primeira parte dever seguir; e o segundo que enfocar

    especificamente a monografia Cruz e Sousa, que historicamente pertence

    ao primeiro perodo da sua produo crtica. Os demais captulos desta

    primeira parte contemplaro cinco fases delimitadas por ns na crtica aqui

    estudada: primeiro momento (1898-1902); segundo momento (1902-1905);

    terceiro momento (1906-1914); quarto momento (1914-1920); quinto

    momento (1921-1930). As divises de datas para cada uma das fases foram

    feitas de forma a contemplarem questes de proximidade conceitual e

    terica dos artigos, mas, como qualquer diviso, elas precisam ser

    razoavelmente flexibilizadas, pois as fases no comeam e acabam de

    forma plena, mas interpenetram-se uma nas outras.

    A segunda parte da tese ser composta por trs captulos, destinados

    a estudar diacronicamente a obra de Nestor Vtor, ou seja, buscando

    delimitar questes gerais em toda a sua obra, que perpassem todas as

    fases, unindo, desta forma, as suas primeiras produes crticas s ltimas.

    Para tanto, esta segunda parte inicia-se com uma reviso sobre como a

    crtica e a historiografia literria abordaram-na, buscando ressaltar as

    questes cannicas sobre a sua obra (crtico do simbolismo, amigo de Cruz

    e Sousa, crtico impressionista) e as especificidades propostas por cada um

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    dos estudiosos da obra nestoriana9. Feita tal reviso, partiremos, ento,

    para a fundamentao terica da sua crtica enfocando o que de mais

    comum os estudos literrios e a historiografia da literatura apontam para a

    obra crtica de Nestor Vtor: o impressionismo. O que buscamos aqui

    definir o que vem a ser o impressionismo de Nestor Vtor, pois, de maneirageral, impressionismo seria incorporar no texto crtico as impresses que o

    crtico teve ao tomar contato com obras ou autores. Entretanto, o que

    percebemos nesta crtica, que o seu impressionismo segue

    fundamentaes especficas, geradas por um dilogo pessoal com as

    correntes crticas formuladas no correr do sculo XIX. Desta forma, no

    somente expe suas sensaes e impresses no texto, mas fundamenta

    suas asseres em posturas especficas, resultado de posicionamentos

    pessoais em relao s teorias crticas que estavam em voga. Desta forma,o segundo captulo da segunda parte traar esses dilogos entre Nestor

    Vtor e as correntes crticas do sculo XIX, apontando o que e como ele

    incorpora de cada uma delas e o que o faz, assim como se ele se ope a

    elas. As correntes crticas do sculo XIX com as quais dialoga em seus

    textos (seja negando, seja incorporando elementos) so a Crtica Objetiva

    de Mme. De Stel, o Retrato Biogrfico de Charles Augustin Sainte-Beuve, a

    Histria Literria de Gustave Lanson, a Crtica Determinista de Hypolite

    Taine e a Crtica Evolucionista de Ferdinand Brunetire. Alm dessas

    relaes entre a crtica nestoriana e as correntes crticas provenientes do

    sculo XIX, este captulo tambm abordar o que ser tpico na sua crtica:

    a s impatia.

    No ltimo captulo desta segunda parte e da tese , se definiro

    alguns conceitos que perpassam toda a crtica nestoriana. Tais conceitos

    fundamentaro a abordagem intelectual de Nestor Vtor, definindo para ela

    9A expresso crtica nestoriana ser empregado correntemente para designar acrtica de Nestor Vtor. Apesar de sua dicionarizao apontar para outra questo, pois,segundo o dicionrio Aurlio, por exemplo, o verbete nestoriano referente ao perodo deNestorino, rei de Constantinopla na poca do Imprio Bizantino, este termo empregadopor Tasso da Silveira (1963) como adjetivo proveniente do nome Nestor Vtor. Utilizaremoso adjetivo no correr da segunda parte da tese, quando a crtica de Nestor Vtor no estiversendo delimitada pelo seu momento de produo, mas por questes generalizantes queperpassem toda a obra, no sendo, portanto, uma expresso direta de Nestor Vtor, masuma fundamentao de sua crtica como um todo e, desta forma, no necessariamenteconsciente, mas um resultado de sua produo total.

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    noes bsicas que permitiram a efetiva prtica de sua crtica. Para que

    uma crtica literria seja possvel, o crtico tem de definir para si quatro

    questes bsicas: o seu objeto de estudo, quem produz tal objeto, para

    quem ele produzido e em que lugar o crtico se insere nessa relao. Para

    tanto, neste terceiro e ltimo captulo se buscar a noo do que NestorVtor entenderia por literatura, para poder delimitar o objeto que a sua crtica

    se prope a estudar; da mesma forma, se buscar definir como ele construiu

    para si mesmo o que era ser crtico literrio e qual a sua funo; em um

    terceiro momento, se definir o que o produtor literrio; e, finalmente,

    como v o leitor.

    Com isso, neste trabalho, busca-se resgatar a obra do crtico

    paranaense, discutindo seus princpios tericos e conceituais. Alm disso,

    aqui se busca tambm estudar um perodo da literatura brasileira euniversal, o final do sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX, no

    qual mudanas estticas e ticas definiram os caminhos para as artes

    durante o sculo XX, em dois momentos cruciais, nos quais entram em

    choque tendncias de renovao esttica e foras de conservao, como

    o caso dos choques entre o simbolismo e as tendncias cientificistas em um

    momento (tendo como carro-chefe o Naturalismo) e as estticas de ruptura

    das vanguardas europeias do sculo XX e do Modernismo brasileiro

    produzido em So Paulo contra as tendncias neo-simbolistas de carter

    espiritualista e, muitas vezes, catlicas. Sabemos que esta tese no dar

    conta de esgotar os estudos sobre a crtica literria de Nestor Vtor, e nem

    seria nossa inteno ao iniciar um estudo como este. Entretanto,

    acreditamos que em muito ele poder vir a contribuir com novos caminhos a

    serem seguidos nos estudos literrios pelo resgate aqui efetuado de velhos

    textos que podem abrir novas discusses sobre a dinmica de nossa

    literatura, seja em relao s incorporaes de ideias estrangeiras, como o

    simbolismo e ou as vanguardas vendo o primeiro de dentro e no como

    uma esttica finissecular de pouco impacto no Brasil, mas, inclusive,

    possuindo divergncias internas; e a segunda por um olhar que se torna

    conservador e avesso s novidades europeias durante e aps a Primeira

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    Guerra Mundial10, seja na prpria dinmica interna da nossa literatura, na

    qual o crtico se filia a um grupo durante os anos da dcada de 1920 que

    no se tornar hegemnico na historiografia, abre-se a possibilidade de

    percepo de uma pluralidade do modernismo brasileiro no corriqueira em

    nossa historiografia. Ainda sobre a questo de pensar a dinmica de nossaliteratura, em muito o estudo sobre Nestor Vtor pode contribuir, tambm,

    para que possamos aprofundar nosso saber sobre a consolidao de nosso

    processo de formao do sistema literrio, em especial sobre a forma como

    o crtico paranaense trata de construir um passado clssico para a literatura

    brasileira assentado no movimento romntico que aqui existiu.

    10Para evitar repeties da expresso Primeira Guerra Mundial, devido a ser estaa nica guerra tratada em toda a crtica de Nestor Vtor, toda a vez que aparecerreferncias ela, nos reservaremos a possibilidade de nos referirmos no com aexpresso completa, mas com redues como Guerra, conflito mundial, GuerraMundial ou outras equivalentes. Evitamos, com isso, tambm, que passagens do textofiquem muito repetitivas.

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    PARTE I NESTOR VTOR: O HOMEM, A OBRA, A POCA

    O primeiro passo que daremos para problematizar a crtica literria do

    paranaense Nestor Vtor ser a elaborao de um apanhado panormico da

    sua obra e de sua vida, para que, localizando-o espacial e temporalmente,se possa, desenvolver uma abordagem mais consistente de sua obra, dos

    textos e autores sobre os quais escolheu tratar. Para tanto, iniciar-se- com

    fatos da vida do crtico, relacionando-os aos contextos extraliterrios,

    apontando os textos publicados por ele e como eles esto organizados nas

    edies consultadas. Entretanto, no se pretende fazer aqui um esboo

    biogrfico que buscaria apenas relacionar a obra de Nestor Vtor com

    aspectos e fatos de sua vida. O que se pretende contextualizar o autor,

    apresentando o desenrolar das suas escolhas ticas, que permitiram que ele

    se aproximasse ou se afastasse de certos posicionamentos estticos.

    Abordaremos, ento, os questionamentos sobre as escolhas

    intelectuais de Nestor Vtor. O seu caminhar iniciou-se pelo estudo Cruz e

    Sousa, no qual se definiram os posicionamentos ticos e estticos do crtico

    paranaense, alm da tcnica que usar para abordar as questes literrias.

    Discorrido sobre essas questes, passaremos, ento, a agrupar os seus

    textos em fases divididas historicamente e a salientar as posturas

    semelhantes existentes em cada um desses momentos. No total, so cinco

    perodos distintos, o primeiro marcado pelo incio de sua obra crtica e com o

    seu pensamento predominantemente ligado ao universo mental e esttico

    europeu, em especial s novidades provenientes da literatura do fim do

    sculo e de carter simbolista. O segundo momento marcado pela viagem

    de Nestor Vtor Europa, quando expande seus referenciais e j aponta

    para um esgotamento da vanguarda simbolista. O terceiro momento, mais

    longo temporalmente do que os dois anteriores, durar desde o seu retorno

    da Europa at o advento da Primeira Guerra Mundial e ser marcado por

    uma ampliao significativa da referenciao feita por Nestor Vtor a autores

    brasileiros. O quarto momento ser caracterizado pelo fim de uma poca, a

    morte de toda uma forma de existncia tica e esttica, que rui durante a

    Guerra Mundial. Este perodo em sua crtica marca o surgimento de novos

    referenciais, em especial os autores neo-simbolistas e espiritualistas. A sua

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    ltima fase compreende a dcada de 1920, quando v as mudanas na

    literatura brasileira e universal gerando efeitos concretos, como as obras

    decorrentes das vanguardas europeias e as suas consequncias no Brasil,

    em especial no grupo de novos escritores de So Paulo, assim como a

    valorizao de uma tradio brasileira marcada pela postura patriarcal ecatlica, defendida pelo grupo espiritualista que ento estrutura-se enquanto

    opo esttica e tica para os novos tempos do ps-Guerra.

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    CAPTULO 1 HOMEM POLTICO VERSUS HOMEM ESTTICO

    Nestor Vtor dos Santos nasceu em Paranagu, a 12 de abril de 1868,

    vindo a falecer a 13 de outubro de 1932, no Rio de Janeiro para onde havia

    seguido, aos 20 anos, em 1888, para continuar seus estudos no Externato

    Joo de Deus. Antes de ir para o Rio de Janeiro, j morando em Curitiba,

    onde fixara residncia desde 188511, colabora com a fundao do Clube

    Republicano de Paranagu12 assumindo o cargo de Secretrio da

    Confederao Abolicionista do Paran13.

    A sua entrada nas discusses sobre as polticas do Estado brasileiro

    no resultaro em uma atuao muito prolongada, pois as duas questes

    em que estava envolvido se resolveram rapidamente, pouco aps o seu

    ingresso nos debates: a Abolio se resolve no ano seguinte sua

    nomeao como Secretrio Confederao Abolicionista do Paran, em treze

    de maio de 1888, e a Repblica proclamada em 1889, dois anos depois da

    fundao do Clube Republicano de Paranagu.

    Essas posturas, republicana e abolicionista, mesmo com as questes

    prticas resolvidas rapidamente, permaneceram em Nestor Vtor por toda a

    sua vida. Durante a sua produo crtica, visvel como o decorrer do tempo

    faz com que as questes histricas vivenciadas e assumidas para si se

    transformem em parmetros de conduta do prprio crtico paranaense.

    Inicialmente, a defesa de tais ideais estava mais consolidada em questes

    prticas da sua vida, como os dois fatos indicados acima. Tanto que, na sua

    obra crtica, a primeira vez em que faz meno a fatos que envolvam tanto a

    proclamao da repblica quanto o fim da escravido ocorre em 1915, em

    um estudo realizado sobre Dias da Rocha Filho14, no qual tambm menciona

    a questo do treze de maio. Ele apresenta as duas questes em um

    momento poltico conturbado, que acaba por desestruturar o regime vigente

    11MURICY, Andrade. In: VTOR, Nestor. Obra crtica de Nestor Vtor.Vol. 1. Rio deJaneiro: Ministrio da Educao e Cultura; Fundao Casa de Rui Barbosa, 1969. p. IX.

    12 VIVEKANDA, Swami. Alma e Corao de Nestor Vtor. Paranagu (PR):Conselho Municipal de Cultura, 1973. p. 115.

    13Ibidem, p. 115.14VTOR, Nestor. Obras Crtica de Nestor Vtor.Vol. 3. Rio de Janeiro: Ministrio

    da Educao e Cultura; Fundao Casa de Rui Barbosa, 1979. p. 10-42.

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    (Monarquia) e reestruturar os parmetros no s polticos, mas a prpria

    forma de organizao social, modificando, assim, os valores ticos nos

    quais essas posturas estavam assentadas, como aponta a duas citao

    transcrita abaixo, sobre a questo da Abolio, que desencadeia a prpria

    morte da Monarquia devido mudana de paradigma social causada pelavitria da crena em modificaes polticas:

    L se foi, consequentemente, dentro em pouco, aquela ingnua,mas animada, vvida atitude de alma que a ltima fase daMonarquia criara. Duas coisas principalmente lhe tinham dadorazo de ser: a to imponderada quo simptica exaltaoabolicionista, que ganhou todo o pas, e de que o 13 de Maio foia Vtoriosa consequncia, hoje duramente sentida, como pormuito tempo ainda h de ser, e logo aps o sistemtico espritode queixa contra a Monarquia, mas queixa cuja contumciaprovinha da f ardente, prpria dos perodos apostlicos,

    inspirada pela perspectiva de outro sistema poltico opresidencialismo federativo , verdadeira miragem opima, ousonho de felicidade, que nos estimulou de fato, embora apenasenquanto assim por sua realizao espervamos. (OC3, p. 37)

    A Proclamao da Repblica, o terremoto poltico que a mudana de

    regime implicava, apontava quais seriam as trilhas do futuro a ser seguido,

    futuro defendido por Nestor Vtor na sua prtica militante de republicano.

    Eram tempos apostlicos, refletindo na Capital da Repblica, mais do que

    em parte alguma15, durante os quais se buscava construir uma nova

    realidade para o pas, dentro de um ideal de felicidade e de liberdade.

    Vale lembrar que o crtico j se encontrava no Rio de Janeiro, ento

    capital do Imprio Brasileiro, em 188816, j tendo publicado, ainda em

    Curitiba, neste mesmo ano, o seu primeiro poema, A Beno. Como

    aponta Joo Luis Lafet, ao tratar de Agripino Grieco, essa estreia em

    versos era a prtica comum de quem queria ingressar no mundo das

    letras17. Essa quase necessidade de iniciar com a publicao de versos para

    a estreia nas letras est presente desde Slvio Romero, com seus Cantos do

    15VTOR, Nestor. Obras Crtica de Nestor Vtor.Vol. 3. Rio de Janeiro: Ministrioda Educao e Cultura; Fundao Casa de Rui Barbosa, 1979. p. 37.

    16 VIVEKANDA, Swami. Alma e Corao de Nestor Vtor. Paranagu (PR):Conselho Municipal de Cultura, 1973. p. 115.

    17 nessa poca que surge Agripino, estreando em 1910 com o inevitvel livro depoesia com que se lanavam todos os novos (LAFET, Joo Luiz. 1930: a crtica e omodernismo. So Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. p. 42.)

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    fim do sculo, publicados em 1878, at Menotti del Picchia, com os Poemas

    do Vcio e da Virtude, de 1913, para ficarmos apenas com alguns exemplos

    ligados aos momentos anterior e posterior experincia de Nestor Vtor,

    mas que, como exemplos, poderiam ser multiplicados facilmente.

    Em 1889, quando da Proclamao da Repblica, estava no Riofrequentando o Externato Joo de Deus, porm, ainda com residncia em

    Curitiba, s mudando-se definitivamente para l em 1890. Em 1891, j

    colaborando com jornais da capital federal, expressa publicamente opinies

    louvando o contragolpe de Floriano Peixoto que retira do poder Deodoro da

    Fonseca. Da mesma forma, manter sua postura florianista durante a

    Revolta da Armada, em 1893 e, no ano seguinte, nomeado vice-diretor do

    Internato do Ginsio Nacional18.

    Todo esse perodo de conturbao social, poltica e econmica nopas no est retratado na obra de Nestor Vtor antes do ano de 1915, e

    essa ausncia significativa. Desde a proclamao da Repblica no Brasil,

    at o ano de 1915, foram quatro grandes crises que afetam a vida poltica

    brasileira, como aponta Nicolau Sevcenko, considerando a primeira como a

    prpria proclamao. As seguintes ocorreram em 1891, 1893, 1904. Nova

    crise se dar, tambm, em 1914.

    Todas elas foram repontadas por grandes ondas de deposies,degolas, exlios, deportaes, que atingiram principalmente eem primeiro lugar as elites tradicionais do Imprio e seu vastocrculo de clientes; mas tendendo em seguida (...) a eliminartambm da cena poltica os grupos comprometidos com os anseiospopulares mais latentes e envolvidos nas correntes mais frvidasdo republicanismo.19

    A aproximao popular pregada por algumas posturas republicanas

    ser caracterizada pelo movimento jacobino no Brasil, encabeado por

    Floriano, que tinha como pressuposto uma maior abertura para a

    incorporao de novos quadros na vida poltica, ampliando, assim, as bases

    do sistema poltico, elevando o grau de democracia existente no pas. Esse

    jacobinismo de inspirao francesa uma das vertentes do republicanismo

    18 VIVEKANDA, Swami. Alma e Corao de Nestor Vtor. Paranagu (PR):Conselho Municipal de Cultura, 1973. p. 115.

    19SEVCENKO, Nicolau. Literatura como misso tenses sociais e criao culturalna Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1999. p. 25.

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    brasileiro, conforme aponta Jos Murilo de Carvalho, convivendo, lado a

    lado, com o liberalismo de influncia norte-americana e o positivismo.

    Conforme pode ser visto na anlise de Sevcenko, as primeiras crises

    tiveram como soluo o aprofundamento das posturas jacobinas, seja na

    prpria proclamao, seja no momento do Encilhamento e na tomada dopoder por Floriano, seja na crise da Revolta da Armada. A postura de poder

    poltico do modelo jacobino estava pautada sobre uma maior liberdade de

    atuao do homem pblico, e exigncia de uma atuao mais direta sobre a

    vida poltica, sendo o cidado o representante de uma racionalidade

    abstrata que permeava a sociedade e o Estado20.

    A postura poltica de Nestor Vtor estava prxima da influncia

    francesa do jacobinismo, estando ele ao lado do governo central e das

    polticas adotadas por esse mesmo governo quanto ampliao da suabase de sustentao poltica pela maior incorporao de profissionais

    liberais e pela eliminao dos estratos de nobreza existentes no pas.

    Entretanto, nas crises subsequentes durante a primeira dcada do sculo

    XX, h uma tendncia maior de se dar primazia para os posicionamentos

    polticos liberais, defendidas mais assiduamente nas presidncias civis.

    Esse novo posicionamento, voltado para uma influncia americana e liberal,

    tinha seu ncleo de irradiao na cidade de So Paulo, apontada por Roger

    Bastide como mais cosmopolita do que a fluminense, estando esta mais

    afeita apenas ao pensamento francs, tomado como uma extenso de sua

    prpria realidade.

    o grito triunfante de So Paulo enriquecido pelo caf, que jogafora a carapaa velha e provinciana para aparecer em seu aspectode grande metrpole, rival de Paris, de Londres, de Nova Iorque. 21

    Roberto Schwarz, em Ao vencedor as batatas, tambm trabalha essa

    incorporao de ideias como se uma elite brasileira, centrada no Rio de

    20 Dois deles, o americano e o positivista, embora partindo de premissastotalmente distintas, acabavam dando nfase a aspectos de organizao do poder. Oterceiro colocava a interveno popular como fundamento do novo regime, desdenhandoos aspectos de institucionalizao. (CARVALHO, Jos Murilo de. A formao das almas o imaginrio da repblica no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 22.)

    21BASTIDE, Roger. Brasil: terra de contrastes. Trad. Maria Isaura Pereira Queiroz.So Paulo: Difuso Europeia do Livro, s/d. p. 224-225.

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    Janeiro, olhasse mais para a realidade francesa do que para a sua prpria

    realidade (No descreviam a existncia mas nem s disso vivem as

    ideias22). Com isso, no se quer dizer que o universo mental paulista

    estivesse mais centrado em sua prpria terra, mas que as suas buscas por

    dilogos so mais abertas, fundamentando seus posicionamentos em ummodelo baseado mais no homem privado do que no homem pblico,

    apresentando no uma resposta genuinamente paulista para o

    posicionamento fluminense, mas um contraponto ao pensamento

    proveniente da Frana, em especial aps Prudente de Morais tornar-se

    presidente em 1894.

    Homens de ao por excelncia, a elite republicana paulista histricos e adesistas no se deixaria prostrar pela modorra

    ambiente. Dispondo de um indiscutvel domnio sobre o aparatogovernamental desde 1894, esses estadistas desenvolveram umsingular processo de transformao do Estado num instrumentoefetivo para a constituio de uma ordem liberal no pas.23

    De certa forma, os antigos partidrios do jacobinismo, entre eles

    Nestor Vtor, passaram a uma oposio radical ao regime republicano liberal

    paulista, constituindo um ncleo catalisador do mal-estar geral disseminado

    na populao carioca24, tendo como princpio balisar: o xenofobismo e

    muito particularmente a lusofobia25

    .Enquanto as disputas polticas esto tomando o seu curso, as

    disputas estticas e intelectuais tambm seguem a sua marcha. O

    pensamento hegemnico naturalista passa por questionamentos decorrentes

    de mudanas das posturas mentais do Ocidente, com a crise da

    racionalidade. A incapacidade de formulaes precisas e a consequente

    ampliao do valor das sensaes em detrimento da lgica formal aponta

    para novidades no campo intelectual que refletiram, consequentemente, no

    pensamento esttico. A supervalorizao do indivduo, do eu, reduz o

    22SCHWARZ, Roberto.Ao vencedor as batatas. So Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,2000. p. 12.

    23SEVCENKO, Nicolau. Literatura como misso tenses sociais e criao culturalna Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1999. p. 48.

    24Ibidem, p. 63.25Ibidem, p. 63.

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    papel cienticifista da arte, to em voga no naturalismo, assim como a

    esttica do vago e a penumbra se contrapem clareza objetiva da poesia

    parnasiana.

    O choque destas duas modas estticas, (a naturalista, proveniente no

    Brasil como tendncia j dos anos 1870, apesar de ter a sua consolidaocomo corrente esttica na dcada seguinte, e a outra, com tendncia mais

    impressionista formalizando-se, no Brasil, sob o nome de simbolismo

    consolidando-se nos anos da dcada de 1890), aponta para atualizaes do

    pensamento. Por contraditrio que possa parecer, a postura poltica de

    vrios integrantes do movimento que veio a ser denominado como

    simbolista, no Brasil, estava profundamente marcado pela crena jacobina,

    como era o caso de Nestor Vtor. Algumas questes ajudam a compreender

    esse posicionamento desconcertante (posturas estticas impressionistas eposturas polticas democrticas): a esttica impressionista em especial,

    corrente no simbolismo estava profundamente influenciada pelo

    pensamento francs, buscando no somente as novas bases estticas na

    Frana, mas, trazendo junto com elas posturas ticas e sociais praticadas

    na Terceira Repblica francesa; a negao do liberalismo, base ideolgica

    sobre a qual se assentava o prprio Romantismo, que era, de certa forma,

    precursor do prprio movimento simbolista, se dava no por uma negao

    da individualidade, mas por uma disputa de referenciais, sendo que o

    liberalismo reflexo poltico da supremacia do indivduo sobre o coletivo

    provinha especialmente dos Estados Unidos, considerado um pas de baixa

    qualidade de erudio cultural se comparado com os pases culturalmente

    tidos por eruditos na Europa, em especial a Frana.

    Ento, como aponta Roberto Schwartz sobre o deslocamento das

    ideias26o que se percebe no Brasil que a postura esttica que, por uma

    lgica direta, normalmente estaria mais prxima ideologicamente da prtica

    poltica liberal, pela qual o agente social no interferiria nas vontades

    individuais e as deixaria com uma maior liberdade de atuao no mundo,

    liga-se mais proposta poltica democrtica, pela qual o Estado procura

    incorporar novos grupos sociais (cooptando-os aos valores de incluso

    26SCHWARZ, Roberto.Ao vencedor as batatas. So Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,2000.

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    pregados pelo novo Estado republicano) e mediar os conflitos de uma forma

    direta (sustentando as suas aes sobre uma racionalidade tida como

    resultado prtico das relaes sociais e aceitas por todos).

    Nesse jogo de posies sociais, Nestor Vtor assume duas facetas: a

    faceta poltica, pouco manifestada em sua crtica, devido ao fato de que,quando comeou a escrever, o grupo a que se filiara, os jacobinos, estava

    sendo afastado do poder, o que fez com que a sua atuao poltica fosse

    mais presente antes de iniciada a sua produo crtica; e a faceta esttica

    marcada pela escolha dos pressupostos simbolistas e impressionistas.

    Conforme se ver na segunda parte desta tese, Nestor Vtor, ao tratar de

    crtica literria evita mesmo sabendo que seria impossvel evitar

    plenamente a mistura de assuntos extraliterrio, como poltica, na

    formulao de seus julgamentos estticos. a mesma pessoa assumindopapis sociais diversos de acordo com os interesses postos em questo.

    Ento, quanto relao entre a obra e o contexto, o que temos uma

    divergncia causada por escolhas tomadas pelo prprio autor, no

    necessariamente decorrentes de proximidades lgicas entre as opes

    poltica e esttica, mas por posturas ticas assumidas por ele: a busca de

    erudio e tradio o levar a uma opo por uma cultura francesa e, dada

    a sua inquietude com relao ao estado de coisas proveniente do perodo

    imperial brasileiro, fez-se necessria a sua contraposio em relao no

    somente s posturas polticas e econmicas deste perodo, mas tambm s

    questes a elas correlatas, como a literatura e o pensamento cientfico.

    Sempre que se busca uma postura esttica, adquire-se conjuntamente com

    ela toda uma gama de valores muito maior do que se buscava, formando

    todo um complexo tico. Ao negar os valores polticos e econmicos

    decorrentes do Imprio, acabou por negar, tambm, as posturas estticas

    desenvolvidas nas ltimas dcadas do segundo reinado, contrapondo-se,

    assim, s posturas parnasianas e naturalistas, e ao posicionamento

    cientificista da Escola do Recife de Slvio Romero e Tobias Barreto. Da

    mesma forma, quando as ideias simbolistas vieram da Frana para o Brasil,

    e encontraram aqui repercusso (mesmo que limitada), no vieram puras.

    Se na Frana as ideias simbolistas eram um contraponto ao posicionamento

    poltico universalizante de carter democrtico pregado pela Terceira

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    Repblica (de expanso dos direitos polticos e da educao), contraponto

    marcado pela crena na incomunicabilidade e no ataque ao mundanismo, o

    que chega aqui traz consigo os valores polticos da prpria Terceira

    Repblica, assumidos como por boa parte do grupo simbolista ou de

    inspirao simbolista , na sua maioria, inclusive, incorporado aos quadrosburocrticos do Estado na recm-proclamada Repblica brasileira. A

    hostilidade no se fazia diretamente contra posturas democratizantes (de

    certo carter massificador e coletivo), mas contra a figura do utilitarismo

    proveniente dos Estados Unidos, fonte de inspirao dos liberais brasileiros,

    buscando-se, ento, a revalorizao da erudio francesa, mesmo que isso,

    inconscientemente, representasse a aceitao de um padro de moral de

    certa forma desconexo com o padro esttico. Um grande jogo de ideias

    fora do lugar27, mas que gerou solues tpicas no universo brasileiro.Uma nova reorganizao do mundo ocidental, que j estava em

    marcha desde meados da primeira dcada do sculo XX, ganha forte

    impulso com o romper da Guerra Mundial, rearranjando as foras

    internacionais e aprofundando reformas estticas. Com a Guerra, o lugar

    ocupado pelos Estados Unidos no cenrio internacional cresce

    enormemente, difundindo as suas posturas ticas utilitrias e liberais

    inclusive pelos pases europeus, somando-se s novidades estticas que j

    estavam em marcha com os movimentos de vanguarda. A destruio de

    uma viso de mundo antiga, aristocrtica, honrada, classicizante, apontada

    pelas experincias do dadasmo, do futurismo, do surrealismo e do

    expressionismo corrobora a modificao do papel europeu e da sua lgica

    de vida. No somente a Europa sente esse impacto: sociedades ligadas de

    forma dependente cultura e civilizao europeias, como era o caso

    brasileiro (apesar de o Brasil ter, em sua estrutura poltica, uma tendncia j

    consolidada de mais de uma dcada em direo ao liberalismo americano

    quando do incio da Guerra) sofreram o duro golpe de perderem seus

    referenciais.

    Esse golpe fez com que a sociedade se reorganizasse em novos

    grupos, os quais marcavam posicionamento ou saudosista do perodo

    27SCHWARZ, Roberto.Ao vencedor as batatas. So Paulo: Duas Cidades; Ed. 34,2000.

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    recentemente destrudo, ou louvatrio do futuro que estava por vir. neste

    momento que Nestor Vtor passa a valorizar o seu passado como

    republicano histrico, chamando a ateno para o mundo que foi e que

    deixa de existir, saudoso das conquistas obtidas, ou pelo menos do discurso

    pregado que, agora, est ruindo diante da nova ordem mundial. durante aGuerra que o Brasil perde, tambm, dois dos maiores nomes para a

    formao do pensamento crtico literrio brasileiro, Slvio Romero (1914) e

    Jos Verssimo (1916). A morte desses dois crticos em um momento de

    transio faz com que suas obras, iniciadas no comeo das transformaes

    que culminariam na Repblica e se aprofundariam durante a primeira

    dcada do sculo XX, tenham uma coerncia e convivam, de certa forma,

    com um ambiente favorvel.

    No o que ocorre com Nestor Vtor, que esteve ligado a umaesttica francamente minoritria simbolismo e se filiou a uma corrente

    poltica derrotada jacobinismo , duas tendncias que, com a guerra e

    suas consequncias, perderam o pouco espao que tinham28.

    Esse choque de tradicionalismo e novidade, em busca de propostas

    para os novos padres ticos decorrentes da dissoluo moral, poltica,

    econmica e esttica causada pela Guerra encontrar um novo ambiente,

    marcado pelas novidades econmicas geradas pela ampliao da produo

    em massa, pelas novidades morais dadas pelo utilitarismo e materialismo,

    pelo avano do liberalismo sobre a Europa essas trs questes, em

    grande parte, trazidas pela influncia norte-americana e pelas

    experincias com a linguagem nas artes. Essa disputa entre tradio e

    modernidade marca a nova fase da produo crtica de Nestor Vtor,

    fazendo com que, agora, o crtico paranaense estivesse ligado a setores

    extremamente conservadores da sociedade brasileira.

    28Apesar de sempre marginais, elas ainda tinham o seu lugar no mundo anterior Guerra. Com o advento da Guerra, entretanto, e com as mudanas consequentesprovenientes dela, esse lugar passa a no mais estar assegurado. Mas, ao mesmo tempo,em um momento de indefinies quanto ao futuro, h sempre a possibilidade de propostasviveis. No por acaso, por exemplo, a retomada constante de Nestor Vtor sobre o seupassado herico enquanto republicano histrico e abolicionista (buscando reforar valoresslidos para um mundo em constante dissoluo) e a nfase dada a valores tidos comotpicos (tradicionais) brasileiros, em especial aos ligados espiritualizao, com nfase nascorrentes catlicas.

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    A retomada de um passado no qual o crtico defende que as bases

    sobre as quais a nova sociedade brasileira republicana estava ancorada,

    a Abolio e a Repblica, ambas feitas com ideais democrticos e seguindo

    o modelo francs de civilizao, so questionadas quando chega esse novo

    momento da histria ocidental. As retomadas de Nestor Vtor do estado dealmas que o pas estava naquele momento das primeiras mudanas

    apontam para a uma abertura muito grande das possibilidades de

    desenvolvimento do pensamento e dos valores no pas. No havia mais o

    parmetro do processo histrico para ser usado como suporte paradigmtico

    da ao e da tica, pois esse havia rudo com a Monarquia e com a

    sociedade patriarcal escravocrata. Esse ruir do processo histrico

    apontado por Eric Hobsbawm como um dos pilares sobre os quais as novas

    naes europeias Alemanha, Itlia, Noruega passaram a se constituir apartir do final do sculo XIX, substitudo, ento, pela noo de lngua

    nacional.

    O nacionalismo dos anos 1880-1914 diferia em trs grandesaspectos da fase mazziniana de nacionalismo. Primeiro,abandonava o princpio do ponto crtico (...). Doravante,qualquer grupo de pessoas que se considerasse uma naodemandaria o direito autodeterminao. (...) Em segundo lugar(...), a etnicidade e a lngua tornaram-se o critrio central (...).Uma terceira mudana (...) aguda no direito poltico.29

    O desmoronar do processo de formao nacional pautado pelo

    desenrolar histrico cria a necessidade de encontrar nova fonte de

    sustentao para o surgimento da nao, a lngua nacional, a partir da

    constituio de um universo mtico-lingustico, de acordo com Hobsbawm,

    de extrema erudio, incorporando ao discurso da erudio valores

    provenientes de uma idealizao do discurso popular, especfico de cada

    nao. O desenrolar desta tendncia sobre a forma de utilizao da

    linguagem gerar um choque com os padres de produo literria

    anteriores Guerra, como, no caso brasileiro, o parnasianismo e o

    simbolismo, mas reavivar certas questes provenientes do naturalismo,

    29HOBSBAWM, Eric. Naes e nacionalismo desde 1780.Trad. Maria Celia Paoli eAnna Maria Quirino. So Paulo: Paz e Terra, 1998. p. 126.

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    mas sem a sua carga cientificista oitocentista, passando esta a ser

    substituda pela experimentao lingustica.

    A necessidade de constituio de novos parmetros, que estimulava

    sonho e felicidade, como diz Nestor Vtor, ainda no fornecia elementos

    suficientes para a efetivao de uma resposta ao terremoto poltico. A artedeste momento, em especial a poesia, de acordo com a crtica nestoriana,

    no era engajada, sendo, marcadamente, ingnua e sonhadora, defendendo

    pontos de vista e valores utpicos, o que ocorre, de acordo com o crtico, em

    todos os momentos de reviravolta social e poltica, devido ao grau de

    abertura e de renovao de valores presentes nesses tempos. Da a poesia

    desinteressada, ingnua e ardorosa que a tais tempos corresponde e de que

    o nosso poeta foi um caracterstico e digno representante30, diz o crtico

    sobre a poesia feita por Dias da Rocha Filho, nos finais da dcada de 1880e incio da seguinte. Essa linguagem tida como ingnua e desinteressada

    por ele, teria se resolvido na constituio do discurso simbolista.

    Tal situao de reinveno da linguagem se repete em 1915, mas

    com uma inverso: ao mesmo tempo em que o universo de valores sociais

    reestruturado, com o advento da Guerra Mundial, no mais o grupo do

    qual Nestor Vtor fazia parte que comea a apontar os novos rumos sociais

    e morais que comeam a se organizar. No primeiro momento em que ocorre

    a reestruturao, durante os anos 1880-1890, o crtico integrava e convivia

    com grupos de questionadores simbolistas, anarquistas, socialistas31 ,

    que desejavam a modificao do status quo da sociedade brasileira,

    defendendo a democracia e o individualismo, pautados nas novidades

    estticas europeias, em especial s provenientes da Frana. J no segundo

    momento de transformaes estticas, mais ligadas experimentao de

    linguagem, ele se ver no polo oposto, no mais propondo as novidades,

    mas defendendo um estado de coisas j consolidado, de onde, portanto, a

    sua retomada e explicitao de valores h muito por ele defendidos leva-o

    para um lugar poltico conservador e anti-liberal, em especial a sua postura

    30 VTOR, Nestor. Dias da Rocha Filho. In: ______. Obra Crtica de Nestor Vtor.Vol. 3. Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura; Fundao Casa de Rui Barbosa,1979. p. 37.

    31 BROCA, Brito. A vida literria no Brasil 1900. Rio de Janeiro: Jos Olympio,1975. p. 42.

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    de republicano histrico em contraposio aos novos valores da repblica

    dos conselheiros, quando os estadistas desenvolveriam um singular

    processo de transformao do Estado em um instrumento para a

    constituio de uma ordem liberal no pas32.

    Nestor Vtor, no novo momento posterior Guerra, definiu partidotambm ao lado de posturas conservadoras, especialmente de carter

    espiritual particularmente catlica , como j foi apontado. Tornou-se

    partidrio das correntes espirituais ligadas a novos autores como Tasso da

    Silveira, Andrade Muricy, Gilka Machado e Jackson de Figueiredo. Mostra

    simpatia, tambm, por outra faceta do modernismo brasileiro, o grupo

    paulista de Plnio Salgado e Menotti del Picchia, em especial nas suas

    posturas nacionalistas e conservadoras, apresentado algumas ressalvas

    quanto linguagem empregada por eles.Vale ressaltar que Nestor Vtor, durante todo esse processo de

    modificao dos paradigmas polticos, ticos e estticos, manteve-se ativo e

    produzindo para diversos jornais e revistas, e militando em favor daqueles

    que julgava possurem melhores obras e caminhos mais coerentes para os

    rumos que o pas e a arte estavam tomando.

    Localizado dentro do seu contexto histrico e biogrfico, parte-se

    agora para a o estudo sistemtico de sua obra, aproveitando os movimentos

    da histria e da vida do crtico para compreender os movimentos intelectuais

    de seus textos para, ento, compreender os seus embasamentos terico-

    conceituais.

    32SEVCENKO, Nicolau. Literatura como misso tenses sociais e criao culturalna Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense, 1999. p. 48.

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    CAPTULO 2 O INCIO DA CRTICA DE NESTOR VTOR: O CASO DA

    MONOGRAFIA CRUZ E SOUSA33

    Poucos anos antes da virada do sculo, Nestor Vtor inicia uma

    intensa produo crtica, publicando em jornais e lanando longos estudosem livros, produzindo tradues e escrevendo prefcios.

    Seu primeiro estudo abordado aqui nesta tese a monografia sobre

    um poeta simbolista e grande amigo seu, Cruz e Sousa34, escrita em 189635,

    mas s publicada no ano seguinte morte do amigo, ocorrida em 1898.

    Pouco aps a Proclamao da Repblica, em 1890, Nestor Vtor fixa

    residncia no Rio de Janeiro, j tendo conhecido, no ano anterior, o poeta

    catarinense Joo da Cruz e Sousa, ainda indito. Nos anos seguintes, a

    amizade dos dois vai se aprofundando como pode ser notado na seguintepassagem:

    Certo , no obstante: s com a vinda de Cruz e Sousa para o Rio,que ocorreu por fins de 1890, e ainda assim depois que nosligamos os dois mais intimamente, que e me decidi a tomar partena verdade ativa em nosso movimento literrio. (OC3, p. 78)

    Cruz e Sousa passa a ser mais do que um amigo, converte-se na

    principal influncia prtica produo intelectual do crtico paranaense.

    33Por motivos de padronizao, os ttulos dos artigos crticos de Nestor Vtor serografados da seguinte forma: os que foram publicados como obras autnomas serografados no corpo do texto da tese sempre com itlicos, independentemente se foramagrupados nos trs volumes da coletnea da Fundao Casa de Rui Barbosa. Desta forma,sero grafados em itlicos os seguintes ttulos: Cruz e Sousa, A hora, Trs romancistas donorte, Farias Brito, A crtica de ontem, Matias Aires, Cartas gente nova, Os de hoje,Homens e temas do Paran, alm dos ttulos Folhas que ficam, Elogio do amigo eElogioda criana. Quando for referido a apenas um artigo que compe algum desses volumescitados acima, o procedimento colocar o seu ttulo entre aspas, usando itlico quando ottulo do artigo se referir a um ttulo de obra. As cartas de Nestor Vtor escritas para assuas colunas de jornal seguiro o mesmo procedimento usado para os artigos, ttulo oudata entre aspas, mas sempre acompanhadas de qual jornal elas foram publicadas ou donome da coluna. O nome do jornal ou da coluna estar apenas com iniciais maisculas,sem itlico e sem aspas. As obras de viagens, literrias e poticas de Nestor Vtor (A terra

    do futuro, Paris, Transfiguraes, Amigos, Signos e Parasita), quando mencionadas,recebero tratamento padro de ttulos de obras.

    34 O foco central deste primeiro ensaio, a poesia de Cruz e Sousa, ser mantidocomo uma constante durante toda a produo crtica de Nestor Vtor, haja vista que naObra Crtica de Nestor Vtor, publicada pela Fundao Casa de Rui Barbosa, dos 187textos reunidos, em 42 h referncias produo de Cruz e Sousa, em textos que vodesde 1898 at 1930. o autor mais constantemente citado por Nestor Vtor.

    35VTOR, Nestor. Cruz e Sousa. In: ______. Obra Crtica de Nestor Vtor.Vol. 1.Rio de Janeiro: Ministrio da Educao e Cultura; Fundao Casa de Rui Barbosa, 1969. p.1-30.

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    Mais tarde tanto a obra quanto a vida de Cruz e Sousa tornaram-se,

    tambm, as principais referncias de Nestor Vtor, seus principais

    parmetros intelectuais (vide nota de roda-p 33).

    Em 1893, a publicao dos primeiros livros de Cruz e Sousa,Missal e Broqueis, incentivados e apoiados por Nestor Vtor,acabam por levar o prprio crtico a publicar textos seus. Nestemomento, continua com a produo de poesia iniciada com apublicao do poema A Beno, em 1888 , que serocoletadas e publicadas em volume em 1902, sob o ttulo deTransfiguraes, contendo poesias produzidas entre os anos de1888 e 189836. A sua influncia sobre Cruz e Sousa, e destesobre o crtico paranaense, forte, sendo aquele o responsvelpor ajudar no somente nas publicaes dos textos de seu amigocatarinense, mas tambm prestar grande servio prpria famliade Cruz e Sousa, sempre com problemas financeiros e de sade(Amigo de Cruz e Sousa, que conhecera no Rio, em 1889 delese tornou, mais tarde naquela cidade, o anjo bom, o amigo prontoa socorr-lo e famlia sofredora e doentia37). Durante aamizade dos dois escritores, o lao que os unia foi de tamanhafora que. Inclusive, Nestor Vtor a pessoa que recebe de Cruze Sousa o maior nmero de dedicatrias em seus poemas trsno total , em Piedosa38, Cano Negra39 e Pacto dasAlmas40, este ltimo composto por trs sonetos.

    Durante os anos da dcada de 1890, enquanto Cruz e Sousa produzia

    a sua obra, Nestor Vtor teve acesso, em primeira mo, aos manuscritos

    inditos do Poeta Negro, o que leva a produo de seu primeiro estudo

    crtico, a monografia Cruz e Sousa, datada de 1896 e que teve a aprovao

    do poeta catarinense. O texto era um estudo baseado nos poemas

    pertencentes ao livro Evocaes, e deveria ser trazido luz logo aps Cruz

    e Sousa publicasse seu livro. Mas a morte do poeta veio adiar a publicao

    tanto do livro de versos quanto do texto crtico. Ele batalha e consegue a

    publicao de Evocaes, em 1898, publicando, ento, em 1899, o seu

    primeiro estudo crtico.

    Na monografia Cruz e Sousa, j aponta para algumas diretrizes que o

    nortearam toda a sua obra crtica: 1) a construo de um arsenal de

    referenciao artstica para a sustentao do seu pensamento esttico; 2) a

    36 VIVEKANDA, Swami. Alma e Corao de Nestor Vtor. Paranagu (PR):Conselho Municipal de Cultura, 1973. p. 119.

    37 RIBAS, Vasco Jos Taborda. Nestor Vtor esboo bio-bibliogrgico. In:VIVEKANDA. Op Cit.p. 73.

    38SOUSA, Cruz e. Poesia Completa.Introduo e organizao de Zahid LupinacciMuzart. 12 ed. Florianpolis: FCC; FBB. 1993. p. 109.

    39Ibidem, p. 125-126.40Ibidem, p. 195-196.

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    relao da obra e da vida; 3) a denncia da mundanidade e do utilitarismo

    da vida; 4) a defesa do Verso e do Sonho; 5) as noes de correspondncia,

    sugesto e elevao do esprito.

    Essas opes intelectuais do crtico paranaense o aproximaram

    tambm de toda uma esttica de vanguarda que estava proposta na Franae que chegava no Brasil via poetas que possuam ligaes com o Velho

    Continente, como o caso de Medeiros e Albuquerque que conseguia o

    envio de obras devido ao seu contato com pessoas prximas do grupo de

    Mallarm:

    Na fase preparatria do Simbolismo, 1887 constitui data crucial,primeiro que tudo graas a Medeiros e Albuquerque: naquele ano,em consequncia das relaes que um amigo seu particularmantinha em Paris com o grupo mallarmista, pode ele juntar umacoleo, relativamente rica, das melhores produes dos

    revolucionrios. Entre essas produes havia livros de Verlaine,publicaes esotricas de Mallarm, de Ren Ghil, de St. Merrill,de Jean Moras, e as revistas de Vil-Griffin, Paul Adam, CharlesViguier e outros sectrios da revolta contra o realismo. 41

    ou Joo Itiber da Cunha, o Jean Itiber:

    Ainda menino, [Joo Itiber da Cunha] foi enviado para a Blgica,matriculando-se aos 10 anos de idade (1880), em Bruxelas, noColgio Saint Michel, dos jesutas, onde foram seus colegasVerhaeren, o rei Alberto, e o espanhol Merry del Val, futuroCardeal Secretrio de Estado da Santa S. Fez os preparatriosno Institut Saint-Louis, passando depois para a Universidade deBruxelas, onde se doutorou em Direito. Ali foi seu colega Maurice

    Maeterlinck. (...)Foi Jean Itiber quem deu aos simbolistas paranaenses

    notcias frescas do simbolismo europeu, levando-lhes obras deMallarm, Ren Ghil, Moras, Verlaine, Georges Vanor, e,sobretudo, La Damnation de lArtiste, do belga baudelairiano IwanGilkin (7-1-1858/29-8-1924), futuro presidente da Academia Belga,e que colaborou assiduamente em O Cenculo. Simultaneamenteiniciou-os Itiber no magismo de Fabr dOlivet, no hermetismo deSaint Ives dAlveydre, no ocultismo de Papus, no esteticismocabalstico de Huysmans e Sr Pladan, que viriam a ter influxoforte, e ainda no cessado, graas atuao de Dario Vellozo. 42

    Desses dois informantes, poucas notcias traz em seus textos.

    Somente uma referente influncia, em toda a sua obra crtica, trata sobre a

    divulgao das novas tendncias literrias do final do XIX na Blgica e na

    41 MOISS, Massaud. Histria da literatura brasileira simbolismo. So Paulo:Cultrix, 1985. p. 15.

    42MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 2 vol. Braslia:Instituto Nacional do Livro, 1973. p. 456-457.

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    Frana, creditando a sua difuso, em especial no Paran, como resultante

    da experincia europeia de Joo Itiber da Cunha, depois de sua estada na

    Frana e da amizade que tinha com diversos integrantes desses novos

    movimentos estticos.

    Alm disso, ns aqui conhecamos Rimbaud, Verlaine, Mallarm eoutros decadentes (como ento se chamavam), apenas, nocomeo, pela verso do mero curioso que Medeiros e Albuquerqueproporcionara com notcias a respeito e as suas malsinadasCanes da Decadncia, completamente alheias ao verdadeiroesprito daquele grupo francs. Eles, no entanto, na terra dospinheirais, comearam por ler Ivan Gilkin, autor de La Damnationde lArtiste, e outros belgas representativos do simbolismo, que deFrana se estendera at l. Pode assim acontecer porque JooItiber (...), condiscpulo de um bom nmero deles em Bruxelas ouem Gand, voltara por esse tempo l para a nossa terra, de onde filho,e fazia por essa gente o que natural num amigo. (OC3, p.78)

    Nestor Vtor, assduo leitor que era, recebia essas novidades em um

    terreno razoavelmente frtil de produo literria que definia, cada vez mais,

    dois caminhos poticos hegemnicos na literatura brasileira: ambos sados

    de um romantismo esgotado que no respondia mais aos anseios do pblico

    ou dos poetas. O primeiro caminho trilhado por aqueles que sofrem uma

    influncia da primeira chegada dos textos do poeta francs Charles

    Baudelaire, com suas Flores do Mal, como aponta Antonio Candido, em Os

    primeiros baudelairianos43. Formou-se uma gerao de poetas com uma

    tendncia forte de revolta contra o modelo romntico de poesia, dando

    nfase a uma mundanidade e a uma materialidade dos seres retratados em

    suas poesias (como foi o caso de Carvalho Jnior, Tefilo Dias e Fontoura

    Xavier). Mesmo Baudelaire sendo somente parcialmente compreendido, lido

    de forma recortada (apesar de que essa mesma leitura respondia s

    necessidades de poca dessa nova gerao de poetas brasileiros),

    foi um grande instrumento libertador esse Baudelaire unilateralou deformado, visto por um pedao, que fornecia descriesarrojadas da vida amorosa e favorecia uma atitude de oposioaos valores tradicionais, por meio de dissolventes como o tdio, airreverncia e a amargura.44

    43 CANDIDO, Antnio. Os primeiros baudelairianos. In: ______. A educao pelanoite & outros ensaios. So Paulo: tica, 2003. p. 23-38.

    44Ibidem, p. 26.

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    A segunda tendncia desse momento de esgotamento romntico foi

    caracterizada pela postura da Arte pela Arte, independente de motivaes

    subjetivas e que buscavam primar pela qualidade formal do verso e a

    sobreposio do sentimento pela razo. aquela mesma arte

    desinteressada, ingnua e ardorosa que Nestor Vtor descreve ao tratar deDias da Rocha Filho. Esse grupo foi, aos poucos, caminhando para formar o

    movimento parnasiano, buscando uma esttica objetivista de conotao

    histrica, nacionalista e classicista, rejeitando o individualismo romntico.

    Da teoria prtica, do programa execuo vai, em se tratandode estticas literrias, a distncia entre o ideal e o real, o projeto ea realizao. E o Parnasianismo no fugiu regra: uma coisa era odeclogo recebido como ddiva do Olimpo, outra, os poemas emque os crentes buscavam, afanosamente, plasmar a verdaderevelada. Em toda parte onde o iderio parnasiano alcanou

    deitar razes mais fundas nota-se a incmoda assintonia entre otexto sagrado e a pregao dos fieis, a comear da Frana, berodessa e outras correntes da poesia ps-romntica, e a culminarem ns, onde o Parnasianismo, como talvez em lugar algum,atingiu dimenses imperialistas.45

    A primeira tendncia, leitora de um Baudelaire deformado pelas

    necessidades locais de se opor ao romantismo, gradualmente perde fora e

    incorporada segunda tendncia, que passar a existir, depois da

    derrocada do pensamento romntico, praticamente como nica esttica

    potica no Brasil.

    Nestor Vtor inicia as suas leituras baudelairianas na dcada de 1880,

    quando Emiliano Perneta, de acordo com o testemunho do prprio crtico

    paranaense, lhe empresta o volume As Flores do Mal, ainda de rara

    circulao no Brasil. O contato com a poesia de Baudelaire se d em um

    momento histrico de nosso pensamento que, temporalmente, ainda est

    prximo do final do romantismo, mas que, efetivamente, est j distante das

    condies mentais em que os primeiros leitores baudelairianos brasileiros se

    encontravam. No mais havia a necessidade de uma ruptura com o

    movimento romntico. At mesmo, neste momento, a primeira gerao de

    leitores do poeta francs j estava definhando e sendo substituda, ento,

    pela fora imperativa do parnasianismo e do naturalismo que se tornavam

    hegemnicos na inteligncia brasileira.

    45 MOISS, Massaud. Histria da literatura brasileira simbolismo. So Paulo:Cultrix, 1985. p. 176.

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    Quando chegamos a estreitar nossas relaes [de Nestor Vtorcom Emiliano Perneta], eu j transpusera francamente o crculoromntico, vivendo por esse tempo na admirao dos tiposrepresentativos do naturalismo e dos parnasianos, de misturacom algumas individualidades intermedirias. Mas foi Pernetaquem pela primeira vez me falou de Charles Baudelaire. (OC1, p.426)

    Mesmo no citando nominalmente Baudelaire na monografia Cruz e

    Sousa, nela h passagens de ntida influncia baudelairiana. Essa influncia

    pode provir diretamente da leitura do texto de Baudelaire, como pode,

    tambm, ser uma imagem corrente sobre a poesia de contestao. Ainda

    no havia acabado a influncia das primeiras leituras brasileiras dos textos

    de Baudelaire deixadas pela gerao de Carvalho Jnior, Tefilo Dias e

    Fontoura Xavier, sendo que as imagens utilizadas por Nestor Vtor para se

    referir existncia humana e realidade mundana esto muito prximas

    das formas como Baudelaire o faz, mas ainda mais prximas das dos

    primeiros baudelairianos brasileiros. O processo de animalizao do

    homem, ao, por exemplo, aproxim-lo do smio, causando um rebaixamento

    para a existncia humana, assim como a comparao do homem com o

    verme, so imagens comuns nos poemas de Baudelaire e nos dos nossos

    poetas influenciados pelo escritor francs, sendo, muitas vezes utilizados

    pelos escritores posteriores os naturalistas, especialmente , como ocorre

    exemplarmente em O Cortio, de Alusio Azevedo, para marcar a

    mundanidade e animalidade decorrentes da condio humana. Mas, esse

    processo tambm figura em escritos da esttica que teoricamente se ope

    aos processos naturalistas, entre as quais esto o simbolismo e o

    decadismo, dos quais o crtico se aproxima, denunciando possveis

    limitaes dos resultados dos padres cientficos a respeito das

    potencialidades humanas.

    Porque nem todos os sculos que esto por vir conseguiroimpregnar esta miservel atmosfera moral da Terra dos mais

    purificados fluidos do esprito, de modo a eles constiturem umaalta e enobrecida esfera geral, quer dizer, de modo que a Terradeixe de ser mesquinhamente terra, que as contingncias da vidapsquica se modifiquem nas suas manifestaes, oferecendo-se,no menos contingncias do que so, porm mais dignas de nsna cegueira que lhes prpria, mais capazes de seremponderadas e confessveis, sem o esprito cometer o delito datrivialidade, sem que o homem que as combate assuma a olhosintelectuais o inevitvel grotesco de smio, que a cada instante seagasta e revolta-se porque o persegue, impertinentemente fugidia,

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    uma pulga miservel na axila. Porque, finalmente, e sobretudo,este verme monstruoso, o Homem, que nos oferece o fenmenoteratolgico de trazer duas mos, tem-nas para melhor tapar osouvidos e os olhos esponjosos, j de si to surdos e to cegos, tovagamente esboados, e no v nunca, e no ouve nunca, ejamais h de ouvir e h de ver, nem que todos os astros setransformassem em trombetas retumbantes a clamar por ele, nemque todo o universo, para acord-lo, se desfizesse em formidveisescombros, e viesse, assombroso, impossvel, cair-lhe cabea.(OC1, p. 6-7)

    O ser humano transforma-se em verme ao ceder ao delito da

    trivialidade. Isso ocorre quando ele perde a sua capacidade de ver e ouvir

    efetivamente o mundo, quando fica preso somente s aparncias

    superficiais, forando a si mesmo a cegar e ensurdecer perante a realidade,

    transformado-o somente em matria, tendendo podrido da existncia, ao

    mundo passageiro, o homem transforma a Terra em terra, em matria.

    Esse homem perecvel, fraco, aproxima-se do eu lrico de Uma Carnia de

    Baudelaire, que capaz de aproximar a beleza da mulher amada de um

    corpo que apodrece, com larvas saindo de suas entranhas, com o fedor

    caracterstico da putrefao, com a imagem desoladora do corpo sem vida.

    Ela, a mulher amada, reduz-se a isso: matria. E, como tal, tende ao

    apodrecimento, assim como o homem trivial mundano, atacado por Nestor

    Vtor. Todas as coisas passam de uma forma outra, sem nada reterem de

    essencial, sem manterem a sua singularidade. um corpo que transforma-

    se em muitos, mas que, ao mesmo tempo, apenas seguiria uma caminhada

    sem sentido na materialidade se no for olhada com um olhar capaz de

    compreender que por trs de tod