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VII Mestrado em Comunicação em Saúde Alimentar no final da vida Transição do familiar cuidador para a recusa alimentar Dissertação de Tese de Mestrado em Comunicação em Saúde Trabalho realizado por Ana Rita Pinto Resende Sob a Orientação do Prof. Doutor Manuel Lopes LISBOA Junho 2009

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VII Mestrado em Comunicação em

Saúde

Alimentar no final da vida

Transição do familiar cuidador para a recusa

alimentar

Dissertação de Tese de Mestrado em Comunicação em Saúde

Trabalho realizado por Ana Rita Pinto Resende

Sob a Orientação do Prof. Doutor Manuel Lopes

LISBOA

Junho 2009

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2

À Vida…

Por nos proporcionar a tranquilidade de nos sentarmos todos os dias ao

crepúsculo na certeza do incerto…

Page 3: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

3

Agradecimentos

Este trabalho realizei-o com o contributo de algumas pessoas, por isso, escrevo

aqui o meu apreço àqueles que se cruzaram no meu caminho. Agradeço aos

ausentes que esperaram por mim antes de seguir o seu trilho. Agradeço aos

presentes que, entre lágrimas e sorrisos, partilharam os pedaços de sabedoria

com que construíram a sua história de vida, nesta fase tão delicada.

Ao professor Manuel José Lopes pelas palavras, pensamentos, mensagens e

respostas trocadas. Enrolei, baralhei, desdobrei e seriamente concretizei com a

clareza da sua inestimável orientação.

À minha família

o refúgio que eu não escolhi,

mas sem ela não saberia viver.

Aos meus amigos,

família que eu escolhi.

A todos o meu carinho

por

pontuaram os meus momentos

de desânimo e de descoberta,

de alegria e de tristeza.

Carinhosamente me tocaram,

pacientemente me escutaram,

simplesmente me encontraram,

quando eu

estava ausente …

Page 4: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

4

Resumo

O presente estudo submetido ao tema, alimentar no final de vida, foi desenvolvido

no contexto do mestrado, em comunicação em saúde A pergunta de partida

proposta foi Como é que o familiar cuidador experiencia a transição para a recusa

alimentar do doente oncológico adulto, em cuidados paliativos? A investigação foi

alicerçada no paradigma qualitativo, sendo um estudo exploratório e descritivo.

Teve como objectivos, compreender a função da alimentação na estrutura de

cuidados do familiar cuidador; compreender como o familiar cuidador viveu a

progressiva recusa alimentar da pessoa cuidada, até ao momento da morte.

Realizaram-se dez entrevistas semi-estruturadas, a familiares cuidadores de

doentes oncológicos adultos, em cuidados paliativos, sendo a análise de conteúdo

do tipo indutiva. Os dados revelaram que o processo de transição decorre num

contínuo, mas foi esquematizado em três fases, para facilitar a sua interpretação.

Estas são: despertar para a doença – sem recusa alimentar alertando para a

doença; lutar contra a morte – recusa inicial, consciencializando o agravamento da

doença, entre o aceitar e o negar a morte – o confronto sistemático com a recusa

alimentar consciencializando a proximidade da morte, tendo a última uma

subdivisão, a morte iminente. Concluímos que o familiar cuidador está a vivenciar,

simultaneamente com o processo de recusa alimentar, um processo de transição

de desenvolvimento pessoal, que decorre ao longo da doença e persiste, mesmo

após a morte da pessoa cuidada. A alimentação assume-se como um barómetro

da doença na qual o familiar cuidador projecta as suas respostas à perda. Há

factores condicionantes inerentes ao contexto da alimentação e da doença que,

para além de se influenciarem entre si, influenciam as respostas do familiar

cuidador à recusa alimentar e ao luto. A compreensão desses factores, pelo

familiar cuidador, sofre uma evolução no decorrer da doença pelo que se

manifesta na resposta vivencial.

As palavras-chave do estudo são: a perda de peso, a perda de apetite, o luto, a

transição, os cuidados paliativos e o familiar cuidador.

Page 5: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

5

Abstrat

Family caregiver’s transitions to nutrition refuse of the palliative cancer patient.

The purposes of the study were to understand the nutritional function in the care of

family caregivers, and investigate how the family caregiver’s experience the

nutritional refuse during the disease. We have design an explorative and

descriptive qualitative study. The participants were ten family caregivers of

palliative cancer patient, who has self report concern with loss of weight and loss of

appetite. In this study we made semi structured interviews that were tape recorded,

transcribed verbatim and then inductively analyzed.

The transition to nutritional refuse is a continuum adaptation process, in an attempt

to a better understanding, we divided the process in three stages: awakening to the

disease- Without nutritional refuse; fighting against the death - initial refuse;

balance between accept and denied the death- systematic nutritional refuse.

The family caregiver’s simultaneously experiences the patient process of refusal to

eat and a transition process of personal development. The family caregivers project

the patient loss in the oral intake decline. The intake of food and weight typically

declines across the cancer journey which comes to be seen as an undesirable

physical change, symbolizing progressive disease and approaching death.

There are transition conditions that facilitate or inhibit the process of the family

caregiver adaptative responses, such as the motivation to eat or refuse

interpretation.

key words : loss of weight, loss of appetite, grief, transition, palliative care, informal

caregiver.

Page 6: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

6

Índice

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução .....................................................................................................................................10

1. Enquadramento conceptual1. Enquadramento conceptual1. Enquadramento conceptual1. Enquadramento conceptual...................................................................................................16

1.1. Cuidados Paliativos................................................................................................................16 1.1.1. Considerações gerais ...............................................................................................16 1.1.2.1. Fisiopatologia da caquexia–anorexia oncológica .....................................20 1.1.2.2. Aspectos psicológicos, sociais, culturais e espirituais

da alimentação .....................................................................................................24

1.2. Familiar cuidador....................................................................................................................26 1.2.1. Família e familiar cuidador.......................................................................................26 1.2.2. O impacto social, emocional e psicológico das alterações

alimentares no cuidador...........................................................................................29 1.2.3. Adaptação às alterações alimentares..................................................................33 1.2.4. Alimentar quando a vida chega ao limite.............................................................35 1.2.4.1. Adaptação para alimentar no limite - A perda e o luto ............................40

1.2.5. Transição ......................................................................................................................44

1.3. Alimentação e comunicação ................................................................................................46 1.3.1. O conforto da informação ........................................................................................48 1.3.2. Alimentar comunicando............................................................................................52

2. Problemática, questão de investigação e objectivos2. Problemática, questão de investigação e objectivos2. Problemática, questão de investigação e objectivos2. Problemática, questão de investigação e objectivos ........................................................56

3. Metodologia3. Metodologia3. Metodologia3. Metodologia...............................................................................................................................59

3.1. Opção metodológica...............................................................................................................59

3.2. Participantes no estudo .........................................................................................................60

3.3. Instrumento de colheita de dados ......................................................................................62

3.4. Recolha de dados ....................................................................................................................65

3.5. Tratamento dos dados............................................................................................................68

3.6. Considerações éticas .............................................................................................................70

4. Apresentação e análise dos principais resultados4. Apresentação e análise dos principais resultados4. Apresentação e análise dos principais resultados4. Apresentação e análise dos principais resultados ............................................................72

4.1. Processos de transição do familiar cuidador..................................................................73 4.1.1. Processo de transição para a recusa alimentar do familiar cuidador ........75 4.1.2. Processo de transição para o desenvolvimento pessoal do familiar

cuidador ........................................................................................................................76

4.2. Factores do contexto da alimentação que condicionam o processo de transição para a recusa alimentar ..............................................................................78 4.2.1. A interpretação dos motivos para a recusa alimentar ....................................78 4.2.2. Função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador ....79 4.2.3. Intervenção dos profissionais de saúde ..............................................................83 4.2.4. Crenças na soroterapia ............................................................................................83

4.3. Respostas vivenciais do familiar cuidador face à recusa alimentar ........................84 4.3.1. Estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente ..............84 4.3.2. Respostas cognitivas e emocionais do cuidador à recusa alimentar .........90

4.4. Factores do contexto da doença que condicionam o processo de transição para o desenvolvimento pessoal ..............................................................95

4.5. Respostas vivenciais no contexto da doença..................................................................97

Page 7: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

7

4.6. O processo de transição para a recusa alimentar.......................................................105

5. Discussão dos resultados5. Discussão dos resultados5. Discussão dos resultados5. Discussão dos resultados ....................................................................................................119

6. Conclusões6. Conclusões6. Conclusões6. Conclusões..............................................................................................................................142

6.1. Implicações práticas e sugestões para futuros trabalhos .......................................154

7. Referências Bibliográficas7. Referências Bibliográficas7. Referências Bibliográficas7. Referências Bibliográficas ...................................................................................................158

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8

Índice de quadros

Quadro 1 - Respostas metabólicas na caquexia-anorexia................................................ 21

Quadro 2 - Fármacos utilizados no controlo da caquexia – anorexia ............................. 22

Quadro. 3 - Factores que diminuem a ingestão alimentar.................................................. 23

Quadro 4 - Factores que influenciam a tomada de decisão ............................................. 37

Quadro 5 - Reacções emocionais à perda........................................................................... 39

Quadro 6 - Respostas normais ao luto ................................................................................. 43

Quadro 7 - Intervenções de enfermagem para o conforto de sintomas ......................... 51

Quadro 8 - Caracterização dos participantes..................................................................... 66

Quadro 9 - Caracterização da pessoa doente .................................................................... 67

Quadro 10 - Quantificação da preocupação com as alterações alimentares ................ 72

Índice de esquemas

Esquema 1 - Transições: uma teoria de médio alcance ..................................................... 45

Esquema 2 - Processos de transição do familiar cuidador................................................ 74

Esquema 3 - Motivos para a recusa alimentar ..................................................................... 78

Esquema 4 - Função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador .. 80

Esquema 5 - Intervenção dos profissionais de saúde......................................................... 83

Esquema 6 - Crenças na soroterapia..................................................................................... 83

Esquema 7 - Estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente ............ 85

Esquema 8 - Respostas cognitivas e emocionais do cuidador à recusa alimentar ....... 91

Esquema 9 - Factores do contexto da doença que condicionam as vivenciais.............. 96

Esquema 10 - Estratégias para se adaptar à perda ............................................................ 98

Esquema 11 - Respostas vivenciais no contexto da doença ............................................. 101

Esquema 12 - Contributo para a compreensão do processo de transição

para a recusa alimentar do familiar cuidador ............................................. 118

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9

Siglas

ANCP – Associação Nacional de Cuidados Paliativos.

CHPCA – Canadian Hospice Palliative Care Association.

DGS – Direcção Geral de Saúde.

IAHPC – International Association for Hospice e Palliative Care.

NCP – National Consensus Project for Quality Care.

OMS – Organização Mundial de Saúde.

PNCP – Plano Nacional de Cuidados Paliativos.

SECPAL – Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos.

SFAP – Sociedade Francesa de Acompanhamento e de Cuidados Paliativos.

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10

Introdução

A alimentação faz parte do dia-a-dia e na realidade ocupa grande parte do nosso

tempo. Desde que o ser humano nasce é alimentado para se desenvolver, manter

o seu equilíbrio, conviver, enfim… viver. A alimentação faz, igualmente, parte da

vida social e afectiva de forma tão natural que, facilmente, esquecemos que este é

um acto necessário à sobrevivência. Pelo menos, este é o pensamento dominante

na mentalidade ocidental aonde o alimento de, um modo geral, abunda. As

reuniões de negócios ao almoço, as recordações dos jantares de Natal são alguns

dos momentos de relação interpessoal que circundam em torno dos alimentos e

evocam memórias reminiscentes de alguma ternura. O vínculo afectivo criado à

nascença com a mãe através da alimentação repete-se ao longo da vida, numa

teia invisível de sentimentos, com outras pessoas. Alimentar é uma necessidade

humana básica, tal como Maslow (Chiviavenato, 2000) a define, mas

indiscutivelmente, desde o primeiro momento de vida, assume-se como um acto

de amor.

As alterações alimentares da pessoa doente são uma das situações de cuidados

que rapidamente, no decorrer da doença se tornam um problema, quer para o

familiar cuidador, quer para o enfermeiro, quer para a pessoa doente. Alimentar no

final de vida adquire um novo significado pelas necessidades impostas pela

situação de doença. Numa fase paliativa, a alimentação tem o objectivo de

proporcionar conforto e manter a qualidade de vida, tal alcança-se através de

certos alimentos de que se gosta particularmente. Esses alimentos podem ter

algum significado especial na cultura da pessoa doente ou simplesmente estão

associados a boas recordações ou refeições saudáveis (Allari, 2004). A decisão de

parar a alimentação e hidratação, numa fase terminal, pode ser difícil, mas exige

que os familiares compreendam e estejam cientes das consequências.

A caquexia e a anorexia são dos sintomas mais comuns vividos pelos doentes com

cancro em fase terminal. Estes dois sintomas estão presentes em 40 a 80% dos

doentes oncológicos em fase terminal sendo a perda de peso, um dos sintomas

precoces da doença (Holder, 2003; Porta et al., 2004). Em conjunto designam-se

pela síndrome caquexia-anorexia oncológica e está estudada e categorizada como

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11

primária ou secundária (Twycross, 2001; Auñón, 2004). A síndrome primária é

fruto de um défice nutricional resultante da competição entre as células do tumor e

as hospedeiras pelos nutrientes essenciais e de múltiplas alterações metabólicas

derivadas de citoquinas pró-inflamatórias libertadas pelo sistema imunitário em

resposta ao cancro. A secundária deve-se ao aglutinar de sintomas decorrentes da

doença. Alguns factores que contribuem para a caquexia-anorexia podem ser

corrigidos outros temporariamente retardados. Os novos tratamentos aumentam o

tempo de sobrevivência logo, mais pessoas irão viver, não só com o cancro, mas

também com a perda de peso e a perda de apetite.

Para intervir junto dos familiares cuidadores é crucial compreender o significado

que as alterações alimentares têm para o doente e sua família. A experiência dos

doentes e familiares em cuidados paliativos consiste num confronto com uma série

de perdas, acrescidas à maior de todas, o diagnóstico de cancro, a sentença da

morte. Os cuidados em fim de vida, parafraseando Barbosa (2006) são “cuidados

crepusculares”. Estes cuidados espraiam a esperança quando se alvitra que não

há nada, mas na verdade ainda há muito a fazer. Promove-se a qualidade de vida

através do conforto e do controlo de sintomas permitindo que o doente e a sua

família vivam, com maior qualidade, o tempo disponível. “Os cuidados paliativos

constituem uma resposta organizada à necessidade de tratar, cuidar e apoiar

activamente os doentes na fase final da vida ” (PNCP, 2004b)”.

O plano nacional de cuidados paliativos com horizonte até 2010 define que “os

cuidados paliativos dirigem-se, prioritariamente, à fase final da vida mas não se

destinam, apenas, aos doentes agónicos. Muitos doentes necessitam de ser

acompanhados durante semanas, meses ou, excepcionalmente anos, antes da

morte”. Entendemos neste estudo que a pessoa está em cuidados paliativos

quando “ apresenta doença avançada, incurável e evolutiva, com ineficácia

comprovada de tratamentos e com esperança média de vida de três a seis meses”,

adoptando a definição de Estándards de cuidados paliativos do Servei de Catalã

de La Salut (1995), referenciado por Neto (2006: 30), pela limitação temporal que

abrange. A pessoa transita para a fase agónica quando tem dias ou horas de vida,

de acordo com a sua situação clínica (Doyle et Jeffrey, 2005:144; Davies, 2005).

Page 12: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

12

Medo, falta de esperança, sofrimento, impotência, morte, crescimento e

aprendizagem são algumas das palavras que o familiar cuidador bem conhece.

Medo do desconhecido e da incerteza da doença, a falta de esperança ancorada

no sofrimento e na impotência que a imparável morte suscita, ora obriga a

aprender a cuidar ora obriga a crescer para ultrapassar o luto. Assim, em cuidados

paliativos, o familiar cuidador e a pessoa doente são uma unidade a ser cuidada

como um todo (OMS, 2002). A família constitui um dos factores psicossociais mais

importantes na evolução da doença e no processo de readaptação. O familiar

cuidador é o membro da família, ou alguém muito “próximo” que tem a

responsabilidade primária de prestar cuidados a quem sofre de um doença ou

requer ajuda para desenvolver as actividades de vida diária (Augusto et Carvalho,

2002; Smith, 2004:312; Sequeira, 2007: 100). O familiar cuidador depara-se com

uma situação delicada e imprevista que o obriga a mudar de papéis para cuidar de

um familiar doente. As implicações na sua vida são inúmeras, desde lidar com

problemas financeiros para sustentar os cuidados até à prestação de cuidados

específicos para os quais não teve formação. O envolvimento emocional da

situação de doença obriga-o a redefinir o significado da sua vida e a preparar-se

para o luto. Sofre com as perdas inerentes à situação que está a viver e, na maior

parte das vezes, esconde as suas necessidades, que são bem diferentes das

necessidades da pessoa cuidada. Isso impõe que o familiar cuidador seja

percepcionado como alvo dos cuidados e parceiro nos cuidados isto é,” a família

deve ser activamente incorporada nos cuidados prestados aos doentes e, por sua

vez, ser, ela própria, objecto de cuidados, quer durante a doença, quer durante o

luto” (PNCP, 2004b).

A alimentação é influenciada por factores psicossociais, culturais, religiosos e

económicos liga-se à vida ao bem-estar e a sua ausência à doença e morte. O

facto de se diminuir a ingestão alimentar ao longo da doença pode ser

instintivamente interpretado como um desejo surdo de morrer à fome (Hughes et

Neal, 2000) causando sofrimento ao doente e família.

As questões da alimentação giram em torno de muitas emoções, o que torna mais

difícil as tomadas de decisão na fase terminal, particularmente quando se trata de

entubar para alimentar por sonda ou parar a alimentação.

Os objectivos do suporte nutricional em cuidados paliativos modificam-se à medida

que a doença progride (Eberhardie, 2002; Holder, 2003). Assim, num doente cujo

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13

prognóstico é de meses ou poucas semanas, poder-se-á falar de suporte

nutricional, para manter ou repor o seu status nutricional e diminuir o risco de

infecção (Rojas, 2004). Quando se fala de um doente com um prognóstico de

semanas ou dias discutir-se-á a alimentação ou hidratação com todas as

considerações éticas e legais que isso implica. Nessa altura, as intervenções

visam o conforto do doente e alívio de sintomas, enfatizando a qualidade de vida

(Rojas, 2004; Eberhardie, 2002; Hopkins, 2004; Holder, 2003).

A importância da alimentação não diminui com a progressão da doença, mas

numa fase mais avançada, a sua ausência é mais valorizada pelo familiar cuidador

do que a sua presença. Os familiares manifestam níveis de ansiedade

relacionados com este sintoma mais elevados do que os da própria pessoa doente

(Mcclement et al., 2004). Os esforços para alimentar e travar a morte difundem-se

numa diversidade de estratégias que nem sempre são as mais benéficas.

Contudo, pouco se tem investigado como é que a pessoa doente e os seus

familiares podem ser ajudados a viver com este sintoma (Poole et Frogatt, 2002).

Os estudos de investigação em cuidados paliativos acerca deste tema

convergiram, maioritariamente, para a explicação fisiopatológica da caquexia-

anorexia oncológica e respectivos meios farmacológicos para a reverter. Nos

abstrats das teses de mestrados não foi possível encontrar um estudo de

investigação em Lisboa.

A nível internacional, McClement et al. (2004) desenvolveram um estudo

qualitativo (Grounded theory) sobre as respostas dos familiares à diminuição da

ingestão alimentar e perda de peso das pessoas em fase terminal. As estratégias e

comportamentos adoptados pelos familiares foram definidos em três sub-

processos: “Fighting back” lutar contra a perda de peso, quando não aceitam a

morte; “Waffling: Is it better to eat or not to eat” – caracterizada pela ambivalência

entre o manter a pessoa viva e deixar morrer; “Letting nature take its course”

assumem que é melhor não comer.

Hopkinson et al. (2006) por meio de um estudo qualitativo criaram um modelo

conceptual acerca da experiência de viver com a perda de peso em doentes com

cancro em fase terminal. Segundo esse modelo, a experiência do peso varia ao

longo do tempo. A intensidade da preocupação depende da relação entre a

duração da doença e a experiência da vivência dessa perda de peso. A

preocupação é intensamente vivida quando a perda de peso se torna visível numa

Page 14: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

14

fase avançada da doença. A pessoa apresenta-se psicologicamente devastada ao

ponto de, o doente e a família modificarem a interpretação e o modo de encarar as

alterações de peso.

Shragge et al. (2007) investigaram pelo método de Grounded theory o impacto

psicossocial da anorexia e as estratégias utilizadas pela pessoa doente em fase

terminal. Concluíram que a pessoa doente adapta-se emocional e socialmente à

diminuição da ingestão alimentar através um processo psicossocial de mudança

na consciência de controlo.

Reflectindo, nas alterações alimentares inerentes à prática diária de cuidar em

enfermagem, relembramos que os momentos de refeição são sempre marcantes.

Vivem-se situações de tensão com familiar cuidador por este nos dirigir a sua

agressividade, assistimos igualmente a situações conflituosas entre o familiar e a

pessoa doente. O familiar cuidador sente ansiedade quando a hora refeição se

aproxima e insiste em alimentar quando a pessoa doente nega ou inclusivamente

já nem negar consegue pela sua prostração.

As interrogações que nos assomam nestas horas são inúmeras. O que sente o

familiar cuidador quando se confronta com a recusa alimentar? O que significa

para si essa recusa? Como a compreende? Como se pode intervir para que o

familiar cuidador ultrapasse o impacto da recusa alimentar?

O conflito é um sinal claro do seu sofrimento que mascara um silêncio

comunicacional, quer com a pessoa doente, quer com os profissionais de saúde. O

profissional tem aqui uma janela para compreender como o familiar cuidador está a

viver a recusa alimentar, o final de vida e intervir.

É essencial que o sofrimento do luto do familiar cuidador possa ser amenizado. A

filosofia dos cuidados paliativos requer que se aceite a complexidade do

significado da alimentação e se compreenda o profundo impacto das alterações

para os familiares (Hopkins, 2004).

Perante isto, decidimos investigar como o familiar cuidador experiencia a transição

para a recusa alimentar do doente oncológico adulto, em cuidados paliativos?

Estabelecemos os seguintes objectivos com intento de responder à questão

orientadora da investigação:

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15

• Compreender a função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar

cuidador;

• Compreender como é que o familiar cuidador viveu a progressiva recusa

alimentar da pessoa cuidada até ao momento.

A investigação foi esboçada no paradigma qualitativo sendo o estudo exploratório

e descritivo. Ao investigarmos como o familiar cuidador faz a transição para a

recusa alimentar pretendemos que isso contribua para compreender melhor a

vivencia do familiar cuidador nesta etapa da sua vida. Cremos, de igual modo, que

esta compreensão permitirá desenvolver estratégias que diminuam as barreiras

comunicacionais e o aliviem o sofrimento do familiar cuidador, convertendo os

cuidados com a alimentação em fim de vida mais efectivos. O cancro é uma

doença que coloca grandes desafios ao familiar cuidador, na prática as pessoas

que ainda irão viver esta situação estão necessitadas de conselhos, informação e

conforto para a poderem ultrapassar. O bem-estar do familiar cuidador irá

repercutir-se na relação com a pessoa cuidada. Viver o pouco tempo que dispõem

com qualidade é sem sombra de dúvida o objectivo último de quem cuida e é

cuidado.

O presente relatório foi organizado em sete capítulos. No primeiro concentramos o

enquadramento conceptual que sustenta a problemática e os objectivos que

ambicionamos responder. As palavras-chave que moveram a revisão da literatura

e que serviram de suporte a cada subcapítulo foram: a perda de peso, a perda de

apetite, o luto, a transição, os cuidados paliativos e o familiar cuidador. No

segundo capítulo apresentamos a metodologia utilizada fundamentando a sua

escolha e justificando as opções efectuadas. Aqui, mencionamos o instrumento de

colheita de dados, fundamentamos a escolha dos participantes e descrevemos as

actividades desenvolvidas. No terceiro capítulo são descritos objectivamente os

resultados da análise dos dados, seguindo-se a discussão com a análise crítica

dos mesmos.

Por fim, a conclusão do estudo e as sugestões de aplicabilidade prática mais

expressivas decorrente dos resultados, bem como sugestões para trabalhos

futuros e as referências bibliográficas. Os anexos, pela sua dimensão, foram

compilados num segundo volumes. Neste volume, pode ser consultado o guião da

entrevista, a grelha da análise de conteúdo e apenas a transcrição de uma das

entrevistas, com a análise completa da mesma.

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16

1. Enquadramento conceptual

1.1. Cuidados Paliativos You matter because you are you, and you matter until the last moment of your life.

We will do all we can, not only to help you die peacefully, but also to live until you die”.

Dame Cicely Saunders (kubler, Berry, et Heidrich, 2002: 23)

1.1.1. Considerações gerais

A história moderna dos cuidados paliativos é breve, tanto que, muitos daqueles

que a construíram ainda estão vivos, contam, reflectem e escrevem sobre as suas

experiências, enriquecendo esta disciplina com a sua perspectiva de alguns

dilemas.

Apesar da origem dos cuidados paliativos remontar ao século IV (Davies, 2005), as

grandes impulsionadoras deste movimento da medicina moderna foram Cicely

Saunders, em 1960, no Reino Unido e Kübler-Ross nos Estados Unidos da

América. Cicely Saunders, movida pela “necessidade de oferecer cuidados

rigorosos, científicos e de qualidade a pessoas com doenças incuráveis,

progressivas e avançadas” (Neto, 2006:18), desbrava novas perspectivas e

atitudes para ajudar no processo de morrer. Actualmente, a filosofia dos cuidados

paliativos está largamente divulgada embora com diferentes expressões em cada

país.

Entende-se por cuidados paliativos, os cuidados prestados tanto à pessoa doente

portadora de uma doença progressiva e incurável como à sua família, cujos

objectivos são promover a qualidade de vida e aliviar o sofrimento físico,

psicológico, social e espiritual. Os cuidados paliativos são em si cuidados activos,

mas pretendem ser modestamente invasivos e agressivos (Doyle et Jefferson,

2005: 4; Twycross, 2003) sem com isso resvalem para a eutanásia ou obstinação

terapêutica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca os cuidados

paliativos como uma prioridade na política de saúde (2002). Estes são definidos

como “uma abordagem que pretende melhorar a qualidade de vida dos doentes e

suas famílias que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável ou

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17

grave e com um prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento,

com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só

físicos, como a dor, mas também psicossociais e espirituais”.

O Plano Nacional de Cuidados Paliativos (2004b), tal como a definição da OMS

distingue a pessoa doente e a sua família como uma unidade de cuidados.

Reconhecem, deste modo, não só o papel fundamental da família no apoio e

cuidado à pessoa doente, como também as necessidades significativas que eles

têm por sofrerem com o impacto da doença.

A filosofia dos cuidados paliativos na prática desenvolve-se em quatro grandes

áreas de intervenção, que inevitavelmente, se entrelaçam. Estas vertentes

encaradas com igual relevância são:

• controlo da dor e de outros sintomas para maximizar a qualidade de vida;

• comunicação adequada, que inclui apoio psicológico e espiritual;

• apoio à família durante a doença e no luto;

• trabalho de equipa, que engloba para além da família do doente,

profissionais de saúde com formação e treino diferenciado (médicos,

enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, dietistas, capelão,

fisioterapeuta, voluntários preparados e dedicados e a própria comunidade,

entre outros). (PNCP, 2004b;Twycross, 2003; Doyle et Jefferson, 2005; Porta et al. ,2004).

Os doentes oncológicos foram os primeiros beneficiários destes cuidados apesar

de, actualmente por questões éticas e de equidade, estes se estendam a outras

pessoas portadoras de doenças não oncológicas (SECPAL, 2002; ANCP, 2004).

A doença oncológica inclui-se indiscutivelmente no grupo de doenças mais

temidas pelo Homem. Este grupo tem uma palavra em comum, a morte. Em

Portugal, o número de óbitos por cancro foi de 22.682, em 2005 (Plano Nacional

de Prevenção e Controlo das doenças oncológicas 2007/2010).

Sem dúvida que este espectro da morte coloca à pessoa doente um grande

desafio. Todavia, o desafio que a família atravessa não é menor, o cancro

“reveste-se de características com grande carga emocional e assume uma

representação social de elevada componente simbólica” (Pereira et Lopes, 2002:

15). Na verdade a ideia subjacente, proferida pelas próprias pessoas doentes e

familiares, é ter “um mal a alimentar-se de si” (Marques, 2002: 155).

Page 18: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

18

As crenças associadas ao cancro passam por: castigo, maldição, injustiça,

contágio, parasita e acaba por resultar numa espera dolorosa para a morte (James

et Ternested, 2007; Gómez-Batiste et al., 1996: 5). Estas conotações transcendem

em muito a componente biológica e ampliam a carga emocional associada.

O cancro mobiliza os medos mais íntimos mesmo só existindo uma suspeita de

diagnóstico. Este receio, apesar de se mascarar com muitos nomes põe em

evidência o que o homem mais teme, a sua própria morte. O cancro foge ao

controlo da pessoa. Há uma sobrevalorização da mortalidade e uma subestimação

da capacidade em controlar a doença (Pereira et Lopes, 2002: 15, Gómez-Batiste

et al., 1996: 5).

A vulnerabilidade instalada frente ao cancro encontra fundamento, ao se atender, à

etiologia pouco definida e à sucessiva descoberta de novos tratamentos que não

diminuem as altas taxas de mortalidade. A expressão, ainda hoje frequente, “a

gente sabe que já não tem cura e que não há nada a fazer”, muito íntima à

perspectiva curativa traduz a cisão entre a medicina curativa e a paliativa que em

nada corresponde às necessidades da pessoa doente e da sua família. A transição

dos cuidados curativos para os cuidados paliativos, tradicionalmente, ocorre

quando a medicina não consegue ter sucesso no controlo do cancro e a pessoa

entra numa fase terminal da doença. Assume-se nesta fase que a pessoa doente

tem um cancro metastizado, recorrente e incurável (Shragge, 2006).

Actualmente, debate-se que os cuidados paliativos devem ser oferecidos com

base no sofrimento e não apenas no prognóstico e diagnóstico, cria-se espaço

para uma transição progressiva, tão precoce quanto possível no decurso da

doença (Kuebler et Berry, 2002:27; NCP dos EUA- for quality paliative care, 2004;

Davies, 2005: 452; Neto, 2006:18). Nesta perspectiva nem todos os doentes

paliativos são doentes terminais. O apoio dos profissionais através da trajectória

da doença propicia que o sofrimento possa ser aliviado em todas as fases (Payne

et al., 2004:5), com ganhos evidentes na qualidade de vida, tanto para a pessoa

doente como para a família (Kuebler et Berry, 2002:27).

Os principais critérios para a determinação de doente terminal assentam em:

• existência de doença crónica e incurável e de evolução progressiva;

• ineficácia comprovada dos tratamentos;

• esperança de vida relativamente curta;

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19

• perda de esperança e recuperação. (Pacheco, 2002: 52; Pereira et Lopes, 2002: 58, Barón, 1996: 1086; SECPAL, 2006).

Outra definição de doente terminal está nos Estándards de cuidados paliativos, do

Servei de catalã de la Salut (1995), referenciado por Neto (2006: 30) e entende por

doente terminal, “aquele que apresenta doença avançada, incurável e evolutiva,

com elevadas necessidades de saúde pelo sofrimento associado e que em média

apresenta uma sobre-vida esperada de 3 a 6 meses.”

A esperança média de vida relativamente curta ainda não reúne opinião

consensual, mas a literatura reporta, maioritariamente aos últimos seis meses de

vida (Secpal, 2006; Kubler et Berry, 2002: 27; Travis et al., 2005: 205). Barón

(1996: 115) é da opinião que esta se centra nos dois últimos meses de vida;

Gómez –Batiste (1996:3) nas últimas semanas de vida.

Ao entrarem numa fase agónica, pelas características clínicas dos sintomas que

apresentam, têm dias ou horas de vida (Doyle et Jeffrey, 2005:144, Davies, 2005).

Nesta fase, os cuidados paliativos, têm a finalidade de permitir que a pessoa morra

com dignidade e o cuidado à família ganha um expressão crescente no apoio ao

luto.

Ao longo da doença as pessoas vão alternando períodos de estabilização, que os

ilude com uma possibilidade de cura, com períodos de instabilidade com o

agravamento de sintomatologia que os pode levar ao desespero. Os sintomas

tornam-se mais problemáticos para a pessoa doente e difíceis de serem

controlados pela ciência médica (Pacheco, 2002: 53). Entende-se que, os

sintomas “são uma percepção psicossomática, em resposta a estímulos nocivos,

influenciada por aspectos psicológicos, crenças pessoais, ambiente e o grau de

adaptação emocional à situação” (Porta et al., 2004:15). O seu controlo requer

uma abordagem compreensiva e multidisciplinar (Gómez- Batiste et al., 1996: 97;

Porta et al., 2004:15; Neto, 2006:56, Twycross, 2001), é indiscutivelmente um

indicador da qualidade de vida. Os sintomas são expressados pela pessoa e

família, ao longo da doença, com intensidade e duração diferentes. Numa fase

inicial, geralmente são pouco valorizados ou tratados (Davies, 2005: 448). Na fase

terminal sobretudo, devido à sua maior gravidade e fragilidade da pessoa, podem

ser múltiplos, recorrentes, intensos e prolongados (Gómez- Batiste et al., 1996:

97;Porta et al., 2004:20), passíveis ou não de controlo.

Page 20: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

20

A literatura denomina alguns sintomas de “difíceis”. O termo em si levanta

naturalmente algumas questões. Difíceis por quê? Difíceis para quem?

Corner (2004: 248) sugere que sejam difíceis pela intensidade com que o sintoma

se declara na fase terminal e pela incapacidade que os profissionais e familiares

sentem ao tentarem aliviá-lo. Estes sintomas induzem grande sofrimento para

quem os observa e criam frequentemente um sentimento de impotência a quem

cuida (Corner, 2004: 248) mesmo sendo, potencialmente, passíveis de controlo a

nível físico. A caquexia e anorexia são dois desses sintomas que levantam

problemas ao acto de alimentar.

Em suma, Os cuidados paliativos afirmam a vida e aceitam a morte como um

processo natural. Proporcionam um alívio de sintomas e oferecem uma rede de

apoio para que as pessoas doentes e as suas famílias vivam melhor com a

doença.

As alterações alimentares tal como a dor, a dispneia, são exemplos desses

sintomas difíceis, especialmente na fase terminal, aonde a intervenção dos

profissionais parece nula. Quando se luta contra a morte, os sintomas como a

síndrome da caquexia-anorexia fazem parte de uma complexa realidade que

adquire contornos diferentes pela debilidade física crescente da pessoa doente.

A anorexia está copiosamente colada a uma imagem de distúrbio alimentar por

alterações psicológicas. As crenças culturais em torno da alimentação fomentam o

ideal de beleza, saúde e bem-estar. A síndrome da caquexia-anorexia entra em

colisão com estes pensamentos pré-concebido aos quais o familiar cuidador tem

se de adaptar. A origem das alterações alimentares tem um fundamento fisiológico

intrínseco ao próprio cancro que pode ser desconhecido e complicado de

depreender para quem cuida. Ao se exporem os mecanismos fitopatológicos o

familiar cuidador pode, eventualmente, aceitar as alterações alimentares.

1.1.2.1. Fisiopatologia da caquexia–anorexia oncológica

Frequentemente, o primeiro alerta do cancro é a perda de peso. Esta perda de

peso usualmente acompanha a fase de tratamento, mas torna-se mais evidente e

preocupante numa fase avançada da doença.

A caquexia, tipicamente, associada a doenças crónicas debilitantes, caracteriza-se

por um estado progressivo de emagrecimento acentuado, fraqueza, fadiga e

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21

edemas que resultam de uma perda de tecido adiposo, tecido músculo-esquelético

e desmineralização óssea, que não reverte com o aumento do aporte nutricional

(Twycross, 2001;Holden, 2003). A anorexia, diminuição do apetite ou desejo de

comer, acompanha frequentemente a caquexia, é subjectivamente determinada

pela pessoa doente. Esta foi identificada como um indicador independente de

menor sobrevida nas pessoas que estão em fase terminal (Shragge et al.,

2006;Tisdale,2003). A visão tradicional considera que a caquexia oncológica

advém da diminuição da ingestão alimentar e do aumento do consumo energético

pelo tumor (Bruera, 2003). Porém, a diminuição da ingestão calórica, por si só, não

justifica as modificações observadas na caquexia. Mais ainda, a caquexia pode

ocorrer sem a presença da anorexia (Tisdale, 2003; Holder, 2003).

A caquexia-anorexia é categorizada como primária ou secundária (Twycross,

2001). A primária resulta de um síndrome metabólico geral provocado pelo cancro

e no qual, ocorrem múltiplas e complexas modificações metabólicas e

neuroendocrinas (quadro 1).

Quadro 1 - Respostas metabólicas na caquexia-anorexia

Diminuição da síntese de proteínas nos músculos

Aumento do catabolismo do músculo-esquelético

Aumento da síntese de proteínas pelo fígado

Aumento da produção de glucose

Resistência à insulina

Diminuição da lipólise e lipogénesis

Anemia

(Fonte: Eberhardie, 2002; Holder, 2003; Tisdale, 2003; Sancho, 2005; Porta et al., 2004).

Os factores que contribuem para estas alterações subdividem-se em dois grupos:

1- Produtos que resultam da actividade das células hos pedeiras : como as

citoquinas, maioritariamente interleuquinas IL -1, IL-6, factor necrosante tumoral

(TNFα, interferon (IFN γ), e factor inibitório da leucemia (LIF);

2- Produtos produzidos pelo tumor : têm um efeito directo nos tecidos

hospedeiros, como o factor mobilizador dos lípidos (ML) que actua no tecido

adiposo, e factor indutor da proteólise (PIF) que actua no músculo-esquelético

Page 22: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

22

(Holder, 2003; Twycross, 2001; Eberhardie, 2002; Tisdale, 2003; MacDonald et al.,

2003).

Ao contrário da desnutrição provocada pela privação de alimentos, após um

estado prolongado de fome, os mecanismos de defesa não são desencadeadas na

caquexia oncológica, onde a perda de massa envolve apenas o músculo-

esquelético e não afecta as reservas proteicas viscerais (Brown, 2002). Esta perda

reflecte a diminuição da concentração de potássio intracelular indicando um défice

bioenergético. Isto reduz a força e aumenta a fadiga durante a contractilidade.

Presentemente, conhece-se que a síndrome de caquexia-anorexia provém de

múltiplos factores, mas o tratamento farmacológico para a síndrome primária, na

prática clínica, passa principalmente pela utilização de acetato de megesterol e

esteróides. Futuramente, a investigação, pretende actuar directamente em factores

específicos combinando vários tipos de fármacos.

Os fármacos referidos no quadro poderão ser utilizados, mas alguns ainda se

encontram em investigação:

(Fonte: Bruera, 2003; Tisdale, 2003; Vickie, 2003; MacDonald, 2003).

Existem outros fármacos em estudo, cujo efeito ainda é pouco conhecido, como é

o caso dos antibióticos macrólidos, agonistas β2, inibidor da conversão da

angiotensina e estatinas.

A síndrome de caquexia-anorexia secundária compreende um conjunto de

alterações e complicações provocadas pelo tumor e efeitos secundários dos

Quadro 2 - Fármacos utilizados para o controlo da caquexia - anore xia

Agente Efeito

Ácido eicosapentaenóico (EPA) (mais promissor no tratamento)

Inibidor da glicoproteína indutora da proteólise Redutor da produção de citoquinas (anti-inflamatório) Bloqueador da proteólise mediada por ubicuitina no proteasoma

Inibidores da proteasoma Redutor da proteólise mediada pelo ubicuitina

Cannabinóides, olanzapina Estimulador do apetite ao nível do sistema nervoso central

Talidomida, Melatonina e corticosteróides

Anti-inflamatório na resposta das citoquinas, melhora o estado geral e a energia do doente

Anti- inflamatórios não esteróides

Anti-inflamatório na resposta das citoquinas

Esteróides anabólicos Reverter a perda de massa corporal no tecido muscular

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tratamentos, que induzem uma ingestão reduzida e, secundariamente, a perda de

massa corporal. Essas alterações são potencialmente corrigíveis (quadro 3).

Quadro 3 - Factores que diminuem a ingestão alimentar

Efeito secundário de tratamentos (quimioterapia, radioterapia e outros fármacos)

Disgeusia (alterações do paladar)

Xerostomia (sensação de boca seca)

Mucosite (inflamação da mucosa gastro-intestinal)

Hiperosmia (alteração do olfacto)

Náuseas e vómitos

Diarreia e obstipação

Disfagia (dificuldade na deglutição)

Dispepsia (dor ou mal-estar abdominal)

Saciedade prematura

Sintomas psicológicos (confusão mental, delírio, ansiedade, depressão)

Fadiga

Dor

(Fonte: Twycross, 2001; Holder, 2003; Sancho, 2005).

Concluindo, a síndrome da caqueixa-anorexia primária resulta de múltiplas

reacções metabólicas e neuroendócrinas inerentes ao tumor que são de difícil

controlo medicamentoso. A secundária, por seu lado, provém das alterações

provocadas pelo tumor e reacções secundárias à terapêutica administrada para

controlo da própria doença. É indispensável esclarecer que esta síndrome é

distinta a nível fisiológico da privação alimentar. A fome não é a causa da morte

mas sim, todo o processo metabólico resultante da evolução da doença. O

sofrimento do familiar cuidador alicerça-se nas crenças e no próprio simbolismo

que atribuiu à alimentação. Deixar de valorizar a vertente psicológica, social e

cultural da alimentação seria empurrar o conforto do controlo de sintomas para

uma vertente meramente biomédica. Velozmente, o familiar cuidador seria

encarcerado num sentimento de abandono e impotência, a quem mais nada se

teria para oferecer.

Page 24: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

24

1.1.2.2. Aspectos psicológicos, sociais, culturais e espirituais da

alimentação

O acto de nos alimentarmos está carregado de simbolismos e significados muito

próprios. Culturalmente, a alimentação é reconhecida como tendo o potencial para

promover o bem-estar físico, psicológico e emocional. Desde Hipócrates à actual

medicina, a alimentação é um meio de manutenção da saúde e restauração da

doença. “Durante a história da humanidade, algumas pessoas, como os santos e

místicos, escolheram passar fome por razões religiosas” (Giddens, 2000:159). As

crenças religiosas afectam, particularmente, a forma como se vive a alimentação

no final da vida. Jesus simbolizou a vida eterna pela partilha do pão e do vinho. A

sociedade predominantemente católica tem indelevelmente entrelaçada a função

simbólica da vida no alimento (Sancho, 2005). Os hindus perto da morte para

libertarem o corpo de sofrimento optam por não se alimentar (Shragge et al.,

2006).

Acredita-se que os Homens mais fortes, mais altos, mais saudáveis alimentam-se

melhor (Giddens, 2000:59), em oposição, a ausência de alimento está associada a

doença. Pessoas a morrer à fome é uma realidade corrente cujas imagens chegam

diariamente através da comunicação social. Tanto há pessoas a morrer à fome

sem possibilidade de se alimentarem, como há pessoas na abundância que optam

por morrer sem comer. Esta última opção está na base da anorexia nervosa que

reflecte o culto do corpo como imagem atractiva levando a um desequilíbrio do

organismo que pode ser fatal (Giddens, 2000:159).

A alimentação física e emocional encontra-se, em cada um de nós, intimamente

relacionada. As dificuldades com a alimentação “são uma maneira de expressar

sentimentos que não podem ser ditos, emoções que não podem ser reconhecidas”

(Menéndez, 2007: 16). Pode-se assim dizer que a alimentação é uma necessidade

humana básica que se liga à energia e boa saúde mas é indubitavelmente um

condutor privilegiado de alimento nutritivo e afectivo desde o nascimento. O nosso

ritmo diário é regulado pelo horário das refeições. Este momento é um foco de

inúmeras interacções sociais (Hopkins, 2004). Há almoços de negócios, há

jantares de família, há uma série de festividades e cultos religiosos que assinalam

marcas importantes e que nos relembram a importância que a alimentação tem. A

Page 25: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

25

comida traz recordações de conforto e segurança. As pessoas utilizam-na para

celebrar triunfos, conviver ou como prémio por um árduo trabalho (Evans B. et al.,

2005).

Infelizmente, a experiência das pessoas doentes em cuidados paliativos consiste

num confronto com uma série de perdas, acrescidas à maior de todas, o

diagnóstico de cancro, a sentença da morte. As alterações na capacidade de

saborear, cheirar, deglutir, digerir e eliminar os alimentos de forma independente

(Hopkins, 2004) associado aos efeitos dos tratamentos, modificam os hábitos

alimentares (Sancho, 2005). Acresce a, esta lista, a perda do prazer em comer,

quando se recorre à alimentação por sonda nasogástrica ou enterogástrica. Todos

estes motivos acumulados ao inevitável medo da morte e às alterações na auto-

imagem podem levar a um stresse psicológico, perda da autoconfiança e auto-

estima, isolamento social e depressão (Hartmuller et al., 2004). O isolamento

social e o não poder participar nas actividades lúdicas e familiares decorrentes da

alimentação pode ser profundamente perturbador, quer para a pessoa doente,

quer para a família (Sancho, 2005).

A importância da alimentação não diminui com a progressão da doença. Numa

face mais avançada a sua ausência é mais valorizada do que a sua presença por

estar envolta num novo significado (Alliari, 2004). Os conceitos de alimentação e

saúde estão intrinsecamente ligados, particularmente nesta sociedade obcecada

com a dieta. Ser saudável, significa ter um estilo de vida que inclui uma dieta à

base de frutas, vegetais e carnes magras. Como deve ser confuso para os

familiares ouvirem os profissionais a dizer: comam o que quiserem quando

quiserem, tenham uma dieta rica em calorias para obter o máximo de energia

(Eberhardie, 2002). A perda de apetite e o emagrecimento pode ser um acto

confuso e contraditório, na perspectiva do familiar cuidador, se a recusa alimentar

não for entendida como um sintoma da morte e não a própria causa de morte

(Souter, 2005; Allari, 2004; Porta et al., 2004).

Em síntese, o significado simbólico da alimentação remete para o mundo dos

afectos e das emoções. Satisfaz-se uma necessidade humana básica com a

alimentação e simultaneamente recebe-se uma recompensa afectiva.

Page 26: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

26

A diminuição da ingestão alimentar, numa situação de doença irreversível, pode

ser entendidas como um desejo de morrer à fome, pior ainda, uma forma de

terminar voluntariamente com a vida. A pessoa doente é alimentada por quem

consigo contacta mais tempo, que regra geral é um familiar. As refeições em cada

família têm um código secreto de regras, sabores, partilhas e afectos. Qualquer

assunto relacionado com a alimentação toca nos medos mais profundos das

pessoas doentes e familiares, e requer que os profissionais mobilizem todos os

recursos que têm disponíveis para lhes dar apoio. As alterações alimentares são a

sombra do que mais se teme, o cancro e a morte. Este tem de ser entendido como

uma doença da família, cujas perdas se propagam pelos seus membros rápida e

sucessivamente, exigindo respostas adaptativas. É no seio da família que se

adquirem competências, se ultrapassam as crises e se escolhe, habitualmente, um

cuidador.

1.2. Familiar cuidador O amor prende-se pelo estômago

Provérbio popular

1.2.1. Família e familiar cuidador

Alimentar é esse arquétipo ancestral, forma psíquica inconsciente mas que tem

existência real, remete o Homem para a dualidade da vida e da morte. Desde os

primórdios da sua existência o Homem luta simplesmente para sobreviver. “É em

torno de tudo o que é indispensável para sobreviver que nasceram e se

desenvolveram todas as maneiras de fazer que geraram crenças e modos de

organização social” (Collière, 2003: 58). A sobrevivência implica

incontestavelmente lutar para não morrer à fome. Alimentar está na origem das

práticas de cuidar e é muito anterior à doença. Este cuidado suscita “ todo um

conjunto de reacções afectivas geradas pelo prazer e pelo desagrado, não só dos

alimentos mas também da forma de os preparar, de os dar, de os servir” (Collière,

2003: 58). Alimentar, esse cuidado essencial, naturalmente é realizado por quem

está mais próximo, a família. Neste contacto estabelecem-se vínculos afectivos e

criam-se hábitos sociais imbuídos de crenças culturais.

Page 27: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

27

“A família constitui um todo social, com especificidades e necessidades próprias,

inserida e influenciada por um sistema mais vasto de interacções sociais alargadas

à comunidade e à sociedade e pelas redes sociais formais e informais” (Ramos,

2004: 178). Cada família tem de ser encarada como um todo dado ao carácter

único e singular dos seus elementos e das suas interacções (Wright et Leahey,

2002; Relvas, 2003; Alarcão, 2002). A família é o berço onde se procura apoio

para ultrapassar situações de crise, como a doença e “normalmente se processa a

assimilação do papel de cuidador” (Sequeira, 2007: 97). A sua função é

“fundamental no sentido de proteger a saúde dos diversos membros,

proporcionando-lhes cuidados quando necessitam” (Moreira, 2001: 23 citando

Kozier et Sthanhope). O sofrimento de ter uma pessoa com uma doença terminal

na família é um enorme desafio aos limites emocionais, psicológicos e físicos de

cada elemento, que consequentemente impulsiona uma mudança na estrutura e

na organização familiar (Martins et al., 2008). O desequilibro instalado obriga à

redistribuição de tarefas e ao assumir de novos papéis. A mudança irá reflectir-se

não só na pessoa doente, mas também em todos os seus membros. À luz da

teoria dos sistemas, o que afecta um membro repercute-se nos outros (Wright et

Leahey, 2002; Hanson, 2005; Fridriksdottir et al., 2006). Daí, o cancro, ser

considerado uma doença da família.

A doença oncológica tem sido descrita como um hóspede inevitável que tem de

ser integrada na vida familiar (Syrén et al., 2006). Face a esse “hóspede” há um

elemento da família que pode ser eleito, obrigado ou subtilmente assume o papel

de cuidador. As razões pelas quais alguém se torna cuidador podem ir do

voluntarismo afectivo até à obrigação imputada no dever moral e cívico que se

acopla à família (Smith, 2004:312;Taylor et Field, 1993:182; Diniz, 2007:127). A

escolha do cuidador é feita com base nas características individuais, nas

experiencias pessoais, no contexto em que se encontra, no papel que foi

desempenhando na família e na interacção que estabelece com os outros

elementos, portanto essa escolha, de algum modo, até pode ser previsível.

Define-se o familiar cuidador ou cuidador informal como “ um membro da família,

ou alguém muito “próximo” que tem a responsabilidade primária de prestar

cuidados a quem sofre de uma doença ou requer ajuda para desenvolver as

actividades de vida diária” (Augusto et Carvalho, 2002; Smith, 2004:312; Sequeira,

Page 28: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

28

2007: 100). Estes cuidados não são remunerados, podem abranger a totalidade ou

uma parte dos mesmos, não são prestados por profissionais qualificados ou

tecnicamente treinados (Taylor et Field, 1993:182; Smith, 2004:312). A rede de

cuidadores informais estende-se aos amigos e vizinhos que, tendencialmente,

substituem o familiar quando este não está presente (Sequeira, 2007: 100,

Augusto et Carvalho, 2002; Brito, 2002; Diniz, 2007). As pessoas próximas ou

significativas, como os amigos ou vizinhos, podem ser consideradas elementos da

família pelos laços afectivos, a proximidade e a co-habitação. Estas são as novas

respostas da família às exigências sociais.

Comummente, os cuidados estão integrados na função social da mulher. As

mulheres ainda hoje aceitam com naturalidade a exigência dos cuidados, apesar

da evolução da sociedade (Sequeira, 2007: 99; Taylor et Field, 1993: 184). Os

conjugues são os primeiros membros sobre quem recai essa responsabilidade

depois os filhos e as noras (Sequeira, 2007: 100). Se a família é funcional há um

afecto profundo e genuíno, quem cuida sabe os hábitos, as preferências, os gostos

de quem é cuidado. A sua disponibilidade é total já que a qualquer momento está

ser solicitado. O que torna os cuidadores espontaneamente mediadores entre os

profissionais de saúde e a pessoa doente (Taylor et Field, 1993: 184). A existência

de conflitos latentes, por outro lado, evidencia-se em situações de crise,

comprometendo os cuidados à pessoa doente e dificultando a resolução de

problemas.

Perante um familiar com uma doença incurável e progressiva, quem cuida, “situa-

se na encruzilhada do que faz viver e do que faz morrer, do que permite viver e do

que compromete a vida ” (Collière, 2003: 58). Ao familiar cuidador é exigido que

cuide da pessoa doente quando ele próprio está num processo de

desenvolvimento pessoal a tentar lidar com o seu sofrimento de perda da pessoa

cuidada. Isto tem repercussões na sua saúde e no seu bem-estar como na saúde

da pessoa cuidada. As necessidades do cuidador podem exceder as necessidades

da pessoa cuidada (Payne et al., 1999). O que coloca o familiar cuidador numa

posição única, ser parceiro e ser alvo de cuidados (Harding et Higginson, 2003;

Kristjanson et Aoun, 2004; Dumont et al., 2006).

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29

Concluindo, a vida ao ser corrompida por uma doença progressiva e incurável

subordina o cuidar e o alimentar a uma nova consciência. Numa situação de

doença a família reorganiza-se para cuidar do seu membro doente. O familiar

cuidador é o elemento escolhido que tem de lidar com as exigências físicas,

emocionais, financeiras e sociais que de um momento para o outro a situação de

doença impõe. As suas actividades de vida diária passam a ser sobrecarregadas

pela progressiva dependência da pessoa doente. A alimentação é um desses

cuidados que passa a figurar na vida social, familiar e afectiva de forma

preocupante. O simbolismo da alimentação inerente à vida e à morte ”faz com que

o acompanhante se confronte com a sua própria morte” (Correia, 2006: 33) e viva

por isso em sofrimento. Assim, carece compreender qual o impacto das alterações

alimentares no familiar cuidador.

1.2.2. O impacto social, emocional e psicológico das

alterações alimentares no cuidador

A perda peso e a perda de apetite têm sido identificadas como mais problemáticas

para o cuidador do que para a pessoa doente. Potencialmente, estas alterações

afectam o familiar cuidador e a pessoa doente, no seu relacionamento, causam

discórdia familiar e mudam os hábitos alimentares da família (Poole et Froggatt,

2002; McClement et al., 2004; Souter, 2005; Strasser et al., 2007). Os níveis de

ansiedade nos primeiros tendem a ser superiores, especialmente em fases mais

avançadas da doença, no domicílio (Hawkins, 2000; Poole et Froggatt, 2002;

Strasser et al., 2007). Em parte, explica-se, pela diminuição da capacidade

funcional da pessoa cuidada, o tipo de cancro e a severidade dos sintomas

(Dumont et al., 2006), contudo, a recente investigação nesta área desvenda

motivos psicossociais.

Strasser et al. (2007) desenvolveram um estudo, com o método de Grounded

Theory, em que participaram 18 casais. Esta investigação focou-se, no stresse das

alterações alimentares dos homens com cancro avançado e suas parceiras. Deste

estudo, emergiu o duplo papel desempenhado pelas cuidadoras. Por um lado,

tornaram-se peritas na preparação de alimentos ao serem confrontados com a

diminuição da ingestão alimentar e a perda de peso. Por outro lado, sofreram com

Page 30: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

30

questões existenciais da antecipação da perda. Aprender e desenvolver

actividades para as quais não estão preparados tem sido uma das necessidades

instrumentais apontadas por outros estudos de cuidadores informais (Carvalho,

2007; Aoun et al., 2005; McMilllan, 2005). Pela força das alterações alimentares,

que a pessoa doente vai vivendo ao longo da trajectória da doença, este cuidado

vai sofrendo sucessivas adaptações até à cessação completa. Os hábitos diários

de comer e cozinhar alteram-se, cozinhar torna-se um desafio para o cuidador sob

a pressão da antecipação da morte (Strasser et al., 2007).

A fome é uma resposta biológica do organismo para procurar comida que molda o

comportamento alimentar dos seres humanos (Hughes et Neal, 2000). As pessoas

que perderam o apetite devido ao cancro têm esta resposta biológica minimizada

ou neutralizada. O acto de comer torna-se uma tarefa intelectual, sem prazer, sem

apetite e de sobrevivência luta para sobreviver (Strasser et al., 2007; Shragge et

al., 2007). A anorexia resulta da perda de apetite experimentada e expressada por

quem a vive. A subjectividade que lhe está inerente torna o sintoma invisível para

quem o observa (Poole et Froggatt, 2002) mas com um profundo impacto para

quem prepara as refeições e tenta alimentar. Sem apetite, comer é um desafio ou

pior impossível (Souter, 2005). Na hora da refeição o apetite é imprevisível

(Strasser et al.2007, Shragge et al., 2007). A aparência, o cheiro, as mudanças

sucessivas de alimentos que não faziam parte da rotina causam aversão (Holder,

2003; Sancho, 2005; Strasser et al., 2007) ou até desencadeiam um apetite pouco

habitual. A relação entre o não comer e o morrer à fome (Poole et Froggatt, 2002,

McClement et al., 2003; Waldrop et al., 2005) faz com que esta actividade seja

compensada pela pessoa doente, embora temporariamente, com factores

motivacionais, sociais e psicológicos (Hopkinson et al., 2006, Shragge et al., 2007,

Strasser et al., 2007). Regra geral, a pessoa doente deseja manter a ingestão

alimentar e motiva-se para isso, valorizando muito o sucesso na ingestão. (Souter,

2005; Hopkinson et al., 2006; Shragge et al., 2007; Strasser et al., 2007).

A escolha das refeições é um verdadeiro desafio para o familiar cuidador. À

anorexia somam-se as alterações do paladar e a incapacidade mecânica para

mastigar, deglutir ou digerir os alimentos. O leque de escolha alimentar disponível

diminui e a consistência restringe igualmente as opções (Strasser et al., 2007). A

preparação de alimentos exige um esforço permanente de adaptação da

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31

consistência, quantidade ou apresentação. A confusão para o familiar cuidador

surge quando os parâmetros para uma dieta equilibrada, de combate ao cancro, se

desvanecem (Hopkins, 2004). Na verdade, a ideia de ter uma dieta saudável, com

poucas gorduras, pouco calórica, pouco proteica é substituída exactamente pelo

oposto, pois são essas as necessidades da pessoa doente em fase terminal.

O peso tipicamente diminui ao longo da doença e numa fase final é acompanhado

de fadiga e de edemas, reduzindo a mobilidade da pessoa doente. A limitação

física, que a perda de peso pode acarretar, repercute-se no cuidador pela evidente

sobrecarga física necessária para o apoio e substituição em algumas actividades

de vida, se não em todas (Hudson et al., 2004; Herbert et Schulz, 2006). Há

igualmente repercussões emocionais, psicológicas e sociais (McMilan, 2005;

Dumont et al., 2006; Carvalho, 2008). A incapacidade da pessoa em ingerir os

alimentos, reunir-se com a família na hora das refeições ou recusar a comida

oferecida, tem uma carga emocional, social e cultural que raramente é reconhecida

(Souter, 2005; Sancho, 2005). A reacção a estas perdas é inevitavelmente

composta por múltiplos factores que vão além da alimentação em si.

A sobrecarga financeira durante o processo de doença estrangula a família,

inegavelmente, há um acréscimo de despesas e uma redução de lucros (Rabow et

al., 2004; McMilan, 2005). Os serviços de apoio ou são inexistentes ou não

respondem eficiente e atempadamente. A recompensa de desfrutar de uma

refeição juntamente com a liberdade para usufruir de tempos de lazer deixa

inexplicavelmente de existir (Sequeira, 2007; Taylor et Field, 1993). Não só, pela

responsabilidade e o compromisso em cuidar, mas também pelo estigma do

cancro que afasta os amigos e os familiares, criando uma sensação de isolamento

e abandono (Pereira et Lopes, 2002:16).

Oferecer e aceitar alimentos pode ser um acto simbólico de relacionamento, entre

o dar e o receber, que estreita os laços familiares (Hugdes et Neal, 2000). Isto

projecta o cozinhar e o alimentar para a dimensão da expressão de amor e carinho

(Poole et Froggatt, 2002; Hopkins, 2004; Souter, 2005; Shragge et al., 2007).

Alimentar representa, como refere Colière (2003) “o primeiro cuidado”. Nessa

medida aceitar um alimento é uma recompensa para os cuidadores, pelos

cuidados prestados (Hopkinson et al., 2006). A anorexia interfere neste sistema de

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32

recompensa influenciando o relacionamento familiar. A pessoa doente sofre por

magoar o cuidador ao não se conseguir alimentar (Strasser et al., 2007), pois

entende que o cuidador culpa-se e auto-recrimina-se quando isso acontece

(Hopkinson et al., 2006). A diminuição da ingestão alimentar e a anorexia põem em

causa a função do cuidador, a sua responsabilidade, a sua competência e a

capacidade da realização desse cuidado (Dumont.et al., 2006).

Hopkinson et al. (2006) realizaram um estudo exploratório, misto, em que

entrevistaram (32) doentes, (23) cuidadores e (14) enfermeiras especialistas em

cuidados paliativos, desenvolvendo um modelo conceptual acerca da experiência

de viver com a perda de peso em doentes com cancro, em fase terminal. Segundo

esse modelo, a experiência do peso varia ao longo do tempo. A intensidade da

preocupação depende da duração da doença e a experiência da perda de peso.

A preocupação é intensamente vivida quando a perda de peso se torna visível

numa fase avançada da doença. A pessoa apresenta-se psicologicamente

devastada, ao ponto de, o doente e a família modificarem a interpretação e o modo

de encararem as alterações de peso. As necessidades do familiar cuidador, numa

fase paliativa, excedem as da própria pessoa doente pelo medo do futuro e da

incerteza gerada pela perda (Herbert et Schulz, 2006). Os familiares têm níveis de

ansiedade relacionados com estes sintomas mais elevados do que os do próprio

doente (Hawkins, 2000; Hopkinson et al., 2006), por tenderem a valorizar mais as

mudanças físicas e emocionais (Pereira, 2006: 64; McMillan, 2005).

A alimentação é, de alguma forma, uma ferramenta com a qual controlam a

doença. Quando a perda de peso se torna visível esta parece ser vista como uma

manifestação indesejável da doença que simboliza a progressão da mesma e a

proximidade da morte (McClement et al., 2003; Hopkinson et al., 2006; Souter,

2005; Strasser et al., 2007). Os familiares cuidadores têm sentimentos de

ansiedade, frustração, incompetência, rejeição, falta de esperança, quando têm

insucesso na alimentação (Souter, 2005; Hopkinson et al., 2006, Shragge et al.,

2006). A maior parte não fala sobre as suas angústias, principalmente, as que se

ligam à morte (McClement et al., 2004). Por medo, desenvolvem acções para lutar

contra a perda de apetite e de peso (Strasser et al., 2007). Culpam-se por não

proporcionarem conforto ao doente que alivie o seu sofrimento e lhes prolongue o

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33

tempo de vida (Kristjanson et Aoun, 2004). Alguns familiares tentam, a todo o

custo, evitar qualquer arrependimento em relação aos cuidados que prestam.

Sumariando, sabe-se que a alimentação implementou-se como um acto social na

vida diária. Ao longo da doença vai sofrendo modificações pelas limitações que a

pessoa doente vai manifestando, o que na prática influencia o familiar cuidador. Os

hábitos da família quer na preparação dos alimentos, quer na sua apresentação

alteram-se. A sobrecarga do familiar cuidador deve-se ao aumento da

dependência da pessoa doente, em parte devido à caquexia e à sobrecarga

financeira. Os momentos de lazer que a alimentação proporcionava desvanecem-

se por não puderem participar em eventos sociais. Os amigos e familiares

afastam-se criando um isolamento social quando o familiar cuidador mais precisa

de apoio. A alimentação é um acto de amor que fortalece os vínculos afectivos. A

recompensa afectiva que advém do acto de alimentar é afectada pela anorexia da

pessoa doente. Face esta recusa o familiar cuidador tem sentimentos de

ansiedade, frustração, revolta e culpa, falta de esperança. As alterações

alimentares são o barómetro da doença que se tornam preocupantes com o

agravamento do cancro. A perda da pessoa doente é antecipada através da

alimentação, o que tem impacto a nível psicológico e emocional no familiar

cuidador, obrigando-o a adaptar-se a essas perdas.

1.2.3. Adaptação às alterações alimentares

O apetite é o barómetro dos cuidadores em relação ao estado de saúde da pessoa

doente. A recusa alimentar é, frequentemente, encarada como o motivo da morte e

não um sintoma da mesma (Souter, 2005). A perda de apetite faz com que fiquem

aterrorizados com a ideia do seu familiar “morrer e pior morrer à fome” (McClement

et al., 2004; Hopkinson et al., 2006, Strasser et al., 2007).

McClement et al. (2004) investigaram através de Grounded Theory, a experiência

da alimentação na fase terminal de cancro de doentes (10), familiares cuidadores

(13), familiares de doentes falecidos (10) profissionais de saúde (11). Os familiares

vivem o processo da perda de peso, ao longo do contínuo “fazer o que é o melhor”.

Neste adoptam comportamentos e estratégias dos sub-processos: “lutar contra a

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34

diminuição da ingestão alimentar” (fighting back) – é melhor comer; “a

ambivalência entre o manter e deixar partir” (Waffling); “deixar a natureza seguir o

seu curso” (letting nature take is course) – é melhor não comer. Os familiares

cuidadores que “Deixam a natureza seguir o seu curso”, continuam a tentar

alimentar, todavia, satisfazem apenas os desejos da pessoa doente e protegem-na

dos que estão a lutar contra. Os familiares que têm comportamentos ambivalentes,

oscilam entre aceitar a diminuição da ingestão alimentar, como processo natural

da morte e negar a essa diminuição, desenvolvendo acções que previnam a

desnutrição. Strasser et al. (2007) concluíram que os familiares que aceitam e

quebram o ciclo de pressão para alimentar resignam-se, mas ficam com alguns

pensamentos ambivalentes.

O comportamento de lutar contra “fighting back” processa-se através de uma série

de estratégias de encorajamento para comer sufocando significativamente as

relações na família. Em consequência, a pessoa doente tem comportamentos que

vão desde a recusa em comer até comer contrariada. As pessoas doentes relatam

que sentem uma grande pressão para comer mais do que os cuidadores têm

consciência (Shragge et al., 2007).

A pressão pode ser realizada de forma verbal ou não verbal, pedindo favores,

solicitando, vigiando, contabilizando o que come, (Strasser et al., 2007, Hopkinson

et al., 2006), chantageando, apertando o nariz, fazerem-se presentes em todas as

refeições ou terem sempre a comida preferida perto (Poole et Froggatt, 2002;

McClement et al., 2004). A presença dos familiares durante as refeições tem sido

relatada tanto como encorajadora como desencorajadora para o aumento do

apetite (Hopkinson et al., 2006). A pressão pode ainda ser exercida

inconscientemente pelo simples facto do familiar cuidador transmitir a sua

preocupação (Strasser et al., 2007).

O esforço para controlar a alimentação é uma cascata de tentativas em que se

testa e se experimenta até resultar. O esforço para manter um equilíbrio nutricional

adequado estende-se à rede de informação, comunicação social, internet,

conselhos de profissionais e não profissionais. Esta busca possibilita uma

manipulação da dieta apresentando a comida favorita, ajustando as quantidades

ou iniciando suplementos (Poole et Froggatt, 2002, Hopinkson et al., 2006,

Strasser, 2007). O cozinhar já não é primordialmente uma manifestação de amor

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apesar de o familiar cuidador assim o considerar enquanto cozinha. O facto de

haver uma diferença na forma como a perda de peso é vivida pela pessoa doente

e pelo cuidador resulta num inapropriado controlo do mesmo, que afecta a

qualidade de vida de ambos (Kristjanson et al., 1998). Os familiares e a pessoa

doente podem diferir na aceitação da doença, a pessoa doente pode estar a

desistir de se alimentar enquanto o outro ainda está a lutar contra a doença,

insistindo para comer (Strasser et al., 2007, Shragge et al., 2007). A pessoa

doente protege o cuidador não o informando do seu sofrimento (Kristjanson et al.,

1998).

Em suma, a maioria das pessoas doentes expressa a necessidade de controlar a

sua ingestão alimentar e deseja que os familiares se foquem menos na comida e

na insistência para os obrigar a comer (Holden citado por Poole et Froggatt, 2002).

O familiar cuidador perante o seu sofrimento pode sentir-se incompetente no

controlo dos sintomas, nesse caso, nega ou minimiza as alterações que observa.

Ora pode aceitar a recusa alimentar ora pode desenvolver estratégias para

controlar a alimentação.

As alterações alimentares ancoram a progressão da doença e a proximidade da

morte. O vínculo afectivo que liga o familiar cuidador à pessoa doente, por essa

razão, está ameaçado. Todo o comportamento adaptativo às alterações

alimentares contextualiza-se numa perda maior que é a morte da pessoa doente. É

com o fantasma dessa perda que o familiar cuidador tem de viver todos os dias.

1.2.4. Alimentar quando a vida chega ao limite

Ao pensar em alimentação, pensa-se na vida que nasce que brota, no conforto, no

vínculo afectivo. Pensar em cuidados paliativos, pensa-se em dignidade, qualidade

de vida e conforto. Pensa-se na vida avistando aquela curva ténue, em que o ciclo

da vida e da morte se tocam, esbatem e se tornam unos.

Aqui questiona-se quem é que se alimenta, quem cuida ou quem é cuidado? O

que se está a alimentar, a vida ou a morte? O que será necessário, um alimento

físico, emocional, psicológico ou espiritual?

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36

Nas quarenta e oito horas precedentes à morte, a fome e a sede não estão

presentes (Adam citado por Eberhardie, 2002). Inúmeros estudos revelaram que

as pessoas doentes que não comem estão confortáveis e alguns ainda relatam um

estado de euforia possivelmente relacionado com a libertação de endorfinas (Allari,

2004).

Os objectivos do suporte nutricional em cuidados paliativos modificam-se à medida

que a doença progride (Eberhardie, 2002; Holder, 2003). Assim, numa pessoa

doente cujo prognóstico é de meses ou poucas semanas, poder-se-á falar de

suporte nutricional para manter ou repor o seu status nutricional e diminuir o risco

de infecção (Rojas, 2004; Sancho, 2005). Nas pessoas que não conseguem

deglutir e absorver nutrientes por um período prolongado de tempo, o objectivo do

cuidado alimentar é um suporte nutricional por via artificial que promova uma

nutrição adequada, mantenha a hidratação e aumente o conforto (Holder, 2003;

Morss, 2006). A alimentação entérica poderá ser adequada para aqueles cuja

qualidade de vida irá melhorar porque têm fome, apresentam incapacidade e

desconforto quando se alimentam, são exemplo as pessoas com disfagia ou

doença do sistema nervoso central, tumores da cabeça e pescoço.

Uma pessoa com um prognóstico de semanas ou dias discutir-se-á a alimentação

ou hidratação com todas as considerações éticas e legais que isso implica. Nessa

altura, as intervenções visam o conforto e o alívio de sintomas enfatizando a

qualidade de vida (Rojas, 2004; Eberhardie, 2002; Hopkins, 2004; Holder, 2003). O

uso da sonda nasogástrica ou outras intervenções agressivas, numa fase terminal,

deve-se restringir aos problemas obstrutivos altos, fistulas ou a casos cuja

obstrução é a principal causa para justificar a desnutrição, a debilidade ou a

anorexia (SECPAL, 2006). A hidratação e a nutrição, nas pessoas em fase agónica

não melhoram o seu estado, a medicação pode ser administrada por via

subcutânea ou rectal (SECPAL, 2006). A tomada de decisão em relação a

intervenções nutricionais é influenciada por alguns factores como descrito no

quadro 4.

Estas considerações devem incluir os aspectos éticos e legais relativos à nutrição

e à hidratação que assentam nos quatro princípios éticos fundamentais:

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37

• consentimento informado (no doentes adultos com competência para decidir, as necessidades individuais devem prevalecer sobre as da família);

• princípio da beneficência vs não maleficência (o tratamento e o método de alimentação escolhido potencialmente promove a qualidade de vida ou uma morte digna, em vez de prolongar a vida. Quando os malefícios do tratamento ultrapassam os potenciais benefícios, estes devem ser suspensos);

• respeito pela autonomia do doente (opção de escolha do tratamento);

• justiça.

(Twycross, 2001; Holder, 2003; Eberhardie, 2002; Simone et Tripodoro, 2004).

Quadro 4 - Factores que influenciam a tomada de decisão

Diagnóstico, prognóstico e sintomas associados

Vias de administração

Tratamento e os seus efeitos

Atitudes face à alimentação, aspectos culturais, religiosos e espirituais

Alergias pró mórbidas, intolerância e aversão

Conforto e autonomia do doente

Suporte social e factores socioeconómicos

Compra, preparação e armazenamento da comida

Potencial para o isolamento social

Considerações éticas e legais

(Fonte: Eberhardie, 2002; Rojas, 2004; Sancho, 2005).

Os estudos dos cuidadores de pessoas já falecidas comprovam que as decisões

relacionadas com a alimentação lhes provocaram um grande sofrimento (Herbert

et Schulz, 2006). Rompe o próprio sofrimento, sentimento egoísta e altruísta, que

nos põe em contacto com a nossa vulnerabilidade, emoções, a antecipação da

perda do afecto, do significado de quem somos, porque simplesmente quem nos

reconhece deixa de estar ali. É nesse processo de desenvolvimento pessoal que o

projecto da vida treme e remete cada um para aquele espaço livre e desconhecido,

repleto de definições e vazio, a morte. Surge a ameaça que abala tudo o que se

conhece como certo e obriga a novas adaptações. “Não é o saber da morte que

define a ameaça” (Levinas, 1980:211) pois a “ mediatização da morte, violenta,

catastrófica, todos os dias, entra em casa pelos meios de comunicação social”

(Oliveira, 1999), já com alguma indiferença para quem a assiste. “É na iminência

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38

da morte, no seu irredutível movimento de aproximação, que originalmente

consiste a ameaça” (Levinas, 1980:211).

O cuidador sabe que há um diagnóstico de cancro sem qualquer hipótese de cura

e tem de viver com a morte no caminho. Luta, alimenta, insiste, mas a sua vontade

não a consegue subordinar, “ela não se oferece a nenhuma espécie de domínio

(Levinas, 1980:212)”. É naquele instante, em que o chronos (tempo real) pára e

amanhece o Kairos (tempo do despertar), fecham-se os olhos e,

momentaneamente, na ilusão do tempo, sabe-se que a morte está lá. Cada um

nesse instante reconhece, adapta-se e continua a viver da melhor forma possível

(Hennezel et Leloup, 2001).

Há um misto de emoções e sentimentos para quem tem de se adaptar à perda.

Emergem os medos que se foram acumulando ao longo do processo da doença,

medo do sofrimento, de não estar a fazer bem ou o suficiente, medo e impotência

perante a crescente debilidade do sofrimento físico e moral, medo do sofrimento

do outro, medo de não conseguir controlar as emoções junto da pessoa que se

ama, resolutamente o medo… (Pacheco, 2002:136; Barbosa; 2003). Esses medos

podem afectar o relacionamento entre os familiares (Pacheco, 2002), ambos

silenciam os seus sentimentos no vazio da mágoa (Doyle et Jeffrey, 2000:133).

Não se fala da alimentação, não se fala da morte. Há uma falta de controlo em

todos os dias da vida e uma falta de confiança (Aoun et Kristajanson, 2005).

Os familiares na dualidade do papel que desempenham colocam as necessidades

da pessoa cuidada à frente das suas, minimizando o seu sofrimento, esquecendo

ou adiando os seus próprios problemas de saúde (Rabow et al., 2004). Acreditam

que o seu sofrimento é inevitável e temem serem julgados se procurarem ajuda

para si (Aoun et Kristjanson, 2005).

A actual sociedade e a ciência, em particular, fizeram da morte o seu braço de

ferro. A sociedade afasta tudo o que lhe diga respeito. A ciência vê-a como um

fracasso (Barbosa, 2003; Carvalho, 2007:36).

Assim, um fenómeno natural marcado por rituais de passagem passa a ser um

tabu (Oliveira, 1999). Contemporaneamente, a “morte e o luto são vividos com

sobriedade e descrição, só se chora em privado” (Sapeta, 2007: 55). Viver o luto

individualmente pode ser emocionalmente mais perturbador.

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39

O familiar pode ter várias respostas emocionais face à perda o quadro 5 resume

essas reacções.

É um dado adquirido para todas as pessoas que ao comer vive-se, ao não comer

morre-se. Também é um dado adquirido que todos iremos morrer mas vive-se sem

pensar nisso. Presenciar a chegada da morte já não é um costume na nossa

sociedade e a espera pode não ser suportável. Tanto dura minutos como dias,

pode ser tranquila ou ruidosa, pode ser o crepúsculo ou a tempestade, tal e qual o

nascer, anuncia-se mas nunca se sabe a hora exacta. Simplesmente acontece.

Deixar de comer, a bradipneia, o estridor, a oligúria são sinais da morte, mas nem

sempre reconhecidos por quem os presencia. Quando chega a hora de lidar com a

morte, a fadiga, a incapacidade de dar conforto, o sofrimento de quem cuida

precipita a ida para o hospital (Skilbeck et al., 2005). A maioria das pessoas passa

pela experiencia de perda através dos seus recursos pessoais, “ estilos de coping”

e mobilizando os recursos sociais (Payne, 2004: 450). O luto é a maior crise que

muitas pessoas jamais terão de enfrentar (Twycross, 2001: 62).

(Fonte: Gómez- Batiste et al., 1996).

Em síntese, os objectivos nutricionais têm de ser reajustados ao longo da doença.

É lícito oferecer alimentos a quem está em fase terminal se isso lhe promover o

conforto mas é contraproducentes medidas mais invasivas, salvo nas excepções

Quadro 5 - Reacções emocionais à perda

Negação (medo de reconhecer a realidade)

Superprotecção (actuar constantemente, desvalorizando a própria pessoa doente, surge pela ansiedade que muitas vezes esconde um sentimento de culpa)

Excesso de realismo (quando dominados pelo cansaço e pelo próprio sentimento de incapacidade)

Infantilização (utilizar a mesma linguagem com que se dirige às crianças, minimizando os problemas)

Reivindicação (necessidade desmesurada de atenção por parte dos profissionais de saúde agindo com agressividade)

Incerteza (falta de domínio da realidade pelo desconhecimento)

Incapacidade (bloqueio físico e psíquico, provocado pelo medo, angústia, sofrimento, a inexperiência e falta de confiança que afecta a capacidade em cuidar)

Culpa (pelos objectivos inalcançáveis)

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como enunciado anteriormente. A hidratação e a nutrição nas pessoas em fase

agónica podem não melhorar o seu estado e interfere com a produção fisiológica

de endorfinas, que concorre para o conforto da pessoa. As decisões quanto à

alimentação devem ser abalizadas e rectificadas pelos princípios éticos e envolver

os familiares. Morrer é mais uma experiencia de vida, que por sinal remete para a

visão da eternidade, do inferno e do paraíso, do bem-estar e do terror. Sonha-se

com uma morte em paz, em segurança, tranquila, uma morte libertadora de

sofrimento. Mas aqui reside o engano, quem procura na morte a liberdade e o

objectivo, é por não saber que é na vida que ele se esconde. É esta recriação da

vida que o familiar cuidador começa a fazer ao ser confrontado com as perdas no

seu processo de luto.

1.2.4.1. Adaptação para alimentar no limite - A perda e o luto

A iminência da morte é ao mesmo tempo ameaça e adiamento.

(Levinas, 1980:214)

As alterações alimentares são mais uma perda que se avultam a tantas outras e

peneiram a perda maior, a morte. A alimentação ao ser mensageira deste

simbolismo, para além do impacto anteriormente referido, condiciona a resposta

vivencial do familiar cuidador. Sabendo que, a pessoa doente não sobrevive

porque não se alimenta, como é que o cuidador se “pode alimentar”? Como poderá

sobreviver depois desta hecatombe? O diagnóstico de cancro, a certeza da

proximidade da morte, obriga a repensar o propósito da vida, os relacionamentos,

as escolhas, sonhos e os planos futuros. Ora, procura-se uma explicação positiva,

reinventando os relacionamentos aproveitando o tempo que ainda têm, ora,

procuram-se explicações para a doença, atribuindo culpas aos outros ou ao

próprio, por não ter descoberto a doença atempadamente (Kristjanson et Aoun,

2004). O processo de adaptação é uma constante no decorrer da vida das

pessoas. Cada pessoa é “submetida permanentemente a exigências ambientais

que provocam descompensações, a todos os níveis fisiológico, psicológico, social,

espiritual, frente às quais têm de responder para repor o equilíbrio” (Gòmez –

Batiste et al., 1996: 249; Simone et Tripodoro, 2004).

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41

A perda é “uma situação de ausência de pessoas, coisas ou representações

mentais que põe em causa reacções afectivas, cognitivas e comportamentais “

(Barbosa, 2006: 380). As reacções de quem perde podem ser de maior ou menor

sofrimento consoante a natureza e a força do vínculo afectivo que os une à pessoa

ou ao objecto perdido. As reacções incluem componentes físicos, psicológicos e

sociais com uma intensidade e duração proporcionais à dimensão e significado da

perda vivida (Sapeta, 2007:56).

O luto é um processo dinâmico de transição através do qual se assimila a

realidade da perda e se desenvolvem estratégias para aprender a viver. (Lima et

Simões, 2007: 46). Há algumas teorias que servem de referência ao luto, embora

só compreendam parcialmente estas reacções. Entre elas apresentamos as

explicações de Bowlby (1998), Parkes (2002), Worden (1998) e Stroebe et Schut

(1999, apresentado por Twycross, 2001:64).

Bowlby (1998) mostrou que o mecanismo inato do comportamento de apego surge

precocemente no ser humano, pela necessidade de segurança e protecção. Os

seres humanos têm tendência para estabelecerem laços e vínculos afectivos,

dirigidos a pessoas específicas, que podem perdurar todo o ciclo de vida. A

pessoa desencadeia uma forte resposta emocional quando os vínculos afectivos

são rompidos ou ameaçados, por conseguinte, esses laços têm enorme peso na

sobrevivência. “A vinculação visa sobretudo a obtenção de solidez na relação, a

qual se traduz, entre outros aspectos, na certeza, na confiança, na estabilidade e

no amparo que a ligação proporciona” (Rebelo 2009: 23). Bowlby (1998) explica

que as respostas à perda são uma adaptação de sobrevivência. A perda e a

separação são dolorosas devido ao apego à pessoa perdida. Parkes (2002, por

seu lado, defende que o luto é uma transição psicossocial que desafia o mundo

interno e externo, que usualmente, a maioria das pessoas considera seguro,

estável e controlável. Só perante uma ameaça à sobrevivência é que as pessoas

mudam. A morte desafia qualquer um a se adaptar às mudanças relacionais,

sociais bem como às circunstâncias económicas.

Bowlby e Parkes descrevem o processo de luto normal num percurso faseado. A

evolução das suas teorias preconiza que as fases não são bem delineadas e a

pessoa pode oscilar durante algum tempo entre elas, num percurso variável de

semanas a meses. As fases determinadas são as seguintes:

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• fase de choque - dura algumas horas a semanas, pode ser interrompida por explosões de raiva ou aflição intensa. As pessoas sentem-se entorpecidas e variam quanto à negação e descrença;

• fase de procura - caracteriza-se pela busca da figura perdida. A pessoa pode experimentar raiva, incredulidade e irritabilidade, tristeza, culpa e arrependimento;

• fase de desorganização - manifesta-se pelo desespero transitório e consciencialização, há uma perda de sentido e de direcção na vida;

• fase de reorganização/recuperação - desenvolvimento de novos interesses e laços afectivos.

O processo de adaptação à doença e ao luto apresentado por Kübler-Ross (1996)

tem servido de guia a muitos profissionais. Este desenrola-se em cinco fases de

adaptação, tanto para a pessoa doente, como para o cuidador, que são: negação,

raiva, negociação, depressão e aceitação.

Worden (1998) é da opinião que a adaptação ao luto se desenvolve pela

realização de certas tarefas que necessitam de acompanhamento. Este modelo

tende a valorizar mais os aspectos cognitivos, sociais e comportamentais do luto.

Por este prisma, a experiencia de perda tem factores únicos e distintos para cada

pessoa (Roberts et Berry, 2002: 57).

As tarefas propostas para ultrapassar o sentimento de desespero que se apodera

da pessoa, assentam no pressuposto que, o encorajamento é um incentivo para:

• aceitar a realidade da perda;

• elaborar a dor da perda;

• adaptar-se ao ambiente (sem a pessoa falecida);

• reconciliar-se emocionalmente com a pessoa que morreu para continuar a viver.

Face à perda há comportamentos, sentimentos, sensações físicas e cognições

considerados normais. Estas repostas são comuns e desaparecem ao fim de

algum tempo. As sensações descritas levam as pessoas a procurarem apoio

médico. A prevalência e a intensidade das respostas podem condicionar uma

resposta de luto patológica que merece dos profissionais uma atenção particular.

O quadro 6 sumariza essas alterações.

Page 43: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

43

O processo duplo é um modelo criado por Stroebe et Schut (1999, citado por

Twycross, 2001:64; Payne, 2004: 445). Este modelo tem uma perspectiva mais

transaccional. Foca-se na interacção entre a avaliação cognitiva individual e o

ambiente. Os autores propõem que a maioria das pessoas lida com o luto

oscilando entre enfrentar e evitar. Tanto têm comportamentos orientados para a

perda como para a restauração. Tendencialmente, num processo normal, a pessoa

adoptará comportamentos mais voltados para a recuperação. O comportamento

orientado para a perda centra-se nas reacções emocionais. Passa pela expressão

de sentimentos, pelo chorar, pensar e falar da perda examinando todos os

pormenores. O comportamento orientado para a restauração permite que a pessoa

continue a viver e a realizar tarefas da vida diária. Mantêm actividades de

distracção como voltar ao emprego e estabelecer novas relações.

(Fonte: Worden, 1998; Roberts et Berry, 2002; Barbosa, 2006; Rebelo, 2007).

A experiência de ser familiar cuidador esculpe-se com características muito

particulares, sobretudo, no final da vida. Diariamente, este confronta-se com as

perdas da pessoa que ama, essas perdas também são as suas, para si tudo muda.

Desenvolve respostas vivenciais para se adaptar explicadas por várias teorias do

luto. As mudanças na sua vida podem resultar em mudança impulsionando um

processo de transição.

Quadro 6 - Respostas normais ao luto

Sentimentos Sensações físicas Cognições Comportamentos

- Tristeza - Raiva - Culpa - Remorso - Auto-recriminação - Ansiedade - Fadiga - Falta de esperança - Solidão e desamparo - Choque - Entorpecimento e

embotamento afectivo - Alívio

- “Sensação de vazio no estômago”

- “Aperto no peito” - “Nó na garganta” - Hipersensibilidade

ao barulho” - “Falta de ar” - Astenia - Xerostomia - “Sensação de

despersonalização”

- Confusão - Preocupação e

recordações recorrentes - “Sensação de presença” - Alucinações - Dificuldade de

concentração - Défice cognitivo e de

memória

- Distúrbios do sono e do apetite - Isolamento social sonhos com

a pessoa falecida - Evitar coisas que lembrem - Procurar a pessoa ausente - Suspiros - Hiperactividade - Choro - Visitar lugares ou ter objectos que lembrem a pessoa que faleceu - Ruptura da actividade

Page 44: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

44

1.2.5. Transição

A transição é uma palavra que deriva do latim “transitione”. “Significa acto, efeito

ou modo de passar lenta e suavemente de um lugar, estado ou assunto para outro;

passagem; trajecto trânsito” (Dicionário Porto-editora on-line, 2009). As transições

fazem parte da jornada da vida, este termo é herdado de teorias como a teoria de

desenvolvimento de Eriksson de 1968 ou a teoria antropológica de Van Gennep de

1960 (Collière, 2003).

A transição é “o resultado de mudanças e resulta em mudanças de vida, saúde,

relações e ambientes” (Meleis et al., 2000), foi proposta como conceito central na

enfermagem, por Chick et Meleis (1986). Posteriormente, Meleis desenvolveu uma

teoria de médio alcance com o contributo de trabalhos de investigação de diversos

autores (Bridges, 1980; Brouse, 1988; Catanzaro, 1990; Chiriboga, 1979; Clifford,

1989; Gilmore, 1990, Sawer, 1999, Messias, 1997, Schumacher, 1996, Karlik,

2002, Davies S, 2005, citando Lopes, 2006a).

As transições ocorrem num período de tempo e têm um sentido de movimento. A

teoria proposta pelos autores identifica três grandes domínios onde as

intervenções de enfermagem têm lugar. Estes são a natureza, as condições e os

padrões de resposta. A natureza da transição pode ser situacional, de

desenvolvimento e sócio-cultural. A pessoa, no entanto, pode vivenciar uma

transição tipo singular ou múltipla e nesse caso, sequencial ou simultânea,

relacionada ou não. Algumas transições estão associadas a um evento marcante e

identificável como o nascimento, a morte, o diagnóstico de doença, a gravidez,

enquanto noutras transições esse evento de vida não é identificado. Os eventos

críticos estão, muitas vezes, relacionados com um aumento da consciência da

mudança tornando o compromisso para lidar com a transição mais activo (Kralik,

2002; Davies S, 2005).

As condições pessoais (crenças, expectativas, competências) e ambientais

(sociedade e a comunidade) tanto são facilitadoras como inibidoras do processo

de transição. Face à natureza e à interacção com as condições da transição, a

pessoa apresenta um certo padrão de resposta. Os indicadores do processo

alertam para o modo como se realiza a transição. A interacção, o desenvolvimento

de confiança e a adaptação à situação são exemplos disso. No final pretende-se

Page 45: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

45

que a pessoa atinja um nível de mestria e bem-estar nas relações interpessoais. O

Esquema 1 resume a interacção dos três grandes domínios do modelo.

Em cuidados paliativos faz todo o sentido falar em processo de transição pelas

múltiplas mudanças a que a pessoa e o familiar cuidador estão sujeitos, ao longo

do processo de doença. Há pequenas transições que têm profundo impacto no

familiar cuidador (Evans W, 2006). Por exemplo, as alterações alimentares podem

ser de intenso sofrimento para quem cuida e levam à mudança de

comportamentos ao longo da doença (McClement et al., 2004; Strasser et al.,

2007). O que demonstra que este é um processo dinâmico e abrange períodos de

incerteza (Kralik, 2002).

A transição requer da pessoa capacidades para incorporar novos conhecimentos e

para alterar comportamentos (Lopes, 2006 b: 38 citando Meleis, 1991). As

mudanças no estado de saúde, ambiente ou relações são oportunidades para

aumentar o bem-estar ou expor os indivíduos a um risco acrescido de doença ou

vulnerabilidade (Meleis et al., 2000; Kralik, 2002). Facilitar as transições passa por

apoiar, compreendendo o significado da situação e das mudanças nas diferentes

crises de vida. Para isso, há que disponibilizar os meios preventivos ou

terapêuticos, tendo em conta as prioridades da pessoa e a forma única como vive

a transição (Kérouac et al., 1996).

Esquema 1- Transições: uma teoria de médio alcance Adaptado de Meleis et al. (2000).

Padrões de resposta

Indicadores do processo Sentido de pertença Interacção Orientação na pessoa contexto e ocupação Desenvolvimento de confiança e mecânismos de coping

Indicadores externos Mestria Identidades integradas e adaptada

Intervenções de enfermagem

Factores condicionantes da transição

Pessoais Significado Crenças culturais e atitudes Situação socioeconómica Preparação e conhecimento

Comunidade Sociedade

Natureza da transição

Tipos

Desenvolvimento Situacional Saúde/doença Organizacional

Padrões Simples Múltipla Sequencial Simultânea Relacionada Não relacionada

Propriedades

Conhecimento Envolvimento Mudança e diferença Linha de vida Eventos e pontos críticos

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46

As enfermeiras lidam com a antecipação ou a transição da pessoa, família ou

comunidade inserida no seu contexto sociocultural. A forma como a pessoa se

adapta a essas transições e como o ambiente as influencia são questões

fundamentais para a enfermagem (Meleis, 1991).

Resumindo, enriquecer os cuidados paliativos com o conceito de transição é

particularmente pertinente. Este conceito tão abrangente possibilita compreender a

pessoa em todas as suas dimensões dando espaço à intervenção da enfermagem

em diferentes momentos e domínios. A transição deve ser encarada como uma

narrativa de vida onde é importante conhecer o significado da doença e a

singularidade com que os problemas afectam quem a vive.

Este período, particularmente difícil para quem cuida e é cuidado, é fértil em

mudanças pela situação de doença com horizonte até à morte. Só por si, esta

condição cria uma vulnerabilidade nos intervenientes que os obriga a um

desenvolvimento pessoal. Os cuidados de conforto nesta fase são extremamente

valorizados. Comunicar é uma das áreas de intervenção dos cuidados paliativos

que promove o conforto da pessoa doente e do familiar cuidador.

1.3. Alimentação e comunicação

“Uma pessoa não pode deixar de comunicar”

Watzlawick, Beavin et Jackson (citado por Littlejohn, 1998).

Buckman (2002: 147) diz que o mais poderoso analgésico não terá valor se o

profissional não entender a dor da pessoa. Isto é, nada irá aliviar o sofrimento se

não se compreender exactamente o significado do problema de saúde para aquela

pessoa e como se manifesta na sua vida (McMahon et Pearson, 1991). Para isso é

necessária uma comunicação efectiva. “Comunicar significa partilhar, isto é,

compartilhar com alguém um certo conteúdo de informações, tais como

pensamentos, ideias, intenções, desejos e conhecimentos” (Littlejohn, 1998). Duas

pessoas ao interagirem, põem-se no lugar uma da outra, procuram perceber o

mundo como o outro percebe, antecipam a resposta do outro, face a isso adoptam

um papel (Berlo, 1985:130).

Page 47: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

47

Em cuidados paliativos, a comunicação é uma das dimensões de actuação que

concorre para a promoção do conforto e a qualidade de vida. A família e a pessoa

doente, em cuidados paliativos, têm necessidades comunicacionais específicas.

Muitas vezes, há uma discrepância entre o que a pessoa quer ouvir e o conteúdo

da informação dada pelo profissional de saúde (Jarrett et Maslin-Prothero, 2004).

Comunicar ao familiar cuidador que não há uma alternativa terapêutica para

reverter um sintoma pode ser muito difícil, se não se atender à mensagem implícita

que a pessoa está a transmitir, a antecipação da perda. Sabe-se que, falar da

morte e do morrer na nossa sociedade é complicado para todos, isso não afecta só

a pessoa doente e a família, afecta também o enfermeiro e todos os profissionais

de saúde, pois entra em linha de conta, os valores e as crenças pessoais de cada

um dos intervenientes na relação.

A caquexia-anorexia é uma situação clínica de difícil tratamento porque, muitas

vezes, é uma manifestação da progressão da doença (Porta et al., 2004) que

apenas pode ser temporariamente retardada ou revertida (Tisdale, 2003). A

incapacidade da medicina para o controlar, faz com que as enfermeiras o

considerem tabu e tenham aversão em discuti-lo (Hopkinson et al., 2006; Souter,

2005), por temerem criar tensões e agravarem a discórdia familiar sobre o assunto

(Shragge et al., 2006).

Os medos dos profissionais de não saber como comunicar, que o culpem da

situação, de dizer que não sabe como se pode resolver o problema, de não saber

como reagir perante a emoção do outro, expressar as suas próprias emoções e até

o próprio medo da morte e da doença, podem bloquear a comunicação e dificultar

o familiar de se adaptar adequadamente à mudança (Buckman, 2002). Mas, as

barreiras também estão do lado da pessoa doente e da família, que lidam com os

seus próprios medos podendo ter uma esperança não realista do prognóstico

(Jarrett et Maslin-Prothero, 2004).

A perda de apetite permanece ao longo de todo o ciclo da doença desde a fase de

tratamento até à fase terminal. Nesta última fase, os familiares envolvem-se

frequentemente em conflitos, com os profissionais de saúde e a pessoa cuidada,

defendendo o que consideram ser um suporte nutricional adequado (McClement et

al., 2003). É importante que todos os profissionais de saúde e familiares examinem

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48

e reconheçam as suas atitudes e crenças em relação à importância e significado

da alimentação e nutrição (McClement et al., 2003; Alliari, 2004), dado que,

diferentes crenças entre os profissionais de saúde e os familiares são,

habitualmente, geradoras de conflitos em relação às expectativas de tratamento.

As medidas de conforto proporcionadas por uma comunicação apropriada podem

transmitir tranquilidade, harmonizar as relações familiares, aumentar a auto-estima

e facilitar a mudança. Ao olhar para uma pessoa caquética e toda a expressão

emocional do familiar cuidador, pode tornar delicada a tomada de decisão em

relação à alimentação (Hawkins, 2000). No entanto, é essencial que o enfermeiro

balanceia as suas decisões entre o conhecimento científico e o conforto da pessoa

doente. Ao mesmo tempo espera-se que responda às necessidades de informação

e suporte emocional do cuidador, que são diferentes da pessoa doente.

1.3.1. O conforto da informação

O conforto tem sido considerado um conceito que está na essência dos cuidados

de enfermagem e com enorme relevância em cuidados paliativos. Gropper (1992

citado por Malinowski et Stamler, 2002) definiu o conforto como uma necessidade

humana básica perseguida por todos os seres humanos. Promover o conforto,

através de determinadas intervenções é um processo interactivo de descoberta,

decisão e de conhecimento da pessoa que dele necessita (Oliveira C, 2006),

conduzindo-a a um estado de bem-estar e crescimento individual (Cameron citado

por Tutton et Seers, 2003).

Neste sentido, cria-se espaço em cuidados paliativos, para compreender o

conforto como uma experiencia imediata e holística, da pessoa que experimenta

essas medidas. A pessoa doente e o familiar cuidador quando confortados

envolvem-se facilmente em comportamentos mais saudáveis. A pessoa doente

tem uma morte mais pacífica e o familiar cuidador um processo de luto mais

suavizado (Kolcaba et al., 2006). O conforto, para a pessoa doente e para o

familiar cuidador, é uma ponte para a vida que lhes dá oportunidade de viverem

com mais qualidade o tempo disponível (Morse, 1994). A satisfação das

necessidades pode advir de três tipos de conforto: alívio, tranquilidade e

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49

transcendência (Kolcaba et al., 2006). Estes cuidados focam-se em quatro

contextos: físico, psico-espiritual, sociocultural e ambiental.

Uma das medidas de conforto passa por informar e comunicar com o familiar

cuidador. Bem documentado na literatura estão as necessidades de informação e

suporte dos familiares cuidadores (Hudson et al., 2004;Harding et Higginson, 2003;

Taylor et Field, 2005). Tendo em atenção, o impacto das alterações alimentares

quer na pessoa doente, quer nas relações familiares e bem-estar do cuidador, tem

de se promover medidas de conforto multidimensionais. As necessidades do

familiar cuidador em receber informação e apoio são diferentes das necessidades

da pessoa doente e até podem excedê-las. Mas atenção, o familiar cuidador pode

não as considerar suficientemente importantes ou más, por serem inevitáveis

(Hudson et al., 2006, Payne et al., 1999), por isso não as partilham. Nem sempre a

informação dada ao familiar cuidador vai ao encontro das suas necessidades. O

familiar cuidador por aquilo que conhece da pessoa doente e sua cultura familiar

considera que a informação transmitida não é a mais apropriada e simplesmente

ignora-a. Também podem não procurar ajuda para cuidar, por acreditarem os

recursos do sistema são limitados. Daí a necessidade de uma comunicação

sensível, dirigida à pessoa acompanhada de uma atitude de disponibilidade e

abertura.

Comunicar e informar, embora sejam termos usados indiscriminadamente, são na

verdade distintos. Informar é um acto de comunicação basicamente unilateral, por

maioria de razão, não satisfaz as necessidades da pessoa doente e do familiar

(Bradley et Edinberg, 1986; Gómez- Batiste, et al., 1996), embora possa ser

tentador para quem o faça. Uma comunicação bilateral possibilita escutar e

compreender o que a outra pessoa necessita, conhecer e perceber o que entende

da mensagem. Isto, implica inevitavelmente, tempo, disponibilidade, uma escuta

activa e empática, mas certamente as consequências serão mais benéficas e com

menos sofrimento por erros de conteúdo (Bradley et Edinberg, 1986; Querido et

al., 2006). A partilha de informações é uma medida de conforto que certamente

reduzirá a sensação de abandono e incompreensão, insegurança e incerteza, com

impacto psico-emocional no cuidador e na pessoa cuidada, como também nas

relações familiares.

Page 50: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

50

Ao se abordar as questões em torno das alterações alimentares, o primeiro passo,

assenta numa avaliação cuidadosa e sistemática (da história dietética, das causas

subjacentes à perda de peso e apetite, das intervenções implementadas sem

efeito, da compreensão do contexto, do significado da caquexia-anorexia) para

determinar de que forma isso afecta a pessoa doente e o familiar cuidador (Poole

et Frogatt, 2002; Hopkins, 2004; Souter, 2005). Acontece que, a avaliação da

perda de peso e as suas intervenções, normalmente, são em resposta ao pedido

do familiar e da pessoa doente (Hopkinson et al., 2006). Esta atitude pode

comprometer o bem-estar psicológico do familiar cuidador e da pessoa doente,

bem como a identificação antecipada de factores passíveis de intervenção e

controlo.

Os familiares precisam de informação, mas anseiam por confirmar se os cuidados

que prestam são suficientes e adequados. Aguardam igualmente que lhes digam,

o que fazer e como fazer (Herbert et Schultz, 2006). O quadro 7 sintetiza algumas

medidas de conforto para os sintomas relacionados com as alterações alimentares

mais frequentes. Há ainda algumas intervenções que podem estimular a ingestão

alimentar tais como: escolher o momento em que o doente esteja menos fatigado e

não coincida com a realização de algum tratamento ou exame; adaptar a dieta ao

seu gosto, modificar a textura, oferecer pequenas quantidades. É imperioso ajustar

os objectivos nutricionais à fase da doença. Numa última fase, privilegiam-se os

alimentos que goste e na quantidade que deseja. Opta-se por alimentos calóricos

como: mousses, pudins, dando preferência à via oral.

É um desafio para os enfermeiros proporcionar um ambiente agradável e

psicologicamente confortável durante as refeições. A apresentação, o cheiro, e o

ambiente social tem um impacto considerável no apetite (Souter, 2005; Eberhardie,

2002; Sancho, 2005). Os familiares concomitantemente pretendem ser escutados

e compreendidos nas suas perdas e emoções subjacentes a estas alterações

alimentares. Então carece-se de uma visão sensível que discirna que os parceiros,

não têm só responsabilidades e obrigações, têm necessidades ocultas que os

projectam para o centro dos cuidados.

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Quadro 7 – Intervenções de enfermagem para o confor to de sintomas

Problema Intervenção de enfermagem Objectivo

Boca seca (Xerostomia )

Administrar bebidas frias ou cubos de gelo se tolerado Encorajar a higiene oral Proporcionar comidas que não sejam secas ou adicionar molhos

Manter os lábios e a língua húmida

Alteração do paladar (Digeusia)

Determinar quais os alimentos tolerados Experimentar diferentes sabores e texturas, temperaturas, de acordo com os desejos do doente Evitar as comidas preferidas quando está a ser submetido a radioterapia ou quimioterapia e quando tem náuseas

Diversificar os alimentos que são digeridos de forma a evitar a aversão

Mucosite

Manter uma boa higiene oral Usar anestésicos tópicos antes da alimentação Evitar comidas ácidas ou com temperaturas extremas. Promover uma comida mole e adicionar molhos ou líquidos a comidas sólidas Administrar medicação prescrita (anti-virais ou anti-fúngicos)

Promover a higiene oral e o conforto

Hiperosmia Alt. Olfacto)

Ás refeições evitar cheiros intensos Evitar ver e cheirar a comida fora da hora da refeição

Diminuir as náuseas reduzindo os odores mais agressivos

Náuseas e vómitos

Administrar anti-eméticos 30 a 60 minutos antes da refeição Administrar pequenas quantidades de alimentos frios de preferência, oferecer suplementos alimentares, alimentos calóricos como mousse, chocolate nos intervalos das refeições colocar cubos de gelo debaixo da língua Evitar líquidos às refeições Manter a cabeceira da cama elevada1 a 2 horas após as refeições ou encorajá-lo a estar sentado Se a comida ou os suplementos não são tolerados oferecer pequenas quantidades de líquidos Não forçar a ingestão Retirar do campo de observação a comida que estiver pendente Bochechar com água e limão ou outro colotório após o vómito

Aliviar as náuseas e vómitos Aumentar da ingestão oral

Dor Avaliar a dor e administrar analgésicos antes das refeições se prescrito. Monitorizar o efeito Promover uma posição confortável Usar terapias de distracção como música e televisão, se desejado

Evitar a dor Promover o conforto às refeições

Diarreia

Assegurar refeições fraccionadas Aumentar a ingestão de alimentos ricos em sódio e potássio tal como banana, melancia, tomate Aumentar a ingestão hídrica se observar sinais de desidratação Administrar fármacos antidiarreicos

Evitar a depleção nutricional e a desidratação

Obstipação

Encorajar a utilização de fibras e líquidos na dieta se tolerar Administrar laxantes Rever a medicação analgésica, nomeadamente dos opiáceos Promover a actividade física se acordo com as suas limitações Promover a privacidade, uma postura adequada e cómoda especialmente nos doentes acamados Toque rectal ou enema se necessário

Prevenir e aliviar a obstipação

(Fonte: Eberhardie, 2002; Holder, 2003 ; Porta et al, 2004 ; Simone et al., 2004 ; SECPAL, 2006)

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52

1.3.2. Alimentar comunicando

Como não existe nada mais precioso que o tempo, também não existe maior generosidade que o perdermos ajudando os outros.

Marcel Jouhandeau.

A progressão da doença, com o agravamento das alterações alimentares, é

permeada pela mudança de interesses que colidem em aspectos concretos da

esfera pessoal. A transição para a recusa alimentar, muitas vezes, envolve um

futuro incerto que provoca ansiedade e preocupação ao se congeminar a pior

opção possível, a morte (Evans W, et al., 2006; Sochfield et al., 2006).

O familiar cuidador espera uma comunicação sincera e honesta que transmita

informação, mas simultaneamente, que compreendam os seus problemas,

sentimentos e emoções, mantendo uma esperança realista (Buckman, 2002;

Twycross, 2001; Gómez-Batiste et al., 1996). As necessidades da família em

receber informação clara e atempadamente são significativas mas frequentemente

subestimadas (Rabow et al., 2004). Comunicar com o familiar cuidador é

importante para facilitar a adaptação emocional à doença, mostrar possibilidades

interventivas, capacitar de conhecimentos para prestarem melhores cuidados e

apresentar consequências de acções que de outra maneira poderiam ser

boqueadas.

Questiona-se o que informar?

A resposta só pode ser aquilo que a pessoa deseja ou mostra interesse em ouvir

(Schofield et al., 2006). A comunicação molda-se às necessidades de informação,

preocupações e expectativas, embora caiba ao profissional conduzir o caudal

comunicacional, há que ter presente que em demasia antecipa e amplia alguns

medos, logo há um equilíbrio que se alcança ao compreender a perspectiva da

outra pessoa. Privilegiam-se as perguntas abertas, a partir das quais a pessoa

possa falar do que sabe sobre a doença, o que já lhe foi dito, as suas

preocupações, os seus sentimentos e os seus objectivos (Schofield et al., 2006;

Twycross, 2001). Espera-se que a informação seja transmitida honesta e

faseadamente para que a pessoa se aperceba da evolução da doença, sem retirar-

lhe a esperança mas tornando-a realista (Querido et al., 2006).

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53

A incerteza vai parecer uma nota dissonante na música da vida. A incerteza do

tempo ecoa nas mudanças rápidas e sucessivas, nos sentimentos, na morte. Viver

com a incerteza cria uma grande tensão, requer que se discutam objectivos a curto

prazo, estratégias de adaptação tais como, atingir datas significativas ou esperar o

melhor, preparando-se para o pior. Pretende-se aquilo que parece simples, mas

tão complicado, viver um dia de cada vez.

Buckman (2002) sugere como um princípio prático para a partilha de informação, o

chamado “tiro de aviso”, sobretudo, quando a clivagem entre as expectativas da

pessoa e a realidade são grandes, isto é, facilitar a compreensão dos problemas

avisando que as coisas poderão ser mais complicadas do que parecem. Depois,

há que atender à mensagem verbal e não verbal da pessoa e responder às suas

emoções, mostrando compreensão pelos seus problema, corrigindo o que é

possível, confortando no que é impossível corrigir. É imprescindível, um plano que

reforce as estratégias adaptativas e envolva as fontes de apoio.

Uma palavra esperada mas não enunciada ou uma acção não realizada mas

esperada são analogamente actos comunicacionais. O silêncio e a omissão podem

comunicar de uma maneira tão forte como uma palavra proferida ou uma acção

efectivamente realizada (Rodrigues, 1990: 67).

Quem nunca suportou um “barulhento silêncio” ou numa “torrente de palavras”

encontrou o silêncio?

Um familiar, ao dar de comer a quem não quer, ao se interrogar por que não come

sem ter coragem para perguntar, ou ao perguntar não ouve a resposta, é disto que

se trata, do silêncio. Este problema do silêncio e da dificuldade comunicacional já

pode ter uma história. A conspiração do silêncio é um tema muito debatido em

cuidados paliativos e que leva os profissionais a questionarem-se quem informam

primeiro. Goméz-Batiste et al. (1996) destacam como característica pessoal dos

latinos a superprotecção e a negação, ou seja, os familiares com medo da reacção

da pessoa doente optam por não informá-la.

Portanto, a conspiração do silêncio, deve ser tratada com o familiar cuidador de

uma forma muito gradual e flexível, entendendo os mecanismos que a causam,

que até pode ser uma expressão da sua dificuldade em se adaptar à doença. Com

isso, compromete-se a rede de informação e de emoções que põem em causa a

relação familiar, promovendo o isolamento dos membros.

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54

Shragge et al. (2007), através de um estudo qualitativo, Grounded Theory,

entrevistaram (12) doentes, investigaram os processos adaptativos à anorexia dos

doentes com cancro numa fase avançada e as consequências emocionais e

sociais da diminuição da ingestão alimentar.

Destacaram que, a afirmação da pessoa doente, “eu não consigo comer” não é

produto de uma escolha racional, mas sim da adaptação à realidade da sua

doença. As intervenções psicossociais dirigidas ao cuidador visam ajudá-lo a

reconhecer esta adaptação. As intervenções devem levar o cuidador a

compreender que a pessoa doente ao comer quando quer, baixa as suas

expectativas, fomenta a aceitação e coloca a anorexia numa perspectiva que lhes

facilita controlar as consequências, emocionais e sociais, da diminuição da

ingestão alimentar. Os cuidadores devem ser encorajados a não sabotarem,

porque isso interfere com a adaptação da pessoa doente às alterações

alimentares. As estratégias coercivas para alimentar, quando a pessoa doente não

consegue, interferem com a aceitação da doença.

Alguns familiares cuidadores têm objectivos nutricionais irrealistas o que gera

conflitos com o doente e o confronto com os profissionais. As acusações de

negligência dos cuidados revelam um tema muito mais vasto e mais complicado

que a equipa vai ter de explorar (McClement et al., 2004; Souter, 2005). Há aqui

um sinal claro de que a família se sente estrangulada com muitos assuntos e

inegavelmente, a consciencialização de que o seu familiar vai morrer. A raiva, a

frustração, a impotência têm sido identificadas como sintomas frequentes dos

familiares dos doentes em fase terminal.

Na prática é importante que o enfermeiro não tome a raiva e as acusações que lhe

são dirigidas, como um ataque pessoal ao seu desempenho profissional, e

compreenda que é um S.O.S. pelo sofrimento vivido. Ao reafirmar gentilmente, que

o doente está confortável com a pouca ingestão alimentar e envidar esforços para

compreender o que consideram que seja um cuidado nutricional insuficiente,

reduz-se a raiva da família (McClement et al., 2004) e impede-se uma potencial

escalada do conflito (Souter, 2005). Envolver os doentes e familiares na

elaboração do plano de cuidados permite explorar as suas preocupações no geral,

e em relação aos objectivos nutricionais em particular (Way et al., 2002). Ao fazê-

lo, reduz-se a ansiedade e o sofrimento relacionado com a perda do apetite e

prepara-os para a progressiva evolução da doença tornando as suas expectativas

Page 55: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

55

mais realistas. Negociar os novos objectivos dos cuidados, mesmo quando não há

conflito, reduz o fardo que a pessoa doente e a família têm, a equipa pode

funcionar como um veículo catalisador para a resolução de conflitos pendentes,

que são difíceis de discutirem em família (Souter, 2005).

A grande ênfase da intervenção quer no familiar cuidador, quer na pessoa doente

é na aceitação e adaptação à falta de apetite e à diminuição da ingestão alimentar

(Twycross, 2001; McClement et al., 2004; Hopkinson et al., 2006; Shragge et al.,

2007).

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56

2. Problemática, questão de investigação e

objectivos

A transição da fase curativa para a paliativa é reconhecida como um processo

difícil caracterizado por um misto de incerteza e de emoções (Buckman, 2002;

Thompson et al., 2006; Schofield et al., 2006). Os tratamentos curativos deixam de

ter lugar e como diz Twycross (2001:17), “entra a baixa tecnologia e o elevado

afecto”. A ciência e as intervenções modestamente invasivas promovem a

qualidade de vida e o conforto físico, psicológico, social e espiritual.

A perda de peso e as alterações alimentares são quadros comuns da fase

terminal. Estes dois sintomas estão presentes em 40 a 80 % dos doentes

oncológicos em estado terminal, sendo a perda de peso um dos sintomas

precoces da doença (Holder, 2003; Porta et al., 2004). Sancho (2005) acrescenta

que 20 a 40 % dos doentes oncológicos apresentam desnutrição em menor ou

maior grau, no momento do diagnóstico, contudo este valor pode superar os 80 %

numa fase avançada. Esta síndrome é mais frequente entre as pessoas com

neoplasia pulmonar e neoplasia digestiva. Os doentes oncológicos podem perder

peso ao ponto deste se tornar fatal. A diminuição do peso em mais de 40% resulta

em morte. Geralmente, a causa da morte deve-se a infecções como a pneumonia

resultante da debilidade dos músculos respiratórios (Tisdale, 2003).

As pessoas que vivem com a perda de peso têm uma menor qualidade de vida

comparada com aquelas que mantêm o seu peso estável (Hopkinson et al., 2006:

310). A perda de peso tanto se atribuiu a mecanismos fitopatológicos próprios da

doença como a sintomas secundários da doença, como a dor (Eberhardie, 2002;

Tisdale, 2003; MacDonald et al., 2003). A intervenção medicamentosa produz

eventualmente um alívio temporário. No final de vida, a caquexia-anorexia é

intratável e irreversível (Brown, 2002).

As alterações alimentares são um dos principais problemas da pessoa doente com

repercussões em toda a família (Morss, 2006), o cuidador vê na perda de apetite e

de peso a proximidade da morte.

Page 57: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

57

Os familiares manifestam níveis de ansiedade relacionado com este sintoma, mais

elevados do que os da própria pessoa doente (Hawkins, 2000; McClement, 2004;

Souter, 2005, Hopkinson et al., 2006; Strasser et al., 2007). Eles estão envolvidos

de forma directa ou indirecta na compra, preparação e administração da

alimentação. A sua escassa ou nenhuma preparação e o pouco contacto imediato

com os profissionais de saúde tornam o seu papel mais difícil ou até mesmo uma

sobrecarga.

A alimentação está associada à vida, boa saúde, convívio porém, no final da vida a

sua importância adquire um novo significado. O desejo de fazer alguma coisa pela

pessoa doente, leva a que a alimentação seja considerada uma recompensa,

pelos cuidados prestados e pelo amor que lhe está a ser devotado. Ao não terem

sucesso no controlo da alimentação manifestam sentimentos de frustração, culpa,

ansiedade, incompetência, rejeição e falta de esperança (Souter, 2005; Hopkinson

et al., 2006, Shragge et al., 2006).

As perdas na alimentação têm um profundo impacto em quem cuida que não pode

ser descontextualizada de uma perda maior, a morte da pessoa doente. O familiar

cuidador está a viver o seu processo de transição de desenvolvimento pessoal

antecipando a perda do seu familiar e iniciando o processo de luto (Meleis et al.,

2000). A família durante a transição do viver com um cancro e morrer de cancro

tem de lidar com a incerteza do seu próprio futuro, as expectativas dos cuidados,

alterações das suas regras e a mudança de responsabilidades. Além disso, tem de

preencher a sua vida com novos significados, objectivos e projectos (Kristjanson et

al., 2004). Contudo, pouco se sabe como é que as pessoas doentes e familiares

podem ser ajudadas a viver com as alterações alimentares (Poole et

Froggatt:2002). Na prática, a alimentação em fase terminal e o confronto com a

recusa alimentar suscita alguns problemas e a necessidade de tomar decisões

difíceis.

Facilitar a transição para a recusa alimentar permite que os familiares mudem o

pensamento de curativo para paliativo, diminuam as suas expectativas irrealistas

ou a falta de conhecimento sobre a evolução da doença, consequentemente

aumentem o seu bem-estar e qualidades de vida (Thompson et al., 2006).

Compreender como o familiar cuidador faz a transição para a recusa alimentar

Page 58: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

58

fundamentará as intervenções de enfermagem que diminuam o sofrimento dos

mesmos.

Distinguir a perda de peso e a perda de apetite é difícil para os familiares, uma

coisa pode ser consequência da outra e vice-versa. Por estar documentado na

literatura como a síndrome da caquexia-anorexia, quer por os familiares o

manifestarem como um único problema, estes serão considerados neste trabalho

como uma unidade. Pela nossa experiência na prática de cuidar sabemos que esta

é uma questão melindrosa para o familiar cuidador. Por outro lado, na revisão da

literatura, só encontrámos estudos não nacionais nesta área e nenhum se

reportava ao processo de transição do familiar cuidador para a recusa alimentar

que tanto impacto tem na pessoa e família. Por considerarmos existir aqui uma

lacuna, que se torna um desafio ao conhecimento, desenhámos o presente estudo.

Surgiu então como pergunta orientadora da investigação:

Como é que o familiar cuidador experiencia a transição para a recusa alimentar do

doente oncológico adulto, em cuidados paliativos?

Para responder a esta questão propusemos os seguintes objectivos:

• Compreender a função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador;

• Compreender como o familiar cuidador viveu a progressiva recusa alimentar da pessoa cuidada até ao momento.

Depois da pergunta de partida e os objectivos do trabalho de investigação gizamos

a metodologia que nos pareceu mais apropriada para o encetar.

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59

3. Metodologia

3.1. Opção metodológica

Perante a pergunta de partida e os objectivos esboçados, a metodologia de

investigação foi alicerçada no paradigma qualitativo, sendo o estudo exploratório,

descritivo. Neste paradigma, “o investigador está interessado em compreender a

conduta humana a partir dos próprios pontos de vista daquele que actua” (Carmo

et Ferreira, 1998:177). Denzin et Lincoln, (2000) escrevem que esta implica uma

aproximação interpretativa e naturalista, na qual o investigador estuda o fenómeno

no seu meio natural, tentando interpretá-lo e alcançar o seu sentido mantendo-se

fiel ao significado que as pessoas lhe atribuem.

Resumidamente, apresentamos as características da investigação qualitativa tal

como Bogdan et Biklen (1994: 47) as definem:

• o investigador é o instrumento principal, o ambiente natural, e a fonte directa de dados;

• a investigação é descritiva; • o investigador interessa-se mais pelo processo do que simplesmente

pelos resultados ou produtos; • o investigador tende a analisar os dados de forma indutiva; • o investigador está interessado no modo com as diferentes pessoas dão

sentido às suas vidas, sendo o significado de importância vital.

Este processo é essencialmente indutivo, no sentido em que o investigador

constrói os próprios conceitos a partir dos detalhes. “Não se recolhem dados ou

provas com o objectivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas

previamente, ao invés disso, as abstracções são construídas à medida que os

dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (Bogdan et Biklen,

1994: 50).

Esta metodologia ganha contornos relevantes para a enfermagem e para os outros

profissionais de saúde que tentam investigar e dar sentido à experiencia vivida das

pessoas, ou seja, “entrar no mundo em que eles habitam e perceber o processo

social básico dos acontecimentos de saúde e de doença humanos” (Thorne, 1997

citado por Streubert et Carpenter, 2002:1).

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60

Justificamos o estudo como exploratório-descritivo (Fortin, 1999), por termos como

objectivo “proceder ao reconhecimento de uma dada realidade pouco ou

deficientemente estudada e levantar hipóteses de entendimento dessa realidade”

(Carmo et Ferreira, 1998: 47). O grande desafio para o investigador é caracterizar,

descrevendo e analisando determinado fenómeno, situação ou acontecimento com

o qual se passa por se familiarizou (Amezcua et al., 2002, Ruquoy, 1997:97).

Os estudos descritivos pretendem dar uma imagem fiel da vida, daquilo que as

pessoas pensam e o modo como actuam (Amezcua et al., 2002), clarificando a

compreensão de um dado acontecimento. Os dados são recolhidos sem o intuito

de verificar hipóteses previamente elaboradas. Antes pelo contrário, “as

abstracções são construídas à medida que os dados particulares que foram

recolhidos se vão agrupando” (Bogdan et Biklen, 1994: 50). O processo a que nos

propusemos é marcadamente indutivo, uma vez que, é nosso interesse chegar à

compreensão do fenómeno, a partir dos padrões emergentes da recolha de dados.

O grande desafio de um investigador qualitativo é estudar objectivamente os

estados subjectivos dos seus sujeitos. Foi nosso cuidado manter o rigor na

aplicabilidade dos métodos, ao longo do todo o processo. De igual modo, cientes

de que o investigador é um instrumento da investigação, mantivemos a constante

preocupação de manter um pensamento crítico e o mais isento possível de juízos

de valor, dado as nossas opiniões e preconceitos poderem enviesar a recolha e

análise dos dados. Tendo em mente que a principal preocupação era a

compreensão do fenómeno, para diminuir o efeito do observador no

comportamento das pessoas a estudar, a interacção com os sujeitos do estudo

ocorreu de forma não intrusiva.

Depois de delineada a questão de partida e o método a empregar, definimos e a

escolha dos participantes

3.2. Participantes no estudo

Delineamos como participantes do estudo, o familiar cuidador do doente

oncológico adulto, em cuidados paliativos, que apresente recusa alimentar e que

estivesse internado no Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN).

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61

Para tornar realidade este estudo, considerámos oportuno seleccionar as

medicinas do Centro Hospitalar Lisboa Norte, no pólo Hospitalar Pulido Valente.

Foi escolhida esta unidade, em detrimento de outras, por vários motivos. Primeiro,

este hospital incorpora uma unidade de oncologia médica. Legitimamos a escolha

das medicinas, por serem ainda, o lugar privilegiado de internamento dos doentes

oncológicos em fase terminal, dado as unidades de cuidados paliativos serem uma

realidade pouco desenvolvida no nosso país. Depois, o tempo de visita nesta

unidade decorre das 12 horas às 14 horas e das 16 horas às 20 horas. Em função

das restrições e da dinâmica do serviço, o familiar cuidador poderá permanecer

junto da pessoa doente, mesmo durante o período nocturno. Dado, o horário das

visitas se sobrepor ao das refeições, conjuntamente, com a possibilidade do

familiar cuidador permanecer mais tempo no serviço, pareceu-nos um factor

facilitador da detecção do problema da alimentação. Por último, mas igualmente

pertinente, tivemos um acesso facilitado ao campo, uma vez que exercemos

funções nesta instituição.

Carece esclarecer que o diagnóstico de anorexia é puramente subjectivo, depende

da pessoa doente, enquanto a caquexia obedece a parâmetros antropométricos,

estabelece-se com doseamentos analíticos, ora na prática clínica estes raramente

são avaliados e registados. Uma das considerações éticas da investigação é que

“os sujeitos não são expostos a riscos superiores aos ganhos que possam advir”

(Bogdan et Biklen, 1994:75). Não seria coerente, por essa razão, submeter a

pessoa doente a exames bioquímicos ou avaliações antropometrias

desnecessárias. Seria, igualmente, incompatível com a filosofia dos cuidados

paliativos e os princípios ético-deontológicos da profissão de enfermagem. Por

outro lado, sintoma é aquele cujo doente considera subjectivamente como doença

(Simone et Tripodoro., 2004). Assim, apenas entrarão para o estudo os familiares

dos doentes cujo a perda de peso e perda de apetite seja a experiência vivida e

sentida como tal.

A amostragem foi por conveniência adequada a estudos exploratórios “cujo os

resultados não são generalizáveis à população, mas do qual se poderão obter

informações preciosas” (Carmo et Ferreira, 1998:197).

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62

Após a escolha do campo de estudo impôs-se a clarificação de critérios de

inclusão dos participantes no estudo. Estabelecemos os seguintes critérios:

• Familiares cuidadores que não tenham alterações cognitivas; • Familiares cuidadores de doentes oncológicos adultos em fase terminal,

que quantifiquem a preocupação com as alterações alimentares igual ou superior a 7, numa escala numérica de 1 a 10;

• Familiares cuidadores de doentes oncológicos adultos, em fase terminal, que aceitem participar voluntariamente no estudo, cientes da natureza do mesmo e dos objectivos propostos.

A questão da grandeza da amostra depende da heterogeneidade do público e do

grau de complexidade dos objectivos da investigação (Ruquoy, 1997:104). O

critério para a procura de dados representativos reside na condição de serem

seleccionados sujeitos e contextos onde a experiência esteja a decorrer. O critério

que determina o valor da amostra faz-se em função da adequação aos objectivos

do estudo (Ruquoy, 1997:104).

A colheita de dados será interrompida quando as perspectivas se revelarem

repetitivas, atingindo o ponto de saturação (Denzin et Lincoln, 2000). Uma das

restrições para amplitude da recolha de dados é o tempo que se dispõe (Bell,

2002).

A escolha e a construção do instrumento de recolha de dados são outro passo da

investigação que será discutido na divisão seguinte.

3.3. Instrumento de colheita de dados

A escolha da técnica de recolha de dados depende das questões e dos objectivos

aos quais se pretende responder e tem de ser adaptada método de investigação.

Para o nosso estudo equacionámos que seria pertinente como instrumento de

recolha de dados, a entrevista, pois poderíamos “ retirar das entrevistas

informações e elementos de reflexão muito ricos” (Quivy et Campenhoudt, 2005:

193).

A entrevista, em senso comum, subentende-se como uma conversa informal entre

duas ou mais pessoas. Cai no âmbito da investigação quando se interpela como

uma técnica de obtenção de informação relevante para os objectivos de um estudo

(Valles, 2003).

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63

Fontana et Frey, (2000) consideram que a entrevista é um dos caminhos mais

comuns e poderosos pelos quais tentamos compreender os seres humanos.

Todavia, não podemos esquecer que qualquer discurso deve ser considerado pelo

que é, um meio de apreender as práticas que “fornece uma imagem real

correspondente à percepção selectiva que o locutor tem dele ”(Ruquoy, 1997:90).

Optamos por uma entrevista semi-estruturada que possibilita ao entrevistado

estruturar o seu pensamento, em torno do objecto perspectivado. A entrevista

semi-estruturada facilita a definição do objecto de estudo e torna-se um veículo

para o aprofundamento de pontos que ele próprio não se iria lembrar. Do mesmo

modo, reduz do campo de interesse as diversas considerações para as quais o

entrevistado naturalmente se deixa arrastar (Ruquoy, 1997:87; Fontana et Frey,

2000; Valles, 2003).

Ao escolhermos a óptica da entrevista semi-estruturada estávamos conscientes

que podíamos seguir a linha de pensamento do entrevistado dando-lhe liberdade

para desenvolver os temas com a profundidade que ele entendesse. O

entrevistado podia expressar as suas crenças, sentimentos, motivos e

representações (Bell, 2002), embora, criássemos um guião de entrevista que

zelasse pelo objectivo do estudo. O guião foi elaborado tendo em conta o

conhecimento que detínhamos pela experiência da prática de cuidados e pela

revisão da literatura elaborada previamente. Deste modo, considerámos ter a

liberdade suficiente para colher dados que contribuíssem para a compreensão do

processo de transição do familiar cuidador para a recusa alimentar.

Desta feita, e ponderando os objectivos gerais do estudo e a limitação temporal a

que estávamos sujeitos para desenvolver a investigação, arquitectámos os

objectivos específicos para a entrevista:

• Caracterizar o familiar cuidador e a pessoa cuidada no contexto da doença; • Compreender a função da alimentação para a estrutura de cuidados do

familiar cuidador; • Compreender como é que a recusa alimentar afecta o familiar cuidador; • Conhecer as estratégias que utiliza para se adaptar; • Compreender a recusa alimentar no momento presente.

Seguindo as linhas delineadoras do guião de entrevista (anexo1) propostas por

Estrela (1994), criamos cinco blocos:

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• legitimação da entrevista e motivação; • caracterização do entrevistado e da pessoa cuidada; • função da alimentação; • vivência da recusa alimentar ao longo da doença; • compreensão da recusa alimentar pelo familiar cuidador no momento

presente.

A escolha destes blocos e as respectivas questões orientadoras têm a sua

explicação. No primeiro e segundo bloco, era de nosso interesse apresentar o

estudo para que os objectivos da investigação ficassem claros para o sujeito,

criando um ambiente de partilha que o motivasse e reforçasse a importância da

sua colaboração. Concomitantemente, obtínhamos dados que permitissem

caracterizar o sujeito e o seu familiar. No terceiro bloco temático, as questões

redigidas, ambicionavam compreender como o familiar entendia a alimentação a

nível conceptual e ao nível do vivido, compreendendo a função da alimentação

para o familiar cuidador. O quarto bloco tencionava caracterizar as alterações

alimentares ocorridas ao longo da doença, a interpretação dos motivo para as

mesmas e as estratégias que adoptava face a isso.

O último, aglomerava as questões que poderiam criar alguma tensão emocional,

por se focarem mais no aspecto simbólico da alimentação e na proximidade da

morte. Desejávamos aceder às emoções que a recusa alimentar ia despoletando

ao longo da doença, assim como encaravam actualmente a recusa alimentar.

Realizámos duas entrevistas pré-teste. Após isso, tivemos de introduzir apenas

uma questão caracterizadora do contexto da doença como pergunta introdutória,

pela sua emergência nestas entrevistas.

Para a escolha dos participantes no estudo, aplicámos uma escala numérica, na

qual o familiar cuidador quantificava entre 1 e 10, a sua preocupação com as

alterações alimentares. Sendo incluídos no estudo os que quantificavam a

preocupação igual ou superior a intensa. Entenda-se que a preocupação com as

alterações alimentares correspondia a:

• sem preocupação - 0 • ligeira - entre 1 a 2 • moderada - entre 3 a 6 • intensa - entre 7 a 9 • máxima -10

Desenhado o estudo e o guião de entrevista iniciámos o período de recolha de

dados.

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65

3.4. Recolha de dados

Guiados por princípios éticos efectuámos um pedido formal, por escrito ao

Conselho de Administração do CHLN que foi submetido ao parecer da comissão

de ética do hospital (anexo 2). Neste pedido constava um sumário do projecto de

investigação, onde apresentámos o problema e os objectivos do estudo, a quem

se dirigia e quais os recursos necessários. Anexado ao mesmo foi um guião de

entrevista, bem como o documento de pedido de consentimento para a realização

das entrevistas e para a utilização da informação disponibilizada (anexo 3).

Posteriormente, foram promovidos contactos informais com as enfermeiras chefe

dos vários serviços, com o intuito de apresentar o estudo e pedir sua colaboração

quer na disponibilização de recursos físicos, quer na sensibilização da restante

equipa de enfermagem para o decorrer do estudo. Após isso, fizemos duas visitas

por semanas aos serviços. Estas tinham por objectivo, conjuntamente com o

enfermeiro de serviço responsável, identificar pessoas com doença oncológica em

fase paliativa que tivessem alterações alimentares.

Sabemos à partida que, a hora da visita é a altura mais favorável para o contacto

com os familiares, principalmente ao fim-de-semana, por norma estes

permanecem mais tempo no hospital e têm uma maior disponibilidade em dialogar.

Partindo deste pressuposto, quando a pessoa doente estava consciente e

orientada no tempo e espaço, estabelecíamos uma primeira abordagem. Neste

encontro expúnhamos o estudo e solicitávamos a sua colaboração para identificar

o familiar cuidador, que estivesse interessado em participar no estudo.

Procurávamos saber em que horário de visita estaria presente para que este

contacto fosse pessoalmente realizado. Caso a pessoa doente estivesse

desorientada ou inconsciente, combinávamos previamente, com o enfermeiro

responsável da pessoa doente nesse turno, que nos informasse da presença de

familiares. Assim, na hora da visita tínhamos uma primeira conversa informal com

o familiar cuidador ou com outro elemento de ligação ao cuidador. Estes contactos

aconteceram primordialmente ao fim-de-semana como se previa.

Neste tempo de contacto informal, com o familiar cuidador, enunciávamos o

problema de investigação e os objectivos do estudo, solicitando a sua participação.

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66

Pedíamos ainda para quantificar, numa escala numérica de 1 a 10, a sua

preocupação com a recusa alimentar ao longo da doença, sendo 10 o máximo de

preocupação e 0 sem preocupação. Face a esta avaliação determinávamos se a

pessoa obedecia aos critérios de inclusão no estudo. Se os critérios estivessem

reunidos, então, combinávamos uma data para a entrevista de acordo com a

disponibilidade do participante.

Foram entrevistadas 10 pessoas com idades compreendidas entre os 36 anos e os

46 anos, oito eram do sexo feminino, quatro esposas e quatro filhas e dois do sexo

masculino, filhos. Seis dos entrevistados caracterizaram a sua preocupação como

máxima, tendo a quantificado na escala numérica em 10, três quantificaram em 8 e

apenas 1 em 7. O quadro 8 resume a caracterização dos entrevistados.

Quadro 8 - Caracterização dos entrevistados.

Entrevistado Idade do cuidador

Familiar cuidador Profissão

Quantificação da preocupação com as

alterações alimentares

E1 49 esposa empregada de limpeza 10

E2 41 filho gestor 8

E3 46 esposa engomadeira 8

E4 54 filha técnica de contas 10

E5 42 filha auxiliar de acção educativa 7

E6 56 esposa auxiliar de acção médica 10

E7 50 esposa operária da pastelaria 10

E8 54 filha auxiliar de acção médica 10

E9 36 filha operadora de hipermercado 8

E10 38 filho profissional de seguros 10

As pessoas doentes ou tinham neoplasias primitivas ou apresentavam metástases

localizadas no sistema digestivo. As suas idades variaram entre 55 a 87 anos de

idade, só quatro eram do sexo feminino, duas cuidadas por filhos e duas por filhas.

Todas as pessoas doentes faleceram no ano de 2008. Três pessoas faleceram

horas após a entrevista e duas pessoas, no dia seguinte. As restantes faleceram

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num período de uma a duas semanas após a entrevista, à excepção, de uma que

faleceu um mês após a entrevista.

O quadro 9 resume a caracterização da pessoa doente.

Quadro 9 - Caracterização da pessoa doente

Familiar do entrevistado

Idade da pessoa doente

Sexo Diagnóstico Data do diagnóstico

E1 55 M neoplasia da próstata com metástases ósseas e intestinais 2004

E2 79 F neoplasia do uretélio infiltrativo com carcinomatose peritoneal

Janeiro 2008

E3 65 M neoplasia da bexiga com carcinomatose peritoneal 2003

E4 87 M neoplasia oculta em fase terminal

Maio 2008

E5 72 M neoplasia do colón com metástases hepáticas e

pulmonares

Janeiro 2008

E6 70 M adenocarcinoma gástrico com

metástases pancreáticas e biliares

Abril 2008

E7 77 M neoplasia colón com metástases, hepáticas, pulmonares e renais 2003

E8 76 F carcinomatose peritoneal Junho 2008

E9 78 F neoplasia da mama com

metástases pulmonares e hepáticas

2005

E10 85 F neoplasia gástrica com metástases hepáticas e

pulmonares

Maio 2008

As entrevistas individuais, face a face, decorreram entre Janeiro a Outubro de

2008. A duração das entrevistas oscilou entre vinte e cinco a noventa minutos.

Estas decorreram no gabinete da enfermeira chefe ou num outro gabinete do

serviço, num ambiente calmo, com poucas interrupções, em que pudemos dispor

do mobiliário. Tal, a par do respeito demonstrado pelo entrevistado, através de

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68

uma posição neutra e aberta às suas opiniões, facilitamos a interacção progressiva

do mesmo, o que transpareceu na riqueza dos dados. Após a autorização para a

gravação áudio da entrevista, o gravador foi colocado entre o entrevistador e o

entrevistado.

A entrevista semi-estruturada possibilitou ter um guião que orientasse as

perguntas a formular e simultaneamente deu-nos a liberdade para questionar

segundo o discurso do sujeito, motivando-o a responder e a transitar de temas.

Durante o decorrer da entrevista utilizamos algumas técnicas que facilitadoras que

apoiar e encorajar o discurso do sujeito, como a recapitulação, clarificação,

silencio, reafirmar e repetir. Com o intuito de não perder alguns aspectos que eram

pertinente para a interpretação dos dados, fomos fazendo anotações da linguagem

não verbal do sujeito. Após parar a gravação, em conversa com os entrevistados

surgiram temas que não tinham sido focadas ao longo da entrevista e das quais

tiramos notas escritas ou colocamos novamente em gravação áudio.

Perante os recursos que disponhamos e a limitação temporal, obrigatoriamente

imposta para a realização do trabalho, procedemos à realização duas entrevistas

pré-teste que não foram utilizadas, e dez entrevistas, com a limitação de que estas

não saturaram os dados. Foram realizados contactos com mais cinco pessoas,

mas duas delas não compareceram na data marcada, outra recusou em dar a

entrevista por razões emocionais no segundo contacto, e os outros foram

excluídos por a pessoa doente ter falecido pouco antes da realização da

entrevista.

A gravação áudio das entrevistas e a transcrição do “verbatim” possibilitaram

aumentar a fidelidade do discurso dos participantes, para a futura análise.

3.5. Tratamento dos dados

Após terminada a recolha de dados segue-se a fase de tratamento e análise dos

mesmos. “O tratamento de dados está relativamente formalizado, quer se trate de

dados qualitativos, quer se trate de dados quantitativos” Lessard-Hérbert et al.,

(2005:117). Para Miles et Huberman (citado por Ruqoy, 1995:123), na análise

qualitativa, articulam-se três actividades cognitivas que são a redução dos dados,

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69

apresentação e organização para fins comparativos, e a sua interpretação

/verificação.

A transcrição do registo áudio das entrevistas é um procedimento moroso, todavia,

permite a familiarização com a informação obtida e o retorno ao ambiente real. Ao

findar a transcrição de cada entrevista foi atribuído um número, de acordo com a

sequência das entrevistas realizadas, esse código foi utilizado durante o

tratamento e análise. Após a transcrição das entrevistas procedemos à análise de

conteúdo das mesmas, como proposta por Vala (1999).

A análise de conteúdo é o termo genericamente utilizado para designar o

tratamento de dados. Vala (1999: 103), parafraseando a definição de Krippendorf,

definiu-a como: “uma técnica de investigação que permite fazer inferências, válidas

e replicáveis, dos dados para o seu contexto” Amezcua et Toro (2002)

acrescentam que é um conjunto de métodos e procedimentos de análise de

documentos que põem ênfase no sentido do texto. Na análise de conteúdo

procede-se à “desmontagem do discurso através de um processo de localização –

atribuição de traços de significação resultantes da relação dinâmica entre as

condições de produção de discurso a analisar e as condições de produção da

análise” (Vala, 1999:104).

As categorias foram estabelecidas à “posteriori” pois surgiram indutivamente a

partir dos dados (Maroy, 121). Vala (1999) refere que a análise de conteúdo do

tipo indutivo é auto-geradora de resultado. Escolhemos não ter uma grelha de

análise prévia, pelo facto de não querermos impor categorias, que não

satisfizessem o sentido da situação que desejávamos descrever e compreender.

Assim realizámos várias leituras do texto da entrevista, de modo a avaliar as

características e as possibilidades de análise (Estrela, 1994). As respostas às

perguntas constituem o corpus a analisar. A primeira fase após várias leituras

passou por estabelecer unidades básicas de análise, as unidades de registo. Estas

são um segmento determinado de conteúdo, conjunto de palavras, frases ou

parágrafos que podem exibir uma ideia central e unitária e estão submetidas a

uma mais ampla (Estrela, 1994). A unidade de contexto é o segmento mais largo

que o analista examina quando caracteriza uma unidade de registo e tomámo-la

como a entrevista. Seguidamente, reduzimos a informação das unidades de

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70

registo em unidades de significação. A técnica de tesoura e cola, sugerida por

Estrela (1994), facultou que o texto fosse dividido em fragmentos e agrupados

pelas várias categorias de acordo com as ideias subjacentes. Desta feita foi mais

fácil de reformular as categorias à medida que novos elementos surgiam.

Indutivamente, criamos as categorias e dentro destas integrámos unidades

menores, as subcategorias criando-se a estrutura de análise. A categoria é

constituída por um termo chave que indica a significação central do contexto que

se quer apreender, e de outros indicadores que descrevem o campo semântico do

conceito Por fim, explicámos a relação dinâmica entre as diversas categorias

interpretando assim a realidade dos dados que estávamos a analisar.

Ao definirmos as categorias pretendemos que fossem objectivas, explícitas, sem

ambiguidade e pertinentes, no que se refere à relação com os objectivos e o

conteúdo a ser classificado. Em concordância com o preconizado por (Vala, 1999)

para a exaustividade e exclusividade, assegurámos que todas as unidades de

registo foram agrupadas nas categorias e a mesma unidade de registo incluída

apenas numa categoria

Uma vez, construídas as categorias de análise de conteúdo, estas foram sujeitas a

um teste de validade interna. A validação interna da análise de conteúdo foi

realizada por dois júris. O orientador e uma professora da Escola Superior de

Enfermagem de Lisboa, com licenciatura em enfermagem e em ciências da

educação, e mestre em ciências da educação. Assim, realizámos uma análise de

conteúdo do tipo indutivo, em que procedemos ao desmembramento do texto em

unidades de registo, unidades de significação e reunimo-las em categorias. Desde

a concepção do estudo até ao seu final foi nossa preocupação salvaguardar os

princípios éticos que já têm vindo a ser referidos no texto.

3.6. Considerações éticas

No que respeita às considerações éticas relativas à investigação vários autores

destacam duas questões centrais, o consentimento informado e a protecção dos

sujeitos contra qualquer espécie de danos (Bogdan et Biklen, 1994:75; Carmo et

Ferreira, 1998: 265).

Page 71: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

71

Guiados por estes princípios, apresentámos um pedido formal à comissão de ética

da unidade escolhida como campo de investigação. Ao pedirmos colaboração do

participante para a realização da entrevista, identificámo-nos e apresentámos de

forma clara o tema do estudo, esclarecendo os objectivos do mesmo. Essa

preocupação foi transposta para o material escrito de modo que, a informação

recolhida não lhes possa posteriormente provocar qualquer transtorno futuro.

Pedimos autorização para a gravação áudio da entrevista e garantimos que os

dados seriam tratados com confidencialidade e a sua identidade protegida.

Elaboramos um documento no qual o participante autorizou por escrito a utilização

dos dados para efeitos do estudo.

O tema a ser investigado, tocava em situações de perda e morte, o que

eventualmente, despoletaria reacções emocionais que os pudessem perturbar, foi

enfatizado que poderiam interromper ou terminar a entrevista quando sentissem

necessidade. No decorrer da mesma tomámos medidas que protegessem o bem-

estar dos sujeitos pela resposta emocional que neles despoletou.

Page 72: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

72

4. Apresentação e análise dos principais

resultados

De acordo com Vala (1999) e numa perspectiva de análise indutiva procedemos à

análise do texto, numa operação de desmembramento das unidades de registo em

unidades de significação. Posteriormente, realizámos o seu agrupamento em

categorias, subcategorias, subsubcategorias.

Pelo exercício das inferências ultrapassámos a barreira da descrição e fizemos

emergir a mensagem implícita que está no discurso. Em anexo está um exemplo

da análise efectuada a uma das entrevistas (anexo 5).

A recusa alimentar é comum às pessoas doentes que estão a vivenciar esta fase

da sua vida. Os familiares cuidadores entrevistados quantificaram a sua

preocupação numa escala numérica de 1 a 10., como recordamos, no quadro 1.

Quadro 10 – Quantificação da preocupação com as alterações alimentares

Número de entrevistados Quantificação na escala numérica

1 7

3 8

10 10

Por não termos saturado os dados, apenas poderemos dar um contributo para a

compreensão do processo de transição do familiar cuidador para a recusa

alimentar. Por conseguinte, o processo de transição do familiar cuidador para a

recusa alimentar tem uma evolução temporal que categorizamos, numa sucessão

de fases, apenas para facilitar a sua interpretação. Na realidade, o processo é

variável de pessoa para pessoa, há quem viva só uma fase, contudo, há quem

faça um percurso entre várias etapas e estagne num.

A par com o processo de transição para a recusa alimentar, o familiar cuidador

está a viver um processo de desenvolvimento pessoal. O desenvolvimento pessoal

do familiar cuidador é reactivo ao processo de doença da pessoa cuidada. Sem a

Page 73: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

73

explicação do processo da pessoa cuidada não seria tão perceptível a

compreensão do processo que o familiar cuidador está a viver.

Da análise dos dados apresentamos as seguintes categorias:

• processos de transição do familiar cuidador;

• factores do contexto da alimentação que condicionam as respostas vivenciais ;

• factores do contexto da doença que condicionam as respostas vivenciais ;

• respostas vivencias do familiar cuidador face à rec usa alimentar,

• respostas vivenciais no contexto da doença .

Verificámos, pelos nossos dados, que existem um conjunto de factores que

condicionam as respostas vivenciais do familiar cuidador à recusa alimentar. Estes

factores condicionantes são inerentes quer ao contexto da alimentação, quer ao

contexto da doença. A compreensão destes factores e sua influência varia ao

longo do tempo.

Nos subsequentes capítulos descrevemos as categorias e fazemos uma

interpretação dos resultados. No final, pelas inferências que os dados nos

permitiram fazer, escrevemos o contributo que esta investigação dá para a

compreensão do processo de transição do familiar cuidador esquematizado por

fases.

4.1. Processos de transição do familiar cuidador

A Categoria, processos de transição do familiar cuidador, subdivide-se em

duas subcategorias.

Por sua vez, em cada subcategoria há duas subsubcategorias. Estas

correspondem à adaptação que o familiar cuidador faz à recusa alimentar e à

doença, bem como ao reconhecimento que o familiar cuidador faz das alterações

alimentares e do processo de doença da pessoa cuidada. O esquema 2 representa

essas fases.

Esquema 2 – Processos de transição do familiar cuidador.

Page 74: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

74

legenda:

Processo de transição para a recusa alimentar do familiar cuidador

• Fases de projecção da doença nas alterações alimentares;

• Fases de confronto com a recusa alimentar.

Processo de transição para o desenvolvimento pessoal do familiar cuidador

• Fases de adaptação à doença do familiar cuidador;

• Fases de reconhecimento da evolução da doença.

Morte iminente Recusa absoluta

Fase Diagnóstico Alerta com as

alterações físicas

Despertar para a doença Sem recusa alimentar

Fase Paliativa Consciencialização da proximidade da morte

Entre aceitar e o negar a morte

Recusa alimentar sistemática

Fase Curativa Confirmação da doença

Lutar para viver Recusa alimentar inicial

Morte iminente Recusa absoluta

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75

4.1.1. Processo de transição para a recusa alimentar do

familiar cuidador

• Fases da projecção da evolução da doença nas altera ções

alimentares, pelo familiar cuidador

Com base nos dados podemos inferir que o familiar cuidador assume como

barómetro da evolução da doença as alterações alimentares. Inicialmente, a

pessoa doente manifesta perda de apetite, disfagia, epigastralgias, redução

gradual da quantidade ingerida, recusa de sólidos. O familiar cuidador considera

estes sintomas alarmantes e isso fá-lo despertar para a doença .

À medida que a doença progride e os sintomas ficam incontroláveis, o familiar

cuidador, começa a fase de lutar para viver onde há consciencialização do

agravamento da doença pelo reconhecimento do agravamento dos vómitos, as

náuseas sistemáticas, a diminuição da ingestão alimentar marcada e o

emagrecimento progressivo da pessoa doente.

A consciencialização da proximidade da morte instala-se quando reconhece que a

pessoa doente continuará a emagrecer, admitindo que a pessoa doente morrerá

independentemente de a alimentar, iniciando-se a fase entre o aceitar e o negar

a morte .

As manifestações severamente marcadas na aparência física, o sentimento de

ausência da pessoa cuidada às refeições, o deixar de alimentar a pessoa ao jantar

levam o familiar cuidador, progressivamente, a compreender a incapacidade da

pessoa em se alimentar. “ (…) Agora não sei, mas penso que ele não tem comido

e tem deitado fora deve estar para aí com uns quarenta quilos desde que aqui

está, porque ele cada vez está mais magro. É só pele e osso, ele não se aguenta

em pé, já carne não tem nenhuma. Foi muito. Ele está com uma alteração. (…)”.

E3

Quando o familiar cuidador se aperceber que não o consegue alimentar, de forma

alguma, consciencializa-se da morte iminente .

• Fases de confronto com a recusa alimentar, do famil iar cuidador.

Page 76: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

76

As fases de confronto com a recusa alimentar, tal como as fases anteriores,

definem-se em três com uma subdivisão na última.

Inicialmente, há uma fase sem recusa . O familiar cuidador considera que a

pessoa doente não tem recusa, come bem, tem desejos alimentares que o

surpreende, tolera a alimentação ou na sua opinião, a pessoa doente força a

alimentação comendo contrariado.

Quando começam a surgir as primeiras dificuldades em alimentar a pessoa doente

o cuidador confronta-se com a recusa inicial. A pessoa doente alimenta-se só

daquilo que pede ou nem isso consegue comer. A recusa de carne e peixe

principia-se nesta fase.

Segue-se uma fase de confronto com a recusa sistemática onde o cuidador

identifica gradualmente os alimentos que são recusados. A exclusão progressiva

dos alimentos da dieta é uma escala decrescente até à recusa absoluta e morte.

Esta afirmação de um dos entrevistados caracteriza bem a recusa gradual “ (…)

Começou com aqueles desejos, começou a perder o apetite da carne e do peixe, a

fruta era a única coisa que ela comia mas depois começou a deixar mesmo de

comer a fruta até que veio mesmo parar ao hospital. (…)”E9

Por fim, o familiar cuidador depara-se com a recusa absoluta . A pessoa doente

simplesmente deixa de se alimentar.

4.1.2. Processo de transição para o desenvolvimento

pessoal do familiar cuidador

• Fases de reconhecimento da evolução da doença

Numa fase inicial, o alerta para a doença, emerge com sintomas como dor

localizada, aumento da debilidade física, alterações cutâneas, alterações da

marcha, obstipação, apatia, metrorragias. Estes sintomas são o impulso para

recorrer ao médico e realizar exames auxiliares de diagnóstico.

O familiar cuidador tem a confirmação da doença, o cancro, através da

informação dada pelo médico e pelos relatórios dos exames de diagnóstico

realizados.

Progressivamente, com a evolução da doença, há uma consciencialização da

proximidade da morte . Os indicadores dessa evolução são o aparecimento de

Page 77: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

77

metástases que não cedem aos tratamentos curativos de quimioterapia. Por isso,

são informados da interrupção desses tratamentos. As intervenções seguintes são

para controlo de sintomas e aumento da qualidade de vida, puramente paliativas.

Os internamentos são mais frequentes e com intervalos de tempo menores.

A pessoa doente fica mais dependente, desorientada e tem mais fadiga. O familiar

cuidador acredita que a pessoa fica mais deprimida e desiste de viver, ao

reconhecer a gravidade da doença. Todos os entrevistados reconhecem a

proximidade da morte.

Por último, a consciência da morte iminente. Nem todos os familiares

reconhecem os sintomas da agonia, mas os que reconheceram referem que a

pessoa fica sem energia vital e perde “ (…) o brilho no olhar (…)” E8. A creditam

que o seu familiar tem consciência que está a morrer.

• Fases de adaptação à doença do familiar cuidador.

O diagnóstico para o familiar cuidador é uma surpresa súbita e inesperada. A

primeira reacção passa por desconfiar de erro no diagnóstico e nos tratamentos

realizados. Porém, os sucessivos exames auxiliares de diagnóstico fazem-no

suspeitar que poderá ser uma doença grave.

Passa-se à fase curativa . O médico informa o familiar cuidador do cancro. Nesta

altura, a expectativa de viver é muito grande, a esperança na cura transparece na

motivação da pessoa doente para viver. Acredita na cura, e desconfia do

diagnóstico e de erros no tratamento. Há a esperança de levar a pessoa doente

para casa com qualidade de vida após o primeiro internamento.

Progressivamente com a evolução da doença há uma consciência da proximidade

da morte.

O familiar cuidador ao se consciencializar da proximidade da morte, na fase

paliativ a, não se sente preparado para a perda, não a aceita emocionalmente

Quer acreditar que o seu familiar melhora, sabendo que ele vai morrer. “ (…) [Até

lá, a gente sabe [que vai morrer]. Os médicos dizem que não há nada a fazer, mas

a gente no fundo ainda pensa, pá! se calhar ainda vai melhorar (…)”E9

Nem todos os familiares reconhecem os sintomas da agonia. Quando os

reconhecem sofrem com a espera da morte iminente referem que, “ (…) esta

espera é uma agonia (…)”E9

Page 78: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

78

4.2. Factores do contexto da alimentação que

condicionam o processo de transição para a

recusa alimentar

A categoria, factores do contexto da alimentação que condicionam as

respostas vivenciais, tem como subcategorias:

• motivos para a recusa alimentar;

• função da alimentação;

• intervenção dos profissionais de saúde;

• crenças da soroterapia.

4.2.1. A interpretação dos motivos para a recusa

alimentar

A interpretação dos motivos para a recusa alimentar , por parte do familiar

cuidador com as suas subsubcategorias está sintetizada no esquema 3.

Esquema 3 – Motivos para a recusa alimentar

A interpretação dos motivos da recusa alimentar também sofre uma evolução ao

longo da doença. Numa fase inicial, o familiar cuidador atribuiu estes motivos a

sintomas da própria doença e a factores relacionados com a personalidade da

pessoa doente. Entre os sintomas que dificultam a ingestão alimentar enumeram-

Motivos para a recusa

alimentar

Personalidade da pessoa

doente Sintomas

físicos Associação de motivos

físicos e psicológicos

Motivos psicológicos

Sintomas da agonia

Cancro

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79

se as náuseas, os vómitos, a anorexia, a dor, a disfagia, a obstipação, o

enfartamento ou hipos.

A pessoa doente fica mais selectiva na escolha dos alimentos, tem relutância em

experimentar novos alimentos e mostra-se renitente à mudança de consistência

dos alimentos. Além disso o familiar cuidador ao não conseguir alimentar encara

como obstáculo a personalidade da pessoa doente, referindo que é “Uma pessoa

difícil”. Os familiares cuidadores manifestaram a dificuldade em contrariar a

vontade da pessoa doente estando ela consciente e orientada.

Com o evoluir da doença são apontados como motivos para a recusa, as reacções

da pessoa cuidada à doença tais como a revolta, o desânimo, a depressão, o

desistir de viver, o desejo de morrer, bem como deixar voluntariamente de comer.

Nesta fase, há quem considere que a recusa é uma chamada de atenção.

A recusa alimentar sistemática fomenta a consciencialização da proximidade da

morte. A atribuição dos motivos da recusa alimentar oscila entre causas

psicológicas e físicas. Isto é, o cancro é uma das possibilidades explicativas

juntamente com outro motivo, entre eles, os efeitos dos tratamentos, o desistir de

viver, o não gostar dos alimentos do hospital.

Numa fase final, o motivo do cancro para recusar consolida-se. A recusa e os

vómitos já não são encarados como psicológicos, mas sim devido ao cancro. “ (…)

Começou a ficar bem claro na nossa cabeça que ele não comia por causa da

doença, como é evidente. (…)”E5. Imaginam que o cancro irá emagrecer a pessoa

até lhe provocar a morte.

Na presença da morte iminente o familiar cuidador pondera que a pessoa não

come pelos sintomas da agonia, acreditam que o corpo já não precisa e não aceita

os alimentos. A prostração e a dispneia coíbem a pessoa doente de se alimentar.

4.2.2. Função da alimentação na estrutura de cuidados

do familiar cuidador

A função da alimentação, na estrutura de cuidados do familiar cuidador ramifica-

se em subsubcategorias como apresentadas no esquema 4.

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80

Função da alimentação

Função fisiológica

Função terapêutica

Perdas na função sócio-afectiva

Função sócio-afectiva

Modificação da função fisiológica

Modificação da função terapêutica

Satisfação de uma necessidade básica

Promoção da saúde Recuperação da saúde

Ensino de regras sociais Convívio

Partilha recíproca de afectos Reunião familiar

Auxílio aos filhos Momento de companheirismo

Transmissão de amor Recompensa afectiva positiva

Valorização da função afectiva

Instrumento de luta contra a doença

Recusa alimentar como catalisador da morte

Sobrevivência

Perda da reunião familiar Perda do convívio

Recompensa afectiva negativa Perda dos horários das refeições

Perda do conceito de refeição

Esquema 4 – Função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador.

Page 81: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

81

Inicialmente, a função da alimentação divide-se em função fisiológica, terapêutica

e sócio-afectiva, sendo a última mais preponderante para o cuidador numa fase

inicial da doença.

O familiar cuidador considera que a alimentação é uma necessidade fisiológica

básica, essencial para viver. O familiar cuidador associa a uma boa alimentação a

imagem de ser forte, saudável e estar imune a doenças, promovendo assim a

saúde. No caso de ter alterações de saúde uma mudança na dieta habitual ajuda a

recuperar a saúde. “ (…) Volta e meia andava com regimes de canja de galinha, e

nós já sabíamos que andava com qualquer coisa. Isto ao fim de uma vida era mais

uma canja de galinha. Ninguém suspeitava de outra coisa. (…)”E2.

As refeições são momentos de ensino de regras sociais com a imposição de

horários rigorosos que perduram para toda a vida. Mas, a refeição quer na sua

preparação, quer na partilha são uma maneira de ajudar os filhos que trabalham

durante o dia. A alimentação é um acto social e durante a refeição vivem-se

momentos de companheirismo com os familiares ou com os amigos.

Às refeições a família reúne-se, convive e partilha afectos, “ (…) quando realmente

é a hora de estarmos juntos em família, realmente não é só alimentar o estômago,

às vezes é o que menos necessita e o que menos se alimenta. (…)”E5.

A hora da refeição permite partilhar os acontecimentos do dia, mantendo a

proximidade afectiva pautada por momentos agradáveis em família.

Vinculado à alimentação está a ideia de transmissão de amor. O elemento que

prepara as refeições da família habitualmente cozinha de modo a agradar aos

restantes, transmitindo assim o seu amor através dos alimentos.

A recompensa afectiva positiva advém tanto do prazer que os alimentos

proporcionam como dos momentos agradáveis partilhados e das recordações dos

alimentos de datas festivas. Se o elemento que cozinha não gosta dessa função,

os restantes tentam compensá-lo levando-o regularmente a restaurantes.

Na estrutura de cuidados, o acto de alimentar ao ser bem sucedido provoca no

cuidador uma sensação de conforto, alegria e vitória contra a morte.

A função sócio-afectiva da alimentação é mais valorizada pelo familiar cuidador.

Estes referiram que valorizam mais o momento de reunião familiar e de partilha

afectiva que se vive às refeições, até sentem solidão quando a família não se

reúne para esse efeito.

Page 82: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

82

Pela perda de capacidades da pessoa doente precipitam-se as perdas sócio-

afectivas muito valorizadas na alimentação. Perde-se o momento de reunião

familiar quando a pessoa doente deixa de ir à mesa, por incapacidade física ou por

se isolar na hora da refeição. Perde-se o convívio e há perda do horário das

refeições. As perdas são tantas que o cuidador considera que “ (…) os momentos

de refeição, de convívio, não existem. O que existe é um substituto (…) E2.

As perdas em torno da alimentação e no acto de alimentar são tantas que a

recompensa em alimentar passa a ser negativa. As refeições são vividas com

sofrimento. O familiar cuidador passa a ser confrontado com as situações de

recusa sistemática. Os seus esforços para alimentar são diária e frequentemente

contrariados. O acto de alimentar e cozinhar é um castigo por não saberem que

estratégias utilizar para compensar a alimentação. O simples facto de estar à mesa

é uma obrigação. O familiar cuidador sente-se constrangido ao pensar que a sua

comida pode provocar desconforto na pessoa doente ou pensar que ela gostaria

de comer e não pode.

A rejeição dos alimentos e dos cozinhados preparados com carinho, dado serem

um veículo de transmissão de afecto, passam a ser símbolo da rejeição de amor.

As náuseas e os vómitos que presenciam às refeições também têm impacto no

familiar cuidador, provocando desconforto ou perda de apetite.

A função terapêutica da alimentação passa a ser mais valorizada. A alimentação

torna-se um instrumento de luta contra a doença que o familiar cuidador consegue

manipular e controlar. Alimentar, é agora, um acto tácito de cura que fortalece o

organismo promovendo a qualidade de vida.

Porém, quando o controlo sobre a alimentação foge a consciencialização da

proximidade da morte aumenta. Modifica-se o significado da função fisiológica.

No final, alimentar é uma acto de sobrevivência e a sua ausência o catalisador da

morte. O familiar cuidador considera que sem alimentação aumenta a debilitada

física e simboliza o desistir de viver. A ausência de alimento é sinónima de morte.

No final é mais expressiva a necessidade básica de sobrevivência. Acreditam que

a pessoa te de comer para viver. Alimentar serve para mover a vida e adiar a

morte. Um dos entrevistados proferiu: “ (…) eu ia exausta para a cama ia a pensar,

tu tens de comer, tu tens de comer para viver! (…). E1

Page 83: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

83

4.2.3. Intervenção dos profissionais de saúde

A subcategoria, intervenção dos profissionais de saúde , subdivide-se nas

subsubcategorias representadas no esquema 5.

Esquema 5 – Intervenção dos profissionais de saúde nas alterações alimentares.

As intervenções das profissionais referidas pelos entrevistados foram de informar e

aconselhar. Informar sobre as futuras alterações alimentares, a progressiva

anorexia e do facto de não haver vantagem em alimentar numa fase terminal,

preparando-os para a realidade.

Aconselhar sobre as estratégias para alimentar como reforçar a ingestão hídrica,

aumentar a frequência das refeições, não insistir e oferecer sopa e fruta que seria

suficiente à refeição, reforçando com alimentos mais calóricos entre os citados

estão os pudins, gelatinas, fruta. Numa fase terminal aconselharam a satisfazer os

desejos alimentares sem restrição.

A informação dada pelos profissionais de saúde e o aconselhamento permitem ao

cuidador antecipar as necessidades da pessoa cuidada.

4.2.4. Crenças na soroterapia

A subcategoria crenças na soroterapia tem duas subcategorias que são aludidas

no esquema 6.

Crenças na soroterapia

Crenças ao manter o soro Crenças ao retirar o soro

Intervenção dos profissionais de saúde

Aconselhamento Informar previamente das alterações alimentares

Esquema 6 – Crenças na soroterapia.

Page 84: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

84

Durante o internamento, o cuidador projecta no soro algumas das suas crenças. A

manutenção da soroterapia simboliza o alívio de estar a ser tratado e ressuscita a

esperança de melhorar. Tanto acreditam incorrectamente que o soro alimenta

como consideram que, por si só, é um tratamento insuficiente para nutrir.

O acto de interromperem a soroterapia é entendido como a confirmação da morte “

(…) a gente sabe que o soro alimenta agora ela não está a soro…Tanto que

quando eu vi a minha mãe com o braço inchado e lhe tiraram o soro eu disse

pronto já está no fim (…)”E9.

Todos estes factores influenciam as respostas vivenciais do cuidador, quer nas

estratégias que passam a adoptar para alimentar, quer nas respostas emocionais

e cognitivas que irão ter.

4.3. Respostas vivenciais do familiar cuidador

face à recusa alimentar

A categoria, respostas vivencias do familiar cuidador face à re cusa alimentar,

tem duas subcategorias:

• estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente • respostas emocionais e cognitivas

Estas categorias são esquematizadas seguidamente com as subcategorias

correspondentes.

4.3.1. Estratégias do familiar cuidador para alimentar a

pessoa doente

A subcategoria estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente

subdivide-se nas estratégias focadas na pessoa, ambiente e alimentos, tal como

representada no esquema 7.

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85

Estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente

Focadas na pessoa

Compensar a alimentação

Compensar a alimentação com alimentos de maior valor nutricional

Mudar a consistência dos alimentos

Focadas no ambiente

Vigiar o que come Satisfazer a vontade da pessoa doente

Infantilizar Chantagem emocional

Coagir a comer Dar o que consegue comer

Persuadir a comer Tentar alimentar até ao fim, mesmo não comendo

Respeitar a vontade Administrar terapêutica para controlar sintomas secundários

Estratégias em torno das refeições

Actuação para controlo dos sintomas

Presença do cuidador às refeições

Mobilização de recursos

Focadas nos alimentos

Esquema 7 – Estratégias do familiar cuidador para alimentar a pessoa doente

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86

• Estratégias focadas na pessoa

As estratégias focadas na pessoa doente são essencialmente estratégias

emocionais e que tanto são realizadas de forma inconsciente como consciente.

O cuidador quando detecta as alterações alimentares passa a vigiar o que a

pessoa doente come, quer pelo telefone, quer estando presente na hora da

refeição. Procura satisfazer desejos pontuais, cozinhar os alimentos preferidos, ou

perguntar o que deseja comer.

O familiar cuidador tenta persuadir a pessoa a comer, para isso, tenta negociar a

quantidade a ingerir. Alicia-a com os alimentos que mais gostava. Se a pessoa

recusa por estar renitente a alimentos novos então o cuidador tenta explicar a

vantagem dos mesmos e mostra-lhe como os prepara.

Os vómitos podem ser um motivo de recusa incontrolável. Apesar, do familiar

cuidador reconhecer o desconforto provocado pelos vómitos tenta convencer a

pessoa doente a ignorá-los para se alimentar e alicia-a com o prazer que teria com

a sua comida preferida. Por outro lado, aconselha a não fazer reforço hídrico, a

aumentar a frequência das refeições e a diminuir a quantidade em cada uma

delas.

Recorre, de igual modo, à terapêutica prescrita para controlar sintomas

secundários, como as náuseas, vómitos e a obstipação, que impedem a ingestão

alimentar. Porém, nem sempre esta é eficaz. A incapacidade em deglutir ou a

recusa dos comprimidos obriga-o a vigiar a sua ingestão e a mudar a forma de

apresentação dos mesmos.

A recusa torna-se sistemática e a proximidade da morte torna-se uma crescente

preocupação. A alimentação que parecia tão controlável deixa rapidamente de o

ser. As estratégias subsequentes são uma evidência do sofrimento do familiar

cuidador que recorre a todas as medidas para forçar alimentação, desde a coação

à chantagem. Se até aqui, o familiar cuidador perguntava o que a pessoa doente

desejava comer, então passa a alimentá-la com aquilo que ela na realidade

consegue comer, sopa e líquidos.

Page 87: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

87

Coagem a pessoa a comer ao teimar, gritar, obrigar, forçar a deglutir. Até outros

familiares, em simultâneo, fazem pressão para a pessoa comer.

Todas as estratégias tornam-se viáveis desde que a pessoa coma, a infantilização

da pessoa doente é um exemplo “ (…) mesmo a brincar com ela e a dizer mil e

uma parvoíces a enganá-la com o “suminho” e depois dávamos-lhe a sopa,

misturávamos e depois ela conseguia (…)”E9.

Engana propositadamente a pessoa doente colocando peixe e carne na sopa

sabendo que recusaria à partida esses alimentos, brincam, utilizam diminutivos ao

falar dos alimentos, ralham, impõem a sua vontade para forçar, sentam para

eructar após cada refeição como se fosse um bebé. Até castigam a pessoa doente

por não se alimentar não se despedindo dela, antes de sair de casa, como sempre

foi habitual.

A chantagem emocional revela-se uma forma mais subtil de pressionar a comer.

Ora fingindo tristeza, ora fingindo ofensa, por os alimentos comprados e

cozinhados com carinho serem negados.

Recorre-se a ameaças de internamento em hospitais ou lares. Tenta-se criar na

pessoa doente sentimentos de culpa pelo cuidador também ficar doente ou

emocionalmente alterado. Em último recurso pede-se que coma para manter o

laço afectivo que os une “ (…) faz isso por mim (…)” E10.

O esforço do familiar cuidador para alimentar está a ser contrariado. Entre um jogo

de motivação e chantagem emocional, nega a morte ao ser confrontado com ela,

lançam-se falsas esperanças de visitar familiares distantes, de melhorar, e de fazer

quimioterapia para se curar, demonstrando o forte vínculo que ainda não está

preparado para ser cortado.

Numa última medida de desespero e até inconsciente, confronta-se a pessoa

doente com a morte, reafirmando que têm de comer para viver e sem comer

morrer.

O familiar cuidador ao compreender que a recusa é permanente e diferente de

outras situações anteriores, começa a negociar a quantidade a ingerir, não força a

alimentação, alimenta apenas quando pede, tenta não insistir ou não insiste o que

já evidencia respeito pela vontade da pessoa doente.

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88

Mas quando reconhece a morte iminente pode não alimentar como voltar a tentar

alimentar até ao fim, mesmo não comendo, oscilando assim na sua estratégia para

alimentar. Propõem trazer para o hospital alimentos de que gosta, não desistem de

cozinhar, dão com seringa negociando a quantidade, pela sonda nasogástrica ou

alternam entre alimentar pela sonda e pela colher.

Nesta fase satisfazem os desejos como modo de acarinhar e não forçar a

alimentação. Podem tentar alimentar até ao fim, manter a sua anterior estratégia

de não insistir, ou voltam a insistir quando já tinham desistido de o fazer.

Os familiares cuidadores mobilizam todos os recursos para concretizar o seu

objectivo em alimentar, as estratégias focadas no ambiente são outro exemplo.

• Estratégias focadas no ambiente

O cuidador também modifica o ambiente como estratégia para alimentar. No início

tenta manter o horário das refeições, manter as refeições à mesa, estimular as

refeições em família, enfim, manter a rotina como se a vida decorresse na

normalidade. Aliás, há familiares cuidadores que tentam dar a entender, à pessoa

doente, que não a tratam de modo diferente por ela estar diferente. Assim,

procuram minimizar no ambiente o que poderá agravar os sintomas. Se a pessoa

doente tem náuseas ao ver a comida, então os tachos não vão à mesa, colocam

pouca comida em todos os pratos e os restantes familiares só repetem depois da

pessoa doente sair da mesa. Se têm vómitos tenta-se antecipar essa necessidade

levando um recipiente para o efeito que facilitará a monitorização do conteúdo do

vómito, que o cuidador faz posteriormente.

Houve referência por parte de um cuidador da preocupação de esconder o acto de

vomitar dos outros familiares, para que a pessoa cuidada não se envergonhe nem

se isole no quarto às refeições. Os familiares cuidadores tentam estimular ao

máximo que a pessoa coma sozinha e seja autónoma nas refeições.

O confronto com a recusa sistemática faz com que o cuidador mobilize recursos e

procure informações não só junto de profissionais de saúde mas também em lojas

de comida para crianças e internet. Revelam uma necessidade de estarem

informados sobre suplementos alimentares e modos de compensar a alimentação.

Por último, quando sentem que as estratégias se esgotam e não conseguem de

modo algum controlar os sintomas, procuram os profissionais de saúde. O familiar

Page 89: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

89

atento aos sinais de desidratação, privação alimentar às características dos

vómitos decide que estes são fortes motivos para internar a pessoa doente, uma

vez que já não sabe como lidar com ela.

A presença do cuidador na hora da refeição pode ser um factor facilitador ou

opressivo. No hospital, há cuidadores ou por trabalharem ou por não suportarem o

sofrimento durante as refeições não estão presentes, embora outros não faltem a

nenhuma refeição.

Um familiar verbalizou que não crê que a alimentação seja valorizada pelos

profissionais de saúde ao ponto de serem motivo de internamento então optou por

exacerbar os sintomas quando se dirigiu ao serviço de urgência.

Outro foco de atenção por parte dos familiares é os alimentos. Também, através

da manipulação dos alimentos tentam compensar a alimentação.

• Estratégias focadas nos alimentos

Inicialmente, o cuidador face à recusa, tenta fazer um reforço hídrico e aumentar a

frequência das refeições, numa tentativa de compensar a quantidade ingerida.

A preocupação em compensar a alimentação leva-os a comprar peixes e alimentos

mais caros associando a estes maior qualidade.

Para que a pessoa doente se possa alimentar, logo que tenha apetite deixa

alimentos disponíveis em, locais junto da pessoa. Esta medida tem duas leituras,

por um lado, o cuidador evita confrontar-se com a recusa, por outro é uma

estratégia subtil de pressão para que se alimente.

Ao cozinhar altera os temperos para não prejudicar a digestão da pessoa doente e

tornar os alimentos mais atraentes. A dificuldade da pessoa doente em mastigar e

deglutir acentua-se. O cuidador muda a consistência dos alimentos para mole ou

pastosa, faz sopas e papas cremosas, coze a fruta, oferece alimentos fáceis de

mastigar, frutas moles como a laranja e morangos.

A panóplia de escolha de alimentos fica tão reduzida que ao cozinhar tenta

compensar a alimentação, aumentando o valor nutricional das refeições. As sopas

são reforçadas com o máximo de vegetais, carne, peixe, massas que consegue

fazer.

Page 90: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

90

Recorre a suplementos alimentares comprados em farmácias, leite com reforços

de minerais ou suplementos alimentares de lojas de crianças.

Experimenta alimentos que não fazem parte da dieta habitual, como cereais e

batidos, pudins e gelatinas, faz papas com ovo e oferece carnes vermelhas,

compra diversas papas de bebés e mistura-as.

Os alimentos que, da primeira vez, satisfizeram a pessoa doente deixam de

satisfazer quando o familiar cuidador repete a mesma refeição, as soluções para o

problema nunca são as mesmas. Tenta várias estratégias até esgotar as suas

ideias, obrigando-o a adaptar-se consecutivamente. Percebe o que a pessoa

consegue ou não comer por tentativa e erro, mas as suas certezas são de pouca

durabilidade, pois não consegue controlar as alterações alimentares.

O familiar cuidador manipula os alimentos quer no paladar, consistência,

frequência como forma de responder às progressivas alterações da alimentação

da pessoa doente. A redução na quantidade de alimentos ingeridos levam-no a

desenvolver estratégias em todos os campos que consegue dominar. Em

simultâneo, na hora das refeições as suas de acções para continuar a controlar a

alimentação são dirigidas à pessoa cuidada. As estratégias para compensar a

alimentação são uma evidência do sofrimento do familiar cuidador por não

conseguir alimentar e travar a morte.

4.3.2. Respostas cognitivas e emocionais do cuidador à

recusa alimentar

A subcategoria, respostas cognitivas e emocionais do cuidador à rec usa alimentar ,e as suas subsubcategorias estão resumidas no esquema 8.

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91

Respostas cognitivas e emocionais do cuidador à recusa alimentar

Avaliação das intervenções dos profissionais

Preocupação Justificação das alterações alimentares com hábitos do cuidador

Revolta Justificação das alterações alimentares com hábitos anteriores da pessoa doente

Desespero Agressividade

Negação inicial Tranquilidade

Tristeza Aflição

Ansiedade Identificação com os sentimentos da pessoa doente

Desânimo Falsa esperança por se alimentar

Angústia

Reconhecer que a recusa é um problema

Impotência Oscilação entre a resposta racional e emocional

Frustração

Dirigida à pessoa doente Dirigida ao próprio

Dirigida aos profissionais de saúde

Compreender gradualmente que não volta a comer

Remorsos

Negação do cancro ao negar as alterações alimentares

Abandono

Recusar aceitar a perda

Culpabilização

Avaliações Negativas Avaliações Positivas

Perspectiva das respostas da pessoa doente durante a refeição

Esquema 8 – Respostas cognitivas e emocionais do cuidador à recusa alimentar.

Page 92: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

92

As respostas cognitivas e emocionais à recusa variam ao longo da doença e

acompanham o processo de luto.

No início, o cuidador justifica não ter previamente detectado e valorizadas as

alterações alimentares. Para isso, argumenta com os hábitos da pessoa doente,

comer pouco habitualmente, comer pouco mas com satisfação, já não ter uma

alimentação equilibrada, comer o suficiente para o seu desgaste energético ou ser

autónomo na preparação dos alimentos.

Justifica a diminuição da ingestão com o facto de gostar de se alimentar de

comidas bem confeccionadas e neste momento não as conseguir comer.

Os seus hábitos são um dos argumentos para justificar as alterações alimentares.

Alega que não despistou o problema precocemente por não estar presente nas

refeições devido ao seu horário de trabalho. Como não vigiava, frequentemente, as

refeições da pessoa doente acreditava que esta se alimentava.

Inicialmente, o familiar cuidador tende a negar que os motivos da recusa se

prendam com o cancro. Não compreende os motivos da recusa e não reconhece

que a pessoa doente não se alimentará como anteriormente.

Os motivos para a recusa são mais psicológicos ou inerentes à personalidade da

pessoa. A preocupação por a pessoa cuidada não comer o suficiente é

permanente. Os pensamentos ao longo do dia gravitam em torno disso. Pensa no

que vai cozinhar, se a pessoa irá comer e se o que cozinha é suficiente para

compensar a carência nutricional.

Ao reconhecer a gravidade da doença entra numa fase de revolta. O familiar

cuidador luta para que a pessoa cuidada sobreviva e vê na recusa alimentar o

desejo de morrer. Revolta-se contra a pessoa doente e contra Deus que a faz

perder a pessoa que ama.

A agressividade dirige-se à pessoa doente na hora das refeições através de

manifestações de impaciência, arrogância, exaltação, conflito, raiva por não se

alimentar na medida em que o cuidador espera.

O desajuste de expectativas cria naturalmente conflitos. A refeição que em tempos

tinha sido um momento de prazer e de recompensa afectiva positiva passa a ser

uma recompensa negativa. Ao reconhecer que está a fazer mal à pessoa doente

forçando a alimentação, o familiar cuidador dirige a agressividade a si próprio

vivendo num conflito interno, entre o alimentar e não alimentar. Pois acredita que

Page 93: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

93

ao forçar também não está a fazer bem à pessoa cuidada. “ (…) As refeições eram

uma guerra. Guerra no sentido de eu ver que lhe estava a fazer mal a ele também.

Acabava por ele não comer e ficar enervado e eu também, pois claro. (…)” E4.

No final de vida, quando a pessoa doente está internada, a agressividade também

atinge os profissionais de saúde. Os familiares sentem raiva dos profissionais por

não forçarem a alimentação e duvidam da eficácia das intervenções.

Progressivamente, percebendo que perde o controlo na alimentação, mas ainda a

lutar para o manter, o familiar pode sentir desespero. O desespero advém de

pensar que a pessoa não se alimenta suficientemente para a sua necessidade e

de, efectivamente, não a conseguir alimentar. O seu desespero manifesta-se em

várias situações tais como: a pessoa cuidada tornar-se selectiva com a

alimentação, mentir em relação ao que come, os vómitos e náuseas serem

incontroláveis, a pessoa doente não deglutir a comida e retirá-la da boca.

Oscilando em termos de resposta emocional, o cuidador tanto desespera quando

não come como sente tranquilidade quando consegue alimentar. Ao alimentá-lo

sente a certeza que o pouco que comeu o vai deixar viver mais tempo.

Ao alimentá-lo melhor numa refeição o familiar cuidador acalenta a esperança que

voltará a melhorar. O engordar, ter desejos alimentares é uma pequena vitória que

cria falsas esperanças na cura. O familiar cuidador deseja o que não voltará a ter

Os sentimentos perante a recusa variam desde ansiedade, tristeza, aflição,

desânimo, angústia, frustração e impotência.

O familiar cuidador identifica-se com o sentimento da pessoa doente, sofre por a

pessoa doente vomitar, não tem prazer em comer por a pessoa doente não comer

e fica contente por a pessoa doente ficar contente ao ter comido. Reconhecem que

a alimentação é um problema e compreendem gradualmente que o motivo da

recusa é o próprio cancro. A consciência de que alimentação não tem controlo e

que a morte não pode ser contornada provoca desalento e falta de esperança

dado a alimentação já não o poder ajudar.

O familiar cuidador, numa fase paliativa, ainda pode negar o cancro ao negar os

motivos da recusa alimentar. Não associa a anorexia ao cancro, acredita que ela

voltará a alimentar-se. Acreditar que, numa fase terminal e de morte iminente, está

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94

a alimentar para a pessoa doente não desidratar. Pode recusar-se a aceitar a

recusa e com isso a morte. Por duas razões, ao recusar-se supor que irá deixar de

se alimentar e ao continuar a alimentar por não conseguir deixar morrer.

Todos os entrevistados temem que o seu familiar morra à fome e culpam-se por

permitirem que ele não se alimente. “ (…) Ele tem de morrer, é lógico, disso eu

estou consciente, mas se tem de morrer que morra da doença, mas não morra à

fome. (…)” E4. Os remorsos surgem por motivos contraditórios. Têm remorsos

pelas atitudes que tomaram para forçar a alimentação e por não terem forçado

mais a alimentação.

Os dados indicam que numa fase final o cuidador pode compreender a recusa e

não forçar a alimentação ou oscilar entre a resposta racional e emocional.

Racionalmente sabe que a recusa alimentar se deve ao cancro e à proximidade da

morte, contudo, emocionalmente não a aceitam. Ainda têm esperança que a

pessoa se alimente, referem que esta pode comer apenas o que quiser, mas

preocupam-se que fique desnutrida e desenvolvem estratégias para forçar a

alimentação, mesmo numa fase agónica, quando já estão a reconhecer esse

estado.

Pressupor que deixam de alimentar cria um sentimento de abandono e culpa. Faz

confusão não alimentar por estar a deixar morrer sem apoio e acelerar a morte,

especialmente na fase de morte iminente. Desejam continuar a alimentar se

pudessem. “ (…) Porque agora o alimento já não faz qualquer diferença. Mas faz,

eu tento-me convencer que não faz, mas faz. Continuo a dar de comer é porque

virar costas, vir-me embora e ver que ela não comeu nada, é pensar que se calhar

tem menos um dia de vida. É o instinto mesmo. É tentar até ao fim. (…)”E10.

Os dados revelam que o cuidador avalia as intervenções dos profissionais de

saúde em positivas, por sentir-se confortado emocionalmente pelos profissionais e

valorizarem a informação que lhes foi dada. A informação dada pelos profissionais

de saúde e o aconselhamento permitiram ao cuidador antecipar as necessidades

da pessoa cuidada. Contudo, também avaliam as intervenções em negativas, por

sentirem-se incompreendidos no seu sofrimento e no medo de deixar a morrer à

Page 95: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

95

fome. Consideram, igualmente que os profissionais desvalorizam a alimentação e

que não os aconselham como lidar com a recusa.

Não é só a avaliação dos profissionais de saúde que o familiar cuidador faz. Ele

examina também o seu comportamento e apercebe-se como a pessoa doente

reage quando a tenta forçar a se alimentar. A refeição é um momento de

sofrimento quer para a pessoa cuidada, quer para o familiar cuidador quando este

passa a forçar a ingestão alimentar. O familiar observa e compreende que a

pessoa doente se sente obrigada, sente desconforto e alimenta-se para lhe fazer a

vontade. A pessoa doente reage com agressividade verbal ou física, afastando os

talheres quando é coagido a comer. Pode optar pelo silêncio quando o cuidador

espera uma resposta para a recusa não fomentando o conflito desejado.

O familiar cuidador acredita que a pessoa doente sente-se revoltada por não estar

a ser compreendida na sua doença e nos motivos da recusa. A tranquilidade às

refeições é retomada quando o familiar cuidador deixa de insistir com a

alimentação.

As próximas categorias são emergentes do contexto mais alargado da transição

para o desenvolvimento pessoas que o familiar cuidador está a vivenciar.

O contexto da evolução da doença da pessoa cuidada não pode ser dissociado do

contexto da recusa alimentar, sob pena de se perderem factos, que contribuem

para a compreensão desta fase de desenvolvimento pessoal, que o cuidador está

a vivenciar.

4.4. Factores do contexto da doença que

condicionam o processo de transição para o

desenvolvimento pessoal

A categoria, factores do contexto da doença que condicionam as respostas

vivenciais , tem as seguintes subcategorias:

Page 96: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

96

Esquema 9 – Factores do contexto da doença que condicionam as respostas vivenciais.

Os factores condicionantes do contexto da doença permitem inserir e compreender

o familiar cuidador, no próprio processo de transição de desenvolvimento pessoal,

desencadeado pela perda próxima do seu familiar

As crenças associadas ao hospital influenciam as decisões do cuidador

principalmente na última fase. Se por um lado emerge dos dados que o hospital é

um local para morrer, por outro é o local a que recorre quando esgota todos os

recursos. Internamente, ao decidir hospitalizar, já vive em grande sofrimento.

Internar é na realidade uma oportunidade para evitar o sofrimento permanente da

perda, pois sentem tranquilidade acreditando que no hospital farão de tudo para

recuperar, minimizando o sentimento de culpa por deixar morrer. No entanto,

existe a noção de que no hospital, a pessoa doente também poderá desenvolver

complicações secundárias como as infecções.

A crença de que o cancro é uma doença terrível e sem cura leva a que o cuidador

viva, desde o início da doença, sob o domínio da morte.

A forte vinculação à pessoa doente faz com que o laço afectivo seja mais difícil de

cortar, e causa mais sofrimento no confronto com a perda. As memórias de perdas

anteriores surgem nesta altura, podem ter algum peso no processo de luto. A

pessoa recorda-se dos últimos momentos de familiares falecidos, do sofrimento

nessa altura, mas também das estratégias que utilizou para as ultrapassar,

fazendo uma comparação com a perda actual.

O familiar cuidador, no seu contexto familiar, pode estar a viver outras perdas

significativas que compliquem e interfiram com a actual, como o divórcio de filhos.

A própria motivação para viver é o factor que encontra positivo para superar o luto.

Factores do contexto da doença que condicionam as respostas vivenciais

Crenças sobre o cancro

Crenças sobre o hospital

Actividades do cuidador no domicílio

Condicionantes da resposta ao luto

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97

Acreditam que são fortes comparando com outras pessoas e têm de ter coragem

para superar e continuar a viver.

O familiar ao assumir o papel de cuidador acrescenta à sua rotina diária várias

actividades que podem condicionar a sua resposta ao luto, pois consideram que

esta actividade de cuidar é difícil. No domicílio, são confrontados constantemente

com o sofrimento da pessoa doente e têm de lhe prestar apoio emocional. Este

confronto continuado com a perda, 24 horas sobre 24 horas, causa-lhes sofrimento

e identificam-se em espelho com a resposta emocional da pessoa cuidada. Se a

pessoa doente sente revolta ou se sofre, quem cuida sente o mesmo.

O familiar cuidador aprende a substituir parcial ou totalmente a pessoa doente nos

cuidados de higiene, mobilização e a cuidar de ostomias “ (…) era o lavar, mudar a

placa da nefrostomia, lá ia para fora, molhava-se e derretia, lá tinha de mudar o

pijama. As vezes não ficava bem, ou como era aquilo! Depois ele virava-se muita

vez, lá se rompia a parte do encaixe! Era sozinha eu tinha de me adaptar àquilo

(…). E1.

Pode ter alguma dificuldade em se adaptar a esses cuidados, que são

especializados e têm de contactar com partes do corpo da outra pessoa, que

foram transfiguradas.

Todos os factores acima mencionados, no seu conjunto, condicionam a sua

resposta à sua transição de desenvolvimento pessoal.

4.5. Respostas vivenciais no contexto da doença

A categoria, respostas vivenciais no contexto da doença , subdivide-se nas

subcategorias:

• estratégias do cuidador para se adaptar à perda; • respostas emocionais, cognitivas e físicas à perda; • dificuldades comunicacionais ao longo da doença; • dificuldades na preparação da alta; • respostas familiares.

O esquema 10 simplifica as estratégias utilizadas pelo cuidador para se adaptar à

perda.

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98

Esquema 10 – Estratégias para se adaptar à perda. As estratégias do familiar cuidador para lidar com a perda subdividem-se em,

estratégias centradas na recuperação e estratégias centradas na perda. De facto,

o familiar cuidador oscila entre os dois grupos de estratégias. Contudo, há

familiares cuidadores que predominantemente desenvolvem estratégias centradas

na recuperação ou centradas na perda, de acordo com, os factores condicionantes

do processo de transição para a perda e as respostas emocionais e cognitivas.

As estratégias orientadas para a recuperação são as que impulsionam e motivam

o familiar cuidador a viver, permitem distanciarem-se do sofrimento. Em função

dos dados foram agrupadas em actividades de distracção, procurar apoio nas

relações interpessoais e acompanhar até à morte.

O familiar cuidador procura manter a sua rotina de vida através do seu emprego e

as actividades diárias habituais. O emprego é uma âncora, que o distrai do

sofrimento por períodos e ao mesmo tempo encontra apoio dos colegas de

trabalho, para ultrapassar a situação.

Respostas vivenciais no contexto da doença

Estratégias para se adaptar à perda

Centradas na recuperação

Actividades de distracção

Acompanhar até à morte

Evitar o sofrimento Procurar apoio nas

relações interpessoais

Centradas na perda

Procurar motivação

Pensamentos recorrentes com a perda

Desejo de retorno ao passado

Não celebrar datas significativas

Chorar

Procura incessante de informação

Proteger a pessoa doente do sofrimento

Rir com vontade de chorar

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99

As actividades como tratar das plantas e animais, ver televisão, caminhar com

amigos, arrumar a casa, ler a Bíblia são analogamente fontes de descontracção.

A procura de apoio nas relações interpessoais é outra estratégia para ajudar a

viver a perda. O apoio pode ser encontrado nos profissionais de saúde, nos

familiares, nos colegas e na própria pessoa doente. Embora, refiram que os

profissionais de saúde não têm respostas para as suas questões. A fé em Deus

torna-se um reduto de esperança e conforto.

A própria pessoa volta-se para si e tenta encontrar motivos para continuar a viver.

Considera que é necessário ter coragem, pensar positivamente; lidar

objectivamente com os problemas. Evita pensar no sofrimento e procura recordar-

se positivamente da pessoa doente. Passa a viver um dia de cada vez como forma

de evitar o sofrimento e não criar falsas expectativas.

O confronto com a pessoa doente, no hospital, causa sofrimento principalmente se

recordarmos que a crença, de que o hospital é um local pra morrer. O familiar

cuidador evita visitar a pessoa doente e não procura os profissionais de saúde,

para obter informações sobre o estado de saúde.

Os dados também revelam que o familiar cuidador pensa que é mais fácil

recuperar progressivamente da perda e se começar a criar projectos para o futuro

mesmo antes da morte. “ (…) É escusado deixar ir abaixo agora porque amanhã

vai ter de subir, mais vale ir subindo aos poucos. Tem de se ir recomeçando, é um

ciclo, é complicado mas é. É o fechar de um ciclo e o recomeçar de outro. (…)”E9

Por último para superar o luto pensa em acompanhar a pessoa doente até à morte,

despedindo-se.

As estratégias centradas na perda são as que fazem o familiar cuidador focar-se

no seu sofrimento. Os pensamentos ao longo do dia dirigem-se recorrentemente

para a pessoa doente e para o sofrimento.

“ (…) a minha mente está sempre a bater na mesma tecla. A gente não se

esquece. A gente tenta-se concentrar, mas não esquece, o pensamento vai

sempre para ali (…). E1. Têm um desejo de retorno ao passado, ao tempo em que

eram felizes, retiram as fotografias que têm em casa, e os objectos que as fazem

reviver esses tempos, pelo facto de não suportarem o sofrimento. Não celebrarem

datas festivas e significativas, por o seu familiar estar doente ou internado. O choro

torna-se uma constante diária e refugiam-se no seu sofrimento, isolando-se

socialmente

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100

A lutar contra a perda, em alguns familiares, levam-nos a uma busca

incessantemente informações. Procuram algo que contribua para a cura ou que

simplesmente não confirmem a doença.

A preocupação em proteger a pessoa doente de sofrimento é referida por todos os

entrevistados. Evitam chorar ou ter manifestações de sofrimento junto da pessoa

doente. Em algumas situações os familiares mascaram os seus sentimentos

perante a pessoa doente. Se a pessoa doente procura falar da morte estes negam

o mais evidente, por não saberem como lhes responder, nem eles próprios

quererem acreditar nessa realidade.

O familiar cuidador reconhece as mudanças na sua resposta emotiva ao longo da

doença. No esquema 11 estão descriminadas as outras respostas vivenciais do

contexto da doença.

Numa fase inicial de diagnóstico e quando este é uma surpresa para o cuidador,

ele reage protegendo-se do sofrimento com um embotamento afectivo ou com uma

ausência de resposta emocional. A pessoa sente-se paralisada, confusa, não

consegue ou não quer entender o que está a ouvir, momentaneamente, desliga-se

emocionalmente do sofrimento, ao ouvir o diagnóstico. A revolta é outro

sentimento referido. Esta pode ser dirigida à doença, a Deus e à pessoa doente

por estar a desistir de viver. O evoluir da doença dá lugar a sentimentos como

raiva, angústia, tristeza, desânimo, alterações do humor, desamparo.

O familiar cuidador tem a sensação de que está sozinho a viver a perda. Sente-se

abandonado pela família, amigos e profissionais de saúde. A família não os

compreende, os amigos evitam-nos e até consideram que estes não lhes querem

falar devido ao seu sofrimento. A relação com os profissionais de saúde pode ter

várias perspectivas. Tanto sentem conforto como pensam que estes fogem das

suas perguntas e não lhes dão a solução que tantos esperam. A falta de

esperança vai germinando paulatinamente até embater na falta de soluções e no

adiamento de problemas. Acreditam que já não há nada a fazer só resta esperar

pelo pior. Cuidam sem propósito, sem esperança de cura. Pensam que só lhe

podem dar carinho, mas que não é suficiente para ele viver.

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Respostas vivenciais no contexto da doença

Respostas Emocionais

Respostas Físicas

Respostas Cognitivas

Dificuldades comunicacionais ao longo da doença

Revolta Falta de esperança

Fase Diagnóstico Fase Paliativa

Resignação plácida Raiva

Resignação estóica Desânimo

Incredulidade/negação Desamparo

Embotamento afectivo Tristeza

Antecipação da perda Angústia

Identificação com o sofrimento da pessoa doente

Impotência

Minimização do próprio sofrimento em prol do sofrimento da pessoa doente

Culpabilização

Oscilação entre aceitar e negar a morte

Dificuldades na preparação para a alta

Respostas familiares

Esquema 11 – Respostas vivenciais no contexto da doença

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102

As perdas durante o processo de doença são rápidas e sucessivas e o familiar

cuidador manifesta dificuldade em se adaptar a cada uma delas. O que é ilustrado

na seguinte frase “ (…) quando a gente a quer ajudar numa coisa, no dia seguinte

já vem outra e andamos nisto até chegar mesmo ao desespero, como estamos

agora (…)”E9

O familiar cuidador identifica-se com o sofrimento da pessoa doente. O seu

sofrimento é minimizado e desvalorizado perante o sofrimento da pessoa doente.

A culpa é outro sentimento frequente que advém da responsabilidade que sente

por cuidar. Assim, culpar-se por não ter participado nas decisões médicas, por não

ter esgotado todas as alternativas de cura ou por crer que não recorreu ao hospital

a tempo de ser tratado.

Nos dados surgiram duas formas de resignação. A resignação estóica em que

aceita o que o destino lhe traz e mostra que tem de ter coragem para o enfrentar.

Sabe que todos vamos morrer, tem de estar preparada para tudo, não lhe pode

negar nada, mesmo que isso, lhe cause sofrimento, não o vai abandonar.

A resignação plácida distingue-se quando mencionam que esta é a vontade de

Deus, que o seu destino é sofrer, sentindo que não podem fazer nada para o

salvar. Esta é a sua cruz e que vai ser bem penosa. “ (…) A minha sina é esta, foi

uma doença até à morte… por isso eu tenho de estar ao lado dele, até quando

Deus quiser… é meu marido tem de ser. Também não o deixo assim. (…)”E3.

Ao reconhecer a proximidade da morte despontam sentimentos de impotência face

ao inevitável. Não sabem como reverter o processo de morte, não conseguem

fazer nada para ajudar e confortar.

Os familiares que ainda não estavam a passar pela vivência de morte iminente,

antecipam a perda, projectando no futuro o medo de não conseguir aceitar ou

suportar ou gerir tal sofrimento.

Na iminência da morte o familiar pode aceitar, negar ou oscilar. Aceitam a morte,

mas com alguma revolta e conflito interno. Reconhecem racionalmente a morte

mas não a aceitam emocionalmente.

O familiar cuidador pode oscilar entre aceitar e negar a morte. Oscila em

pensamentos, sentimentos e acções, por vezes, contraditórios. Resigna-se mas

não aceita a morte, reconhece a proximidade da morte mas nega-a, acha que a

pessoa doente está acompanhada no hospital com todos os meios disponíveis

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103

mas não a cuidam por não tentarem medidas mais invasivas. Mesmo afirmando e

reconhecendo que a pessoa vai morrer continuam fazer de tudo como se isso

acontecesse.

As oscilações de saúde são uma sinusóide que fazem oscilar o sentido de humor

do familiar cuidador. Num dia a pessoa doente está bem, parece melhor, criam

expectativas de viver. No dia seguinte piora e eles põem em causa todos os

sonhos anteriores, questionam as suas expectativas. As mudanças, por vezes, são

tão rápidas que não duram dias, mas sim horas. O familiar cuidador oscila no seu

dia mediante estas alterações.

As respostas cognitivas e físicas ocorrem em simultâneo com as respostas

emocionais. As respostas físicas passam por fadiga, insónias e perda de apetite e

perda da energia vital. O familiar cuidador não dorme, tem pesadelos e pensa

como vai suportar a perda e ajudar os seus familiares a ultrapassarem-na. Temem

pelo futuro. A pessoa reconhece a mudança que a vida está a sofrer “ (…) As

nossas refeições mudaram e a vida toda também é uma volta muito grande que dá

a vida, muito mesmo (…)”. E1 Sentem-se confusos e procuram uma explicação e

significado para o que está a acontecer. Têm lapsos de memória, têm dificuldade

em se concentrar e solucionar problemas pelo que adiam as decisões. Sentem

dificuldade em trabalhar, por terem o seu pensamento centrado na pessoa doente.

Projectam no futuro a solidão, as dificuldades financeiras e perdem

transitoriamente a finalidade de viver. Os projectos futuros de comprar casa, os

sonhos, desaparecem e vivem com a incerteza.

As dificuldades comunicacionais são outro aspecto que foi emergindo no discurso

do familiar cuidador. As barreiras comunicacionais precipitam-se na fase de

diagnóstico quando têm de informar ou confrontar a pessoa doente com a

realidade do cancro. O médico pode não ter informado a pessoa doente ou tê-lo

feito parcialmente. O cuidador refere falta de coragem para informar e pede ao

médico para ser intermediário. Se concluem que o melhor é não informar

acreditam que a pessoa doente não faz perguntas porque não quer saber ou não

sabe o que tem, por isso evitam esse tema de conversa.

Na fase paliativa o silêncio é evidente. O familiar tem medo de não saber

responder se for confrontado com a morte. “ (…) Eu tenho medo que ela me diga

que sabe o que tem, para ela nunca me ter perguntado nada eu tenho medo que

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104

ela me diga que sabe o que tem. Eu não tenho expectativas, eu tenho isto e sei

que vou morrer (…)” E10. A confirmação da morte pela pessoa que se ama é

sinónimo de que não há nada a fazer e não vale a pena lutar.

Os desejos e os projecto futuros que a pessoa doente possa ter, cria no familiar

cuidador o medo de não conseguir responder às expectativas da pessoa doente,

especialmente, se estas se relacionam com a vontade de morrer em casa.

Não sabem como manter um diálogo, quer com a pessoa doente, quer com os

outros familiares, os minutos são sentidos como horas e têm dificuldade em

manter o humor. Sentem que a pessoa doente se isola no seu próprio sofrimento,

não fala com eles ou pede-lhes para irem para casa, gera-se um silêncio

desconfortável.

Ao longo da doença o familiar cuidador vai respondendo aos desafios que lhe são

colocados. O primeiro é, redundantemente, assumir o papel de cuidador. Essa é

uma mudança que inevitavelmente ocorre, muitas vezes, no seio familiar sente que

é responsabilizado por esses cuidados, apesar do aumento da coesão familiar em

torno da pessoa doente. Há apoio de outros membros da família, mas é ele quem

sente essa responsabilidade, mesmo quando partilha os cuidados. A

responsabilidade de prestar cuidados de higiene, de alimentar, de acompanhar ao

médico e ser intermediário entre a pessoa doente e o médico. Passa a tomar

decisões e a sentir-se responsável pelo bem-estar não só da pessoa doente, como

também dos outros membros familiares, querendo-os proteger do sofrimento.

Enfim, assumem-se como o pilar da família.

A dinâmica familiar sofre alterações, tem de assumir novos papéis substituindo

papéis que pertenciam à pessoa cuidada, como cozinhar e pagar contas.

A preparação da alta é um factor de tensão para o familiar cuidador. Ao pensar

que tem de preparar a alta depara-se com uma série de dificuldades e receios.

Tem dificuldades relacionadas com o apoio domiciliário, dificuldades financeiras e

projecta o medo que tem em cuidar de alguém com necessidades tão específicas.

Sentem a ausência e o escasso apoio quer domiciliário, quer dos hospitais de

retaguarda que dessem continuidade aos cuidados.

É referido o peso de cuidar sozinho no domicílio, sem apoio, sem direitos legais

que os protejam, para não ser penalizado no emprego ou financeiramente. O

emprego é uma obrigação social e uma fonte de rendimento que não podem

abdicar. Temem os acidentes domésticos ao deixar a pessoa doente sozinha. As

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105

poucas ajudas domiciliárias e as crescentes necessidades de cuidados da pessoa

doente exigem a sua permanência no domicílio. Poucas pessoas se disponibilizam

para cuidar de uma pessoa em fase terminal, no domicílio, ou o apoio de que

podem dispor tem de ser renumerado. As pessoas lutam com as dificuldades

financeiras para pagar esses apoios ou simplesmente para cuidarem no domicílio

sem apoio. São obrigados a deixar o emprego, a recorrer a uma licença de

assistência à família ou férias, sendo por isso penalizados em termos financeiros.

Os apoios monetários, as reformas nem sempre estão disponíveis em tempo útil o

que agrava esta situação.

O cuidador sente que recai sobre si a responsabilidade da vida do seu familiar e

naturalmente surge o medo de estar sozinho a cuidar e de não ser capaz de

cuidar, por não ter formação ou apoio especializado. Têm medo de não saber

controlar os sintomas; medo do confronto continuado com o sofrimento.

Temem e não desejam que a pessoa morra em casa. “ (…). Depois era o medo à

minha volta. Medo, tenho medo de não saber lidar com a situação. Pronto, tenho

medo dele ficar ali ao nosso lado, tenho medo de tanta coisa. (chora) (…) “ E6

Perante o sofrimento da morte acreditam que só podem activar o sistema nacional

de saúde para terem apoio especializado e ficam a esperar por essa ajuda

confrontados e a viverem um intenso sofrimento.

As respostas vivenciais são únicas para cada pessoa e cada família, o que torna

tão rico e variado o processo de desenvolvimento pessoal. A compreensão global

do processo de transição para a recusa alimentar requer uma visão sistémica de

todos os factores que entram em linha de conta neste processo. Apresentaremos o

processo pelas fases com a interpretação que os dados nos puderam auferir.

4.6. O processo de transição para a recusa

alimentar

De acordo com os dados por nós recolhidos e analisados não foi possível

estabelecer um padrão único no processo de transição da recusa alimentar do

familiar cuidador. De facto, constata-se que a recusa alimentar é comum a todos

as pessoas doentes a vivenciar esta fase da sua vida, mas com elementos

específicos para a resposta de cada pessoa que a vive. Embora, todas as pessoas

Page 106: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

106

doentes estarem em fase paliativa, tal como, definido por nós na escolha dos

participantes, apenas cinco estavam em fase agónica.

Relativamente aos cuidadores, constatou-se através deste estudo, que existe um

conjunto de factores inerentes ao contexto da alimentação e ao contexto da

doença que condicionam as suas respostas vivenciais. É impossível dissociar a

vivência do familiar cuidador perante a recusa alimentar do contexto da evolução

da doença na pessoa cuidada. O processo de desenvolvimento pessoal da pessoa

doente de adaptação à doença influencia o familiar cuidador. Além disso, o familiar

cuidador está a viver, em simultâneo com a transição para a recusa alimentar, o

seu processo de desenvolvimento pessoal, em resposta à doença da pessoa

cuidada. A interpretação que o familiar cuidador faz dos factores condicionantes

reflecte-se nas respostas vivenciais e estas respostas modificam a compreensão

dos factores condicionantes. Os factores condicionantes, do contexto da

alimentação e do contexto da doença, influenciam-se mutuamente e a sua

interpretação varia ao longo do tempo.

os factores do contexto da alimentação que condicionam as respostas vivenciais

são:

• função da alimentação; • motivos para a recusa alimentar; • intervenção dos profissionais de saúde; • crenças na soroterapia.

Os factores do contexto da doença que condicionam as respostas vivenciais são:

• crenças do cancro; • crenças do hospital; • actividades do cuidador no domicílio; • condicionantes do luto • condicionantes da reposta do luto.

A evolução do confronto com a recusa alimentar pode dividir-se esquemática e

didacticamente em três fases tendo a última uma sub-fase. Na análise dos dados

também nos foi possível discernir uma permeabilidade entre cada fase, que se

reflecte nas respostas psico-emocionais e estratégias, utilizadas pelo cuidador

perante a recusa alimentar. A sucessão de fases e as respostas são variáveis de

pessoa para pessoa. O percurso entre as várias fases não é obrigatoriamente

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107

sequencial, há quem transite pelas fases adaptativas e estagne numa ou há quem

oscile entre as várias fases.

Definimos esquematicamente as seguintes fases do processo de transição para a

recusa alimentar:

• Despertar para a doença – sem recusa alimentar, alertando para a doença;

• Lutar para viver – recusa alimentar inicial, consciencializando o agravamento da doença;

• Entre o aceitar ou negar a morte – recusa alimentar sistemática, consciencializando a proximidade da morte;

� Morte iminente – recusa alimentar absoluta.

O familiar cuidador projecta o seu próprio percurso de desenvolvimento de

elaboração do luto na alimentação e no acto de alimentar. Por isso, as respostas

do familiar cuidador dependem de factores intrínsecos para superar a perda, mas

também da interacção que estabelece com a pessoa doente e o ambiente que a

envolve. Passaremos a descrever cada fase de recusa com os respectivos

factores condicionantes e as respostas correspondentes.

Despertar para a doença – sem recusa alimentar alertando para a doença

Nesta fase, o familiar cuidador reconhece o esforço da pessoa doente para se

alimentar, considera que não há recusa alimentar, a pessoa come bem e tolera a

alimentação sem vomitar. Surpreende-se com os desejos alimentares “ (…) até

chegou a ter desejos como uma pessoa grávida, eu até achava estranho (…)” E9.

As alterações alimentares como o emagrecimento, a anorexia, as náuseas, os

vómitos, a disfagia, a redução da quantidade ingerida ou a recusa de sólidos são

encaradas como um alerta para a doença.

A suspeita de que terá alguma doença é consolidada pelo aparecimento de outros

sintomas como: a apatia, a dor localizada, as alterações cutâneas, polaquiúria,

metrorragias, debilidade física e obstipação. O familiar cuidador alarmado procura

ajuda médica e, consequentemente, desencadeia uma série de exames

complementares de diagnóstico, para esclarecimento da doença. Nem sempre o

primeiro diagnóstico é convincente, a desconfiança arrasta para uma procura de

várias opiniões médicas.

Page 108: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

108

A confirmação do cancro surge pelos relatórios de exames complementares e pela

informação dada pelo médico. Este diagnóstico para o cuidador é súbito e

inesperado.

A nível emocional esta surpresa do diagnóstico pode levar a um embotamento

afectivo. A negação inicial e a incredulidade quanto ao diagnóstico são outras das

respostas do familiar cuidador.

A comunicação do diagnóstico, à pessoa doente, é uma dificuldade referida pelo

familiar cuidador. O ser mensageiro de más noticias, ainda por cima de algo pelo

qual está a sofrer, leva a que solicite a ajuda médica para o fazer. Por outro lado,

este é um assunto que lhe causa sofrimento e pensa que causará sofrimento à

pessoa doente. Portanto, pressupõe que a pessoa doente não quer saber e

protege-a não falando acerca do mesmo.

Os dados, por nós apurados, revelam que o familiar cuidador acredita que a

alimentação tem uma função fisiológica essencial para a vida, uma função

terapêutica e uma função sócio-afectiva. Embora a função fisiológica seja a mais

evidente, a vertente sócio-afectiva adjudicada à alimentação é mais valorizada,

nesta fase. Esta inclui o ensino de regras sociais que se tornam uma referência ao

longo da vida. As refeições são momentos de convívio, prazer e companheirismo

nas quais a família se reúne para partilhar afectos e transmitir amor. A alimentação

é uma recompensa afectiva positiva para quem se alimenta, mas também para

quem partilha.

O familiar cuidador transita desta fase de diagnóstico, na qual a pessoa doente

não tem recusa alimentar, para uma fase curativa onde há uma progressiva

evolução da doença e o início de confronto com a recusa alimentar.

Lutar para viver – recusa alimentar inicial, consciencializando o

agravamento da doença

Após a confirmação do diagnóstico passa-se a uma fase curativa até transitar para

a fase paliativa. O familiar cuidador tem uma expectativa na cura elevada, baseada

na motivação da pessoa doente para viver, e na rápida recuperação após o

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109

tratamento curativo. Contudo, o familiar cuidador reconhece o agravamento da

doença pelos vómitos e náuseas sistemáticas, pela diminuição acentuada da

ingestão alimentar e pelo emagrecimento progressivo. “ (…) Tudo quanto lhe

caísse ali ele vomitava tanto que a carita dele já estava toda enfronhada. (…) “ E6.

Além disso, a pessoa doente passa a comer o que pede ou nem come o que pede,

já come com dificuldade e começa a recusar a carne e o peixe.

Os dados indicam que o familiar cuidador entende que os motivos da recusa

alimentar estão pouco relacionados com a justificação fisiológica do cancro.

Por um lado, pensa que a recusa é voluntária atribuindo esse acto a um estado

depressivo. Por outro lado, considera que a pessoa deixou de se alimentar pela

revolta, desânimo e desejo de morrer. “ (…) É horrível, a gente ver a pessoa a

desaparecer assim aos poucos. Ela sempre foi uma mulher de armas. E a gente vê

que ela pousou as armas e é complicado.

-Foi isso que pensou quando ela deixou de comer?

- Foi, foi (…)” E9.

Entre os sintomas físicos que constituem uma barreira à alimentação contam-se as

náuseas, os vómitos, a anorexia, a dor, a disfagia, a obstipação, o enfartamento e

os hipos. A maior selectividade na escolha dos alimentos e a personalidade da

pessoa doente são apontadas pelo familiar cuidador como uma das suas

dificuldades na hora das refeições.

A alimentação passa a ser um instrumento de luta contra a doença que o familiar

cuidador pensa que pode controlar. Ele espera que a alimentação contribua para a

cura e o fortalecimento do organismo, e ao mesmo tempo, induza alguma

qualidade de vida.

No princípio, o familiar cuidador, ao deparar-se com as alterações alimentares faz

uma comparação com os hábitos alimentares anteriores, da pessoa doente. Desta

forma, justifica as alterações ao afirmar que habitualmente a pessoa doente comia

pouco mas com satisfação, ou então, já não tinha uma alimentação equilibrada.

Portanto, a quantidade que ingeria atendendo que era pouca, era suficiente para o

consumo energético. No sentido de se auto desculpabilizar, por não ter detectado

mais cedo a doença explica que trabalhava, pelo que não poderia estar presente

às refeições.

Page 110: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

110

A recusa gera preocupação e o familiar cuidador, durante o dia, tem pensamentos

repetidos com a alimentação. Pensa repetidamente como compensar a

alimentação, questiona se irá comer o que prepara e se, o que está a cozinhar, é o

mais indicado. O familiar cuidador pode não compreender os motivos da recusa.

Os dados confirmam o sentimento de revolta contra a pessoa doente, por todo o

seu esforço para a alimentar e lutar para viver, não estar a ser recompensado. “

(…) Chegava a ir comprar papas nestum, comprava de tudo gelatinas, fruta, peras,

maças, tudo para cozer, fazia de tudo e nada … era isso que me revoltava, às

vezes ter que fazer e ele não aguentar (…)”E6. E revolta-se contra si, por estar a

forçar a alimentação, provocando desconforto. O sofrimento do cuidador aumenta

com o agravamento da doença e a perspectiva da morte. As estratégias para lutar

contra a recusa intensificam-se, à medida que esta se torna mais evidente.

Premeia, inicialmente, a manutenção das rotinas alimentares estimulando a ida à

mesa, mantendo os horários e as refeições em família que promovem o convívio e

a partilha afectiva. Os vómitos, para alguns familiares, são uma realidade desde o

início da doença, daí que antecipem essa necessidade levando uma bacia para

aparar o vómito na hora das refeições ou tentando esconder o acto de vomitar, dos

outros familiares à mesa. O próprio odor e a visualização dos alimentos podem

afectar o apetite, e exigem uma solução ao cuidador, este procura tirar as panelas

da mesa e pôr pouca comida no prato. A mudança temporária de habitação, para

junto do mar, como forma de estimular o apetite, é outra das estratégias utilizadas.

O familiar ao se aperceber da diminuição da ingestão alimentar vigia as refeições,

telefonando, observando, presenciando e levando os alimentos preparados. A

tentativa de encontrar soluções que compensem a alimentação arrasta-o para uma

procura de informação sobre suplementos alimentares, junto dos profissionais de

saúde e de outras fontes como a internet.

O cuidador focaliza as suas estratégias nos alimentos, ao perguntar o que a

pessoa deseja comer, satisfazendo os desejos pontuais e cozinhando os alimentos

preferidos. Passa a fazer um reforço hídrico, aumenta a frequência das refeições e

procura comprar alimentos de maior qualidade.

Numa tentativa de forçar a alimentação mas sem entrar em conflito directo com a

pessoa doente, coloca em locais visíveis e acessíveis, alimentos para a pessoa

cuidada se alimentar quando quiser. “ (…) Eu às vezes punha na mesa-de-

cabeceira, punha um pacotinho de leite, para não estar a tentá-lo (…) “ E6

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111

Todas as estratégias são válidas, altera os temperos, introduz novos alimentos

como as papas dos bebés, muda a consistência dos mesmos, cozendo e

triturando. “ (…) Começámos por usar o sistema das sopinhas dos bebés, fomos

um bocado por aí, tudo “passadinho” (…)”E5. Faz frente às novas dificuldades

experimentando, sucessivamente, novas estratégias pois a referência dos hábitos

e das preferências alimentares prévias desaparecem.

O familiar cuidador foca as suas estratégias na pessoa, sobretudo durante as

refeições. O desconforto dos sintomas são constantes e o familiar cuidador

reconhece isso mas, mesmo assim, alicia a pessoa doente a comer ignorando-os.

“ (…) - ó B come lá um bocadinho porque alguma coisa há-de lá ficar. Pronto, pelo

menos as paredes do estômago hão-de ficar untadas com um bocadinho de

azeite, para ver se aguentas um bocadinho. (…) “ E6. A introdução de novos

alimentos, uns iogurtes, uma gelatina, um pudim, uma fruta, um batido por

sugestão dos profissionais de saúde, e que não faziam parte da dieta habitual,

parecem uma solução, “ (…) só que a estas pessoas já com uma certa idade é

muito difícil a gente conseguir lhe dar um batido. (…)” E7 e o cuidador explica as

vantagens dos mesmos. O familiar cuidador sente conforto, alegria e tranquilidade

por alimentar e vê em cada refeição uma vitória frente à morte. No entanto,

percebe que a pessoa doente tanto come para lhe fazer a vontade, como por

obrigação. Acredita que ao forçar a alimentação a pessoa doente não se sente

compreendida e até fica revoltada. Ambos sentem tranquilidade quando o cuidador

deixa de forçar a alimentação. A transição para a fase paliativa acontece ao se

consciencializarem da proximidade da morte, tendo conhecimento que a doença é

evolutiva e incurável. As repercussões do sofrimento nos cuidados com a

alimentação são mais evidentes, como é caracterizado na próxima fase.

Entre o aceitar e o negar a morte – recusa alimentar sistemática

consciencializando a proximidade da morte

De acordo com os dados, o familiar cuidador é informado da mestastização do

tumor e reconhece que a pessoa doente piora, após intervenções terapêuticas de

intento curativo. É informado que as intervenções serão apenas paliativas, os

internamentos passam a ser recorrentes. A pessoa doente aumenta a sua

debilidade física, fica mais desorientada a nível cognitivo e mais fatigada.

Page 112: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

112

Ao saber que a morte está mais próxima não se sente preparado para a perda. “

(…) Eu não me conformo. Isto é duro para mim. Tudo, tudo… (chorar) (…)”E3.

Antecipa o sofrimento futuro, procura significado para a perda e tem medo de não

saber lidar com esse sofrimento, tem a sensação de que não há nada a fazer, não

há cura só resta esperar pelo pior, a morte. O familiar cuidador tem sentimentos de

revolta, de desamparo e culpa, e resigna-se plácida ou estoicamente. Identifica-se

com o sofrimento da pessoa doente, sofre por o ver a sofrer e revolta-se contra a

doença, tal como ele. Mais próximo da morte, o familiar cuidador, pode oscilar

aceitar a morte e a negá-la, com respostas contraditórias. Pode racionalmente

conhecer proximidade da morte e negá-la emocionalmente, tal como foi

verbalizado. “ (…) Mas quando explicam as coisas e a pessoa começa a somar

dois mais dois tem de dar a mão à palmatória. As coisas são mesmo assim. É

capaz de ser muito racional e ter muita lógica para um indivíduo que eu não

conheça (…)” E10. Tanto sente alterações físicas como fadiga ou insónias como

refere dificuldades de concentração e resolução de problemas.

A recusa alimentar sistemática acompanha a crescente consciencialização da

proximidade da morte. A ideia de que a pessoa doente morre independentemente

de a alimentar ganha coerência. Progressivamente, o familiar cuidador admite que

está a perder o controlo na alimentação e projectivamente da doença. “ (…) E ele

fazia as refeições mais ou menos, só que depois numa semana e meia, ficou a

assim. A partir daí foi uma degradação total, agora é…, quem sabe… (…) “E6.

O emagrecimento contínuo provoca alterações da imagem corporal que espelha a

morte. A ausência da pessoa doente é sentida como a uma perda.

As refeições deixam de ter o horário de há tantos anos estipulado. O momento de

convívio e de reunião familiar, simplesmente, deixa de existir quando a pessoa

deixa de ir à mesa. O próprio conceito de refeição deixa de fazer sentido.

A recompensa afectiva que era positiva passa a ser negativa, “ (…) eu dizia, eu

não mereço isto, eu não mereço este castigo (…)”E10. Os dados demonstram que,

o acto de alimentar é um sofrimento, um castigo e estar à mesa uma obrigação. O

familiar cuidador considera que a refeição que preparou com carinho quando não é

ingerida é uma rejeição do seu amor. Alimentar torna-se um acto de sobrevivência

alimenta-se para viver, para adiar a morte. A recusa alimentar é sinónimo de

morte. Sem alimento aumenta a debilidade física e, o familiar cuidador tem medo

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113

que a pessoa morra à fome. Torna-se claro para alguns cuidadores que a recusa

se deve ao cancro mas para outros há uma oscilação entre os motivos

psicológicos e o cancro. Gradualmente, o familiar cuidador, identifica os alimentos

que vão sendo excluídos e há uma recusa gradual de sólidos até comer só

líquidos, e depois de ingerir só líquidos, o cuidador, sente que há uma grande

renitência em comer.

O sofrimento emocional intensifica-se e as respostas vivencias são únicas para

cada cuidador. O familiar cuidador reconhece que a recusa é um problema, face

isto desenvolve sentimentos de ansiedade, aflição, angústia, desanimo,

impotência, frustração e tristeza. O entrevistado 4 refere que às refeições agora,

no hospital, lida “ (…) mal, muito mal, muito ansiosa, muito mal, para já é uma

ansiedade. Eu vejo que está a chegar a hora dele comer e sei, sei que ele vai dizer

que não. Tenho sempre aquela expectativa será que vai comer alguma coisa e

depois quando se chega às vias de facto ele não come e depois é mais um

bocadinho de mim que se vai perdendo. (…)”.E4

O desespero advém de várias situações, entre elas, a maior selectividade com a

alimentação, os vómitos e as náuseas incontroláveis, o não deglutir e retirar a

comida da boca. A propósito disso o entrevistado diz “ (…) às vezes ficava

desesperada por ele não comer, dizia-lhe:

- eu não me importa eu vou-me deitar. Ficas sem comer! Ficas sem comer!

(…)”E1.

O familiar cuidador alimenta a falsa esperança que a pessoa doente possa

melhorar da sua situação de saúde ao engordar. Deseja que melhore com o

tratamento e deixe de vomitar. Identifica-se com os sentimentos do doente e

projecta a incerteza da doença nas alterações alimentares. Por isso, sente

tranquilidade quando a pessoa doente se alimenta, “ (…) As últimas refeições

eram mesmo horríveis. Ao deitar é que ela conseguia beber o leite, comer umas

bolachinhas e eu ficava mais descansada (…)”E9, pensa que por mais um dia a

morte foi adiada, ” (…) Comeu estou mais descansada. Sempre vai vivendo,

sempre se vai alimentando (…)” E1.

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114

Negam o cancro ao negar as alterações alimentares. Vivem com a incerteza da

doença, agem com agressividade, falam com arrogância, exaltam-se, sentem raiva

e impaciência o que gera conflito na hora das refeições, quando a pessoa recusa.

Esta agressividade é dirigida a quem não o compreende e os profissionais de

saúde, não são excepção. O familiar cuidador não entende que os profissionais de

saúde não obriguem a pessoa doente a alimentar-se e duvidam da eficácia das

suas intervenções. “ (…) Até que eu me estou a admirar bastante aqui no hospital,

um dia como ontem em que ele não comeu, não lhe darem um suplemento

qualquer, qualquer coisa para o alimentar. (…)” E7. Os dados, por nós analisados

mostraram que os profissionais de saúde informaram das alterações alimentares, e

aconselharam sobre estratégias para facilitar a alimentação. Contudo, a avaliação

destas intervenções dividem-se entre positivas e negativas. Esperavam que os

profissionais lhes dessem mais apoio no seu sofrimento, sentem-se

incompreendidos e desvalorizados no seu sofrimento. Têm a ideia de que os

profissionais, numa fase terminal da doença, não valorizam as alterações

alimentares e não compreendem o medo que têm de que morra à fome.

O familiar cuidador pode oscilar entre a resposta racional e emocional.

Racionalmente já aceitou a perda nas emocionalmente ainda não o conseguiu

fazer totalmente. Sente remorsos das atitudes que teve e culpa-se ao pensar que

deixa a pessoa doente a morrer à fome “ (…) Eu não estava a tratar da minha mãe

como deve ser. A minha mãe estava a morrer à fome eu dizia assim:

- Eu estou a matar a minha mãe à fome! A minha mãe não come! (…)”E8

As estratégias para alimentar focadas na pessoa doente intensificam-se,

traduzindo o seu sofrimento. Se no início perguntava o que a pessoa desejava

comer, no final, dá aquilo que a pessoa consegue comer, sopa e líquidos.

O aumento da ingestão alimentar passa pelo controlo de sintomas através da

medicação. A persuasão passa a coação, a alimentação é forçada através da

deglutição com água, insistindo, teimando, obrigando, gritando. Os outros

familiares também não ficam indiferentes e pressionam a pessoa doente, a se

alimentar. O familiar cuidador recorre a chantagem emocional dando falsas

esperanças de melhorar “ (…) então eu digo-lhe para ter forças, para ter força ela

precisa de comer aquele bocadinho que eu lhe dou, para puder ir para casa, para

depois em casa se puder levantar e ser autónoma como ela sempre gostou de ser

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115

para não estar dependente de ninguém. E é assim que eu tento convencê-la a

comer um pouco (…)”. E10. Finge estar ofendido com a recusa, mostra-se triste,

ameaça internar no hospital ou num lar, pois sabe que a pessoa doente não o

deseja. Tenta criar um sentimento de culpa na pessoa doente, por esta não se

alimentar. O sofrimento chega ao ponto de confrontar a pessoa doente com a sua

própria morte, “ (…) e eu dizia-lhe isto não pode ser, não pode viver sem comer.

(…)” E4. Infantiliza a pessoa doente como se tivesse ficado destituída do seu

poder. E socorre-se das estratégias que foram utilizadas na infância como

embuste, utilizar diminutivos, impor pela autoridade, castigar não se despedindo,

brincar, sentar para eructar como se fosse um bebé, ralhar. “ (…) Puxava-a para

mim, aconchegava ao meu peito “ vá mãe”, batia-lhe como se fosse um bebé… e

ela dizia assim:

- Mas eu não sou um bebé!

-…estás…Arrota lá...ela arrotava… (…)” E8.

A apreensão para compensar a alimentação com alimentos de maior valor

nutricional aumenta, logo que a alimentação passa a ser à base de líquidos. As

sopas são cozinhadas com mais vegetais e reforçadas com carne e peixe

triturados. Faz batidos, papas com ovo, procura alimentos que tenham reforço de

minerais como leite enriquecidos. Os suplementos alimentares e as papas de

bebés tornam-se uma alternativa tal como os pudins e as gelatinas.

No momento, em que se apercebe que a recusa é irreversível e não a consegue

controlar, começa a respeitar a vontade da pessoa doente e não obrigar ou insistir.

Contudo, tenta sempre alimentar. “ (…) Eu acho que há um egoísmo da minha

parte, eu sei que é um egoísmo da minha parte, é o insistir para que ela coma,

mesmo sabendo que não vai servir de nada mesmo sabendo que ela está a fazer

um grande sacrifico para me fazer a vontade. É um egoísmo da minha parte

porque estou a pressioná-la para fazer uma coisa que lhe custa, mas não consigo

deixar de alimentar (…)”. E10

A vizinhança da morte gera sentimentos de impotência, por não saber o que fazer

ao sofrimento da pessoa doente. A pessoa perde, transitoriamente, a finalidade de

viver ao esmorecer dos projectos futuros, perspectiva a solidão e as dificuldades

financeiras. As perdas são rápidas e sucessivas, e o familiar cuidador, manifesta

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116

dificuldade em se adaptar às mesmas. Todavia, para se adaptar diverge em

estratégias centradas na recuperação ou na perda. Ao organizar-se para recuperar

desenvolve actividades como arrumar a casa ou manter a sua actividade laboral. A

família e os amigos são pontos de apoio e, simultaneamente, uma motivação para

continuar a viver. Procura não criar falsas expectativas e viver um dia de cada vez.

Ao centrar-se na perda, o familiar cuidador, tem pensamentos recorrentes com a

perda e deseja retornar ao tempo em que era feliz. Chora, a maior parte das vezes

sozinho, e procura proteger a pessoa doente do seu sofrimento. A resposta ao luto

está condicionada pela forte vinculação à pessoa doente, a motivação para viver,

as crenças acerca do cancro e outras perdas concomitantes. As recordações

reminiscentes de perdas anteriores levam a reviver as estratégias que utilizaram

para as superar.

A possibilidade de levar a pessoa doente para o domicílio, quando está próxima da

morte, é algo que levanta algumas dificuldades ao familiar cuidador. Primeiro, por

já ter cuidado antes, sabe as repercussões que isso teve na sua vida, a nível

financeiro, familiar, físico além de todas as respostas psico-emocionais, que já

foram referidas anteriormente. Portanto, a hipótese de alta faz com que o cuidador

equacione as dificuldades em encontrar apoio domiciliário e até critica o estado,

pela falta de apoio para cuidar no domicílio, pela falta de direitos que o proteja e

pela escassez de hospitais de retaguarda. O familiar cuidador sente medo de não

ser capaz de cuidar e não saber responder às necessidades da pessoa, por não

ter meios nem formação para isso. Essencialmente, os dados revelam que o

familiar tem medo que a pessoa morra em casa.

Dentro desta fase de acordo com os dados consideramos que existe a sub-fase

descrita pelos entrevistados cujo familiar já estava numa fase agónica.

Morte iminente – recusa alimentar absoluta

O familiar cuidador ao ver a pessoa doente na fase agónica nem sempre é capaz

de reconhecer e aceitar que ela está a morrer. Os sinais que o levaram a confirmar

que a pessoa doente estava a morrer foram, a recusa absoluta, a prostração e o

facto de não tem “brilho nos olhos”. Perante estes sinais, tanto insistiu para

alimentar como não alimentou. Em alguns casos já tinham deixado de insistir com

a alimentação, e neste momento, voltaram a fazê-lo, como se fosse o último

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117

recurso para manter a pessoa doente viva. Simplesmente, o deixar de alimentar

pode gerar um sentimento de culpa e abandono.

O internamento possibilita, ao cuidador, não ser confrontado constantemente com

o sofrimento da pessoa doente e assegura toda a assistência possível até à morte.

Por outro lado, crê que o hospital é um local aonde o deixa para morrer. Os dados

revelam que, o cuidador acredita que o soro hidrata e alimenta, mas em alguns

casos, não é suficiente para nutrir. O familiar ao ver que a soroterapia é

interrompida acredita que a morte é uma realidade iminente e irreversível e não há

mais nada a fazer. A espera da morte cria revolta no familiar cuidador, por a outra

pessoa estar a sofrer sem poder fazer nada.

O esquema 12 sintetiza os dados analisados.

Sumariando o esquema, concluímos que pelos dados analisados a alimentação é

um barómetro da doença na qual o familiar cuidador projecta as suas respostas à

perda. O familiar cuidador está a vivenciar simultaneamente um processo de

transição de desenvolvimento pessoal que decorre ao longo da doença e persiste

mesmo após a morte da pessoa cuidada. Em concordância com os dados existem

factores condicionantes inerentes ao contexto da alimentação e da doença que se

influenciam entre si e influenciam as respostas que o familiar cuidador tem perante

a recusa alimentar e a perda. Há um paralelismo entra as categorias do processo

de transição para a recusa alimentar e as categorias da transição para o

desenvolvimento pessoal ao longo da doença, daí ser impossível dissociar uma da

outra. A caracterização do contexto da doença, que envolve o familiar cuidador, e

sua interacção com a pessoa doente facilita e enriquece a compreensão de toda a

situação que o familiar cuidador está a vivenciar. Os dados por nós analisados

outorgam que o processo de transição para a recusa é uma projecção desta

transição de desenvolvimento. Cada pessoa tem características únicas que

individualizam as suas respostas em todo o processo. A compreensão desses

factores, pelo familiar, cuidador sofre uma evolução no decorrer da doença por

esse motivo apresentámos a recusa esquemática e didacticamente em três fases

tendo a última uma subdivisão, a morte iminente, por o familiar cuidador modificar

a sua resposta vivencial. Os principais dados serão no capítulo seguinte

discutidos.

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118

Esquema 12 – Contributo para a compreensão do processo de transição do familiar cuidador para a recusa alimentar

Fases de transição para o desenvolvimento pessoal ao

longo da doença

• Diagnóstico alerta para a doença • Curtativa-Confirmação da doença • Paliativa-proximidade da morte

Factores do contexto da alimentação que condicionam

as respostas vivenciais • Função da alimentação • Motivo da recusa • Intervenção dos profissionais de

saúde • Crenças sobre a soroterapia

Respostas vivenciais à recusa alimentar

Estratégias para alimentar

Respostas emocionais e

cognitivas

Fases de transição para a recusa alimentar

• Despertar para a doença - sem recusa

• Lutar para viver - recusa inicial • Entre o aceitar e o negar a morte

- recusa sistemática - Morte iminente - recusa absoluta

Factores do contexto da doença que condicionam as respostas

vivenciais • Crenças sobre o cancro • Crenças sobre o hospital • Condicionantes das respostas

ao luto • Actividades do cuidador no

domicílio

Respostas vivenciais à perda

Estratégias de adaptação à perda

Respostas emocionais, cognitivas, físicas e

familiares

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5. Discussão dos resultados

Neste capítulo é nossa intenção discutir os resultados realçando os aspectos mais

pertinentes, tendo em conta os objectivos que pretendemos atingir, e as

perspectivas teóricas apresentadas. Na revisão bibliográfica expusemos outras

investigações acerca do impacto da perda de apetite e do peso, do familiar

cuidador, como foi o caso de Souter (2005) e Hopkinson et al. (2006). McClement

et al. (2004) que investigaram as “estratégias de coping” utilizadas pelo familiar

cuidador face à recusa alimentar. Shragge et al. (2007) estudaram o processo

adaptativo de compensação da anorexia e as suas consequências emocionais e

sociais na pessoa doente. No entanto, não houve referência na literatura, a

nenhum estudo do processo de transição do familiar cuidador para a recusa

alimentar, por isso, equacionámos este estudo qualitativo, exploratório e descritivo.

A transição, tal como definida por Meleis et al. (2000) é um processo “resultante de

mudanças e resulta em mudanças de vida, saúde, relações e ambientes ocorrendo

num período de tempo”. A transição tem factores condicionantes facilitadores ou

inibidores. A pessoa pode viver uma experiencia de transição singular ou múltipla,

sequencial ou simultânea. Ora, os dados por nós analisados corroboram um

processo de transição situacional, no que refere à recusa alimentar, coexistindo

com um processo de transição de desenvolvimento pessoal, face à perda da

pessoa doente. O familiar cuidador ao viver a mudança das alterações alimentares

da pessoa cuidada tem de se adaptar, desenvolvendo competências para o

alimentar. Simultaneamente, sofre ao viver a transição de desenvolvimento,

antecipando a perda do seu familiar. Este processo de desenvolvimento pessoal

só é entendido à luz do processo de transição saúde/doença da pessoa cuidada. A

compreensão global, do processo de transição do familiar cuidador para a recusa

alimentar, é indissociável da experiência da pessoa cuidada, o que vai ao encontro

do reportado por Schumacher colaboradora de Meleis (2000). Esta refere que, a

transição para o papel de cuidador do doente oncológico a realizar quimioterapia

não pode ser compreendida, isoladamente, da transição saúde/doença vivida pela

pessoa doente.

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O familiar cuidador ao falar da pessoa doente demonstra uma certa simbiose com

o seu sofrimento, pronuncia-se na primeira pessoa do plural, “nós”, como se o

sofrimento fosse uno, nessa díade “pessoa cuidador” – “pessoa cuidada”, ou uno

para a família. Demonstrando que, o acontece a um elemento acontece aos

outros, enquadrando-se na explicação da teoria dos sistemas familiares (Alarcão,

2002; Relvas, 2003). Porém, quando fala do seu sofrimento personaliza-o e

converge-o para a primeira pessoa, “eu”. A família é um sistema que sofre

influências sociais, económicas, institucionais, políticas e ambientais. A doença de

um indivíduo pode originar uma crise familiar. Deste modo, justifica-se que o

processo de doença da pessoa cuidada e todas as alterações alimentares se

reflictam no familiar cuidador, desencadeando, os seus processos de transição.

Ao analisarmos os dados verificámos que, o familiar cuidador projecta o seu

percurso de desenvolvimento pessoal ao longo da doença, na alimentação e no

acto de alimentar. As sucessivas alterações alimentares da pessoa doente são um

espelho da progressão da doença para o familiar cuidador, Hopkinson et al.

(2006), Poole et Froggatt (2002) já tinham concluído que a alimentação é o

barómetro da doença para os familiares.

Similar ao processo de luto, o familiar cuidador vive o processo de transição para a

recusa alimentar de uma forma contínua. No entanto, para facilitar a sua

explicação e compreensão, subdividimo-lo em três fases, meramente didácticas,

abrangendo a última uma subfase.

As fases propostas são:

• Despertar para a doença – sem recusa alimentar; • Lutar contra a doença – recusa alimentar inicial; • Entre o aceitar ou negar a morte –recusa alimentar sistemática;

� Morte iminente - recusa absoluta.

Estas fases do processo de recusa alimentar do familiar cuidador têm uma

correspondência com o seu processo de desenvolvimento pessoal que são:

• fase de diagnóstico - alerta para a doença; • fase curativa - confirmação do cancro; • fase paliativa - consciencialização da proximidade da morte.

A recusa alimentar é usual ao longo da doença, especialmente na fase paliativa,

contudo, atendendo à especificidade de cada pessoa, assim como no luto, existem

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elementos únicos que caracterizam o processo de cada interveniente. Estas

peculiaridades tornam as fronteiras entre as fases do processo de transição, do

familiar cuidador, pouco delimitadas e o percurso entre as fases irregular. Há quem

faça um percurso sequencial, há quem regrida em termos de fase, há quem oscile

entre cada fase e há quem suprima fases.

A exacerbação dos sintomas e a progressiva dificuldade em alimentar, pela

redução gradual de sólidos até ingerir só líquidos ou nada, são os alertas que

levam o familiar cuidador a mudar a consciência da evolução da doença e a

adaptarem-se. Claro que, contextualizando na doença, o familiar é informado do

cancro, observa e acompanha a evolução da doença até o cessar os tratamentos

curativos e transitar para a fase paliativa. Os internamentos são recorrentes e as

alterações da auto-imagem pelo emagrecimento, o isolamento da pessoa doente,

o deixar de comer, a dispneia, a prostração são o colmatar para a morte iminente.

Os dados por nós analisados revelam que o processo de transição para a recusa

alimentar tem factores condicionantes inerentes ao contexto da doença e ao

contexto da alimentação. Estes factores influenciam-se e são influenciados pelas

respostas vivenciais do familiar cuidador, quer à recusa, quer à adaptação à

doença.

Entre os factores do contexto da alimentação que condicionam as respostas vivenciais estão:

• motivos da recusa apontados pelo familiar cuidador; • função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador; • crenças sobre a soroterapia; • intervenção dos profissionais de saúde.

Entre os factores do contexto da doença que condicionam as respostas vivenciais

constam:

• condicionantes do luto; • crenças sobre o cancro; • crenças sobre o hospital; • actividades do cuidador no domicílio.

Compreender a função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar

cuidador foi um dos objectivos desta investigação. Pretendemos com este

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objectivo clarificar, a importância e o significado, que este atribuiu à prática da

alimentação, nos seus cuidados e na sua vida. “ A compreensão dessa estrutura

de significações pode permitir a correcção de falsos conceitos e distorções

cognitivas” (Gameiro, 2004:43). As respostas emocionais e cognitivas, do familiar

cuidador, perante a recusa e as estratégias para alimentar são justificadas,

parcialmente, com as sucessivas mudanças que a função da alimentação adquire

na estrutura de cuidados. Os dados analisados atestam que a função da

alimentação modifica-se ao longo da doença, do mesmo modo que, os outros

factores condicionantes mudam. Esta evolução sucede em consequência da

adaptação que o familiar cuidador está a fazer à recusa alimentar e às perdas

emocionais, físicas e psicológicas da pessoa doente.

Maslow (Chiviavenato, 2000) caracteriza a alimentação como uma necessidade

humana básica, Collière (2003), adita, numa perspectiva sócio antropológica da

enfermagem, que é uma prática ancestral de sobrevivência anterior aos cuidados

com a doença. O familiar cuidador considera que a alimentação tem uma função

fisiológica, terapêutica e sócio-afectiva. A função terapêutica da alimentação

subdivide-se entre a promoção de saúde e a recuperação. As dietas prescritas por

Hipócrates (Giddens, 2000) e os conselhos de Nightingale (2005), para recuperar a

saúde através dos alimentos, ainda estão enraizadas na nossa cultura actual. A

crença social e cultural de ser forte, saudável e imune a doenças deve-se a uma

boa alimentação estão presentes nos nossos dados. Collière (2003:181) afirma

que “as práticas alimentares não consistem apenas em dar de comer. São um

suporte da comunicação, da partilha, da descoberta do desconhecido pela

introdução progressiva dos alimentos diversificados”. Tal, fundamente e justifica, a

valorização da função sócio-afectiva impressa na alimentação que foi descoberta

nos nossos dados. Aliás, as subsubcategorias que a caracterizam são mais

numerosas do que as subsubcategorias que a remetem para a necessidade básica

e terapêutica. Poole et Froggatt (2002), Holder (2003), Hopkins (2004) já tinham

relatado a importância para os cuidadores de expressarem o seu amor através da

alimentação. Durante as refeições a família reúne-se, convive, auxilia os filhos,

transmite e partilha afectos e incute regras sociais, que prevalecem para toda a

vida. As recordações agradáveis de datas festivas gravitam em torno da

alimentação. Confirmando o que foi referido por Hopkinson et al. (2006) e Strasser

et al. (2007) a alimentação funciona como uma recompensa afectiva, as alterações

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alimentares interferem com este sistema afectivo sub-reptício da família. Os

nossos dados acrescentam que, o familiar cuidador sente que essa recompensa é

positiva quando tem sucesso no seu intento de alimentar, sentindo alegria,

conforto e acima de tudo uma vitória contra a morte. Assim que, as perdas se

avultam, com o agravamento da doença e a proximidade da morte, esta

recompensa passa a ser negativa “ (…) agora dar-lhe de comer era mais um

“traumazinho” que a gente tinha, coisas boas nisso eu não encontro. (…)”E10.

Os alimentos comprados e cozinhados com carinho são rejeitados, sentindo assim,

que os seus cuidados e o seu amor são rejeitados. A família perde o prazer social

de se reunir à mesa e as regras familiares como os horários de refeição, que a

alimentação impunha, também se perdem. Quando a pessoa doente, quer por

motivos físicos ou por se isolar, não participa nas refeições, o familiar cuidador

considera que esse momento de forte interacção familiar deixa simplesmente de

existir, o que existe é um substituto. O que demonstra o profundo impacto social,

afectivo e familiar que a alimentação tem no familiar cuidador (Hopkins, 2004).

A função terapêutica e fisiológica, de luta contra a doença e sobrevivência,

fortalece-se, desde o agravamento da doença até à proximidade da morte, ou seja,

a partir do momento em que o cancro ganha visibilidade para o familiar cuidador.

Até aí, numa fase de despertar para a doença, o familiar cuidador considera que a

pessoa doente não tem recusa, esforça-se para se alimentar e até se surpreende

com os seus desejos alimentares. “ (…) Parecia uma pessoa grávida com aqueles

pedidos (…)”E9. A sua expectativa de cura é elevada logo a morte pelo cancro

parece ainda distante. “ (…) O significado de alimentar é viver. Uma pessoa sem

alimento não pode viver (…)” E10. De facto, “a manutenção, a continuidade da

vida não poderia ser garantida em tudo o que contribui para restaurar sem

recorrer, incessantemente, a essa indispensável fonte de vida que é o alimento”

(Collière, 1999:45). Atrevemo-nos a dizer, que a alimentação é para o familiar

cuidador um instrumento de luta para a compensação do equilíbrio nutricional.

Essa arma pode vencer a doença e a morte, uma vez que, segundo o cuidador,

quem come vive, tem defesas é saudável e forte. O percurso regressivo da

alimentação opõe-se à introdução dos alimentos na infância. Se na infância quem

cuida vê, ao introduzir os alimentos na dieta o crescimento do bebé, numa fase de

doença, o cuidador vai progressivamente suprimindo os alimentos e vê o

agravamento da doença. A recusa alimentar é gradual, mas o familiar cuidador,

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contabiliza, identifica e nomeia os alimentos que sucessivamente são banidos. A

carne e o peixe são logo excluídos até só o alimentar com líquidos, depois nem de

líquidos consegue. A recusa alimentar é o catalisador da morte que tentam a todo

o custo retardar. Esta provoca debilidade física e patenteia o desistir de viver. Os

familiares por nós entrevistados, tal como os de McClement et al. (2004)

acreditam, quando lutam pela vida, que alimentação vai impedir a progressão da

doença. No final, a alimentação serve, unicamente, o propósito de manutenção da

vida e a sobrevivência.

A análise dos nossos dados revela que o familiar cuidador atribui a recusa

alimentar a uma multiplicidade de motivos, para além dos sintomas físicos. Melhor,

os motivos da recusa referidos pelo familiar cuidador modificam-se na medida em

que, este se adapta às perdas da pessoa cuidada, impostas pela doença.

Na fase de despertar para a doença, correspondente a uma fase de diagnóstico e

alerta, o familiar considera que as alterações alimentares, como o emagrecimento,

a anorexia, as náuseas, os vómitos, a disfagia, a redução da quantidade ingerida

ou a recusa de sólidos são encaradas como um alerta para a doença, juntamente

com outros sintomas. O familiar cuidador justifica essas alterações como habituais

para a pessoa doente, todavia são um motivo para procurar ajuda dos profissionais

de saúde e iniciar um percurso de investigação da doença. “(…) se havia no meio

dessas queixas e sintomas, pronto, à vista o perder bastante peso, teria de haver

algo que justificasse o facto de ele não ter apetite. (…)” E5.

Numa fase de lutar contra a doença, após a confirmação do cancro e em fase

curativa, o familiar cuidador já atribuiu a recusa alimentar a causas físicas como o

agravamento das naúseas e dos vómitos, disfagia, anorexia, e a causas

psicológicas. Twycross, (2001), Holder (2003) e Sancho (2005) já as tinham

sumariado anteriormente. Os familiares também oscilam em termos de motivos, tal

como, oscilam em termos de resposta vivencial à doença, “(…) era não querer ou

por não ter apetite, ou por depressão ou por recusa ou tudo junto (…)” E4.

Os motivos psicológicos referidos pelo familiar cuidador são, a personalidade da

pessoa doente e as reacções da pessoa cuidada à doença à doença, como a

revolta, o desânimo, a depressão. Acredita que a pessoa deseja morrer, pelo que

voluntariamente, cessa ou diminui a quantidade de alimentos ingeridos, embora, a

pessoa doente possa não verbalizar essa vontade. Este pensamento do cuidador

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pode perdurar até à morte da pessoa cuidada, negando que o cancro e que a

própria morte provoquem estas alterações.

A ideia de que a recusa alimentar pode ser a causa da morte é vulgar entre o

familiar cuidador (McClement, 2004; Allari, 2004; Porta et al., 2004), mas

considerá-la como uma forma de suicídio só tinha sido concluído por Souter

(2005). Na nossa investigação, apenas, temos o testemunho do familiar cuidador,

não poderemos argumentar se a pessoa doente vê na recusa alimentar uma forma

de suicídio. A história está repleta de exemplos de luta pacífica através da greve

de fome que conduzem à morte, Gandhi, é um exemplo da utilização dessa

estratégia (Giddens, 2000). Porém, colocamos a hipótese do familiar cuidador

associar esta recusa à anorexia nervosa, tão debatida na comunicação social, um

problema grave entre os adolescentes e actualmente nos idosos. O sofrimento do

cuidador, como foi dito anteriormente, pode fazê-lo negar os motivos da recusa,

crendo que a pessoa deseja morrer não comendo.

Regra geral, o cuidador ao não ter sucesso em alimentar, ou melhor, quando não

alimenta na quantidade que considera suficiente, refere que a pessoa doente é

difícil. A pessoa é difícil por não querer mudar a consistência dos alimentes, difícil

por estar mais selectiva na escolha dos mesmos, difícil por não aceitar novos

alimentos na sua dieta, difícil por não conseguir comer. Alguns interpretam a

recusa como uma criancice e chamada de atenção. Reflectindo no ciclo de vida do

ser humano, quem normalmente, tem uma dieta mole e líquida são os idosos, pela

perda das suas capacidades ou são as crianças, que não têm capacidade

fisiológica para suportar alimentos sólidos, nem são capazes de se alimentarem

sozinhas. Assim, na situação de doença e na infância, a alimentação adquire um

carácter de dependência de terceiros, contudo, com perspectivas de vida opostas.

A pessoa doente tem de aceitar que passa do cuidar-se ao ser cuidada. Mais

ainda, que ao perder as suas capacidades vai perdendo a vida. Na realidade, a

pessoa doente pode estar a fazer o seu processo de adaptação à doença e a

introdução precoce de alimentos que não faziam parte da sua dieta habitual, a

mudança de consistência da sopa e de outros alimentos podem-no precipitar num

confronto com perdas, para as quais ainda não está preparado para aceitar.

Shragge et al. (2007) confirma que a alimentação passa a ser um acto impossível,

desagradável e intelectualmente realizado. A diminuição da ingestão é uma forma

da pessoa doente se adaptar, mas o cuidador não tem consciência disso. “A

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família protege o doente, toma decisões por ele sobre a sua vida e sobre a morte,

criando um clima artificial e falso em seu redor” (Sapeta, 2000:11). Na realidade, o

esforço do familiar cuidador para compensar a alimentação pode ser encarado

como um acto de superprotecção, quando a pessoa doente ainda não necessita

destas alterações.

Progressivamente, pelo confronto sistemático com a recusa, na fase entre o

aceitar e o deixar morrer, correspondendo à fase paliativa, o familiar cuidador

começa a acreditar que o cancro gera as alterações alimentares. Os vómitos e as

náuseas adquirem um rosto que já não é só psicológico. O que coincide com o

progressivo reconhecimento e consciencialização da proximidade da morte.

“ (…) Porque uma pessoa com cancro no pulmão deve-se sentir muito mais fraca,

o fígado já não aceita tão bem as comidas. Uma pessoa compreende, mas até

chegar lá revolta um bocadinho (…) depois começa-se a ver a pessoa a sentir

mesmo mal-estar. Pensa-se não ela, é mesmo o fígado. Compreende-se, pelo

menos foi o que eu senti (…)”E9. Na presença da morte iminente, os sintomas da

agonia, como a dispneia e a prostração são o que impedem de alimentar.

Todos os estudos sobre a temática são unânimes ao referirem que o familiar

cuidador tem medo que a pessoa cuidada morra à fome. Os nossos dados

confirmam esta afirmação. “ (…) No último dia, no domingo passado, entrei em

pânico, foi um pânico assim, um pânico, quer dizer, um descontrolo. Eu isto não

posso o deixar estar, eu, eu estou a deixá-lo a morrer assim! Então segunda-feira

pensei trazê-lo para não morrer à fome. (…)” E4.

A fome é uma realidade incontestável no nosso planeta, diariamente, morrem

pessoas à fome, a história, não muito distante e a actual da nossa sociedade tem

timbrada essa palavra. Daí que, a recusa alimentar, numa fase terminal de doença,

o aspecto emagrecido da pessoa, com as proeminências ósseas salientes, as

alterações impressionantes na auto-imagem, sugerem ao familiar cuidador que a

pessoa doente vai morrer à fome. A caquexia é um estado progressivo de

emagrecimento acentuado, fraqueza, fadiga e edemas que não reverte com o

aumento do aporte nutricional (Twycross: 2001;Holden, 2003; Bruera:2003).

Enquanto que, a anorexia é caracterizada pela diminuição do apetite. Em conjunto,

são uma síndrome que distingue-se da privação alimentar por não provocar uma

depleção nas reservas proteicas intestinais e não desencadear mecanismos de

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defesa imunitários, presente na privação alimentar. Hudges et Neal (2000)

sugerem que a fome é um reflexo do ser humano a um imperativo biológico para

procurar comida. As pessoas que perderam esse estímulo pode subentender-se

que este foi minimizado ou neutralizado. Em consequência, da evidente relação

entre o medo de que morra à fome e o desistir de viver, o medo da perda e a

diminuição da ingestão alimentar, o familiar cuidador desenvolve estratégias para

alimentar a pessoa doente. A diminuição da ingestão alimentar é assumida como a

principal causa da debilidade física, em vez da progressão da doença, o que os

move para parar ou reverter a deterioração.

As estratégias para compensar a alimentação, utilizadas pelo familiar cuidador,

encontradas no nosso estudo são idênticas às encontradas em estudos anteriores

(Poole et Froggatt, 2002, McClement et al., 2004, Hopkinson et al., 2006, Strasser

et al., 2007).

Percebemos que o familiar cuidador utiliza estratégias mais agressivas para

compensar a alimentação, à medida que o seu sofrimento aumenta. Os conflitos

entre o familiar cuidador e a pessoa cuidada são notórios e reconhecidos pelo

familiar cuidador. Numa fase de luta contra a doença, o familiar cuidador, como

ainda não aceitou a perda tem necessidade de controlar a alimentação. Depois, ao

aceitar e reconhecer que esta recusa é diferente das anteriores e, definitivamente

persistente, diminui as suas estratégias de coacção e tenta não insistir. Com isso,

não quer dizer que não tente alimentar, mas oscila na sua estratégia ou deixa de

insistir. Na subfase de morte iminente, pode forçar a alimentação até ao final como

pode não alimentar, ou pode voltar a insistir quando já tinha parado de o fazer

antes, numa última tentativa de manter a sobrevivência. “É o nosso instinto

primitivo de protecção, mesmo que essa protecção esteja a fazer mal a quem

esteja a ser protegido. É o instinto (…)”E10.

À luz da teoria interpessoal das necessidades de Schutz (apresentada por

Littlejohn, 1988:216), uma pessoa relaciona-se com outra em função da satisfação

das suas necessidades. Este autor inclui três necessidades básicas, inclusão,

controlo e afeição. A inclusão refere-se à necessidade de ter relações satisfatórias,

isto é, estar interessado nos outros e suscitar interesse no outro. O controlo é a

necessidade de exercer poder sobre os outros moldando o comportamento. A

afeição é o grau de amor que cada um necessita, que se traduz pela distância e

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intimidade, numa relação. Numa relação saudável estes três factores manifestam-

se no respeito mútuo, pela competência e responsabilidade. A vinculação, ao

representar a sensação de segurança emocional e física, leva a que queiramos

manter a pessoa com quem estabelecemos uma intimidade profunda, por perto

(Rebelo, 2009). É indissociável a perda que o familiar cuidador sabe que vai viver.

Segundo, Bowlby (1998) o laço afectivo, o vínculo que os une, fonte de amor

verdadeiro, vai ser cortado com a morte, gerando sofrimento.

Pela perspectiva de Schutz, a necessidade de controlo do comportamento do

outro, no sentido de influenciá-lo a viver, de forma a manter o afecto que o incluía

numa relação satisfatória, levam o familiar cuidador a exercer controlo sobre a

alimentação. A recusa para o cuidador, na fase de luta contra a doença, é devido à

vontade de desistir de viver e a motivos psicológicos.

Simons, em 1974, desenvolveu o modelo transaccional de Mortenson

(apresentado por Littlejonh, 1998:250) da perspectiva de comunicação em conflito.

Para ele, “o conflito surge quando os interesses entre duas pessoas são de tal

modo incompatíveis que resulta numa luta”. (Littlejonh, 1988: 251). Acrescentou

ainda que, em situação de conflito a comunicação passa por sucessivas tentativas

influenciadoras do comportamento. Estas tentativas, basicamente, são:

• comportamentos indutores - recompensas que se utilizam para incitar a outra parte a fazer o que desejamos;

• comportamentos de coação - forçando a acção pela promessa e ameaça; • comportamentos de persuasão - é dada a possibilidade de escolha

voluntária à pessoa, apoiada na informação e argumentação.

O cuidador focaliza as suas estratégias para compensar e manter a alimentação

na pessoa, no ambiente e nos alimentos. Ele manipula todas as dimensões que

consegue, para que a pessoa doente aumente a ingestão. Todas as estratégias

são válidas, no início, passam por saber o que deseja comer, satisfazer desejos

pontuais, cozinhar os alimentos preferidos e vigiar as refeições. Caso, não viva

com a pessoa cuidada, leva as refeições preparadas. A tentativa de encontrar

soluções que compensem a alimentação arrasta-o para uma procura de

informação, sobre suplementos alimentares, junto dos profissionais de saúde e de

outras fontes como a internet. Aumenta a frequência das refeições, altera os

temperos, compra suplementos alimentares, muda a consistência dos mesmos,

cozendo-os e triturando-os. Introduz novos alimentos como os cereais, gelatinas,

pudins, papas dos bebés. As sopas são cozinhadas com mais vegetais, massas e

reforçadas com carne e peixe triturados. Strasser et al., (2007) apontaram, no seu

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estudo, que os casais se adaptavam às alterações alimentares através da

inovação, ou seja, adaptavam-se aos novos hábitos alimentares aprendendo sobre

coisas que não faziam parte da sua dieta anterior. Na nossa investigação, o

familiar cuidador experimenta e vai tentando sucessivamente, novas estratégias de

adaptação à alimentação. As preferências alimentares prévias desaparecem,

torna-se difícil encontrar algo que não provoque desconforto ou que não seja

imediatamente recusado nas primeiras tentativas. A sobrevivência é assegurada

ao esgotarem todas as ideias possíveis na preparação das refeições.

O familiar cuidador foca as suas estratégias na pessoa, sobretudo, durante as

refeições. A carga emocional acoplada é imensa. Estas estratégias são frequentes,

a partir do momento em que se consciencializam da gravidade da doença e da

proximidade da morte. O familiar cuidador exprime a sua agressividade na hora

das refeições e tem manifestações de impaciência, arrogância, exaltação, conflito

e raiva, ao ser confrontado com a recusa. O cuidador induz, persuade e coage.

Alicia a pessoa doente a comer, pedindo para ignorar o desconforto e os vómitos

que sente e explica as vantagens dos novos alimentos. A persuasão, rapidamente,

passa a coação, a alimentação é forçada através da deglutição com água,

insistindo, teimando, obrigando, gritando, ameaçando, colocando alimentos em

locais visíveis e acessíveis para que a pessoa cuidada possa alimentar-se quando

quiser. O cuidador recorre a chantagem emocional dando falsas esperanças de

melhorar e de cura, de visitar familiares significativos, fingindo estar ofendido com

a recusa, “ (…) Agora não comes, agora sinto-me triste. E agora o que é que eu

faço”-o que é que tu queres, eu não me apetece. Tive momentos assim (…)"E1 e

cria sentimentos de culpa na pessoa doente por não se alimentar. “ (…) O meu

marido dizia-lhe: -“Não vê que a sua filha também está a ficar doente por você não

comer… olhe que se ela for para um hospital, você vai também, você vai para um

lar, que não a posso ter!

Então ela olhava… e lá comia (…)”E8

O encorajamento feito pelos cuidadores e a presença do cuidador à refeição

parece ter um efeito coercivo (McClement, 2004; Hopkinson et al., 2006). A

presença às refeições, também foi uma estratégia dos nossos entrevistados, esta

é um modo, do familiar cuidador ajudar a pessoa a alimentar-se “ (…) passamos

aqui a vida sempre que podemos e damos-lhe a comida quando podemos (…)”E2,

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mas também, é uma maneira de controlar o que come. O cuidador sente que está

a fazer de tudo para alimentar o seu familiar. A pessoa doente, pai, mãe, marido,

deixa de ser a figura de autoridade e o cuidador investido de um outro papel,

recorre ao embuste, impõe pela autoridade, brinca, castiga, ralha, impõe como se

a opinião de quem é cuidado deixasse de importar. Infantiliza-a, desvalorizando-a,

como se tivesse ficado destituída do seu papel. O comportamento de

superprotecção e de infantilização é comum entre os latinos, pelo que consta em

Gòmez – Batiste et al. (1996) acerca da perda. Estes comportamentos escondem

sentimentos de ansiedade, de culpa e desespero, enfim, o sofrimento por sentirem

que estão a perder o seu familiar. O familiar cuidador, ao sentir que está a

negligenciar a alimentação tem sentimentos de culpa, impotência, frustração.

Apenas tem presente, o sentimento de perda, por isso, para si é imperativo que o

seu familiar se alimente para viver.

A alimentação é associada ao conforto, ao prazer e à saúde, uma necessidade

essencial à sobrevivência. Quem não come, morre. Este é um dado adquirido do

senso comum. Quando a pessoa doente está a recusar, envolta no seu próprio

sofrimento, o familiar cuidador, confronta-a com a morte, numa estratégia

inconsciente de puro desespero para o alimentar. “ (…) Eu dizia-lhe isto não pode

ser, não pode viver sem comer. (…)” E4. A pessoa doente é, como todos nós,

portadora dessa informação. Confrontá-la, como se não soubesse a consequência

da privação de alimentos, certamente, causa-lhe sofrimento. Resolutamente,

relembrá-lo da sua própria morte interfere com o seu processo de aceitação à

mesma.

A preocupação com a alimentação é uma constante ao longo do dia. O familiar

cuidador preocupa-se com o que vai alimentar, se o que cozinha vai ser tolerado,

se o que vai comer é suficiente “ (…) Depois é eu pensar o que é que eu vou fazer.

É uma coisa! Até de noite, o meu R. diz:

- Até de noite você está a pensar na comida.

Depois ponho-me a pensar o que será menos agressivo para lá ficar, para ver,

pronto. Mas nada do que eu fiz lá ficou, nem uma única vez (…) “ E6.

Strasser et al. (2007), referem que os casais encontraram serenidade quando

pararam de lutar devido à alimentação. O familiar cuidador resigna-se mas depois

oscila. Os nossos familiares cuidadores, gradualmente, ao aceitarem as alterações

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alimentares deixam de insistir e renasce a tranquilidade às refeições.

Compreendem que a recusa é irreversível, não a vão conseguir controlar, logo

começa a respeitar a vontade da pessoa doente, assim não insiste para comer ou

reduz na quantidade a ingerir. Contudo, tenta sempre alimentar e volta a satisfazer

os desejos alimentares como uma forma de carinho, apesar da pessoa doente não

se alimentar. Mesmo reconhecendo racionalmente a morte e acreditando que a

recusa alimentar é o catalisador da morte, o cuidador, no hospital, mesmo sabendo

que a pessoa irá recusar, continua a propor alternativas para alimentar ou “ (…) eu

digo-lhe que lhe trago a sopa dele de casa. Ele diz que não traga porque não quer,

não come. (…)” E4.

Alguns entrevistados reconheceram que a pessoa em fase agónica deixou de

comer por estar a morrer “ (…) Agora desde de sexta-feira que ele está assim, não

come nada. A “situação” vamos ver…! (…)”E5, outros recusam-se a pensar nessa

hipótese negando assim a morte e continuam a insistir “ (…) nós tentamos puxar

por ela, ainda agora com o sumo, tentámos dar-lhe o sumo, e ela lá bebeu mais

um bocadinho. Então é: ela já não quer, já não quer nada. É o que eu penso o

corpo já não aceita nada (…)” E9.

O familiar cuidador faz uma interpretação das reacções da pessoa doente quando

força a alimentação. Admite que esta, alimenta-se para lhe fazer a vontade, sente-

se revoltada e age com alguma agressividade verbal ou inclusivamente física, o

que demonstra nitidamente, que a pessoa cuidada está a ser contrariada na sua

vontade.

A expectativa, entre o familiar cuidador e a pessoa cuidada, acerca do que

consideram suficiente ingerir é obviamente diferente. Hopkinson et al (2006),

Strasser et al. (2007) já o tinham reiterado. As expectativas são uma antecipação

das possíveis respostas do outro, que influenciam os comportamentos de quem as

tem (Berlo, 1985: 118). Possivelmente, a pessoa cuidada está a adaptar-se à

diminuição acentuada da alimentação, enquanto o cuidador ainda está a lutar pela

sobrevivência, ao tentar manter um nível de ingestão alimentar compatível com a

sua ideia. A alimentação está ligada ao prazer e conforto, a pessoa doente

manifesta desconforto, com a alimentação e o familiar assiste a isso. Há poucas

evidências, que uma pessoa doente com caquexia oncológica, numa fase terminal

da doença, beneficie da alimentação com vista à sobrevivência, aliás existe riscos

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132

substanciais para o indivíduo. (Morss, 2006). O forçar a alimentação tem um

impacto negativo que reduz a qualidade de vida (Alliari, 2004).

As pessoas com prognóstico reservado ou risco substancial de complicações, que

preferem não receber suporte nutricional, podem manter-se durante semanas ou

meses com hidratação e um aporte nutricional mínimo. É ético não realizar

nenhuma dessas intervenções de acordo com o princípio da beneficência vs

maleficência (Morss, 2006). O aporte nutricional pode aliviar a fome quando está

presente, mas na maioria, numa fase terminal, esta não é sentida pela pessoa

doente. No final da vida, nomeadamente nas 48h precedentes à morte, a fome e a

sede não estão presentes (Adam citado por Eberhardie, 2002). Inúmeros estudos

revelaram que os doentes que não comem, estão confortáveis e alguns ainda

relatam um estado de euforia possivelmente relacionado com a libertação de

endorfinas (Allari, 2004). Alimentar deve servir o propósito do conforto e da alegria,

quando a pessoa doente se alimenta, ao lhe serem proporcionados alimentos de

que gosta ou com significado especial para si (Alliari, 2004; Morss, 2006).

Este familiar cuidador expressou que ao deparar-se com a recusa surge “ (…) esse

sentimento de pai, que tenta alimentar o filho e está a ver que o filho rejeita o

comer, e que está a definhar mais, que o vai perder e é esse sentimento de

impotência (…)” E10. O desejo de ganharem controlo da doença através dos

alimentos mudando, frequentemente, a preparação e as estratégias para alimentar

até as esgotar, expõe o desejo de tornar possível o impossível, adiar a morte. O

que os leva a ter um crescente de sentimentos de preocupação, tristeza, revolta,

desanimo, falta de esperança, desespero, angústia, impotência, frustração,

ansiedade.

No início, tentam encontrar justificação para a recusa alimentar, justificando com

os hábitos da pessoa cuidada, pensando que ela sempre se alimentou pouco ou

pouco e mal. A par disso tentam encontrar justificações que reduzam o seu

sentimento de culpa e remorso, por não terem despistado mais cedo as alterações

alimentares, pois estavam a trabalhar e não presenciaram as refeições. A negação

é uma estratégia inicial e final que os leva a fugir ao sofrimento. Referem que não

compreendem os motivos da recusa, não compreendem a doença, não

compreendem que própria morte se manifeste através da cessação da

alimentação. Ao reconhecer a gravidade da doença, o familiar cuidador vê na

Page 133: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

133

recusa alimentar o desejo de morrer. Revolta-se contra a pessoa doente e contra

Deus que o faz perder a pessoa que ama. Tem falsas esperanças de cura quando

se alimenta ou tem um desejo fora do habitual. Começa a oscilar em termos de

emoções, pensamentos e acções, tanto desespera quando não come como sente

tranquilidade quando consegue alimentar. “ (...) Alimentou-se, hoje alimentou-se

(…)”E4 pois, o pouco que comeu vai fazê-lo viver mais tempo. Numa fase de morte

iminente, podem aceitar a recusa alimentar, negá-la ou manterem a sua

ambivalência.

A contradição de pensamentos e sentimentos permite que se protejam do

sofrimento. (Syrén et al., 2006). Estas duas citações ilustram essa oscilação que o

familiar cuidador vive. Por um lado crê que “ (…) pode ficar desnutrida porque não

está a comer nada (…)”E2 e por outro “ (…) o problema dela não é comer, é o

tumor que tem várias manifestações, uma delas é a perda de apetite, portanto a

minha mãe come o quiser e quando quiser (…)”. E2. A alternância de

pensamentos, sentimentos e acções, às vezes contraditórios, é uma resposta

retratada na perda. O confronto com a recusa leva-o a reconhecer que esta é um

problema, a aceita-a, continua a negá-la ou oscila.

O contexto da alimentação, para o familiar cuidador, fica alterado pelo impacto

social, físico, emocional, psicológico e financeiro que a doença impõe.

Progressivamente, o processo de adaptação às perdas alimentares remete-se

para um segundo plano e sobressai o processo de desenvolvimento pessoal do

familiar cuidador. As respostas vivenciais à recusa também se modificam e é

inegável o analogismo com as respostas à antecipação da perda. Os cuidadores

ao serem questionados como estão a viver a recusa alimentar, no momento

presente, simplesmente assumem que se fala da morte. Há uma relação e

sobreposição de sentimentos, pensamentos e estratégias quer da recusa alimentar

quer das respostas à perda.

As respostas vivenciais à perda, nos nossos dados, encontram correspondência às

fases propostas por Bowlby e Parkes. O diagnóstico é uma surpresa súbita e

inesperada para o cuidador, ele reage protegendo-se do sofrimento com um

embotamento afectivo, uma ausência de resposta emocional. A pessoa nega,

sente-se paralisada, confusa, não quer entender o que está a ouvir, tenta procurar

sentido para o que está a viver. A revolta é outro sentimento que pode ser dirigido

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134

à doença, a Deus e à pessoa doente, por estar a desistir de viver. No final da vida,

a revolta dirige-se à morte.

O familiar cuidador, entra numa fase de desorganização, com o evoluir da doença

e surge a raiva, a angústia, a tristeza, o desânimo, as alterações do humor e o

desamparo, racionalmente, começa a perceber o que está a acontecer mas

emocionalmente não aceita. O familiar cuidador sente-se confuso, perde o apetite

e o sono, sente a perda da energia vital. Isola-se e sente que está ser abandonado

pela família que não compreende o seu sofrimento, pelos amigos que o evitam e

pelos profissionais de saúde que não lhe querem responder, não lhes dão

soluções. Mas, admitem que as respostas é que são difíceis de ouvir e são eles

que não as querem entender. A falta de esperança torna-se avassaladora “ (…)

Este [cancro] já não tem operação, já não tem nada. É mesmo uma coisa ali, que

está ali. Por muito que a gente pense, nem que fizesse isto ou aquilo, não há nada,

não vejo esperança nenhuma, não vejo nada. (…) “E6. A falta de esperança é,

frequentemente, um sentimento verbalizado em cuidados paliativos (Cerqueira,

2005; Neto, 2005) recorrente na fase de desorganização do luto. (Rebelo, 2007).

Crêem que não há nada a fazer, cuidam sem propósito e só esperam o pior. O

familiar cuidador necessita saber que tem quem o apoie e o ajude a encontrar

objectivos e metas a curto prazo concretizáveis.

O seu sofrimento é minimizado e desvalorizado perante o sofrimento da pessoa

doente, estando disposto a sacrificar-se a cuidar da pessoa doente por considerar

que é uma obrigação. Com as adaptações sociais, os familiares cuidadores focam-

se mais nas necessidades da pessoa doente e menos nas suas (Herbert et Schulz,

2006).

As fases de remissão e recorrência da doença, as oscilações que todos os dias

presenciam, exigem uma adaptação psicológica sucessiva. As perdas são rápidas

e sucessivas o que leva o familiar cuidador a viver com a incerteza do futuro. As

oscilações da doença interferem num jogo de expectativas do familiar cuidador. Ao

anteciparem a perda da pessoa projectam muito sofrimento no futuro. Podem

continuar a negar as alterações alimentares negando o próprio cancro ou podem

oscilar entre a resposta emocional ou racional. Numa tentativa de conter o

sofrimento, o familiar cuidador resigna-se estóica ou placidamente, mas entra

numa contradição de sentimentos e pensamentos.

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135

A vizinhança da morte gera sentimentos de impotência, por não saber o que fazer

perante o sofrimento da pessoa doente. A pessoa perde transitoriamente a

finalidade de viver, desvanecem-se dos projectos futuros e perspectiva a solidão e

as dificuldades financeiras. Adapta-se saltando entre estratégias centradas na

recuperação ou na perda, tal como o defendido pelo modelo de processo duplo,

criado por Stroebe et Schut (1999, citado por Twycross, 2001:64; Payne, 2004:

445). Os autores propõem que a maioria das pessoas lida com o luto oscilando

entre enfrentar e evitar. Os nossos entrevistados referiram que, adaptavam-se à

perda através de actividades que orientavam-se para a recuperação, como para a

perda. As primeiras permitem que o familiar cuidador descentralize-se do

sofrimento, as segundas, levam a focarem-se no seu sofrimento.

Ao organizar-se para recuperar, o familiar cuidador, desenvolve actividades como

arrumar a casa ou manter a sua actividade laboral. A família e os amigos são

pontos de apoio e uma motivação para continuar a viver. Procura não criar falsas

expectativas, evita o sofrimento, pensa positivamente, recorda-se positivamente da

pessoa doente, vive um dia de cada vez e quer acompanhar a pessoa até à morte.

Ao acompanhar a pessoa até à morte, despedindo-se, resolve problemas antigos

que possam ter e diminui os sentimentos de culpa e abandono. Considera ainda,

se iniciar projectos antes da morte da pessoa cuidada, isso o irá ajudar a recuperar

no futuro. As estratégias orientadas para a perda passavam por chorar, não

festejar datas significativas, têm um desejo de retorno ao passado, isolam-se e

protegem a pessoa doente do seu sofrimento.

Alguns familiares têm dificuldade em comunicar com a pessoa doente e falar da

sua morte. Já truncaram a comunicação, na altura do diagnóstico, quando não o

comunicaram à pessoa doente por pensarem, que a estariam a proteger do

sofrimento, e voltam-na a truncar perto da morte. Não falam do assunto por

acreditarem que a pessoa não quer falar. Os familiares não choram à frente da

pessoa doente e até mascaram o sofrimento, numa forma de evitar a morte. O

familiar cuidador evita falar da morte ou nega-a quando é confrontado pela pessoa

doente “ (…) tu não estás a perder peso, entende aquilo que te estou a dizer, a

balança pesava 54, mas a balança está avariada não está boa, pronto não

acredites (…)”E3. Mas, acaba por ir chorar sozinho, aumentando a distância entre

eles, não dando espaço para que em conjunto ultrapassem o sofrimento, tornando

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136

mais dolorosa a perda. Twycross (2001) e SECPAL (2006), entre outros, abordam

este tema designando-o de conspiração do silêncio. O familiar cuidador está, não

só a proteger-se, como também a proteger a pessoa doente do sofrimento,

evitando ouvir, pela pessoa que mais ama, que a vai perder. “ (…) Eu tenho medo

de ouvir da boca dela [que vai morrer]. Eu tenho medo de ouvir da boca dela,

porque eu não ouvindo da boca dela, eu confio que ela vai continuar a tentar

comer, que ela vai continuar a lutar para ela ficar melhor (…)”E10. A dificuldade

comunicacional revela o tabu que a morte representa para cada um de nós, o

confronto com a nossa própria perda, e o confronto com a perda do vínculo

afectivo. Este vazio comunicacional é, um claro sinal, do sofrimento recíproco que

pode impedir uma morte tranquila e um luto saudável. “A vivência das perdas é um

processo vital de construção da personalidade, de estruturação do mundo interior,

em que se vai aprendendo sobretudo a viver.” (Sapeta, 2007: 56).

Há factores que podem condicionar o luto e a resposta da pessoa à perda (Rebelo,

2007). Os dados demonstraram tal como o descrito na literatura, o grau de

vinculação à pessoa doente, quanto mais intenso mais difícil é o processo de

desvinculação, aspectos relacionados com a sua personalidade, como ser

corajoso para puder ultrapassar esta fase e outras perdas concomitantes. Nesta

fase, recordam-se das estratégias que empregaram anteriormente, para

ultrapassar as perdas.

O cuidador arroga novos papéis que eram da responsabilidade da pessoa doente.

A presença de uma pessoa doente e dependente, no domicílio, aumenta a coesão

familiar como forma de responder às novas necessidades. O familiar cuidador,

muitas vezes, assume-se como um pilar para a família e preocupa-se não só com

o bem-estar da pessoa doente, mas também tenta proteger os outros familiares do

sofrimento desencadeados por esta situação. O próprio sente que a família o

responsabilizou por prestar esses cuidados, o que vai ao encontro dos dados de

Diniz (2007).

O hospital está envolto em várias crenças que condicionam as respostas

emocionais do cuidador. Interiorizam que, o cancro é uma doença terrível e mortal,

numa fase terminal, ao pensarem que vão deixar a pessoa no hospital, é como se

a estivesse a condenar à morte, suspensa num fio de esperança. Sentem o alívio

de não serem confrontados com o sofrimento diário e a sua incapacidade em

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137

cuidar. Sapeta (2000) e Correia (2006), nos seus estudos, também confirmaram

que, o familiar cuidador, tanto acredita que no hospital há cuidados especializados

que não poderiam ter em casa, como associam a um local aonde se vai morrer. Ao

pensarem que têm todos os cuidados que não poderiam e nem saberiam

proporcionar em casa, diminuem os sentimentos de culpa ou remorsos.

O familiar cuidador tem algumas crenças erradas sobre a soroterapia que carecem

de ser desmistificadas, dado condicionarem a suas respostas vivenciais. Confiam

que o soro alimenta. Numa fase terminal, tanto pode ser suficiente para alimentar

induzindo alguma tranquilidade no familiar cuidador, como ser insuficiente para

não alimentar. A interrupção da soroterapia é para o familiar o corolário da morte,

pensam que os profissionais deixam de cuidar da pessoa, remetendo-a,

exclusivamente, para a espera da morte. A interrupção da soroterapia é uma

medida de conforto para a pessoa doente, mas em oposição para o familiar

cuidador, é o apagar a réstia de esperança. As experiencias prévias com outros

familiares, em fase terminal, reforçam essa convicção. A sensação de abandono e

a incompreensão pelas actividades dos profissionais de saúde podem resultar em

conflito.

Os familiares cuidadores fazem uma avaliação positiva e negativa das

intervenções de enfermagem. Por um lado, têm como positivo o apoio e a

informação que lhes foi dada. Por outro, avaliam como negativo o facto, de não se

sentirem compreendidos no seu medo, de que a pessoa doente morra à fome.

“ (…) Eu senti-me incompreendida. O enfermeiro dizia:

- Aqui ninguém morre à fome que a gente não deixa ninguém morrer à fome.

Eu acho no hospital…eu acho que eles pensaram que eu estava a

brincar…quando disse que ela ia morrer à fome (…)”E8.

Claramente, o profissional de saúde não respondeu às expectativas do familiar

cuidador, nem à sua mensagem implícita de sofrimento. Consideram, que os

profissionais desvalorizam a alimentação e os médicos não consideram as

alterações suficientemente graves para internar, o que os leva a exacerbar os

sintomas. Os profissionais aconselham sobre algumas estratégias para alimentar

como hidratar, fraccionar as refeições, introduzir alimentos calóricos como pudins,

gelatinas, não insistir alegando que a sopa e a fruta é suficiente para as

necessidades da pessoa, numa fase paliativa. Numa fase inicial da doença, alguns

familiares foram informados das prováveis consequências do cancro na

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138

alimentação, o que permitiu aos familiares irem reconhecendo as alterações.

Porém para eles, os conselhos pouco passaram do senso comum e as suas

intervenções não vão muito mais além daquilo que eles fazem em casa. O familiar

cuidador dúvida das intervenções dos profissionais de saúde e dirige-lhes a sua

raiva pela discordância das intervenções implementadas. A informação acerca de

certas áreas, mesmo que sejam más, pode ajudar à adaptação (Evans W et al.,

2006). Souter (2005) fala que anorexia é um assunto tabu para os enfermeiros.

Hopkinson et al. (2006) adita que as enfermeiras circundam o assunto com medo

de provocar danos sócio-emocionais na família.

Desde Nigthingale que as enfermeiras têm a alimentação como uma necessidade

a que devem estar atentas. Nightingale (2005:93), que viveu no século XIX,

escreve nas suas notas sobre a enfermagem, “ (…) em casos crónicos, com

duração de meses ou anos, o desenlace fatal muita vezes é determinado por fome

prolongada (…) uma grande perseverança poderiam, com toda a probabilidade, ter

impedido o triste resultado. (…)”. O que demonstra que, o enfermeiro tem crenças

sobre a alimentação aderentes à cultura em que vive. Embora a caquexia-anorexia

tenha um enorme impacto físico, psicossocial que compromete a qualidade de

vida, as enfermeiras subestimam este sintoma e a ansiedade a ele associado

(Poole et Frogatt, 2002; Hopkinson et al., 2006).

Algumas famílias têm objectivos nutricionais irrealistas o que gera conflitos com o

doente e o confronto com os profissionais. As acusações de negligência dos

cuidados revelam um tema muito mais vasto e mais complicado que a equipa vai

ter de explorar (McClement et al., 2004; Souter, 2005). Nos dados por nós

analisados, o familiar cuidador manifestou necessidades de informação,

aconselhamento e conforto psico-emocional. As necessidades da família em

receber informação clara e atempadamente são significativas, mas frequentemente

substimadas (Rabow et al., 2004). Dar informação pode ser importante para

facilitar a adaptação emocional à doença, apresentar possibilidades e

consequências das acções, que de outra maneira poderão ser boqueadas pelos

doentes e cuidadores. (Lazarus citado por Hopkinson, 2006). Possibilita

igualmente, capacitar os familiares cuidadores de conhecimentos para prestarem

melhores cuidados. Alguns estudos revelam que, os enfermeiros bloqueiam a

comunicação quando não se sentem capazes de oferecer ajuda, ou quando se

apercebem que têm um défice nas suas competências para controlar as

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139

preocupações das pessoas doentes (Hopkinson et al., 2006; Wilkinson citado por

Jarrett et Maslin-Prothero, 2004). Como as enfermeiras comunicam com os outros

é um dos mais importantes componentes da prática de enfermagem. Os

sentimentos negativos e as crenças dos enfermeiros carecem de reflexão e

discussão de forma a determinar o seu significado, para que no futuro possam

fazer parte do conhecimento (McMahon et Pearson, 1991).

Cuidar tem sido descrito como gratificante, aumenta a auto-estima e permite um

desenvolvimento pessoal. Muitas vezes, é um caminho solitário, como pudemos

comprovar pelos dados, envolto na incerteza da doença, consequências físicas,

emocionais, psicológicas como reportado noutros estudos de Waldrop et al. (2005)

e Herbert et Schulz (2006). Os familiares ocupam-se das actividades de vida

diária, como alimentar, mobilizar, cuidar da higiene e de ostomias. McMillan

(2005), Cerqueira (2005), referem que o familiar cuidador tem dificuldade nos

papéis que exigem técnicas como é o caso da alimentação. Cuidar de alguém que

se ama no domicílio é exigente. Ao programar a alta o familiar cuidador projecta

alguns medos e sente dificuldades. Um dos factores que pode provocar ansiedade

no cuidador é apoio social, a acessibilidade a capacidade de cuidar em casa, local

aonde morre, e a sobrecarga financeira (Dumont et al., 2006). O cuidador pode ter

de abdicar do seu emprego, colocar licença de assistência à família. Há que contar

que não tem apoios ou estes tardam em chegar, afunilando para uma situação

económica difícil. Cuidar de alguém, dependente, sobrecarrega o agregado familiar

com despesas para as quais não estava preparado. Os dados testemunham, que o

cuidador sente falta de apoio domiciliário ou alguma instituição de referência, com

disponibilidade de 24 horas, que transmita segurança e dê uma resposta eficaz e

rápida às exigências do agravamento dos sintomas. A responsabilidade do cuidar

recai sobre si. O familiar cuidador projecta o medo de não saber cuidar e lidar com

os sintomas. A hora da morte, no domicilio, é assustadora, angustiante e de

grande impotência. “(…) Eu posso não estar preparada para levá-lo para casa e vê-lo

ali morrer. Mas se for o desejo dele querer ir para casa para morrer lá eu não posso

estar a dizer que não (…) E3.

Em suma, relembrando que não saturámos os dados, portanto estes resultados

são válidos apenas para estes entrevistados, demos um contributo para a

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140

compreensão do processo de transição para a recusa alimentar do familiar

cuidador do doente oncológico.

Pelo que acima foi discutido, pode-se justificar que há uma alteração considerável

no familiar cuidador, no papel relacional, nas expectativas, e na sua vida. As

mudanças resultantes da recusa alimentar, resultam em mudança de vida. As

adaptações que têm de fazer à recusa, à doença e à antecipação da perda,

envolve lidar com emoções e serem capazes de reconceptualizar e reconstruir a

vida de uma nova forma. A projecção da evolução da doença obriga a um

desenvolvimento pessoal é projectado nas alterações alimentares. A transição de

desenvolvimento, progressivamente, ganha visibilidade à medida que a morte se

aproxima, indicando que esta continua após a morte, enquanto o processo de

adaptação à recusa vai sendo resolvido.

O familiar cuidador transita no processo para a recusa alimentar e

desenvolvimento pessoal reconhecendo alguns elementos que o fazem adaptar às

novas alterações. Numa fase de morte iminente o familiar cuidador pode manter ou

mudar a sua resposta vivencial face à alimentação. Pode não insistir, como pode,

negar ou oscilar voltando a insistir para comer. Os sentimentos de culpa e

abandono surgem principalmente nos últimos. Assim, atendendo ao motivo da

recusa e à função da alimentação o familiar cuidador tem uma respostas vivencial.

Recordamos que todos os familiares cuidadores reconheceram racionalmente a

proximidade da morte. Entre aqueles que estavam a viver a morte iminente da

pessoa cuidada, nem todos a reconheceram. O processo de transição para a

recusa, em cada fase, depende da evolução da doença da pessoa cuidada e as

suas manifestações à recusa, bem como, do processo de desenvolvimento

pessoal ao longo da doença.

Assim a resposta dos nossos entrevistados podem-se sintetizar genericamente,

em três itens:

• Para um familiar cuja função da alimentação é manutenção da vida e

sobrevivência pesando mais como motivo da recusa as causas psicológicas

(o desistir de viver) do que o cancro, este tende a negar e a oscilar nos

motivos da recusa alimentar, numa fase terminal. Por isso, oscila mas tende

a insistir tentando sempre alimentar. Numa fase agónica tende a insistir

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141

• Um familiar que aceitou a recusa alimentar, anteriormente, reconhece que o

não comer é um sinal da morte. Aceita a recusa e não insiste com a

alimentação. Na fase morte iminente não insiste. Pode, no entanto, estar

em conflito interno e tentar encontrar justificação para a morte.

• Um familiar que considera que esta é essencial para a sobrevivência, numa

fase terminal. Aceita gradualmente a recusa e reconhece que não se

alimenta pelo evoluir da doença e na proximidade da morte, deixa de

insistir, mas tenta sempre alimentar. Reconhece racionalmente que a

recusa é devido ao cancro, mas emocionalmente não a aceita.

Pode, numa fase de morte iminente, voltar a insistir, mesmo sabendo que a

pessoa não consegue comer e a pode estar a prejudicar. Numa tentativa

derradeira de fazer tudo por tudo para reverter a morte. Estes cuidadores

tendem a ter sentimentos de culpa e remorsos por deixarem a pessoa a

morrer. O facto de desistirem de alimentar cria uma sensação de abandono

da pessoa cuidada à morte. Especialmente, se no hospital já tiverem

interrompido a soroterapia.

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142

6. Conclusões

Com esta investigação tentámos compreender como o familiar cuidador faz a

transição para a recusa alimentar da pessoa com doença oncológica, em fase

paliativa, e obter respostas que alcançassem os objectivos da investigação, que

abaixo se reavivam:

• Compreender a função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar cuidador;

• Compreender como é que o familiar cuidador viveu a progressiva recusa alimentar da pessoa cuidada, até ao momento.

Após a análise dos dados dos instrumentos aplicados retiramos as conclusões

possíveis ressalvando que os dados não foram saturados e com isso as

conclusões não poderão ser generalizadas. As conclusões devem ser assim

entendidas como um contributo para a compreensão do processo de transição do

familiar cuidador para a recusa alimentar. A transição para a recusa alimentar que

o familiar experiencia pode ser ignorada e negada por quem está próximo mas,

definitivamente, não se oculta durante a refeição.

Recordar-se-á cada objectivo seguido das conclusões que se podem retirar para

cada um. O primeiro objectivo a que nos propusemos responder foi:

• Compreender a função da alimentação na estrutura de cuidados do

familiar cuidador.

Concluímos que, o familiar cuidador atribuiu à alimentação uma função fisiológica,

sócio-afectiva e terapêutica. A função da alimentação na estrutura de cuidados do

familiar cuidador modifica-se ao longo do processo dado às inúmeras perdas a que

foi acometida, em consequência da evolução da doença da pessoa cuidada. A

função da alimentação é um factor condicionante da resposta do familiar cuidador

à recusa alimentar. Influi, igualmente, na interpretação que o familiar cuidador faz

dos motivos da recusa ao longo da doença.

A vertente sócio-afectiva é a mais valorizada pelos familiares cuidadores, embora,

numa fase terminal da doença, sobrevaloriza-se a função fisiológica e terapêutica.

As regras impostas às refeições, a transmissão de afectos, a recompensa afectiva,

a reunião familiar são hábitos que se adquirem na infância e que acompanham

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143

durante a vida. As refeições são pautadas por momentos de convívio,

companheirismo e de partilha que fortalecem os elos familiares e afectivos. As

refeições têm códigos únicos em cada família, um mundo de sabores, cozinhados

e afectos que marcam, cada pessoa, com recordações agradáveis, quer de datas

festivas, quer de familiares já falecidos.

As alterações alimentares estão presentes desde o início da doença e servem de

barómetro ao evoluir da mesma. Ao identificar as sucessivas alterações

alimentares o familiar cuidador está a projectar a evolução da doença. Este

indicador leva-o a reformular a interpretação da função da alimentação e a adaptar

as respostas vivenciais.

O familiar cuidador compra e cozinha os alimentos com carinho. O conforto

emocional, outrora outorgado aos alimentos, transfigura-se com o agravar da

doença, numa recompensa afectiva negativa. Os alimentos ao serem recusados

são sentidos como uma rejeição de amor e do desejo de salvar a pessoa doente.

As perdas sociais e afectivas da alimentação acumulam-se progressivamente. As

refeições perdem os horários, que marcaram a rotina diária de toda a vida. A

pessoa doente deixa de se reunir à mesa ou por debilidade física ou por se isolar

na hora das refeições. A sua ausência torna presente a proximidade da morte. O

convívio e a partilha afectiva, que uniam os membros familiares às refeições,

desaparecem reflectindo a mudança que estes estão prestes a vivenciar, com a

morte desse membro. A partir do momento em que, não há horários e a pessoa

doente está ausente à mesa, o conceito da refeição modifica-se ao ponto de,

considerarem que não são refeições.

As refeições ocupam grande parte do dia-a-dia. A preocupação com a alimentação

multiplica-se com a progressão da doença. Na alimentação é depositada muita

esperança, principalmente, a que se refere à cura e à sobrevivência. Torna-se,

numa fase inicial de recusa alimentar, um instrumento de luta contra a doença,

acreditam que irá dar qualidade de vida. Converge, notoriamente, a função da

alimentação para a cura e, posteriormente, para a sobrevivência. Alimentação

descobre no oposto, na recusa, o catalisador da morte. Esta é uma verdade que

enfrentam mais veementemente, desde que a recusa alimentar passa a ser

sistemática. As alterações alimentares já não são um mero alerta para uma

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144

doença oncológica que até podiam debelar, mas sim monstruoso alerta da morte.

Alimentar passa a ser um acto de manutenção da vida, de sobrevivência. Os

familiares cuidadores têm medo que a pessoa doente morra à fome e envidam

todas as estratégias para forçar a alimentação.

O segundo objectivo é:

• Compreender como é que o familiar cuidador viveu a progressiva

recusa alimentar da pessoa cuidada, até ao momento presente.

Com a nossa investigação contribuímos para a compreensão do processo de

transição ao identificarmos alguns factores condicionantes e algumas repostas da

transição, do familiar cuidador, para a recusa alimentar. Esta transição não pode

ser compreendida isoladamente do processo de desenvolvimento pessoal da

pessoa doente, dado que, o processo da pessoa doente influencia o processo do

familiar cuidador. Logo, a transição do familiar cuidador para a recusa alimentar é

reactiva ao confronto com a recusa alimentar da pessoa doente, e sucede num

processo temporal evolutivo.

O familiar cuidador vive em simultâneo um processo de transição de

desenvolvimento pessoal ao longo da doença intimamente relacionado com o

processo de transição para a recusa alimentar, no qual, este tem de ser

contextualizado. A caracterização da transição de desenvolvimento, do contexto da

doença que envolve o familiar cuidador e sua interacção com a pessoa doente,

facilita e enriquece, a compreensão de toda a situação que o familiar cuidador está

a vivenciar. Esta visão abrangente possibilita compreender as respostas e os

factores condicionantes do familiar cuidador na transição para a recusa alimentar.

O processo de transição de desenvolvimento pessoal do familiar cuidador persiste

após a morte da pessoa cuidada.

Os factores condicionantes dos processos de transição são quer do contexto da

alimentação quer do contexto da doença. Os factores condicionantes do contexto

da alimentação são a função da alimentação na estrutura de cuidados do familiar

cuidador, os motivos da recusa, as crenças na soroterapia e a intervenção dos

profissionais de saúde. Os factores do contexto da doença são as crenças do

hospital, as crenças do cancro, as condicionantes ao luto e as actividades do

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145

cuidar, no domicílio. Os factores condicionantes inerentes ao contexto da

alimentação e da doença influenciam-se entre si, e influenciam as respostas que o

familiar cuidador tem perante a recusa alimentar e o seu desenvolvimento pessoal.

Para facilitar a compreensão do processo de transição para o desenvolvimento

pessoal ao longo da doença e para a recusa alimentar, estes foram,

didacticamente, esquematizados, em três fases.

O processo de transição para a recusa alimentar do familiar cuidador, engloba as

fases de projecção da doença nas alterações alimentares e as fases de confronto

com a recusa alimentar, a última fase contempla uma sub-fase, por as respostas

do familiar cuidador nessa fase, ainda puderam sofrer adaptações, sumarizadas

em:

• Despertar para a doença – sem recusa alimentar;

• Lutar contra a doença – recusa alimentar inicial;

• Entre o aceitar ou negar a morte – o confronto sistemático com a

recusa alimentar;

� Morte iminente - confronto com a recusa absoluta.

O processo de desenvolvimento pessoal foi categorizado em fases de adaptação à

doença do familiar cuidador e as fases de reconhecimento da evolução da doença,

sintetizadas são:

• fase de diagnóstico - alerta para a doença;

• fase curativa - confirmação do cancro;

• fase paliativa - consciencialização da proximidade da morte.

Cada pessoa tem características únicas que individualizam e influenciam, os seus

processos e as suas respostas. Daí que, o percurso entre as fases pode não ser

sequencial, dependendo da evolução da doença na pessoa cuidada e da

adaptação do familiar cuidador. As fronteiras entre as fases não são bem

definidas, ou seja, há factores condicionantes e respostas vivenciais que podem

prolongar-se para outras fases. O familiar cuidador pode viver todas as fases,

suprimir algumas, oscilar entre duas fases ou regredir em termos de resposta.

As respostas do familiar cuidador dependem de factores intrínsecos para superar a

perda, como a sua motivação interna, mas também da interacção que estabelece

com a pessoa doente e o ambiente que a envolve.

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146

Toda a situação de doença e aumento de dependência da pessoa cuidada abala

toda a família. A família reorganiza-se para cuidar do elemento que está doente. O

familiar ou assume naturalmente o papel de cuidador ou é responsabilizado pela

família para tal. Sente que é o pilar da família, adopta papéis da pessoa doente e

passa a preocupar-se com o sofrimento dos outros elementos. Foi verbalizado pelo

familiar cuidador que a coesão familiar aumenta face a esta situação de crise.

Decidir permanecer no domicílio a cuidar da pessoa doente levanta algumas

dificuldades financeiras, para a família. Estas dificuldades têm duas raízes, o

acréscimo de despesas e a diminuição do rendimento familiar, porque um ou mais

membros têm uma redução no seu rendimento mensal. O familiar cuidador pode

colocar licença de apoio à família, licença de férias ou demitir-se para cuidar no

domicílio. Além disso, os apoios monetários e sociais tardam, são insuficientes ou

são inexistentes. Em consonância com o que está reportado na literatura sobre as

repercussões do cuidar para o familiar cuidador (Hudson et al., 2004; Kristjanson

et al., 2004; Moreira, 2001; Sequeira, 2007), os dados do nosso trabalho

corroboram que, o familiar cuidador vê acrescido às suas actividades habituais, o

cuidar da higiene da pessoa doente, mobilizar, prestar cuidados especializados

como cuidar de nefrostomias ou colostomias. Isso, na realidade, pode ser uma

sobrecarga para o cuidador, que condiciona a resposta à recusa e ao

desenvolvimento pessoal.

A alimentação é uma das actividades de vida que se modificou totalmente e à qual

o cuidador passou a dar um cuidado especial, não só pelos desafios que as

alterações alimentares impõem a nível físico, mas também pela carga simbólica.

Este simbolismo projecta a alimentação para a dimensão dos afectos e da

consciencialização da perda. No nosso estudo, ao longo das fases do processo de

transição para a recusa alimentar, o familiar cuidador, vai mudando a sua

consciência em relação à evolução da doença. Numa fase diagnóstica, a perda de

apetite, disfagia, epigastralgias, redução gradual da quantidade ingerida, recusa de

sólidos são apenas um despertar para a doença que motiva uma procura de ajuda

médica e estabelecimento de diagnóstico. Aliás, na perspectiva do familiar

cuidador este não apresenta recusa alimentar, esforça-se por alimentar-se e tem

desejos que o surpreende. O diagnóstico é uma surpresa inesperada que o faz

duvidar do mesmo.

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147

Há medida que agravam-se as náuseas, os vómitos, a anorexia, surge a disfagia,

a dor, a obstipação, o enfartamento e os hipos, o familiar cuidador tem um

confronto inicial com a recusa e associa estas alterações ao agravamento da

doença. Já tem a confirmação do cancro e passa para a fase curativa, vive isso

com uma certa incredulidade, negação ou até revolta. O cuidador justifica que a

personalidade da pessoa doente e a selectividade alimentar, a renitência às

mudanças alimentares são as suas barreiras à alimentação. Apesar, de

reconhecer os sintomas físicos, as causas psicológicas como a depressão, a

revolta com a doença e, principalmente, o desistir de viver, pesam na sua opinião

como motivo para a recusa. Até oscilam entre motivos físicos e psicológicos.

O familiar cuidador usa a alimentação como instrumento de cura, e revolta-se por a

pessoa doente estar a recusar a alimentação que a poderia melhorar, não

compreende os motivos da recusa, nega o cancro não encontrando explicação

para o facto. Por isso, tenta justificar as alterações alimentares argumentando que,

a diminuição da ingestão, era já um hábito anterior.

“Não consigo”, “não quero”, “não me apetece” são as respostas que ouvem com

mais frequência apesar de todos os seus esforços para alimentar. A alimentação é

uma actividade de vida que o familiar cuidador, inicialmente, pensa que consegue

controlar, utiliza-a como instrumento de luta contra a doença. Envida múltiplas

estratégias para compensar a alimentação focadas na pessoa, ambiente e nos

alimentos. Todavia, as alterações alimentares são evidentemente incontroláveis e

incontornáveis. Perde-se o controlo de algo que parece tão inato e essencial à

vida. Só que, alimentar é mais do que visceral é também emocional. A

necessidade de afecto e a projecção da perda levam-no a tentar controlar a

alimentação, pois desejam que a pessoa doente permaneça o máximo de tempo

consigo. As respostas emocionais e cognitivas, bem como as estratégias que

adoptam, dependem em parte, do grau de vinculação à pessoa doente e da

adaptação que estão a fazer à perda.

Os pensamentos do familiar cuidador ao longo do dia centram-se nos alimentos

que vão comprar, como os vão cozinhar, nos novos alimentos vão introduzir para

compensar a alimentação, questionam-se se o que fazem é o correcto, se irá

comer, se há mais algum alimento que possam introduzir. O acto de alimentar

alguém, que repetidamente recusa, transforma as refeições numa obrigação e num

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148

sacrifício. O facto de pensarem que a pessoa doente irá vomitar, ou gostaria de

comer o que está a cozinhar e não o vai conseguir, faz com o cuidador deixe de ter

prazer em se alimentar. Tem fé em cada a refeição que a pessoa se alimente e,

pelos vómitos até pode mudar o horário das suas refeições, pois pode não

suportar alimentar-se em simultâneo.

O familiar cuidador tem de enfrentar a recusa alimentar e desenvolver estratégias

para conseguir que a pessoa se alimente. Prepara os alimentos e vigia a refeição,

muda a consistência dos alimentos, procura alimentos com maior valor nutricional.

Ao cozinhar os novos alimentos tem vários propósitos, pretende que os seus

cozinhados não exacerbem os sintomas, estimulem o apetite e compensem a

alimentação algo que, progressivamente, têm mais dificuldade em fazer. O familiar

cuidador alimenta a pessoa com aquilo que ela pede, cozinha os alimentos

preferidos, alicia a pessoa a se alimentar, mas nem sempre a pessoa doente se

alimente.

A consciência da morte é uma realidade que se vai aproximando e minando com

mais força o seu intento de alimentar ao se confrontar, sistematicamente, com a

recusa. A resposta emocional extravasa o sofrimento que resvala nas respostas

emocionais, cognitivas e nas estratégias para forçar e compensar a alimentação.

Durante a refeição, a agressividade do cuidador dirige-se à pessoa doente através

de manifestações de impaciência. Este exalta-se com a pessoa por não se

alimentar e sente raiva.

As expectativas do cuidador em alimentar, ao longo da doença, são sempre

superiores à real capacidade da pessoa doente para o fazer, aí, instala-se o

conflito. O familiar cuidador percebe que a pessoa doente sente desconforto e só

come para lhe fazer a vontade. Pensa que, a pessoa doente sente-se revoltada e

incompreendida nos motivos da sua recusa alimentar quando é forçada, dado que,

reage com agressividade verbal ou física, afastando os talheres quando é coagido

a comer. Pode optar pelo silêncio quando o cuidador espera uma resposta não

fomentando o conflito desejado.

A preocupação em compensar nutricionalmente leva a uma busca informativa em

suplementos alimentares. A ingestão alimentar é um processo de tentativa, ou

seja, experimentam novos alimentos, modificam a sua consistência, alteram

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149

sabores, procuram medicação, dão com seringa, sem nunca saberem se na

próxima refeição conseguem alimentar. Mudam a pessoa doente de ambiente, não

colocam os tachos na mesa para não a náuseas, promovem as refeições em

família e tomam precauções quanto aos vómitos, protegendo a pessoa doente da

vergonha desse acto. Recorrem a chantagem emocional, infantilizam, persuadem,

coagem, só para conseguir, que a pessoa se alimente um pouco. Adaptam-se

modificando sucessivamente e inovando as estratégias até as esgotarem.

As suas estratégias para controlar a alimentação tornam-se, continuamente, mais

incisivas e aguerridas. A pessoa doente deixa de se reunir com a família e os

horários das refeições deixam de existir, não se alimenta ao jantar e tem

alterações marcadas na sua imagem corporal por continuar a emagrecer. Quando

a recusa se torna sistemática e o cuidador tem a consciência que estas alterações

não são temporárias, começam a reconhecer que a recusa é um problema, instala-

se o medo de que morra à fome, o desespero, a ansiedade, a angústia, a tristeza,

o desânimo, a impotência, a revolta e a frustração. Estes sentimentos sobrepõem-

se aos sentimentos que têm por reconhecerem que estão a perder o seu ente

querido. Os pequenos indícios no controlo temporário da alimentação são para o

cuidador uma esperança de melhorar e de sobrevivência à doença. Então fica

tranquilo quando o consegue alimentar mesmo com pouca quantidade.

Compreendem, apesar de tudo, que a pessoa não volta a alimentar-se como

antigamente, pois tal deve-se ao cancro, e as estratégias para forçar a alimentação

progressivamente desvanecem-se. Podem tentar sempre alimentar, mas

aprendem a não insistir tanto ou não insistem, negoceiam a quantidade a ingerir,

procuram promover o conforto através dos alimentos e reduzem gradualmente

essa quantidade. “ (…) Como já fiz tantos planos e o último foi aquele em que ela

estava a comer e depois deixou de comer, e me deixou tão revoltado, que eu

agora desisti de fazer planos é mesmo um dia de cada vez. São desilusões

enormes (…)” E10.

Podem aceitar a recusa alimentar, podem continuar a negar os motivos da recusa,

negando o cancro ou, oscilam entre aceitar e negar a recusa alimentar,

compreendem racionalmente a recusa alimentar, mas emocionalmente ainda não

estão preparados para aceitar a perda.

Nem todos os entrevistados, cujos familiares estavam em fase agónica,

reconhecem a morte iminente e os que reconhecem até podem tentar forçar a

alimentação nessa fase, esgotando todos os recursos para que a pessoa fique

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150

junto de si e não morra. Os cuidadores desenvolvem sentimentos de culpa e de a

sensação de abandono se desistirem de alimentar, especialmente os que estão a

negar e a oscilar emocionalmente. Deixar de alimentar é perder toda a esperança

na sobrevivência e, simplesmente, deixar a pessoa entregue ao destino. Estes

sentimentos realçam-se, nos casos particulares, em que os profissionais de saúde

interromperam a soroterapia. Pois, nesse caso, a sua esperança esmorece, “já não

há nada a fazer” por pensarem que os profissionais de saúde abandonam o seu

familiar à morte, em vez, do conforto que lhe estão a proporcionar por não ter soro.

Ora, do hospital esperam que lhe sejam prestados cuidados especializados que

não lhe podem proporcionar no domicílio e onde, provavelmente, venha a falecer.

Então a falsa crença de que o soro alimenta tanto pode tranquilizar o familiar

cuidador por ver a pessoa a ser cuidada apesar de não comer, como pode ser

exactamente o oposto. Isto é, o familiar cuidador pode considerar que o soro é

insuficiente para alimentar, logo isso, é motivo de conflito com os profissionais de

saúde. “ (…) A minha mãe tem um soro glicosado com qualquer coisa lá dentro

para a alimentar, eu penso que é manifestamente insuficiente. Assim pode ficar

desnutrida porque não está a comer nada (…)”E2.

O facto da pessoa doente estar hospitalizada alivia o familiar cuidador do confronto

continuado, com o pesado sofrimento que vive no domicílio, porém o hospital não

apaga o seu sofrimento da perda. O conflito com os profissionais de saúde, acerca

da alimentação é uma das formas de expressar a sua raiva e agressividade, onde

também está patente o fosso entre os objectivos nutricionais, que separam o

familiar cuidador e a equipa de saúde.

O prever a alta para o domicílio faz o cuidador, rapidamente, antecipar os medos e

receios de cuidar do seu familiar que está a sofrer, com as acrescidas

necessidades de cuidados. Os familiares sentem medo de não responder às

expectativas da pessoa doente, medo de cuidar, medo que o familiar morra em

casa, sem eles poderem fazer nada. O confronto continuado com o sofrimento no

domicílio, sem apoios domiciliários e sem meios para recorrer, geram sentimentos

de angústia e impotência. Sentem que não têm, nem tiveram formação para lidar

com as alterações alimentares, nem com a situação de doença.

O familiar cuidador sente necessidade de formação, informação e conforto

emocional. Os familiares que, foram informados antecipadamente das alterações

alimentares, souberam reconhecer as alterações como naturais para o processo

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151

de doença. Os familiares cuidadores esperam que os profissionais de saúde lhes

expliquem como podem alimentar a pessoa no domicílio, mas acima de tudo,

esperam uma resposta emocional que alivie o seu sofrimento e anule a sensação

de desamparo.

Com base nos dados analisados podemos dizer que o familiar cuidador, na hora

da morte, projecta na recusa alimentar a sua reacção à perda. Se aceita a recusa

alimentar, como manifestação da morte com todo o sofrimento inerente à perda, o

conflito interno, a revolta, então não insiste para alimentar. Se oscila entre aceitar e

negar a morte, pode até saber que a recusa se deve ao cancro ou pode negar o

motivo da recusa, apesar de racionalmente verbalizar que vai morrer, então tende

a tentar alimentar. O que, demonstra que o processo de transição para o luto

continua para além da morte. Pode ainda aceitar e compreender gradualmente que

a recusa de deve ao cancro e à proximidade da morte, então deixa de insistir, mas

numa fase de morte iminente pode tender a insistir para se alimentar.

O cuidar de uma pessoa doente tem repercussões, em todas as dimensões

vivenciais do cuidador, e exige respostas adaptativas a todas as dificuldades com

que se depara. O cuidador está a necessitar de ser confortado, por estar a sofrer

um processo de desenvolvimento pessoal ao longo da doença, antecipando a

perda. Adapta-se desenvolvendo estratégias centradas na recuperação da perda,

com actividades de distracção como trabalhar, arrumar a casa, tratar de animais e

plantas, ver televisão, caminhar. Procura apoio nos amigos, colegas, família, em

Deus e na própria pessoa doente. Procura motivar-se a viver por si, a viver para

apoiar os seus familiares e a pessoa doente. A incerteza da doença que se reflecte

nas oscilações do humor, nas expectativas de sobrevivência, fá-lo viver um dia de

cada vez, para não criar falsas expectativas. Criar, antes da morte, um projectivo

de vida é uma das estratégias apontadas como facilitadoras da recuperação. E por

último, recordar-se positivamente da pessoa doente. Há quem pretenda

acompanhar a pessoa doente até à morte, proporcionando o espaço para se

despedir e assim ultrapassar esta fase.

As estratégias centradas na perda como chorar, pensamentos repetidos com o

sofrimento, desejo de retorno ao passado, não celebrar datas festivas inibe a

resposta de recuperação levando para um remoinho de sofrimento.

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152

Os familiares evitam chorar junto da pessoa doente e até mascaram os seus

sentimentos. A morte é conhecida ou suspeitada mas não falada. A lacuna

comunicacional, entre o familiar cuidador e a pessoa cuidada, pode iniciar-se na

fase de diagnóstico, na qual, não teve coragem de transmitir a má notícia à pessoa

doente. Recorre ao médico para ser o intermediário dessa má notícia ou

simplesmente não o comunica, com medo que a pessoa não o queira ouvir ou que

desista de viver. Ao ser confrontado pela pessoa doente com a extrema perda de

peso, as alterações alimentares ou a própria morte o familiar cuidador, nega-a.

Demonstrando com isso o seu sofrimento e a dificuldade em lidar com a perda.

O tempo é um bem escasso, pavio que se consome em cada dia que passa, tem

um peso, incrivelmente marcante para o doente e sua família, em cuidados

paliativos. O desejo comum de todos os intervenientes é que esse tempo que se

dispõe seja vivido com qualidade. No final da vida, num doente com caquexia e

anorexia, a alimentação deve promover o conforto e a qualidade de vida, nas não

assiste o propósito de nutrir. Assim pode-se dizer que oferecer comida à pessoa

doente é um acto de respeito pela própria, mas obrigá-la ou submetê-la a

intervenções nutricionais mais invasivas não irá ao encontro do seu conforto, muito

menos da sua qualidade de vida. Alimentar é um gesto de sobrevivência que

precede o cuidar na história do Homem. A recusa alimentar carrega a simbolismo

da morte e é transparente no sofrimento do familiar cuidador. Cuidar de um familiar

é um acto alimentado e coberto de sentimentos, que resulta de uma interacção

entre duas pessoas que, na maior parte dos casos, nutrem um afecto verdadeiro e

intenso. Perder este laço afectivo é uma verdadeira hecatombe na vida de alguém,

que o subordina a uma nova vontade, um novo propósito, a uma nova vida.

Isso desencadeia múltiplas respostas vivencias que o permitem adaptar-se a esta

mudança que está a passar.

Quem cuida também precisa de ser cuidado. Ao se intervir junto do familiar

cuidador há que entendê-lo como um parceiro que presta cuidados, a maior parte

do tempo é detentor de um conhecimento da pessoa doente imprescindível e

insubstituível, mas também como alguém que está a sofrer e necessita de ser

cuidado. Ele pode estar a minimizar o seu sofrimento, por considerar que tem de

se resignar e não há mais nada a fazer, e por dar prioridade ao sofrimento da

pessoa doente.

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153

Um dos desafios mais importantes da enfermagem é ajudar o doente e a família a

adaptarem-se às progressivas alterações alimentares, provocadas pelo avanço da

doença. A decisão de quando parar a alimentação e hidratação, numa fase

terminal, pode ser difícil, mas exige que os familiares compreendam e estejam

cientes das consequências. Esta é uma situação que requer aconselhamento e

explicação. (Hopkins, 2004). Cabe aos profissionais de saúde anteciparem a

preocupação que os familiares cuidadores irão ter, por a pessoa doente deixar de

comer e beber. Nessa situação, os familiares esperam uma intervenção mais

agressiva (entubação ou terapia intravenosa). É primordial, desdramatizar o

sintoma, recordando que a perda de apetite é a consequência da doença e não a

causa da morte. (Porta et al, 2004). Nesse caso, ter-se-á em consideração os

princípios éticos, os conhecimentos técnico-científicos acerca do tema e o mais

importante, uma abordagem individual para cada pessoa.

Os enfermeiros estão a reconhecer que têm um papel de facilitadores de bem-

estar (healers), que transparece na prática de cuidar, ao fundamentar o seu

processo de tomada de decisão nos conhecimentos da disciplina. (McMahon et

Pearson, 1991). Intervir durante este processo, em que se está a falar de uma

situação específica, que é o acto de alimentar, mas com uma dimensão tão

abrangente que é a perda de um familiar, exige uma capacidade comunicacional,

que seguramente, trará maior qualidade de vida, a quem cuida e para quem é

cuidado. Só o desenvolvimento e treino de competência comunicacionais é que

poderão induzir mudanças eficazes e duradouras no enfermeiro, e assim atenuar

as barreiras e as dificuldades comunicacionais relacionadas com as questões em

fim de vida.

Os resultados desta investigação devem ser utilizados com algum cuidado dado a

amostra não ter sido suficiente para saturar os resultados. Uma das limitações foi o

encontrar sujeitos que participassem voluntariamente, e preenchessem todos os

critérios de selecção, o que tornou o período de colheita de dados mais alargado.

Nem todas as pessoas doentes estavam em fase agónica, mas todas estavam em

fase paliativa. Mesmo com critérios médicos, nem sempre se consegue prever a

morte iminente. A título de exemplo uma pessoa independente no dia da entrevista

faleceu três dias decorridos da mesma, outras faleceram no dia ou antes do dia,

acordado para tal. Possíveis sujeitos foram convidados a participar no estudo,

porém por motivos pessoais e pelo sofrimento que lhes iria causar recusaram.

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154

A reflexão, pesquisa e análise que esta investigação proporcionou lançou pontes

para o futuro e curiosidade para futuros trabalhos, que serão apresentados

seguidamente.

6.1.Implicações práticas e sugestões para futuros

trabalhos

Após este percurso reflexivo de investigação, e com base nos dados por nós

analisados, entendemos que podem retirar-se algumas sugestões para a prática

diária de cuidados. No final da vida, desnuda-se a mão que alimenta e essa

mesma mão tem de ser “alimentada”. Os enfermeiros não podem ficar insensíveis,

quando chamam a si o acto de cuidar. A natureza da enfermagem terapêutica

exige que se compreenda o significado do problema de saúde para a pessoa, bem

como o impacto na sua vida da pessoa. (McMahon et Pearson, 1991). A

alimentação é uma actividade que nos remete para o bem-estar e saúde, mas que

no final da vida, adquire outro significado. Projecta-se na alimentação e no acto de

alimentar, o processo de desenvolvimento pessoal ao longo da doença. No final

desmascara-se a antecipação da perda. Todo este percurso do familiar cuidador e

as suas respostas adaptativas acarretam mudanças na sua vida.

O confronto com a recusa alimentar e, implicitamente, a perda da pessoa cuidada

geram múltiplas respostas no cuidador, algumas envoltas em bastante sofrimento.

Intervir terapeuticamente intima o enfermeiro a reconhecer esse sofrimento que

poderá estar oculto e submergido em actos de persuasão e coação para alimentar.

Aqui, a comunicação é considerada um instrumento terapêutico essencial para

reduzir incertezas, tornar as expectativas mais realistas, minimizar a raiva e

melhorar os relacionamentos. Torna-se imperioso responder à mensagem implícita

da comunicação que é o sofrimento da perda e não alimentar o conflito.

As alterações alimentares estão presentes desde o diagnóstico da doença até à

morte, é uma das actividades de vida diária que beneficia ser acompanhada, no

plano de cuidados de enfermagem, não só pelas dificuldades na alimentação,

como também pelo impacto psicológico, social e emocional que têm. “ (…) Eu acho

que as pessoas que têm problemas assim deviam sempre ter um apoio, mesmo a

Page 155: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

155

nível de tudo, tratá-la em casa, de tudo. Mesmo psicológico nós ficamos afectados

com isto tudo (…)”E9.

Os familiares que foram informados das alterações manifestaram que isso os

ajudou a reconhecer a evolução da doença e a não se alarmarem tanto com a

mesma. “ (…) Porque tanto a médica da quimioterapia e o médico de família já me

tinham dito que isto tudo ia acontecer (…)” E7. Contudo, nos dados também

sobressaiu que, os familiares sentiam que não tinham formação para lidar com as

alterações alimentares. “ (…) Uma pessoa está fora e de um momento para o outro

vê-se com esta situação, sem ter uma basezinha de alguém que nos ensine a

fazer (…)”E9. Propomos uma avaliação cuidadosa e sistemática da história

dietética da pessoa doente, das causas subjacentes à perda de peso e apetite, das

intervenções implementadas sem efeito, da compreensão do contexto da doença e

do significado das alterações alimentares, para determinar de que forma isso

afecta o familiar cuidador. Pensamos que ajudá-lo-á a adaptar-se sucessivamente

ao processo de transição. Sugerimos, igualmente, reuniões familiares, em que se

envolva o familiar cuidador na realização do plano de cuidados acordando

objectivos alimentares concretizáveis e realistas.

O familiar cuidador pode não associar estas alterações alimentares às alterações

metabólicas produzidas pelo cancro ou, simplesmente, negá-las. “(…) A realidade

é esta. A realidade é que eu nem pensei que o fígado pudesse ser um inibidor do

apetite. O mal está lá de facto mas não é isso que a vai impedir de comer. O mal

está lá de facto mas não é isso que a vai impedir de comer (…)”E10. Mais ainda,

acreditam que ao negligenciar a alimentação deixam a pessoa doente a morrer à

fome, com todos os sentimentos de culpa, abandono e remorso que daí advém.

É importante, que o familiar cuidador compreenda, primeiro, que a perda de apetite

não é a causa da morte e insistir, eventualmente, provocará desconforto. Segundo,

é essencial recordar a alimentação na sua função afectiva de transmissão de amor

e transferi-la novamente para as refeições. Tal ajudará, o familiar cuidador e a

pessoa doente, a diminuir as barreiras comunicacionais e a reduzir o conflito

gerado às refeições, com ganhos na qualidade de vida.

As crenças erróneas acerca do soro devem ser desmistificadas, acima de tudo,

deve-se explicar e envolver o familiar cuidador quando se interromper a

soroterapia. Espera-se assim, a sua resposta emocional da antecipação da perda,

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156

e o enfermeiro pode reforçar a sua presença e disponibilidade sempre que o

familiar precisar.

A decisão de intervenções mais invasivas, como a alimentação parentérica ou

entérica, devem ser discutidas com o familiar cuidador desde que estas beneficiem

o conforto, contribuam para o processo terapêutico e aumentem a sobrevivência,

senão, não têm razão para serem implementadas. Propomos o desenvolvimento

de protocolos de actuação fundamentados nos princípios éticos, os conhecimentos

técnico-científicos, nos quais sejam estipulados os critérios para a realização de

intervenções mais invasivas a serem implementados por toda a equipa de saúde,

reduzindo as incertezas dos profissionais de saúde. Não se pode esquecer que,

em qualquer situação o importante é a abordagem individual da pessoa doente e

família.

Com este estudo obtivemos algumas respostas que poderão ajudar a

compreender o familiar cuidador, mas da nossa experiencia da prática do cuidar e

das leituras realizadas surgiram outras questões que, propomos como sugestões

para futuros estudos.

Poucos têm sido os estudos que investigaram como a pessoa doente com cancro,

numa fase paliativa, compensa as alterações alimentares e se adapta emocional e

socialmente às mesmas. Parece-nos um campo interessante para continuar a

investigar, uma vez que, neste estudo direccionamos a nossa pesquisa para o

familiar cuidador.

Os nossos dados evidenciaram que o familiar cuidador percepciona as respostas

emocionais quando força a pessoa doente para se alimentar. Por lado, o processo

da pessoa doente sugere que a sua adaptação às alterações alimentares ocorrem

previamente às do familiar cuidador. Seria interessante investigar como a díade,

familiar cuidador - pessoa doente, fazem a transição para a recusa alimentar. Este

poderá desvendar conhecimentos para intervir junto de ambos, no sentido de se

adaptarem, reduzirem conflitos, promoverem a comunicação e ajustarem as suas

expectativas à realidade.

Por último, o familiar cuidador avaliou algumas das intervenções dos profissionais

no que respeita às alterações alimentares como negativas. Estes, consideraram

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157

que os profissionais de saúde desvalorizam as intervenções com a alimentação e,

emocionalmente, não responderam às suas expectativas criando um sentimento

de desamparo. Pensamos que traria um conhecimento acrescido compreender

como o enfermeiro intervém junto da pessoa com cancro em fase paliativa e dos

seus familiares, com o intuito de identificar a importância que atribuiu à

alimentação, as estratégias que utiliza e as suas dificuldades comunicacionais com

o familiar cuidador.

Page 158: ALIMENTAR NO FINAL DE VIDA.pdf

158

7. Referências Bibliográficas

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