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Agricultura familiar e meio ambiente: posições sociais e estratégias de agricultores assentados em Área de Proteção Ambiental. MARIA SERGIA VILABERDE Orientador: Prof. Dr. Jalcione Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Faculdade de Ciências Econômicas - Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Rural. Dissertação. Porto Alegre, 2002.TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AGRICULTURA FAMILIAR E MEIO AMBIENTE: POSIÇÕES SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE AGRICULTORES ASSENTADOS
EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Maria Sergia Villaberde Orientador: Prof. Dr. Jalcione Almeida
Porto Alegre 2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
AGRICULTURA FAMILIAR E MEIO AMBIENTE: POSIÇÕES SOCIAIS E
ESTRATÉGIAS DE AGRICULTORES ASSENTADOS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Maria Sergia Villaberde Orientador Prof. Dr. Jalcione Almeida
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural como quesito parcial para obtenção do Grau de Mestre Desenvolvimento Rural - Área de Concentração em Agricultura, Meio Ambiente e Sociedade.
Série PGDR - Dissertação n.º 010 Porto Alegre
2002
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL
A Banca Examinadora abaixo relacionada aprovou, no dia 31 de agosto de 20001, a Dissertação de Maria Sergia Villaberde com o título Agricultura familiar e meio ambiente: posições sociais e estratégias de agricultores assentados em área de proteção ambiental como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Desenvolvimento Rural - Área de Concentração Agricultura, Meio Ambiente e Sociedade.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Jalcione Pereira de Almeida (Orientador- Presidente) Prof. Dr. Gustavo Henrique Merten ( UFRGS) Prof. Dr. Lovois de Andrade Miguel (UFRGS) Prof. Dr. Roberto Verdum ( UFRGS)
iv
AGRADECIMENTOS
Aos agricultores do Assentamento "Filhos de Sepé" e suas famílias, por sua
disposição para colaborar com a realização deste trabalho. De igual modo, aos
mediadores técnicos das organizações com as quais estabeleci contato.
À comunidade do PGDR, seus administrativos, professores e, particularmente,
aos meus colegas pelo apoio recebido. Gostaria de destacar o esforço e dedicação de
meu orientador, professor Jalcione Almeida, como assim também os inestimáveis
aportes recebidos do Prof. José Carlos Gomes dos Anjos.
À minha família, em especial minha mãe, meu companheiro e meu filho, por sua
infinita paciência e compreensão.
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SUMÁRIO
Páginas
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01
1 PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO ............................................................... 04
2 REFERENCIAL CONCEITUAL .............................................................. 06
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................... 19
4 POSIÇÕES DOS AGRICULTORES E TÉCNICOS EM RELAÇÃO À QUESTÃO AMBIENTAL E SEUS FATORES DETERMINANTES ........
4.1 Características do contexto da situação analisada .............................................
4.1.1 Descrição da região........................................................................................
4.1.2 Caracterização do assentamento ...................................................................
4.1.3 Instituições e mediadores relacionados ao assentamento ..............................
4.2 Origem e trajetória social dos agricultores .......................................................
4.3 Características estruturais dos sistemas produtivos implementados.................
4.3.1 Recursos naturais ..........................................................................................
4.3.2 Capital ...........................................................................................................
4.3.3 Relação com os mercados ..............................................................................
4.3.4 Créditos e rendas ...........................................................................................
4.3.5 Características dos sistemas de cultivo .........................................................
4.3.6 Características dos sistemas de criação .........................................................
4.3.7 Organização para o trabalho ..........................................................................
4.3.8 Projetos e aspirações sociais ......................................................................
4.3.9 Relação produção agrícola /conservação ambiental ......................................
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5 A RELAÇÃO PRODUÇÃO / CONSERVAÇÃO ENTRE OS AGRICUL-TORES INVESTIGADOS E A POSIÇÃO DOS MEDIADORES TÉCNI-COS ..................................................................................................................
5.1 A sensibilidade ambiental entre os agricultores assentados .............................
61
61
vi
5.2 Análise de posições e estratégias em cada grupo e sua relação produção/ conservação ......................................................................................................
5.2.1 Estrutura subjetiva .........................................................................................
5.2.2 Estrutura objetiva ...........................................................................................
5.2.3 Trajetória social dos agricultores ..................................................................
5.3 Pacotes Interpretativos dos agricultores ...........................................................
5.4 Posições dos mediadores técnicos ....................................................................
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73
75
78
80
CONCLUSÕES ..................................................................................................... 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 93
BIBLIOGRAFIA CITADA E CONSULTADA ................................................. 95
ANEXOS ................................................................................................................ 99
vii
LISTA DE QUADROS
Páginas
Quadro 1: Diferentes situações sociais contraditórias e potencialmente conflituosas para os agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ................................................................................
15
Quadro 2: Aspectos abordados nas entrevistas com os agricultores – Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS......................................................
24
Quadro 3: Lugares de origem dos agricultores entrevistados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ................................................................
36
Quadro 4: Vantagens e desvantagens de cada um dos setores do assentamento, segundo os agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ..........................................................................................
38
Quadro 5: Posições dos grupos de agricultores assentados frente aos diferentes eixos de análise – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS .............
72
Quadro 6: Variáveis da estrutura objetiva dos diferentes grupos de agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ....................
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Quadro 7: Trajetória social dos grupos de agricultores assentados – Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS ......................................................
76
Quadro 8: Pacotes interpretativos dos grupos de agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ..........................................
80
Quadro 9: Pacotes interpretativos dos mediadores técnicos atuantes no Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS .....................................................
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viii
RESUMO
A questão ambiental é uma expressão que tem na flexibilidade sua maior força,
com uma grande riqueza simbólica e capacidade para provocar mobilidade social a
partir de sua discussão. Mas qual é o verdadeiro sentido que esta tem para os
agricultores? Como entendem esta questão ambiental tão mencionada, particularmente
pelos mediadores técnicos? O presente trabalho objetiva entender a questão ambiental
analisando o lugar que a natureza ocupa na organização dos Sistemas Produtivos dos
agricultores do Assentamento de Viamão, Águas Claras, no Rio Grande do Sul. O lugar
que a natureza ocupa estima-se a partir de parâmetros como a avaliação dos Recursos
Naturais que realizam, como escolhem suas atividades e as técnicas que utilizam, sua
posição em relação a uma agricultura diferente, à Área de Proteção Ambiental, à
tecnologia. Agruparam-se os agricultores segundo a manifestação ou não de
sensibilidade ambiental. A primeira constatação foi que o lugar que ocupa a Natureza na
prática é diferente ao que ocupa no discurso. A partir das posições dos agricultores, se
conformam os “Pacotes interpretativos” analisados como as interpretações da questão
ambiental dos diferentes grupos. Analisa-se a situação como uma arena especifica, na
qual as ações e discurso dos atores presentes influenciam-se mutuamente. Entre as
conclusões, destaca-se o predomínio da propriedade como a principal relação com a
natureza. O que se reflete na presença de duas Naturezas: a própria e a que conforma o
“meio ambiente”. Por sua vez, a Natureza ocupa um lugar no discurso e outro na ação.
Por último, não existe uma relação linear (uma determina à seguinte), entre as práticas
agrícolas, as estratégias e o discurso, pelo contrário, têm determinantes comuns, como
estrutura objetiva, subjetiva e trajetória social. Além disso, apresentam uma forte
interdependência.
ix
ABSTRACT
The environmental issue is an expression that has in its flexibility its greatest
strength, presenting a great symbolic richness and capacity to promote social mobility
from its discussion. But what is the real meaning of this expression for the agricultural
workers? How do they understand the environmental issue that has been discussed a lot,
particularly by technical mediators? The present study aims to understand the
environmental issue by analyzing the place nature occupies in the organization of the
agricultural workers’ Productive Systems in the Viamão settlement, Águas Claras, in
the state of Rio Grande do Sul. The place nature occupies is estimated from parameters
like the evaluation they make of the natural resources, how they select their activities
and techniques, and their position in relation to a different agriculture, to the
environmental protection area, and to the technology. The agricultural workers were
grouped according to whether they manifested, or not, a sensitivity to the environment.
The first thing that was possible to verify is that Nature occupies different places in
practice and in discourse. The interpretive Packages analyzed as the interpretations of
the environmental issue of the different groups were formed from the agricultural
workers’ postures. The situation is analyzed as a specific arena where the actions and
discourse of the present actors influence each other. The predominance of property as
the main relation to nature is outstanding among the conclusions, which is reflected in
the presence of two natures: nature itself, and the one that forms the environment.
Nature, in its turn, occupies a place in discourse and another one in practical actions.
Finally, there is no linear relation (one determines the following) between agricultural
practices, strategies, and discourse; on the contrary, there are common determinants, as
the objective and subjective structures, and the social trajectory. Moreover, they present
a strong interdependency.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho se pretende estabelecer qual é a posição que a natureza ocupa nos
sistemas produtivos agrícolas, através da análise das práticas e manifestações de
agricultores. Isto permitirá entender como os agricultores pensam e atuam em relação à
questão ambiental, termo de muitos significados e que possui em cada situação uma
conotação particular. Analisam-se particularmente as situações onde os agricultores
devem encarar um processo produtivo que lhes permita sua reprodução, com fortes
limitações de estrutura, como por exemplo, escassez de recursos materiais e naturais.
Com é o caso dos agricultores familiares do assentamento Filhos de Sepé de Aguas
Claras, Viamão, Rio Grande do Sul.
A estas deficiencias se somam importantes restrições de uso dos recursos
naturais ja que o assentamento forma parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA).
Em relação a esta forma de preservação a Lei Federal 6.902, establece que são
porciones do território nacional com diferente configuração e tamanho, além de
modalidades de manejos diferentes, com características notáveis dotadas de atributos
bióticos, estéticos ou culturais que exijam proteção.
Parte do objetivo deste trabalho é entender a conotação da questão ambiental, no
assentamento, entre os agricultores e outros atores e mediadores sociais, em uma “arena
específica”, o que permite contextualizar melhor que quando se fala da opinião publica,
ou até representações sociais. Destas “arenas” emerge uma questão ambiental própria de
este contexto, deixando-se de avaliar sim estas interpretações coincidem com
significados “oficiais” ou “universais”. Além disso, se busca entender como estas
diferentes conotações da questão ambiental influenciam na hora da escolha de
2
estratégias que terminam afetando os resultados obtidos por famílias em seus sistemas
produtivos.
Uma das motivações para realizar esta investigação surgiu da extensão rural,
área onde desempenho meu trabalho profissional, na qual através de uma série de
métodos e técnicas se objetiva que o produtor desenvolva determinadas habilidades ou
incorpore conhecimentos técnicos. Apesar de uma ampla gama de objetivos e
metodologias utilizadas, desde as mais condutivistas/dirigistas até as mais
construtivistas, do ponto de vista pedagógico adotado, não se considera como o
agricultor entende a sua realidade e o porquê de suas ações, além do que a interpretação
destes parâmetros é objeto de controvérsia. A hermenêutica, área que diz respeito à
teoria e a prática da compreensão em geral, e a interpretação de significados de textos e
ações em particular, é geralmente negligenciada. Neste trabalho tenta-se entender como
os agricultores entendem sua realidade a partir de uma perspectiva interpretativista,
evitando os enfoques que defendem uma visão utilitarista dos agricultores.
O primeiro capítulo trata do problema de investigação e de uma descrição do
assentamento “Filhos de Sepé”, objeto de estudo, escolhido em um primeiro momento,
além de sua proximidade com Porto Alegre, por suas caraterísticas particulares como
por exemplo a presença de uma Área de Proteção Ambiental dentro do assentamento.
Pensou-se que esta APA era, junto com a inadequada dotação de recursos materiais, os
principais limitantes, mas com o desenvolvimento da investigação se comprovou que as
caraterísticas próprias dos recursos naturais eram para os agricultores suas principais
limitantes, e as principais componentes de “sua” questão ambiental.
No segundo capítulo se realiza uma reflexão sobre conceitos e termos utilizados
como suporte de análise deste trabalho. Já no capítulo três, se explicam detalhadamente
os procedimentos metodológicos utilizados para realizar a investigação: elaboração e
características dos instrumentos utilizados, entrevista, roteiro de perguntas, construção
da amostra e seleção dos casos, conformação dos grupos de agricultores, critérios, eixos
analíticos, posição de mediadores técnicos e construção dos paquetes interpretativos.
Mencionam-se também as dificuldades encontradas e como foram superadas.
No quarto capítulo se descreve o contexto da situação analisada, da trajetória dos
agricultores e as principais características dos sistemas produtivos, como sua dotação de
3
recursos, relação com os mercados, produção vegetal e animal, organização para o
trabalho, projetos e expectativas.
O quinto capítulo é mais analítico, nele se analisam as posições dos grupos de
agricultores e suas estratégias, suas estruturas objetivas, subjetivas e trajetórias sociais,
parâmetros determinantes de seus pacotes interpretativos e de suas estratégias.
1 PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO
O assentamento “Filhos de Sepé” ocupa uma área de 9.406 ha, estando
localizado na bacia hidrográfica do rio Gravataí, em Águas Claras, município de
Viamão, zona metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul.
Vivem ali 376 famílias, divididas em quatro grupos, autodenominados A (112 famílias),
B (30 famílias), C (115 famílias) e D (108 famílias). Este é o maior assentamento do
estado. As famílias chegaram ao local em dezembro de 1998.
O assentamento apresenta uma situação extremamente particular pois, foi criado
dentro de uma Área de Proteção Ambiental, a APA do Banhado Grande1. Neste caso, a
busca de sistemas produtivos deve levar em consideração as limitações previstas pela lei
ambiental no caso das Áreas de Proteção Ambiental. O assentamento em questão
apresenta-se, portanto, em função de seu tamanho e de sua situação ambiental, como um
desafio de grande importância não só para os assentados e técnicos que ali trabalham,
mas para a sociedade em seu conjunto.
As famílias que compõem o assentamento se encontram em uma situação em
que se combinam, por um lado, a necessidade de encarar um processo produtivo que
lhes permita sua reprodução, com limitações estruturais muito fortes, como a
insuficiente dotação de recursos produtivos (desde máquinas e equipamentos até
recursos financeiros), e características agroecológicas que limitam as possibilidades de
desenvolver certas atividades produtivas. Por outro lado existem, pelo fato do
assentamento estar inserido numa APA, fortes restrições ao uso dos recursos naturais.
Planeja-se analisar como as famílias resolvem estas demandas, tanto de reprodução
1 A referida APA ocupa cerca de um terço da área total do assentamento. Para maiores detalhes, ver item 4.1.2 a seguir.
5
social como de proteção ambiental, antagônicas, embora tenham forte interdependência,
uma vez que o deterioramento de uma levará ao deterioramento da outra.
Em uma situação de fortes limitações estruturais e limitações nos usos dos
recursos naturais, como estas famílias pensam e praticam a organização de seus
sistemas produtivos? Como planejam sua relação com a natureza, concretizada na
relação entre produção/conservação (ou proteção do meio ambiente)? Como pensam
conciliar estes aspectos? Que lugar ocupam os aspectos ambientais nas decisões ou
eleições de alternativas que realizam as famílias nos sistemas de produção? As
representações dos demais atores sociais envolvidas direta ou indiretamente ao
assentamento são contraditórias às dos agricultores? Opõem-se a seus interesses?
A hipótese principal que orienta este trabalho é que familias com similar dotação
e disponibilidade de recursos productivos (naturais, capital e trabalho), podem alcançar
distintos resultados sócio - econômicos, segundo as estratégias que assumem. Estas,
dependem de numerosas variáveis, entre elas destacam-se como as famílias entendem a
relação produção / conservação.
Em síntese, se pretende analisar como estes agricultores pensam e praticam a
organização de seus sistemas produtivos, como planejam sua relação com a natureza,
concretizada na relação entre produção agrícola/conservação (ou proteção do meio
ambiente).
Através da análise dos sistemas produtivos se buscará compreender que lugar
ocupa a questão ambiental nas decisões que tomam os agricultores e como estas
influenciam na escolha de diferentes estratégias para alcançar seus objetivos.
2 REFERENCIAL CONCEITUAL
Os elementos conceituais referenciados ao longo do capítulo foram os que se
utilizaram na reflexão teórica que acompanhou a análise dos dados obtidos da situação
empírica. É esta combinação dados e reflexão, somada à revisão bibliográfica, que
permite avanços teóricos, integrando um processo de investigação global.
Agricultura familiar
A agricultura familiar teve (e ainda hoje tem) diferentes conotações, gerando
intermináveis discussões, não somente em relação a sua permanência ou não no
desenvolvimento capitalista, mas também sua definição é objeto de diferentes
interpretações. Mais recentemente o debate centrou-se no seu papel, já não como
produtora de alimentos, mas como aquela que poderá reverter o grave processo de
deterioração que sofre o meio ambiente.
No Brasil, permanecem ainda muitas dúvidas com respeito à utilização do termo
“agricultura familiar”. Pode-se notar que em sua evolução, substitui outras idéias
utilizadas na produção científica nas últimas décadas. A maior afirmação deste conceito
se deu por duas vias, segundo SCHNEIDER (1999). Uma via, no campo político,
relacionada aos movimentos sociais, principalmente o sindicalismo rural, e, por outro
lado, através de alguns trabalhos acadêmicos que passaram a buscar novas referências
teóricas e analíticas. De qualquer modo, mantém-se esta noção para caracterizar grupos
de agricultores com pequenas extensões de terra que utilizam fundamentalmente
trabalho familiar nos processos produtivos. SCHNEIDER (1999) atribui isto ao forte
peso do marxismo clássico nos estudos do mundo rural. Assim, desde meados da década
7
de 1950 até o final da década de 1960, a discussão se centrava nas relações de produção
no campo (a chamada “questão agrária”), onde se utilizava a noção de camponês, que
abarcava pequenos proprietários, arrendatários, meeiros, etc., noção esta fortemente
impregnada de conteúdo político-ideológico. Na década de 1970 os proprietários de
pequenas extensões de terra identificados como minifundistas, passaram a ser
“pequenos produtores”. Isto acontecia enquanto surgia uma ideologia que estimulava a
modernização tecnológica destes setores, de modo que existia uma convivência de
ambos os conceitos: pequena produção, mais operacional, e camponeses, como uma
categoria mais teórica. Na segunda metade da década de 1970 surgem os estudos
inspirados na “teoria da economia camponesa”, baseados em CHAYANOV (1974,
1981), apud SCHNEIDER (1999) que, apesar de romperem com a tradição marxista
clássica, continuavam com a visão de que os camponeses mantinham uma articulação
com o sistema econômico dominante, apesar de seus mecanismos específicos de
funcionamento manterem uma relação subordinada ao capital.
Já na década de 1980, continua SCHNEIDER (1999), adiciona-se ao conceito de
pequena produção as noções de “integração” e “exclusão”. Os “integrados” eram
aqueles que se ligavam às agroindústrias e mercados consumidores. Os “excluídos”
eram aqueles que não participaram do processo de modernização. Estas categorias
reforçavam uma visão marxista que explicava a expansão capitalista, provocando um
processo de diferenciação social.
O trabalho realizado por KAGEYAMA e BERGAMASCO (1989) propõe uma
tipologia para analisar a estrutura de produção na agricultura com base nas relações de
trabalho predominantes, trabalhando com dois subconjuntos: a) estabelecimentos
dirigidos por um administrador e aqueles que não utilizam mão-de-obra familiar não
remunerada, a que chamaram de “Empresas Capitalistas”; e b) estabelecimentos que
não são dirigidos por um administrador contratado e que utilizam necessariamente mão-
de-obra familiar, a que chamaram “Conjunto Familiar”, dirigidos pelo produtor.
Devido à heterogeneidade da produção familiar, deve-se diferenciar esta
categoria. Através do peso relativo do trabalho contratado, externo à família, surgem
assim três tipos: a) familiares puros; b) familiares complementados por empregados
temporários; e c) empresas familiares com trabalho externo e permanente. Este trabalho
8
considera a existência de estabelecimentos familiares e empresariais, deixando de lado a
polaridade minifúndios/latifúndios e pequenos/grandes.
Após este trabalho KAGEYAMA e BERGAMASCO, explica SCHNEIDER
(1999), surgem outros já nos anos 1990, como o realizado pela FAO e pelo INCRA
(1994), cujo objetivo foi o de determinar diretrizes para um modelo de desenvolvimento
sustentável, sugerindo outra classificação dos estabelecimentos agropecuários,
separando-os em dois modelos: “patronal” e “familiar”. O primeiro se caracteriza pela
completa separação entre gestão e trabalho, pela organização descentralizada e ênfase
na especialização produtiva, uso de práticas padronizáveis e trabalho assalariado. O
modelo familiar, por outro lado, apresentava uma relação íntima entre gestão e trabalho,
direção do processo produtivo a cargo dos proprietários, ênfase na diversificação
produtiva e na durabilidade dos recursos e qualidade de vida, utilização de trabalho
familiar (assalariado apenas como complementar) e tomada de decisão imediata. Os
estabelecimentos familiares foram separados em três subcategorias: familiar
consolidada, em transição e periférica.
Em termos gerais, ao referir-se à agricultura familiar, se faz referência àquela
que cumpre com os requisitos de oferecer alimentos baratos e de qualidade e reproduzir-
se de forma mais ou menos autônoma. Ainda que às vezes provenha de uma evolução
de formas camponesas, se distinguem destas por sua inserção em ambientes
marcadamente capitalistas ABRAMOVAY (1997) apud SCHNEIDER (1999).
LAMARCHE apud GEHLEN (1998), se refere às características do produtor
familiar moderno, ou “colono”, nos seguintes termos:
“A adoção da referência de produtor moderno o aproxima do tipo ideal de empresário, sem abandonar sua condição identitária fundamental, pois ao definir-se pela conduta de tipo empresarial estabelece não somente outras relações com o trabalho, com a família, com a produção, com o mercado, mas também outras relações com a terra, com o espaço e com o tempo. De fato, ele forja uma outra concepção dele mesmo e de sua profissão. Nesta perspectiva, a prioridade à geração de mercadorias sem realizar a acumulação capitalista, visa em primeiro lugar reproduzir a família e o patrimônio (material, social e cultural) melhorando a qualidade de vida e, complementarmente, produzindo a sua subsistência” (GEHLEN, 1998) (sublinhado por M.S.V.)
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Do mesmo modo, para o agricultor familiar tradicional, ou “caboclo”, o mesmo
autor afirma:
“Para o agricultor familiar tradicional (que podemos idealizar na figura do caboclo), o trabalho é necessário, porém parte relativa da vida. É o fluxo da vida que comanda o uso do tempo o qual subordina o trabalho. Por isso, as técnicas de produtividade pouco significam. Estabelece uma relação com o natural que o torna parte de si mesmo e sua preservação é essencial para o espaço – tempo da vida. O trabalho, para esta concepção, não pode destruir a natureza substituindo-a por uma cultura estranha, como o fizeram os colonos imigrantes. O excedente é produzido para garantir a reprodução familiar e a qualidade de vida. A terra é espaço e lugar de vida, necessária para a reprodução biológica, social e religiosa (acredita nos espíritos da natureza), da família em sua acepção ampla que inclui o compadrio. Juntamente com a natureza a terra é condição da identidade. O trabalho, se orienta pela lógica da subsistência familiar, assemelhando-o ao que a literatura tradicional chama de camponês, por nós denominado de “modelo caboclo” (GEHLEN, 1998) (Sublinhado por M.S.V.)
Esta breve revisão de diferentes autores sobre a agricultura familiar é eloqüente
a respeito da heterogeneidade que existe sob este termo. Contudo, se pode observar que
apesar das diferenças que existem dentro da categoria de “agricultores familiares”,
especialmente na sua relação com a terra, ao trabalho, a natureza, aos mercados,
permanece o objetivo da reprodução como característica importante.
A “reprodução”, objetivo principal dos agricultores familiares, implica
diferentes dimensões: 1) a “sobrevivência da família”, o que significa cumprir as
necessidades básicas; 2) a “reprodução da família”, às vezes, ainda que não de maneira
coincidente, envolve a “questão ambiental”; e 3) a “reprodução da sociedade”, de onde
a questão ambiental adquire um significado transcendente.
Questão ambiental
A “questão ambiental” faz referência a um termo com uma grande riqueza
simbólica e capacidade para provocar mobilidade social (JOLLIVET, 1994). A partir de
sua discussão se tem gerado mudanças de uma magnitude e alcance globais, sem
precedentes. Através deste debate se chegou a própria discussão sobre “meio ambiente”
e “sustentabilidade”.
10
A questão ambiental apresenta, para COSTABEBER (1999), reivindicações de
grupos ambientalistas (desde o final da década de 1960) chamando a atenção sobre
conflitos ambientais, demandando políticas públicas para regulamentar estas situações.
Também no plano acadêmico, continua COSTABEBER, surgiram trabalhos como o
informe “Limites do Crescimento” (1972), elaborado por uma equipe do Massachussets
Institute of Technology e pelo Clube de Roma, colocando em questão a possibilidade de
manter-se o crescimento econômico baseado no consumo ilimitado dos recursos
renováveis e na capacidade tecnológica de superar os problemas ecológicos que
surgiram.
As evidências que já não somente eram de ordem física, adquiriam maior
magnitude, conferindo à questão ambiental sua inserção no espaço público, ganhando
maior terreno através da criação de secretarias, ministérios e, até no âmbito político,
com o surgimento dos partidos verdes. Surgem eventos, afirma COSTABEBER (1999),
que foram de suma importância neste processo de institucionalização, alguns dos quais
adquirem uma dimensão internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, onde se começou a discutir
esta questão como interação entre o ambiente natural e social. Já nos anos 1980 houve
tentativas de incorporação desta questão nos programas de desenvolvimento: o trabalho
da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, através da
publicação do Relatorio Brundtland, em 1987, é a referência mais aceita sobre a qual se
consolidou o Desenvolvimento Sustentável como estratégia para enfrentar a
problemática ambiental. No início da década de 1990 se realizou no Rio de Janeiro a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992),
onde se alcançou um maior acordo oficial em torno do Desenvolvimento Sustentável, e
se adotou um programa de ação a longo prazo, sugerindo a transição para a
sustentabilidade.
Nos últimos 20 anos se incorporou no debate o termo “meio ambiente”. Apesar
da sua recente inclusão, é um termo que encerra questões que já se debatiam antes de
obter-se este rótulo. Hoje, seu significado apresenta uma amplitude que permite
designar, desde uma política, um órgão do governo e até, uma preocupação geral
(JOLLIVET, 1994).
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O debate sobre o meio ambiente, sociologicamente falando, está configurado por
diferentes ideologias. É um campo estruturado de representações coletivas baseadas em
um sistema de valores. Trata-se de uma ideologia política porque moderniza a questão
democrática através dos direitos do cidadão à informação e participação em decisões
públicas. É um termo que por ser jovem, afirma JOLLIVET (1994), se encontra ainda
em estado instável e inacabado, o que permite que seja aberto, permeável e maleável.
Introduz-se em um novo campo que toca profundamente o imaginário, as representações
sociais e os sistemas de valores sociais, sendo que nestas características reside a força
do termo como gerador de ideologias.
As evidências do deterioramento ambiental aumentam e se tornam inegáveis. A
questão ambiental começa a ganhar terreno no espaço público e político,
simultaneamente aparecendo o termo sustentabilidade, surgimento que EHLERS (1996)
explica:
“Em meados da década de 1980, os impactos da agricultura moderna, a dilapidação das florestas tropicais, as chuvas ácidas, a destruição da camada atmosférica de ozônio, o aquecimento global e o ‘efeito estufa’ tornavam-se termos familiares para grande parte da opinião pública, principalmente nos países ricos. Questionava-se até que ponto os recursos naturais suportariam o ritmo de crescimento econômico imprimido pelo industrialismo, ou mesmo se a própria humanidade resistiria às seqüelas do chamado ´desenvolvimento’. Como resposta a estas dúvidas consolidava-se um novo paradigma, um novo ideal: a sustentabilidade. Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento publicava Nosso futuro Comum, o famoso Relatório Brundtland, que ajudou a desenhar o ideal de um desenvolvimento sustentável para diferentes setores das sociedades modernas, como a agricultura e a economia. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, reafirmou este ideal”.
A palavra “sustentável” além de relacionar-se ao uso da terra, dos recursos
bióticos, florestais e pesqueiros, a partir da metade da década de 1980 assume
dimensões econômicas e socioambientais. Desta maneira, o termo sustentabilidade
guarda semelhança com aquelas características que sinalizam para “meio ambiente”.
Para definir as condições de sustentabilidade é necessária uma combinação de critérios
éticos, morais, políticos e sociais. Tal como afirma JOLLIVET (1994), o debate sobre a
“questão ambiental” obriga a repensar as relações entre a sociedade, a técnica e a
natureza. Portanto, a “sustentabilidade” em um sentido amplo ultrapassa uma visão que
objetiva mudanças dos sistemas físicos, senão que demanda também mudanças no
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comportamento dos agentes humanos, como seriam os valores e as atitudes sociais. É
onde reside a força desta noção como geradora de ideologias.
Como impacta esta questão ambiental na agricultura familiar? JOLLIVET
(1994) se pergunta analisando o contexto onde os agricultores se confrontam com as
exigências ambientais, comparando com as crescentes dificuldades econômicas devido à
internacionalização dos mercados e à maior exposição destes às leis de mercado: “... não
será o meio ambiente, carregador de uma nova dependência de grandeza internacional, e
para tanto de novas dificuldades para enfrentar e superar?” (JOLLIVET, 1994).
A outra dimensão da questão ambiental que não pode ser ocultada, continua
JOLLIVET, é a dimensão que ele denomina "naturalista". Os problemas reais e
concretos que se apresentam com relação à gestão dos recursos, elementos e meios
naturais. Em relação com a agricultura e os agricultores, esta referência ambiental trata
do solo, da água, da biodiversidade, das paisagens e da atmosfera.
Entre as abordagens referidas na temática ambiental na agricultura, a proposta
agroecológica provavelmente é a mais difundida. É para ALTIERI2 (1999) um enfoque
científico do desenvolvimento, com objetivos precisos. A agricultura sustentável é em
realidade uma agenda de desenvolvimento com uma série de objetivos, não é um
sistema de produção. Está pensada, continua ALTIERI, para a agricultura familiar e os
camponeses. Entre seus objetivos destacam-se aqueles relacionados com a diminuição
da pobreza, a segurança alimentar, ainda que isto não signifique que não se possa
trabalhar em grande escala.
A idéia principal deste enfoque é trabalhar com sistemas os mais diversificados
possíveis e reciclando desejos/rejeitos da produção, para poder obter sistemas mais
eficientes e menos dependentes de recursos externos, que degradem menos os recursos
naturais e menos vulneráveis a choques externos. Não se trata de sistemas “orgânicos”
que não usam insumos químicos, mas de sistemas eficientes que usam a menor
quantidade de insumos necessária ALTIERI apud KAIMOWITZ (1987).
Enquanto a tecnologia da Revolução Verde é intensiva em capital, utiliza
variedades e agroquímicos para substituir a terra e usa maquinários para substituir mão-
2 Palestra: “A transição para a Agroecología: problemas e temas para uma agenda de pesquisa” Prof: Dr. M. ALTIERI – Dra. C. NICHOLS, Universidade de California, EUA. IEPI–UFRGS - 25 Nov 1999.
13
de-obra, a tecnologia que demanda esta agricultura alternativa tende a ser intensiva em
conhecimentos.
Esta nova visão da tecnologia agrícola e a concepção de desenvolvimento
subjacente, se adaptam muito bem à agricultura familiar, especialmente aquela que
mantém maior diversificação, utiliza tecnologias de baixos insumos e tem um elevado
grau de conhecimento das condições locais.
Por outro lado, o que significará para os agricultores familiares esta questão
ambiental, em termos de rentabilidade, relação com os mercados e possibilidades de
permanência no campo? É certo que mudanças acontecerão no funcionamento das
unidades familiares, tanto em nível de estratégias utilizadas como de resultados obtidos?
MOREIRA (1998) examina as condições de competitividade e as questões de
tecnologia e integração social a elas associadas, especialmente no acesso à terra e aos
meios de produção. Este autor faz referência a uma nova qualificação de “sustentável” e
qual poderia ser seu impacto na agricultura familiar. Para ele, a agricultura familiar se
conformou no Brasil como um setor “bloqueado”, excluído do progresso social o que é
visto como algo natural, e com respeito à questão ambiental afirma:
“a contemporaneidade ecológica está adicionando um elemento a mais a esta concepção dominante: gerar um ganho suficiente para manter a família e usar os recursos naturais de maneira sustentável. A qualificação de sustentável para a agricultura familiar coloca em questão a pertinência e validade do padrão de desenvolvimento em vigor”(MOREIRA, 1998).
A sustentabilidade, continua MOREIRA (1998), aponta para uma nova
adequação tecnológica e não para um questionamento da ordem social. Esta concepção
vê uma solução ao problema no campo da ciência e da técnica, como uma
transformação ideológica de que a solução técnica traz consigo o progresso social.
Por outro lado, o contexto de desenvolvimento sustentável traz uma
revalorização do saber-fazer camponês, ampliando assim o espaço da agricultura
familiar no contexto de competição intercapitalista e da sociedade, ainda que para o
autor:
14
“… esse espaço continuará condicionado à garantia da apropriação capitalista dos excedentes econômicos gerados pelo setor, continuará sendo um espaço econômico que tende a operar com lucro e renda da terra iguais a zero, o que reflete a exclusão deste setor do progresso e da ascensão social. Continuará como um espaço restringido, sujeito ao processo dinâmico de exclusão e integração diferenciadas” (MOREIRA, 1998).
Estratégias e percepções
Nas “estratégias” que estes agricultores implementam, ou seja, no modo como
utilizam ou instrumentalizam os recursos produtivos, é onde se materializa o encontro
entre esta questão ambiental, concretizada naquelas práticas tendentes a “conservação”
dos recursos naturais, e as ações tendentes a alcançar o objetivo da “reprodução” em
suas diferentes dimensões.
Por isso, para entender a relação produção agrícola/conservação ambiental, se
aprofundará a análise sobre as estratégias assumidas pelos agricultores, definidas,
segundo trabalho da Secretaria de Agricultura e Pecuária da Nação Argentina (1981),
como o modo em que os agricultores utilizam ou instrumentalizam os recursos
produtivos e as relações com os mercados, em concordância não apenas com as
variáveis estruturais (terra, capital e trabalho), mas também com uma série de fatores
socioeconômicos específicos e propriamente ambientais de cada exploração. As
estratégias são as opções diferentes que têm aquelas unidades com uma estrutura
econômica e produtiva semelhante.
Nestes estabelecimentos a economia doméstica e a economia de exploração
estão intimamente ligadas. Devido a esta razão, as estratégias podem ter dois
tratamentos: um centrado na família, que poderia chamar-se “estratégias de
sobrevivência” de uma unidade familiar de produção/consumo; o outro centrado na
exploração, sem desconhecer a importância da família, motivo pelo qual seria
apropriado chamá-lo “estratégias de produção”. Entre as primeiras se destacam as
entradas não-agrícolas, a composição demográfica, familiar, migrações, etc. Este é o
enfoque utilizado neste trabalho.
Nos sistemas produtivos, o encontro entre a questão ambiental, concretizada
naquelas práticas tendentes à “conservação” dos recursos naturais e às ações tendentes a
15
alcançar o objetivo da “reprodução” em suas diferentes dimensões, se materializa nas
“estratégias” que estes agricultores implementam.
Os agricultores analisados passam por uma série de situações sociais
contraditórias e potencialmente conflitivas, que envolvem diferentes aspectos, tais como
seu lugar de origem, organização para o trabalho, atividades, tipo de agricultura,
relações sociais que incluem as comerciais, pessoais e de confiança. Estas situações
potencialmente geradoras de conflito poderiam ser agrupadas no antes e no hoje,
representados no Quadro 1. Este seria um primeiro nível de situações sociais
contraditórias.
A forma como cada família administra estas situações potencialmente conflitivas
se reflete na organização de seus sistemas produtivos.
Quadro 1: Diferentes situações sociais contraditórias e potencialmente conflitivas para
os agricultores. Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS
ANTES HOJE Provêm, majoritariamente, da região noroeste do Estado
Vivem na região metropolitana
Realizavam seu trabalho individualmente Precisam organizar-se em grupo, para obter melhores condições de produção, recursos, etc.
Em geral plantavam muitos cultivos diferentes Devem plantar principalmente arroz e hortaliças, de acordo com as condições de clima e solo
Realizavam uma agricultura convencional, em alguns casos tradicional
Devem optar por uma agricultura “diferente”
Relações sociais interrompidas Reconstrução de relações sociais novas Fonte: Investigação de campo.
Para compreender a lógica que seguem os agricultores familiares para resolver
estas situações sociais contraditórias, materializadas em suas estratégias, é de
fundamental importância entender as “percepções” que estes atores sociais possuem
com relação a diferentes aspectos, incluindo a natureza, que se manifestam
individualmente, porém se constróem socialmente. Tal como explica FLORIT (1999)
quando afirma:
“...a solidez da idéia de natureza freqüentemente utilizada não passa de uma construção simbólica criada e legitimada através de um processo social. Portanto, não se confia numa Natureza, mas naquilo que grupos sociais chamam “natureza” (FLORIT, 1999). (Sublinhado por M.S.V.)
16
A relação entre o conceito de representações sociais e atividade representacional
é cheia de ambigüidades. A maioria desta possuem sua origem no fantasma do
cognotivismo e sua perspectiva individualizante, onde as representações são o reflexo
do mundo externo na mente ou uma marca da mente que se reproduz no mundo externo.
O outro fantasma sobre o estudo das representações individuais é o relacionado com
símbolos. A teoria das representações se constrói sobre uma teoria dos símbolos. Elas
são consideradas de acordo com MOSCOVICI apud JOVCHELOVITCH (1998) como
formas de conhecimento social que reúnem duas fases, a simbólica e a figurativa.
Em WINNICOTT apud JOVCHELOVITCH (1998), existe um conceito de
“espaço potencial”, estado intermediário entre a incapacidade e a progressiva
capacidade para reconhecer e elaborar a realidade. Este espaço é um espaço dos
símbolos, que pressupõem a capacidade de evocar presença apesar da ausência, sua
principal característica é que eles significam outra coisa. Estes criam um objeto
representado construindo uma nova realidade para a realidade que já existe, provocam
uma fusão entre sujeito e objeto porque expressam a relação entre objeto e sujeito.
Através dos símbolos, coisas diferentes podem significar umas para as outras, podem
submergir umas nas outras, permitem uma variabilidade infinita. Ainda assim são
referências.
É da essência da atividade simbólica o reconhecimento de uma realidade
compartilhada, de uma realidade dos outros. Reconhecimento criativo que envolve aos
outros e ao objeto (mundo). O sujeito constrói em sua relação com o mundo um novo
mundo de significados. Por outro lado, é através da relação com outros que se originam
as representações, permitindo uma mediação entre o sujeito e o mundo que descobre e
constrói. Por outro lado, as representações permitem a existência de símbolos. Não
existe possibilidade de criação simbólica fora de uma rede de significados já
constituídos. O sujeito não está nem abstraído da realidade, nem condenado a reproduzi-
la. Sua tarefa é elaborar uma permanente tensão entre um mundo que já está construído
e seus próprios esforços para ser sujeito. Será que este conflito em que se encontram os
agricultores assentados, na luta entre o que “é” e o que pretendem “ser”, se identifica
mais no discurso que na prática?
Para MOSCOVICI apud FUKS (1998), no processo de socialização de
descobrimentos científicos em nível de sentido comum, se observa que o novo objeto
17
apenas penetra no universo de representações de um grupo depois de passar por um
laboratório de criação social, de modo que o estranho se torna familiar quando é parte
integrante do processo constante de elaboração das representações sociais. FUKS
(2000) considera que um dos principais veículos pelo qual se desdobra a disputa em
torno de assuntos públicos è a argumentação. Para estudar procesos de definição de
problemas sociais se deve trabalhar com recursos argumentativos, o qual requer não
apenas uma compreensão de aspectos institucionais, sociais, econômicos e políticos que
conformam o contexto onde se dá a disputa em torno da definição do problema, senão
ter em conta a dimensão simbólica do conflito, a qual confere singularidade ao processo
em questão.
Em contraste com outras abordagens, FUKS (2000) propõe que a ênfase se
afaste do universo descontextualizado em que se expressa a opinião pública, ou as
representações sociais, e se oriente no contexto do conflito, em que determinados
setores da sociedade veiculam diferentes compreensões de determinados assuntos
públicos. Para este autor, no centro da análise se encontram as dinâmicas
argumentativas dos conflitos sociais, entendidas como a elaboração e veiculação de
versões alternativas a respeito de assuntos públicos; resgata as argumentações como
características essenciais do objeto de estudo, perspectiva que confere legitimidade ao
debate público como campo de investigação. As arenas argumentativas são os lugares
onde os diferentes atores sociais participam de um permanente processo de debate. Os
assuntos públicos e problemas sociais são enfocados por Fuks em termos de disputa
social em torno de sua compreensão. Este processo ocorre nos sistemas de “arenas
públicas”, onde se manifestam atividades reivindicatórias de grupos, o trabalhos dos
meios, a criação de novas leis, divulgação de descobertas científicas, definição de
políticas públicas. Não se trata, portanto, de um processo regido por uma entidade
abstrata chamada “cultura”, nem se dá em locais vagos como “sociedade” ou “a opinião
pública”. Pelo contrário, emerge da disputa, sediada nas arenas específicas entre uma
pluralidade de versões, ainda que as condições diferenciadas de participação reflitam
vantagens para certos atores ou silêncio para outros.
Para FUKS (2000), o estudo da definição da agenda é o que conduza a dinâmica
no centro do campo de investigação. As duas questões básicas com respeito a definição
da agenda são: 1) como surgem novos assuntos públicos; e 2) que atores participam
desta definição. A primeira questão faz referência aos fatores que determinam a
18
emergência de um assunto na arena pública, considerando dentro destes a ação de
grupos organizados, a atuação do governo e o contexto social – cultural. Para FUKS
(2000), a emergência de questões na agenda pública se explica mais em termos de
dinâmica social e política que dos atributos intrínsecos em disputa. A diferença da
investigação tradicional na área dos problemas sociais que atribui às “condições
objetivas” a explicação da emergência e caracterização dos problemas sociais, o autor
propõe localizar o foco de análise até o processo de reconhecimento subjetivo que
conduz a sua definição como problema social.
Para elaborar e operacionalizar uma perspectiva argumentativa em estudos
sociais, FUKS (1998) utiliza os “pacotes interpretativos”, recurso analítico que permite
explicar a dinâmica pela qual se organiza e evoluciona o debate público em torno de um
assunto determinado.
Por outro lado, FUKS (2000) adverte que o processo de definição de problemas
se dá em duas dimensões, que se separam apenas para fins de análise: o debate e a ação.
As arenas públicas permitem uma interação permanente entre estas dimensões que se
reforçam reciprocamente. Quando um grupo realiza uma ação determinada, esta tem
implicações retóricas, promovendo uma determinada compreensão do assunto em
debate: a agricultura familiar e sua relação com o meio ambiente para este trabalho em
particular.
É assim que se analisam as práticas agrícolas que desenvolvem os agricultores
assentados em seus sistemas produtivos, entre elas: a) “tipo de atividade que realizam”,
que atividades produtivas desenvolvem e quais foram os critérios para sua seleção, se
realizam atividades que geram ingresso financeiro de fora de sua propriedade; b)
“organização do trabalho”, participam de grupos, para que atividades, utilizam somente
trabalho familiar, em que períodos; c) “itinerário técnico”: este item faz referência ao
“como” se realiza cada atividade. Partindo da idéia central que os agricultores têm um
“fundamento racional” para realizar suas práticas, ainda que às vezes baseado em
conceitos errados ou informação insuficiente, estudar esta racionalidade nos permitirá
aprofundar acerca de como estabelecem sua relação com a natureza, foco central deste
trabalho.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Os interlocutores da investigação foram os agricultores e suas famílias, líderes
dos agricultores, mediadores técnicos e representantes do governo, cada um destes com
suas diferentes trajetórias sociais, projetos de vida, de produção agrícola e suas
percepções da problemática ambiental do assentamento.
A partir de como as famílias organizam os sistemas produtivos para alcançar
seu objetivo, a reprodução familiar, se pretende entender como pensam sua relação com
a natureza. Para isto, será utilizada uma combinação de técnicas e instrumentos.
A situação analisada demanda um importante nível de detalhe, devido ao que é
essencial a observação da realidade em pleno funcionamento. Esta investigação
empírica foi acompanhada de uma investigação bibliográfica e uma reflexão teórica e
metodológica. Combinarão-se as seguintes técnicas:
• “Observação e acompanhamento” das práticas dos diferentes sistemas
produtivos, pretendendo reconstruir seu itinerário técnico;
• “Aplicação de questionários” semiestruturados e “entrevistas” com as famílias,
onde se perguntou sobre os sistemas produtivos, dotação de recursos, relação com
os mercados, tipo de atividades, organização para o trabalho, manejo técnico,
resultados econômicos – produtivos, sociais e ambientais. Aqui também foram
tratados alguns aspectos relacionados com suas trajetórias sociais, história,
origem, o que e como produziam, etc. Isto será de grande importância para
entender os fundamentos dos sistemas produtivos;
20
• “Entrevistas com informantes-chaves” e “qualificados” (líderes no assentamento,
técnicos, funcionários de organismos estatais e/ou municipais, etc.);
• “Análise bibliográfica e documental”. Por exemplo, foi necessário analisar toda a
regulamentação relacionada às Áreas de Proteção Ambiental (APAs), para
compreender como se planeja a relação produção/conservação do meio ambiente
e se esta visão se contrapõe ou não aos interesses dos agricultores.
No seguinte esquema se visualiza o eixo central de análise que segue a proposta:
A relação
agricultores, que
investigação segu
observação e se
finalmente, chego
RELAÇÃO PRODUÇÃO AGRÍCOLA / CONSERVAÇÃO
ESTRATÉGIAS ASSUMIDAS PELOS AGRICULTORES PRÁTICAS AGRÍCOLAS DE SISTEMAS PRODUTIVOSAtividades realizadas
Itinerário técnico
Organização social
produção/conservação se reflete nas estratégias que assumem os
são observadas nas práticas agrícolas que estes realizam. A
iu uma direção contrária a esta seqüência de causalidade: começou na
guimento das práticas agrícolas, para entender as estratégias e,
u-se na relação produção/conservação.
21
A seqüência de atividades realizada guarda relação com este esquema. Em
primeiro lugar analizou-se elementos dos sistemas produtivos, além da indagação sobre
a posição dos agricultores em relação à questão ambiental. Paralelamente realizaram-se
entrevistas com informantes qualificados e posteriormente as entrevistas com
mediadores técnicos, tudo isto acompanhado de análise documental e bibliográfica.
O nível de análise proposto reflete a preocupação em encontrar os determinantes
das ações dos agricultores, tratando de entender a situação como um todo, “um feito
social” em que intervém diferentes aspectos, desde os mais objetivos, como a falta de
recursos, a aqueles mais subjetivos, como sua percepção (representação) da questão
ambiental.
Busca-se entender como os agricultores compreendem sua realidade desde uma
perspectiva mais interpretativista, evitando enfoques utilitaristas das ações dos
agricultores. Por exemplo, o esquema utilizado para a caracterização dos sistemas
produtivos tem elementos objetivos como sua dotação de recursos e outros mais
subjetivos, como sua percepção da questão ambiental. Também inclui um grupo de
variáveis que consideram sua história de vida, ocupação e informação.
Sempre a relação entre as percepções dos agricultores e suas ações, ou seja, as
vinculações entre as dimensões que conformam o mundo social, estiveram no centro de
análise deste trabalho; as relações sociais também adquirem importância na análise,
orientando a compreensão de como se conformam as diferentes posições.
O trabalho se propõe analisar um “feito social total”, ou seja, a integração de
diferentes aspectos constitutivos de uma realidade social tomada em sua integralidade
(MAUSS, apud GOMES DOS ANJOS3, 2000). Pela via dos enfoques mais
funcionalistas, aqueles que tratam de entender a estrutura interna do assentamento,
desde dentro, porém sem levar em conta a história e a trajetória dos atores sociais
envolvidos, é como entender o presente sem considerar o passado. Deste modo, se
pretende estudar um “evento”, analisando-o como um processo, com relações em
constante re-atualização, com mediadores propondo diferentes formas de ler a realidade,
utilizando diversos elementos para atrair os agricultores. Este recorte de análise, de
agricultores e mediadores relacionados com as ações de um movimento social
22
(Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST) e sua luta pela terra, permitem
ver que aquele pressuposto de um mundo rural estável não existe. É claro que o mundo
rural não pode ser considerado estático, que não muda, comprovando-se assim que esta
afirmação não é mais que um estereótipo que como investigadores devemos mudar.
Quanto à elaboração de instrumentos, a opção pelo questionário semi-
estruturado se deu porque este instrumento permite manter parte do questionário
estruturado como os dados mais quantitativos e outra parte mais aberta onde se
formulam questões mais qualitativas e onde o importante é a forma que o entrevistado
expressa suas idéias, percepções, etc. (Ver anexo 2) Para as entrevistas com os técnicos
se elaborou um roteiro de perguntas abertas, divididas formando blocos, o que facilitou
sua posterior sistematização e análise (Ver anexo 3).
Para começar o trabalho no campo se considerou necessário participar de
diferentes reuniões, discussões que aconteciam no assentamento, além de manter
contatos com alguns líderes e mediadores de algumas das instituições que trabalham no
assentamento, sempre tentando explicar com a máxima clareza possível quais seriam os
objetivos deste trabalho, onde seria apresentado, etc. Foi necessário apresentar o projeto
à coordenação do assentamento, o qual o analisaram e permitiram que fossem realizados
os questionamentos necessários. Em cada encontro com os agricultores, líderes e com
todos os mediadores das organizações se fez um esforço para deixar claro que este
trabalho não incluía uma fiscalização do trabalho dos agricultores, ou seja, que se
cumpriam ou não as regulamentações da APA não fazia parte do objeto de estudo.
Os agricultores entrevistados foram selecionados através de contatos prévios no
assentamento. Participando de algumas reuniões de discussão observou-se aqueles
agricultores que discutiam algumas posições diferentes. No momento de aplicar os
questionários se procurou estes agricultores, que por sua vez indicavam outros
possíveis entrevistados, sugestões que se aceitava, porém também se escolheram outros
entrevistados que apresentavam alguma característica particular, como lugar onde
moravam no assentamento, características da moradia, plantações, etc.
O número da amostra foi atingido quando do ponto de saturação, ou seja, quando
começou a oferecer respostas iguais ou muito parecidas às questões apresentadas, porém 3 Notas de aula, Disciplina Mediações Políticas e Culturais do Mundo Rural, Prof. José Carlos Gomes dos
23
ressalvando as particularidades que cada agricultor apresentava. O número de
entrevistas dentro de cada setor do assentamento foi proporcional ao número de famílias
do respectivo setor. O questionário se aplicava ao agricultor ou sua esposa. Nenhum
questionário foi aplicado aos filhos dos agricultores.
Aplicaram-se 26 entrevistas a agricultores, distribuídos do seguinte modo: no
setor A, 7; no setor B, 5; no setor C, 7; e no setor D, 7. Foram aplicadas entre o 28 de
agosto ao 30 de setembro de ano 2000.
Os técnicos entrevistados, finais de outubro 2000, foram selecionados entre
aqueles que estabeleceram um contato direto com os agricultores do assentamento.
Escolheram-se aquelas instituições que estavam prestando algum tipo de apoio técnico a
produtores do assentamento, tais como do LUMIAR (grupo de técnicos do MST para
assistência técnica nos assentamentos), da COCEARGS (Cooperativa Central Regional
dos Assentamentos), da EMATER – escritório de Viamão da Prefeitura do município de
Viamão. Foram entrevistados três técnicos do LUMIAR. Ao ser desativada esta
organização, ficaram no assentamento dois dos cinco técnicos que mantiveram o
trabalho. Um outro técnico entrevistado já não mais faz parte da equipe. Por outro lado,
entrevistou-se um técnico da COCEARGS, um da EMATER e um a Secretaria de
Agricultura do Município de Viamão. Três dos entrevistados são engenheiros
agrônomos, um é médico veterinário, um é técnico agrícola e uma é técnica em
enfermagem. A todos foi aplicado o mesmo roteiro de perguntas.
Depois de aplicados os questionários, construiu-se um diagrama de fluxo que
tentava mostrar as ideais centrais e gerais que apareciam nas entrevistas realizadas,
especialmente sobre aqueles conceitos-chave da investigação, como “agricultura
diferente”, “questão ambiental”, “tecnologia”. Esta primeira aproximação na análise dos
dados reunidos permitiu perceber as primeiras linhas de análise, algumas das quais
seriam, retomadas a posteriori. (Ver anexo 4)
A partir dos questionários foram montados quadros de análise, por bloco de
entrevista (exceto bloco 2, subdividido devido as suas dimensões), que permitiram
sistematizar a informação reunida.
Anjos. Curso Pós-graduação Desenvolvimento Rural. IEPE / UFRGS. Nov. 2000.
24
Quadro 2: Aspectos abordados nas entrevistas com os agricultores – Assentamento
Filhos de Sepé, Viamão - RS
BLOCOS ASPECTOS/TEMAS ABORDADOS
1 Identificação Recursos Naturais Dotação de capital Características da produção
2
Relação com mercados 3 Organização para o trabalho 4 Expectativas e projetos familiares 5 Relação produção/conservação
A primeira análise realizada foi por bloco, de maneira independente entre si, o
que permitiu obter uma idéia geral que serviria de pano de fundo para a análise
posterior, mais pormenorizada dos dados e informações.
Começando a analisar os dados / informações obtidos dos questionários
aplicados aos agricultores e as entrevistas realizadas com os técnicos, se observou que
cada um delineava “sua” questão ambiental. Estas questões apresentavam diferenças
que têm a ver com os recursos e o repertório cultural dos atores. Por outro lado, a
própria idéia do pesquisador/entrevistador sobre a questão ambiental estava presente,
competindo às vezes com as dos entrevistados. Surgiu assim, a necessidade de
“operacionalizar” a questão ambiental, optando-se por escolher uma série de
componentes que delineariam esta idéia: percepção dos recursos naturais; adesão ou não
a uma agricultura diferente; percepção da existência de uma Área de Proteção
Ambiental.
Esta fragmentação permitiu ver que cada agricultor expressa diferentes posições
frente aos componentes citados. Alguns aderem a todos, enquanto outros somente a
algum dos três.
Continuando, analisou-se o que opinava cada agricultor em relação à questão
ambiental, agora delineada pelos diferentes componentes acima mencionados. Chegou-
se assim a dividir os agricultores em dois grupos: 1) os que manifestam discurso
ambiental; 2) os que não manifestam discurso ambiental.
25
Entre os primeiros se encontram aqueles que aderem à maioria dos componentes
(ao menos dois), enquanto que os segundos são aqueles que não aderem a um ou mais
dos componentes mencionados anteriormente.
Cabe esclarecer que para referir-se ao discurso ambiental adotou-se o
termo/significado de “sensibilidade ambiental”, evitando-se o uso do conceito/idéia de
consciência ambiental, de pesadas implicações teóricas.
Uma vez delineados os dois grupos, aqueles que manifestam sensibilidade
ambiental e os que não a manifestam, começou-se a busca dos elementos em comum
dentro de cada um dos grupos. Ao analisar-se as práticas que realizavam em seus
sistemas produtivos percebeu-se que alguns agricultores, apesar de manifestarem
sensibilidade ambiental, esta não se refletia em suas práticas, ou seja, o discurso era
diferente das ações. Em contraposição, aparecia uma minoria que não manifestava
sensibilidade ambiental (não contavam com um discurso estruturado nos moldes que o
próprio movimento trata a questão ambiental). Com segurança, podia-se perceber em
suas ações que a natureza ocupava um lugar importante, ou mais destacado que aquele
ocupado em suas manifestações.
Das construções analíticas e retomando as hipóteses do trabalho, o centro da
análise passa a ser o lugar que ocupa a natureza na organização dos sistemas produtivos.
Aqui já não se fala mais na questão ambiental mas sim do lugar que ocupa a Natureza
no processo de produção agrícola, a partir da percepção de que era diferente o lugar que
ocupa no discurso em relação ao que ocupa na ação.
Continuando com a análise, precisava-se definir sensibilidade ambiental e como
se avaliaria se esta existe ou não. A opção foi avaliá-la de acordo ao lugar que ocupa a
natureza nos discursos e nas ações dos agricultores. Este lugar pode ser determinado de
várias formas, por exemplo através da avaliação e apreciação que os agricultores
realizam de seus recursos naturais, principalmente a terra, da avaliação de sua atual
situação, através dos critérios para selecionar atividades que realizam, de sua apreciação
da tecnologia, dos critérios utilizados para escolher as diferentes técnicas que aplicam,
da percepção que têm de uma “agricultura diferente”, e do significado que dão a
presença de uma Área de Proteção Ambiental no assentamento.
26
Uma vez constituídos os grupos, foram montados novamente quadros, porém
agora por grupos, o que permitiu analisar cada grupo. A partir destes caracterizou-se os
diferentes grupos utilizando elementos que marcavam diferenças claras entre os
agricultores. Desta maneira se esboçaram os grandes eixos que compuseram a “grade de
análise”, os quais permitiram entrelaçar os diferentes blocos, analisados em um primeiro
momento independentemente uns dos outros.
Os eixos utilizados para a caracterização destes grupos foram:
! Avaliação dos recursos naturais disponíveis;
! Critérios para escolher as atividades que hoje realizam;
! Percepção da tecnologia;
! Critério para selecionar as técnicas que utilizam;
! Implementação de técnicas de conservação do solo;
! Percepção de uma agricultura diferente;
! Percepção da APA;
! Avaliação de sua atual situação.
Estes eixos foram utilizados para caracterizar e diferenciar os grupos, aqueles
que manifestam alguma sensibilidade ambiental e os que não a manifestam. Também
foram utilizados outros elementos para a descrição e melhor compreensão de cada um
dos grupos. Entre estes elementos pode-se mencionar as características dos sistemas de
cultivo e de produção animal, a origem social e a ocupação anterior.
Outro elemento utilizado na análise foi o apoio técnico recebido por cada grupo,
tentando relacionar as posições dos agricultores e a dos mediadores técnicos que atuam
no assentamento.
Outro recurso analítico utilizado foi o dos “pacotes interpretativos”, seguindo o
trabalho de FUKS (1998), para quem o resgate da argumentação é uma característica
essencial de seu objeto de estudo, permitindo transformar o “debate público” em um
campo legítimo de investigação. Isto implica considerar a vida social e política uma
arena argumentativa, onde os diferentes setores da sociedade participam em um
27
permanente processo de debate. Todo este processo que o autor chama de “sistemas de
arenas públicas” constitui simultaneamente um espaço de ação e de debate. Adotando-se
este enfoque, um número crescente de trabalhos concebe o debate público como um
espaço específico de manifestação de conflitos sociais, onde os recursos argumentativos
junto a um repertório de atividades são os instrumentos deste tipo de disputa. Os
“pacotes interpretativos” estão constituídos por dois mecanismos básicos. O primeiro,
por meio de metáforas, exemplos históricos e imagens visuais. O segundo versa sobre as
causas e conseqüências e indica o que deve ser feito a respeito.
No contexto analisado com a utilização dos pacotes interpretativos se pretende
ver que repertórios argumentativos oferecem os diferentes atores para a elaboração de
suas posições com respeito a questão ambiental. Fuks destaca que na dinâmica do
debate público não apenas se articulam os planos micro e macro, mas o passado e o
presente também se aproximam. O passado constituindo um “laboratório” onde se gera
o “repertório cultural”. Assim, valores, categorias e argumentos formulados desde
assuntos emergentes se associam a um repertório discursivo já consolidado. Isto se
observa claramente nos diferentes atores analisados, particularmente entre os
agricultores cuja principal referência é seu lugar de origem, apesar de incorporarem
novos elementos de outros discursos, combinando elementos de seu próprio repertório e
das posições mediadoras.
Em função deste arcabouço teórico foram identificados os “pacotes
interpretativos” dos agricultores e dos técnicos. Os agricultores considerados foram
aqueles que manifestaram alguma sensibilidade ambiental.
4 POSIÇÕES DOS AGRICULTORES E TÉCNICOS EM RELAÇÃO À
QUESTÃO AMBIENTAL E SEUS FATORES DETERMINANTES
4.1. Características do contexto da situação analisada
4.1.1 Descrição da região
O município de Viamão, localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre,
possui uma superfície aproximada de 1.494 km2, contando com um total de 199.295
habitantes, dos quais 36.865 (18,5%) estão nas áreas consideradas rurais4. No entanto,
estes mesmos dados mostram um relativo aumento da migração populacional para estas
áreas. Também o relatório citado afirma que o produto interno bruto (PIB) do município
foi de 427 milhões de reais em 1997, o que resulta um PIB per capita de R$2.144,00.
Segundo ainda o relatório citado, o município de Viamão pertence à região da
Depressão Central, sub-região Grande Porto Alegre.
Um 30% do município e a maior parte do distrito de Águas Claras (praticamente
toda a costa da Lagoa dos Patos e áreas próximas, além de áreas na localidade de
Coxilha das Lombas); são solos hidromórficos, de textura média, com horizonte B
textural, relevo plano e originado de sedimentos aluviais recentes. Outros 30% do
município (corta Viamão desde a reserva de Itapoã até a divisa com o município de
Glorinha, ocorrendo também na Coxilha das Lombas); caracteriza-se pelo solo argissolo
4 “Caracterização socioeconômica dos agricultores e moradores rurais do Distrito de Águas Claras/Viamão – RS”. Relatório da Disciplina "Teoria e elaboração de projetos de desenvolvimento rural". Porto Alegre. PGDR – UFRGS, Agosto 1999.
29
vermelho amarelo (PVA), de textura média, relevo ondulado e substrato arenito. Uma
pequena parte do distrito de Águas Claras (áreas próximas a lagoa do Casamento) é
ocupada por solos aluviais pouco desenvolvidos, de textura indiscriminada, relevo plano
e originados de sedimentos fluviais recentes. Parte da Reserva Estadual de Itapoã esta
constituída de solo neossolo litólico distrofilotípico, rasos, pouco desenvolvidos, de
textura média, substrato granito e relevo ondulado. Perto da divisa com os municípios
de Gravataí e Glorinha são solo gleissolo melânico estrófico típico, de textura média,
relevo plano, originado de sedimentos recentes (constituem geralmente as áreas de
banhado). As áreas mais densamente povoadas (cidade de Viamão e vilas da periferia)
apresentam solo arbissolos vermelho amarelo, de textura argilosa, relevo forte ondulado
e substrato granito.
O Distrito de Águas Claras, onde se localiza o assentamento, pode ser
subdividido em três sub-regiões geomorfológicas distintas. A “primeira sub-região” é a
planície costeira da Lagoa dos Patos. Esta sub-região se caracteriza por apresentar
relevo plano, com pequena declividade e solos de origem aluvial (planossolos). Estas
áreas de várzea encontram-se próximas das margens da Lagoa dos Patos, onde se
desenvolve, em larga escala, o cultivo do arroz irrigado e a criação extensiva de gado de
corte. A “segunda sub-região” caracteriza-se por apresentar relevo fracamente ondulado
a ondulado. Nestas áreas, onde as declividades são maiores e os solos têm sua origem
no arenito (argissolo vermelho amarelos), encontram-se parte dos produtores de leite do
município e grande parte dos sítios de lazer. Por fim, a “terceira sub-região” é marcada
pela existência de áreas destinadas ao assentamento dos agricultores provenientes do
Movimento dos Sem Terra. Nestas áreas, apesar de serem também relativamente planas
na sua quase totalidade, o terreno já não se apresenta de forma tão homogênea quanto na
primeira sub-região. Quanto ao solo, apesar de também formar áreas de várzea e
banhados, este difere do primeiro tipo de solo descrito. Nestes últimos, não existe
formação de gradiente textural entre as camadas iniciais do solo (solo gleissolo
melânico estrófico típico).
Segundo o citado relatório, os principais produtos agrícolas do município de
Viamão são: arroz, mandioca, batata-doce, soja e laranja, além de hortigranjeiros.
Ocupando uma área muito superior as demais culturas (23.300 ha em 1995), o arroz é a
principal espécie vegetal cultivada no município, com uma produção de 105.925
toneladas no ano de 1995. No caso das plantas olerícolas, as principais espécies
30
cultivadas são: alface, couve, beterraba, agrião, pepino, tomate, brócolis e cenoura. A
produção pecuária também está bastante presente no município, que possui um efetivo
de 72.118 bovinos, 4.293.011 aves e 29.626 suínos, segundo dados para o mesmo ano.
A produção leiteira é outra atividade importante, com um total de 15.803 mil litros
produzidos (1995). Também a produção de ovos de galinha é bastante significativa, com
um total de 33.719 mil dúzias produzidas em 1995.
4.1.2. Caracterização do Assentamento “Filhos de Sepé”
O assentamento foi constituído em dezembro de 1998, e as 376 famílias que são
oriundas de 115 municípios de todo o Estado de Rio Grande do Sul, ocupando uma área
de 9.406 hectares.
O clima é subtropical, sendo a temperatura média do mês mais quente superior a
22ºC e do mês mais frio entre 3ºC e 18ºC. Com médias de temperatura variando entre
18 e 20ºC durante o ano e um regime hídrico entre 1100 a 1700 mm.5
Entre os solos do assentamento predominam os solos de aluvião, solos sobre
areia Itapoã e solos sobre granito e gneiss. Os primeiros, apresentam uma variação
muito grande, geralmente solos de planície, com drenagem insuficiente, nível freático
de 40 a 70 cm, com capacidade de uso para arroz e pasto. Encontra-se entre eles solos
com presença de turfa em todos os horizontes, em estado totalmente decomposta (A1)
até francamente decomposta.
Os solos sobre areia Itapoã se caracterizam por um horizonte A muito arenoso
que tem transição muito abrupta a um horizonte Bt avermelhado. São solos de coxilha
com declive máximo de 18 %, a drenagem é bastante forte e onde é possível o cultivo
de espécies pouco exigentes, mas com controle de erosão. O aproveitamento
recomendado é para pasto ou reflorestamento.
Por último, nos solos sobre granito e gneiss desenvolve-se uma grande variedade
de solos, aqui incluindo-se os solos pouco profundos, muitas vezes eutróficos. Sua 5 “Caracterização socioeconômica dos agricultores e moradores rurais do Distrito de Águas Claras/Viamão – RS”. Relatório da Disciplina "Teoria e elaboração de projetos de desenvolvimento rural". Porto Alegre. PGDR – UFRGS, Agosto 1999.
31
morfologia é de encosta moderadamente íngreme com declive máximo até 22%, sem
aproveitamento (terreno inculto) requerendo-se controle de erosão, com forte
drenagem6.
A influência antrópica é muito acentuada, restando muito pouco de vegetação
original da área. Por um lado o cultivo do arroz e pecuária nas áreas ocupadas pelos
banhados, e por outro, os cultivos diversificados nas áreas de encostas e áreas urbanas,
refletem a ocupação da região, altamente condicionada por sua proximidade com a
Região Metropolitana de Porto Alegre.
Ressalta-se que a área de banhado originalmente chegou a ocupar em torno de
450 km2. Logo após as drenagens na década de 1960, a área sofreu uma significativa
diminuição, restando atualmente menos de 50 km2 de banhado causando a
descaracterização de grande parte do ecossistema 7.
Em estudos anteriores à declaração da APA, ressalta-se o valor ecológico do
chamado “Complexo Banhado Grande” (Banhado de Chico Lomã, dos Pachecos e
Banhado Grande): “são áreas de altíssima produtividade biológica [...] são criadores e
local de alimentação para toda uma fauna aquática [...] são locais de pouso, nidificação
e hibernação para muitos tipos de aves [...] exercem a função de retenção de cheias e
melhoria da qualidade da água” 8.
Finalmente, por Decreto nº 38.971, de outubro de 1998, foi criada a Área de
Proteção Ambiental, APA do Banhado Grande, contida nos limites da Bacia de
drenagem desse Banhado, nos Municípios de Glorinha, Gravataí, Santo Antônio da
Patrulha e Viamão.9
Em relação a esta forma de preservação a Lei Federal 6.902, de abril de 1981,
estabelece que as Áreas de Proteção Ambiental são porciones do território nacional com
diferente configuração e tamanho, além de modalidades de manejos diferentes. Podem
comprender uma amplia gama de paisagens naturais e seminaturais, com características
notáveis dotadas de atributos bióticos, estéticos ou culturais que exijam proteção para
asegurar o bem-estar das populações humanas, conservar ou melhorar as condições 6 “Relatório Bacia Rio Gravataí” (1997) Porto Alegre IPH/ UFRGS 7 “Inventário técnico documental da bacia hidrográfica do Rio Gravataí”. Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí. (1997) Governo do Estado Rio Grande do Sul – SCP – METROPLAN 8 Obra citada.
32
ecológicas locais ou constituir-se em local de experimentação de novas técnicas e
atitudes que permitan conciliar o uso da terra com a manutenção dos processos
ecológicos essenciais.
Esta Lei establece que para cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos
princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propiedade, o Poder
Executivo establecerá normas, limitando ou proibindo: - a implantação e o
funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de
água; - a realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais, quando essas
iniciativas importarem em sensível alteração das condiciones ecológicas locais; - o
exercício de actividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um
acentuado assoreamento das coleções hídricas; - o exercício de atividades que ameacem
extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional.
Ao nível de esta APA, ainda não exite uma reglamentação específica que
establezca normas para um uso adecuado dos recursos. Para poder acceder à terra os
assentados deveram asinar uma carta compromisso, que contem normas muito gerais
como a proibição de usar fogo e agrotóxicos.
De acordo com o relatório do Diagnóstico INCRA/FAO10, as áreas de
preservação permanente já foram demarcadas coletivamente fora dos lotes produtivos,
de forma a proteger as nascentes, as zonas mais suscetíveis à erosão e o banhado que se
formou novamente após a construção da barragem. Com isso, pretende-se garantir as
reservas de água necessárias para a irrigação, evitar o assoreamento da barragem e
proteger a flora e fauna do banhado, cujo papel no equilíbrio ecológico é importante.
Na parte alta, de acordo com este mesmo diagnóstico, os sistemas de cultivo e
criação instalados devem utilizar todos os mecanismos antierosivos disponíveis (cultivo
mínimo, coberturas vegetais máximas, curvas de nível, cultivos alternados). No médio
prazo, quando a função de produção de subsistência desta área for menos importante,
será necessário direcionar sua produção para sistemas perenes ou semiperenes
(pastagem, fruticultura, reflorestamento).
9 "Diário Oficial Estado do Rio Grande do Sul", 26 de outubro de 1998. ANO LVII. nº 203 10 “Diagnóstico da Realidade Agrária e Proposta de Desenvolvimento Rural” Viamão – RS (Agosto 2000) PCT INCRA/FAO – UTF/BRA. 051/BRA
33
Para os técnicos que participaram do diagnóstico INCRA/FAO na várzea, os
principais problemas ambientais estão ligados ao uso de grande quantidade de
agrotóxicos, seja para a produção de arroz ou de hortaliças. Recomendando para evitar
este problema, no caso do arroz, a adoção do modelo pré-germinado e a rotação de
cultivos, mas esta última recomendação esbarra na questão de que terras irrigadas sem
necessidade de bombeamento correm o risco de ficar plantadas ano após ano com arroz,
enquanto que as outras serviriam para as lavouras de sequeiro. A solução deste
problema depende da organização dos assentados na gestão da água e dos custos ligados
à manutenção do sistema de irrigação.
Para as hortaliças, os técnicos afirmam que existe a possibilidade de produção
ecológica. Neste caso, o ideal seria iniciar desde já uma produção ecológica, o que é
possível, contanto que os produtores recebam rapidamente uma capacitação neste
sentido.
Em relação à pecuária leiteira, os técnicos destacam que se pode aproveitar as
áreas de várzea, pouco suscetível à erosão, propícia para produção de milho e sorgo para
silagem no verão e pastagem (azevém) no inverno. Outro problema ambiental é a
poluição pelos dejetos nitrogenados dos animais, quando a intensidade de criação
aumenta. Trata-se de um problema de médio-longo prazo e existem soluções técnicas
para isso.
Os técnicos que participaram deste diagnóstico concluíram que não existe
incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável do assentamento e a preservação
do Banhado, apontando para algumas soluções técnicas que devem ser privilegiadas
(INCRA/FAO, 2000).
4.1.3 Instituições e mediadores relacionados ao Assentamento
O assentamento encontra-se próximo à área urbana, na beira da estrada RS-040
que liga Porto Alegre ao litoral. Conta com 376 famílias assentadas em
aproximadamente 9.400 ha, sendo o maior assentamento do estado em número de
famílias.
34
Para os técnicos que participaram no diagnóstico mencionado (INCRA/FAO,
2000), o assentamento representa um modelo de ocupação do território e de
reestruturação das atividades econômicas. Por isso, a prefeitura de Viamão apoia a
criação do assentamento no seu território, na medida do possível atendendo às
demandas dos assentados. O município assinou recentemente um convênio com a
UFRGS para um amplo trabalho de planejamento do assentamento.
O assentamento já tem mais de um ano, mas o parcelamento foi concluído
recentemente. O assentados já receberam uma parte do Pronaf A (R$ 1.300,00) e devem
receber o restante até meados de 2.001.
A COCEARGS (Cooperativa Central dos Assentamentos de Reforma Agrária do
Rio Grande do Sul), de acordo com o diagnóstico INCRA/FAO (2000), atua mais como
braço político dos assentamentos do que propriamente como cooperativa. Entretanto,
seu papel na articulação do trabalho junto aos assentados e a equipe técnica do
LUMIAR é muito importante. Além disso, como mantém uma rede de contatos entre
todos os assentamentos, tem uma grande capacidade de repasse de experiências
produtivas.
A assistência técnica aos assentamentos do Rio Grande do Sul está a cargo da
EMATER e do Projeto LUMIAR. A EMATER tem hoje uma definição clara de seu
público: a agricultura familiar e os excluídos (assentados, pescadores e índios). O
LUMIAR, por sua vez, de criação recente no Estado representa uma estrutura
relativamente frágil se comparada à Emater, tanto no que diz respeito a seus meios de
atuação quanto à capacitação de seus membros.
O assentamento de Viamão por ocasião da pesquisa de campo era atendido por
uma equipe de cinco pessoas do LUMIAR: uma enfermeira, dois técnicos agrícolas, um
agrônomo e um veterinário. A EMATER, que está melhor estruturada e com uma
grande experiência no município, colabora com esta equipe.
O órgão ligado à conservação/preservação ambiental é o Departamento de
Recursos Naturais Renováveis (DRNR), ligado à Secretaria Estadual do Meio
Ambiente, que é o órgão encarregado de implementar e fiscalizar a Área de Proteção
Ambiental (APA), cuja criação foi determinada pelo governo anterior (em 1998), mas
35
que ainda não foi implementada. A percepção dos agricultores é que o acompanamento
deste Departamento ainda é precário.
O assentamento encontra-se em uma zona de banhado pertencente à Bacia do
Rio Gravataí. Apesar de ter sido parcialmente drenada para permitir a lavoura de arroz
irrigado, ainda abriga uma fauna e flora muito importante, razão pela qual existem
restrições para o uso de parte das áreas do assentamento (2800 ha de área de
preservação permanente). Além disso, o resto das áreas liberadas para uso agrícola
ainda está submetido a severas restrições, por exemplo, no que diz respeito ao uso de
agrotóxicos. A proximidade de Porto Alegre, que pode ser uma vantagem em muitos
aspectos (comercialização, turismo), apresenta-se na questão ambiental como
problemática, uma vez que qualquer um pode entrar com facilidade no assentamento
para caçar ou pescar, o que é ilegal e pode ser depois cobrado do assentamento.
Por sua parte, o INCRA está em uma fase de reorganização de sua atuação
decorrente dos novos modelos de reforma agrária, baseados em descentralização,
parcerias e concentração dos esforços em regiões estratégicas. Para a divisão técnica, o
estudo deve permitir um planejamento das ações de reforma agrária e uma melhor
integração das antigas divisões (cadastro, fundiário e assentamento).
O Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária (DRA), da
Secretaria Estadual de Agricultura, foi criado pelo atual governo estadual para
responder a importante demanda por terra. Seu campo de atuação não fica claramente
diferenciado do INCRA. Este Departamento definiu alguns pólos prioritários de
desenvolvimento no estado. Entretanto, de acordo com o INCRA/FAO (2000), existe
uma proposta conjunta do INCRA e do DRA de trabalhar com assentamentos de forma
“compartilhada”, isto é, trabalhar todos os assentamentos, sejam eles feitos pelo
governo federal ou estadual, com uma mesma visão de desenvolvimento e créditos
oriundos de ambas esferas.
4.2 Origem e trajetória social dos agricultores
36
Os 26 agricultores entrevistados pertencem a 22 municípios diferentes do
Estado do RS, aparecendo repetidos apenas três municípios: Iraí, Nonoai e Roque
Gonçalves. Isto põe em evidência a grande diversidade de origens regionais destes
agricultores. De acordo com suas próprias afirmações, as 375 famílias provêm de 115
municípios, com suas características particulares de clima, recursos naturais, atividades,
etc.
Quadro 3: Lugares de origem dos agricultores entrevistados - Assentamentos Filhos de
Sepé, Viamão - RS
Identificação Setor onde vive Lugar de origem Localização no Estado 1 D Cruz Alta Centro Oeste 2 C Arroio do Tigre Centro 3 C Augusto Pestana Noroeste 4 B Ronda Alta Norte 5 B Constantino Norte 6 B Palmeira das Missões Norte 7 B Vista Alegre Norte 8 D Iraí Norte 9 D Santo Ângelo Noroeste
10 D Cel Bicaco Noroeste 11 D Iraí Norte 12 D Nonoai Norte 13 D Rondinha Norte 14 C Ijuí Noroeste 15 C Nonoai Norte 16 C Itatiba do Sul Norte 17 A Ametista do Sul Norte 18 A Rodeio Bonito Norte 19 C Uruguaiana Oeste 20 C Roque Gonzales Noroeste 21 A Iraí Norte 22 B Camaquã Sudeste 23 A Roque Gonzales Noroeste 24 A Itaquí Oeste 25 A Constantina Norte 26 A Ametista do Sul Norte
Fonte: Pesquisa de campo.
Em relação à sua origem social, um grupo importante é composto de filhos de
pequenos agricultores (nove casos) e outro de desempregados (10 casos). O restante
trabalhava por conta própria, sendo que quatro eram proprietários de suas terras e três
eram meeiros. Suas ocupações anteriores vão desde a agricultura, a ocupação que mais
aparece, até atividades urbanas como caminhoneiro, pedreiro, músico, técnica contábil e
37
churrasqueiro, além de outras atividades, como garimpeiro. De qualquer maneira, todos
reconhecem seu passado vinculado à produção agrícola e com a vida rural.
Aproximadamente a metade dos agricultores mora sozinha nos assentamentos,
vivendo junto a outras famílias ou com companheiros, (11 casos), alguns
temporariamente porque são solteiros. O restante vive com suas famílias, esposas e
filhos.
Quanto às razões pelas quais elegeram este assentamento para viver, pouco
menos da metade dos agricultores menciona que foi por sorteio, um terço afirma que fez
a escolha pela vizinhança com centros povoados que permitiriam melhor
comercialização de sua produção, enquanto outros expressaram as duas razões; outros,
para ficarem próximos a parentes ou amigos e, finalmente, uma minoria manifestou que
optou por este assentamento por ser uma área boa para o cultivo de arroz, além do que,
afirmou um deles, é área para arroz “ecológico”.
Finalmente, ao se perguntar por que escolheram o setor onde estão morando, as
respostas foram muito diversas, aparecendo desde aqueles agricultores que afirmam que
não tiveram opção porque foi sorteio, até os que afirmam que chegaram a um acordo
após as discussões. Outras respostas foram: “porque chegou primeiro e escolheu o
melhor lugar”, “porque queria ficar próximo de vizinhos e amigos”, “ficar próximo da
estrada”, “melhor acesso a serviços”, “vizinho aos cultivos”, “disponibilidade de água”,
“tranqüilidade”. Ainda que alguns manifestem ter optado por outro setor e, por diversas
razões, não ter sido atendida sua escolha, ninguém parece estar descontente com o setor
onde está vivendo, sempre parecendo terem encontrado uma vantagem que pareceria
equiparar-se com aquela que percebiam dos setores escolhidos.
Como informação complementar para o melhor entendimento desta escolha de
setor, menciona-se abaixo (Quadro 4) algumas vantagens e desvantagens, de acordo
com os agricultores de cada um dos setores, as quais apresentam a particularidade de
cada um e suas perspectivas.
Parece que ao explicar este processo de seleção de um setor para viver, aqueles
com uma relação mais forte com o movimento o percebem mais como um acordo
depois de sucessivas discussões. Os menos envolvidos, por sua vez, compreendem o
processo mais como um sorteio onde as possibilidades de escolha foram menores.
38
Quadro 4: Vantagens e desvantagens de cada um dos setores do assentamento, segundo
os agricultores
Setor Vantagens Desvantagens
A
(112 famílias)
Tem infra-estrutura da antiga fazenda. É próximo da estrada e dos centros urbanos, facilitando a comercialização de produtos e o acesso a outras fontes de recursos como venda da força de trabalho.
Setor com muito movimento, problemas de segurança por estar próximo à estrada e da vila de Águas Claras. A zona de cultivo é longe, precisam de um meio de mobilidade para chegar até o lugar. As possibilidades de irrigação são com bombeamento, o que implicaria um custo adicional.
B
(30 famílias)
Lugar tranqüilo, com espírito do interior. Próximo dos cultivos. Está funcionando como comunidade. Um grupo menor de famílias que foram convidadas a este setor quando o resto já estava ocupado, portanto existe maior afinidade. Conta com infra-estrutura da antiga fazenda e com possibilidades de irrigação por gravidade.
Muito longe dos outros setores. A área para viver é menor, é vizinho com a área baixa e alagada, porém acordaram ter menor área para viver e uma área comum para a criação de animais e cultivos de subsistência.
C
(115 famílias)
Lugar tranqüilo, longe da auto-estrada e muito próximo das plantações, o que “é mais importante”. Possuem maior área para moradias, o que faz os vizinhos ficarem mais distanciados. Setor com muita água e irrigação por gravidade.
Muito distante da estrada, o que dificulta a comercialização dos produtos e o acesso a serviços indispensáveis, como saúde. Também há menor possibilidade de venda da força de trabalho.
D
(108 famílias)
Perto da estrada, facilitando o acesso a serviços, transporte, saúde, etc. Conta com infra-estrutura de eletricidade e água.
Área para viver é menor que nos outros setores, portanto os vizinhos estão mais próximos. Apresenta muito movimento e uma grande distância das plantações (mais de 15 km).
Os agricultores com um discurso ambiental, ou melhor, com algum tipo de
sensibilidade ambiental vêem o processo como mais participativo e democrático. Já
aqueles agricultores com baixa ou nenhuma sensibilidade ambiental têm a percepção de
que não foi fruto de uma opção o lugar onde vivem.
39
4.3 Características estruturais dos sistemas produtivos implementados
4.3.1 Os recursos naturais
O assentamento tem a particularidade de ter duas áreas totalmente diferenciadas.
Uma área bem drenada utilizada para moradia e uma área úmida para cultivos. Por isso,
cada família recebeu uma área média de 17,5 hectares dos quais 1,75 são utilizados para
residência e o resto para cultivo. Os setores A e D possuem menores áreas (de 1 a 1,5
ha), enquanto que no C as áreas são maiores (2 ha). Já o setor B decidiu reduzir a área
para moradia para 0,5 ha, a fim de evitar que algumas famílias terminassem vivendo
dentro da área mais baixa, mal drenada. A superfície não utilizada para moradia será
uma área comum destinada aos cultivos de subsistência. No setor C, o grupo
autodenominado “grupo da roda” apresenta características particulares, tendo uma área
para moradia maior que o restante. A maior parte deste grupo possui 4 ha, em alguns
casos chegando a 8 ha. Deve-se ressaltar que a área total se mantém em
aproximadamente 18 ha. Outra situação diferente é de um grupo de produtores do setor
A que conseguiram juntar as duas áreas, vivendo na área destinada aos cultivos.
As áreas de cultivo não possuem uma demarcação oficial. Sua localização
apresenta dois elementos importantes: em primeiro lugar, a distância entre a moradia e
os cultivos, é particularmente importante para algumas atividades como, por exemplo, a
pecuária (o caso mais notável é a produção de leite); em segundo lugar, determina as
possibilidades de irrigação natural ou por bombeio (setores B e C). Os setores A e D
não contam com a possibilidade de irrigação natural, necessitando portanto de
bombeamento, o que determina um custo extra. Cabe esclarecer que a capacidade de
irrigação é para uma terça parte da superfície total do assentamento, limitando a
superfície que cada família pode destinar a cultivos que demandem este tipo de
tecnologia, como é o caso do arroz (INCRA/FAO, 2000).
Neste trabalho, resulta de grande importância entender como os agricultores
percebem a natureza. Para entender isto se procurou estabelecer uma comparação entre
esta sua nova realidade e a que deixaram antes de vir ao assentamento, que na maior
parte dos casos aparece em suas conversas como uma referência forte quando falam dos
recursos naturais, das práticas produtivas e comerciais de seus produtos.
40
Na investigação das diferenças que os agricultores percebem entre sua atual
situação e seu lugar de origem aparecem referências à terra, ao clima, às atividades, ao
acesso a serviços, às formas de trabalhar. Estas diferenças geralmente são mencionadas
antes de serem questionadas, refletindo uma marcada ligação com seus lugares de
origem. Quando os agricultores se referem à terra, o elemento que mais aparece para
explicar as diferenças é a composição do solo, a presença de areia, turfa, ausência de
pedras. A cor preta dos solos em parte da área do assentamento é o outro parâmetro
utilizado para falar das diferenças, contrapondo-se ao vermelho característico da região
Noroeste. O relevo plano da nova área é utilizado por um número importante de
agricultores para dar conta das diferenças, mencionando sua zona de origem como uma
região muito quebrada (ondulada), o que apresenta maior complicação para o trabalho.
Uma minoria fez referência a temperatura do solo, que por ser menor aqui obriga a
atrasar a época de semeadura. Por último, poucos, de um lado, entendem que as
diferenças são muito grandes, e outros falaram que estas não existem ou são muito
pequenas. Entre estes últimos, há agricultores que provém de uma zona próxima ao
assentamento.
Em relação às diferenças relacionadas ao clima, a maioria reconhece a presença
de vento e a diferença de temperatura, achando esta zona mais fria que a sua quente
região de origem, o que determina mudanças nas épocas de semeadura de alguns
cultivos. Alguns agricultores usaram como referência aos cultivos (feijão, aqui se planta
em outubro – novembro, enquanto que na antiga zona isto se fazia em agosto). Também
usam como referência a possibilidade de semear milho duas vezes ao ano, prática
comum no noroeste, enquanto que na nova área se limitam a uma semeadura por ano.
Uma minoria menciona a influência de geadas, que aqui são menos freqüentes. Quando
se referem a estas diferenças climáticas, é maior não apenas o número de parâmetros
que usaram para explicá-las, mas também a sua grande variabilidade. Por exemplo,
alguns acham que esta região possui mais ventos que na sua região de origem, enquanto
outros consideram o contrário. Entre os parâmetros utilizados, chama a atenção o
referido por um agricultor ao afirmar que “aqui não se usa veneno...”, como se a
contaminação com produtos tóxicos do ar e da água tivesse que ver mais com um
fenômeno natural ou característica do meio ambiente.
Outros apontam como diferença às espécies cultivadas. Os cultivos extensivos
de milho e soja são os assinalados mais freqüentemente. A diferença para alguns é que
41
aqui “só podem plantar arroz”, enquanto que a podiam fazer uma maior variedade de
cultivos. Com relação a forma de trabalhar apareceram algumas respostas espontâneas,
“plantar no plano e não em sulco”, a necessidade de incorporar adubo e/ou calcário ao
solo, maior facilidade para trabalhar a terra e para vender os produtos nas vizinhanças e
melhor acesso aos serviços.
As diferenças implicaram mudanças em sua maneira de trabalhar para poucos
agricultores, outros pensam que não determinaram mudanças, enquanto que em dois
casos reconhecem que teriam que mudar sua maneira de trabalhar, para não esgotar o
solo, pela presença de ervas daninhas. Outro foi mais longe, falando da necessidade de
“mudar sua cabeça” porque “aqui é apenas para arroz”. A resposta de outro agricultor,
dos que afirmam que sua forma de trabalhar mudou, foi no mesmo sentido: “fazer arroz
já é uma mudança radical”.
Com relação à utilização do fogo como prática de manejo, esta não se usa em
dois terços dos casos, enquanto que um terço utiliza esta prática às vezes. Alguns
agricultores afirmam que somente com cuidados especiais se pode fazer em seguida a
uma chuva, de acordo com a direção do vento, somente na área de eucalipto. Em todos
os casos se utiliza o fogo para limpeza. Por outro lado, um quinto dos casos pratica o
desmatamento, principalmente de eucalipto, sendo utilizado para venda.
Cabe destacar que mesmo reconhecendo que a nova área é mais apta ao cultivo
do arroz, a maioria dos agricultores vê isto como uma grande dificuldade, enquanto
outros pensam que mais adiante o conseguirão, porém agora continuam fazendo o que
mais sabem, ou que não plantarão arroz sob hipótese alguma, tendo uma percepção
deste cultivo como algo sumamente sofisticado, principalmente por exigir muitos
conhecimentos técnicos para manejo e administração de água, algo para o qual a
maioria deles não está habituada nem capacitada.
4.3.2 Capital
No item maquinaria foi possível constatar a escassa dotação com que contam os
produtores. Dos quatro tratores existentes na mostra, dois já vieram com os agricultores
e os outros foram comprados em grupo com recursos recebidos. Os modelos dos
42
primeiros são mais antigos (1975 e 1986), enquanto os comprados com recursos do
financiamento são mais novos, (1992). Há também três plantadeiras, uma comprada por
um grupo, e quatro arados, também comprados em grupo. Para mobilidade existem
quatro (carretas) agrícolas, uma moto, uma caminhonete e um automóvel. Dois
agricultores possuem motores, um individual e o outro comprado em grupo. A maior
parte das famílias possui ferramentas de mão. Apenas um dos agricultores afirmou que
possui todas as máquinas adequadas para a produção, já que possui trator, trilhadeira,
sistema de irrigação (sua principal atividade é o arroz, cultivo que já fazia antes de
chegar no assentamento). Outro agricultor, empregado da antiga fazenda, já contava
com caminhonete, plantadeira, arado e automóvel (ano 1969). Apenas estes dois casos
são os que contam com maior capital em maquinários.
Com relação à infra-estrutura, também existe uma notável deficiência: em 10
casos possuem galpões, dos quais sete hoje estão sendo usados como moradia. Alguns
faziam parte da infra-estrutura da fazenda desapropriada, enquanto que outros foram
construídos pelos agricultores, de madeira com telhado de chapa (amianto). Os
tamanhos vão desde 24 m2 até 144 m2 (59 m2 em média). Já alguns galpões da fazenda
são de maiores dimensões, de material com telhado de chapa, em estado de regular até
ruim, ocupados por várias famílias. Em quinze casos contam com chiqueiros e aviários,
geralmente construídos de madeira de dimensões variáveis, com média de 15 m2. Um
grupo, em um primeiro momento de 22 famílias hoje restando somente 7, construiu
duas estufas e uma sementeira de madeira e nylon de 10 x 20 m cada uma. Uma
agricultora mencionou que conta com uma estrebaria de 20 m2 construída de lona. Por
último, 10 casos analisados contam com casa, em quatro destes casos elas pertenciam à
fazenda, sendo estas de material e estando em bom estado. As restantes foram
construídas ou remontadas pelos agricultores, de madeira, com dimensões que vão de 30
a 110 m2.
Em referência à dotação de animais, contam os agricultores com bois de
trabalho: em 12 casos possuem bois destinados à comercialização ou para trabalho.
Contam, em média, com 2,5 vacas por família. Em relação aos novilhos, a média por
família é de 3,7 animais, sendo que a quantidade varia de um a 11 novilhos. Os
agricultores dedicados à produção de leite são aqueles que possuem mais animais. Neste
caso, já são 11 famílias os que possuem vacas leiteiras.
43
Com a relação a criação de porcos, somente duas famílias não possuem este tipo
de animal. Em 16 casos contam com matrizes, com uma média de 1,75 matrizes por
família, tendo um mínimo de uma e um máximo de quatro. Dividido por toda a amostra,
estas médias chegam a 1,07 matrizes e 5,11 leitões por família. Aves (principalmente
galinhas) existem em 22 casos. Em média, cada família possui 37,5 animais, com um
mínimo de duas, e um máximo de 80 aves.
Como animais de trabalho, em 9 casos contam com cavalos, sendo que em dois
desses a propriedade é grupal. Apenas uma família cria abelhas.
4.3.3 Relação com os mercados
Entre os insumos que os agricultores mais compram aparecem as sementes,
seguido pelos adubos e a uréia. Uma minoria compra calcário, insumos para a criação
animal (ração, concentrados e remédios) ou veneno para combater formigas. Com
respeito aos agricultores que compram adubo, um terço afirma que se trata de “adubo
orgânico”; referindo-se à compra de esterco de uma empresa de produção avícola que
produz de maneira convencional (Avipal).
Um grupo do setor B comprou o adubo utilizado nos cultivos diretamente de
uma fábrica (Canoas). Porém, a maior parte dos insumos, principalmente sementes,
uréia, insumos para a produção animal, foram comprados nos comércios locais (em
Águas Claras, os setores A, C e D, e em Viamão ou Alvorada, o setor B). Uma minoria
afirma que realizou compras na cidade de Porto Alegre.
Com relação ao financiamento, em pouco mais da metade dos casos utiliza-se de
recursos próprios, um terço utiliza-se do sistema troca-troca (através do governo),
especialmente para a compra de sementes, enquanto que um quarto utiliza-se de crédito
comercial. Estes últimos agricultores não podem escolher onde comprar, como explica
um deles: “compro onde me conhecem, não onde é mais barato”. Uma estratégia
diferente realiza outro agricultor que participa de um grupo, comprando onde o preço é
mais conveniente, desde insumos para a agricultura até materiais de construção. Porém,
são poucos os casos que realizam as compras em grupo (apenas cinco casos). Deve-se
esclarecer que combinam diferentes tipos de financiamentos. Em geral, se observa uma
44
tendência a não contrair dívidas comerciais. Procuram uma atividade que lhes permita
obter algum dinheiro para a compra tanto de insumos como de bens de consumo, ainda
que as prioridades sejam as atividades de autoconsumo. Outra prática que alguns
agricultores mencionam é a troca de insumos, especialmente sementes, com outros
agricultores assentados, evitando assim o desembolso de dinheiro.
Em relação às vendas realizadas, um quinto dos casos não vendeu nenhum
produto, destinando toda sua produção para o consumo próprio. As vendas de
hortaliças, verduras, mandioca e melancias, em conjunto, foram realizadas a pessoas de
fora do acampamento, principalmente em Águas Claras e Viamão, diretamente a
consumidores e comerciantes. O milho foi outro dos produtos mais vendidos, em
número de casos e não pela quantidade, comercializado principalmente com os
agricultores vizinhos o no comércio local. Um quarto dos casos vende leite e derivados
(queijos) diretamente a consumidores de uma vila próxima e em condomínios vizinhos
ao assentamento. Menção especial merece um agricultor que produz arroz, já que o
produto foi vendido localmente e fora da região.
Para a maior parte dos agricultores existe a necessidade de reconstruir suas redes
de relações comerciais. Alguns compram onde oferecem crédito e não onde é mais
conveniente. Na afirmação de um agricultor, “no primeiro ano tivemos que comprar
tudo, até os pés de mandioca para plantar ... aqui não presenteiam nada, tudo é com
dinheiro, porém assim também se vende tudo o que se produz, de porco até melancia,
que lá no interior ninguém compraria...”. Isto reflete como os agricultores percebem a
necessidade de estabelecer novas relações, não apenas comerciais, mas também aquelas
de confiança e amizade com outros de fora do assentamento.
4.3.4 Créditos e rendas
Os agricultores do assentamento receberam dois tipos de fundos, até agora um
para investimento, no início, de R$ 1.400,00, a fundo perdido e outro de custeio, de R$
1.300,00, com dois anos de carência e com um juro de 5% ao ano. Com relação a quem
outorgou estes fundos, os agricultores referem-se ao Banco do Brasil, INCRA, o
Governo Federal, ao governo do Estado ou à associação de alguns destes. Em relação à
45
taxa de juros que devem pagar, a maior parte não contesta ou não sabe de quanto é; uma
minoria respondeu entre 4% e 6% ao ano.
Estes fundos foram destinados à compra de bens de consumo para a própria
subsistência, particularmente o de investimento, enquanto que o custeio foi destinado,
para a compra de insumos e serviços aos cultivos ou para a compra de animais. Outros
agricultores destinaram parte deste dinheiro para a construção de instalações como
estufas, galpões, etc.
O problema principal que mencionam os agricultores é a demora com que o
dinheiro chega, afetando os tratos culturais, o que impacta na produção final.
Particularmente o milho, os agricultores afirmam ter semeado tarde demais, isto
determinando perdas parciais consideráveis ou totais. Por tratar-se de terrenos que em
parte do ano permanecem alagados.
Ante a pergunta se receberam outras entradas de dinheiro (renda extrapredial), a
metade dos casos afirma que não recebem nenhuma renda, outros realizam
ocasionalmente venda da força de trabalho de algum membro da família, alguns, quando
necessitam dinheiro, outros quando aparece algo. Em um grupo, quem trabalha fora
compartilha com o resto do grupo o dinheiro recebido por este trabalho. Outro grupo
realiza venda de serviços com um trator de sua propriedade, dentro do assentamento.
Aparece uma minoria que conta com outras rendas, como algumas poupanças ou
subsídios utilizados para deslocamento/transporte, instalação e consumo.
Em relação a dívidas, a maioria não apresenta mais do que o crédito outorgado
pelo governo. Observa-se uma tendência a não contraí-las, procurando receita através de
uma atividade agrícola que lhes permitam obter excedentes para a venda ou recorrendo
à venda de força de trabalho. Além disso, pelo fato de estarem reconstruindo suas redes
de relações comerciais, fica ainda mais difícil se obter créditos comerciais ou
financeiros. Para aquele único agricultor que produz arroz para a venda, se observa uma
grande diferença, pois este mantendo suas redes, além do dinheiro que recebeu do
governo, também recebeu financiamento de uma Cooperativa (em Eldorado do Sul),
dívida que foi paga com produto.
46
4.3.5 Características dos sistemas de cultivo
Entre os principais cultivos se destaca o milho, não apenas por ser um cultivo
que todas as famílias praticam, mas também pela área destinada. Outros cultivos
presentes na maior parte dos casos, ocupando uma menor superfície, são: a mandioca,
feijão, batata-doce, melancia, abóbora e olerícolas. Também são mencionados, em
menor números de casos, cultivos como o amendoim, cana, milho – pipoca e arroz de
sequeiro. Apenas num caso se cultiva arroz irrigado, numa área de 17 ha. Dos cultivos
mencionados, é sem dúvida ao milho que se destina maior superfície (em média 4,78
ha), com um mínimo de 0,5 ha até um máximo de 20 ha (cultivo grupal). Dos
agricultores que semearam mais de 10 hectares, a maior parte corresponde ao milho. As
famílias que semeiam menos de 10 ha também dedicam maior superfície ao milho (em
média 2,5 ha). A metade dos casos semeia menos de quatro hectares.
Enquanto na produção de milho existe uma grande variabilidade nos
rendimentos, aparece uma minoria que não colheu nada por diferentes problemas,
particularmente climáticos (seca e alagamento) e por pragas. Dos restantes, a média foi
de 46,37 sacos por ha, com um mínimo de 3 sacos por ha e um máximo de 235 sacos
por ha. Existe, porém, um problema quanto às unidades de medida (peso) utilizadas,
pois alguns agricultores falam de sacos de espigas (85 quilos), enquanto outros em sacos
de grãos (50 quilos).
De acordo com a origem das sementes utilizadas, a maior parte dos agricultores
utiliza semente comprada. No caso do milho, usam sementes híbridas, compradas
através do financiamento à colheita, via plano troca-troca. Uma minoria utiliza sementes
próprias. Para o resto dos cultivos (feijão, mandioca, abóbora, hortaliças e milho-
pipoca), ainda que a diferença entre semente própria e comprada seja menor, o maior
número de casos se mantém entre os que deveram adquirir (comprar) sementes. Os que
utilizam semente própria são um quinto dos casos, enquanto que um terço utiliza
semente comprada. Para aquele agricultor que realiza como atividade principal o cultivo
do arroz, a origem da semente é própria. Por continuar em sua atividade anterior ao
assentamento e pertencer a uma região produtora de arroz, pode manter sua estratégia de
trocar de sementes com agricultores de outra região, quando deixa 10 sacos de 50 kg
cada quatro anos para manter como semente básica. Cabe destacar que este agricultor
também utiliza sementes próprias para os cultivos de subsistência com olerícolas,
47
batata, cebola. Ainda que a superfície dedicada a estes cultivos seja significativamente
menor (0,5 ha), este sistema de produção também guarda mais coerência com a
aspiração de chegar a uma agricultura diferente da convencional. Pode-se concluir com
relação à origem da semente utilizada que a maioria dos agricultores utiliza semente
comprada para todos os cultivos e, particularmente para o milho, a semente mais
utilizada é a híbrida.
Em relação à semeadura, há um forte predomínio da manual em comparação
com a mecânica. Aqui novamente é diferente para o milho em relação ao restante dos
cultivos. Daqueles agricultores que utilizam semeadura mecânica, (um terço dos casos),
a maioria foi para semear milho, também se utilizando para semeadura mecânica para
uma pequena superfície de arroz de sequeiro. Para o restante dos cultivos, em nenhum
dos casos se utiliza a semeadura mecânica.
A utilização de algum tipo de adubo e/ou fertilizante se dá em três quartos dos
casos, enquanto que em um quarto dos casos os agricultores afirmam que não utilizam
nada, nem químico, nem orgânico. Entre os produtos utilizados, o que apresenta maior
aceitação é a uréia, utilizada por dois terços dos agricultores, enquanto que outros
aditivos químicos são utilizados por um quarto dos agricultores. Em relação aos adubos,
alguns não especificam que produto utilizam: um quinto utiliza esterco animal, o que
alguns chamaram de “orgânico” (provavelmente por contraposição aos produtos
químicos vendidos pelo comércio). Poucos utilizam biofertilizante. Em relação à
quantidade e ao momento de utilização, existe uma grande variabilidade. A título de
exemplo, a uréia, que é o produto mais utilizado, é aplicada no milho nas seguintes
formas:
2 vezes: semeadura e aos 40 cm da planta; semeadura e pendoamento;
1 vez: a 30 dias; a 50 cm da planta; aos 60 dias, no pendoamento;
Para cada momento, as quantidades aplicadas também apresentam grande
variação.
Dos agricultores que aplicam produtos, um terço o faz por conta própria,
argumentando que é uma prática que já conheciam. Apenas em três casos reconhecem
que foi sugestão ou recomendação dos técnicos. Três casos apresentam diferenças com
48
relação a este ponto. Um agricultor manifestou que aplica o produto porque provaram
que sem aplicação de adubo não se produz nada. Outro agricultor afirma que
recentemente, realizou análise do solo para aplicar o produto apenas onde era
necessário, onde o cultivo foi mais fraco.
A colheita é manual em quase todos os casos: apenas um quinto dos agricultores
utiliza máquina para realizar este trabalho, a maioria alugada (cultivo de milho).
4.3.6.Características dos sistemas de criação
Em todos os casos analisados, existe algum tipo de produção animal, seja gado
bovino, suíno ou aves. A motivação para esta produção, é variada desde alcançar a
própria subsistência, até como atividade que gera algum excedente para a venda. A
maior parte dos agricultores que possui gado bovino e suíno realiza um manejo
convencional mínimo, utilizando-se de vacinas e antivermes. Apenas um caso
reconhece que ainda não aplicou nada. Dentro das vacinas foram mencionadas aquelas
contra à aftosa, brucelose, leptospirose.
Em relação a um manejo diferente dos animais (comprado a um padrão
convencional) poucos afirmam que não utilizam remédios de nenhum tipo, e apenas um
afirma que utiliza homeopatia para tratar a mastite nas vacas. Outro grupo dedicado à
produção de leite reconhece que trabalha com produtos químicos, porém que deseja
deixar de utilizá-los, a partir da utilização de um remédio a base de alho em pó e sais
minerais comprados no comércio da região para o controle da mosca dos chifres. Cabe
esclarecer que o produto em sua embalagem não apresenta nenhuma descrição de seus
componentes, casos para os quais é indicado e efeitos colaterais.
Com relação ao assessoramento técnico, mencionam o técnico (veterinário) do
Lumiar, que logo após a desativação do projeto não está trabalhando no assentamento.
O veterinário da Secretaria Municipal de Agricultura (Viamão) está trabalhando com
alguns grupos com homeopatia veterinária.
49
4.3.7 Organização para o trabalho
O tipo de mão-de-obra utilizada é exclusivamente familiar, à que se soma em
alguns casos ajuda mútua.
A metade dos agricultores está integrada em algum tipo de organização, sendo
que um quinto dos casos não tem nenhum tipo de integração/associação. O tipo de
organização que mais aparece é o grupo de trabalho (em três quartos dos casos); poucos
pensam em formar cooperativas. Em relação às tarefas realizadas nos grupos, em um
quarto dos casos se realizam todos os trabalhos, enquanto que em outro quarto o grupo é
somente para levar adiante os cultivos. Para um quinto dos casos, a finalidade principal
dos grupos é acessar recursos financeiros e materiais como trator e maquinarias. Cabe
esclarecer que como condição para receber recursos do governo, os agricultores devem
estar associados. Do quinto que não trabalha em grupo, a maioria pertence ao setor C,
estes não vendo vantagens nestas formas de organização.
As vantagens de trabalhar em grupo, para a maior parte dos que estão nos
grupos, não existem. Apenas um agricultor não integrado afirma que integrará o grupo
quando começar o cultivo de arroz, já que assim pode encarar um cultivo de mais área.
Uma minoria, ainda que em grupos, não vê vantagens ou acha muito difícil trabalhar em
grupo. O restante dos agricultores, uma terceira parte dos casos, menciona como
vantagem uma melhor organização para trabalhar, maior facilidade em acessar recursos
tanto financeiros como de infra-estrutura e máquinas, assim como a possibilidade de
realizar cultivos maiores, montar agroindústrias, ou, inclusive, intercambiar terras para
arroz. Uma minoria dos agricultores afirma trabalhar em grupos porque individualmente
não poderia trabalhar (para estes, mais que uma opção, a organização é quase um
condicionamento), referindo-se à facilidade ao acesso, à máquinas e a organização do
trabalho (distância dos cultivos) e infra-estrutura.
Com relação aos problemas destas organizações, os agricultores que estão
organizados em grupo mencionam, entre outros, mais trabalho, projetos mais
demorados, demasiada discussão sobre como fazer. Outros, em realidade, explicam
porque existem problemas, justificando-os frente a argumentos como a agricultura
exigir um trabalho individual, falta de entendimento, “porque pensamos diferente”, “por
não sermos solidários”, “queremos fazer sozinhos o que cada um deseja”, etc. Alguns
50
agricultores, no entanto, ensaiam soluções para estes problemas: “hoje, o meu deve ser o
nosso ..., cada um deve fazer o seu e não tomar decisões individuais”. Outros explicam
o que acontecerá, sendo otimistas com respeito ao funcionamento dos grupos,
utilizando-se de expressões como “sempre há problemas, porém são superados”.
As decisões são tomadas, em menos da metade dos casos analisados, pelos
grupos. Um quarto dos casos menciona a família como a que decide, e poucos dizem
tomar as decisões individualmente (vivem com suas famílias no assentamento) ou o
coordenador do grupo é quem decide.
Em relação ao assessoramento técnico, em um quarto dos casos, não contam
com nenhuma assistência. Menos da metade afirma que trabalham com o Lumiar. Um
grupo dedicado à produção de leite e pensando em montar uma agroindústria conta com
assessoramento da EMATER e do município de Viamão. Já os produtores de arroz
mencionam um assessoramento do INCRA.
Em linhas gerais, o trabalho em grupo vai desde os que afirmam que não têm
nenhum problema, até o que não encontram nenhuma vantagem na associação. Entre
estas duas posições estão os que, ainda que estejam em um grupo, não a avaliam como
algo bom, ou que a vêem como uma condição para uma melhora na sua situação
financeira. A maioria dos entrevistados, no entanto, vê no grupo uma possibilidade de
melhor organização ou acesso a diferentes tipos de recursos.
Quando falavam dos problemas, poucos os enunciam com todas as letras. A
maioria tenta explicar as causas dos problemas, ou ensaiam justificativas, ou orientam
suas resposta a um futuro onde os grupos funcionarão melhor. Aparece aqui uma
aspiração, observando-se, nestas situações o contraditório, o “antes” e o “hoje”, duas
realidades ou situações que lutam internamente em cada agricultor: formar grupos,
organizar-se até o momento parece uma questão que lhes impõe este hoje que estão
tratando de construir com elementos que não estavam presentes em sua trajetória.
4.3.8 Projetos e expectativas sociais
Em resposta a pergunta se lhes agrada ser agricultor, todos afirmam que sim,
com algumas pequenas divergências: poucos mencionam que não tiveram condições de
51
estudar (e, portanto, fazer outra coisa): outros crêem ter uma única alternativa, por
serem filhos de agricultor, não restando outra possibilidade. Somente um agricultor
afirmou que poderia mudar desta atividade para uma pequena indústria (madeireira).
Em relação a planos e projetos, se menciona aumentar as produções (um terço
dos casos), melhorar a infra-estrutura ou a mecanização (máquinas e trator), alcançar a
auto-subsistência, realizar atividades agroindustriais, dando maior valor aos produtos,
ou criar cooperativas. Somente em dois casos menciona-se chegar a uma produção
orgânica ou ecológica. Um caso mencionou que, se pudesse, voltaria a seu lugar de
origem porque no assentamento está muito longe da família. A metade dos agricultores
manifestou seu desejo de fixar-se e viver no assentamento. Por último, para um
agricultor, o projeto guarda relação com um objetivo mais político, ou seja, o de
trabalhar para que este assentamento seja “modelo”.
Como vêem sua situação hoje em relação há dez anos atrás, a maioria pensa que
sua situação melhorou. O nível da melhora tem diferenças, indo desde os que crêem que
melhoraram 100% ou mais, e os que consideram que melhoraram um “pouquinho”. A
principal causa desta melhora é que hoje são proprietários: alguns mencionam que agora
trabalharam para si e, para outros, melhorou sua saúde. Alguns já acham que sua
situação melhorou em alguns aspectos e piorou em outros, entre os positivos está fazer o
que se gosta e ter terra própria, enquanto que entre os negativos menciona-se a falta de
rendas e a qualidade da terra (“terra fraca e sem mata”, explica uma agricultora). Um
quinto dos casos vê a atual situação como regular ou pior pelo aspecto financeiro e pela
falta de recursos.
Quanto ao futuro de seus filhos, a metade dos agricultores respondeu que
deveriam estudar (também uma razão para escolher este assentamento), enquanto que a
outra metade afirma que gostaria que seus filhos seguissem a mesma profissão,
combinando os estudos com a vida no campo. Somente uma agricultora afirma que não
lhe interessa que os filhos estudem, e sim que continuem no campo. Outra agricultora
afirma que orientará seu filho para que acampe e lute por sua terra, ainda que não pense
o mesmo em relação à sua filha. Nos dois casos pensam que devem inculcar nos filhos o
amor pela terra.
52
Em geral, os agricultores entrevistados manifestam o gosto por sua profissão e,
nesta nova situação, sobretudo por serem proprietários, embora ainda tenham que
melhorar sua situação econômico-financeira. Quanto ao futuro de seus filhos, aparece
um dos tantos conflitos que vivem os agricultores: mesmo preferindo que continuem na
agricultura, devido às dificuldades de vida na cidade e às vantagens de vida mais
saudável no campo, estimam que apenas isso não é suficiente, tornando os estudos uma
forma de garantir um futuro melhor para eles, complementando ambas atividades que
representam dois estilos de vida rural/urbana.
4.3.9 Relação produção agrícola /conservação ambiental
Em relação às razões para a prática das atividades atuais:
A primeira pergunta é em referência às razões pelas quais realizam as atividades
de hoje. Com isto, objetiva-se identificar elementos relacionados à questão problemática
ambiental. A resposta que mais aparece, em um terço dos casos, é aquela que fazem
hoje o que sempre fizeram refletindo a sua trajetória social como a principal referência
na organização de seus sistemas produtivos. Em menos de um terço dos casos afirma-se
que o que realizam hoje é o que necessitam para sua subsistência, enquanto que em um
quinto dos casos assegura que as condições ambientais determinam que a atividade seja
a produção de arroz (destes, a maioria ainda não praticam este cultivo). Uma agricultora
afirma que não é uma opção, senão que uma condição. O outro caso destes quinto é de
um agricultor que provém de uma região arrozeira e esta foi sempre sua atividade
principal. Vê este cultivo como a atividade mais segura. Em pouco mais de um quinto
dos casos planejam que a decisão pelas atividades que hoje realizam tem que ver com
sua situação financeira. Eram as atividades que geravam retorno mais rapidamente e
permitiam uma renda mensal. Destes, três casos produzem leite e queijos, e os outros
dois cultivos hortícolas. Todos vendem a consumidores finais em cidades e
condomínios próximos ao assentamento. Um caso inclui ao arroz de sequeiro dentro dos
cultivos de subsistência, outro menciona este cultivo como o que gera mais renda,
apesar de ainda não cultivá-lo.
53
Em relação à tecnologia:
Para a maioria dos casos (18 entrevistados) a tecnologia é “boa”; apenas em
pouco menos de um terço faz-se alguma crítica. Para uma minoria dos agricultores ela é
“má” e em um caso apenas a resposta é que “às vezes é boa, porém nem sempre”.
Menos de um quinto dos casos não respondeu, argumentando não saber como
responder.
Entre os argumentos de cada um destes grupos, sobre as virtudes da tecnologia,
aparecem aqueles principalmente relacionados ao que é novo, com avanços, com o
progresso, mudanças. Num quinto dos casos, a tecnologia lhes permitirá obter melhores
produtos e, sobretudo, poder competir (produção ecológica, plantar melhor). Um
agricultor adverte que tem de saber usar, porque permite trabalhar menos, porém gastar
mais. Outro agricultor realiza uma avaliação mais no terreno político, dividindo a
tecnologia em dois, a do projeto neoliberal para uma minoria da população e outra que é
importante para os pequenos produtores, porque permite diminuir custos. O terço dos
agricultores que avaliam a tecnologia como boa, vêem no entanto alguns problemas,
entre os quais que não é acessível a todos. Outro agricultor pensa que elimina mão-de-
obra e destrui a natureza, enquanto que para outros dois não é adequada para produtores
individuais e áreas pequenas. Um dos agricultores que conta com maior mecanização e
um manejo técnico mais adequado porque faz o mesmo cultivo que antes de ser
assentado, afirma que a tecnologia deveria ter que “avançar mais; ser mais moderna”.
Para este agricultor, mais moderna é “mais simples - se quebra uma colheitadeira destas
que tem computadores como faço para consertá-la?”, combinando a idéia de
modernidade com uma estratégia própria de pequenos produtores que realizam o maior
número de tarefas no próprio campo. Para quem vê a tecnologia como um problema, seu
principal argumento é que esta é responsável pelas perdas de emprego. Também
mencionam que diminuiu a liberdade do agricultor, e apenas um agricultor menciona
que ocasionou o desastre ambiental que hoje temos. Por último, apenas um agricultor
acredita que a tecnologia é ruim, por ser inadequada aos pequenos produtores, a quem
ocasionou mais danos que benefícios.
Em resumo, ainda que para menos de um quinto dos casos, a tecnologia pareça
algo ruim, apenas um agricultor menciona os efeitos danosos ao meio ambiente. O
restante critica mais seus efeitos ao fato de não ser acessível a todos. Finalmente, entre
54
os casos que percebem a tecnologia como algo bom, sustentam a idéia de que esta
tecnologia é a que lhes permitirá sobreviver (em quatro casos falam de competir melhor,
em dois de produzir melhor). A idéia que surge destas expressões é que aplicando
determinada tecnologia, se produzirão melhores produtos que permitirão competir
melhor.
Outra pergunta indaga sobre o porquê das técnicas utilizadas. Os argumentos
que aparecem são relacionados à trajetória dos agricultores, ao que recomendam os
técnicos, à situação econômica ou financeira e a questões ambientais. Para a metade dos
casos, o determinante principal das técnicas que utilizam é sua trajetória, quer dizer, que
fazem como sempre fizeram, que é o que conhecem melhor. Para um quinto dos casos,
o que define finalmente o como fazer, são as recomendações dos técnicos. Um caso fala
de que pessoas do grupo que sabem mais que os técnicos são os que orientam em
relação a como devem realizar os trabalhos. Para alguns, é a situação financeira refletida
na falta de recursos o que marca o como fazer. Por último, em menos de um quinto dos
casos aparecem determinantes relacionados ao ambiental: evitar usar venenos e/ou
químicos ou crêem que é importante preservar o meio ambiente.
Analisando estas respostas se observa que aqueles que sustentam que realizam as
atividades que sempre realizaram são os que também responderam que as técnicas que
utilizam são as que mais conhecem, enquanto que aqueles que realizam atividades
definidas pelas condições ambientais como o arroz, mencionam mais os técnicos e
agricultores componentes do grupo como fonte das técnicas utilizadas. Para os que
realizam atividades segundo seu retorno econômico existe uma combinação entre o
saber dos agricultores e dos técnicos como determinantes de sua ação técnica.
Percepção em relação a suas terras:
Para avaliar suas terras, a maioria divide aquelas que estão nas regiões altas
(moradias) daquelas que se localizam nas regiões mais baixas (cultivos), outorgando-
lhes qualificações diferentes. No terço dos casos que realizam a separação, às terras do
baixo são qualificadas como muito boas, enquanto que as do alto vão desde boas a
muito fracas, passando por avaliações como médias. Nenhum agricultor classifica suas
terras como ruins. Outros dois terços dos agricultores falam de suas terras em geral (sem
55
separá-las em “altas” e “baixas”. Para estes, menos da metade são boas, para outros seis
são muito boas a boas, porém mencionam alguma dificuldade ou limitante, como a
necessidade de “corrige-las” por serem ácidas, necessitarem de fertilizantes, de difícil
manejo e muito úmidas. Os indicadores que utilizam são a cobertura vegetal, plantas ou
cultivos existentes. Para menos da metade dos agricultores, as terras são boas porque o
que se planta vem, ou porque cresce cana, ou porque tem mata, ou ainda porque são
terras para arroz e soja. Se não são tão boas, é porque só a mandioca cresce sem adubo;
para outro agricultor, o eucalipto extrai todos os nutrientes. Outros agricultores realizam
sua avaliação segundo a cor ou a textura, indicando que estas são terras com muita
areia, com alta porcentagem de matéria orgânica 8% (afirma um agricultor referindo-se
à área de turfa), presença de turfa “(...) que é uma terra podre, misturada com areia,
raízes e resto de banhado”. Outro agricultor compara com seu lugar de origem,
afirmando que “não são boas”. Outros elementos utilizados pelos agricultores em sua
avaliação são a opinião dos técnicos, as análises químicas, que não precisam de tanto
trabalho, ou que uma pessoa pode manejar os 18 hectares (área média para cada família
no assentamento). Uma agricultora realiza uma avaliação englobando mais elementos,
como consistência, umidade e estado das plantas “(...) a terra é dura, seca as plantas, já
nascem amarelas”. Para nenhum agricultor as terras são tidas como ruins.
Como técnicas de conservação, em menos da metade dos casos afirma-se que
não se está utilizando nenhuma técnica de conservação de solos. Alguns afirmam estar
pensando em fazer especialmente adubo verde. A técnica que mais mencionam é manter
a cobertura vegetal o máximo possível, como adubo verde, sendo o cultivo mais
utilizado a aveia. Outros mencionam a adição de adubos e fertilizantes como técnicas de
conservação utilizadas, fazer curvas de nível, enquanto outros atacam mais as
conseqüências que as causas: não deixar ressemearem as ervas daninhas e a construção
de “encanhado” (plantar canas-de-açúcar em áreas mais erodidas ou para reter a erosão)
a fim de manter o solo. Por último, um caso apenas afirma que está fazendo nada por
enquanto, e dois casos mencionam a falta de recursos como a para a não
aplicação/utilização de técnicos.
Percepção em relação a uma agricultura “diferente”:
Esta pergunta indaga acerca de se os agricultores realizam uma “agricultura
diferente” daquela convencional (oriunda dos princípios da Revolução Verde). Quando
56
se construiu o questionário, o adjetivo “diferente” foi pensado em relação à agricultura
convencional, tentando não utilizar termos como orgânica, ecológica, etc., para não
influir nas respostas e, ademais, porque o objetivo central deste trabalho não implica
definições destes conceitos11.
De qualquer modo, ao formular a pergunta, as respostas foram diversas porque
os agricultores valiam o que realizam hoje, comparando com o que faziam antes, e não
existe uma correlação total entre o “antes” e a “agricultura convencional”, nem entre o
“hoje” e a “agricultura ecológica”. Pelo contrário, existem muitas combinações. Além
disso, os entrevistados mencionam outras “agriculturas diferentes” que não
correspondem precisamente aos termos ou noções de convencional e ecológica. Desta
maneira se tentou sistematizar as respostas, analisando-as segundo as particularidades
da cada caso e não em referência a um conceito de agricultura convencional, orgânica,
ecológica, etc.
Para a metade dos agricultores entrevistados a resposta foi sim, deveriam fazer
uma agricultura diferente, enquanto que para menos de um terço dos agricultores já
estão fazendo algo diferente, o atualmente experimentado. Para mais de um quinto dos
agricultores, não deveriam produzir de maneira diferente, entre estes, dois casos
realizam uma produção sem uso de agrotóxicos; para outros três não se pode mudar
nada pela falta de recursos ou porque não se pode produzir sem adubos (hoje utilizam
adubo e não crêem que possam produzir sem eles, portanto não podem mudar), ou
porque não podem usar veneno (hoje produzem sem agrotóxico, mas se pudessem
usariam - está proibido na APA). Finalmente, apenas um agricultor que produz
convencionalmente não crê que deva mudar.
Analisa-se agora o que entendem por “produzir de maneira diferente”. Se bem
que para a maior parte dos casos guarda relação com uma “agricultura ecológica”,
aparecem outros elementos. Para a metade dos agricultores, se estabelece uma relação
com os insumos utilizados, falam de não usar venenos ou químicos, utilizam apenas
adubos orgânicos, “colher limpo” (sem venenos), com mais qualidade e mais preço. Em
três casos utilizam termos como ecológica ou orgânica. Quanto a outras produções 11 Para ALMEIDA (1999), a profusão de qualificativos é fonte de confusões. Alguns vêem o “alternativo” ou “diferente” como uma outra forma de produção, protegendo mais o meio ambiente. Para outros, pode significar uma organização mais solidária e até mesmo uma nova sociedade. Essas idéias contestadoras
57
diferentes utilizando outros elementos como parâmetros, aparece uma produção mais
econômica e que utilize menos mão-de-obra, ou utilizando maior quantidade de
máquinas e sem agrotóxicos.
Finalmente, em uma posição absolutamente contraditória à posição da maior
parte dos agricultores, dois entrevistados afirmam que produzir diferente seria para um
caso de se utilizar mais máquinas, porque demanda menos tempo para preparar a terra.
Seus planos são de capitalizarem-se, formarem um grupo e produzirem arroz
convencionalmente. Outro caso, mais contraditório ainda, afirma que produzir diferente
seria utilizar veneno, porque demanda menos tempo, mas está proibido.
Em relação às razões pelas quais deveriam fazer uma produção diferente,
concentrando-nos naqueles que se referem ao diferente como uma agricultura sem
agrotóxico, aparecem aspectos ligados à saúde, ao econômico e ao meio ambiente. Os
que mencionam a saúde como principal razão para realizar outra agricultura, são
maioria, contabilizando 19 casos. Entre os argumentos mais relacionados com aspectos
econômicos estão: o mercado e a demanda, o retorno econômico, a facilidade para
comercializar e a competitividade. Usam estes tipos de argumentos dois quintos dos
casos. Justificativas mais relacionadas ao meio ambiente aparecem em um terço dos
casos, mencionando o ar, a terra, o solo, a natureza e o meio ambiente como um todo a
ser preservado. A maior parte dos agricultores utiliza uma combinação destes três
aspectos (saúde, econômico e meio ambiente), com prioridades diferentes.
A pergunta seguinte faz referência às dificuldades que existem, segundo os
próprios agricultores, para produzir de maneira diferente. Para um terço dos casos
existem mais dificuldades, para menos de um quinto dos agricultores não é possível
uma produção diferente por falta de recursos. Em três casos, localizam as dificuldades
em suas próprias limitações, refletidas em expressões como “fomos criados em uma
agricultura convencional: plantar ecologicamente é mais difícil”, ou “exige maior
conhecimento e mais esforço prático”. Outros fazem referência à demanda de mais
trabalho (um quinto dos casos): “exige mais trabalho, é mais complicado”. Para outro
agricultor, é mais difícil porque as pragas atacam mais. Por último, para três casos, é
mais fácil fazer uma agricultura diferente.
têm em comum o fato de repensar a relação da agricultura e o espaço rural com o meio ambiente natural e seus recursos.
58
Percepção em relação à área de proteção ambiental (APA):
Todos os assentados entrevistados afirmam que conhecem a existência de uma
APA no assentamento, inclusive um bom número deles esclarece que já sabiam da
existência desta área antes de chegar ao assentamento. Apenas um agricultor, cuja
trajetória não se liga ao movimento, senão que fazia parte do pessoal da antiga fazenda,
se refere ao tema com bastante distância: “sim, os técnicos falam disto”. Ao perguntar a
opinião sobre a APA, começam a aparecer apreciações muito diferentes, desde
considerar a área como muito boa, até a opinião de que é algo que não serve para nada,
passando pela grande maioria que acha a APA como “uma coisa muito boa”.
Dentre os principais argumentos entre aqueles que avaliam positivamente esta
área, se destacam, para a maioria, que é importante para preservar os animais que vivem
ali (aves, peixes, cervos, “bichinhos”). Para menos de um quinto dos casos, a
importância reside em preservar plantas, mata e, inclusive, fazer reflorestamento nesta
área. Dois casos apresentam argumentos mais relacionados com a saúde. Para outros
dois, a importância reside em proteger a natureza. Um caso menciona a biodiversidade,
enquanto que para um terço dos casos o argumento é mais político, ou seja, da
necessidade de demonstrar que os assentados não destroem os recursos, ao contrário,
podem produzir de uma maneira ecológica, política e economicamente correta. Pelo
menos três destes agricultores mantém uma relação mais forte com o movimento,
desempenhando alguns cargos dentro do assentamento. Já dentre os agricultores que
manifestam uma avaliação mais negativa em relação a APA, há alguns casos de
agricultores que não faziam parte do movimento ou tinham pouca participação. Entre os
agricultores que defendem esta última posição, se destacam dois casos que avaliam a
APA como sendo boa, somente em parte. Um destes esclarece que essa terra lhe poderia
servir para plantar mais. Outro agricultor diz que esta área é demasiado grande, poderia
ser menor, apesar de concordar com a importância de preservar animais e manter a água
limpa. Finalmente, em dois casos acredita-se que é “coisa do governo”. Um deles
prefere não opinar, enquanto uma agricultora avalia a existência da APA como uma
“bobagem”, já que não lhe serve a nada, apesar de ter algo de bom nesta área, pois
cresce faxinal.
59
Em relação ao regulamento sobre a APA, uma grande maioria afirma que o
conhece. Apenas um agricultor menciona que se firmou um convênio ou um documento
de compromisso internamente, porém os técnicos que tinham que divulgar o
regulamento, nunca o fizeram, coincidindo com a afirmação de outro agricultor,
segundo o qual “as pessoas do meio ambiente” vieram delimitar a área e nunca mais
apareceram. Menos da metade dos casos menciona a proibição de caçar, pescar ou
utilizar fogo. Vários deles acham que a caça e a pesca são permitidas apenas para o
consumo, não utilizando rede ou matando um animal para vender o couro. Segundo dois
agricultores, se pode usar esta área para criar animais com critério, sem destruir.
Finalmente, apenas dois casos mencionam a proibição de utilizar agrotóxicos nos
cultivos.
Analisando estas afirmações se observa uma grande distância/divisão entre a
natureza que está dentro de suas propriedades e a que está fora, precisamente na área de
proteção ambiental, distância/divisão esta que se vê claramente refletida na expressão de
alguns agricultores, como por exemplo, “aqui é minha propriedade [...] do outro lado é o
meio ambiente”. Ao responder com relação às dificuldades que essa área de proteção
implica, novamente aparece esta distância/divisão. Para a grande maioria, não implica
nenhum problema, um terço afirmando que é uma área que está longe e fora da área de
produção. Para outra terça parte dos casos existe dificuldade devido aos animais que
vivem ali, alguns dos quais ocasionaram danos aos cultivos. Para um agricultor o
problema é sua localização, já que deve atravessar essa área para chegar aos cultivos,
enquanto que outro relata que a dificuldade foi demarcar esta área. Apenas um
agricultor afirma que, em princípio, o problema é que não tem como produzir
ecologicamente, mencionando a necessidade de buscar uma forma de controlar pragas
sem usar veneno.
Quando se lhes pergunta sobre outra forma de proteger a natureza, aparecem
diferentes respostas, entre elas conscientizar e educar, não usar fogo, não depositar lixo
em qualquer lugar, especialmente nos cursos de água, respeitar esta área de proteção, e
ter um maior acompanhamento da FEPAM. Alguns casos mencionam o
reflorestamento, especialmente nas margens e nascentes dos rios. Uma minoria
menciona como outra forma de proteger a não utilização de agrotóxicos (se reflete aqui
novamente a divisão). Por último, para um agricultor, outra forma de proteger seria
através da tecnologia, ainda que reconhecendo que esta destruiu tudo.
60
Em relação às reservas florestais, todos os entrevistados são favoráveis,
expressando diferentes idéias a respeito, entre elas a sua importância para as nascentes e
margens dos rios, importância da conscientização para reflorestar. A metade dos casos
manifesta a idéia de plantar ou reflorestar parte de suas áreas. Menos da metade dos
agricultores fala em conservar, proteger ou não desmatar. Entre as vantagens, os
agricultores mencionam o uso de espécies que forneçam frutas, lenha e sombra.
Espécies como eucalipto ajudam a melhorar o solo (drenagem), proteger a natureza,
meio ambiente e animais que vivem na região. A presença da mata permite ar mais puro
e clima menos quente. Vários agricultores estão produzindo mudas para
reflorestamento, ainda que se observe bastante desmatamento, particularmente de
eucaliptos. Isto, somado às intensas chuvas, pode ser a causa de alguns sinais de erosão
hídrica que aparecem no assentamento. Para um dos agricultores, a falta de recursos
financeiros, devido ao atraso dos subsídios recebidos do governo, determinou um maior
desmatamento porque esta atividade se converteu na principal fonte de renda para
muitos agricultores.
5 A RELAÇÃO PRODUÇÃO/CONSERVAÇÃO ENTRE OS AGRICULTORES
INVESTIGADOS E A POSIÇÃO DOS MEDIADORES TÉCNICOS
5.1 A sensibilidade ambiental entre os agricultores assentados
Nas “arenas públicas” muitas vezes os conceitos já têm um significado e até se
atribui um papel aos cientistas, como “mediadores biculturais”, atuando entre a arena
pública, conforme uma agenda pública do estado e as situações específicas, de onde
aparecem os conflitos devido a interpretações particulares que existem nas últimas.
Neste trabalho se pretende analisar uma “arena específica” com as interpretações que se
refletem nas respostas dos diferentes grupos de agricultores e dos mediadores técnicos
com relação à questão ambiental, a sustentabilidade e a uma agricultura diferente. Evita-
se assumir a postura de avaliar qual destas interpretações é a mais correta, de acordo
com significados “oficiais” ou “universais” destas questões, o que determinaria não
apenas uma mutilação do objeto de estudo deste trabalho, ou até mesmo perder a
possibilidade de analisar os diferentes “pacotes interpretativos” e as relações de força
para sua imposição, análise que se mostra mais rica quando se assume o papel da
autoridade para dizer qual é o correto. Segundo FUKS (1997), trabalhar nas arenas
específicas permite contextualizar melhor que quando se fala de “opinião pública”, ou
até mesmo de “representações sociais”. Estas arenas específicas estão sempre inter-
relacionadas formando em seu conjunto um sistema de arenas. Assim, para o caso deste
estudo, não existe uma “questão ambiental”, uma opinião pública, senão uma série de
conflitos em arenas específicas.
Com o desenvolvimento da investigação se observou uma dissociação entre o
que os agricultores manifestam e o que fazem, ou seja, a natureza ocupando um lugar no
discurso e outro diferente na ação/prática social. Frente a isso, se agruparam os
62
agricultores em duas grandes categorias: aqueles que “não manifestam sensibilidade
ambiental” e os que “manifestam sensibilidade ambiental”. Entre os primeiros aparece
uma minoria que, apesar de não manifestar um discurso com sensibilidade ambiental, a
natureza ocupa um lugar destacado dentro dos sistemas produtivos. Já no segundo
grupo, dos que manifestam sensibilidade ambiental, destaca-se um grupo majoritário, os
que ainda manifestam sensibilidade mas esta não se reflete em seus sistemas produtivos.
Esta sensibilidade ambiental está avaliada de acordo com o lugar que ocupa a
natureza nos discursos e ações práticas sociais dos agricultores. Este lugar é
determinado por vários parâmetros dentro da estrutura subjetiva, tais como a avaliação e
apreciação que os agricultores realizam de seus recursos naturais, principalmente a
terra, como avaliam sua atual situação, os critérios para selecionar as atividades que
realizam, a apreciação que fazem da tecnologia, os critérios utilizados para escolher as
diferentes técnicas que aplicam, a percepção que têm de uma “agricultura diferente” e o
significado que atribuem à presença de uma área de proteção ambiental no
assentamento.
Cabe destacar que a conformação dos grupos de agricultores, como uma
ferramenta que facilita a análise, não tem caráter definitivo nem estático. Os grupos não
apresentam limites exatos, os agricultores se ordenando em uma escala segundo suas
manifestações e ações. Porém, se uma área de transição, compartindo características de
ambos os grupos. Os agricultores não permanecem nestes grupos indefinidamente,
senão que por tratar-se de um processo, os lugares que ocupam são dinâmicos. A
estática ou quietude que se atribui ao mundo rural é apenas um estereótipo que se
precisa romper.
O grupo predominante é aquele que reúne os que manifestam certa sensibilidade
ambiental, perfazendo 73% da amostra, contra o restante de 27% que não manifesta
nenhuma sensibilidade. Por outro lado, os que realizam alguma ação que reflita certa
sensibilidade ambiental representam 31% da amostra, enquanto que aqueles que não
desenvolvem nenhuma ação com esta sensibilidade somam 69% da amostra. As ações
concretas são as que permitem avaliar o lugar que ocupa a natureza em seus sistemas
produtivos, avaliação que será realizada através de diferentes eixos, todos estes
permeados pela relação homem/natureza. Foram analisados os “pacotes interpretativos”
63
dos diferentes grupos para entender como vêem na relação sociedade/natureza e como
esta interfere na organização de seus sistemas produtivos.
Uma das características que se analisou entre os grupos de agricultores tem
relação com as estratégias que utilizadas para alcançar seus objetivos. A primeira
diferença entre os grupos de agricultores se apresenta justamente neste sentido: aqueles
que “não” manifestam um discurso ambiental estão direcionados ao objetivo da
subsistência, isto refletido em alguns indicadores, como por exemplo: as atividades
selecionadas são aquelas tendentes a alcançar seu auto-abastecimento, realizando
vendas de produtos em pequena escala aos próprios vizinhos dos assentamentos. Dentro
deste grupo aparecem alguns casos que apresentam, no plano econômico-financeiro,
situações comprometidas, já que contam com menor dotação de recursos e não recebem
dinheiro de fora de sua propriedade. Aparecem também neste grupo, agricultores que
manifestam escasso compromisso com os objetivos do movimento, tais como trabalhar
em grupo ou encarar uma forma de produção alternativa, de participação e, em alguns
casos, até a solidariedade e cooperação não se manifestam.
Estes agricultores não manifestam sensibilidade e esta tampouco se observa em
seus sistemas produtivos. Existe, portanto, coerência entre o discurso e as práticas. A
natureza não ocupa um lugar de destaque, nem em um, nem em outro. Ao referir-se a
uma agricultura diferente, aparece neste grupo um leque muito variado de
possibilidades, desde uma agricultura com grandes máquinas, ou defendendo a
utilização de agrotóxicos, até a expressão de uma impossibilidade de praticar uma
agricultura diferente, já que sem o uso de adubos o solo não produz e a presença de
formigas obriga a combatê-las. Sua percepção da tecnologia é positiva, crendo que
através dela conseguiram melhorar sua produção (não expressam claramente qual seria
essa melhora, e se relaciona com produtos mais ecológicos). A presença da APA não
significa nada em especial para seus sistemas produtivos e suas práticas. As posições
variam desde “não me interessa, isto é do governo”, até aquelas que crêem que é
importante para preservar os animais que vivem no local, porém em poucos casos
estabelecem alguma relação mais direta com a propriedade.
Aparece neste grupo uma minoria na qual a natureza ocupa diferentes lugares no
discurso e nas ações, assinalando-lhe um lugar muito mais destacado na organização
dos sistemas produtivos que em seus discursos, não manifestando nenhuma
64
sensibilidade ambiental, apenas que não possuem um discurso estruturado sob uma
linha que manifesta o próprio movimento, (por exemplo, um dos agricultores avalia
negativamente a presença de uma APA dentro do assentamento). Outra característica
que se podem observar nesta minoria é sua avaliação sumamente negativa da
tecnologia, responsabilizando-a por danos sociais como desemprego, desigualdade e
danos ambientais como a destruição dos recursos naturais. No momento de avaliar sua
situação, utilizam elementos da natureza, como por exemplo, sua situação piorou porque
“... a terra é fraca e não tem mata...”. Por último, suas práticas escolhidas segundo
critérios mais ligados aos recursos naturais, isto refletido na afirmação de um dos
entrevistados: “... faço o que é bom para a terra”. Sua produção, como já mencionado,
está orientada para a subsistência. De acordo com sua percepção, já realizam uma
“agricultura diferente”, livre de químicos, empregando também práticas de conservação
do solo com segurança de seus efeitos.
Os agricultores pertencentes ao grupo que manifesta um discurso com
sensibilidade ambiental apresentam estratégias diferentes ao anterior. Em geral, seus
sistemas produtivos estão mais orientados para produzir, além da subsistência, algum
produto para venda, tais como verduras, leite, arroz, abóbora, além de produtos
elaborados na propriedade, como pães e queijos. Alguns destes agricultores realizam
vendas de produtos no comércio da região. Aqui as atividades, incluindo os próprios
cultivos, são escolhidas segundo a possibilidade de retorno financeiro mais rápido. Em
vários casos, uma produção diferente é vista como uma atividade com boa vantagem
competitiva, que lhes permitirá ingressar em mercados diferenciados, única alternativa
para a pequena produção familiar.
Em alguns agricultores pertencentes a este grupo, a sensibilidade que
manifestam em seu discurso se reflete em seus sistemas produtivos. A natureza aparece
neste grupo em seu discurso e em suas ações, às vezes de maneira moderada. Uma
agricultura diferente é vista como possibilidade de viver melhor, alcançar o mercado e
como uma alternativa política mais que produtiva, que permitiria mudanças na
sociedade. A existência da APA permitiria demonstrar que os assentados não destroem,
demonstrar que aqui a natureza é vista como um símbolo ou um valor mais amplo,
favorecendo para que esta disputa alcance uma esfera pública.
65
Este contexto cultural é um fator importante na dinâmica argumentativa dos
conflitos sociais. Seus sistemas produtivos apresentam características de uma
agricultura diferente da convencional, utilizando semente própria, evitando o uso de
químicos e utilizando em seu lugar bio-fertilizantes de fabricação própria. O manejo
animal também possui características similares. Em alguns casos, se bem que a
produção não é totalmente diferente da convencional, há clareza acerca de como vão
realizar as próximas safras (por exemplo, onde comprar sementes, animais, etc.). A
tecnologia é vista como inacessível para os pequenos produtores, enquanto que as
técnicas utilizadas são aquelas discutidas e analisadas de forma grupal ou com os
técnicos. Estes agricultores valorizam o trabalho grupal, encontrando-se em situações
melhores que o grupo descrito anteriormente, com uma melhor dotação de recursos e,
em alguns casos, recebendo dinheiro de fora de sua propriedade.
Observa-se neste grupo uma grande maioria de agricultores onde a sensibilidade
que manifestam em seu discurso não se reflete em seus sistemas produtivos, ou seja, a
natureza ocupa um lugar mais central em seu discurso, se comparada ao lugar ocupado
na organização dos sistemas produtivos. Neste grupo se encontra um número importante
dos entrevistados, observando-se uma graduação, desde casos com um discurso onde a
natureza ocupa um lugar pouco claro, até aqueles em que ocupa uma maior
“centralidade”. Os primeiros não manifestam uma consciência da dissociação entre o
que dizem e o que fazem. Os segundos, já percebem mais claramente que ainda o que
fazem não é igual ao que dizem, porém atribuem isto a diferentes fatores, tais como a
falta de recursos ou suas próprias limitações pessoais, como seus conhecimentos, suas
experiências: “esta forma de trabalhar apresenta muitas dificuldades para nós, criados na
questão ‘convencional’. Plantar ‘ecologicamente’ dá mais trabalho”, assegura um
agricultor.
Entre outras posições deste grupo, pode-se mencionar a relacionada com a
prática de uma agricultura diferente. Alguns crêem que esta possui vantagens em
relação a saúde e para acessar o mercado como forma de responder a uma demanda
destes produtos diferentes. A presença da APA tem uma aceitação muito positiva, por
permitir preservar plantas e animais que vivem no local. Por outro lado, a APA servirá
para demonstrar que os assentados não destroem a natureza. Neste grupo aparecem
casos que relacionam diretamente suas ações dentro de seus sistemas produtivos com os
66
prováveis efeitos, fora deste, na APA, por exemplo. Outros não fazem uma relação
direta entre as práticas que realizam em seus sistemas e nesta área.
O processo gerador destas diferentes posições com relação à natureza é
sumamente complexo, constituído em um grupo de variáveis, tais como pela origem,
geográfica e social dos agricultores, sua ocupação anterior, pelas atividades que
desenvolviam e suas trajetórias sociais. São estas variáveis, entre outras, e suas
combinações que determinam diferentes posições, o que não permite afirmar uma
relação direta entre elas, a origem e a posição social, por exemplo. Cada agricultor
atravessa experiências particulares que permitem entender sua posição com respeito à
natureza, porém não determinam um processo único de construção das diferentes
percepções da natureza. Ou seja, dentre os diferentes elementos para caracterizar os
grupos com diferentes posições, nenhum é determinante por si só: é a combinação
destes elementos que determina uma posição.
5.2 Análise de posições e estratégias em cada grupo e sua relação
produção/conservação
Os eixos utilizados para caracterizar e diferenciar os dois grupos, os que
manifestam alguma sensibilidade ambiental e os que não manifestam, incluem aspectos
tanto da estrutura subjetiva como da objetiva, além de alguns elementos relacionados
com sua trajetória. Os eixos utilizados para a caracterização destes grupos foram:
a) a “estrutura subjetiva”: avaliação dos recursos naturais considerados como
critérios para escolher as atividades que hoje realizam; percepção da
tecnologia, critério para selecionar as técnicas que utilizam; implementação
de técnicas de conservação de solo; percepção de uma agricultura diferente;
percepção da APA e avaliação de sua situação atual;
b) a “estrutura objetiva”: dotação de recursos; renda obtida de fora da
propriedade; organização para o trabalho e características dos sistemas
produtivos;
c) a “trajetória social”: origem social; ocupação anterior e participação dentro
do movimento.
67
5.2.1 Estrutura subjetiva
As atividades produtivas que um agricultor desenvolve ocupam um lugar
destacado entre as estratégias que escolhe para alcançar seus objetivos. Nos grupos
analisados, este aspecto apresenta diferenças, como por exemplo, as variáveis que cada
grupo utiliza para definir as atividades que levará adiante. Entre os que manifestam
sensibilidade ambiental e esta se reflete em sua ação, as atividades selecionadas são
aquelas que apresentam um melhor retorno econômico, também mencionando a
subsistência. Neste grupo é onde mais se menciona ao cultivo de arroz como atividade
principal (em um caso é o que já faz, o restante porque considera que estas atividades
junto com as olerícolas dão mais dinheiro e se vende melhor). Cabe recordar que os
cultivos de arroz e hortaliças são os recomendados pelos mediadores técnicos para esta
região. Outro parâmetro mencionado foi a utilização da mão-de-obra familiar
disponível.
No grupo que manifesta sensibilidade ambiental, porém não refletida nas suas
ações, os elementos mencionados como determinantes das atividades são mais variados
que na anterior, também aparecendo mais fortemente o que faziam antes de chegar ao
assentamento. Uma minoria manifestou que realizam o necessário para o consumo,
enquanto um número também pequeno expressa que a área é para arroz. Em um número
importante de agricultores deste grupo, o determinante na escolha das atividades foi a
situação financeira, que os levou a implementar atividades que significam um retorno
financeiro mais rápido, ademais de um ganho periódico, como no caso da venda de
leite.
No entanto, no grupo que não manifestam sensibilidade ambiental, os
determinantes que aparecem para definir as atividades são fundamentalmente aqueles
que garantem a subsistência e o que sempre faziam.
A percepção da tecnologia do grupo que manifesta sensibilidade ambiental é de
crítica, considerando que é inacessível para todos os agricultores, particularmente o
pequeno. Um agricultor enfatiza que “precisa ser mais moderna”. Ante a pergunta do
que entendia por mais moderno, esclareceu que precisa ser “mais simples” para que
quando se quebre (uma máquina, por exemplo), seja o próprio agricultor que possa
consertá-la.
68
Ao analisar-se os fatores utilizados pelos agricultores para a eleição das
diferentes técnicas em seus sistemas produtivos, aparecem majoritariamente aspectos
relacionados aos recursos naturais, por exemplo, aquilo que é melhor para a terra ou
para a preservação do meio ambiente. Outro aspecto que merece ser destacado é que
todos os agricultores manifestam que as técnicas são selecionadas a partir da discussão
entre o grupo ou perguntando a outros agricultores, vizinhos e técnicos.
Já no grupo dos que manifestam sensibilidade ambiental, ainda que não a
reflitam em suas ações, a percepção da tecnologia é menos crítica, ainda que alguns,
uma minoria, também afirme que não é para todos. Muitos crêem que tem que tomar
essa tecnologia para poder competir, produzindo produtos orgânicos ou sem veneno, por
exemplo. Alguns consideram a tecnologia boa e não realizam nenhuma critica, enquanto
outros, apesar de considerá-la boa, acham que algumas dispensam mão-de-obra e outras
destroem a natureza, de modo que se deve saber como usá-la.
Neste grupo predomina como critério para a escolha das atividades que realizam
seu conhecimento prévio, ou seja, os agricultores utilizam aquelas técnicas que já
conheciam (isto acontece com a metade do grupo). Outros mencionam o técnico,
enquanto que outros, uma minoria, respeita a regra de não usar agrotóxicos ou químicos.
Um caso atribui as técnicas utilizadas à demanda do mercado, que cada vez influi mais
nas decisões do agricultor. Por último, um outro menciona as dificuldades econômicas
que estão passando.
Já entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, a percepção da
tecnologia é a de menor crítica entre todos os grupos. Avaliam a tecnologia como de
“boa” a “muito boa”, como um avanço ou algo novo que lhes ensinará a plantar melhor
e obter um produto melhor. A exceção do grupo é aquela minoria que, apesar de não
manifestar sensibilidade ambiental, esta se reflete em suas ações, e onde a avaliação da
tecnologia é muito negativa, responsabilizando-a pelo desemprego que hoje existe e
pela destruição dos recursos ou da natureza.
Neste grupo que não manifestam sensibilidade ambiental o critério que mais
aparece para a seleção de técnicas é o conhecimento anterior, o que realizavam antes de
chegar ao assentamento. Mencionam também a disponibilidade de recursos (financeiros
69
ou de máquinas) como determinante. Uma minoria manifesta que as técnicas se
selecionam segundo a terra.
No grupo que manifesta sensibilidade ambiental, apenas uma minoria menciona
que realiza técnicas de conservação de solos, cobertura verde utilizando aveia. A maior
parte do grupo manifesta que não está implementando ações tendentes à conservação de
solos, ainda que alguns deles expressem sua intenção de fazê-las (no momento estão
aprendendo com a realidade, manifesta um agricultor).
No grupo que manifesta sensibilidade, ainda que esta não se reflita nas suas
ações, menos de uma terça parte ainda não realiza nenhuma ação tendente à
conservação de solos, ainda que pense realizá-la mais adiante. Uma minoria menciona
como medida a cobertura verde utilizando aveia, palha de milho ou grama, evitando o
fogo. Dois casos realizam ações mais orientadas às conseqüências que as causas da
degradação.
Entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, uma minoria expressa que
não realizam nenhuma prática de conservação de solos por falta de recursos.
Mencionam a idéia de plantar aveia e fazer curvas de nível para conter a erosão do solo.
Outros agricultores mencionam a adição de esterco, adubo e uréia. Por último, aquela
minoria onde a natureza ocupa um lugar de destaque em seus sistemas, ainda que eles
não o expressem, enumera um conjunto de técnicas para evitar a degradação do solo,
usam adubo verde com espécies de aveia e milho, mantêm a reserva do milho colhendo
somente a espiga. A palha do arroz também permanece, realizam curvas de nível ou o
plantio de cana para segurar a terra.
Com relação à prática de uma agricultura diferente no grupo que manifesta
sensibilidade ambiental, encontra-se um caso que assegura já realizar uma agricultura
diferente e não tem que mudar, já que a produtividade é ótima. Um terço dos
agricultores afirmam que estão orientando suas ações para atingir este objetivo. Um
deles manifesta que está tentando fazer o correto, se bem que não existe uma única
forma correta (demonstrando clareza no sentido de que não se trata de aplicar receitas
ou fórmulas específicas, pelo contrário, é mais complexo). A metade dos agricultores
assegura que está fazendo uma agricultura diferente porque de onde provém não se
produz nada sem químicos e agrotóxicos. Entre as razões para realizar uma agricultura
70
diferente, neste grupo, aparece principalmente a saúde (do próprio agricultor e da
sociedade), através de melhoras no ambiente (menor poluição) e de uma alimentação
mais saudável. Um terço do grupo utiliza argumentos mais econômicos, tais como
descobrir uma forma que permita aos agricultores pobres competir por maior qualidade
dos produtos, melhor preço e menor custos, ou por produtos que se vendam com
facilidade. Por último, um agricultor menciona a evolução de toda a sociedade como
principal vantagem de uma agricultura diferente. Com relação às dificuldades, a metade
do grupo assegura que é mais complicado, porque exige maior conhecimento e esforço
prático e demanda maior trabalho.
Todos os agricultores do grupo que não refletem sensibilidade ambiental e
expressam em suas ações, aceitam que deveriam realizar uma agricultura diferente. A
maioria faz referência a um sistema sem químicos, nem venenos, de forma mais
ecológica. Outros sustentam que uma agricultura diferente exige maior
acompanhamento técnico, maior utilização de maquinaria ou que economiza mais e usa
menos mão-de-obra. Entre as razões usadas para realizar esta agricultura diferente
aparece a saúde do agricultor na quase totalidade dos casos, aparecendo em mais da
metade do grupo argumentos econômicos como as oportunidades do mercado, a maior
facilidade de vendas, e o retorno econômico maior. Por último, argumentos relacionados
à conservação do meio ambiente, do solo e da natureza são utilizados por uma minoria
de agricultores. Com relação às dificuldades, a metade do grupo as reconhece, tanto de
ordem econômica (falta de recursos), como a demanda de maior trabalho. Um agricultor
também menciona suas limitações por ter sido “criado” no sistema convencional.
No grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, se observa a maior
variedade de interpretações sobre a agricultura diferente. Um agricultor manifesta que
sua produção é oriunda da forma convencional e não pretende mudar isto. Outro, afirma
que não pode mudar porque sem adubo a terra não produz e tem de controlar o ataque
de formigas. Já o outro pensa em fazer algo mais orgânico, todavia não é possível.
Alguns agricultores realizam interpretações muito particulares de uma agricultura
diferente: um deles pensa em se organizar em grupos para plantar arroz com base em
maquinarias, o que demora menos e aumenta a produção; outro acredita que uma
agricultura diferente seria praticada utilizando-se veneno porque demanda menos
tempo.
71
A Área de Proteção Ambiental (APA) tem uma avaliação muito positiva no
grupo que manifesta sensibilidade ambiental: a metade do grupo vê na proteção desta
área uma forma de demonstrar à sociedade que o assentados não destroem os recursos,
“como diz a burguesia”, afirma um agricultor. Dois agricultores resgatam a importância
desta área para a preservação de animais, outro pelo fato de obter uma melhor qualidade
de vida através de um ambiente sem veneno. Já um outro agricultor pensa que deveria
existir maior acompanhamento dos técnicos ambientais. Segundo sua percepção, a
presença desta área não determina dificuldades no trabalho dos agricultores.
Para o grupo que manifesta sensibilidade ambiental, ainda que este não se reflita
nas ações, a existência desta área é boa: um terço assegura que permitirá demonstrar que
os assentados não destroem, e a metade afirma que serve para proteger bichos, manter
água limpa e plantar árvores. Há afirmações de que poderia ser uma área menor,
aparecendo também reclamações por maior fiscalização.
No grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, a avaliação da existência
de uma APA é bem diferente do restante dos grupos. A metade do grupo pensa que ela
desperdiça terra que poderia servir aos agricultores; outro reconhece que os técnicos são
os que falam desta área, enquanto outro agricultor conhece a existência, inclusive
assinalando que “a rua é o limite entre o meio ambiente e minha propriedade”,
demonstrando pouco interesse “não dou bola para isto... é do governo”. A outra metade
dos agricultores do grupo acredita, porém, que esta área é importante para proteger
animais do mato, árvores e cuidar do banhado.
Como síntese parcial das posições dos grupos de agricultores frente aos
diferentes temas, apresenta-se o Quadro 5 a seguir.
72
Quadro 5: Posições dos grupos de agricultores assentados frente aos diferentes eixos de
análise – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS
Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade ambiental
Posições Eixos Reflete-se na ação
(6 casos) Não se reflete na ação (13 casos)
Não se reflete na ação (5 casos)
Reflete-se na ação (2 casos)
Atividades Subsistência e retorno econômico. Arroz e hortaliças
As que já realizavam e para consumo, retorno financeiro mais rápido.
Garantem a subsistência e segundo seu conhecimento
Subsistência.
Tecnologia Percepção crítica desde sua posição; não é acessível para pequena produção.
Percepção menos crítica; permitiria competir; não é para todos pois pode ocasionar efeitos negativos (emprego e natureza)
Percepção pouco crítica; é o novo; o avanço permitirá produzir melhor.
Percepção de muita crítica; responsável pelo desemprego e degradação ambiental.
Técnicas Segundo os recursos naturais, selecionadas por discussão grupal ou trabalho com técnicos; consulta a vizinhos.
Segundo seu conhecimento prévio, aconselham não usar químicos; conforme demanda e situação financeira. Alguns trabalham com técnicos.
Segundo seu conhecimento prévio; conforme disponibilidade de recursos financeiros.
Segundo qualidade da terra.
Agricultura diferente
Já realizam; sem químicos ou venenos.
Coincidem que devem realizar uma agricultura sem químicos, nem venenos.
Conceitos variados; usar máquinas, venenos, ou não é possível fazer algo diferente.
Já realizaram.
Razões para realizar essa agricultura diferente
Saúde do agricultor e da sociedade; melhor competitividade de seus produtos.
Saúde do agricultor; razões econômicas e ambientais.
Terra, saúde e mercado.
APA Serve para demonstrar que os assentados não destroem; preservação de animais e melhor qualidade de vida; ambiente sem veneno.
Serve para proteger animais, árvores e água limpa.
Visão de muito crítica; além de tomar terra que poderia servir para agricultores, a vêem como algo do governo; outros crêem que protege animais e plantas.
Dificuldades devido à presença da APA
Não existem; falta acompanhamento de técnicos ambientais.
Presença de animais; produção ecológica, controlar sem veneno.
Fonte: Dados da pesquisa.
73
5.2.2 Estrutura objetiva
Quanto à dotação de recursos materiais, tanto no que se relaciona com a infra-
estrutura e máquinas, como em relação aos animais de trabalho e consumo, o grupo que
não manifesta sensibilidade ambiental apresenta em geral uma menor dotação de
recursos, sobretudo no que se refere a máquinas, equipamentos e infra-estrutura,
enquanto que no que se refere a animais, contam em geral com um número maior
destes, especialmente naquelas produções dedicadas ao auto-consumo, o que é coerente
com sua estratégia de garantir em primeiro lugar sua subsistência. Por outro lado, o
grupo dos que manifestam sensibilidade ambiental apresenta uma melhor dotação de
recursos, ainda que não se possa dizer que esta seja a adequada. Neste grupo, aparecem
tratores (dois dos três que existem em todos os grupo investigados), colheitadeiras, entre
outras maquinarias. A infra-estrutura com que contam também é maior se comparada ao
grupo que não manifesta sensibilidade ambiental. Entre estas instalações aparecem
estufas, chiqueiros, currais, etc. e, inclusive, a própria residência das famílias se
encontra em melhores condições.
Os agricultores que manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se
reflete nas suas ações, apresentam a maior dotação de animais em todas as produções, a
exceção das aves, quando a infra-estrutura e os maquinários ocupam um lugar
intermediário entre os dois grupos analisados anteriormente.
Outro item analisado é a renda extra, ou seja, aquelas provenientes de alguma
atividade fora da propriedade, seja através da venda da força de trabalho, ou ganhos de
outras naturezas como pensões, aposentadorias ou poupanças. Entre os que manifestam
sensibilidade ambiental existe uma maioria (66%) que recebe ou recebeu algum
dinheiro de fora de suas propriedades, através da venda de sua força de trabalho ou
algumas poupanças com que contava antes de chegar ao assentamento (venda de
propriedades). Por outro lado, entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, em
sua maioria (71%) não recebe dinheiro de fora das atividades desenvolvidas em sua
propriedade. Já os que manifestam sensibilidade ambiental mas não a refletem em suas
ações, apresentam uma situação intermediária, já que a metade de seus integrantes
recebe algum dinheiro de fora, de diversas origens (venda da força de trabalho de algum
membro da família, poupança ou ajuda familiares).
74
Em relação à forma de organização para o trabalho, surgem diferenças entre os
grupos mais polarizados, ou seja, os que manifestam sensibilidade ambiental e os que
não a manifestam. Entre os primeiros, a maior parte do grupo trabalha de forma
integrada. Além disso, o trabalho grupal é muito valorizado e é comum sua referência
nas entrevistas. As atividades que realizam em grupo são variadas, incluindo além dos
cultivos, a comercialização, e a construção de benfeitorias. Por outro lado, o grupo que
não manifesta sensibilidade ambiental não apresenta afinidade ao trabalho grupal, sendo
que a metade destes trabalha individualmente. Um agricultor que está trabalhando em
grupo respondeu que não vê nenhuma vantagem neste tipo de organização, pelo
contrário, crê que o que acontece é que alguns trabalham e outros não.
Aqueles que manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se reflete em
sua prática, estão em sua maioria (92%) trabalhando em forma grupal. A maior parte do
grupo reconhece que existem dificuldades, porém crê que serão superadas. As
atividades que realizam em grupo vão desde a obtenção de recursos financeiros até o
plantio de alguns cultivos. Um número importante de agricultores compartilha todas as
atividades.
Quadro 6: Variáveis da estrutura objetiva dos diferentes grupos de agricultores
assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS
Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade
ambiental
Posições Eixos
Reflete-se na ação (6 casos)
No se reflete na ação (13 casos)
Não se reflete na ação (5 casos)
Reflete-se na ação (2 casos)
Dotação de máquinas e infra-estrutura
Mais adequado. Média Pouco adequada a insuficiente
Pouco adequada
Dotação de animais
Média Adequada Mais adequado. Mais adequado.
Ingressos extras
Poupança, venda da força de trabalho.
A metade do grupo recebe
Não contam Não contam
Organização Alta valorização do trabalho grupal
Os problemas se superaram
Pouca afinidade com o trabalho grupal
Boa valorização do trabalho grupal
Fonte: Dados da pesquisa.
75
5.2.3 Trajetória social dos agricultores
Entre os agricultores que não manifestam sensibilidade ambiental, a maior parte
eram empregados antes de chegarem ao assentamento (aproximadamente 71% do
grupo), enquanto que entre os que manifestam sensibilidade ambiental, a metade do
grupo é de antigos pequenos proprietários de terras, que lhes permitiu contar com
recursos iniciais, possibilitando uma melhor organização dos sistemas. No grupo que
manifesta sensibilidade ambiental, existe uma maioria que se diz filho de agricultores,
representando 46% do grupo. Já uma terceira parte do grupo é composta por ex-
empregados e, por último, aproximadamente 23% foram meeiros.
Quanto às atividades que desenvolviam e como as desenvolviam, os que
manifestam sensibilidade ambiental, em sua maioria, destacam que provêm de regiões
onde a agricultura era realizada de maneira extensiva e com uma forte presença de
insumos agrícolas, tais como agrotóxicos e maquinarias. Já entre os que não manifestam
sensibilidade ambiental, sua atividade principal era ligada a serviços (urbanos), trabalho
na atividade pecuária ou como operadores de máquinas. A metade do grupo menciona a
agricultura como atividade principal.
Em relação à participação dos agricultores no movimento, é necessário
esclarecer que não se fizeram perguntas diretas sobre este tema, porém se pode advertir
que entre os que manifestam sensibilidade ambiental, a referência ao movimento é mais
freqüente e denota maior presença deste, especialmente se compara com aqueles que
não manifestam sensibilidade ambiental (neste grupo existem algumas situações
particulares como agricultores que não formavam parte do movimento - ex-empregados
da fazenda desapropriada). Também se observam algumas respostas que não concordam
com os próprios princípios do movimento. Entre estas, pode-se mencionar a rejeição ao
trabalho em grupo, a realização de uma agricultura diferente da convencional e até
expressões que refletem uma escassa solidariedade entre agricultores.
Em resumo, observa-se que com o discurso ambiental, surgem outros
determinantes para a escolha de atividades, os quais se somam ou substituem o da
subsistência. Também no grupo que manifesta maior sensibilidade ambiental já não se
fala tanto do que faziam e sim do que fazer, por exemplo, plantar arroz. Em parte
daqueles neste grupo que ainda não implementaram ações que refletem sensibilidade
76
ambiental, predomina como determinante o que faziam, adicionando-se aquela atividade
que permite maior retorno financeiro. À medida que se avança nesta escala da
sensibilidade ambiental, há uma definição mais clara das atividades a realizar, ainda que
estas não sejam necessariamente mais conservacionistas ou diferentes daquelas
consideradas convencionais.
Quadro 7: Trajetória social dos grupos de agricultores assentados – Assentamento
Filhos de Sepé, Viamão - RS
Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade ambiental
Posições Eixos Reflete-se na
ação (6 casos) Não se reflete na ação (13 casos)
Não se reflete na ação (5 casos)
Reflete-se na ação (2 casos)
Origem
Social
Ex-proprietários Filhos de agricultores, ex-empregados e meeiros
Ex-empregados Ex-empregados
Atividades que realizavam
Extensivas; altos usos de insumos modernos
Cultivos, serviços urbanos e rurais
Serviços urbanos, gado e operação de máquinas
Cultivos e serviços urbanos
Menção ao MST
Muito freqüente Freqüente Escassa Escassa a nula
Fonte: Dados da pesquisa.
Conforme aparece no discurso ambiental dos agricultores, sua percepção da
tecnologia é mais crítica. Os que não manifestam sensibilidade ambiental fazem uma
avaliação muito positiva, a exceção de uma minoria sem o discurso ambiental, porém
com a ação. Já no grupo que ainda não reflete sensibilidade ambiental, nas ações há uma
esperança “tácita” de que será a tecnologia quem lhes permitirá alcançar essa produção
diferente e com ela melhores possibilidades de competir no mercado. Os que refletem
maior sensibilidade em suas ações realizam uma crítica mais no sentido de sua
“identidade” profissional, como pequenos agricultores que não podem acessar essa
tecnologia.
O predomínio dos diferentes critérios para definir as técnicas a utilizar em cada
grupo é claro. Os que realizam alguma ação onde se reflete sensibilidade ambiental, o
principal critério é o dos recursos naturais e o processo de seleção de técnicas tem que
ver com a discussão grupal e com o trabalho de assessoria dos técnicos, enquanto que
77
aqueles que ainda não realizam ações onde se observe sensibilidade ambiental, tanto
sem discurso como com discurso, o principal critério é o conhecimento prévio.
Aparecem outros elementos, como a terra, naquele grupo minoritário dos que não têm
discurso, porém realizam ações. A disponibilidade de recursos nos que não manifestam
sensibilidade ambiental é um argumento que aparece com freqüência.
Quanto às técnicas de conservação de solos, é um parâmetro que se apresenta
sumamente complexo para analisar, dando lugar a controvérsias ou polêmicas, de tal
maneira que sua análise foi relativizada. Em primeiro, lugar não se observam diferenças
claras entre os distintos grupos: por outro lado, utilizar técnicas de conservação de solos
não é suficiente, se não se evitam as causas que determinam a deterioração do solo. Por
exemplo, plantar cana para que a água não leve o solo é uma medida concreta de
conservação, porém cabe perguntar porque a água está levando consigo o solo. Além
disso, a permanência dos agricultores no assentamento é recente. Como avaliar os
problemas que já existiam? As manifestações de um técnico que atua dentro do
assentamento revelam que alguns problemas de solo estariam se agravando. As próprias
condições dos agricultores dificultam a implementação destas práticas. Na zona de
moradia cada agricultor tem de 1,5 a 2 ha, o que limita as possibilidades de trabalhar em
prol da conservação de solos. A dotação de recursos, como maquinários e ferramentas, é
em quase todos os casos insuficiente e até inadequada.
Com relação a uma agricultura diferente, pergunta que foi formulada sempre
tendo como contraponto à agricultura convencional, cada agricultor tomou referências
distintas, como sua própria experiência, sua história, e com base nela respondeu. As
respostas foram sumamente variadas no grupo que não manifesta sensibilidade
ambiental. Entre os que manifestam sensibilidade ambiental alguns acreditam que
deveriam realizar uma agricultura diferente, outros acreditam que já a estão fazendo. As
razões são a saúde, em primeiro lugar, seguindo os fatores econômicos e, menos
freqüentemente, o meio ambiente. Enquanto que para os agricultores que não manifestar
sensibilidade ambiental, mas esta se reflete em suas ações, aparecem argumentos
referentes aos recursos naturais, ao meio ambiente e à saúde, nesta ordem.
Quanto à Área de Proteção Ambiental se observam claras diferenças entre
aqueles que não manifestam sensibilidade ambiental, os quais acreditam que apesar de
ter algumas vantagens, inviabiliza terra que poderia servir para o plantio. Por outro lado,
78
os que têm um discurso realizam uma avaliação mais positiva, alguns como algo que
permitirá demonstrar que o MST não destrói, outros porque permite cuidar de animais,
água ou árvores, e porque significa mais saúde para os agricultores. O grupo que vê
mais dificuldades é aquele cujas ações ainda não refletem sensibilidade ambiental, o que
parece lógico, pois apesar de expressar sensibilidade ambiental, ainda não consegue
refleti-la em suas ações. Para estes agricultores, existem problemas com animais que
vivem ali, e porque devem aprender a trabalhar sem veneno em seus sistemas
produtivos. Os agricultores não relacionam esta área com os sistemas produtivos e suas
práticas, o que se observa marcadamente no grupo que não tem discurso, enquanto que
no outro grupo aparecem algumas respostas que relacionam suas práticas e a APA,
como que uma forma de proteger essa área é não usar agrotóxicos, nem fogo. Em geral,
a APA é vista separadamente dos sistemas produtivos12.
5.3 Pacotes Interpretativos dos agricultores
Com base nas características e posições em relação à questão ambiental dos
grupos de agricultores se construiu os pacotes interpretativos. Adverte-se que a
combinação que se destaca para a construção dos pacotes interpretativos nesta arena
específica tem relação a dois aspectos, a saber: seu repertório cultural e os recursos com
que contam. O primeiro aspecto está fortemente influenciado pela sua origem social,
pelas atividades que desenvolve e a sua trajetória social. Já no segundo aspecto, a
dotação de recursos recebe influências de origem social, as estratégias para
organizarem-se para o trabalho e a disponibilidade de ganhos extraprediais.
Segundo o Quadro 1 apresentado no capítulo 2, onde se mencionam situações
sociais contraditórias e potencialmente conflituosas, os agricultores que manifestam
alguma sensibilidade ambiental já superaram algumas etapas, como garantir seu auto-
abastecimento, produzir algum produto que signifique retorno econômico, participar de
grupos medianamente consolidados, onde se dão as discussões das ações a seguir. Isto
talvez seja bastante ajudado pelo fato destes agricultores contarem com alguns recursos
ao chegarem ao assentamento, na forma de dinheiro proveniente da venda de seus bens,
12 Esta separação ficou bem clara durante uma reunião entre técnicos de entidades ambientais e os agricultores no assentamento durante o período da pesquisa de campo. Os agricultores nesta ocasião solicitaram a demarcação da APA.
79
como imóveis, maquinarias e tratores. Nestes agricultores está muito presente a
necessidade de cuidar de sua saúde. Dentro deste grupo existem casos que sofreram
danos em sua própria saúde, ou que se tornaram muito sensíveis. A maioria provém de
zonas onde a produção se realiza sob o padrão de agricultura industrial moderna,
intensivo em insumos químicos. Relacionado com este tipo de agricultura aparece outro
elemento que tem muita força entre estes agricultores, ou seja, a sua reincorporação
num mercado de onde foram excluídos, justamente por não terem condições para
competir. Outro elemento que conforma o discurso deste grupo é a importância que lhe
atribuem para obter uma mudança de percepção da sociedade em relação ao movimento,
o que demonstra como as interpretações ou a conformação dos pacotes interpretativos
não são um feito isolado, senão que dependem de um grande número de relações que se
estabelecem entre as diferentes arenas (política, econômica, tecnológica, etc.).
Já no pacote interpretativo que sustenta o grupo que, apesar de manifestar
sensibilidade ambiental, não a expressa em suas ações, além da necessidade de inserção
no mercado e a preocupação com a saúde, aparece um elemento importante, o de
garantir a subsistência. Apesar de não terem clareza a respeito das atividades a serem
realizadas, eles optam, em um primeiro momento, por aquelas que garantem retorno
econômico mais rápido, enquanto que no grupo anterior já havia uma definição mais
clara das atividades a realizar. Este grupo apresenta uma maior expectativa com relação
à tecnologia, como forma de chegar a uma produção de mais qualidade, que lhes
permita acessar a um mercado com melhores possibilidades de competir. Deve-se
esclarecer que nenhum dos grupos menciona um diferencial de preços por seus produtos
“diferentes”. Consideram que, em primeiro lugar, devem ganhar um espaço no mercado.
O grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, logicamente não apresenta
um pacote interpretativo da questão ambiental. Apresentam maiores dificuldades para
garantir sua subsistência, sua dotação de recursos materiais é a mais inadequada de
todos os grupos, pois os agricultores não dispunham de outras rendas ao chegar ao
assentamento (provavelmente por sua condição de empregados ou porque sua relação
com o mercado produtivo não era forte). Vários agricultores afirmam que nunca foram
modernizados, ao contrário, como diz um agricultor, “sempre fui agricultor de enxada”.
Estes agricultores que tiveram uma débil relação com o mercado, em comparação com o
grupo anterior, estão hoje em uma etapa anterior de forma a garantir sua subsistência,
produzir de maneira diferente e organizar-se em forma grupal. A presença no
80
movimento em seu cotidiano não é destacada, sendo que a maior parte do grupo não
compartilha a idéia de trabalho grupal.
Quadro 8: Pacotes interpretativos dos grupos de agricultores assentados - Assentamento
Filhos de Sepé, Viamão - RS
Posições
Eixos
Manifestam sensibilidade ambiental e esta se reflete em suas ações
Manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se reflete
em suas ações Núcleo do Problema
Melhorar a qualidade de vida através de um ambiente com menores riscos para a saúde do agricultor e produzir alimentos mais sadios para a sociedade, aumentando a competitividade dos produtos. Gerar uma imagem positiva do movimento ante a sociedade.
Assegurar a subsistência através de atividades que permitam um retorno econômico mais rápido, proteger a saúde dos agricultores. Ascender a uma tecnologia que permitirá uma melhor competitividade, através de produtos de melhor qualidade.
Metáfora Uma saúde deteriorada do agricultor, além de sua incapacidade de permanecer no sistema.
Saúde do agricultor deteriorada, subsistência comprometida e riscos ambientais.
Causas Contaminação gerada pela aplicação de produtos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos; incapacidade de competir com outros setores produtivos, por uma tecnologia inacessível para a pequena produção.
Utilização de produtos químicos, dificuldade para produzir de maneira diferente por sua própria história.
Fonte: Dados da pesquisa.
5.4 Posições dos mediadores técnicos
Neste trabalho se analisa uma série de conflitos em uma “arena específica”, o
que permite melhor contextualizar que quando se fala de “opinião pública”, incluindo as
“representações sociais”, estas arenas específicas estão sempre inter-relacionadas, o que
está de acordo com o conjunto de um sistema de arenas (FUKS, 1997).
Assim como as investigações não podem ser realizadas sem referência ao
“onde”, também lado é necessário que a investigação específica seja unida ao restante
do universo, para o qual é necessário que o recorte do objetivo contemple pontes como
restante, ou seja, os mediadores que atuam nesta arena podem estabelecer conexões com
outras situações.
81
As entrevistas foram realizadas utilizando um roteiro de perguntas, um
instrumento semi-estruturado que permitiu conhecer a percepção ou entendimento dos
entrevistados acerca de sua própria formação, da tecnologia, seu conceito, seus
parâmetros para sua classificação e seus impactos na sociedade, assim como o
significado da agricultura, sua situação hoje, a respeito da agricultura diferente e seus
impactos, da configuração dos sistemas produtivos no assentamento e sua avaliação em
relação aos recursos naturais com que contam os agricultores assentados.
Com relação à tecnologia, quatro dos seis técnicos entrevistados a definem como
conjunto de técnicas, métodos e procedimentos. Outros dois preferem caracterizá-la, um
mencionando como se a constrói, com princípios antigos, e outro afirmando que é
aquela preocupada com o meio ambiente e por não tornar o agricultor dependente. Ao
se perguntar aos mediadores como classificam esta tecnologia, aparecem diferentes
critérios. Dois mencionam o pacote da tecnologia moderna versus uma da agricultura
familiar ou orgânica (em construção, afirma um técnico). Outro prefere utilizar o
critério de quem as domina. Assim, para ele, aquelas dominadas por agricultores versus
as dominadas pelos técnicos. Outro critério que aparece é em relação à sua prioridade.
Segundo este princípio, existem as que buscam lucro e as que valorizam o ser humano.
Um dos técnicos prefere não classificá-las em boas ou ruins, porque isso depende de seu
uso.
Todos os mediadores relacionaram a tecnologia a um modelo de sociedade, e
cada um desde sua perspectiva explicando onde estão os pontos de conexão. Para dois
técnicos, a idéia é contribuir para construir uma sociedade nova. A atual, oprimida pela
modernidade, deve dar lugar a uma onde ressaltam a auto-suficiência e a independência
dos agricultores. Outro técnico faz referência a uma sociedade que apóie os sem-terra,
como uma forma de resistência dos agricultores. Para outro técnico a tecnologia deverá
permitir o acesso a uma sociedade mais solidária e menos competitiva, sendo que a
competitividade deve conviver em equilíbrio com o ambiente. Outro mediador afirma
que cada um deve fazer sua parte. Segundo ele, deve-se atuar individualmente, porém
não perder a idéia de conjunto. Concretamente, essa tecnologia pode permitir a um
maior número de pessoas produtos mais saudáveis que agora são para uma elite. Por
último, para outro técnico a relação se dá através da interdependência rural – urbano. O
primeiro produz para a cidade, mantendo as famílias em suas propriedades com
qualidade de vida, e nisso os meios públicos têm uma responsabilidade essencial.
82
Dos seis técnicos entrevistados, quatro fazem referência à situação da agricultura
como setor e, particularmente, a agricultura familiar ou pequena produção, destacando
sobretudo a atuação do governo, suas políticas, prioridades, etc. enquanto que outros
dois técnicos relacionados a entidades governamentais de diferentes níveis, preferem
referir-se à situação de cada cadeia produtiva (arroz, produção de carne, etc.) na
agricultura, e especificamente em âmbito local. Entre os primeiros, aparecem
qualificativos negativos em relação a atual situação da agricultura, tais como “ser uma
das últimas prioridades para o governo”, “a situação ser dramática, deprimente” e
“existe um descaso do governo”. Todos eles fazem referência à pequena produção,
assinalando que entre as dificuldades estão a demora para receber recursos que, apesar
de reconhecer que nem sempre são utilizados corretamente, é um direito dos
agricultores. Também mencionam a falta de políticas de crédito, de assistência técnica,
entre outras, para os pequenos produtores. Segundo um entrevistado, se segue
priorizando a grande produção. Tudo isto tem determinado uma forte saída dos
agricultores para as zonas urbanas, onde seu destino não será melhor. Um deles também
se refere a “uma universidade que não investiga o melhor para a agricultura”.
O restante dos técnicos (dois deles) qualifica a agricultura como sumamente
diversificada, dividindo-a em setores e cadeias e fazendo referência a cada um deles,
sempre no âmbito local. Assinalam o setor produtor de arroz como estando em uma
situação crítica, pelos custos e pelo preço do produto. Também mencionam as
dificuldades do setor de produção de leite, uma atividade sumamente importante para o
município, devido ao aumento dos custos. O setor hortigranjeiro, que tem importante
peso na economia do município, é variado e algumas produções também passam por
dificuldades. O gado de corte, que é complementar à produção de arroz, não é tão
importante economicamente (em geral, estas apreciações coincidem com as apontadas
pelos técnicos do convênio INCRA/FAO que realizaram um diagnóstico do
assentamento).
Aparecem aqui as diferentes interpretações para uma agricultura diferente e as
razões pelas quais se deve priorizar a esta agricultura apresentam ainda maior variação.
Dois técnicos mencionam a agricultura diferente como se opondo ao pacote da
modernização, à lógica do alto empreendimento aliada da indústria. Mencionam-se
ainda outros parâmetros, como tender à independência do agricultor, mencionado por
83
quatro técnicos, tendentes a produzir suas sementes, adubos, alimentação, não depender
de insumos industriais, comparando um sistema com o ciclo da água na natureza e
também a evitar a dependência do técnico. Para um dos entrevistados é importante
trabalhar com a auto-estima do agricultor, para que ele se sinta sujeito de seu próprio
destino. Um mediador fala em restabelecer a relação homem-natureza, esta como uma
“parceira” e não como algo que se deve explorar.
Outro mediador mais voltado para a produção animal estima que ainda não se
pode falar de pecuária ecológica. Acredita que esta é uma meta de longo prazo. Por
hora, estão pensando em uma produção diferenciada, onde a contaminação é reduzida,
que logo será uma produção orgânica, uma meta possível, porém que requer mais tempo
para se obter. Por último, um técnico menciona agricultura diferente algumas variações:
a produção orgânica tem a ver com sustentabilidade da produção, vendo a propriedade
como um todo, porém relacionada a outros níveis. Coincide com a proposição
agroecológica de ALTIERI (1989) como uma filosofia de trabalho mais que como um
sistema de produção.
A agroecologia é mencionada por cinco dos seis técnicos, três deles, quando
tentavam definir uma agricultura diferente, outro quando definiu tecnologia e,
finalmente, um quando expressava a complexidade dos problemas: “... não existe uma
única solução, é necessário perceber que todas as ações se complementam, a
agroecologia não soluciona tudo”.
Em relação às razões para aderir a uma outra agricultura, aparece a fome no
mundo, o que é visto como uma forma de degradação do ser humano: “... a natureza
começa com uma pessoa de barriga cheia, não há consciência de barriga vazia...”,
afirma um dos técnicos. Três técnicos têm argumentos mais relacionados à
desvalorização do ser humano, seja por não produzir sua alimentação, afetar sua saúde,
causar dependência, etc., enquanto que para outros três tem que ver mais com a
reativação econômica, com a geração de emprego, com a forma de competir com as
grandes corporações; “produzir outros produtos, capitalizar-se e liberar-se da
agroindústria...”, afirma um técnico, buscar a sustentabilidade da propriedade, ou seja,
além de qualidade vida, deve ter retorno econômico.
84
A maior parte dos técnicos faz referência à fragilidade dos recursos naturais,
particularmente o solo, tanto na área alta (solos muito suscetíveis a erosão), quando nas
áreas baixas, de banhados e turfas. Soma-se a isso a dificuldade que existe para que os
agricultores possam alcançar um equilíbrio entre produzir e conservar.
Os qualificativos para a área do assentamento são recursos muito bons, com
altíssima diversidade em solos, relevo, água, animais, madeiras, etc. Para outro técnico,
são recursos que apresentam altas complicações para serem utilizados, somado às
diferenças com os lugares de origem dos agricultores, mas apresentam boas condições
para desenvolver outras atividades e de forma orgânica. Para outro técnico ainda, são
ecossistemas extremamente frágeis, precisando-se trabalhar apropriadamente. Três
técnicos mencionam a necessidade de trabalhar em conjunto com especialistas, no
sentido da preservação destes recursos.
Quanto à relação dos agricultores com os recursos naturais, cinco técnicos
concordam com a necessidade de que os agricultores tenham uma maior preparação,
informação e conhecimentos para trabalhar sobre estes recursos. Por hora, a prioridade
para os agricultores, segundo três dos técnicos entrevistados, é produzir algo. Um deles
faz referência a como cada grupo percebe estes recursos e de acordo com isto elegeram
os lugares para viver e produzir. Destacam que tanto a utilização do fogo, como a
drenagem das zonas baixas, são extremamente difíceis de manejar e podem gerar sérios
problemas nos recursos naturais do assentamento. Todos concordam na compreensão
que os agricultores devem ter: eles devem perceber-se como sujeitos atuantes, em um
processo que depende mais deles que dos técnicos, uma construção dos conhecimentos
que se faz entre os agricultores e técnicos. Por último, outro mediador afirma que não há
condições de trabalhar com cada agricultor individualmente, sendo necessário trabalhar
na conscientização dos agricultores.
A presença da APA é para um dos mediadores uma boa garantia da qualidade
dos produtos que saem do assentamento. Para outro, tudo está intimamente relacionado
à APA: os sistemas produtivos, os animais da região, etc., e acredita que faltou
preparação dos agricultores por tratar-se de um processo muito rápido. Outro técnico, de
atuação na região, acredita que mesmo fazendo-se algo diferente à produção
convencional, ainda falta muito para ser ecológica. Neste sentido, o assentamento pode
converter-se em um pólo que sinalize aos produtores da região no sentido de maior
85
conservação ambiental. Outro técnico vê os maiores problemas da APA devido aos
animais que vivem ali, já que ao modificar as atividades, antes arroz e pecuária
extensiva, hoje mais intensiva, se reduz a área disponível para esses animais,
comprometendo sua sobrevivência (por exemplo, o veado).
No Quadro 9 abaixo se tenta resumir a posição dos técnicos, com o objetivo de
mostrar mais claramente as diferentes posições, assumindo o risco de perder uma parte
da informação ao resumir as informações em algumas palavras para chegar a agrupar
algumas posições que são semelhantes.
Para fins de análise, agrupam-se os técnicos de acordo como estes definem
alguns parâmetros, em relação à agricultura em geral, à agricultura diferente, e ao
protagonismo dos agricultores. Obteve-se dois grupos, o primeiro formado por quatro
técnicos e o segundo por dois. Os quatro técnicos do primeiro grupo pertencem a
organizações não-governamentais, enquanto que o outro grupo está composto por
representante de organizações ligadas a diferentes níveis do governo. Cada um destes
grupos apresenta diferentes pacotes interpretativos, como versões alternativas da
questão ambiental.
Os técnicos desempenham seu papel de “mediadores biculturais”, manifestando
suas idéias desde a perspectiva da instituição onde trabalham. Assim, aqueles
vinculados a organismos pertencentes ao governo não realizam críticas quando se lhes
pergunta sobre a situação da agricultura. Preferem falar de um enfoque mais técnico e
ao mencionar as dificuldades preferem atribuir estas ao mercado ou a fatores mais
externos como as políticas implantadas (ou não) pelo governo. Também mencionam co-
responsabilidades, o que ajuda a diluir as responsabilidades específicas em cada nível.
Já técnicos relacionados com outras entidades, em primeiro lugar concordam em
perceber uma situação muito difícil para a agricultura e preferem atribuir esta a um
“descaso” dos governos especialmente no que se refere a políticas específicas para o
setor da agricultura familiar.
Quadro 9: Pacotes interpretativos dos mediadores técnicos atuantes no Assentamento
Filhos de Sepé, Viamão - RS
Técnicos não-governamentais Técnicos governamentais
Núcleo do Problema Mudar um modelo que gera Chegar a uma agricultura com
86
dependência dos agricultores em relação às agroindústrias e técnicos. Trabalhar por uma maior atuação dos agricultores para a construção deste outro modelo, com uma tecnologia que surge a partir do resgate de sua história e cultura.
sustentabilidade, passando por diferentes etapas (técnicas) para alcançá-la; esta permitirá viabilidade econômica, maior competitividade e melhor retorno econômico para os pequenos agricultores. Entender a região e gerar uma tecnologia adaptada a essa realidade, que permitiria obter produtos mais sadios e mais acessíveis a todos. Necessidade de repensar como os agricultores geram seus conhecimentos.
Metáfora Agricultores que não são e não se sentem artífices de seu próprio destino, não se vêem responsáveis pelos danos ao meio ambiente.
Agricultores fora do mercado sem possibilidades de competir. Além disso, produzem colocando em risco os recursos naturais.
Causas Modelo que provocou a degradação do homem, e tendo na tecnologia o principal responsável por estes efeitos negativos. Somado a um estado que não prioriza a setor agrícola, particularmente a agricultura familiar ou a pequena produção.
Por virem de diferentes regiões e perceber de maneira diferente os ecossistemas, responsabilidade compartilhada entre diferentes níveis do governo, agricultores e o próprio movimento.
Fonte: Dados da pesquisa.
Junto a esta diferença, ao analisar a situação atual da agricultura e suas causas,
aparece uma grande coincidência na terminologia. Por exemplo, ao falar de agricultura
diferente suas percepções apresentam uma menor variabilidade que entre os
agricultores. A maior parte deles fala de uma produção com menos uso de insumos e
que provoque menor dependência dos agricultores. Em geral fala-se de agricultura
diferente em contraposição ao modelo convencional de agricultura industrial moderna.
Outro exemplo é a utilização por parte de todos os técnicos em algum momento
da entrevista do termo “agroecologia”, seja como modelo a ser perseguido, como
tecnologia a resgatar e até mesmo como uma ideologia a defender. Os técnicos,
respondendo alguns a suas próprias convicções, outros porque as instituições onde
trabalham abraçaram esta causa, representam a agenda pública nesta arena específica.
Por sua vez, nenhum agricultor utilizou o termo “agroecologia”, o que demonstra que
ainda o encaixe entre os repertórios é modesto, mesmo percebendo-se alguns pontos de
contato, especialmente entre os produtores que manifestam sensibilidade ambiental com
técnicos de entidades mais próximas a movimento (por exemplo, as vantagens de
87
produzir em uma área de proteção ambiental, para valorizar os produtos). Como o
processo de construção de pacotes interpretativos é dinâmico e contínuo, este encaixe
deverá se fortalecer com o tempo.
Outra coincidência que aparece é com relação a um equilíbrio entre produção e
conservação entre os agricultores, seja por falta de recursos, informação, conhecimentos
ou acompanhamento técnico. Paralelamente, aparece a necessidade de um protagonismo
maior por parte dos agricultores, porém a diferença é que no primeiro grupo de técnicos
se pensa mais no resgate de seus costumes, experiências e história, enquanto que no
outro grupo aparece mais a necessidade de trabalhar com os agricultores e repensar
como estes geram suas aprendizagens.
Ao avaliar os recursos naturais os técnicos utilizam parâmetros mais produtivos,
os qualificativos tendo a ver com sua capacidade de produzir determinados produtos,
enquanto que os agricultores realizam uma avaliação mais comparativa em relação a seu
lugar de origem.
CONCLUSÕES
Neste trabalho analisou-se uma “arena específica” com as interpretações que se
refletem nas respostas dos diferentes grupos de agricultores e dos mediadores técnicos
com relação à questão ambiental, à sustentabilidade e a uma agricultura diferente.
daquela considerada “convencional” (oriunda do processo considerado como
“Revolução Verde”). Trabalhar nas arenas específicas permitiu contextualizar melhor
que quando se fala de “opinião pública”, ou até mesmo de “representações sociais”,
também permitiu observar que estas arenas específicas estão sempre inter-relacionadas,
formando em seu conjunto um sistema de arenas (FUKS, 1997). Assim, nesta análise
não se considerou uma “questão ambiental”, uma opinião pública, mas uma série de
conflitos em arenas específicas, situação da qual emerge a questão ambiental própria a
este contexto, deixando-se de avaliar esta de acordo com os significados “oficiais” ou
“universais”.
Com o desenvolvimento da investigação observou-se uma dissociação entre o
que os agricultores manifestam e o que praticam, a natureza ocupando um lugar no
discurso e outro diferente na ação. Foi necessário redefinir o esquema das práticas
agrícolas, o que permitiu entender as estratégias para finalmente compreender a relação
produção agrícola / conservação ambiental, já que a própria relação produção /
conservação, como é entendida pelos agricultores, tem marcada influência sobre as
estratégias adotadas. Por outro lado, estas estratégias e o que os agricultores manifestam
(o que se reflete nos pacotes interpretativos) têm determinantes em comum, como a
trajetória social dos agricultores, sua estrutura objetiva e subjetiva. Ou seja, quando se
fala de práticas, estratégias e relação produção / conservação, uma não é conseqüência
da outra, senão que se influenciam constante e mutuamente.
89
Os agricultores foram agrupados em duas grandes categorias, aqueles que “não
manifestam sensibilidade ambiental” e os que “manifestam sensibilidade ambiental”.
Entre os primeiros aparece uma minoria onde, apesar de não manifestar um discurso
com sensibilidade ambiental, a natureza ocupa um lugar destacado na organização dos
sistemas produtivos. Já no segundo grupo, os que manifestam sensibilidade ambiental,
destaca-se um grupo majoritário, os que ainda manifestam sensibilidade, mas esta não
se reflete em seus sistemas produtivos.
Os agricultores assentados contam com um repertório cultural já consolidado,
que tem a ver com sua história, experiência e bagagem cultural. Por outro lado, o
discurso público proposto pelos mediadores se soma a este repertório dos agricultores e
vai construindo os pacotes interpretativos. Aqueles agricultores que manifestam alguma
sensibilidade ambiental começam a construir seus pacotes interpretativos, enquanto
aqueles que não manifestam sensibilidade ambiental em seu discurso não conseguem
ainda incorporar a questão ambiental neste processo de construção de pacotes
interpretativos. Para este grupo, ainda o elemento central é a garantia da subsistência e
suas estratégias estão orientadas para este objetivo, enquanto que para o grupo que
manifesta sensibilidade ambiental a subsistência é um objetivo que parece ter sido
alcançado. Para este grupo, até a escolha de atividades é mais definida (aquelas
recomendadas para o assentamento: hortaliças e arroz), com algumas destinadas à
venda, o que lhes permite contar com alguma disponibilidade de dinheiro. Estes
agricultores têm modificado algumas estratégias, como a do trabalho em grupo. Através
da discussão se tomam as decisões, prática que provavelmente tenha a ver com a
experiência de militância no movimento. Por outro lado, os que não expressam
sensibilidade ambiental estão trabalhando individualmente e, ao mesmo tempo, sem
acompanhamento técnico.
No grupo de agricultores que não manifesta sensibilidade ambiental uma
minoria que, apesar de não expressar um “discurso ambiental”; não falando em
produção diferente, orgânica ou ecológica, a natureza ocupa um lugar importante em
suas estratégias, tais como na escolha das atividades, das técnicas, em seus projetos e
até na percepção de sua situação atual.
Observa-se que os recursos materiais, organizacionais e simbólicos disponíveis
para um determinado grupo são em parte os determinantes para que uma questão, neste
90
caso a ambiental, alcance o status de problema social, apesar de ainda existir grupos que
não se organizam, e suas versões alternativas ficam fora da agenda pública. Neste caso,
os que não manifestam sensibilidade ambiental apresentam suas metáforas, imagens,
causas e conseqüências mais ligadas à reprodução familiar que à questão ambiental,
preocupação que manifesta mais marcadamente um dos grupos técnicos, enquanto que a
questão ambiental é um assunto presente em todos os mediadores técnicos. Mesmo
sendo este contexto cultural muito importante na definição da dinâmica do debate, a
questão ambiental é favorecida nesta arena específica pelo resultado de políticas
públicas que estabelecem parâmetros de legitimidade que condicionam o debate
público. As duas dimensões, o debate e a ação, nas estruturas de arenas públicas,
permanecem interligados e reforçando-se mutuamente, já que ações específicas
promovem determinada compreensão do problema. As ações de agências
governamentais orientadas a solucionar problemas sociais, como a criação da APA,
políticas de reforma agrária, definição de público para a assistência técnica,
incentivaram o surgimento da questão ambiental como assunto da agenda pública,
conferindo-lhe legitimidade.
As estratégias, o modo como os agricultores utilizam ou instrumentalizam os
recursos produtivos e as relações com os mercados, têm concordância não apenas com
as variáveis estruturais (estrutura objetiva), mas também com uma série de fatores
socioeconômicos específicos e propriamente ambientais de cada atividade/unidade de
produção e com a trajetória social dos agricultores. As estratégias são as opções
diferentes que têm aquelas unidades com uma estrutura econômica e produtiva
semelhante. Estas são muito influenciadas pela relação produção/conservação como é
entendida pelos agricultores. Assim, suas percepções de elementos como a tecnologia,
uma agricultura diferente, a presença da APA, entre outros, têm marcada influência nas
estratégias que assumem os agricultores.
As estratégias assumidas por aqueles que manifestam sensibilidade ambiental,
tais como a organização grupal para realizar as tarefas, encarar alguma atividade que
permita vender excedentes e contar com recursos financeiros, lhes têm permitido
alcançar uma maior coerência entre suas manifestações e as ações práticas. Hoje contam
com uma parte de sua produção diferente (produtos “orgânicos” ou “ecológicos“) e
estão comercializando fora do assentamento.
91
Por sua vez, aqueles que ainda não refletem o que dizem em suas práticas, as
estratégias ainda não estão claramente definidas, priorizando-se a subsistência,
desenvolvendo atividades que lhes permitam obter recursos financeiros, ainda que
reconheçam que estas atividades não são definitivas. O trabalho grupal não está
consolidado, de maneira que ainda suas ações são mais orientadas por sua experiência
pessoal que pela discussão grupal.
Os que não manifestam sensibilidade ambiental apresentam uma série de
estratégias orientadas a alcançar seu auto-abastecimento, o que se manifesta pelas
atividades que realizam, cultivos para consumo interno e pela maior dotação de animais
de produção para o autoconsumo se comparada ao grupo que manifesta sensibilidade
ambiental. O trabalho familiar é predominante sobre o grupal, as decisões são nesse
âmbito e se trabalha com base no conhecimento e na experiência familiar. O contato
com os técnicos e, também, com outros agricultores, é esporádico.
As estratégias e os pacotes interpretativos de cada grupo têm determinantes em
comum, sua estrutura subjetiva, objetiva e trajetória social. Assim, existe uma forte
relação entre as estratégias assumidas e as interpretações de cada grupo, refletidas em
seus pacotes interpretativos. Por outro lado, estas duas dimensões, a ação e o debate, são
interdependentes e modificam-se mutuamente em uma evolução constante. Assim, os
agricultores que já superam uma série de empecilhos ou situações socialmente
contraditórias (nos quais se destacam seu novo lugar de residência, a organização
grupal, atividades e formas de produção diferentes) alcançaram uma maior coerência
entre suas ações e seus discursos. As ações específicas (estratégias) de este grupo
promovem determinada compreensão do problema, influenciara na opinião de outros
grupos, induzindo estes a incorporar a questão ambiental tanto para construir os pacotes
interpretativos como para encarar ações às estratégias que a contenham.
O lugar que ocupa a natureza na organização de seus sistemas produtivos,
diferente ao que ocupa em suas posições, em um número importante de casos, longe de
ser algo definitivo deve ser entendido como um processo dinâmico, onde tanto as ações
como o debate, se modificam mutuamente. É provável que não exista um ponto em que
se mostrem absolutamente iguais, já que à medida que suas ações se modificam,
também seus discursos são alterados. O que deveria se esperar é que a direção ou
orientação destas duas dimensões seja coincidente e evolua no mesmo sentido. É claro
92
que as ações dos outros atores são de fundamental importância, particularmente as ações
governamentais. A capacitação dos agricultores, o acompanhamento das áreas de
proteção ambiental, a disponibilidade de créditos para a pequena produção, etc,
determinarão, em grande parte, que estas duas dimensões caminhem na mesma direção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho, apesar de tratar-se de um primeiro esforço de compreensão da
realidade nesta área, o que determinou maiores dificuldades para sua realização, reflete
uma realidade complexa, requerendo sua continuação, estudando-se algumas situações
que apareceram durante seu desenvolvimento e que, por não ser parte do objeto de
estudo, não foram abordadas em profundidade.
O problema de pesquisa situou-se em torno da problemática sobre o lugar que
ocupa a natureza nas estratégias que os agricultores assentados escolhem para atingir
seus objetivos. No entanto, optou-se por não caracterizar em profundidade os sistemas
produtivos e suas práticas, aceitando-se o desafio de incursionar em uma área mais
sociológica, ainda que reconhecendo um forte limitante imposto por minha formação
profissional (a agronomia), fato que se refletiu particularmente na dificuldade do ponto
de vista do enquadramento teórico-conceitual do trabalho e a análise, requerendo um
esforço adicional não só pessoalmente mas também em termos de orientação acadêmica.
Com a continuidade da pesquisa observou-se que existia, em um número
importante de casos, uma incoerência entre o que realizavam e o que diziam os
agricultores, surgindo assim a necessidade de se analisar mais exaustivamente suas
posições frente a determinados assuntos e obrigando a investir mais em temas como os
discursos, os pacotes interpretativos e as arenas, o que não se insistiu demasiado no
início da pesquisa.
Uma interrogação se mantém: é possível conciliar a produção e a conservação,
particularmente no caso dos pequenos agricultores, sem que isso se converta em um
condicionante a mais na sua já difícil situação? Durante as entrevistas, os agricultores
94
manifestaram que tanto o governo como a sociedade, exigem deles atitudes e ações de
preservação que não são exigidas de outros setores da mesma sociedade.
É importante que se modifiquem os valores dessa sociedade, incorporando a
natureza ao cotidiano, não apenas dos agricultores, mas da sociedade em seu conjunto,
permitindo o favorecimento de uma agricultura alternativa aos padrões industriais
convencionais não apenas em relação aos meios de produção, mas fundamentalmente às
relações sociais.
Porto Alegre, RS, Brasil, agosto de 2001.
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99
ANEXOS
100
ANEXO 1
Referências: Escala 1cm : 1000m
Verde: Área de Proteção Ambiental (Mata nativa) Amarelo: Área de moradia (Área alta) Fonte: Diagnóstico da realidade agrária e proposta de desenvolvimento rural. Viamão – RS (Agosto 2000). PCT INCRA/FAO – UTF/BRA. 051/BRA.
101
ANEXO 2
MODELO DE QUESTIONÁRIO PARA AGRICULTORES
QUESTIONÁRIO Data ___ / ___ / ___ Nº ..................
BLOCO 1 – IDENTIFICAÇÃO DO AGRICULTOR E SUA FAMILIA -
HISTÓRICO SOCIOECONÔMICO - PRODUTIVO.
1.1. Nome do entrevistado ..........................................................................Setor........... Natural de onde? ....................................Aonde morava?......................................... Qual era sua ocupação anterior?............................................................................... Se era agricultor, que atividades realizava?............................................................... ................................................................................................................................. Trabalhou como empregado ou era proprietário?......................................................
1.2. Constituição familiar
Nome Parentesco Sexo Idade Instrução
1)1º incompl 2)1º compl 3)2º incompl 4)2º compl 5) Superior
Ocupação principal 1) Agrícola 2) Não agrícola 3) Trabalha fora 4) Estuda
1.3. Que critérios levou em conta para escolher este assentamento e este setor para morar? .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................
102
BLOCO 2 - CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO SISTEMA
PRODUTIVO.
2.1 Terra
Hectares Observações Área Total Área agrícola útil Área para moradia Área com mata Área não utilizável Parte do ano Todo o ano
2.2 Estrutura econômica produtiva 2.2.1 -Recursos Naturais com que conta: 2.2.1.1.Localizado dentro do setor.............................................................................................. 2.2.1.2.Descrição de alguma particularidade em relação ao geral ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2.2.1.3.Em relação ao lugar de onde você vem, quais são as diferenças mais importantes? Isso mudou sua maneira de trabalhar a terra? ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 2.2.1.4.Utiliza fogo? Nunca ( ) Às vezes ( ) Freqüentemente ( ) Sempre ( ) 2.2.1.5.Com que fim? ...................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2.2.1.6.Realizou algum desmatamento em sua área? (.........) Sim (.........) Não Quanto? .......................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................
103
2.2.2 -Capital: Máquinas e implementos Principais
características Idade Ano de
aquisição Propriedade 1) Individual 2) Grupal
Observações
Trator Ceifadeira automotriz Plantadeira Trilhadeira Implementos p/ trator Carretão / carroça Veículo p/ serviço Motor Motosserra Sistema irrigação Benfeitorias Nº Área
(m2) Tipo 1) Madeira 2) Alvenaria 3) Mista
Propriedade 1) Individual 2) Grupal
Observações (Estado)
Galpões Paiol Chiqueiro Aviário Silo Esterqueira Estufas Outras
104
Animais (*) Nº Finalidade 1) Venda 2) Consumo 3) Venda Serviços
Propriedade 1) Individual 2) Grupal
Observações
Boi de trabalho Boi de comércio –1 ano Touros
Vacas
Novilhos e terneiros
Suínos
Cachaço Porcas (matriz) Leitões
Aves
Corte Postura Outros Ovinos Caprinos Cavalos Peixes Abelhas (Cxas) (*) Inclui animais que formam parte do circulante 2.2.3 -Relação com os mercados: INSUMOS Quantidade De quem compra
1)Comércio zona 4)Outros 2)Cidades 3)Cooperativas
Financiamento 1)Próprio 4)Outros 2)Troca – troca 3)Crédito comercial
105
PRODUTOS Autoconsumo Venda 1)Comércio zona 4)Feiras diretas 2)Cidades 5)De quem compra 3)Cooperativas os insumos
Observações
Que informações utiliza para a venda de seus produtos? ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... Vende seus produtos a quem compra os insumos? .......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... Quais são suas fontes de informações (jornais, TV, revistas, profissionais, outras). ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... 2.2.4 - Características da produção: 2.2.4.1.Atividades agrícolas e seu manejo técnico
Principais Culturas Área Produção Semente
1)Própria 2)Híbrida 3)Outra
Semeadura 1).Manual 2).Mecânica
Colheita 1).Manual 2).Mecânica
Tratamentos culturais 1)Fogo 2)Tipo preparo do solo
Adubos Nome Para que cultura Quantidade Momento Quem
recomendou
106
Agrotóxicos Nome Para que cultura Quantidade Momento Quem
recomendou 2.2.4.2Atividades Pecuárias e seu manejo técnico
Principais criações Manejo técnico (especificar) 2.3. Formas e tipo de unidade de produção
2.3.1.Recebeu créditos (........) Sim (........) Não 2.3.1.1.Quem financiou? .................................................................................................................. 2.3.1.2.Foi de fácil obtenção (tramitação)?........................................................................................ 2.3.1.3.Para que utilizou? ................................................................................................................. 2.3.1.4.Com que juros?...................................................................................................................... 2.3.1.5.Teve ou tem problemas para pagar esse crédito?..................................................................... 2.3.2.Recebe dinheiro de fora da unidade de produção? Quais? ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 2.3.3. Tem algum tipo de dívidas? Com que setor (comercial, financeiro, outro). ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... Observações:
107
BLOCO 3- ORGANIZAÇÃO PARA O TRABALHO
3.1.Tipo de mão de obra Tipo Quantidade Períodos no ano
(Quantidade - época) Principal atividade que desempenha
Familiar Assalariada permanente Assalariada transitória Ajuda mútua Outras 3.2.Organização 3.2.1.Tem algum tipo de integração ou organização com outros agricultores? Qual? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.2.Para que atividades? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.3.Quais são as vantagens? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.4.Quais os problemas? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.3.Quem toma as decisões (agricultor, a família ou técnico)? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.4.Tem assistência técnica, como? Qual é sua opinião (críticas, aspectos positivos)? Qual é a contribuição do técnico para sua produção?. ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ BLOCO 4 - EXPECTATIVAS E PROJETOS FAMILIARES 4.1.Gosta do que faz? O que mais o senhor gosta de fazer? Por que continua nesta atividade? ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... .........................................................................................................................................................
108
4.2.Quais são seus planos e/ou projetos para o futuro? ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 4.3.Como vê sua situação atual se comparada com aquela de 10 anos atrás? ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 4.4.Que pensa em relação ao futuro de seus filhos? (devem seguir na agricultura ou devem buscar outras atividades) ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... BLOCO 5 – RELAÇÃO PRODUÇÃO AGRÍCOLA – CONSERVAÇÃO AMBIENTAL 5.1.Como escolheu as atividades que hoje realiza? Por que escolheu essas atividades? (Ver se aparece algumas das razões em relação à questão ambiental) ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.2.Quando o Sr pensa em “tecnologia” o que lhe vem à cabeça? (importância, efeitos
sobre o ambiente, necessária, etc)
......................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
......................................................................................................................................................
...................................................................................................................................................... 5.3.Como avalia a qualidade de suas terras? Quais indicadores usa? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.4.Utiliza – se de técnicas de conservação do solo? Quais? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.5.Como escolhe as técnicas que vai utilizar? (a de menor custo, a que conhece mais, a que afeta menos ao ambiente, etc) Sempre tem feito isso? ......................................................................................................................................................
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5.6.Acha que deveria produzir de outra maneira? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.6.1.De acordo com a resposta anterior, essa produção “diferente” (natural, orgânica, ecológica, etc), é importante? Por quê? (Ver quais são as razões, uma forma de cuidar da saúde, ao ambiente, etc ou uma forma de conseguir melhores mercados e preços, ou ambas) ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.Sabe que parte das terras do assentamento estão dentro de uma Área de Proteção Ambiental? (......) Sim (.....) Não 5.7.1.Que pensa das APAs? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.2.Conhece a regulamentação das APAs? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.3.Acha que existem outras formas de proteger a natureza? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.4.Qual é sua posição sobre as áreas de reserva florestal? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.5.Tem área de reserva florestal em seu lote? Pensa conservá-la? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.6.A existência da APA coloca alguma dificuldade para desenvolver seu trabalho? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................
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ANEXO 3
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA MEDIADORES TÉCNICOS I Em Relação a sua formação
Profissão Onde se formo (grado, pós-grau, etc) Quando? Que considera como uma deficiência em sua formação? II Em relação à tecnologia
Como define tecnologia? Existem diferentes tecnologias? Existem umas melhores que outras? Com que criterio as classifica e com qual as qualifica? Qual é o “modelo” que recomendaria a os agricultores deste assentamento (Águas Claras) III Em relação à Sociedade
Qual é a relação entre a(s) tecnologia(s) pregoadas e o projeto político ou de sociedade do mediador? Qual é o rol da tecnologia para transformar o social? IV Em relação a os Sistemas produtivos
Para você, qual é a situação da Agricultura hoje? (Observar que aspectos destaca econômico, social, ambiental, etc) Como define uma agricultura orgânica, ecológica, “diferente”? Acredita que é importante produzir dessa forma? Por que? V Em relação a os recursos naturais
Como qualifica os recursos naturais com que contam os agricultores do assentamento? Para você, como é a relação dos agricultores com esses recursos? (conhecimentos, adaptação, negação, etc) A presença de uma Área de proteção Ambiental modifica sua maneira de trabalhar? Em que aspectos?