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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL AGRICULTURA FAMILIAR E MEIO AMBIENTE: POSIÇÕES SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE AGRICULTORES ASSENTADOS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL Maria Sergia Villaberde Orientador: Prof. Dr. Jalcione Almeida Porto Alegre 2002

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Agricultura familiar e meio ambiente: posições sociais e estratégias de agricultores assentados em Área de Proteção Ambiental. MARIA SERGIA VILABERDE Orientador: Prof. Dr. Jalcione Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS Faculdade de Ciências Econômicas - Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Rural. Dissertação. Porto Alegre, 2002.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL

AGRICULTURA FAMILIAR E MEIO AMBIENTE: POSIÇÕES SOCIAIS E ESTRATÉGIAS DE AGRICULTORES ASSENTADOS

EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Maria Sergia Villaberde Orientador: Prof. Dr. Jalcione Almeida

Porto Alegre 2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL

AGRICULTURA FAMILIAR E MEIO AMBIENTE: POSIÇÕES SOCIAIS E

ESTRATÉGIAS DE AGRICULTORES ASSENTADOS EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Maria Sergia Villaberde Orientador Prof. Dr. Jalcione Almeida

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural como quesito parcial para obtenção do Grau de Mestre Desenvolvimento Rural - Área de Concentração em Agricultura, Meio Ambiente e Sociedade.

Série PGDR - Dissertação n.º 010 Porto Alegre

2002

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO RURAL

A Banca Examinadora abaixo relacionada aprovou, no dia 31 de agosto de 20001, a Dissertação de Maria Sergia Villaberde com o título Agricultura familiar e meio ambiente: posições sociais e estratégias de agricultores assentados em área de proteção ambiental como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Desenvolvimento Rural - Área de Concentração Agricultura, Meio Ambiente e Sociedade.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Jalcione Pereira de Almeida (Orientador- Presidente) Prof. Dr. Gustavo Henrique Merten ( UFRGS) Prof. Dr. Lovois de Andrade Miguel (UFRGS) Prof. Dr. Roberto Verdum ( UFRGS)

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iv

AGRADECIMENTOS

Aos agricultores do Assentamento "Filhos de Sepé" e suas famílias, por sua

disposição para colaborar com a realização deste trabalho. De igual modo, aos

mediadores técnicos das organizações com as quais estabeleci contato.

À comunidade do PGDR, seus administrativos, professores e, particularmente,

aos meus colegas pelo apoio recebido. Gostaria de destacar o esforço e dedicação de

meu orientador, professor Jalcione Almeida, como assim também os inestimáveis

aportes recebidos do Prof. José Carlos Gomes dos Anjos.

À minha família, em especial minha mãe, meu companheiro e meu filho, por sua

infinita paciência e compreensão.

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v

SUMÁRIO

Páginas

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 01

1 PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO ............................................................... 04

2 REFERENCIAL CONCEITUAL .............................................................. 06

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................... 19

4 POSIÇÕES DOS AGRICULTORES E TÉCNICOS EM RELAÇÃO À QUESTÃO AMBIENTAL E SEUS FATORES DETERMINANTES ........

4.1 Características do contexto da situação analisada .............................................

4.1.1 Descrição da região........................................................................................

4.1.2 Caracterização do assentamento ...................................................................

4.1.3 Instituições e mediadores relacionados ao assentamento ..............................

4.2 Origem e trajetória social dos agricultores .......................................................

4.3 Características estruturais dos sistemas produtivos implementados.................

4.3.1 Recursos naturais ..........................................................................................

4.3.2 Capital ...........................................................................................................

4.3.3 Relação com os mercados ..............................................................................

4.3.4 Créditos e rendas ...........................................................................................

4.3.5 Características dos sistemas de cultivo .........................................................

4.3.6 Características dos sistemas de criação .........................................................

4.3.7 Organização para o trabalho ..........................................................................

4.3.8 Projetos e aspirações sociais ......................................................................

4.3.9 Relação produção agrícola /conservação ambiental ......................................

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52

5 A RELAÇÃO PRODUÇÃO / CONSERVAÇÃO ENTRE OS AGRICUL-TORES INVESTIGADOS E A POSIÇÃO DOS MEDIADORES TÉCNI-COS ..................................................................................................................

5.1 A sensibilidade ambiental entre os agricultores assentados .............................

61

61

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vi

5.2 Análise de posições e estratégias em cada grupo e sua relação produção/ conservação ......................................................................................................

5.2.1 Estrutura subjetiva .........................................................................................

5.2.2 Estrutura objetiva ...........................................................................................

5.2.3 Trajetória social dos agricultores ..................................................................

5.3 Pacotes Interpretativos dos agricultores ...........................................................

5.4 Posições dos mediadores técnicos ....................................................................

66

67

73

75

78

80

CONCLUSÕES ..................................................................................................... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 93

BIBLIOGRAFIA CITADA E CONSULTADA ................................................. 95

ANEXOS ................................................................................................................ 99

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vii

LISTA DE QUADROS

Páginas

Quadro 1: Diferentes situações sociais contraditórias e potencialmente conflituosas para os agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ................................................................................

15

Quadro 2: Aspectos abordados nas entrevistas com os agricultores – Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS......................................................

24

Quadro 3: Lugares de origem dos agricultores entrevistados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ................................................................

36

Quadro 4: Vantagens e desvantagens de cada um dos setores do assentamento, segundo os agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ..........................................................................................

38

Quadro 5: Posições dos grupos de agricultores assentados frente aos diferentes eixos de análise – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS .............

72

Quadro 6: Variáveis da estrutura objetiva dos diferentes grupos de agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ....................

74

Quadro 7: Trajetória social dos grupos de agricultores assentados – Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS ......................................................

76

Quadro 8: Pacotes interpretativos dos grupos de agricultores assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão – RS ..........................................

80

Quadro 9: Pacotes interpretativos dos mediadores técnicos atuantes no Assenta- mento Filhos de Sepé, Viamão – RS .....................................................

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viii

RESUMO

A questão ambiental é uma expressão que tem na flexibilidade sua maior força,

com uma grande riqueza simbólica e capacidade para provocar mobilidade social a

partir de sua discussão. Mas qual é o verdadeiro sentido que esta tem para os

agricultores? Como entendem esta questão ambiental tão mencionada, particularmente

pelos mediadores técnicos? O presente trabalho objetiva entender a questão ambiental

analisando o lugar que a natureza ocupa na organização dos Sistemas Produtivos dos

agricultores do Assentamento de Viamão, Águas Claras, no Rio Grande do Sul. O lugar

que a natureza ocupa estima-se a partir de parâmetros como a avaliação dos Recursos

Naturais que realizam, como escolhem suas atividades e as técnicas que utilizam, sua

posição em relação a uma agricultura diferente, à Área de Proteção Ambiental, à

tecnologia. Agruparam-se os agricultores segundo a manifestação ou não de

sensibilidade ambiental. A primeira constatação foi que o lugar que ocupa a Natureza na

prática é diferente ao que ocupa no discurso. A partir das posições dos agricultores, se

conformam os “Pacotes interpretativos” analisados como as interpretações da questão

ambiental dos diferentes grupos. Analisa-se a situação como uma arena especifica, na

qual as ações e discurso dos atores presentes influenciam-se mutuamente. Entre as

conclusões, destaca-se o predomínio da propriedade como a principal relação com a

natureza. O que se reflete na presença de duas Naturezas: a própria e a que conforma o

“meio ambiente”. Por sua vez, a Natureza ocupa um lugar no discurso e outro na ação.

Por último, não existe uma relação linear (uma determina à seguinte), entre as práticas

agrícolas, as estratégias e o discurso, pelo contrário, têm determinantes comuns, como

estrutura objetiva, subjetiva e trajetória social. Além disso, apresentam uma forte

interdependência.

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ix

ABSTRACT

The environmental issue is an expression that has in its flexibility its greatest

strength, presenting a great symbolic richness and capacity to promote social mobility

from its discussion. But what is the real meaning of this expression for the agricultural

workers? How do they understand the environmental issue that has been discussed a lot,

particularly by technical mediators? The present study aims to understand the

environmental issue by analyzing the place nature occupies in the organization of the

agricultural workers’ Productive Systems in the Viamão settlement, Águas Claras, in

the state of Rio Grande do Sul. The place nature occupies is estimated from parameters

like the evaluation they make of the natural resources, how they select their activities

and techniques, and their position in relation to a different agriculture, to the

environmental protection area, and to the technology. The agricultural workers were

grouped according to whether they manifested, or not, a sensitivity to the environment.

The first thing that was possible to verify is that Nature occupies different places in

practice and in discourse. The interpretive Packages analyzed as the interpretations of

the environmental issue of the different groups were formed from the agricultural

workers’ postures. The situation is analyzed as a specific arena where the actions and

discourse of the present actors influence each other. The predominance of property as

the main relation to nature is outstanding among the conclusions, which is reflected in

the presence of two natures: nature itself, and the one that forms the environment.

Nature, in its turn, occupies a place in discourse and another one in practical actions.

Finally, there is no linear relation (one determines the following) between agricultural

practices, strategies, and discourse; on the contrary, there are common determinants, as

the objective and subjective structures, and the social trajectory. Moreover, they present

a strong interdependency.

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INTRODUÇÃO

Neste trabalho se pretende estabelecer qual é a posição que a natureza ocupa nos

sistemas produtivos agrícolas, através da análise das práticas e manifestações de

agricultores. Isto permitirá entender como os agricultores pensam e atuam em relação à

questão ambiental, termo de muitos significados e que possui em cada situação uma

conotação particular. Analisam-se particularmente as situações onde os agricultores

devem encarar um processo produtivo que lhes permita sua reprodução, com fortes

limitações de estrutura, como por exemplo, escassez de recursos materiais e naturais.

Com é o caso dos agricultores familiares do assentamento Filhos de Sepé de Aguas

Claras, Viamão, Rio Grande do Sul.

A estas deficiencias se somam importantes restrições de uso dos recursos

naturais ja que o assentamento forma parte de uma Área de Proteção Ambiental (APA).

Em relação a esta forma de preservação a Lei Federal 6.902, establece que são

porciones do território nacional com diferente configuração e tamanho, além de

modalidades de manejos diferentes, com características notáveis dotadas de atributos

bióticos, estéticos ou culturais que exijam proteção.

Parte do objetivo deste trabalho é entender a conotação da questão ambiental, no

assentamento, entre os agricultores e outros atores e mediadores sociais, em uma “arena

específica”, o que permite contextualizar melhor que quando se fala da opinião publica,

ou até representações sociais. Destas “arenas” emerge uma questão ambiental própria de

este contexto, deixando-se de avaliar sim estas interpretações coincidem com

significados “oficiais” ou “universais”. Além disso, se busca entender como estas

diferentes conotações da questão ambiental influenciam na hora da escolha de

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2

estratégias que terminam afetando os resultados obtidos por famílias em seus sistemas

produtivos.

Uma das motivações para realizar esta investigação surgiu da extensão rural,

área onde desempenho meu trabalho profissional, na qual através de uma série de

métodos e técnicas se objetiva que o produtor desenvolva determinadas habilidades ou

incorpore conhecimentos técnicos. Apesar de uma ampla gama de objetivos e

metodologias utilizadas, desde as mais condutivistas/dirigistas até as mais

construtivistas, do ponto de vista pedagógico adotado, não se considera como o

agricultor entende a sua realidade e o porquê de suas ações, além do que a interpretação

destes parâmetros é objeto de controvérsia. A hermenêutica, área que diz respeito à

teoria e a prática da compreensão em geral, e a interpretação de significados de textos e

ações em particular, é geralmente negligenciada. Neste trabalho tenta-se entender como

os agricultores entendem sua realidade a partir de uma perspectiva interpretativista,

evitando os enfoques que defendem uma visão utilitarista dos agricultores.

O primeiro capítulo trata do problema de investigação e de uma descrição do

assentamento “Filhos de Sepé”, objeto de estudo, escolhido em um primeiro momento,

além de sua proximidade com Porto Alegre, por suas caraterísticas particulares como

por exemplo a presença de uma Área de Proteção Ambiental dentro do assentamento.

Pensou-se que esta APA era, junto com a inadequada dotação de recursos materiais, os

principais limitantes, mas com o desenvolvimento da investigação se comprovou que as

caraterísticas próprias dos recursos naturais eram para os agricultores suas principais

limitantes, e as principais componentes de “sua” questão ambiental.

No segundo capítulo se realiza uma reflexão sobre conceitos e termos utilizados

como suporte de análise deste trabalho. Já no capítulo três, se explicam detalhadamente

os procedimentos metodológicos utilizados para realizar a investigação: elaboração e

características dos instrumentos utilizados, entrevista, roteiro de perguntas, construção

da amostra e seleção dos casos, conformação dos grupos de agricultores, critérios, eixos

analíticos, posição de mediadores técnicos e construção dos paquetes interpretativos.

Mencionam-se também as dificuldades encontradas e como foram superadas.

No quarto capítulo se descreve o contexto da situação analisada, da trajetória dos

agricultores e as principais características dos sistemas produtivos, como sua dotação de

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3

recursos, relação com os mercados, produção vegetal e animal, organização para o

trabalho, projetos e expectativas.

O quinto capítulo é mais analítico, nele se analisam as posições dos grupos de

agricultores e suas estratégias, suas estruturas objetivas, subjetivas e trajetórias sociais,

parâmetros determinantes de seus pacotes interpretativos e de suas estratégias.

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1 PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO

O assentamento “Filhos de Sepé” ocupa uma área de 9.406 ha, estando

localizado na bacia hidrográfica do rio Gravataí, em Águas Claras, município de

Viamão, zona metropolitana de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul.

Vivem ali 376 famílias, divididas em quatro grupos, autodenominados A (112 famílias),

B (30 famílias), C (115 famílias) e D (108 famílias). Este é o maior assentamento do

estado. As famílias chegaram ao local em dezembro de 1998.

O assentamento apresenta uma situação extremamente particular pois, foi criado

dentro de uma Área de Proteção Ambiental, a APA do Banhado Grande1. Neste caso, a

busca de sistemas produtivos deve levar em consideração as limitações previstas pela lei

ambiental no caso das Áreas de Proteção Ambiental. O assentamento em questão

apresenta-se, portanto, em função de seu tamanho e de sua situação ambiental, como um

desafio de grande importância não só para os assentados e técnicos que ali trabalham,

mas para a sociedade em seu conjunto.

As famílias que compõem o assentamento se encontram em uma situação em

que se combinam, por um lado, a necessidade de encarar um processo produtivo que

lhes permita sua reprodução, com limitações estruturais muito fortes, como a

insuficiente dotação de recursos produtivos (desde máquinas e equipamentos até

recursos financeiros), e características agroecológicas que limitam as possibilidades de

desenvolver certas atividades produtivas. Por outro lado existem, pelo fato do

assentamento estar inserido numa APA, fortes restrições ao uso dos recursos naturais.

Planeja-se analisar como as famílias resolvem estas demandas, tanto de reprodução

1 A referida APA ocupa cerca de um terço da área total do assentamento. Para maiores detalhes, ver item 4.1.2 a seguir.

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social como de proteção ambiental, antagônicas, embora tenham forte interdependência,

uma vez que o deterioramento de uma levará ao deterioramento da outra.

Em uma situação de fortes limitações estruturais e limitações nos usos dos

recursos naturais, como estas famílias pensam e praticam a organização de seus

sistemas produtivos? Como planejam sua relação com a natureza, concretizada na

relação entre produção/conservação (ou proteção do meio ambiente)? Como pensam

conciliar estes aspectos? Que lugar ocupam os aspectos ambientais nas decisões ou

eleições de alternativas que realizam as famílias nos sistemas de produção? As

representações dos demais atores sociais envolvidas direta ou indiretamente ao

assentamento são contraditórias às dos agricultores? Opõem-se a seus interesses?

A hipótese principal que orienta este trabalho é que familias com similar dotação

e disponibilidade de recursos productivos (naturais, capital e trabalho), podem alcançar

distintos resultados sócio - econômicos, segundo as estratégias que assumem. Estas,

dependem de numerosas variáveis, entre elas destacam-se como as famílias entendem a

relação produção / conservação.

Em síntese, se pretende analisar como estes agricultores pensam e praticam a

organização de seus sistemas produtivos, como planejam sua relação com a natureza,

concretizada na relação entre produção agrícola/conservação (ou proteção do meio

ambiente).

Através da análise dos sistemas produtivos se buscará compreender que lugar

ocupa a questão ambiental nas decisões que tomam os agricultores e como estas

influenciam na escolha de diferentes estratégias para alcançar seus objetivos.

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2 REFERENCIAL CONCEITUAL

Os elementos conceituais referenciados ao longo do capítulo foram os que se

utilizaram na reflexão teórica que acompanhou a análise dos dados obtidos da situação

empírica. É esta combinação dados e reflexão, somada à revisão bibliográfica, que

permite avanços teóricos, integrando um processo de investigação global.

Agricultura familiar

A agricultura familiar teve (e ainda hoje tem) diferentes conotações, gerando

intermináveis discussões, não somente em relação a sua permanência ou não no

desenvolvimento capitalista, mas também sua definição é objeto de diferentes

interpretações. Mais recentemente o debate centrou-se no seu papel, já não como

produtora de alimentos, mas como aquela que poderá reverter o grave processo de

deterioração que sofre o meio ambiente.

No Brasil, permanecem ainda muitas dúvidas com respeito à utilização do termo

“agricultura familiar”. Pode-se notar que em sua evolução, substitui outras idéias

utilizadas na produção científica nas últimas décadas. A maior afirmação deste conceito

se deu por duas vias, segundo SCHNEIDER (1999). Uma via, no campo político,

relacionada aos movimentos sociais, principalmente o sindicalismo rural, e, por outro

lado, através de alguns trabalhos acadêmicos que passaram a buscar novas referências

teóricas e analíticas. De qualquer modo, mantém-se esta noção para caracterizar grupos

de agricultores com pequenas extensões de terra que utilizam fundamentalmente

trabalho familiar nos processos produtivos. SCHNEIDER (1999) atribui isto ao forte

peso do marxismo clássico nos estudos do mundo rural. Assim, desde meados da década

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de 1950 até o final da década de 1960, a discussão se centrava nas relações de produção

no campo (a chamada “questão agrária”), onde se utilizava a noção de camponês, que

abarcava pequenos proprietários, arrendatários, meeiros, etc., noção esta fortemente

impregnada de conteúdo político-ideológico. Na década de 1970 os proprietários de

pequenas extensões de terra identificados como minifundistas, passaram a ser

“pequenos produtores”. Isto acontecia enquanto surgia uma ideologia que estimulava a

modernização tecnológica destes setores, de modo que existia uma convivência de

ambos os conceitos: pequena produção, mais operacional, e camponeses, como uma

categoria mais teórica. Na segunda metade da década de 1970 surgem os estudos

inspirados na “teoria da economia camponesa”, baseados em CHAYANOV (1974,

1981), apud SCHNEIDER (1999) que, apesar de romperem com a tradição marxista

clássica, continuavam com a visão de que os camponeses mantinham uma articulação

com o sistema econômico dominante, apesar de seus mecanismos específicos de

funcionamento manterem uma relação subordinada ao capital.

Já na década de 1980, continua SCHNEIDER (1999), adiciona-se ao conceito de

pequena produção as noções de “integração” e “exclusão”. Os “integrados” eram

aqueles que se ligavam às agroindústrias e mercados consumidores. Os “excluídos”

eram aqueles que não participaram do processo de modernização. Estas categorias

reforçavam uma visão marxista que explicava a expansão capitalista, provocando um

processo de diferenciação social.

O trabalho realizado por KAGEYAMA e BERGAMASCO (1989) propõe uma

tipologia para analisar a estrutura de produção na agricultura com base nas relações de

trabalho predominantes, trabalhando com dois subconjuntos: a) estabelecimentos

dirigidos por um administrador e aqueles que não utilizam mão-de-obra familiar não

remunerada, a que chamaram de “Empresas Capitalistas”; e b) estabelecimentos que

não são dirigidos por um administrador contratado e que utilizam necessariamente mão-

de-obra familiar, a que chamaram “Conjunto Familiar”, dirigidos pelo produtor.

Devido à heterogeneidade da produção familiar, deve-se diferenciar esta

categoria. Através do peso relativo do trabalho contratado, externo à família, surgem

assim três tipos: a) familiares puros; b) familiares complementados por empregados

temporários; e c) empresas familiares com trabalho externo e permanente. Este trabalho

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considera a existência de estabelecimentos familiares e empresariais, deixando de lado a

polaridade minifúndios/latifúndios e pequenos/grandes.

Após este trabalho KAGEYAMA e BERGAMASCO, explica SCHNEIDER

(1999), surgem outros já nos anos 1990, como o realizado pela FAO e pelo INCRA

(1994), cujo objetivo foi o de determinar diretrizes para um modelo de desenvolvimento

sustentável, sugerindo outra classificação dos estabelecimentos agropecuários,

separando-os em dois modelos: “patronal” e “familiar”. O primeiro se caracteriza pela

completa separação entre gestão e trabalho, pela organização descentralizada e ênfase

na especialização produtiva, uso de práticas padronizáveis e trabalho assalariado. O

modelo familiar, por outro lado, apresentava uma relação íntima entre gestão e trabalho,

direção do processo produtivo a cargo dos proprietários, ênfase na diversificação

produtiva e na durabilidade dos recursos e qualidade de vida, utilização de trabalho

familiar (assalariado apenas como complementar) e tomada de decisão imediata. Os

estabelecimentos familiares foram separados em três subcategorias: familiar

consolidada, em transição e periférica.

Em termos gerais, ao referir-se à agricultura familiar, se faz referência àquela

que cumpre com os requisitos de oferecer alimentos baratos e de qualidade e reproduzir-

se de forma mais ou menos autônoma. Ainda que às vezes provenha de uma evolução

de formas camponesas, se distinguem destas por sua inserção em ambientes

marcadamente capitalistas ABRAMOVAY (1997) apud SCHNEIDER (1999).

LAMARCHE apud GEHLEN (1998), se refere às características do produtor

familiar moderno, ou “colono”, nos seguintes termos:

“A adoção da referência de produtor moderno o aproxima do tipo ideal de empresário, sem abandonar sua condição identitária fundamental, pois ao definir-se pela conduta de tipo empresarial estabelece não somente outras relações com o trabalho, com a família, com a produção, com o mercado, mas também outras relações com a terra, com o espaço e com o tempo. De fato, ele forja uma outra concepção dele mesmo e de sua profissão. Nesta perspectiva, a prioridade à geração de mercadorias sem realizar a acumulação capitalista, visa em primeiro lugar reproduzir a família e o patrimônio (material, social e cultural) melhorando a qualidade de vida e, complementarmente, produzindo a sua subsistência” (GEHLEN, 1998) (sublinhado por M.S.V.)

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Do mesmo modo, para o agricultor familiar tradicional, ou “caboclo”, o mesmo

autor afirma:

“Para o agricultor familiar tradicional (que podemos idealizar na figura do caboclo), o trabalho é necessário, porém parte relativa da vida. É o fluxo da vida que comanda o uso do tempo o qual subordina o trabalho. Por isso, as técnicas de produtividade pouco significam. Estabelece uma relação com o natural que o torna parte de si mesmo e sua preservação é essencial para o espaço – tempo da vida. O trabalho, para esta concepção, não pode destruir a natureza substituindo-a por uma cultura estranha, como o fizeram os colonos imigrantes. O excedente é produzido para garantir a reprodução familiar e a qualidade de vida. A terra é espaço e lugar de vida, necessária para a reprodução biológica, social e religiosa (acredita nos espíritos da natureza), da família em sua acepção ampla que inclui o compadrio. Juntamente com a natureza a terra é condição da identidade. O trabalho, se orienta pela lógica da subsistência familiar, assemelhando-o ao que a literatura tradicional chama de camponês, por nós denominado de “modelo caboclo” (GEHLEN, 1998) (Sublinhado por M.S.V.)

Esta breve revisão de diferentes autores sobre a agricultura familiar é eloqüente

a respeito da heterogeneidade que existe sob este termo. Contudo, se pode observar que

apesar das diferenças que existem dentro da categoria de “agricultores familiares”,

especialmente na sua relação com a terra, ao trabalho, a natureza, aos mercados,

permanece o objetivo da reprodução como característica importante.

A “reprodução”, objetivo principal dos agricultores familiares, implica

diferentes dimensões: 1) a “sobrevivência da família”, o que significa cumprir as

necessidades básicas; 2) a “reprodução da família”, às vezes, ainda que não de maneira

coincidente, envolve a “questão ambiental”; e 3) a “reprodução da sociedade”, de onde

a questão ambiental adquire um significado transcendente.

Questão ambiental

A “questão ambiental” faz referência a um termo com uma grande riqueza

simbólica e capacidade para provocar mobilidade social (JOLLIVET, 1994). A partir de

sua discussão se tem gerado mudanças de uma magnitude e alcance globais, sem

precedentes. Através deste debate se chegou a própria discussão sobre “meio ambiente”

e “sustentabilidade”.

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A questão ambiental apresenta, para COSTABEBER (1999), reivindicações de

grupos ambientalistas (desde o final da década de 1960) chamando a atenção sobre

conflitos ambientais, demandando políticas públicas para regulamentar estas situações.

Também no plano acadêmico, continua COSTABEBER, surgiram trabalhos como o

informe “Limites do Crescimento” (1972), elaborado por uma equipe do Massachussets

Institute of Technology e pelo Clube de Roma, colocando em questão a possibilidade de

manter-se o crescimento econômico baseado no consumo ilimitado dos recursos

renováveis e na capacidade tecnológica de superar os problemas ecológicos que

surgiram.

As evidências que já não somente eram de ordem física, adquiriam maior

magnitude, conferindo à questão ambiental sua inserção no espaço público, ganhando

maior terreno através da criação de secretarias, ministérios e, até no âmbito político,

com o surgimento dos partidos verdes. Surgem eventos, afirma COSTABEBER (1999),

que foram de suma importância neste processo de institucionalização, alguns dos quais

adquirem uma dimensão internacional, como a Conferência das Nações Unidas sobre o

Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, onde se começou a discutir

esta questão como interação entre o ambiente natural e social. Já nos anos 1980 houve

tentativas de incorporação desta questão nos programas de desenvolvimento: o trabalho

da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, através da

publicação do Relatorio Brundtland, em 1987, é a referência mais aceita sobre a qual se

consolidou o Desenvolvimento Sustentável como estratégia para enfrentar a

problemática ambiental. No início da década de 1990 se realizou no Rio de Janeiro a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992),

onde se alcançou um maior acordo oficial em torno do Desenvolvimento Sustentável, e

se adotou um programa de ação a longo prazo, sugerindo a transição para a

sustentabilidade.

Nos últimos 20 anos se incorporou no debate o termo “meio ambiente”. Apesar

da sua recente inclusão, é um termo que encerra questões que já se debatiam antes de

obter-se este rótulo. Hoje, seu significado apresenta uma amplitude que permite

designar, desde uma política, um órgão do governo e até, uma preocupação geral

(JOLLIVET, 1994).

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O debate sobre o meio ambiente, sociologicamente falando, está configurado por

diferentes ideologias. É um campo estruturado de representações coletivas baseadas em

um sistema de valores. Trata-se de uma ideologia política porque moderniza a questão

democrática através dos direitos do cidadão à informação e participação em decisões

públicas. É um termo que por ser jovem, afirma JOLLIVET (1994), se encontra ainda

em estado instável e inacabado, o que permite que seja aberto, permeável e maleável.

Introduz-se em um novo campo que toca profundamente o imaginário, as representações

sociais e os sistemas de valores sociais, sendo que nestas características reside a força

do termo como gerador de ideologias.

As evidências do deterioramento ambiental aumentam e se tornam inegáveis. A

questão ambiental começa a ganhar terreno no espaço público e político,

simultaneamente aparecendo o termo sustentabilidade, surgimento que EHLERS (1996)

explica:

“Em meados da década de 1980, os impactos da agricultura moderna, a dilapidação das florestas tropicais, as chuvas ácidas, a destruição da camada atmosférica de ozônio, o aquecimento global e o ‘efeito estufa’ tornavam-se termos familiares para grande parte da opinião pública, principalmente nos países ricos. Questionava-se até que ponto os recursos naturais suportariam o ritmo de crescimento econômico imprimido pelo industrialismo, ou mesmo se a própria humanidade resistiria às seqüelas do chamado ´desenvolvimento’. Como resposta a estas dúvidas consolidava-se um novo paradigma, um novo ideal: a sustentabilidade. Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento publicava Nosso futuro Comum, o famoso Relatório Brundtland, que ajudou a desenhar o ideal de um desenvolvimento sustentável para diferentes setores das sociedades modernas, como a agricultura e a economia. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, reafirmou este ideal”.

A palavra “sustentável” além de relacionar-se ao uso da terra, dos recursos

bióticos, florestais e pesqueiros, a partir da metade da década de 1980 assume

dimensões econômicas e socioambientais. Desta maneira, o termo sustentabilidade

guarda semelhança com aquelas características que sinalizam para “meio ambiente”.

Para definir as condições de sustentabilidade é necessária uma combinação de critérios

éticos, morais, políticos e sociais. Tal como afirma JOLLIVET (1994), o debate sobre a

“questão ambiental” obriga a repensar as relações entre a sociedade, a técnica e a

natureza. Portanto, a “sustentabilidade” em um sentido amplo ultrapassa uma visão que

objetiva mudanças dos sistemas físicos, senão que demanda também mudanças no

Page 21: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

12

comportamento dos agentes humanos, como seriam os valores e as atitudes sociais. É

onde reside a força desta noção como geradora de ideologias.

Como impacta esta questão ambiental na agricultura familiar? JOLLIVET

(1994) se pergunta analisando o contexto onde os agricultores se confrontam com as

exigências ambientais, comparando com as crescentes dificuldades econômicas devido à

internacionalização dos mercados e à maior exposição destes às leis de mercado: “... não

será o meio ambiente, carregador de uma nova dependência de grandeza internacional, e

para tanto de novas dificuldades para enfrentar e superar?” (JOLLIVET, 1994).

A outra dimensão da questão ambiental que não pode ser ocultada, continua

JOLLIVET, é a dimensão que ele denomina "naturalista". Os problemas reais e

concretos que se apresentam com relação à gestão dos recursos, elementos e meios

naturais. Em relação com a agricultura e os agricultores, esta referência ambiental trata

do solo, da água, da biodiversidade, das paisagens e da atmosfera.

Entre as abordagens referidas na temática ambiental na agricultura, a proposta

agroecológica provavelmente é a mais difundida. É para ALTIERI2 (1999) um enfoque

científico do desenvolvimento, com objetivos precisos. A agricultura sustentável é em

realidade uma agenda de desenvolvimento com uma série de objetivos, não é um

sistema de produção. Está pensada, continua ALTIERI, para a agricultura familiar e os

camponeses. Entre seus objetivos destacam-se aqueles relacionados com a diminuição

da pobreza, a segurança alimentar, ainda que isto não signifique que não se possa

trabalhar em grande escala.

A idéia principal deste enfoque é trabalhar com sistemas os mais diversificados

possíveis e reciclando desejos/rejeitos da produção, para poder obter sistemas mais

eficientes e menos dependentes de recursos externos, que degradem menos os recursos

naturais e menos vulneráveis a choques externos. Não se trata de sistemas “orgânicos”

que não usam insumos químicos, mas de sistemas eficientes que usam a menor

quantidade de insumos necessária ALTIERI apud KAIMOWITZ (1987).

Enquanto a tecnologia da Revolução Verde é intensiva em capital, utiliza

variedades e agroquímicos para substituir a terra e usa maquinários para substituir mão-

2 Palestra: “A transição para a Agroecología: problemas e temas para uma agenda de pesquisa” Prof: Dr. M. ALTIERI – Dra. C. NICHOLS, Universidade de California, EUA. IEPI–UFRGS - 25 Nov 1999.

Page 22: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

13

de-obra, a tecnologia que demanda esta agricultura alternativa tende a ser intensiva em

conhecimentos.

Esta nova visão da tecnologia agrícola e a concepção de desenvolvimento

subjacente, se adaptam muito bem à agricultura familiar, especialmente aquela que

mantém maior diversificação, utiliza tecnologias de baixos insumos e tem um elevado

grau de conhecimento das condições locais.

Por outro lado, o que significará para os agricultores familiares esta questão

ambiental, em termos de rentabilidade, relação com os mercados e possibilidades de

permanência no campo? É certo que mudanças acontecerão no funcionamento das

unidades familiares, tanto em nível de estratégias utilizadas como de resultados obtidos?

MOREIRA (1998) examina as condições de competitividade e as questões de

tecnologia e integração social a elas associadas, especialmente no acesso à terra e aos

meios de produção. Este autor faz referência a uma nova qualificação de “sustentável” e

qual poderia ser seu impacto na agricultura familiar. Para ele, a agricultura familiar se

conformou no Brasil como um setor “bloqueado”, excluído do progresso social o que é

visto como algo natural, e com respeito à questão ambiental afirma:

“a contemporaneidade ecológica está adicionando um elemento a mais a esta concepção dominante: gerar um ganho suficiente para manter a família e usar os recursos naturais de maneira sustentável. A qualificação de sustentável para a agricultura familiar coloca em questão a pertinência e validade do padrão de desenvolvimento em vigor”(MOREIRA, 1998).

A sustentabilidade, continua MOREIRA (1998), aponta para uma nova

adequação tecnológica e não para um questionamento da ordem social. Esta concepção

vê uma solução ao problema no campo da ciência e da técnica, como uma

transformação ideológica de que a solução técnica traz consigo o progresso social.

Por outro lado, o contexto de desenvolvimento sustentável traz uma

revalorização do saber-fazer camponês, ampliando assim o espaço da agricultura

familiar no contexto de competição intercapitalista e da sociedade, ainda que para o

autor:

Page 23: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

14

“… esse espaço continuará condicionado à garantia da apropriação capitalista dos excedentes econômicos gerados pelo setor, continuará sendo um espaço econômico que tende a operar com lucro e renda da terra iguais a zero, o que reflete a exclusão deste setor do progresso e da ascensão social. Continuará como um espaço restringido, sujeito ao processo dinâmico de exclusão e integração diferenciadas” (MOREIRA, 1998).

Estratégias e percepções

Nas “estratégias” que estes agricultores implementam, ou seja, no modo como

utilizam ou instrumentalizam os recursos produtivos, é onde se materializa o encontro

entre esta questão ambiental, concretizada naquelas práticas tendentes a “conservação”

dos recursos naturais, e as ações tendentes a alcançar o objetivo da “reprodução” em

suas diferentes dimensões.

Por isso, para entender a relação produção agrícola/conservação ambiental, se

aprofundará a análise sobre as estratégias assumidas pelos agricultores, definidas,

segundo trabalho da Secretaria de Agricultura e Pecuária da Nação Argentina (1981),

como o modo em que os agricultores utilizam ou instrumentalizam os recursos

produtivos e as relações com os mercados, em concordância não apenas com as

variáveis estruturais (terra, capital e trabalho), mas também com uma série de fatores

socioeconômicos específicos e propriamente ambientais de cada exploração. As

estratégias são as opções diferentes que têm aquelas unidades com uma estrutura

econômica e produtiva semelhante.

Nestes estabelecimentos a economia doméstica e a economia de exploração

estão intimamente ligadas. Devido a esta razão, as estratégias podem ter dois

tratamentos: um centrado na família, que poderia chamar-se “estratégias de

sobrevivência” de uma unidade familiar de produção/consumo; o outro centrado na

exploração, sem desconhecer a importância da família, motivo pelo qual seria

apropriado chamá-lo “estratégias de produção”. Entre as primeiras se destacam as

entradas não-agrícolas, a composição demográfica, familiar, migrações, etc. Este é o

enfoque utilizado neste trabalho.

Nos sistemas produtivos, o encontro entre a questão ambiental, concretizada

naquelas práticas tendentes à “conservação” dos recursos naturais e às ações tendentes a

Page 24: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

15

alcançar o objetivo da “reprodução” em suas diferentes dimensões, se materializa nas

“estratégias” que estes agricultores implementam.

Os agricultores analisados passam por uma série de situações sociais

contraditórias e potencialmente conflitivas, que envolvem diferentes aspectos, tais como

seu lugar de origem, organização para o trabalho, atividades, tipo de agricultura,

relações sociais que incluem as comerciais, pessoais e de confiança. Estas situações

potencialmente geradoras de conflito poderiam ser agrupadas no antes e no hoje,

representados no Quadro 1. Este seria um primeiro nível de situações sociais

contraditórias.

A forma como cada família administra estas situações potencialmente conflitivas

se reflete na organização de seus sistemas produtivos.

Quadro 1: Diferentes situações sociais contraditórias e potencialmente conflitivas para

os agricultores. Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS

ANTES HOJE Provêm, majoritariamente, da região noroeste do Estado

Vivem na região metropolitana

Realizavam seu trabalho individualmente Precisam organizar-se em grupo, para obter melhores condições de produção, recursos, etc.

Em geral plantavam muitos cultivos diferentes Devem plantar principalmente arroz e hortaliças, de acordo com as condições de clima e solo

Realizavam uma agricultura convencional, em alguns casos tradicional

Devem optar por uma agricultura “diferente”

Relações sociais interrompidas Reconstrução de relações sociais novas Fonte: Investigação de campo.

Para compreender a lógica que seguem os agricultores familiares para resolver

estas situações sociais contraditórias, materializadas em suas estratégias, é de

fundamental importância entender as “percepções” que estes atores sociais possuem

com relação a diferentes aspectos, incluindo a natureza, que se manifestam

individualmente, porém se constróem socialmente. Tal como explica FLORIT (1999)

quando afirma:

“...a solidez da idéia de natureza freqüentemente utilizada não passa de uma construção simbólica criada e legitimada através de um processo social. Portanto, não se confia numa Natureza, mas naquilo que grupos sociais chamam “natureza” (FLORIT, 1999). (Sublinhado por M.S.V.)

Page 25: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

16

A relação entre o conceito de representações sociais e atividade representacional

é cheia de ambigüidades. A maioria desta possuem sua origem no fantasma do

cognotivismo e sua perspectiva individualizante, onde as representações são o reflexo

do mundo externo na mente ou uma marca da mente que se reproduz no mundo externo.

O outro fantasma sobre o estudo das representações individuais é o relacionado com

símbolos. A teoria das representações se constrói sobre uma teoria dos símbolos. Elas

são consideradas de acordo com MOSCOVICI apud JOVCHELOVITCH (1998) como

formas de conhecimento social que reúnem duas fases, a simbólica e a figurativa.

Em WINNICOTT apud JOVCHELOVITCH (1998), existe um conceito de

“espaço potencial”, estado intermediário entre a incapacidade e a progressiva

capacidade para reconhecer e elaborar a realidade. Este espaço é um espaço dos

símbolos, que pressupõem a capacidade de evocar presença apesar da ausência, sua

principal característica é que eles significam outra coisa. Estes criam um objeto

representado construindo uma nova realidade para a realidade que já existe, provocam

uma fusão entre sujeito e objeto porque expressam a relação entre objeto e sujeito.

Através dos símbolos, coisas diferentes podem significar umas para as outras, podem

submergir umas nas outras, permitem uma variabilidade infinita. Ainda assim são

referências.

É da essência da atividade simbólica o reconhecimento de uma realidade

compartilhada, de uma realidade dos outros. Reconhecimento criativo que envolve aos

outros e ao objeto (mundo). O sujeito constrói em sua relação com o mundo um novo

mundo de significados. Por outro lado, é através da relação com outros que se originam

as representações, permitindo uma mediação entre o sujeito e o mundo que descobre e

constrói. Por outro lado, as representações permitem a existência de símbolos. Não

existe possibilidade de criação simbólica fora de uma rede de significados já

constituídos. O sujeito não está nem abstraído da realidade, nem condenado a reproduzi-

la. Sua tarefa é elaborar uma permanente tensão entre um mundo que já está construído

e seus próprios esforços para ser sujeito. Será que este conflito em que se encontram os

agricultores assentados, na luta entre o que “é” e o que pretendem “ser”, se identifica

mais no discurso que na prática?

Para MOSCOVICI apud FUKS (1998), no processo de socialização de

descobrimentos científicos em nível de sentido comum, se observa que o novo objeto

Page 26: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

17

apenas penetra no universo de representações de um grupo depois de passar por um

laboratório de criação social, de modo que o estranho se torna familiar quando é parte

integrante do processo constante de elaboração das representações sociais. FUKS

(2000) considera que um dos principais veículos pelo qual se desdobra a disputa em

torno de assuntos públicos è a argumentação. Para estudar procesos de definição de

problemas sociais se deve trabalhar com recursos argumentativos, o qual requer não

apenas uma compreensão de aspectos institucionais, sociais, econômicos e políticos que

conformam o contexto onde se dá a disputa em torno da definição do problema, senão

ter em conta a dimensão simbólica do conflito, a qual confere singularidade ao processo

em questão.

Em contraste com outras abordagens, FUKS (2000) propõe que a ênfase se

afaste do universo descontextualizado em que se expressa a opinião pública, ou as

representações sociais, e se oriente no contexto do conflito, em que determinados

setores da sociedade veiculam diferentes compreensões de determinados assuntos

públicos. Para este autor, no centro da análise se encontram as dinâmicas

argumentativas dos conflitos sociais, entendidas como a elaboração e veiculação de

versões alternativas a respeito de assuntos públicos; resgata as argumentações como

características essenciais do objeto de estudo, perspectiva que confere legitimidade ao

debate público como campo de investigação. As arenas argumentativas são os lugares

onde os diferentes atores sociais participam de um permanente processo de debate. Os

assuntos públicos e problemas sociais são enfocados por Fuks em termos de disputa

social em torno de sua compreensão. Este processo ocorre nos sistemas de “arenas

públicas”, onde se manifestam atividades reivindicatórias de grupos, o trabalhos dos

meios, a criação de novas leis, divulgação de descobertas científicas, definição de

políticas públicas. Não se trata, portanto, de um processo regido por uma entidade

abstrata chamada “cultura”, nem se dá em locais vagos como “sociedade” ou “a opinião

pública”. Pelo contrário, emerge da disputa, sediada nas arenas específicas entre uma

pluralidade de versões, ainda que as condições diferenciadas de participação reflitam

vantagens para certos atores ou silêncio para outros.

Para FUKS (2000), o estudo da definição da agenda é o que conduza a dinâmica

no centro do campo de investigação. As duas questões básicas com respeito a definição

da agenda são: 1) como surgem novos assuntos públicos; e 2) que atores participam

desta definição. A primeira questão faz referência aos fatores que determinam a

Page 27: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

18

emergência de um assunto na arena pública, considerando dentro destes a ação de

grupos organizados, a atuação do governo e o contexto social – cultural. Para FUKS

(2000), a emergência de questões na agenda pública se explica mais em termos de

dinâmica social e política que dos atributos intrínsecos em disputa. A diferença da

investigação tradicional na área dos problemas sociais que atribui às “condições

objetivas” a explicação da emergência e caracterização dos problemas sociais, o autor

propõe localizar o foco de análise até o processo de reconhecimento subjetivo que

conduz a sua definição como problema social.

Para elaborar e operacionalizar uma perspectiva argumentativa em estudos

sociais, FUKS (1998) utiliza os “pacotes interpretativos”, recurso analítico que permite

explicar a dinâmica pela qual se organiza e evoluciona o debate público em torno de um

assunto determinado.

Por outro lado, FUKS (2000) adverte que o processo de definição de problemas

se dá em duas dimensões, que se separam apenas para fins de análise: o debate e a ação.

As arenas públicas permitem uma interação permanente entre estas dimensões que se

reforçam reciprocamente. Quando um grupo realiza uma ação determinada, esta tem

implicações retóricas, promovendo uma determinada compreensão do assunto em

debate: a agricultura familiar e sua relação com o meio ambiente para este trabalho em

particular.

É assim que se analisam as práticas agrícolas que desenvolvem os agricultores

assentados em seus sistemas produtivos, entre elas: a) “tipo de atividade que realizam”,

que atividades produtivas desenvolvem e quais foram os critérios para sua seleção, se

realizam atividades que geram ingresso financeiro de fora de sua propriedade; b)

“organização do trabalho”, participam de grupos, para que atividades, utilizam somente

trabalho familiar, em que períodos; c) “itinerário técnico”: este item faz referência ao

“como” se realiza cada atividade. Partindo da idéia central que os agricultores têm um

“fundamento racional” para realizar suas práticas, ainda que às vezes baseado em

conceitos errados ou informação insuficiente, estudar esta racionalidade nos permitirá

aprofundar acerca de como estabelecem sua relação com a natureza, foco central deste

trabalho.

Page 28: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os interlocutores da investigação foram os agricultores e suas famílias, líderes

dos agricultores, mediadores técnicos e representantes do governo, cada um destes com

suas diferentes trajetórias sociais, projetos de vida, de produção agrícola e suas

percepções da problemática ambiental do assentamento.

A partir de como as famílias organizam os sistemas produtivos para alcançar

seu objetivo, a reprodução familiar, se pretende entender como pensam sua relação com

a natureza. Para isto, será utilizada uma combinação de técnicas e instrumentos.

A situação analisada demanda um importante nível de detalhe, devido ao que é

essencial a observação da realidade em pleno funcionamento. Esta investigação

empírica foi acompanhada de uma investigação bibliográfica e uma reflexão teórica e

metodológica. Combinarão-se as seguintes técnicas:

• “Observação e acompanhamento” das práticas dos diferentes sistemas

produtivos, pretendendo reconstruir seu itinerário técnico;

• “Aplicação de questionários” semiestruturados e “entrevistas” com as famílias,

onde se perguntou sobre os sistemas produtivos, dotação de recursos, relação com

os mercados, tipo de atividades, organização para o trabalho, manejo técnico,

resultados econômicos – produtivos, sociais e ambientais. Aqui também foram

tratados alguns aspectos relacionados com suas trajetórias sociais, história,

origem, o que e como produziam, etc. Isto será de grande importância para

entender os fundamentos dos sistemas produtivos;

Page 29: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

20

• “Entrevistas com informantes-chaves” e “qualificados” (líderes no assentamento,

técnicos, funcionários de organismos estatais e/ou municipais, etc.);

• “Análise bibliográfica e documental”. Por exemplo, foi necessário analisar toda a

regulamentação relacionada às Áreas de Proteção Ambiental (APAs), para

compreender como se planeja a relação produção/conservação do meio ambiente

e se esta visão se contrapõe ou não aos interesses dos agricultores.

No seguinte esquema se visualiza o eixo central de análise que segue a proposta:

A relação

agricultores, que

investigação segu

observação e se

finalmente, chego

RELAÇÃO PRODUÇÃO AGRÍCOLA / CONSERVAÇÃO

ESTRATÉGIAS ASSUMIDAS PELOS AGRICULTORES PRÁTICAS AGRÍCOLAS DE SISTEMAS PRODUTIVOS

Atividades realizadas

Itinerário técnico

Organização social

produção/conservação se reflete nas estratégias que assumem os

são observadas nas práticas agrícolas que estes realizam. A

iu uma direção contrária a esta seqüência de causalidade: começou na

guimento das práticas agrícolas, para entender as estratégias e,

u-se na relação produção/conservação.

Page 30: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

21

A seqüência de atividades realizada guarda relação com este esquema. Em

primeiro lugar analizou-se elementos dos sistemas produtivos, além da indagação sobre

a posição dos agricultores em relação à questão ambiental. Paralelamente realizaram-se

entrevistas com informantes qualificados e posteriormente as entrevistas com

mediadores técnicos, tudo isto acompanhado de análise documental e bibliográfica.

O nível de análise proposto reflete a preocupação em encontrar os determinantes

das ações dos agricultores, tratando de entender a situação como um todo, “um feito

social” em que intervém diferentes aspectos, desde os mais objetivos, como a falta de

recursos, a aqueles mais subjetivos, como sua percepção (representação) da questão

ambiental.

Busca-se entender como os agricultores compreendem sua realidade desde uma

perspectiva mais interpretativista, evitando enfoques utilitaristas das ações dos

agricultores. Por exemplo, o esquema utilizado para a caracterização dos sistemas

produtivos tem elementos objetivos como sua dotação de recursos e outros mais

subjetivos, como sua percepção da questão ambiental. Também inclui um grupo de

variáveis que consideram sua história de vida, ocupação e informação.

Sempre a relação entre as percepções dos agricultores e suas ações, ou seja, as

vinculações entre as dimensões que conformam o mundo social, estiveram no centro de

análise deste trabalho; as relações sociais também adquirem importância na análise,

orientando a compreensão de como se conformam as diferentes posições.

O trabalho se propõe analisar um “feito social total”, ou seja, a integração de

diferentes aspectos constitutivos de uma realidade social tomada em sua integralidade

(MAUSS, apud GOMES DOS ANJOS3, 2000). Pela via dos enfoques mais

funcionalistas, aqueles que tratam de entender a estrutura interna do assentamento,

desde dentro, porém sem levar em conta a história e a trajetória dos atores sociais

envolvidos, é como entender o presente sem considerar o passado. Deste modo, se

pretende estudar um “evento”, analisando-o como um processo, com relações em

constante re-atualização, com mediadores propondo diferentes formas de ler a realidade,

utilizando diversos elementos para atrair os agricultores. Este recorte de análise, de

agricultores e mediadores relacionados com as ações de um movimento social

Page 31: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

22

(Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST) e sua luta pela terra, permitem

ver que aquele pressuposto de um mundo rural estável não existe. É claro que o mundo

rural não pode ser considerado estático, que não muda, comprovando-se assim que esta

afirmação não é mais que um estereótipo que como investigadores devemos mudar.

Quanto à elaboração de instrumentos, a opção pelo questionário semi-

estruturado se deu porque este instrumento permite manter parte do questionário

estruturado como os dados mais quantitativos e outra parte mais aberta onde se

formulam questões mais qualitativas e onde o importante é a forma que o entrevistado

expressa suas idéias, percepções, etc. (Ver anexo 2) Para as entrevistas com os técnicos

se elaborou um roteiro de perguntas abertas, divididas formando blocos, o que facilitou

sua posterior sistematização e análise (Ver anexo 3).

Para começar o trabalho no campo se considerou necessário participar de

diferentes reuniões, discussões que aconteciam no assentamento, além de manter

contatos com alguns líderes e mediadores de algumas das instituições que trabalham no

assentamento, sempre tentando explicar com a máxima clareza possível quais seriam os

objetivos deste trabalho, onde seria apresentado, etc. Foi necessário apresentar o projeto

à coordenação do assentamento, o qual o analisaram e permitiram que fossem realizados

os questionamentos necessários. Em cada encontro com os agricultores, líderes e com

todos os mediadores das organizações se fez um esforço para deixar claro que este

trabalho não incluía uma fiscalização do trabalho dos agricultores, ou seja, que se

cumpriam ou não as regulamentações da APA não fazia parte do objeto de estudo.

Os agricultores entrevistados foram selecionados através de contatos prévios no

assentamento. Participando de algumas reuniões de discussão observou-se aqueles

agricultores que discutiam algumas posições diferentes. No momento de aplicar os

questionários se procurou estes agricultores, que por sua vez indicavam outros

possíveis entrevistados, sugestões que se aceitava, porém também se escolheram outros

entrevistados que apresentavam alguma característica particular, como lugar onde

moravam no assentamento, características da moradia, plantações, etc.

O número da amostra foi atingido quando do ponto de saturação, ou seja, quando

começou a oferecer respostas iguais ou muito parecidas às questões apresentadas, porém 3 Notas de aula, Disciplina Mediações Políticas e Culturais do Mundo Rural, Prof. José Carlos Gomes dos

Page 32: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

23

ressalvando as particularidades que cada agricultor apresentava. O número de

entrevistas dentro de cada setor do assentamento foi proporcional ao número de famílias

do respectivo setor. O questionário se aplicava ao agricultor ou sua esposa. Nenhum

questionário foi aplicado aos filhos dos agricultores.

Aplicaram-se 26 entrevistas a agricultores, distribuídos do seguinte modo: no

setor A, 7; no setor B, 5; no setor C, 7; e no setor D, 7. Foram aplicadas entre o 28 de

agosto ao 30 de setembro de ano 2000.

Os técnicos entrevistados, finais de outubro 2000, foram selecionados entre

aqueles que estabeleceram um contato direto com os agricultores do assentamento.

Escolheram-se aquelas instituições que estavam prestando algum tipo de apoio técnico a

produtores do assentamento, tais como do LUMIAR (grupo de técnicos do MST para

assistência técnica nos assentamentos), da COCEARGS (Cooperativa Central Regional

dos Assentamentos), da EMATER – escritório de Viamão da Prefeitura do município de

Viamão. Foram entrevistados três técnicos do LUMIAR. Ao ser desativada esta

organização, ficaram no assentamento dois dos cinco técnicos que mantiveram o

trabalho. Um outro técnico entrevistado já não mais faz parte da equipe. Por outro lado,

entrevistou-se um técnico da COCEARGS, um da EMATER e um a Secretaria de

Agricultura do Município de Viamão. Três dos entrevistados são engenheiros

agrônomos, um é médico veterinário, um é técnico agrícola e uma é técnica em

enfermagem. A todos foi aplicado o mesmo roteiro de perguntas.

Depois de aplicados os questionários, construiu-se um diagrama de fluxo que

tentava mostrar as ideais centrais e gerais que apareciam nas entrevistas realizadas,

especialmente sobre aqueles conceitos-chave da investigação, como “agricultura

diferente”, “questão ambiental”, “tecnologia”. Esta primeira aproximação na análise dos

dados reunidos permitiu perceber as primeiras linhas de análise, algumas das quais

seriam, retomadas a posteriori. (Ver anexo 4)

A partir dos questionários foram montados quadros de análise, por bloco de

entrevista (exceto bloco 2, subdividido devido as suas dimensões), que permitiram

sistematizar a informação reunida.

Anjos. Curso Pós-graduação Desenvolvimento Rural. IEPE / UFRGS. Nov. 2000.

Page 33: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

24

Quadro 2: Aspectos abordados nas entrevistas com os agricultores – Assentamento

Filhos de Sepé, Viamão - RS

BLOCOS ASPECTOS/TEMAS ABORDADOS

1 Identificação Recursos Naturais Dotação de capital Características da produção

2

Relação com mercados 3 Organização para o trabalho 4 Expectativas e projetos familiares 5 Relação produção/conservação

A primeira análise realizada foi por bloco, de maneira independente entre si, o

que permitiu obter uma idéia geral que serviria de pano de fundo para a análise

posterior, mais pormenorizada dos dados e informações.

Começando a analisar os dados / informações obtidos dos questionários

aplicados aos agricultores e as entrevistas realizadas com os técnicos, se observou que

cada um delineava “sua” questão ambiental. Estas questões apresentavam diferenças

que têm a ver com os recursos e o repertório cultural dos atores. Por outro lado, a

própria idéia do pesquisador/entrevistador sobre a questão ambiental estava presente,

competindo às vezes com as dos entrevistados. Surgiu assim, a necessidade de

“operacionalizar” a questão ambiental, optando-se por escolher uma série de

componentes que delineariam esta idéia: percepção dos recursos naturais; adesão ou não

a uma agricultura diferente; percepção da existência de uma Área de Proteção

Ambiental.

Esta fragmentação permitiu ver que cada agricultor expressa diferentes posições

frente aos componentes citados. Alguns aderem a todos, enquanto outros somente a

algum dos três.

Continuando, analisou-se o que opinava cada agricultor em relação à questão

ambiental, agora delineada pelos diferentes componentes acima mencionados. Chegou-

se assim a dividir os agricultores em dois grupos: 1) os que manifestam discurso

ambiental; 2) os que não manifestam discurso ambiental.

Page 34: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

25

Entre os primeiros se encontram aqueles que aderem à maioria dos componentes

(ao menos dois), enquanto que os segundos são aqueles que não aderem a um ou mais

dos componentes mencionados anteriormente.

Cabe esclarecer que para referir-se ao discurso ambiental adotou-se o

termo/significado de “sensibilidade ambiental”, evitando-se o uso do conceito/idéia de

consciência ambiental, de pesadas implicações teóricas.

Uma vez delineados os dois grupos, aqueles que manifestam sensibilidade

ambiental e os que não a manifestam, começou-se a busca dos elementos em comum

dentro de cada um dos grupos. Ao analisar-se as práticas que realizavam em seus

sistemas produtivos percebeu-se que alguns agricultores, apesar de manifestarem

sensibilidade ambiental, esta não se refletia em suas práticas, ou seja, o discurso era

diferente das ações. Em contraposição, aparecia uma minoria que não manifestava

sensibilidade ambiental (não contavam com um discurso estruturado nos moldes que o

próprio movimento trata a questão ambiental). Com segurança, podia-se perceber em

suas ações que a natureza ocupava um lugar importante, ou mais destacado que aquele

ocupado em suas manifestações.

Das construções analíticas e retomando as hipóteses do trabalho, o centro da

análise passa a ser o lugar que ocupa a natureza na organização dos sistemas produtivos.

Aqui já não se fala mais na questão ambiental mas sim do lugar que ocupa a Natureza

no processo de produção agrícola, a partir da percepção de que era diferente o lugar que

ocupa no discurso em relação ao que ocupa na ação.

Continuando com a análise, precisava-se definir sensibilidade ambiental e como

se avaliaria se esta existe ou não. A opção foi avaliá-la de acordo ao lugar que ocupa a

natureza nos discursos e nas ações dos agricultores. Este lugar pode ser determinado de

várias formas, por exemplo através da avaliação e apreciação que os agricultores

realizam de seus recursos naturais, principalmente a terra, da avaliação de sua atual

situação, através dos critérios para selecionar atividades que realizam, de sua apreciação

da tecnologia, dos critérios utilizados para escolher as diferentes técnicas que aplicam,

da percepção que têm de uma “agricultura diferente”, e do significado que dão a

presença de uma Área de Proteção Ambiental no assentamento.

Page 35: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

26

Uma vez constituídos os grupos, foram montados novamente quadros, porém

agora por grupos, o que permitiu analisar cada grupo. A partir destes caracterizou-se os

diferentes grupos utilizando elementos que marcavam diferenças claras entre os

agricultores. Desta maneira se esboçaram os grandes eixos que compuseram a “grade de

análise”, os quais permitiram entrelaçar os diferentes blocos, analisados em um primeiro

momento independentemente uns dos outros.

Os eixos utilizados para a caracterização destes grupos foram:

! Avaliação dos recursos naturais disponíveis;

! Critérios para escolher as atividades que hoje realizam;

! Percepção da tecnologia;

! Critério para selecionar as técnicas que utilizam;

! Implementação de técnicas de conservação do solo;

! Percepção de uma agricultura diferente;

! Percepção da APA;

! Avaliação de sua atual situação.

Estes eixos foram utilizados para caracterizar e diferenciar os grupos, aqueles

que manifestam alguma sensibilidade ambiental e os que não a manifestam. Também

foram utilizados outros elementos para a descrição e melhor compreensão de cada um

dos grupos. Entre estes elementos pode-se mencionar as características dos sistemas de

cultivo e de produção animal, a origem social e a ocupação anterior.

Outro elemento utilizado na análise foi o apoio técnico recebido por cada grupo,

tentando relacionar as posições dos agricultores e a dos mediadores técnicos que atuam

no assentamento.

Outro recurso analítico utilizado foi o dos “pacotes interpretativos”, seguindo o

trabalho de FUKS (1998), para quem o resgate da argumentação é uma característica

essencial de seu objeto de estudo, permitindo transformar o “debate público” em um

campo legítimo de investigação. Isto implica considerar a vida social e política uma

arena argumentativa, onde os diferentes setores da sociedade participam em um

Page 36: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

27

permanente processo de debate. Todo este processo que o autor chama de “sistemas de

arenas públicas” constitui simultaneamente um espaço de ação e de debate. Adotando-se

este enfoque, um número crescente de trabalhos concebe o debate público como um

espaço específico de manifestação de conflitos sociais, onde os recursos argumentativos

junto a um repertório de atividades são os instrumentos deste tipo de disputa. Os

“pacotes interpretativos” estão constituídos por dois mecanismos básicos. O primeiro,

por meio de metáforas, exemplos históricos e imagens visuais. O segundo versa sobre as

causas e conseqüências e indica o que deve ser feito a respeito.

No contexto analisado com a utilização dos pacotes interpretativos se pretende

ver que repertórios argumentativos oferecem os diferentes atores para a elaboração de

suas posições com respeito a questão ambiental. Fuks destaca que na dinâmica do

debate público não apenas se articulam os planos micro e macro, mas o passado e o

presente também se aproximam. O passado constituindo um “laboratório” onde se gera

o “repertório cultural”. Assim, valores, categorias e argumentos formulados desde

assuntos emergentes se associam a um repertório discursivo já consolidado. Isto se

observa claramente nos diferentes atores analisados, particularmente entre os

agricultores cuja principal referência é seu lugar de origem, apesar de incorporarem

novos elementos de outros discursos, combinando elementos de seu próprio repertório e

das posições mediadoras.

Em função deste arcabouço teórico foram identificados os “pacotes

interpretativos” dos agricultores e dos técnicos. Os agricultores considerados foram

aqueles que manifestaram alguma sensibilidade ambiental.

Page 37: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

4 POSIÇÕES DOS AGRICULTORES E TÉCNICOS EM RELAÇÃO À

QUESTÃO AMBIENTAL E SEUS FATORES DETERMINANTES

4.1. Características do contexto da situação analisada

4.1.1 Descrição da região

O município de Viamão, localizado na Região Metropolitana de Porto Alegre,

possui uma superfície aproximada de 1.494 km2, contando com um total de 199.295

habitantes, dos quais 36.865 (18,5%) estão nas áreas consideradas rurais4. No entanto,

estes mesmos dados mostram um relativo aumento da migração populacional para estas

áreas. Também o relatório citado afirma que o produto interno bruto (PIB) do município

foi de 427 milhões de reais em 1997, o que resulta um PIB per capita de R$2.144,00.

Segundo ainda o relatório citado, o município de Viamão pertence à região da

Depressão Central, sub-região Grande Porto Alegre.

Um 30% do município e a maior parte do distrito de Águas Claras (praticamente

toda a costa da Lagoa dos Patos e áreas próximas, além de áreas na localidade de

Coxilha das Lombas); são solos hidromórficos, de textura média, com horizonte B

textural, relevo plano e originado de sedimentos aluviais recentes. Outros 30% do

município (corta Viamão desde a reserva de Itapoã até a divisa com o município de

Glorinha, ocorrendo também na Coxilha das Lombas); caracteriza-se pelo solo argissolo

4 “Caracterização socioeconômica dos agricultores e moradores rurais do Distrito de Águas Claras/Viamão – RS”. Relatório da Disciplina "Teoria e elaboração de projetos de desenvolvimento rural". Porto Alegre. PGDR – UFRGS, Agosto 1999.

Page 38: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

29

vermelho amarelo (PVA), de textura média, relevo ondulado e substrato arenito. Uma

pequena parte do distrito de Águas Claras (áreas próximas a lagoa do Casamento) é

ocupada por solos aluviais pouco desenvolvidos, de textura indiscriminada, relevo plano

e originados de sedimentos fluviais recentes. Parte da Reserva Estadual de Itapoã esta

constituída de solo neossolo litólico distrofilotípico, rasos, pouco desenvolvidos, de

textura média, substrato granito e relevo ondulado. Perto da divisa com os municípios

de Gravataí e Glorinha são solo gleissolo melânico estrófico típico, de textura média,

relevo plano, originado de sedimentos recentes (constituem geralmente as áreas de

banhado). As áreas mais densamente povoadas (cidade de Viamão e vilas da periferia)

apresentam solo arbissolos vermelho amarelo, de textura argilosa, relevo forte ondulado

e substrato granito.

O Distrito de Águas Claras, onde se localiza o assentamento, pode ser

subdividido em três sub-regiões geomorfológicas distintas. A “primeira sub-região” é a

planície costeira da Lagoa dos Patos. Esta sub-região se caracteriza por apresentar

relevo plano, com pequena declividade e solos de origem aluvial (planossolos). Estas

áreas de várzea encontram-se próximas das margens da Lagoa dos Patos, onde se

desenvolve, em larga escala, o cultivo do arroz irrigado e a criação extensiva de gado de

corte. A “segunda sub-região” caracteriza-se por apresentar relevo fracamente ondulado

a ondulado. Nestas áreas, onde as declividades são maiores e os solos têm sua origem

no arenito (argissolo vermelho amarelos), encontram-se parte dos produtores de leite do

município e grande parte dos sítios de lazer. Por fim, a “terceira sub-região” é marcada

pela existência de áreas destinadas ao assentamento dos agricultores provenientes do

Movimento dos Sem Terra. Nestas áreas, apesar de serem também relativamente planas

na sua quase totalidade, o terreno já não se apresenta de forma tão homogênea quanto na

primeira sub-região. Quanto ao solo, apesar de também formar áreas de várzea e

banhados, este difere do primeiro tipo de solo descrito. Nestes últimos, não existe

formação de gradiente textural entre as camadas iniciais do solo (solo gleissolo

melânico estrófico típico).

Segundo o citado relatório, os principais produtos agrícolas do município de

Viamão são: arroz, mandioca, batata-doce, soja e laranja, além de hortigranjeiros.

Ocupando uma área muito superior as demais culturas (23.300 ha em 1995), o arroz é a

principal espécie vegetal cultivada no município, com uma produção de 105.925

toneladas no ano de 1995. No caso das plantas olerícolas, as principais espécies

Page 39: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

30

cultivadas são: alface, couve, beterraba, agrião, pepino, tomate, brócolis e cenoura. A

produção pecuária também está bastante presente no município, que possui um efetivo

de 72.118 bovinos, 4.293.011 aves e 29.626 suínos, segundo dados para o mesmo ano.

A produção leiteira é outra atividade importante, com um total de 15.803 mil litros

produzidos (1995). Também a produção de ovos de galinha é bastante significativa, com

um total de 33.719 mil dúzias produzidas em 1995.

4.1.2. Caracterização do Assentamento “Filhos de Sepé”

O assentamento foi constituído em dezembro de 1998, e as 376 famílias que são

oriundas de 115 municípios de todo o Estado de Rio Grande do Sul, ocupando uma área

de 9.406 hectares.

O clima é subtropical, sendo a temperatura média do mês mais quente superior a

22ºC e do mês mais frio entre 3ºC e 18ºC. Com médias de temperatura variando entre

18 e 20ºC durante o ano e um regime hídrico entre 1100 a 1700 mm.5

Entre os solos do assentamento predominam os solos de aluvião, solos sobre

areia Itapoã e solos sobre granito e gneiss. Os primeiros, apresentam uma variação

muito grande, geralmente solos de planície, com drenagem insuficiente, nível freático

de 40 a 70 cm, com capacidade de uso para arroz e pasto. Encontra-se entre eles solos

com presença de turfa em todos os horizontes, em estado totalmente decomposta (A1)

até francamente decomposta.

Os solos sobre areia Itapoã se caracterizam por um horizonte A muito arenoso

que tem transição muito abrupta a um horizonte Bt avermelhado. São solos de coxilha

com declive máximo de 18 %, a drenagem é bastante forte e onde é possível o cultivo

de espécies pouco exigentes, mas com controle de erosão. O aproveitamento

recomendado é para pasto ou reflorestamento.

Por último, nos solos sobre granito e gneiss desenvolve-se uma grande variedade

de solos, aqui incluindo-se os solos pouco profundos, muitas vezes eutróficos. Sua 5 “Caracterização socioeconômica dos agricultores e moradores rurais do Distrito de Águas Claras/Viamão – RS”. Relatório da Disciplina "Teoria e elaboração de projetos de desenvolvimento rural". Porto Alegre. PGDR – UFRGS, Agosto 1999.

Page 40: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

31

morfologia é de encosta moderadamente íngreme com declive máximo até 22%, sem

aproveitamento (terreno inculto) requerendo-se controle de erosão, com forte

drenagem6.

A influência antrópica é muito acentuada, restando muito pouco de vegetação

original da área. Por um lado o cultivo do arroz e pecuária nas áreas ocupadas pelos

banhados, e por outro, os cultivos diversificados nas áreas de encostas e áreas urbanas,

refletem a ocupação da região, altamente condicionada por sua proximidade com a

Região Metropolitana de Porto Alegre.

Ressalta-se que a área de banhado originalmente chegou a ocupar em torno de

450 km2. Logo após as drenagens na década de 1960, a área sofreu uma significativa

diminuição, restando atualmente menos de 50 km2 de banhado causando a

descaracterização de grande parte do ecossistema 7.

Em estudos anteriores à declaração da APA, ressalta-se o valor ecológico do

chamado “Complexo Banhado Grande” (Banhado de Chico Lomã, dos Pachecos e

Banhado Grande): “são áreas de altíssima produtividade biológica [...] são criadores e

local de alimentação para toda uma fauna aquática [...] são locais de pouso, nidificação

e hibernação para muitos tipos de aves [...] exercem a função de retenção de cheias e

melhoria da qualidade da água” 8.

Finalmente, por Decreto nº 38.971, de outubro de 1998, foi criada a Área de

Proteção Ambiental, APA do Banhado Grande, contida nos limites da Bacia de

drenagem desse Banhado, nos Municípios de Glorinha, Gravataí, Santo Antônio da

Patrulha e Viamão.9

Em relação a esta forma de preservação a Lei Federal 6.902, de abril de 1981,

estabelece que as Áreas de Proteção Ambiental são porciones do território nacional com

diferente configuração e tamanho, além de modalidades de manejos diferentes. Podem

comprender uma amplia gama de paisagens naturais e seminaturais, com características

notáveis dotadas de atributos bióticos, estéticos ou culturais que exijam proteção para

asegurar o bem-estar das populações humanas, conservar ou melhorar as condições 6 “Relatório Bacia Rio Gravataí” (1997) Porto Alegre IPH/ UFRGS 7 “Inventário técnico documental da bacia hidrográfica do Rio Gravataí”. Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí. (1997) Governo do Estado Rio Grande do Sul – SCP – METROPLAN 8 Obra citada.

Page 41: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

32

ecológicas locais ou constituir-se em local de experimentação de novas técnicas e

atitudes que permitan conciliar o uso da terra com a manutenção dos processos

ecológicos essenciais.

Esta Lei establece que para cada Área de Proteção Ambiental, dentro dos

princípios constitucionais que regem o exercício do direito de propiedade, o Poder

Executivo establecerá normas, limitando ou proibindo: - a implantação e o

funcionamento de indústrias potencialmente poluidoras, capazes de afetar mananciais de

água; - a realização de obras de terraplenagem e a abertura de canais, quando essas

iniciativas importarem em sensível alteração das condiciones ecológicas locais; - o

exercício de actividades capazes de provocar uma acelerada erosão das terras e/ou um

acentuado assoreamento das coleções hídricas; - o exercício de atividades que ameacem

extinguir na área protegida as espécies raras da biota regional.

Ao nível de esta APA, ainda não exite uma reglamentação específica que

establezca normas para um uso adecuado dos recursos. Para poder acceder à terra os

assentados deveram asinar uma carta compromisso, que contem normas muito gerais

como a proibição de usar fogo e agrotóxicos.

De acordo com o relatório do Diagnóstico INCRA/FAO10, as áreas de

preservação permanente já foram demarcadas coletivamente fora dos lotes produtivos,

de forma a proteger as nascentes, as zonas mais suscetíveis à erosão e o banhado que se

formou novamente após a construção da barragem. Com isso, pretende-se garantir as

reservas de água necessárias para a irrigação, evitar o assoreamento da barragem e

proteger a flora e fauna do banhado, cujo papel no equilíbrio ecológico é importante.

Na parte alta, de acordo com este mesmo diagnóstico, os sistemas de cultivo e

criação instalados devem utilizar todos os mecanismos antierosivos disponíveis (cultivo

mínimo, coberturas vegetais máximas, curvas de nível, cultivos alternados). No médio

prazo, quando a função de produção de subsistência desta área for menos importante,

será necessário direcionar sua produção para sistemas perenes ou semiperenes

(pastagem, fruticultura, reflorestamento).

9 "Diário Oficial Estado do Rio Grande do Sul", 26 de outubro de 1998. ANO LVII. nº 203 10 “Diagnóstico da Realidade Agrária e Proposta de Desenvolvimento Rural” Viamão – RS (Agosto 2000) PCT INCRA/FAO – UTF/BRA. 051/BRA

Page 42: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

33

Para os técnicos que participaram do diagnóstico INCRA/FAO na várzea, os

principais problemas ambientais estão ligados ao uso de grande quantidade de

agrotóxicos, seja para a produção de arroz ou de hortaliças. Recomendando para evitar

este problema, no caso do arroz, a adoção do modelo pré-germinado e a rotação de

cultivos, mas esta última recomendação esbarra na questão de que terras irrigadas sem

necessidade de bombeamento correm o risco de ficar plantadas ano após ano com arroz,

enquanto que as outras serviriam para as lavouras de sequeiro. A solução deste

problema depende da organização dos assentados na gestão da água e dos custos ligados

à manutenção do sistema de irrigação.

Para as hortaliças, os técnicos afirmam que existe a possibilidade de produção

ecológica. Neste caso, o ideal seria iniciar desde já uma produção ecológica, o que é

possível, contanto que os produtores recebam rapidamente uma capacitação neste

sentido.

Em relação à pecuária leiteira, os técnicos destacam que se pode aproveitar as

áreas de várzea, pouco suscetível à erosão, propícia para produção de milho e sorgo para

silagem no verão e pastagem (azevém) no inverno. Outro problema ambiental é a

poluição pelos dejetos nitrogenados dos animais, quando a intensidade de criação

aumenta. Trata-se de um problema de médio-longo prazo e existem soluções técnicas

para isso.

Os técnicos que participaram deste diagnóstico concluíram que não existe

incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável do assentamento e a preservação

do Banhado, apontando para algumas soluções técnicas que devem ser privilegiadas

(INCRA/FAO, 2000).

4.1.3 Instituições e mediadores relacionados ao Assentamento

O assentamento encontra-se próximo à área urbana, na beira da estrada RS-040

que liga Porto Alegre ao litoral. Conta com 376 famílias assentadas em

aproximadamente 9.400 ha, sendo o maior assentamento do estado em número de

famílias.

Page 43: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

34

Para os técnicos que participaram no diagnóstico mencionado (INCRA/FAO,

2000), o assentamento representa um modelo de ocupação do território e de

reestruturação das atividades econômicas. Por isso, a prefeitura de Viamão apoia a

criação do assentamento no seu território, na medida do possível atendendo às

demandas dos assentados. O município assinou recentemente um convênio com a

UFRGS para um amplo trabalho de planejamento do assentamento.

O assentamento já tem mais de um ano, mas o parcelamento foi concluído

recentemente. O assentados já receberam uma parte do Pronaf A (R$ 1.300,00) e devem

receber o restante até meados de 2.001.

A COCEARGS (Cooperativa Central dos Assentamentos de Reforma Agrária do

Rio Grande do Sul), de acordo com o diagnóstico INCRA/FAO (2000), atua mais como

braço político dos assentamentos do que propriamente como cooperativa. Entretanto,

seu papel na articulação do trabalho junto aos assentados e a equipe técnica do

LUMIAR é muito importante. Além disso, como mantém uma rede de contatos entre

todos os assentamentos, tem uma grande capacidade de repasse de experiências

produtivas.

A assistência técnica aos assentamentos do Rio Grande do Sul está a cargo da

EMATER e do Projeto LUMIAR. A EMATER tem hoje uma definição clara de seu

público: a agricultura familiar e os excluídos (assentados, pescadores e índios). O

LUMIAR, por sua vez, de criação recente no Estado representa uma estrutura

relativamente frágil se comparada à Emater, tanto no que diz respeito a seus meios de

atuação quanto à capacitação de seus membros.

O assentamento de Viamão por ocasião da pesquisa de campo era atendido por

uma equipe de cinco pessoas do LUMIAR: uma enfermeira, dois técnicos agrícolas, um

agrônomo e um veterinário. A EMATER, que está melhor estruturada e com uma

grande experiência no município, colabora com esta equipe.

O órgão ligado à conservação/preservação ambiental é o Departamento de

Recursos Naturais Renováveis (DRNR), ligado à Secretaria Estadual do Meio

Ambiente, que é o órgão encarregado de implementar e fiscalizar a Área de Proteção

Ambiental (APA), cuja criação foi determinada pelo governo anterior (em 1998), mas

Page 44: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

35

que ainda não foi implementada. A percepção dos agricultores é que o acompanamento

deste Departamento ainda é precário.

O assentamento encontra-se em uma zona de banhado pertencente à Bacia do

Rio Gravataí. Apesar de ter sido parcialmente drenada para permitir a lavoura de arroz

irrigado, ainda abriga uma fauna e flora muito importante, razão pela qual existem

restrições para o uso de parte das áreas do assentamento (2800 ha de área de

preservação permanente). Além disso, o resto das áreas liberadas para uso agrícola

ainda está submetido a severas restrições, por exemplo, no que diz respeito ao uso de

agrotóxicos. A proximidade de Porto Alegre, que pode ser uma vantagem em muitos

aspectos (comercialização, turismo), apresenta-se na questão ambiental como

problemática, uma vez que qualquer um pode entrar com facilidade no assentamento

para caçar ou pescar, o que é ilegal e pode ser depois cobrado do assentamento.

Por sua parte, o INCRA está em uma fase de reorganização de sua atuação

decorrente dos novos modelos de reforma agrária, baseados em descentralização,

parcerias e concentração dos esforços em regiões estratégicas. Para a divisão técnica, o

estudo deve permitir um planejamento das ações de reforma agrária e uma melhor

integração das antigas divisões (cadastro, fundiário e assentamento).

O Departamento de Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária (DRA), da

Secretaria Estadual de Agricultura, foi criado pelo atual governo estadual para

responder a importante demanda por terra. Seu campo de atuação não fica claramente

diferenciado do INCRA. Este Departamento definiu alguns pólos prioritários de

desenvolvimento no estado. Entretanto, de acordo com o INCRA/FAO (2000), existe

uma proposta conjunta do INCRA e do DRA de trabalhar com assentamentos de forma

“compartilhada”, isto é, trabalhar todos os assentamentos, sejam eles feitos pelo

governo federal ou estadual, com uma mesma visão de desenvolvimento e créditos

oriundos de ambas esferas.

4.2 Origem e trajetória social dos agricultores

Page 45: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

36

Os 26 agricultores entrevistados pertencem a 22 municípios diferentes do

Estado do RS, aparecendo repetidos apenas três municípios: Iraí, Nonoai e Roque

Gonçalves. Isto põe em evidência a grande diversidade de origens regionais destes

agricultores. De acordo com suas próprias afirmações, as 375 famílias provêm de 115

municípios, com suas características particulares de clima, recursos naturais, atividades,

etc.

Quadro 3: Lugares de origem dos agricultores entrevistados - Assentamentos Filhos de

Sepé, Viamão - RS

Identificação Setor onde vive Lugar de origem Localização no Estado 1 D Cruz Alta Centro Oeste 2 C Arroio do Tigre Centro 3 C Augusto Pestana Noroeste 4 B Ronda Alta Norte 5 B Constantino Norte 6 B Palmeira das Missões Norte 7 B Vista Alegre Norte 8 D Iraí Norte 9 D Santo Ângelo Noroeste

10 D Cel Bicaco Noroeste 11 D Iraí Norte 12 D Nonoai Norte 13 D Rondinha Norte 14 C Ijuí Noroeste 15 C Nonoai Norte 16 C Itatiba do Sul Norte 17 A Ametista do Sul Norte 18 A Rodeio Bonito Norte 19 C Uruguaiana Oeste 20 C Roque Gonzales Noroeste 21 A Iraí Norte 22 B Camaquã Sudeste 23 A Roque Gonzales Noroeste 24 A Itaquí Oeste 25 A Constantina Norte 26 A Ametista do Sul Norte

Fonte: Pesquisa de campo.

Em relação à sua origem social, um grupo importante é composto de filhos de

pequenos agricultores (nove casos) e outro de desempregados (10 casos). O restante

trabalhava por conta própria, sendo que quatro eram proprietários de suas terras e três

eram meeiros. Suas ocupações anteriores vão desde a agricultura, a ocupação que mais

aparece, até atividades urbanas como caminhoneiro, pedreiro, músico, técnica contábil e

Page 46: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

37

churrasqueiro, além de outras atividades, como garimpeiro. De qualquer maneira, todos

reconhecem seu passado vinculado à produção agrícola e com a vida rural.

Aproximadamente a metade dos agricultores mora sozinha nos assentamentos,

vivendo junto a outras famílias ou com companheiros, (11 casos), alguns

temporariamente porque são solteiros. O restante vive com suas famílias, esposas e

filhos.

Quanto às razões pelas quais elegeram este assentamento para viver, pouco

menos da metade dos agricultores menciona que foi por sorteio, um terço afirma que fez

a escolha pela vizinhança com centros povoados que permitiriam melhor

comercialização de sua produção, enquanto outros expressaram as duas razões; outros,

para ficarem próximos a parentes ou amigos e, finalmente, uma minoria manifestou que

optou por este assentamento por ser uma área boa para o cultivo de arroz, além do que,

afirmou um deles, é área para arroz “ecológico”.

Finalmente, ao se perguntar por que escolheram o setor onde estão morando, as

respostas foram muito diversas, aparecendo desde aqueles agricultores que afirmam que

não tiveram opção porque foi sorteio, até os que afirmam que chegaram a um acordo

após as discussões. Outras respostas foram: “porque chegou primeiro e escolheu o

melhor lugar”, “porque queria ficar próximo de vizinhos e amigos”, “ficar próximo da

estrada”, “melhor acesso a serviços”, “vizinho aos cultivos”, “disponibilidade de água”,

“tranqüilidade”. Ainda que alguns manifestem ter optado por outro setor e, por diversas

razões, não ter sido atendida sua escolha, ninguém parece estar descontente com o setor

onde está vivendo, sempre parecendo terem encontrado uma vantagem que pareceria

equiparar-se com aquela que percebiam dos setores escolhidos.

Como informação complementar para o melhor entendimento desta escolha de

setor, menciona-se abaixo (Quadro 4) algumas vantagens e desvantagens, de acordo

com os agricultores de cada um dos setores, as quais apresentam a particularidade de

cada um e suas perspectivas.

Parece que ao explicar este processo de seleção de um setor para viver, aqueles

com uma relação mais forte com o movimento o percebem mais como um acordo

depois de sucessivas discussões. Os menos envolvidos, por sua vez, compreendem o

processo mais como um sorteio onde as possibilidades de escolha foram menores.

Page 47: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

38

Quadro 4: Vantagens e desvantagens de cada um dos setores do assentamento, segundo

os agricultores

Setor Vantagens Desvantagens

A

(112 famílias)

Tem infra-estrutura da antiga fazenda. É próximo da estrada e dos centros urbanos, facilitando a comercialização de produtos e o acesso a outras fontes de recursos como venda da força de trabalho.

Setor com muito movimento, problemas de segurança por estar próximo à estrada e da vila de Águas Claras. A zona de cultivo é longe, precisam de um meio de mobilidade para chegar até o lugar. As possibilidades de irrigação são com bombeamento, o que implicaria um custo adicional.

B

(30 famílias)

Lugar tranqüilo, com espírito do interior. Próximo dos cultivos. Está funcionando como comunidade. Um grupo menor de famílias que foram convidadas a este setor quando o resto já estava ocupado, portanto existe maior afinidade. Conta com infra-estrutura da antiga fazenda e com possibilidades de irrigação por gravidade.

Muito longe dos outros setores. A área para viver é menor, é vizinho com a área baixa e alagada, porém acordaram ter menor área para viver e uma área comum para a criação de animais e cultivos de subsistência.

C

(115 famílias)

Lugar tranqüilo, longe da auto-estrada e muito próximo das plantações, o que “é mais importante”. Possuem maior área para moradias, o que faz os vizinhos ficarem mais distanciados. Setor com muita água e irrigação por gravidade.

Muito distante da estrada, o que dificulta a comercialização dos produtos e o acesso a serviços indispensáveis, como saúde. Também há menor possibilidade de venda da força de trabalho.

D

(108 famílias)

Perto da estrada, facilitando o acesso a serviços, transporte, saúde, etc. Conta com infra-estrutura de eletricidade e água.

Área para viver é menor que nos outros setores, portanto os vizinhos estão mais próximos. Apresenta muito movimento e uma grande distância das plantações (mais de 15 km).

Os agricultores com um discurso ambiental, ou melhor, com algum tipo de

sensibilidade ambiental vêem o processo como mais participativo e democrático. Já

aqueles agricultores com baixa ou nenhuma sensibilidade ambiental têm a percepção de

que não foi fruto de uma opção o lugar onde vivem.

Page 48: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

39

4.3 Características estruturais dos sistemas produtivos implementados

4.3.1 Os recursos naturais

O assentamento tem a particularidade de ter duas áreas totalmente diferenciadas.

Uma área bem drenada utilizada para moradia e uma área úmida para cultivos. Por isso,

cada família recebeu uma área média de 17,5 hectares dos quais 1,75 são utilizados para

residência e o resto para cultivo. Os setores A e D possuem menores áreas (de 1 a 1,5

ha), enquanto que no C as áreas são maiores (2 ha). Já o setor B decidiu reduzir a área

para moradia para 0,5 ha, a fim de evitar que algumas famílias terminassem vivendo

dentro da área mais baixa, mal drenada. A superfície não utilizada para moradia será

uma área comum destinada aos cultivos de subsistência. No setor C, o grupo

autodenominado “grupo da roda” apresenta características particulares, tendo uma área

para moradia maior que o restante. A maior parte deste grupo possui 4 ha, em alguns

casos chegando a 8 ha. Deve-se ressaltar que a área total se mantém em

aproximadamente 18 ha. Outra situação diferente é de um grupo de produtores do setor

A que conseguiram juntar as duas áreas, vivendo na área destinada aos cultivos.

As áreas de cultivo não possuem uma demarcação oficial. Sua localização

apresenta dois elementos importantes: em primeiro lugar, a distância entre a moradia e

os cultivos, é particularmente importante para algumas atividades como, por exemplo, a

pecuária (o caso mais notável é a produção de leite); em segundo lugar, determina as

possibilidades de irrigação natural ou por bombeio (setores B e C). Os setores A e D

não contam com a possibilidade de irrigação natural, necessitando portanto de

bombeamento, o que determina um custo extra. Cabe esclarecer que a capacidade de

irrigação é para uma terça parte da superfície total do assentamento, limitando a

superfície que cada família pode destinar a cultivos que demandem este tipo de

tecnologia, como é o caso do arroz (INCRA/FAO, 2000).

Neste trabalho, resulta de grande importância entender como os agricultores

percebem a natureza. Para entender isto se procurou estabelecer uma comparação entre

esta sua nova realidade e a que deixaram antes de vir ao assentamento, que na maior

parte dos casos aparece em suas conversas como uma referência forte quando falam dos

recursos naturais, das práticas produtivas e comerciais de seus produtos.

Page 49: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

40

Na investigação das diferenças que os agricultores percebem entre sua atual

situação e seu lugar de origem aparecem referências à terra, ao clima, às atividades, ao

acesso a serviços, às formas de trabalhar. Estas diferenças geralmente são mencionadas

antes de serem questionadas, refletindo uma marcada ligação com seus lugares de

origem. Quando os agricultores se referem à terra, o elemento que mais aparece para

explicar as diferenças é a composição do solo, a presença de areia, turfa, ausência de

pedras. A cor preta dos solos em parte da área do assentamento é o outro parâmetro

utilizado para falar das diferenças, contrapondo-se ao vermelho característico da região

Noroeste. O relevo plano da nova área é utilizado por um número importante de

agricultores para dar conta das diferenças, mencionando sua zona de origem como uma

região muito quebrada (ondulada), o que apresenta maior complicação para o trabalho.

Uma minoria fez referência a temperatura do solo, que por ser menor aqui obriga a

atrasar a época de semeadura. Por último, poucos, de um lado, entendem que as

diferenças são muito grandes, e outros falaram que estas não existem ou são muito

pequenas. Entre estes últimos, há agricultores que provém de uma zona próxima ao

assentamento.

Em relação às diferenças relacionadas ao clima, a maioria reconhece a presença

de vento e a diferença de temperatura, achando esta zona mais fria que a sua quente

região de origem, o que determina mudanças nas épocas de semeadura de alguns

cultivos. Alguns agricultores usaram como referência aos cultivos (feijão, aqui se planta

em outubro – novembro, enquanto que na antiga zona isto se fazia em agosto). Também

usam como referência a possibilidade de semear milho duas vezes ao ano, prática

comum no noroeste, enquanto que na nova área se limitam a uma semeadura por ano.

Uma minoria menciona a influência de geadas, que aqui são menos freqüentes. Quando

se referem a estas diferenças climáticas, é maior não apenas o número de parâmetros

que usaram para explicá-las, mas também a sua grande variabilidade. Por exemplo,

alguns acham que esta região possui mais ventos que na sua região de origem, enquanto

outros consideram o contrário. Entre os parâmetros utilizados, chama a atenção o

referido por um agricultor ao afirmar que “aqui não se usa veneno...”, como se a

contaminação com produtos tóxicos do ar e da água tivesse que ver mais com um

fenômeno natural ou característica do meio ambiente.

Outros apontam como diferença às espécies cultivadas. Os cultivos extensivos

de milho e soja são os assinalados mais freqüentemente. A diferença para alguns é que

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41

aqui “só podem plantar arroz”, enquanto que a podiam fazer uma maior variedade de

cultivos. Com relação a forma de trabalhar apareceram algumas respostas espontâneas,

“plantar no plano e não em sulco”, a necessidade de incorporar adubo e/ou calcário ao

solo, maior facilidade para trabalhar a terra e para vender os produtos nas vizinhanças e

melhor acesso aos serviços.

As diferenças implicaram mudanças em sua maneira de trabalhar para poucos

agricultores, outros pensam que não determinaram mudanças, enquanto que em dois

casos reconhecem que teriam que mudar sua maneira de trabalhar, para não esgotar o

solo, pela presença de ervas daninhas. Outro foi mais longe, falando da necessidade de

“mudar sua cabeça” porque “aqui é apenas para arroz”. A resposta de outro agricultor,

dos que afirmam que sua forma de trabalhar mudou, foi no mesmo sentido: “fazer arroz

já é uma mudança radical”.

Com relação à utilização do fogo como prática de manejo, esta não se usa em

dois terços dos casos, enquanto que um terço utiliza esta prática às vezes. Alguns

agricultores afirmam que somente com cuidados especiais se pode fazer em seguida a

uma chuva, de acordo com a direção do vento, somente na área de eucalipto. Em todos

os casos se utiliza o fogo para limpeza. Por outro lado, um quinto dos casos pratica o

desmatamento, principalmente de eucalipto, sendo utilizado para venda.

Cabe destacar que mesmo reconhecendo que a nova área é mais apta ao cultivo

do arroz, a maioria dos agricultores vê isto como uma grande dificuldade, enquanto

outros pensam que mais adiante o conseguirão, porém agora continuam fazendo o que

mais sabem, ou que não plantarão arroz sob hipótese alguma, tendo uma percepção

deste cultivo como algo sumamente sofisticado, principalmente por exigir muitos

conhecimentos técnicos para manejo e administração de água, algo para o qual a

maioria deles não está habituada nem capacitada.

4.3.2 Capital

No item maquinaria foi possível constatar a escassa dotação com que contam os

produtores. Dos quatro tratores existentes na mostra, dois já vieram com os agricultores

e os outros foram comprados em grupo com recursos recebidos. Os modelos dos

Page 51: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

42

primeiros são mais antigos (1975 e 1986), enquanto os comprados com recursos do

financiamento são mais novos, (1992). Há também três plantadeiras, uma comprada por

um grupo, e quatro arados, também comprados em grupo. Para mobilidade existem

quatro (carretas) agrícolas, uma moto, uma caminhonete e um automóvel. Dois

agricultores possuem motores, um individual e o outro comprado em grupo. A maior

parte das famílias possui ferramentas de mão. Apenas um dos agricultores afirmou que

possui todas as máquinas adequadas para a produção, já que possui trator, trilhadeira,

sistema de irrigação (sua principal atividade é o arroz, cultivo que já fazia antes de

chegar no assentamento). Outro agricultor, empregado da antiga fazenda, já contava

com caminhonete, plantadeira, arado e automóvel (ano 1969). Apenas estes dois casos

são os que contam com maior capital em maquinários.

Com relação à infra-estrutura, também existe uma notável deficiência: em 10

casos possuem galpões, dos quais sete hoje estão sendo usados como moradia. Alguns

faziam parte da infra-estrutura da fazenda desapropriada, enquanto que outros foram

construídos pelos agricultores, de madeira com telhado de chapa (amianto). Os

tamanhos vão desde 24 m2 até 144 m2 (59 m2 em média). Já alguns galpões da fazenda

são de maiores dimensões, de material com telhado de chapa, em estado de regular até

ruim, ocupados por várias famílias. Em quinze casos contam com chiqueiros e aviários,

geralmente construídos de madeira de dimensões variáveis, com média de 15 m2. Um

grupo, em um primeiro momento de 22 famílias hoje restando somente 7, construiu

duas estufas e uma sementeira de madeira e nylon de 10 x 20 m cada uma. Uma

agricultora mencionou que conta com uma estrebaria de 20 m2 construída de lona. Por

último, 10 casos analisados contam com casa, em quatro destes casos elas pertenciam à

fazenda, sendo estas de material e estando em bom estado. As restantes foram

construídas ou remontadas pelos agricultores, de madeira, com dimensões que vão de 30

a 110 m2.

Em referência à dotação de animais, contam os agricultores com bois de

trabalho: em 12 casos possuem bois destinados à comercialização ou para trabalho.

Contam, em média, com 2,5 vacas por família. Em relação aos novilhos, a média por

família é de 3,7 animais, sendo que a quantidade varia de um a 11 novilhos. Os

agricultores dedicados à produção de leite são aqueles que possuem mais animais. Neste

caso, já são 11 famílias os que possuem vacas leiteiras.

Page 52: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

43

Com a relação a criação de porcos, somente duas famílias não possuem este tipo

de animal. Em 16 casos contam com matrizes, com uma média de 1,75 matrizes por

família, tendo um mínimo de uma e um máximo de quatro. Dividido por toda a amostra,

estas médias chegam a 1,07 matrizes e 5,11 leitões por família. Aves (principalmente

galinhas) existem em 22 casos. Em média, cada família possui 37,5 animais, com um

mínimo de duas, e um máximo de 80 aves.

Como animais de trabalho, em 9 casos contam com cavalos, sendo que em dois

desses a propriedade é grupal. Apenas uma família cria abelhas.

4.3.3 Relação com os mercados

Entre os insumos que os agricultores mais compram aparecem as sementes,

seguido pelos adubos e a uréia. Uma minoria compra calcário, insumos para a criação

animal (ração, concentrados e remédios) ou veneno para combater formigas. Com

respeito aos agricultores que compram adubo, um terço afirma que se trata de “adubo

orgânico”; referindo-se à compra de esterco de uma empresa de produção avícola que

produz de maneira convencional (Avipal).

Um grupo do setor B comprou o adubo utilizado nos cultivos diretamente de

uma fábrica (Canoas). Porém, a maior parte dos insumos, principalmente sementes,

uréia, insumos para a produção animal, foram comprados nos comércios locais (em

Águas Claras, os setores A, C e D, e em Viamão ou Alvorada, o setor B). Uma minoria

afirma que realizou compras na cidade de Porto Alegre.

Com relação ao financiamento, em pouco mais da metade dos casos utiliza-se de

recursos próprios, um terço utiliza-se do sistema troca-troca (através do governo),

especialmente para a compra de sementes, enquanto que um quarto utiliza-se de crédito

comercial. Estes últimos agricultores não podem escolher onde comprar, como explica

um deles: “compro onde me conhecem, não onde é mais barato”. Uma estratégia

diferente realiza outro agricultor que participa de um grupo, comprando onde o preço é

mais conveniente, desde insumos para a agricultura até materiais de construção. Porém,

são poucos os casos que realizam as compras em grupo (apenas cinco casos). Deve-se

esclarecer que combinam diferentes tipos de financiamentos. Em geral, se observa uma

Page 53: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

44

tendência a não contrair dívidas comerciais. Procuram uma atividade que lhes permita

obter algum dinheiro para a compra tanto de insumos como de bens de consumo, ainda

que as prioridades sejam as atividades de autoconsumo. Outra prática que alguns

agricultores mencionam é a troca de insumos, especialmente sementes, com outros

agricultores assentados, evitando assim o desembolso de dinheiro.

Em relação às vendas realizadas, um quinto dos casos não vendeu nenhum

produto, destinando toda sua produção para o consumo próprio. As vendas de

hortaliças, verduras, mandioca e melancias, em conjunto, foram realizadas a pessoas de

fora do acampamento, principalmente em Águas Claras e Viamão, diretamente a

consumidores e comerciantes. O milho foi outro dos produtos mais vendidos, em

número de casos e não pela quantidade, comercializado principalmente com os

agricultores vizinhos o no comércio local. Um quarto dos casos vende leite e derivados

(queijos) diretamente a consumidores de uma vila próxima e em condomínios vizinhos

ao assentamento. Menção especial merece um agricultor que produz arroz, já que o

produto foi vendido localmente e fora da região.

Para a maior parte dos agricultores existe a necessidade de reconstruir suas redes

de relações comerciais. Alguns compram onde oferecem crédito e não onde é mais

conveniente. Na afirmação de um agricultor, “no primeiro ano tivemos que comprar

tudo, até os pés de mandioca para plantar ... aqui não presenteiam nada, tudo é com

dinheiro, porém assim também se vende tudo o que se produz, de porco até melancia,

que lá no interior ninguém compraria...”. Isto reflete como os agricultores percebem a

necessidade de estabelecer novas relações, não apenas comerciais, mas também aquelas

de confiança e amizade com outros de fora do assentamento.

4.3.4 Créditos e rendas

Os agricultores do assentamento receberam dois tipos de fundos, até agora um

para investimento, no início, de R$ 1.400,00, a fundo perdido e outro de custeio, de R$

1.300,00, com dois anos de carência e com um juro de 5% ao ano. Com relação a quem

outorgou estes fundos, os agricultores referem-se ao Banco do Brasil, INCRA, o

Governo Federal, ao governo do Estado ou à associação de alguns destes. Em relação à

Page 54: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

45

taxa de juros que devem pagar, a maior parte não contesta ou não sabe de quanto é; uma

minoria respondeu entre 4% e 6% ao ano.

Estes fundos foram destinados à compra de bens de consumo para a própria

subsistência, particularmente o de investimento, enquanto que o custeio foi destinado,

para a compra de insumos e serviços aos cultivos ou para a compra de animais. Outros

agricultores destinaram parte deste dinheiro para a construção de instalações como

estufas, galpões, etc.

O problema principal que mencionam os agricultores é a demora com que o

dinheiro chega, afetando os tratos culturais, o que impacta na produção final.

Particularmente o milho, os agricultores afirmam ter semeado tarde demais, isto

determinando perdas parciais consideráveis ou totais. Por tratar-se de terrenos que em

parte do ano permanecem alagados.

Ante a pergunta se receberam outras entradas de dinheiro (renda extrapredial), a

metade dos casos afirma que não recebem nenhuma renda, outros realizam

ocasionalmente venda da força de trabalho de algum membro da família, alguns, quando

necessitam dinheiro, outros quando aparece algo. Em um grupo, quem trabalha fora

compartilha com o resto do grupo o dinheiro recebido por este trabalho. Outro grupo

realiza venda de serviços com um trator de sua propriedade, dentro do assentamento.

Aparece uma minoria que conta com outras rendas, como algumas poupanças ou

subsídios utilizados para deslocamento/transporte, instalação e consumo.

Em relação a dívidas, a maioria não apresenta mais do que o crédito outorgado

pelo governo. Observa-se uma tendência a não contraí-las, procurando receita através de

uma atividade agrícola que lhes permitam obter excedentes para a venda ou recorrendo

à venda de força de trabalho. Além disso, pelo fato de estarem reconstruindo suas redes

de relações comerciais, fica ainda mais difícil se obter créditos comerciais ou

financeiros. Para aquele único agricultor que produz arroz para a venda, se observa uma

grande diferença, pois este mantendo suas redes, além do dinheiro que recebeu do

governo, também recebeu financiamento de uma Cooperativa (em Eldorado do Sul),

dívida que foi paga com produto.

Page 55: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

46

4.3.5 Características dos sistemas de cultivo

Entre os principais cultivos se destaca o milho, não apenas por ser um cultivo

que todas as famílias praticam, mas também pela área destinada. Outros cultivos

presentes na maior parte dos casos, ocupando uma menor superfície, são: a mandioca,

feijão, batata-doce, melancia, abóbora e olerícolas. Também são mencionados, em

menor números de casos, cultivos como o amendoim, cana, milho – pipoca e arroz de

sequeiro. Apenas num caso se cultiva arroz irrigado, numa área de 17 ha. Dos cultivos

mencionados, é sem dúvida ao milho que se destina maior superfície (em média 4,78

ha), com um mínimo de 0,5 ha até um máximo de 20 ha (cultivo grupal). Dos

agricultores que semearam mais de 10 hectares, a maior parte corresponde ao milho. As

famílias que semeiam menos de 10 ha também dedicam maior superfície ao milho (em

média 2,5 ha). A metade dos casos semeia menos de quatro hectares.

Enquanto na produção de milho existe uma grande variabilidade nos

rendimentos, aparece uma minoria que não colheu nada por diferentes problemas,

particularmente climáticos (seca e alagamento) e por pragas. Dos restantes, a média foi

de 46,37 sacos por ha, com um mínimo de 3 sacos por ha e um máximo de 235 sacos

por ha. Existe, porém, um problema quanto às unidades de medida (peso) utilizadas,

pois alguns agricultores falam de sacos de espigas (85 quilos), enquanto outros em sacos

de grãos (50 quilos).

De acordo com a origem das sementes utilizadas, a maior parte dos agricultores

utiliza semente comprada. No caso do milho, usam sementes híbridas, compradas

através do financiamento à colheita, via plano troca-troca. Uma minoria utiliza sementes

próprias. Para o resto dos cultivos (feijão, mandioca, abóbora, hortaliças e milho-

pipoca), ainda que a diferença entre semente própria e comprada seja menor, o maior

número de casos se mantém entre os que deveram adquirir (comprar) sementes. Os que

utilizam semente própria são um quinto dos casos, enquanto que um terço utiliza

semente comprada. Para aquele agricultor que realiza como atividade principal o cultivo

do arroz, a origem da semente é própria. Por continuar em sua atividade anterior ao

assentamento e pertencer a uma região produtora de arroz, pode manter sua estratégia de

trocar de sementes com agricultores de outra região, quando deixa 10 sacos de 50 kg

cada quatro anos para manter como semente básica. Cabe destacar que este agricultor

também utiliza sementes próprias para os cultivos de subsistência com olerícolas,

Page 56: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

47

batata, cebola. Ainda que a superfície dedicada a estes cultivos seja significativamente

menor (0,5 ha), este sistema de produção também guarda mais coerência com a

aspiração de chegar a uma agricultura diferente da convencional. Pode-se concluir com

relação à origem da semente utilizada que a maioria dos agricultores utiliza semente

comprada para todos os cultivos e, particularmente para o milho, a semente mais

utilizada é a híbrida.

Em relação à semeadura, há um forte predomínio da manual em comparação

com a mecânica. Aqui novamente é diferente para o milho em relação ao restante dos

cultivos. Daqueles agricultores que utilizam semeadura mecânica, (um terço dos casos),

a maioria foi para semear milho, também se utilizando para semeadura mecânica para

uma pequena superfície de arroz de sequeiro. Para o restante dos cultivos, em nenhum

dos casos se utiliza a semeadura mecânica.

A utilização de algum tipo de adubo e/ou fertilizante se dá em três quartos dos

casos, enquanto que em um quarto dos casos os agricultores afirmam que não utilizam

nada, nem químico, nem orgânico. Entre os produtos utilizados, o que apresenta maior

aceitação é a uréia, utilizada por dois terços dos agricultores, enquanto que outros

aditivos químicos são utilizados por um quarto dos agricultores. Em relação aos adubos,

alguns não especificam que produto utilizam: um quinto utiliza esterco animal, o que

alguns chamaram de “orgânico” (provavelmente por contraposição aos produtos

químicos vendidos pelo comércio). Poucos utilizam biofertilizante. Em relação à

quantidade e ao momento de utilização, existe uma grande variabilidade. A título de

exemplo, a uréia, que é o produto mais utilizado, é aplicada no milho nas seguintes

formas:

2 vezes: semeadura e aos 40 cm da planta; semeadura e pendoamento;

1 vez: a 30 dias; a 50 cm da planta; aos 60 dias, no pendoamento;

Para cada momento, as quantidades aplicadas também apresentam grande

variação.

Dos agricultores que aplicam produtos, um terço o faz por conta própria,

argumentando que é uma prática que já conheciam. Apenas em três casos reconhecem

que foi sugestão ou recomendação dos técnicos. Três casos apresentam diferenças com

Page 57: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

48

relação a este ponto. Um agricultor manifestou que aplica o produto porque provaram

que sem aplicação de adubo não se produz nada. Outro agricultor afirma que

recentemente, realizou análise do solo para aplicar o produto apenas onde era

necessário, onde o cultivo foi mais fraco.

A colheita é manual em quase todos os casos: apenas um quinto dos agricultores

utiliza máquina para realizar este trabalho, a maioria alugada (cultivo de milho).

4.3.6.Características dos sistemas de criação

Em todos os casos analisados, existe algum tipo de produção animal, seja gado

bovino, suíno ou aves. A motivação para esta produção, é variada desde alcançar a

própria subsistência, até como atividade que gera algum excedente para a venda. A

maior parte dos agricultores que possui gado bovino e suíno realiza um manejo

convencional mínimo, utilizando-se de vacinas e antivermes. Apenas um caso

reconhece que ainda não aplicou nada. Dentro das vacinas foram mencionadas aquelas

contra à aftosa, brucelose, leptospirose.

Em relação a um manejo diferente dos animais (comprado a um padrão

convencional) poucos afirmam que não utilizam remédios de nenhum tipo, e apenas um

afirma que utiliza homeopatia para tratar a mastite nas vacas. Outro grupo dedicado à

produção de leite reconhece que trabalha com produtos químicos, porém que deseja

deixar de utilizá-los, a partir da utilização de um remédio a base de alho em pó e sais

minerais comprados no comércio da região para o controle da mosca dos chifres. Cabe

esclarecer que o produto em sua embalagem não apresenta nenhuma descrição de seus

componentes, casos para os quais é indicado e efeitos colaterais.

Com relação ao assessoramento técnico, mencionam o técnico (veterinário) do

Lumiar, que logo após a desativação do projeto não está trabalhando no assentamento.

O veterinário da Secretaria Municipal de Agricultura (Viamão) está trabalhando com

alguns grupos com homeopatia veterinária.

Page 58: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

49

4.3.7 Organização para o trabalho

O tipo de mão-de-obra utilizada é exclusivamente familiar, à que se soma em

alguns casos ajuda mútua.

A metade dos agricultores está integrada em algum tipo de organização, sendo

que um quinto dos casos não tem nenhum tipo de integração/associação. O tipo de

organização que mais aparece é o grupo de trabalho (em três quartos dos casos); poucos

pensam em formar cooperativas. Em relação às tarefas realizadas nos grupos, em um

quarto dos casos se realizam todos os trabalhos, enquanto que em outro quarto o grupo é

somente para levar adiante os cultivos. Para um quinto dos casos, a finalidade principal

dos grupos é acessar recursos financeiros e materiais como trator e maquinarias. Cabe

esclarecer que como condição para receber recursos do governo, os agricultores devem

estar associados. Do quinto que não trabalha em grupo, a maioria pertence ao setor C,

estes não vendo vantagens nestas formas de organização.

As vantagens de trabalhar em grupo, para a maior parte dos que estão nos

grupos, não existem. Apenas um agricultor não integrado afirma que integrará o grupo

quando começar o cultivo de arroz, já que assim pode encarar um cultivo de mais área.

Uma minoria, ainda que em grupos, não vê vantagens ou acha muito difícil trabalhar em

grupo. O restante dos agricultores, uma terceira parte dos casos, menciona como

vantagem uma melhor organização para trabalhar, maior facilidade em acessar recursos

tanto financeiros como de infra-estrutura e máquinas, assim como a possibilidade de

realizar cultivos maiores, montar agroindústrias, ou, inclusive, intercambiar terras para

arroz. Uma minoria dos agricultores afirma trabalhar em grupos porque individualmente

não poderia trabalhar (para estes, mais que uma opção, a organização é quase um

condicionamento), referindo-se à facilidade ao acesso, à máquinas e a organização do

trabalho (distância dos cultivos) e infra-estrutura.

Com relação aos problemas destas organizações, os agricultores que estão

organizados em grupo mencionam, entre outros, mais trabalho, projetos mais

demorados, demasiada discussão sobre como fazer. Outros, em realidade, explicam

porque existem problemas, justificando-os frente a argumentos como a agricultura

exigir um trabalho individual, falta de entendimento, “porque pensamos diferente”, “por

não sermos solidários”, “queremos fazer sozinhos o que cada um deseja”, etc. Alguns

Page 59: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

50

agricultores, no entanto, ensaiam soluções para estes problemas: “hoje, o meu deve ser o

nosso ..., cada um deve fazer o seu e não tomar decisões individuais”. Outros explicam

o que acontecerá, sendo otimistas com respeito ao funcionamento dos grupos,

utilizando-se de expressões como “sempre há problemas, porém são superados”.

As decisões são tomadas, em menos da metade dos casos analisados, pelos

grupos. Um quarto dos casos menciona a família como a que decide, e poucos dizem

tomar as decisões individualmente (vivem com suas famílias no assentamento) ou o

coordenador do grupo é quem decide.

Em relação ao assessoramento técnico, em um quarto dos casos, não contam

com nenhuma assistência. Menos da metade afirma que trabalham com o Lumiar. Um

grupo dedicado à produção de leite e pensando em montar uma agroindústria conta com

assessoramento da EMATER e do município de Viamão. Já os produtores de arroz

mencionam um assessoramento do INCRA.

Em linhas gerais, o trabalho em grupo vai desde os que afirmam que não têm

nenhum problema, até o que não encontram nenhuma vantagem na associação. Entre

estas duas posições estão os que, ainda que estejam em um grupo, não a avaliam como

algo bom, ou que a vêem como uma condição para uma melhora na sua situação

financeira. A maioria dos entrevistados, no entanto, vê no grupo uma possibilidade de

melhor organização ou acesso a diferentes tipos de recursos.

Quando falavam dos problemas, poucos os enunciam com todas as letras. A

maioria tenta explicar as causas dos problemas, ou ensaiam justificativas, ou orientam

suas resposta a um futuro onde os grupos funcionarão melhor. Aparece aqui uma

aspiração, observando-se, nestas situações o contraditório, o “antes” e o “hoje”, duas

realidades ou situações que lutam internamente em cada agricultor: formar grupos,

organizar-se até o momento parece uma questão que lhes impõe este hoje que estão

tratando de construir com elementos que não estavam presentes em sua trajetória.

4.3.8 Projetos e expectativas sociais

Em resposta a pergunta se lhes agrada ser agricultor, todos afirmam que sim,

com algumas pequenas divergências: poucos mencionam que não tiveram condições de

Page 60: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

51

estudar (e, portanto, fazer outra coisa): outros crêem ter uma única alternativa, por

serem filhos de agricultor, não restando outra possibilidade. Somente um agricultor

afirmou que poderia mudar desta atividade para uma pequena indústria (madeireira).

Em relação a planos e projetos, se menciona aumentar as produções (um terço

dos casos), melhorar a infra-estrutura ou a mecanização (máquinas e trator), alcançar a

auto-subsistência, realizar atividades agroindustriais, dando maior valor aos produtos,

ou criar cooperativas. Somente em dois casos menciona-se chegar a uma produção

orgânica ou ecológica. Um caso mencionou que, se pudesse, voltaria a seu lugar de

origem porque no assentamento está muito longe da família. A metade dos agricultores

manifestou seu desejo de fixar-se e viver no assentamento. Por último, para um

agricultor, o projeto guarda relação com um objetivo mais político, ou seja, o de

trabalhar para que este assentamento seja “modelo”.

Como vêem sua situação hoje em relação há dez anos atrás, a maioria pensa que

sua situação melhorou. O nível da melhora tem diferenças, indo desde os que crêem que

melhoraram 100% ou mais, e os que consideram que melhoraram um “pouquinho”. A

principal causa desta melhora é que hoje são proprietários: alguns mencionam que agora

trabalharam para si e, para outros, melhorou sua saúde. Alguns já acham que sua

situação melhorou em alguns aspectos e piorou em outros, entre os positivos está fazer o

que se gosta e ter terra própria, enquanto que entre os negativos menciona-se a falta de

rendas e a qualidade da terra (“terra fraca e sem mata”, explica uma agricultora). Um

quinto dos casos vê a atual situação como regular ou pior pelo aspecto financeiro e pela

falta de recursos.

Quanto ao futuro de seus filhos, a metade dos agricultores respondeu que

deveriam estudar (também uma razão para escolher este assentamento), enquanto que a

outra metade afirma que gostaria que seus filhos seguissem a mesma profissão,

combinando os estudos com a vida no campo. Somente uma agricultora afirma que não

lhe interessa que os filhos estudem, e sim que continuem no campo. Outra agricultora

afirma que orientará seu filho para que acampe e lute por sua terra, ainda que não pense

o mesmo em relação à sua filha. Nos dois casos pensam que devem inculcar nos filhos o

amor pela terra.

Page 61: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

52

Em geral, os agricultores entrevistados manifestam o gosto por sua profissão e,

nesta nova situação, sobretudo por serem proprietários, embora ainda tenham que

melhorar sua situação econômico-financeira. Quanto ao futuro de seus filhos, aparece

um dos tantos conflitos que vivem os agricultores: mesmo preferindo que continuem na

agricultura, devido às dificuldades de vida na cidade e às vantagens de vida mais

saudável no campo, estimam que apenas isso não é suficiente, tornando os estudos uma

forma de garantir um futuro melhor para eles, complementando ambas atividades que

representam dois estilos de vida rural/urbana.

4.3.9 Relação produção agrícola /conservação ambiental

Em relação às razões para a prática das atividades atuais:

A primeira pergunta é em referência às razões pelas quais realizam as atividades

de hoje. Com isto, objetiva-se identificar elementos relacionados à questão problemática

ambiental. A resposta que mais aparece, em um terço dos casos, é aquela que fazem

hoje o que sempre fizeram refletindo a sua trajetória social como a principal referência

na organização de seus sistemas produtivos. Em menos de um terço dos casos afirma-se

que o que realizam hoje é o que necessitam para sua subsistência, enquanto que em um

quinto dos casos assegura que as condições ambientais determinam que a atividade seja

a produção de arroz (destes, a maioria ainda não praticam este cultivo). Uma agricultora

afirma que não é uma opção, senão que uma condição. O outro caso destes quinto é de

um agricultor que provém de uma região arrozeira e esta foi sempre sua atividade

principal. Vê este cultivo como a atividade mais segura. Em pouco mais de um quinto

dos casos planejam que a decisão pelas atividades que hoje realizam tem que ver com

sua situação financeira. Eram as atividades que geravam retorno mais rapidamente e

permitiam uma renda mensal. Destes, três casos produzem leite e queijos, e os outros

dois cultivos hortícolas. Todos vendem a consumidores finais em cidades e

condomínios próximos ao assentamento. Um caso inclui ao arroz de sequeiro dentro dos

cultivos de subsistência, outro menciona este cultivo como o que gera mais renda,

apesar de ainda não cultivá-lo.

Page 62: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

53

Em relação à tecnologia:

Para a maioria dos casos (18 entrevistados) a tecnologia é “boa”; apenas em

pouco menos de um terço faz-se alguma crítica. Para uma minoria dos agricultores ela é

“má” e em um caso apenas a resposta é que “às vezes é boa, porém nem sempre”.

Menos de um quinto dos casos não respondeu, argumentando não saber como

responder.

Entre os argumentos de cada um destes grupos, sobre as virtudes da tecnologia,

aparecem aqueles principalmente relacionados ao que é novo, com avanços, com o

progresso, mudanças. Num quinto dos casos, a tecnologia lhes permitirá obter melhores

produtos e, sobretudo, poder competir (produção ecológica, plantar melhor). Um

agricultor adverte que tem de saber usar, porque permite trabalhar menos, porém gastar

mais. Outro agricultor realiza uma avaliação mais no terreno político, dividindo a

tecnologia em dois, a do projeto neoliberal para uma minoria da população e outra que é

importante para os pequenos produtores, porque permite diminuir custos. O terço dos

agricultores que avaliam a tecnologia como boa, vêem no entanto alguns problemas,

entre os quais que não é acessível a todos. Outro agricultor pensa que elimina mão-de-

obra e destrui a natureza, enquanto que para outros dois não é adequada para produtores

individuais e áreas pequenas. Um dos agricultores que conta com maior mecanização e

um manejo técnico mais adequado porque faz o mesmo cultivo que antes de ser

assentado, afirma que a tecnologia deveria ter que “avançar mais; ser mais moderna”.

Para este agricultor, mais moderna é “mais simples - se quebra uma colheitadeira destas

que tem computadores como faço para consertá-la?”, combinando a idéia de

modernidade com uma estratégia própria de pequenos produtores que realizam o maior

número de tarefas no próprio campo. Para quem vê a tecnologia como um problema, seu

principal argumento é que esta é responsável pelas perdas de emprego. Também

mencionam que diminuiu a liberdade do agricultor, e apenas um agricultor menciona

que ocasionou o desastre ambiental que hoje temos. Por último, apenas um agricultor

acredita que a tecnologia é ruim, por ser inadequada aos pequenos produtores, a quem

ocasionou mais danos que benefícios.

Em resumo, ainda que para menos de um quinto dos casos, a tecnologia pareça

algo ruim, apenas um agricultor menciona os efeitos danosos ao meio ambiente. O

restante critica mais seus efeitos ao fato de não ser acessível a todos. Finalmente, entre

Page 63: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

54

os casos que percebem a tecnologia como algo bom, sustentam a idéia de que esta

tecnologia é a que lhes permitirá sobreviver (em quatro casos falam de competir melhor,

em dois de produzir melhor). A idéia que surge destas expressões é que aplicando

determinada tecnologia, se produzirão melhores produtos que permitirão competir

melhor.

Outra pergunta indaga sobre o porquê das técnicas utilizadas. Os argumentos

que aparecem são relacionados à trajetória dos agricultores, ao que recomendam os

técnicos, à situação econômica ou financeira e a questões ambientais. Para a metade dos

casos, o determinante principal das técnicas que utilizam é sua trajetória, quer dizer, que

fazem como sempre fizeram, que é o que conhecem melhor. Para um quinto dos casos,

o que define finalmente o como fazer, são as recomendações dos técnicos. Um caso fala

de que pessoas do grupo que sabem mais que os técnicos são os que orientam em

relação a como devem realizar os trabalhos. Para alguns, é a situação financeira refletida

na falta de recursos o que marca o como fazer. Por último, em menos de um quinto dos

casos aparecem determinantes relacionados ao ambiental: evitar usar venenos e/ou

químicos ou crêem que é importante preservar o meio ambiente.

Analisando estas respostas se observa que aqueles que sustentam que realizam as

atividades que sempre realizaram são os que também responderam que as técnicas que

utilizam são as que mais conhecem, enquanto que aqueles que realizam atividades

definidas pelas condições ambientais como o arroz, mencionam mais os técnicos e

agricultores componentes do grupo como fonte das técnicas utilizadas. Para os que

realizam atividades segundo seu retorno econômico existe uma combinação entre o

saber dos agricultores e dos técnicos como determinantes de sua ação técnica.

Percepção em relação a suas terras:

Para avaliar suas terras, a maioria divide aquelas que estão nas regiões altas

(moradias) daquelas que se localizam nas regiões mais baixas (cultivos), outorgando-

lhes qualificações diferentes. No terço dos casos que realizam a separação, às terras do

baixo são qualificadas como muito boas, enquanto que as do alto vão desde boas a

muito fracas, passando por avaliações como médias. Nenhum agricultor classifica suas

terras como ruins. Outros dois terços dos agricultores falam de suas terras em geral (sem

Page 64: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

55

separá-las em “altas” e “baixas”. Para estes, menos da metade são boas, para outros seis

são muito boas a boas, porém mencionam alguma dificuldade ou limitante, como a

necessidade de “corrige-las” por serem ácidas, necessitarem de fertilizantes, de difícil

manejo e muito úmidas. Os indicadores que utilizam são a cobertura vegetal, plantas ou

cultivos existentes. Para menos da metade dos agricultores, as terras são boas porque o

que se planta vem, ou porque cresce cana, ou porque tem mata, ou ainda porque são

terras para arroz e soja. Se não são tão boas, é porque só a mandioca cresce sem adubo;

para outro agricultor, o eucalipto extrai todos os nutrientes. Outros agricultores realizam

sua avaliação segundo a cor ou a textura, indicando que estas são terras com muita

areia, com alta porcentagem de matéria orgânica 8% (afirma um agricultor referindo-se

à área de turfa), presença de turfa “(...) que é uma terra podre, misturada com areia,

raízes e resto de banhado”. Outro agricultor compara com seu lugar de origem,

afirmando que “não são boas”. Outros elementos utilizados pelos agricultores em sua

avaliação são a opinião dos técnicos, as análises químicas, que não precisam de tanto

trabalho, ou que uma pessoa pode manejar os 18 hectares (área média para cada família

no assentamento). Uma agricultora realiza uma avaliação englobando mais elementos,

como consistência, umidade e estado das plantas “(...) a terra é dura, seca as plantas, já

nascem amarelas”. Para nenhum agricultor as terras são tidas como ruins.

Como técnicas de conservação, em menos da metade dos casos afirma-se que

não se está utilizando nenhuma técnica de conservação de solos. Alguns afirmam estar

pensando em fazer especialmente adubo verde. A técnica que mais mencionam é manter

a cobertura vegetal o máximo possível, como adubo verde, sendo o cultivo mais

utilizado a aveia. Outros mencionam a adição de adubos e fertilizantes como técnicas de

conservação utilizadas, fazer curvas de nível, enquanto outros atacam mais as

conseqüências que as causas: não deixar ressemearem as ervas daninhas e a construção

de “encanhado” (plantar canas-de-açúcar em áreas mais erodidas ou para reter a erosão)

a fim de manter o solo. Por último, um caso apenas afirma que está fazendo nada por

enquanto, e dois casos mencionam a falta de recursos como a para a não

aplicação/utilização de técnicos.

Percepção em relação a uma agricultura “diferente”:

Esta pergunta indaga acerca de se os agricultores realizam uma “agricultura

diferente” daquela convencional (oriunda dos princípios da Revolução Verde). Quando

Page 65: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

56

se construiu o questionário, o adjetivo “diferente” foi pensado em relação à agricultura

convencional, tentando não utilizar termos como orgânica, ecológica, etc., para não

influir nas respostas e, ademais, porque o objetivo central deste trabalho não implica

definições destes conceitos11.

De qualquer modo, ao formular a pergunta, as respostas foram diversas porque

os agricultores valiam o que realizam hoje, comparando com o que faziam antes, e não

existe uma correlação total entre o “antes” e a “agricultura convencional”, nem entre o

“hoje” e a “agricultura ecológica”. Pelo contrário, existem muitas combinações. Além

disso, os entrevistados mencionam outras “agriculturas diferentes” que não

correspondem precisamente aos termos ou noções de convencional e ecológica. Desta

maneira se tentou sistematizar as respostas, analisando-as segundo as particularidades

da cada caso e não em referência a um conceito de agricultura convencional, orgânica,

ecológica, etc.

Para a metade dos agricultores entrevistados a resposta foi sim, deveriam fazer

uma agricultura diferente, enquanto que para menos de um terço dos agricultores já

estão fazendo algo diferente, o atualmente experimentado. Para mais de um quinto dos

agricultores, não deveriam produzir de maneira diferente, entre estes, dois casos

realizam uma produção sem uso de agrotóxicos; para outros três não se pode mudar

nada pela falta de recursos ou porque não se pode produzir sem adubos (hoje utilizam

adubo e não crêem que possam produzir sem eles, portanto não podem mudar), ou

porque não podem usar veneno (hoje produzem sem agrotóxico, mas se pudessem

usariam - está proibido na APA). Finalmente, apenas um agricultor que produz

convencionalmente não crê que deva mudar.

Analisa-se agora o que entendem por “produzir de maneira diferente”. Se bem

que para a maior parte dos casos guarda relação com uma “agricultura ecológica”,

aparecem outros elementos. Para a metade dos agricultores, se estabelece uma relação

com os insumos utilizados, falam de não usar venenos ou químicos, utilizam apenas

adubos orgânicos, “colher limpo” (sem venenos), com mais qualidade e mais preço. Em

três casos utilizam termos como ecológica ou orgânica. Quanto a outras produções 11 Para ALMEIDA (1999), a profusão de qualificativos é fonte de confusões. Alguns vêem o “alternativo” ou “diferente” como uma outra forma de produção, protegendo mais o meio ambiente. Para outros, pode significar uma organização mais solidária e até mesmo uma nova sociedade. Essas idéias contestadoras

Page 66: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

57

diferentes utilizando outros elementos como parâmetros, aparece uma produção mais

econômica e que utilize menos mão-de-obra, ou utilizando maior quantidade de

máquinas e sem agrotóxicos.

Finalmente, em uma posição absolutamente contraditória à posição da maior

parte dos agricultores, dois entrevistados afirmam que produzir diferente seria para um

caso de se utilizar mais máquinas, porque demanda menos tempo para preparar a terra.

Seus planos são de capitalizarem-se, formarem um grupo e produzirem arroz

convencionalmente. Outro caso, mais contraditório ainda, afirma que produzir diferente

seria utilizar veneno, porque demanda menos tempo, mas está proibido.

Em relação às razões pelas quais deveriam fazer uma produção diferente,

concentrando-nos naqueles que se referem ao diferente como uma agricultura sem

agrotóxico, aparecem aspectos ligados à saúde, ao econômico e ao meio ambiente. Os

que mencionam a saúde como principal razão para realizar outra agricultura, são

maioria, contabilizando 19 casos. Entre os argumentos mais relacionados com aspectos

econômicos estão: o mercado e a demanda, o retorno econômico, a facilidade para

comercializar e a competitividade. Usam estes tipos de argumentos dois quintos dos

casos. Justificativas mais relacionadas ao meio ambiente aparecem em um terço dos

casos, mencionando o ar, a terra, o solo, a natureza e o meio ambiente como um todo a

ser preservado. A maior parte dos agricultores utiliza uma combinação destes três

aspectos (saúde, econômico e meio ambiente), com prioridades diferentes.

A pergunta seguinte faz referência às dificuldades que existem, segundo os

próprios agricultores, para produzir de maneira diferente. Para um terço dos casos

existem mais dificuldades, para menos de um quinto dos agricultores não é possível

uma produção diferente por falta de recursos. Em três casos, localizam as dificuldades

em suas próprias limitações, refletidas em expressões como “fomos criados em uma

agricultura convencional: plantar ecologicamente é mais difícil”, ou “exige maior

conhecimento e mais esforço prático”. Outros fazem referência à demanda de mais

trabalho (um quinto dos casos): “exige mais trabalho, é mais complicado”. Para outro

agricultor, é mais difícil porque as pragas atacam mais. Por último, para três casos, é

mais fácil fazer uma agricultura diferente.

têm em comum o fato de repensar a relação da agricultura e o espaço rural com o meio ambiente natural e seus recursos.

Page 67: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

58

Percepção em relação à área de proteção ambiental (APA):

Todos os assentados entrevistados afirmam que conhecem a existência de uma

APA no assentamento, inclusive um bom número deles esclarece que já sabiam da

existência desta área antes de chegar ao assentamento. Apenas um agricultor, cuja

trajetória não se liga ao movimento, senão que fazia parte do pessoal da antiga fazenda,

se refere ao tema com bastante distância: “sim, os técnicos falam disto”. Ao perguntar a

opinião sobre a APA, começam a aparecer apreciações muito diferentes, desde

considerar a área como muito boa, até a opinião de que é algo que não serve para nada,

passando pela grande maioria que acha a APA como “uma coisa muito boa”.

Dentre os principais argumentos entre aqueles que avaliam positivamente esta

área, se destacam, para a maioria, que é importante para preservar os animais que vivem

ali (aves, peixes, cervos, “bichinhos”). Para menos de um quinto dos casos, a

importância reside em preservar plantas, mata e, inclusive, fazer reflorestamento nesta

área. Dois casos apresentam argumentos mais relacionados com a saúde. Para outros

dois, a importância reside em proteger a natureza. Um caso menciona a biodiversidade,

enquanto que para um terço dos casos o argumento é mais político, ou seja, da

necessidade de demonstrar que os assentados não destroem os recursos, ao contrário,

podem produzir de uma maneira ecológica, política e economicamente correta. Pelo

menos três destes agricultores mantém uma relação mais forte com o movimento,

desempenhando alguns cargos dentro do assentamento. Já dentre os agricultores que

manifestam uma avaliação mais negativa em relação a APA, há alguns casos de

agricultores que não faziam parte do movimento ou tinham pouca participação. Entre os

agricultores que defendem esta última posição, se destacam dois casos que avaliam a

APA como sendo boa, somente em parte. Um destes esclarece que essa terra lhe poderia

servir para plantar mais. Outro agricultor diz que esta área é demasiado grande, poderia

ser menor, apesar de concordar com a importância de preservar animais e manter a água

limpa. Finalmente, em dois casos acredita-se que é “coisa do governo”. Um deles

prefere não opinar, enquanto uma agricultora avalia a existência da APA como uma

“bobagem”, já que não lhe serve a nada, apesar de ter algo de bom nesta área, pois

cresce faxinal.

Page 68: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

59

Em relação ao regulamento sobre a APA, uma grande maioria afirma que o

conhece. Apenas um agricultor menciona que se firmou um convênio ou um documento

de compromisso internamente, porém os técnicos que tinham que divulgar o

regulamento, nunca o fizeram, coincidindo com a afirmação de outro agricultor,

segundo o qual “as pessoas do meio ambiente” vieram delimitar a área e nunca mais

apareceram. Menos da metade dos casos menciona a proibição de caçar, pescar ou

utilizar fogo. Vários deles acham que a caça e a pesca são permitidas apenas para o

consumo, não utilizando rede ou matando um animal para vender o couro. Segundo dois

agricultores, se pode usar esta área para criar animais com critério, sem destruir.

Finalmente, apenas dois casos mencionam a proibição de utilizar agrotóxicos nos

cultivos.

Analisando estas afirmações se observa uma grande distância/divisão entre a

natureza que está dentro de suas propriedades e a que está fora, precisamente na área de

proteção ambiental, distância/divisão esta que se vê claramente refletida na expressão de

alguns agricultores, como por exemplo, “aqui é minha propriedade [...] do outro lado é o

meio ambiente”. Ao responder com relação às dificuldades que essa área de proteção

implica, novamente aparece esta distância/divisão. Para a grande maioria, não implica

nenhum problema, um terço afirmando que é uma área que está longe e fora da área de

produção. Para outra terça parte dos casos existe dificuldade devido aos animais que

vivem ali, alguns dos quais ocasionaram danos aos cultivos. Para um agricultor o

problema é sua localização, já que deve atravessar essa área para chegar aos cultivos,

enquanto que outro relata que a dificuldade foi demarcar esta área. Apenas um

agricultor afirma que, em princípio, o problema é que não tem como produzir

ecologicamente, mencionando a necessidade de buscar uma forma de controlar pragas

sem usar veneno.

Quando se lhes pergunta sobre outra forma de proteger a natureza, aparecem

diferentes respostas, entre elas conscientizar e educar, não usar fogo, não depositar lixo

em qualquer lugar, especialmente nos cursos de água, respeitar esta área de proteção, e

ter um maior acompanhamento da FEPAM. Alguns casos mencionam o

reflorestamento, especialmente nas margens e nascentes dos rios. Uma minoria

menciona como outra forma de proteger a não utilização de agrotóxicos (se reflete aqui

novamente a divisão). Por último, para um agricultor, outra forma de proteger seria

através da tecnologia, ainda que reconhecendo que esta destruiu tudo.

Page 69: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

60

Em relação às reservas florestais, todos os entrevistados são favoráveis,

expressando diferentes idéias a respeito, entre elas a sua importância para as nascentes e

margens dos rios, importância da conscientização para reflorestar. A metade dos casos

manifesta a idéia de plantar ou reflorestar parte de suas áreas. Menos da metade dos

agricultores fala em conservar, proteger ou não desmatar. Entre as vantagens, os

agricultores mencionam o uso de espécies que forneçam frutas, lenha e sombra.

Espécies como eucalipto ajudam a melhorar o solo (drenagem), proteger a natureza,

meio ambiente e animais que vivem na região. A presença da mata permite ar mais puro

e clima menos quente. Vários agricultores estão produzindo mudas para

reflorestamento, ainda que se observe bastante desmatamento, particularmente de

eucaliptos. Isto, somado às intensas chuvas, pode ser a causa de alguns sinais de erosão

hídrica que aparecem no assentamento. Para um dos agricultores, a falta de recursos

financeiros, devido ao atraso dos subsídios recebidos do governo, determinou um maior

desmatamento porque esta atividade se converteu na principal fonte de renda para

muitos agricultores.

Page 70: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

5 A RELAÇÃO PRODUÇÃO/CONSERVAÇÃO ENTRE OS AGRICULTORES

INVESTIGADOS E A POSIÇÃO DOS MEDIADORES TÉCNICOS

5.1 A sensibilidade ambiental entre os agricultores assentados

Nas “arenas públicas” muitas vezes os conceitos já têm um significado e até se

atribui um papel aos cientistas, como “mediadores biculturais”, atuando entre a arena

pública, conforme uma agenda pública do estado e as situações específicas, de onde

aparecem os conflitos devido a interpretações particulares que existem nas últimas.

Neste trabalho se pretende analisar uma “arena específica” com as interpretações que se

refletem nas respostas dos diferentes grupos de agricultores e dos mediadores técnicos

com relação à questão ambiental, a sustentabilidade e a uma agricultura diferente. Evita-

se assumir a postura de avaliar qual destas interpretações é a mais correta, de acordo

com significados “oficiais” ou “universais” destas questões, o que determinaria não

apenas uma mutilação do objeto de estudo deste trabalho, ou até mesmo perder a

possibilidade de analisar os diferentes “pacotes interpretativos” e as relações de força

para sua imposição, análise que se mostra mais rica quando se assume o papel da

autoridade para dizer qual é o correto. Segundo FUKS (1997), trabalhar nas arenas

específicas permite contextualizar melhor que quando se fala de “opinião pública”, ou

até mesmo de “representações sociais”. Estas arenas específicas estão sempre inter-

relacionadas formando em seu conjunto um sistema de arenas. Assim, para o caso deste

estudo, não existe uma “questão ambiental”, uma opinião pública, senão uma série de

conflitos em arenas específicas.

Com o desenvolvimento da investigação se observou uma dissociação entre o

que os agricultores manifestam e o que fazem, ou seja, a natureza ocupando um lugar no

discurso e outro diferente na ação/prática social. Frente a isso, se agruparam os

Page 71: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

62

agricultores em duas grandes categorias: aqueles que “não manifestam sensibilidade

ambiental” e os que “manifestam sensibilidade ambiental”. Entre os primeiros aparece

uma minoria que, apesar de não manifestar um discurso com sensibilidade ambiental, a

natureza ocupa um lugar destacado dentro dos sistemas produtivos. Já no segundo

grupo, dos que manifestam sensibilidade ambiental, destaca-se um grupo majoritário, os

que ainda manifestam sensibilidade mas esta não se reflete em seus sistemas produtivos.

Esta sensibilidade ambiental está avaliada de acordo com o lugar que ocupa a

natureza nos discursos e ações práticas sociais dos agricultores. Este lugar é

determinado por vários parâmetros dentro da estrutura subjetiva, tais como a avaliação e

apreciação que os agricultores realizam de seus recursos naturais, principalmente a

terra, como avaliam sua atual situação, os critérios para selecionar as atividades que

realizam, a apreciação que fazem da tecnologia, os critérios utilizados para escolher as

diferentes técnicas que aplicam, a percepção que têm de uma “agricultura diferente” e o

significado que atribuem à presença de uma área de proteção ambiental no

assentamento.

Cabe destacar que a conformação dos grupos de agricultores, como uma

ferramenta que facilita a análise, não tem caráter definitivo nem estático. Os grupos não

apresentam limites exatos, os agricultores se ordenando em uma escala segundo suas

manifestações e ações. Porém, se uma área de transição, compartindo características de

ambos os grupos. Os agricultores não permanecem nestes grupos indefinidamente,

senão que por tratar-se de um processo, os lugares que ocupam são dinâmicos. A

estática ou quietude que se atribui ao mundo rural é apenas um estereótipo que se

precisa romper.

O grupo predominante é aquele que reúne os que manifestam certa sensibilidade

ambiental, perfazendo 73% da amostra, contra o restante de 27% que não manifesta

nenhuma sensibilidade. Por outro lado, os que realizam alguma ação que reflita certa

sensibilidade ambiental representam 31% da amostra, enquanto que aqueles que não

desenvolvem nenhuma ação com esta sensibilidade somam 69% da amostra. As ações

concretas são as que permitem avaliar o lugar que ocupa a natureza em seus sistemas

produtivos, avaliação que será realizada através de diferentes eixos, todos estes

permeados pela relação homem/natureza. Foram analisados os “pacotes interpretativos”

Page 72: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

63

dos diferentes grupos para entender como vêem na relação sociedade/natureza e como

esta interfere na organização de seus sistemas produtivos.

Uma das características que se analisou entre os grupos de agricultores tem

relação com as estratégias que utilizadas para alcançar seus objetivos. A primeira

diferença entre os grupos de agricultores se apresenta justamente neste sentido: aqueles

que “não” manifestam um discurso ambiental estão direcionados ao objetivo da

subsistência, isto refletido em alguns indicadores, como por exemplo: as atividades

selecionadas são aquelas tendentes a alcançar seu auto-abastecimento, realizando

vendas de produtos em pequena escala aos próprios vizinhos dos assentamentos. Dentro

deste grupo aparecem alguns casos que apresentam, no plano econômico-financeiro,

situações comprometidas, já que contam com menor dotação de recursos e não recebem

dinheiro de fora de sua propriedade. Aparecem também neste grupo, agricultores que

manifestam escasso compromisso com os objetivos do movimento, tais como trabalhar

em grupo ou encarar uma forma de produção alternativa, de participação e, em alguns

casos, até a solidariedade e cooperação não se manifestam.

Estes agricultores não manifestam sensibilidade e esta tampouco se observa em

seus sistemas produtivos. Existe, portanto, coerência entre o discurso e as práticas. A

natureza não ocupa um lugar de destaque, nem em um, nem em outro. Ao referir-se a

uma agricultura diferente, aparece neste grupo um leque muito variado de

possibilidades, desde uma agricultura com grandes máquinas, ou defendendo a

utilização de agrotóxicos, até a expressão de uma impossibilidade de praticar uma

agricultura diferente, já que sem o uso de adubos o solo não produz e a presença de

formigas obriga a combatê-las. Sua percepção da tecnologia é positiva, crendo que

através dela conseguiram melhorar sua produção (não expressam claramente qual seria

essa melhora, e se relaciona com produtos mais ecológicos). A presença da APA não

significa nada em especial para seus sistemas produtivos e suas práticas. As posições

variam desde “não me interessa, isto é do governo”, até aquelas que crêem que é

importante para preservar os animais que vivem no local, porém em poucos casos

estabelecem alguma relação mais direta com a propriedade.

Aparece neste grupo uma minoria na qual a natureza ocupa diferentes lugares no

discurso e nas ações, assinalando-lhe um lugar muito mais destacado na organização

dos sistemas produtivos que em seus discursos, não manifestando nenhuma

Page 73: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

64

sensibilidade ambiental, apenas que não possuem um discurso estruturado sob uma

linha que manifesta o próprio movimento, (por exemplo, um dos agricultores avalia

negativamente a presença de uma APA dentro do assentamento). Outra característica

que se podem observar nesta minoria é sua avaliação sumamente negativa da

tecnologia, responsabilizando-a por danos sociais como desemprego, desigualdade e

danos ambientais como a destruição dos recursos naturais. No momento de avaliar sua

situação, utilizam elementos da natureza, como por exemplo, sua situação piorou porque

“... a terra é fraca e não tem mata...”. Por último, suas práticas escolhidas segundo

critérios mais ligados aos recursos naturais, isto refletido na afirmação de um dos

entrevistados: “... faço o que é bom para a terra”. Sua produção, como já mencionado,

está orientada para a subsistência. De acordo com sua percepção, já realizam uma

“agricultura diferente”, livre de químicos, empregando também práticas de conservação

do solo com segurança de seus efeitos.

Os agricultores pertencentes ao grupo que manifesta um discurso com

sensibilidade ambiental apresentam estratégias diferentes ao anterior. Em geral, seus

sistemas produtivos estão mais orientados para produzir, além da subsistência, algum

produto para venda, tais como verduras, leite, arroz, abóbora, além de produtos

elaborados na propriedade, como pães e queijos. Alguns destes agricultores realizam

vendas de produtos no comércio da região. Aqui as atividades, incluindo os próprios

cultivos, são escolhidas segundo a possibilidade de retorno financeiro mais rápido. Em

vários casos, uma produção diferente é vista como uma atividade com boa vantagem

competitiva, que lhes permitirá ingressar em mercados diferenciados, única alternativa

para a pequena produção familiar.

Em alguns agricultores pertencentes a este grupo, a sensibilidade que

manifestam em seu discurso se reflete em seus sistemas produtivos. A natureza aparece

neste grupo em seu discurso e em suas ações, às vezes de maneira moderada. Uma

agricultura diferente é vista como possibilidade de viver melhor, alcançar o mercado e

como uma alternativa política mais que produtiva, que permitiria mudanças na

sociedade. A existência da APA permitiria demonstrar que os assentados não destroem,

demonstrar que aqui a natureza é vista como um símbolo ou um valor mais amplo,

favorecendo para que esta disputa alcance uma esfera pública.

Page 74: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

65

Este contexto cultural é um fator importante na dinâmica argumentativa dos

conflitos sociais. Seus sistemas produtivos apresentam características de uma

agricultura diferente da convencional, utilizando semente própria, evitando o uso de

químicos e utilizando em seu lugar bio-fertilizantes de fabricação própria. O manejo

animal também possui características similares. Em alguns casos, se bem que a

produção não é totalmente diferente da convencional, há clareza acerca de como vão

realizar as próximas safras (por exemplo, onde comprar sementes, animais, etc.). A

tecnologia é vista como inacessível para os pequenos produtores, enquanto que as

técnicas utilizadas são aquelas discutidas e analisadas de forma grupal ou com os

técnicos. Estes agricultores valorizam o trabalho grupal, encontrando-se em situações

melhores que o grupo descrito anteriormente, com uma melhor dotação de recursos e,

em alguns casos, recebendo dinheiro de fora de sua propriedade.

Observa-se neste grupo uma grande maioria de agricultores onde a sensibilidade

que manifestam em seu discurso não se reflete em seus sistemas produtivos, ou seja, a

natureza ocupa um lugar mais central em seu discurso, se comparada ao lugar ocupado

na organização dos sistemas produtivos. Neste grupo se encontra um número importante

dos entrevistados, observando-se uma graduação, desde casos com um discurso onde a

natureza ocupa um lugar pouco claro, até aqueles em que ocupa uma maior

“centralidade”. Os primeiros não manifestam uma consciência da dissociação entre o

que dizem e o que fazem. Os segundos, já percebem mais claramente que ainda o que

fazem não é igual ao que dizem, porém atribuem isto a diferentes fatores, tais como a

falta de recursos ou suas próprias limitações pessoais, como seus conhecimentos, suas

experiências: “esta forma de trabalhar apresenta muitas dificuldades para nós, criados na

questão ‘convencional’. Plantar ‘ecologicamente’ dá mais trabalho”, assegura um

agricultor.

Entre outras posições deste grupo, pode-se mencionar a relacionada com a

prática de uma agricultura diferente. Alguns crêem que esta possui vantagens em

relação a saúde e para acessar o mercado como forma de responder a uma demanda

destes produtos diferentes. A presença da APA tem uma aceitação muito positiva, por

permitir preservar plantas e animais que vivem no local. Por outro lado, a APA servirá

para demonstrar que os assentados não destroem a natureza. Neste grupo aparecem

casos que relacionam diretamente suas ações dentro de seus sistemas produtivos com os

Page 75: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

66

prováveis efeitos, fora deste, na APA, por exemplo. Outros não fazem uma relação

direta entre as práticas que realizam em seus sistemas e nesta área.

O processo gerador destas diferentes posições com relação à natureza é

sumamente complexo, constituído em um grupo de variáveis, tais como pela origem,

geográfica e social dos agricultores, sua ocupação anterior, pelas atividades que

desenvolviam e suas trajetórias sociais. São estas variáveis, entre outras, e suas

combinações que determinam diferentes posições, o que não permite afirmar uma

relação direta entre elas, a origem e a posição social, por exemplo. Cada agricultor

atravessa experiências particulares que permitem entender sua posição com respeito à

natureza, porém não determinam um processo único de construção das diferentes

percepções da natureza. Ou seja, dentre os diferentes elementos para caracterizar os

grupos com diferentes posições, nenhum é determinante por si só: é a combinação

destes elementos que determina uma posição.

5.2 Análise de posições e estratégias em cada grupo e sua relação

produção/conservação

Os eixos utilizados para caracterizar e diferenciar os dois grupos, os que

manifestam alguma sensibilidade ambiental e os que não manifestam, incluem aspectos

tanto da estrutura subjetiva como da objetiva, além de alguns elementos relacionados

com sua trajetória. Os eixos utilizados para a caracterização destes grupos foram:

a) a “estrutura subjetiva”: avaliação dos recursos naturais considerados como

critérios para escolher as atividades que hoje realizam; percepção da

tecnologia, critério para selecionar as técnicas que utilizam; implementação

de técnicas de conservação de solo; percepção de uma agricultura diferente;

percepção da APA e avaliação de sua situação atual;

b) a “estrutura objetiva”: dotação de recursos; renda obtida de fora da

propriedade; organização para o trabalho e características dos sistemas

produtivos;

c) a “trajetória social”: origem social; ocupação anterior e participação dentro

do movimento.

Page 76: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

67

5.2.1 Estrutura subjetiva

As atividades produtivas que um agricultor desenvolve ocupam um lugar

destacado entre as estratégias que escolhe para alcançar seus objetivos. Nos grupos

analisados, este aspecto apresenta diferenças, como por exemplo, as variáveis que cada

grupo utiliza para definir as atividades que levará adiante. Entre os que manifestam

sensibilidade ambiental e esta se reflete em sua ação, as atividades selecionadas são

aquelas que apresentam um melhor retorno econômico, também mencionando a

subsistência. Neste grupo é onde mais se menciona ao cultivo de arroz como atividade

principal (em um caso é o que já faz, o restante porque considera que estas atividades

junto com as olerícolas dão mais dinheiro e se vende melhor). Cabe recordar que os

cultivos de arroz e hortaliças são os recomendados pelos mediadores técnicos para esta

região. Outro parâmetro mencionado foi a utilização da mão-de-obra familiar

disponível.

No grupo que manifesta sensibilidade ambiental, porém não refletida nas suas

ações, os elementos mencionados como determinantes das atividades são mais variados

que na anterior, também aparecendo mais fortemente o que faziam antes de chegar ao

assentamento. Uma minoria manifestou que realizam o necessário para o consumo,

enquanto um número também pequeno expressa que a área é para arroz. Em um número

importante de agricultores deste grupo, o determinante na escolha das atividades foi a

situação financeira, que os levou a implementar atividades que significam um retorno

financeiro mais rápido, ademais de um ganho periódico, como no caso da venda de

leite.

No entanto, no grupo que não manifestam sensibilidade ambiental, os

determinantes que aparecem para definir as atividades são fundamentalmente aqueles

que garantem a subsistência e o que sempre faziam.

A percepção da tecnologia do grupo que manifesta sensibilidade ambiental é de

crítica, considerando que é inacessível para todos os agricultores, particularmente o

pequeno. Um agricultor enfatiza que “precisa ser mais moderna”. Ante a pergunta do

que entendia por mais moderno, esclareceu que precisa ser “mais simples” para que

quando se quebre (uma máquina, por exemplo), seja o próprio agricultor que possa

consertá-la.

Page 77: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

68

Ao analisar-se os fatores utilizados pelos agricultores para a eleição das

diferentes técnicas em seus sistemas produtivos, aparecem majoritariamente aspectos

relacionados aos recursos naturais, por exemplo, aquilo que é melhor para a terra ou

para a preservação do meio ambiente. Outro aspecto que merece ser destacado é que

todos os agricultores manifestam que as técnicas são selecionadas a partir da discussão

entre o grupo ou perguntando a outros agricultores, vizinhos e técnicos.

Já no grupo dos que manifestam sensibilidade ambiental, ainda que não a

reflitam em suas ações, a percepção da tecnologia é menos crítica, ainda que alguns,

uma minoria, também afirme que não é para todos. Muitos crêem que tem que tomar

essa tecnologia para poder competir, produzindo produtos orgânicos ou sem veneno, por

exemplo. Alguns consideram a tecnologia boa e não realizam nenhuma critica, enquanto

outros, apesar de considerá-la boa, acham que algumas dispensam mão-de-obra e outras

destroem a natureza, de modo que se deve saber como usá-la.

Neste grupo predomina como critério para a escolha das atividades que realizam

seu conhecimento prévio, ou seja, os agricultores utilizam aquelas técnicas que já

conheciam (isto acontece com a metade do grupo). Outros mencionam o técnico,

enquanto que outros, uma minoria, respeita a regra de não usar agrotóxicos ou químicos.

Um caso atribui as técnicas utilizadas à demanda do mercado, que cada vez influi mais

nas decisões do agricultor. Por último, um outro menciona as dificuldades econômicas

que estão passando.

Já entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, a percepção da

tecnologia é a de menor crítica entre todos os grupos. Avaliam a tecnologia como de

“boa” a “muito boa”, como um avanço ou algo novo que lhes ensinará a plantar melhor

e obter um produto melhor. A exceção do grupo é aquela minoria que, apesar de não

manifestar sensibilidade ambiental, esta se reflete em suas ações, e onde a avaliação da

tecnologia é muito negativa, responsabilizando-a pelo desemprego que hoje existe e

pela destruição dos recursos ou da natureza.

Neste grupo que não manifestam sensibilidade ambiental o critério que mais

aparece para a seleção de técnicas é o conhecimento anterior, o que realizavam antes de

chegar ao assentamento. Mencionam também a disponibilidade de recursos (financeiros

Page 78: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

69

ou de máquinas) como determinante. Uma minoria manifesta que as técnicas se

selecionam segundo a terra.

No grupo que manifesta sensibilidade ambiental, apenas uma minoria menciona

que realiza técnicas de conservação de solos, cobertura verde utilizando aveia. A maior

parte do grupo manifesta que não está implementando ações tendentes à conservação de

solos, ainda que alguns deles expressem sua intenção de fazê-las (no momento estão

aprendendo com a realidade, manifesta um agricultor).

No grupo que manifesta sensibilidade, ainda que esta não se reflita nas suas

ações, menos de uma terça parte ainda não realiza nenhuma ação tendente à

conservação de solos, ainda que pense realizá-la mais adiante. Uma minoria menciona

como medida a cobertura verde utilizando aveia, palha de milho ou grama, evitando o

fogo. Dois casos realizam ações mais orientadas às conseqüências que as causas da

degradação.

Entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, uma minoria expressa que

não realizam nenhuma prática de conservação de solos por falta de recursos.

Mencionam a idéia de plantar aveia e fazer curvas de nível para conter a erosão do solo.

Outros agricultores mencionam a adição de esterco, adubo e uréia. Por último, aquela

minoria onde a natureza ocupa um lugar de destaque em seus sistemas, ainda que eles

não o expressem, enumera um conjunto de técnicas para evitar a degradação do solo,

usam adubo verde com espécies de aveia e milho, mantêm a reserva do milho colhendo

somente a espiga. A palha do arroz também permanece, realizam curvas de nível ou o

plantio de cana para segurar a terra.

Com relação à prática de uma agricultura diferente no grupo que manifesta

sensibilidade ambiental, encontra-se um caso que assegura já realizar uma agricultura

diferente e não tem que mudar, já que a produtividade é ótima. Um terço dos

agricultores afirmam que estão orientando suas ações para atingir este objetivo. Um

deles manifesta que está tentando fazer o correto, se bem que não existe uma única

forma correta (demonstrando clareza no sentido de que não se trata de aplicar receitas

ou fórmulas específicas, pelo contrário, é mais complexo). A metade dos agricultores

assegura que está fazendo uma agricultura diferente porque de onde provém não se

produz nada sem químicos e agrotóxicos. Entre as razões para realizar uma agricultura

Page 79: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

70

diferente, neste grupo, aparece principalmente a saúde (do próprio agricultor e da

sociedade), através de melhoras no ambiente (menor poluição) e de uma alimentação

mais saudável. Um terço do grupo utiliza argumentos mais econômicos, tais como

descobrir uma forma que permita aos agricultores pobres competir por maior qualidade

dos produtos, melhor preço e menor custos, ou por produtos que se vendam com

facilidade. Por último, um agricultor menciona a evolução de toda a sociedade como

principal vantagem de uma agricultura diferente. Com relação às dificuldades, a metade

do grupo assegura que é mais complicado, porque exige maior conhecimento e esforço

prático e demanda maior trabalho.

Todos os agricultores do grupo que não refletem sensibilidade ambiental e

expressam em suas ações, aceitam que deveriam realizar uma agricultura diferente. A

maioria faz referência a um sistema sem químicos, nem venenos, de forma mais

ecológica. Outros sustentam que uma agricultura diferente exige maior

acompanhamento técnico, maior utilização de maquinaria ou que economiza mais e usa

menos mão-de-obra. Entre as razões usadas para realizar esta agricultura diferente

aparece a saúde do agricultor na quase totalidade dos casos, aparecendo em mais da

metade do grupo argumentos econômicos como as oportunidades do mercado, a maior

facilidade de vendas, e o retorno econômico maior. Por último, argumentos relacionados

à conservação do meio ambiente, do solo e da natureza são utilizados por uma minoria

de agricultores. Com relação às dificuldades, a metade do grupo as reconhece, tanto de

ordem econômica (falta de recursos), como a demanda de maior trabalho. Um agricultor

também menciona suas limitações por ter sido “criado” no sistema convencional.

No grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, se observa a maior

variedade de interpretações sobre a agricultura diferente. Um agricultor manifesta que

sua produção é oriunda da forma convencional e não pretende mudar isto. Outro, afirma

que não pode mudar porque sem adubo a terra não produz e tem de controlar o ataque

de formigas. Já o outro pensa em fazer algo mais orgânico, todavia não é possível.

Alguns agricultores realizam interpretações muito particulares de uma agricultura

diferente: um deles pensa em se organizar em grupos para plantar arroz com base em

maquinarias, o que demora menos e aumenta a produção; outro acredita que uma

agricultura diferente seria praticada utilizando-se veneno porque demanda menos

tempo.

Page 80: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

71

A Área de Proteção Ambiental (APA) tem uma avaliação muito positiva no

grupo que manifesta sensibilidade ambiental: a metade do grupo vê na proteção desta

área uma forma de demonstrar à sociedade que o assentados não destroem os recursos,

“como diz a burguesia”, afirma um agricultor. Dois agricultores resgatam a importância

desta área para a preservação de animais, outro pelo fato de obter uma melhor qualidade

de vida através de um ambiente sem veneno. Já um outro agricultor pensa que deveria

existir maior acompanhamento dos técnicos ambientais. Segundo sua percepção, a

presença desta área não determina dificuldades no trabalho dos agricultores.

Para o grupo que manifesta sensibilidade ambiental, ainda que este não se reflita

nas ações, a existência desta área é boa: um terço assegura que permitirá demonstrar que

os assentados não destroem, e a metade afirma que serve para proteger bichos, manter

água limpa e plantar árvores. Há afirmações de que poderia ser uma área menor,

aparecendo também reclamações por maior fiscalização.

No grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, a avaliação da existência

de uma APA é bem diferente do restante dos grupos. A metade do grupo pensa que ela

desperdiça terra que poderia servir aos agricultores; outro reconhece que os técnicos são

os que falam desta área, enquanto outro agricultor conhece a existência, inclusive

assinalando que “a rua é o limite entre o meio ambiente e minha propriedade”,

demonstrando pouco interesse “não dou bola para isto... é do governo”. A outra metade

dos agricultores do grupo acredita, porém, que esta área é importante para proteger

animais do mato, árvores e cuidar do banhado.

Como síntese parcial das posições dos grupos de agricultores frente aos

diferentes temas, apresenta-se o Quadro 5 a seguir.

Page 81: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

72

Quadro 5: Posições dos grupos de agricultores assentados frente aos diferentes eixos de

análise – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS

Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade ambiental

Posições Eixos Reflete-se na ação

(6 casos) Não se reflete na ação (13 casos)

Não se reflete na ação (5 casos)

Reflete-se na ação (2 casos)

Atividades Subsistência e retorno econômico. Arroz e hortaliças

As que já realizavam e para consumo, retorno financeiro mais rápido.

Garantem a subsistência e segundo seu conhecimento

Subsistência.

Tecnologia Percepção crítica desde sua posição; não é acessível para pequena produção.

Percepção menos crítica; permitiria competir; não é para todos pois pode ocasionar efeitos negativos (emprego e natureza)

Percepção pouco crítica; é o novo; o avanço permitirá produzir melhor.

Percepção de muita crítica; responsável pelo desemprego e degradação ambiental.

Técnicas Segundo os recursos naturais, selecionadas por discussão grupal ou trabalho com técnicos; consulta a vizinhos.

Segundo seu conhecimento prévio, aconselham não usar químicos; conforme demanda e situação financeira. Alguns trabalham com técnicos.

Segundo seu conhecimento prévio; conforme disponibilidade de recursos financeiros.

Segundo qualidade da terra.

Agricultura diferente

Já realizam; sem químicos ou venenos.

Coincidem que devem realizar uma agricultura sem químicos, nem venenos.

Conceitos variados; usar máquinas, venenos, ou não é possível fazer algo diferente.

Já realizaram.

Razões para realizar essa agricultura diferente

Saúde do agricultor e da sociedade; melhor competitividade de seus produtos.

Saúde do agricultor; razões econômicas e ambientais.

Terra, saúde e mercado.

APA Serve para demonstrar que os assentados não destroem; preservação de animais e melhor qualidade de vida; ambiente sem veneno.

Serve para proteger animais, árvores e água limpa.

Visão de muito crítica; além de tomar terra que poderia servir para agricultores, a vêem como algo do governo; outros crêem que protege animais e plantas.

Dificuldades devido à presença da APA

Não existem; falta acompanhamento de técnicos ambientais.

Presença de animais; produção ecológica, controlar sem veneno.

Fonte: Dados da pesquisa.

Page 82: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

73

5.2.2 Estrutura objetiva

Quanto à dotação de recursos materiais, tanto no que se relaciona com a infra-

estrutura e máquinas, como em relação aos animais de trabalho e consumo, o grupo que

não manifesta sensibilidade ambiental apresenta em geral uma menor dotação de

recursos, sobretudo no que se refere a máquinas, equipamentos e infra-estrutura,

enquanto que no que se refere a animais, contam em geral com um número maior

destes, especialmente naquelas produções dedicadas ao auto-consumo, o que é coerente

com sua estratégia de garantir em primeiro lugar sua subsistência. Por outro lado, o

grupo dos que manifestam sensibilidade ambiental apresenta uma melhor dotação de

recursos, ainda que não se possa dizer que esta seja a adequada. Neste grupo, aparecem

tratores (dois dos três que existem em todos os grupo investigados), colheitadeiras, entre

outras maquinarias. A infra-estrutura com que contam também é maior se comparada ao

grupo que não manifesta sensibilidade ambiental. Entre estas instalações aparecem

estufas, chiqueiros, currais, etc. e, inclusive, a própria residência das famílias se

encontra em melhores condições.

Os agricultores que manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se

reflete nas suas ações, apresentam a maior dotação de animais em todas as produções, a

exceção das aves, quando a infra-estrutura e os maquinários ocupam um lugar

intermediário entre os dois grupos analisados anteriormente.

Outro item analisado é a renda extra, ou seja, aquelas provenientes de alguma

atividade fora da propriedade, seja através da venda da força de trabalho, ou ganhos de

outras naturezas como pensões, aposentadorias ou poupanças. Entre os que manifestam

sensibilidade ambiental existe uma maioria (66%) que recebe ou recebeu algum

dinheiro de fora de suas propriedades, através da venda de sua força de trabalho ou

algumas poupanças com que contava antes de chegar ao assentamento (venda de

propriedades). Por outro lado, entre os que não manifestam sensibilidade ambiental, em

sua maioria (71%) não recebe dinheiro de fora das atividades desenvolvidas em sua

propriedade. Já os que manifestam sensibilidade ambiental mas não a refletem em suas

ações, apresentam uma situação intermediária, já que a metade de seus integrantes

recebe algum dinheiro de fora, de diversas origens (venda da força de trabalho de algum

membro da família, poupança ou ajuda familiares).

Page 83: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

74

Em relação à forma de organização para o trabalho, surgem diferenças entre os

grupos mais polarizados, ou seja, os que manifestam sensibilidade ambiental e os que

não a manifestam. Entre os primeiros, a maior parte do grupo trabalha de forma

integrada. Além disso, o trabalho grupal é muito valorizado e é comum sua referência

nas entrevistas. As atividades que realizam em grupo são variadas, incluindo além dos

cultivos, a comercialização, e a construção de benfeitorias. Por outro lado, o grupo que

não manifesta sensibilidade ambiental não apresenta afinidade ao trabalho grupal, sendo

que a metade destes trabalha individualmente. Um agricultor que está trabalhando em

grupo respondeu que não vê nenhuma vantagem neste tipo de organização, pelo

contrário, crê que o que acontece é que alguns trabalham e outros não.

Aqueles que manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se reflete em

sua prática, estão em sua maioria (92%) trabalhando em forma grupal. A maior parte do

grupo reconhece que existem dificuldades, porém crê que serão superadas. As

atividades que realizam em grupo vão desde a obtenção de recursos financeiros até o

plantio de alguns cultivos. Um número importante de agricultores compartilha todas as

atividades.

Quadro 6: Variáveis da estrutura objetiva dos diferentes grupos de agricultores

assentados – Assentamento Filhos de Sepé, Viamão - RS

Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade

ambiental

Posições Eixos

Reflete-se na ação (6 casos)

No se reflete na ação (13 casos)

Não se reflete na ação (5 casos)

Reflete-se na ação (2 casos)

Dotação de máquinas e infra-estrutura

Mais adequado. Média Pouco adequada a insuficiente

Pouco adequada

Dotação de animais

Média Adequada Mais adequado. Mais adequado.

Ingressos extras

Poupança, venda da força de trabalho.

A metade do grupo recebe

Não contam Não contam

Organização Alta valorização do trabalho grupal

Os problemas se superaram

Pouca afinidade com o trabalho grupal

Boa valorização do trabalho grupal

Fonte: Dados da pesquisa.

Page 84: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

75

5.2.3 Trajetória social dos agricultores

Entre os agricultores que não manifestam sensibilidade ambiental, a maior parte

eram empregados antes de chegarem ao assentamento (aproximadamente 71% do

grupo), enquanto que entre os que manifestam sensibilidade ambiental, a metade do

grupo é de antigos pequenos proprietários de terras, que lhes permitiu contar com

recursos iniciais, possibilitando uma melhor organização dos sistemas. No grupo que

manifesta sensibilidade ambiental, existe uma maioria que se diz filho de agricultores,

representando 46% do grupo. Já uma terceira parte do grupo é composta por ex-

empregados e, por último, aproximadamente 23% foram meeiros.

Quanto às atividades que desenvolviam e como as desenvolviam, os que

manifestam sensibilidade ambiental, em sua maioria, destacam que provêm de regiões

onde a agricultura era realizada de maneira extensiva e com uma forte presença de

insumos agrícolas, tais como agrotóxicos e maquinarias. Já entre os que não manifestam

sensibilidade ambiental, sua atividade principal era ligada a serviços (urbanos), trabalho

na atividade pecuária ou como operadores de máquinas. A metade do grupo menciona a

agricultura como atividade principal.

Em relação à participação dos agricultores no movimento, é necessário

esclarecer que não se fizeram perguntas diretas sobre este tema, porém se pode advertir

que entre os que manifestam sensibilidade ambiental, a referência ao movimento é mais

freqüente e denota maior presença deste, especialmente se compara com aqueles que

não manifestam sensibilidade ambiental (neste grupo existem algumas situações

particulares como agricultores que não formavam parte do movimento - ex-empregados

da fazenda desapropriada). Também se observam algumas respostas que não concordam

com os próprios princípios do movimento. Entre estas, pode-se mencionar a rejeição ao

trabalho em grupo, a realização de uma agricultura diferente da convencional e até

expressões que refletem uma escassa solidariedade entre agricultores.

Em resumo, observa-se que com o discurso ambiental, surgem outros

determinantes para a escolha de atividades, os quais se somam ou substituem o da

subsistência. Também no grupo que manifesta maior sensibilidade ambiental já não se

fala tanto do que faziam e sim do que fazer, por exemplo, plantar arroz. Em parte

daqueles neste grupo que ainda não implementaram ações que refletem sensibilidade

Page 85: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

76

ambiental, predomina como determinante o que faziam, adicionando-se aquela atividade

que permite maior retorno financeiro. À medida que se avança nesta escala da

sensibilidade ambiental, há uma definição mais clara das atividades a realizar, ainda que

estas não sejam necessariamente mais conservacionistas ou diferentes daquelas

consideradas convencionais.

Quadro 7: Trajetória social dos grupos de agricultores assentados – Assentamento

Filhos de Sepé, Viamão - RS

Manifestam sensibilidade ambiental Não manifestam sensibilidade ambiental

Posições Eixos Reflete-se na

ação (6 casos) Não se reflete na ação (13 casos)

Não se reflete na ação (5 casos)

Reflete-se na ação (2 casos)

Origem

Social

Ex-proprietários Filhos de agricultores, ex-empregados e meeiros

Ex-empregados Ex-empregados

Atividades que realizavam

Extensivas; altos usos de insumos modernos

Cultivos, serviços urbanos e rurais

Serviços urbanos, gado e operação de máquinas

Cultivos e serviços urbanos

Menção ao MST

Muito freqüente Freqüente Escassa Escassa a nula

Fonte: Dados da pesquisa.

Conforme aparece no discurso ambiental dos agricultores, sua percepção da

tecnologia é mais crítica. Os que não manifestam sensibilidade ambiental fazem uma

avaliação muito positiva, a exceção de uma minoria sem o discurso ambiental, porém

com a ação. Já no grupo que ainda não reflete sensibilidade ambiental, nas ações há uma

esperança “tácita” de que será a tecnologia quem lhes permitirá alcançar essa produção

diferente e com ela melhores possibilidades de competir no mercado. Os que refletem

maior sensibilidade em suas ações realizam uma crítica mais no sentido de sua

“identidade” profissional, como pequenos agricultores que não podem acessar essa

tecnologia.

O predomínio dos diferentes critérios para definir as técnicas a utilizar em cada

grupo é claro. Os que realizam alguma ação onde se reflete sensibilidade ambiental, o

principal critério é o dos recursos naturais e o processo de seleção de técnicas tem que

ver com a discussão grupal e com o trabalho de assessoria dos técnicos, enquanto que

Page 86: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

77

aqueles que ainda não realizam ações onde se observe sensibilidade ambiental, tanto

sem discurso como com discurso, o principal critério é o conhecimento prévio.

Aparecem outros elementos, como a terra, naquele grupo minoritário dos que não têm

discurso, porém realizam ações. A disponibilidade de recursos nos que não manifestam

sensibilidade ambiental é um argumento que aparece com freqüência.

Quanto às técnicas de conservação de solos, é um parâmetro que se apresenta

sumamente complexo para analisar, dando lugar a controvérsias ou polêmicas, de tal

maneira que sua análise foi relativizada. Em primeiro, lugar não se observam diferenças

claras entre os distintos grupos: por outro lado, utilizar técnicas de conservação de solos

não é suficiente, se não se evitam as causas que determinam a deterioração do solo. Por

exemplo, plantar cana para que a água não leve o solo é uma medida concreta de

conservação, porém cabe perguntar porque a água está levando consigo o solo. Além

disso, a permanência dos agricultores no assentamento é recente. Como avaliar os

problemas que já existiam? As manifestações de um técnico que atua dentro do

assentamento revelam que alguns problemas de solo estariam se agravando. As próprias

condições dos agricultores dificultam a implementação destas práticas. Na zona de

moradia cada agricultor tem de 1,5 a 2 ha, o que limita as possibilidades de trabalhar em

prol da conservação de solos. A dotação de recursos, como maquinários e ferramentas, é

em quase todos os casos insuficiente e até inadequada.

Com relação a uma agricultura diferente, pergunta que foi formulada sempre

tendo como contraponto à agricultura convencional, cada agricultor tomou referências

distintas, como sua própria experiência, sua história, e com base nela respondeu. As

respostas foram sumamente variadas no grupo que não manifesta sensibilidade

ambiental. Entre os que manifestam sensibilidade ambiental alguns acreditam que

deveriam realizar uma agricultura diferente, outros acreditam que já a estão fazendo. As

razões são a saúde, em primeiro lugar, seguindo os fatores econômicos e, menos

freqüentemente, o meio ambiente. Enquanto que para os agricultores que não manifestar

sensibilidade ambiental, mas esta se reflete em suas ações, aparecem argumentos

referentes aos recursos naturais, ao meio ambiente e à saúde, nesta ordem.

Quanto à Área de Proteção Ambiental se observam claras diferenças entre

aqueles que não manifestam sensibilidade ambiental, os quais acreditam que apesar de

ter algumas vantagens, inviabiliza terra que poderia servir para o plantio. Por outro lado,

Page 87: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

78

os que têm um discurso realizam uma avaliação mais positiva, alguns como algo que

permitirá demonstrar que o MST não destrói, outros porque permite cuidar de animais,

água ou árvores, e porque significa mais saúde para os agricultores. O grupo que vê

mais dificuldades é aquele cujas ações ainda não refletem sensibilidade ambiental, o que

parece lógico, pois apesar de expressar sensibilidade ambiental, ainda não consegue

refleti-la em suas ações. Para estes agricultores, existem problemas com animais que

vivem ali, e porque devem aprender a trabalhar sem veneno em seus sistemas

produtivos. Os agricultores não relacionam esta área com os sistemas produtivos e suas

práticas, o que se observa marcadamente no grupo que não tem discurso, enquanto que

no outro grupo aparecem algumas respostas que relacionam suas práticas e a APA,

como que uma forma de proteger essa área é não usar agrotóxicos, nem fogo. Em geral,

a APA é vista separadamente dos sistemas produtivos12.

5.3 Pacotes Interpretativos dos agricultores

Com base nas características e posições em relação à questão ambiental dos

grupos de agricultores se construiu os pacotes interpretativos. Adverte-se que a

combinação que se destaca para a construção dos pacotes interpretativos nesta arena

específica tem relação a dois aspectos, a saber: seu repertório cultural e os recursos com

que contam. O primeiro aspecto está fortemente influenciado pela sua origem social,

pelas atividades que desenvolve e a sua trajetória social. Já no segundo aspecto, a

dotação de recursos recebe influências de origem social, as estratégias para

organizarem-se para o trabalho e a disponibilidade de ganhos extraprediais.

Segundo o Quadro 1 apresentado no capítulo 2, onde se mencionam situações

sociais contraditórias e potencialmente conflituosas, os agricultores que manifestam

alguma sensibilidade ambiental já superaram algumas etapas, como garantir seu auto-

abastecimento, produzir algum produto que signifique retorno econômico, participar de

grupos medianamente consolidados, onde se dão as discussões das ações a seguir. Isto

talvez seja bastante ajudado pelo fato destes agricultores contarem com alguns recursos

ao chegarem ao assentamento, na forma de dinheiro proveniente da venda de seus bens,

12 Esta separação ficou bem clara durante uma reunião entre técnicos de entidades ambientais e os agricultores no assentamento durante o período da pesquisa de campo. Os agricultores nesta ocasião solicitaram a demarcação da APA.

Page 88: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

79

como imóveis, maquinarias e tratores. Nestes agricultores está muito presente a

necessidade de cuidar de sua saúde. Dentro deste grupo existem casos que sofreram

danos em sua própria saúde, ou que se tornaram muito sensíveis. A maioria provém de

zonas onde a produção se realiza sob o padrão de agricultura industrial moderna,

intensivo em insumos químicos. Relacionado com este tipo de agricultura aparece outro

elemento que tem muita força entre estes agricultores, ou seja, a sua reincorporação

num mercado de onde foram excluídos, justamente por não terem condições para

competir. Outro elemento que conforma o discurso deste grupo é a importância que lhe

atribuem para obter uma mudança de percepção da sociedade em relação ao movimento,

o que demonstra como as interpretações ou a conformação dos pacotes interpretativos

não são um feito isolado, senão que dependem de um grande número de relações que se

estabelecem entre as diferentes arenas (política, econômica, tecnológica, etc.).

Já no pacote interpretativo que sustenta o grupo que, apesar de manifestar

sensibilidade ambiental, não a expressa em suas ações, além da necessidade de inserção

no mercado e a preocupação com a saúde, aparece um elemento importante, o de

garantir a subsistência. Apesar de não terem clareza a respeito das atividades a serem

realizadas, eles optam, em um primeiro momento, por aquelas que garantem retorno

econômico mais rápido, enquanto que no grupo anterior já havia uma definição mais

clara das atividades a realizar. Este grupo apresenta uma maior expectativa com relação

à tecnologia, como forma de chegar a uma produção de mais qualidade, que lhes

permita acessar a um mercado com melhores possibilidades de competir. Deve-se

esclarecer que nenhum dos grupos menciona um diferencial de preços por seus produtos

“diferentes”. Consideram que, em primeiro lugar, devem ganhar um espaço no mercado.

O grupo que não manifesta sensibilidade ambiental, logicamente não apresenta

um pacote interpretativo da questão ambiental. Apresentam maiores dificuldades para

garantir sua subsistência, sua dotação de recursos materiais é a mais inadequada de

todos os grupos, pois os agricultores não dispunham de outras rendas ao chegar ao

assentamento (provavelmente por sua condição de empregados ou porque sua relação

com o mercado produtivo não era forte). Vários agricultores afirmam que nunca foram

modernizados, ao contrário, como diz um agricultor, “sempre fui agricultor de enxada”.

Estes agricultores que tiveram uma débil relação com o mercado, em comparação com o

grupo anterior, estão hoje em uma etapa anterior de forma a garantir sua subsistência,

produzir de maneira diferente e organizar-se em forma grupal. A presença no

Page 89: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

80

movimento em seu cotidiano não é destacada, sendo que a maior parte do grupo não

compartilha a idéia de trabalho grupal.

Quadro 8: Pacotes interpretativos dos grupos de agricultores assentados - Assentamento

Filhos de Sepé, Viamão - RS

Posições

Eixos

Manifestam sensibilidade ambiental e esta se reflete em suas ações

Manifestam sensibilidade ambiental, porém esta não se reflete

em suas ações Núcleo do Problema

Melhorar a qualidade de vida através de um ambiente com menores riscos para a saúde do agricultor e produzir alimentos mais sadios para a sociedade, aumentando a competitividade dos produtos. Gerar uma imagem positiva do movimento ante a sociedade.

Assegurar a subsistência através de atividades que permitam um retorno econômico mais rápido, proteger a saúde dos agricultores. Ascender a uma tecnologia que permitirá uma melhor competitividade, através de produtos de melhor qualidade.

Metáfora Uma saúde deteriorada do agricultor, além de sua incapacidade de permanecer no sistema.

Saúde do agricultor deteriorada, subsistência comprometida e riscos ambientais.

Causas Contaminação gerada pela aplicação de produtos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos; incapacidade de competir com outros setores produtivos, por uma tecnologia inacessível para a pequena produção.

Utilização de produtos químicos, dificuldade para produzir de maneira diferente por sua própria história.

Fonte: Dados da pesquisa.

5.4 Posições dos mediadores técnicos

Neste trabalho se analisa uma série de conflitos em uma “arena específica”, o

que permite melhor contextualizar que quando se fala de “opinião pública”, incluindo as

“representações sociais”, estas arenas específicas estão sempre inter-relacionadas, o que

está de acordo com o conjunto de um sistema de arenas (FUKS, 1997).

Assim como as investigações não podem ser realizadas sem referência ao

“onde”, também lado é necessário que a investigação específica seja unida ao restante

do universo, para o qual é necessário que o recorte do objetivo contemple pontes como

restante, ou seja, os mediadores que atuam nesta arena podem estabelecer conexões com

outras situações.

Page 90: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

81

As entrevistas foram realizadas utilizando um roteiro de perguntas, um

instrumento semi-estruturado que permitiu conhecer a percepção ou entendimento dos

entrevistados acerca de sua própria formação, da tecnologia, seu conceito, seus

parâmetros para sua classificação e seus impactos na sociedade, assim como o

significado da agricultura, sua situação hoje, a respeito da agricultura diferente e seus

impactos, da configuração dos sistemas produtivos no assentamento e sua avaliação em

relação aos recursos naturais com que contam os agricultores assentados.

Com relação à tecnologia, quatro dos seis técnicos entrevistados a definem como

conjunto de técnicas, métodos e procedimentos. Outros dois preferem caracterizá-la, um

mencionando como se a constrói, com princípios antigos, e outro afirmando que é

aquela preocupada com o meio ambiente e por não tornar o agricultor dependente. Ao

se perguntar aos mediadores como classificam esta tecnologia, aparecem diferentes

critérios. Dois mencionam o pacote da tecnologia moderna versus uma da agricultura

familiar ou orgânica (em construção, afirma um técnico). Outro prefere utilizar o

critério de quem as domina. Assim, para ele, aquelas dominadas por agricultores versus

as dominadas pelos técnicos. Outro critério que aparece é em relação à sua prioridade.

Segundo este princípio, existem as que buscam lucro e as que valorizam o ser humano.

Um dos técnicos prefere não classificá-las em boas ou ruins, porque isso depende de seu

uso.

Todos os mediadores relacionaram a tecnologia a um modelo de sociedade, e

cada um desde sua perspectiva explicando onde estão os pontos de conexão. Para dois

técnicos, a idéia é contribuir para construir uma sociedade nova. A atual, oprimida pela

modernidade, deve dar lugar a uma onde ressaltam a auto-suficiência e a independência

dos agricultores. Outro técnico faz referência a uma sociedade que apóie os sem-terra,

como uma forma de resistência dos agricultores. Para outro técnico a tecnologia deverá

permitir o acesso a uma sociedade mais solidária e menos competitiva, sendo que a

competitividade deve conviver em equilíbrio com o ambiente. Outro mediador afirma

que cada um deve fazer sua parte. Segundo ele, deve-se atuar individualmente, porém

não perder a idéia de conjunto. Concretamente, essa tecnologia pode permitir a um

maior número de pessoas produtos mais saudáveis que agora são para uma elite. Por

último, para outro técnico a relação se dá através da interdependência rural – urbano. O

primeiro produz para a cidade, mantendo as famílias em suas propriedades com

qualidade de vida, e nisso os meios públicos têm uma responsabilidade essencial.

Page 91: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

82

Dos seis técnicos entrevistados, quatro fazem referência à situação da agricultura

como setor e, particularmente, a agricultura familiar ou pequena produção, destacando

sobretudo a atuação do governo, suas políticas, prioridades, etc. enquanto que outros

dois técnicos relacionados a entidades governamentais de diferentes níveis, preferem

referir-se à situação de cada cadeia produtiva (arroz, produção de carne, etc.) na

agricultura, e especificamente em âmbito local. Entre os primeiros, aparecem

qualificativos negativos em relação a atual situação da agricultura, tais como “ser uma

das últimas prioridades para o governo”, “a situação ser dramática, deprimente” e

“existe um descaso do governo”. Todos eles fazem referência à pequena produção,

assinalando que entre as dificuldades estão a demora para receber recursos que, apesar

de reconhecer que nem sempre são utilizados corretamente, é um direito dos

agricultores. Também mencionam a falta de políticas de crédito, de assistência técnica,

entre outras, para os pequenos produtores. Segundo um entrevistado, se segue

priorizando a grande produção. Tudo isto tem determinado uma forte saída dos

agricultores para as zonas urbanas, onde seu destino não será melhor. Um deles também

se refere a “uma universidade que não investiga o melhor para a agricultura”.

O restante dos técnicos (dois deles) qualifica a agricultura como sumamente

diversificada, dividindo-a em setores e cadeias e fazendo referência a cada um deles,

sempre no âmbito local. Assinalam o setor produtor de arroz como estando em uma

situação crítica, pelos custos e pelo preço do produto. Também mencionam as

dificuldades do setor de produção de leite, uma atividade sumamente importante para o

município, devido ao aumento dos custos. O setor hortigranjeiro, que tem importante

peso na economia do município, é variado e algumas produções também passam por

dificuldades. O gado de corte, que é complementar à produção de arroz, não é tão

importante economicamente (em geral, estas apreciações coincidem com as apontadas

pelos técnicos do convênio INCRA/FAO que realizaram um diagnóstico do

assentamento).

Aparecem aqui as diferentes interpretações para uma agricultura diferente e as

razões pelas quais se deve priorizar a esta agricultura apresentam ainda maior variação.

Dois técnicos mencionam a agricultura diferente como se opondo ao pacote da

modernização, à lógica do alto empreendimento aliada da indústria. Mencionam-se

ainda outros parâmetros, como tender à independência do agricultor, mencionado por

Page 92: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

83

quatro técnicos, tendentes a produzir suas sementes, adubos, alimentação, não depender

de insumos industriais, comparando um sistema com o ciclo da água na natureza e

também a evitar a dependência do técnico. Para um dos entrevistados é importante

trabalhar com a auto-estima do agricultor, para que ele se sinta sujeito de seu próprio

destino. Um mediador fala em restabelecer a relação homem-natureza, esta como uma

“parceira” e não como algo que se deve explorar.

Outro mediador mais voltado para a produção animal estima que ainda não se

pode falar de pecuária ecológica. Acredita que esta é uma meta de longo prazo. Por

hora, estão pensando em uma produção diferenciada, onde a contaminação é reduzida,

que logo será uma produção orgânica, uma meta possível, porém que requer mais tempo

para se obter. Por último, um técnico menciona agricultura diferente algumas variações:

a produção orgânica tem a ver com sustentabilidade da produção, vendo a propriedade

como um todo, porém relacionada a outros níveis. Coincide com a proposição

agroecológica de ALTIERI (1989) como uma filosofia de trabalho mais que como um

sistema de produção.

A agroecologia é mencionada por cinco dos seis técnicos, três deles, quando

tentavam definir uma agricultura diferente, outro quando definiu tecnologia e,

finalmente, um quando expressava a complexidade dos problemas: “... não existe uma

única solução, é necessário perceber que todas as ações se complementam, a

agroecologia não soluciona tudo”.

Em relação às razões para aderir a uma outra agricultura, aparece a fome no

mundo, o que é visto como uma forma de degradação do ser humano: “... a natureza

começa com uma pessoa de barriga cheia, não há consciência de barriga vazia...”,

afirma um dos técnicos. Três técnicos têm argumentos mais relacionados à

desvalorização do ser humano, seja por não produzir sua alimentação, afetar sua saúde,

causar dependência, etc., enquanto que para outros três tem que ver mais com a

reativação econômica, com a geração de emprego, com a forma de competir com as

grandes corporações; “produzir outros produtos, capitalizar-se e liberar-se da

agroindústria...”, afirma um técnico, buscar a sustentabilidade da propriedade, ou seja,

além de qualidade vida, deve ter retorno econômico.

Page 93: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

84

A maior parte dos técnicos faz referência à fragilidade dos recursos naturais,

particularmente o solo, tanto na área alta (solos muito suscetíveis a erosão), quando nas

áreas baixas, de banhados e turfas. Soma-se a isso a dificuldade que existe para que os

agricultores possam alcançar um equilíbrio entre produzir e conservar.

Os qualificativos para a área do assentamento são recursos muito bons, com

altíssima diversidade em solos, relevo, água, animais, madeiras, etc. Para outro técnico,

são recursos que apresentam altas complicações para serem utilizados, somado às

diferenças com os lugares de origem dos agricultores, mas apresentam boas condições

para desenvolver outras atividades e de forma orgânica. Para outro técnico ainda, são

ecossistemas extremamente frágeis, precisando-se trabalhar apropriadamente. Três

técnicos mencionam a necessidade de trabalhar em conjunto com especialistas, no

sentido da preservação destes recursos.

Quanto à relação dos agricultores com os recursos naturais, cinco técnicos

concordam com a necessidade de que os agricultores tenham uma maior preparação,

informação e conhecimentos para trabalhar sobre estes recursos. Por hora, a prioridade

para os agricultores, segundo três dos técnicos entrevistados, é produzir algo. Um deles

faz referência a como cada grupo percebe estes recursos e de acordo com isto elegeram

os lugares para viver e produzir. Destacam que tanto a utilização do fogo, como a

drenagem das zonas baixas, são extremamente difíceis de manejar e podem gerar sérios

problemas nos recursos naturais do assentamento. Todos concordam na compreensão

que os agricultores devem ter: eles devem perceber-se como sujeitos atuantes, em um

processo que depende mais deles que dos técnicos, uma construção dos conhecimentos

que se faz entre os agricultores e técnicos. Por último, outro mediador afirma que não há

condições de trabalhar com cada agricultor individualmente, sendo necessário trabalhar

na conscientização dos agricultores.

A presença da APA é para um dos mediadores uma boa garantia da qualidade

dos produtos que saem do assentamento. Para outro, tudo está intimamente relacionado

à APA: os sistemas produtivos, os animais da região, etc., e acredita que faltou

preparação dos agricultores por tratar-se de um processo muito rápido. Outro técnico, de

atuação na região, acredita que mesmo fazendo-se algo diferente à produção

convencional, ainda falta muito para ser ecológica. Neste sentido, o assentamento pode

converter-se em um pólo que sinalize aos produtores da região no sentido de maior

Page 94: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

85

conservação ambiental. Outro técnico vê os maiores problemas da APA devido aos

animais que vivem ali, já que ao modificar as atividades, antes arroz e pecuária

extensiva, hoje mais intensiva, se reduz a área disponível para esses animais,

comprometendo sua sobrevivência (por exemplo, o veado).

No Quadro 9 abaixo se tenta resumir a posição dos técnicos, com o objetivo de

mostrar mais claramente as diferentes posições, assumindo o risco de perder uma parte

da informação ao resumir as informações em algumas palavras para chegar a agrupar

algumas posições que são semelhantes.

Para fins de análise, agrupam-se os técnicos de acordo como estes definem

alguns parâmetros, em relação à agricultura em geral, à agricultura diferente, e ao

protagonismo dos agricultores. Obteve-se dois grupos, o primeiro formado por quatro

técnicos e o segundo por dois. Os quatro técnicos do primeiro grupo pertencem a

organizações não-governamentais, enquanto que o outro grupo está composto por

representante de organizações ligadas a diferentes níveis do governo. Cada um destes

grupos apresenta diferentes pacotes interpretativos, como versões alternativas da

questão ambiental.

Os técnicos desempenham seu papel de “mediadores biculturais”, manifestando

suas idéias desde a perspectiva da instituição onde trabalham. Assim, aqueles

vinculados a organismos pertencentes ao governo não realizam críticas quando se lhes

pergunta sobre a situação da agricultura. Preferem falar de um enfoque mais técnico e

ao mencionar as dificuldades preferem atribuir estas ao mercado ou a fatores mais

externos como as políticas implantadas (ou não) pelo governo. Também mencionam co-

responsabilidades, o que ajuda a diluir as responsabilidades específicas em cada nível.

Já técnicos relacionados com outras entidades, em primeiro lugar concordam em

perceber uma situação muito difícil para a agricultura e preferem atribuir esta a um

“descaso” dos governos especialmente no que se refere a políticas específicas para o

setor da agricultura familiar.

Quadro 9: Pacotes interpretativos dos mediadores técnicos atuantes no Assentamento

Filhos de Sepé, Viamão - RS

Técnicos não-governamentais Técnicos governamentais

Núcleo do Problema Mudar um modelo que gera Chegar a uma agricultura com

Page 95: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

86

dependência dos agricultores em relação às agroindústrias e técnicos. Trabalhar por uma maior atuação dos agricultores para a construção deste outro modelo, com uma tecnologia que surge a partir do resgate de sua história e cultura.

sustentabilidade, passando por diferentes etapas (técnicas) para alcançá-la; esta permitirá viabilidade econômica, maior competitividade e melhor retorno econômico para os pequenos agricultores. Entender a região e gerar uma tecnologia adaptada a essa realidade, que permitiria obter produtos mais sadios e mais acessíveis a todos. Necessidade de repensar como os agricultores geram seus conhecimentos.

Metáfora Agricultores que não são e não se sentem artífices de seu próprio destino, não se vêem responsáveis pelos danos ao meio ambiente.

Agricultores fora do mercado sem possibilidades de competir. Além disso, produzem colocando em risco os recursos naturais.

Causas Modelo que provocou a degradação do homem, e tendo na tecnologia o principal responsável por estes efeitos negativos. Somado a um estado que não prioriza a setor agrícola, particularmente a agricultura familiar ou a pequena produção.

Por virem de diferentes regiões e perceber de maneira diferente os ecossistemas, responsabilidade compartilhada entre diferentes níveis do governo, agricultores e o próprio movimento.

Fonte: Dados da pesquisa.

Junto a esta diferença, ao analisar a situação atual da agricultura e suas causas,

aparece uma grande coincidência na terminologia. Por exemplo, ao falar de agricultura

diferente suas percepções apresentam uma menor variabilidade que entre os

agricultores. A maior parte deles fala de uma produção com menos uso de insumos e

que provoque menor dependência dos agricultores. Em geral fala-se de agricultura

diferente em contraposição ao modelo convencional de agricultura industrial moderna.

Outro exemplo é a utilização por parte de todos os técnicos em algum momento

da entrevista do termo “agroecologia”, seja como modelo a ser perseguido, como

tecnologia a resgatar e até mesmo como uma ideologia a defender. Os técnicos,

respondendo alguns a suas próprias convicções, outros porque as instituições onde

trabalham abraçaram esta causa, representam a agenda pública nesta arena específica.

Por sua vez, nenhum agricultor utilizou o termo “agroecologia”, o que demonstra que

ainda o encaixe entre os repertórios é modesto, mesmo percebendo-se alguns pontos de

contato, especialmente entre os produtores que manifestam sensibilidade ambiental com

técnicos de entidades mais próximas a movimento (por exemplo, as vantagens de

Page 96: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

87

produzir em uma área de proteção ambiental, para valorizar os produtos). Como o

processo de construção de pacotes interpretativos é dinâmico e contínuo, este encaixe

deverá se fortalecer com o tempo.

Outra coincidência que aparece é com relação a um equilíbrio entre produção e

conservação entre os agricultores, seja por falta de recursos, informação, conhecimentos

ou acompanhamento técnico. Paralelamente, aparece a necessidade de um protagonismo

maior por parte dos agricultores, porém a diferença é que no primeiro grupo de técnicos

se pensa mais no resgate de seus costumes, experiências e história, enquanto que no

outro grupo aparece mais a necessidade de trabalhar com os agricultores e repensar

como estes geram suas aprendizagens.

Ao avaliar os recursos naturais os técnicos utilizam parâmetros mais produtivos,

os qualificativos tendo a ver com sua capacidade de produzir determinados produtos,

enquanto que os agricultores realizam uma avaliação mais comparativa em relação a seu

lugar de origem.

Page 97: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

CONCLUSÕES

Neste trabalho analisou-se uma “arena específica” com as interpretações que se

refletem nas respostas dos diferentes grupos de agricultores e dos mediadores técnicos

com relação à questão ambiental, à sustentabilidade e a uma agricultura diferente.

daquela considerada “convencional” (oriunda do processo considerado como

“Revolução Verde”). Trabalhar nas arenas específicas permitiu contextualizar melhor

que quando se fala de “opinião pública”, ou até mesmo de “representações sociais”,

também permitiu observar que estas arenas específicas estão sempre inter-relacionadas,

formando em seu conjunto um sistema de arenas (FUKS, 1997). Assim, nesta análise

não se considerou uma “questão ambiental”, uma opinião pública, mas uma série de

conflitos em arenas específicas, situação da qual emerge a questão ambiental própria a

este contexto, deixando-se de avaliar esta de acordo com os significados “oficiais” ou

“universais”.

Com o desenvolvimento da investigação observou-se uma dissociação entre o

que os agricultores manifestam e o que praticam, a natureza ocupando um lugar no

discurso e outro diferente na ação. Foi necessário redefinir o esquema das práticas

agrícolas, o que permitiu entender as estratégias para finalmente compreender a relação

produção agrícola / conservação ambiental, já que a própria relação produção /

conservação, como é entendida pelos agricultores, tem marcada influência sobre as

estratégias adotadas. Por outro lado, estas estratégias e o que os agricultores manifestam

(o que se reflete nos pacotes interpretativos) têm determinantes em comum, como a

trajetória social dos agricultores, sua estrutura objetiva e subjetiva. Ou seja, quando se

fala de práticas, estratégias e relação produção / conservação, uma não é conseqüência

da outra, senão que se influenciam constante e mutuamente.

Page 98: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

89

Os agricultores foram agrupados em duas grandes categorias, aqueles que “não

manifestam sensibilidade ambiental” e os que “manifestam sensibilidade ambiental”.

Entre os primeiros aparece uma minoria onde, apesar de não manifestar um discurso

com sensibilidade ambiental, a natureza ocupa um lugar destacado na organização dos

sistemas produtivos. Já no segundo grupo, os que manifestam sensibilidade ambiental,

destaca-se um grupo majoritário, os que ainda manifestam sensibilidade, mas esta não

se reflete em seus sistemas produtivos.

Os agricultores assentados contam com um repertório cultural já consolidado,

que tem a ver com sua história, experiência e bagagem cultural. Por outro lado, o

discurso público proposto pelos mediadores se soma a este repertório dos agricultores e

vai construindo os pacotes interpretativos. Aqueles agricultores que manifestam alguma

sensibilidade ambiental começam a construir seus pacotes interpretativos, enquanto

aqueles que não manifestam sensibilidade ambiental em seu discurso não conseguem

ainda incorporar a questão ambiental neste processo de construção de pacotes

interpretativos. Para este grupo, ainda o elemento central é a garantia da subsistência e

suas estratégias estão orientadas para este objetivo, enquanto que para o grupo que

manifesta sensibilidade ambiental a subsistência é um objetivo que parece ter sido

alcançado. Para este grupo, até a escolha de atividades é mais definida (aquelas

recomendadas para o assentamento: hortaliças e arroz), com algumas destinadas à

venda, o que lhes permite contar com alguma disponibilidade de dinheiro. Estes

agricultores têm modificado algumas estratégias, como a do trabalho em grupo. Através

da discussão se tomam as decisões, prática que provavelmente tenha a ver com a

experiência de militância no movimento. Por outro lado, os que não expressam

sensibilidade ambiental estão trabalhando individualmente e, ao mesmo tempo, sem

acompanhamento técnico.

No grupo de agricultores que não manifesta sensibilidade ambiental uma

minoria que, apesar de não expressar um “discurso ambiental”; não falando em

produção diferente, orgânica ou ecológica, a natureza ocupa um lugar importante em

suas estratégias, tais como na escolha das atividades, das técnicas, em seus projetos e

até na percepção de sua situação atual.

Observa-se que os recursos materiais, organizacionais e simbólicos disponíveis

para um determinado grupo são em parte os determinantes para que uma questão, neste

Page 99: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

90

caso a ambiental, alcance o status de problema social, apesar de ainda existir grupos que

não se organizam, e suas versões alternativas ficam fora da agenda pública. Neste caso,

os que não manifestam sensibilidade ambiental apresentam suas metáforas, imagens,

causas e conseqüências mais ligadas à reprodução familiar que à questão ambiental,

preocupação que manifesta mais marcadamente um dos grupos técnicos, enquanto que a

questão ambiental é um assunto presente em todos os mediadores técnicos. Mesmo

sendo este contexto cultural muito importante na definição da dinâmica do debate, a

questão ambiental é favorecida nesta arena específica pelo resultado de políticas

públicas que estabelecem parâmetros de legitimidade que condicionam o debate

público. As duas dimensões, o debate e a ação, nas estruturas de arenas públicas,

permanecem interligados e reforçando-se mutuamente, já que ações específicas

promovem determinada compreensão do problema. As ações de agências

governamentais orientadas a solucionar problemas sociais, como a criação da APA,

políticas de reforma agrária, definição de público para a assistência técnica,

incentivaram o surgimento da questão ambiental como assunto da agenda pública,

conferindo-lhe legitimidade.

As estratégias, o modo como os agricultores utilizam ou instrumentalizam os

recursos produtivos e as relações com os mercados, têm concordância não apenas com

as variáveis estruturais (estrutura objetiva), mas também com uma série de fatores

socioeconômicos específicos e propriamente ambientais de cada atividade/unidade de

produção e com a trajetória social dos agricultores. As estratégias são as opções

diferentes que têm aquelas unidades com uma estrutura econômica e produtiva

semelhante. Estas são muito influenciadas pela relação produção/conservação como é

entendida pelos agricultores. Assim, suas percepções de elementos como a tecnologia,

uma agricultura diferente, a presença da APA, entre outros, têm marcada influência nas

estratégias que assumem os agricultores.

As estratégias assumidas por aqueles que manifestam sensibilidade ambiental,

tais como a organização grupal para realizar as tarefas, encarar alguma atividade que

permita vender excedentes e contar com recursos financeiros, lhes têm permitido

alcançar uma maior coerência entre suas manifestações e as ações práticas. Hoje contam

com uma parte de sua produção diferente (produtos “orgânicos” ou “ecológicos“) e

estão comercializando fora do assentamento.

Page 100: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

91

Por sua vez, aqueles que ainda não refletem o que dizem em suas práticas, as

estratégias ainda não estão claramente definidas, priorizando-se a subsistência,

desenvolvendo atividades que lhes permitam obter recursos financeiros, ainda que

reconheçam que estas atividades não são definitivas. O trabalho grupal não está

consolidado, de maneira que ainda suas ações são mais orientadas por sua experiência

pessoal que pela discussão grupal.

Os que não manifestam sensibilidade ambiental apresentam uma série de

estratégias orientadas a alcançar seu auto-abastecimento, o que se manifesta pelas

atividades que realizam, cultivos para consumo interno e pela maior dotação de animais

de produção para o autoconsumo se comparada ao grupo que manifesta sensibilidade

ambiental. O trabalho familiar é predominante sobre o grupal, as decisões são nesse

âmbito e se trabalha com base no conhecimento e na experiência familiar. O contato

com os técnicos e, também, com outros agricultores, é esporádico.

As estratégias e os pacotes interpretativos de cada grupo têm determinantes em

comum, sua estrutura subjetiva, objetiva e trajetória social. Assim, existe uma forte

relação entre as estratégias assumidas e as interpretações de cada grupo, refletidas em

seus pacotes interpretativos. Por outro lado, estas duas dimensões, a ação e o debate, são

interdependentes e modificam-se mutuamente em uma evolução constante. Assim, os

agricultores que já superam uma série de empecilhos ou situações socialmente

contraditórias (nos quais se destacam seu novo lugar de residência, a organização

grupal, atividades e formas de produção diferentes) alcançaram uma maior coerência

entre suas ações e seus discursos. As ações específicas (estratégias) de este grupo

promovem determinada compreensão do problema, influenciara na opinião de outros

grupos, induzindo estes a incorporar a questão ambiental tanto para construir os pacotes

interpretativos como para encarar ações às estratégias que a contenham.

O lugar que ocupa a natureza na organização de seus sistemas produtivos,

diferente ao que ocupa em suas posições, em um número importante de casos, longe de

ser algo definitivo deve ser entendido como um processo dinâmico, onde tanto as ações

como o debate, se modificam mutuamente. É provável que não exista um ponto em que

se mostrem absolutamente iguais, já que à medida que suas ações se modificam,

também seus discursos são alterados. O que deveria se esperar é que a direção ou

orientação destas duas dimensões seja coincidente e evolua no mesmo sentido. É claro

Page 101: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

92

que as ações dos outros atores são de fundamental importância, particularmente as ações

governamentais. A capacitação dos agricultores, o acompanhamento das áreas de

proteção ambiental, a disponibilidade de créditos para a pequena produção, etc,

determinarão, em grande parte, que estas duas dimensões caminhem na mesma direção.

Page 102: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho, apesar de tratar-se de um primeiro esforço de compreensão da

realidade nesta área, o que determinou maiores dificuldades para sua realização, reflete

uma realidade complexa, requerendo sua continuação, estudando-se algumas situações

que apareceram durante seu desenvolvimento e que, por não ser parte do objeto de

estudo, não foram abordadas em profundidade.

O problema de pesquisa situou-se em torno da problemática sobre o lugar que

ocupa a natureza nas estratégias que os agricultores assentados escolhem para atingir

seus objetivos. No entanto, optou-se por não caracterizar em profundidade os sistemas

produtivos e suas práticas, aceitando-se o desafio de incursionar em uma área mais

sociológica, ainda que reconhecendo um forte limitante imposto por minha formação

profissional (a agronomia), fato que se refletiu particularmente na dificuldade do ponto

de vista do enquadramento teórico-conceitual do trabalho e a análise, requerendo um

esforço adicional não só pessoalmente mas também em termos de orientação acadêmica.

Com a continuidade da pesquisa observou-se que existia, em um número

importante de casos, uma incoerência entre o que realizavam e o que diziam os

agricultores, surgindo assim a necessidade de se analisar mais exaustivamente suas

posições frente a determinados assuntos e obrigando a investir mais em temas como os

discursos, os pacotes interpretativos e as arenas, o que não se insistiu demasiado no

início da pesquisa.

Uma interrogação se mantém: é possível conciliar a produção e a conservação,

particularmente no caso dos pequenos agricultores, sem que isso se converta em um

condicionante a mais na sua já difícil situação? Durante as entrevistas, os agricultores

Page 103: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

94

manifestaram que tanto o governo como a sociedade, exigem deles atitudes e ações de

preservação que não são exigidas de outros setores da mesma sociedade.

É importante que se modifiquem os valores dessa sociedade, incorporando a

natureza ao cotidiano, não apenas dos agricultores, mas da sociedade em seu conjunto,

permitindo o favorecimento de uma agricultura alternativa aos padrões industriais

convencionais não apenas em relação aos meios de produção, mas fundamentalmente às

relações sociais.

Porto Alegre, RS, Brasil, agosto de 2001.

Page 104: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

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Page 108: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

99

ANEXOS

Page 109: Aguas claras assentamento apa_vilaberde

100

ANEXO 1

Referências: Escala 1cm : 1000m

Verde: Área de Proteção Ambiental (Mata nativa) Amarelo: Área de moradia (Área alta) Fonte: Diagnóstico da realidade agrária e proposta de desenvolvimento rural. Viamão – RS (Agosto 2000). PCT INCRA/FAO – UTF/BRA. 051/BRA.

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101

ANEXO 2

MODELO DE QUESTIONÁRIO PARA AGRICULTORES

QUESTIONÁRIO Data ___ / ___ / ___ Nº ..................

BLOCO 1 – IDENTIFICAÇÃO DO AGRICULTOR E SUA FAMILIA -

HISTÓRICO SOCIOECONÔMICO - PRODUTIVO.

1.1. Nome do entrevistado ..........................................................................Setor........... Natural de onde? ....................................Aonde morava?......................................... Qual era sua ocupação anterior?............................................................................... Se era agricultor, que atividades realizava?............................................................... ................................................................................................................................. Trabalhou como empregado ou era proprietário?......................................................

1.2. Constituição familiar

Nome Parentesco Sexo Idade Instrução

1)1º incompl 2)1º compl 3)2º incompl 4)2º compl 5) Superior

Ocupação principal 1) Agrícola 2) Não agrícola 3) Trabalha fora 4) Estuda

1.3. Que critérios levou em conta para escolher este assentamento e este setor para morar? .............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................

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102

BLOCO 2 - CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DO SISTEMA

PRODUTIVO.

2.1 Terra

Hectares Observações Área Total Área agrícola útil Área para moradia Área com mata Área não utilizável Parte do ano Todo o ano

2.2 Estrutura econômica produtiva 2.2.1 -Recursos Naturais com que conta: 2.2.1.1.Localizado dentro do setor.............................................................................................. 2.2.1.2.Descrição de alguma particularidade em relação ao geral ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2.2.1.3.Em relação ao lugar de onde você vem, quais são as diferenças mais importantes? Isso mudou sua maneira de trabalhar a terra? ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. 2.2.1.4.Utiliza fogo? Nunca ( ) Às vezes ( ) Freqüentemente ( ) Sempre ( ) 2.2.1.5.Com que fim? ...................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2.2.1.6.Realizou algum desmatamento em sua área? (.........) Sim (.........) Não Quanto? .......................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................

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103

2.2.2 -Capital: Máquinas e implementos Principais

características Idade Ano de

aquisição Propriedade 1) Individual 2) Grupal

Observações

Trator Ceifadeira automotriz Plantadeira Trilhadeira Implementos p/ trator Carretão / carroça Veículo p/ serviço Motor Motosserra Sistema irrigação Benfeitorias Nº Área

(m2) Tipo 1) Madeira 2) Alvenaria 3) Mista

Propriedade 1) Individual 2) Grupal

Observações (Estado)

Galpões Paiol Chiqueiro Aviário Silo Esterqueira Estufas Outras

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Animais (*) Nº Finalidade 1) Venda 2) Consumo 3) Venda Serviços

Propriedade 1) Individual 2) Grupal

Observações

Boi de trabalho Boi de comércio –1 ano Touros

Vacas

Novilhos e terneiros

Suínos

Cachaço Porcas (matriz) Leitões

Aves

Corte Postura Outros Ovinos Caprinos Cavalos Peixes Abelhas (Cxas) (*) Inclui animais que formam parte do circulante 2.2.3 -Relação com os mercados: INSUMOS Quantidade De quem compra

1)Comércio zona 4)Outros 2)Cidades 3)Cooperativas

Financiamento 1)Próprio 4)Outros 2)Troca – troca 3)Crédito comercial

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PRODUTOS Autoconsumo Venda 1)Comércio zona 4)Feiras diretas 2)Cidades 5)De quem compra 3)Cooperativas os insumos

Observações

Que informações utiliza para a venda de seus produtos? ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... Vende seus produtos a quem compra os insumos? .......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... Quais são suas fontes de informações (jornais, TV, revistas, profissionais, outras). ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................... 2.2.4 - Características da produção: 2.2.4.1.Atividades agrícolas e seu manejo técnico

Principais Culturas Área Produção Semente

1)Própria 2)Híbrida 3)Outra

Semeadura 1).Manual 2).Mecânica

Colheita 1).Manual 2).Mecânica

Tratamentos culturais 1)Fogo 2)Tipo preparo do solo

Adubos Nome Para que cultura Quantidade Momento Quem

recomendou

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Agrotóxicos Nome Para que cultura Quantidade Momento Quem

recomendou 2.2.4.2Atividades Pecuárias e seu manejo técnico

Principais criações Manejo técnico (especificar) 2.3. Formas e tipo de unidade de produção

2.3.1.Recebeu créditos (........) Sim (........) Não 2.3.1.1.Quem financiou? .................................................................................................................. 2.3.1.2.Foi de fácil obtenção (tramitação)?........................................................................................ 2.3.1.3.Para que utilizou? ................................................................................................................. 2.3.1.4.Com que juros?...................................................................................................................... 2.3.1.5.Teve ou tem problemas para pagar esse crédito?..................................................................... 2.3.2.Recebe dinheiro de fora da unidade de produção? Quais? ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 2.3.3. Tem algum tipo de dívidas? Com que setor (comercial, financeiro, outro). ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... Observações:

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BLOCO 3- ORGANIZAÇÃO PARA O TRABALHO

3.1.Tipo de mão de obra Tipo Quantidade Períodos no ano

(Quantidade - época) Principal atividade que desempenha

Familiar Assalariada permanente Assalariada transitória Ajuda mútua Outras 3.2.Organização 3.2.1.Tem algum tipo de integração ou organização com outros agricultores? Qual? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.2.Para que atividades? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.3.Quais são as vantagens? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.2.4.Quais os problemas? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.3.Quem toma as decisões (agricultor, a família ou técnico)? ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 3.4.Tem assistência técnica, como? Qual é sua opinião (críticas, aspectos positivos)? Qual é a contribuição do técnico para sua produção?. ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ BLOCO 4 - EXPECTATIVAS E PROJETOS FAMILIARES 4.1.Gosta do que faz? O que mais o senhor gosta de fazer? Por que continua nesta atividade? ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... .........................................................................................................................................................

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4.2.Quais são seus planos e/ou projetos para o futuro? ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 4.3.Como vê sua situação atual se comparada com aquela de 10 anos atrás? ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 4.4.Que pensa em relação ao futuro de seus filhos? (devem seguir na agricultura ou devem buscar outras atividades) ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................... BLOCO 5 – RELAÇÃO PRODUÇÃO AGRÍCOLA – CONSERVAÇÃO AMBIENTAL 5.1.Como escolheu as atividades que hoje realiza? Por que escolheu essas atividades? (Ver se aparece algumas das razões em relação à questão ambiental) ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.2.Quando o Sr pensa em “tecnologia” o que lhe vem à cabeça? (importância, efeitos

sobre o ambiente, necessária, etc)

......................................................................................................................................................

......................................................................................................................................................

......................................................................................................................................................

...................................................................................................................................................... 5.3.Como avalia a qualidade de suas terras? Quais indicadores usa? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.4.Utiliza – se de técnicas de conservação do solo? Quais? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.5.Como escolhe as técnicas que vai utilizar? (a de menor custo, a que conhece mais, a que afeta menos ao ambiente, etc) Sempre tem feito isso? ......................................................................................................................................................

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5.6.Acha que deveria produzir de outra maneira? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.6.1.De acordo com a resposta anterior, essa produção “diferente” (natural, orgânica, ecológica, etc), é importante? Por quê? (Ver quais são as razões, uma forma de cuidar da saúde, ao ambiente, etc ou uma forma de conseguir melhores mercados e preços, ou ambas) ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.Sabe que parte das terras do assentamento estão dentro de uma Área de Proteção Ambiental? (......) Sim (.....) Não 5.7.1.Que pensa das APAs? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.2.Conhece a regulamentação das APAs? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.3.Acha que existem outras formas de proteger a natureza? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.4.Qual é sua posição sobre as áreas de reserva florestal? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.5.Tem área de reserva florestal em seu lote? Pensa conservá-la? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... 5.7.6.A existência da APA coloca alguma dificuldade para desenvolver seu trabalho? ...................................................................................................................................................... ...................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................

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ANEXO 3

ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA MEDIADORES TÉCNICOS I Em Relação a sua formação

Profissão Onde se formo (grado, pós-grau, etc) Quando? Que considera como uma deficiência em sua formação? II Em relação à tecnologia

Como define tecnologia? Existem diferentes tecnologias? Existem umas melhores que outras? Com que criterio as classifica e com qual as qualifica? Qual é o “modelo” que recomendaria a os agricultores deste assentamento (Águas Claras) III Em relação à Sociedade

Qual é a relação entre a(s) tecnologia(s) pregoadas e o projeto político ou de sociedade do mediador? Qual é o rol da tecnologia para transformar o social? IV Em relação a os Sistemas produtivos

Para você, qual é a situação da Agricultura hoje? (Observar que aspectos destaca econômico, social, ambiental, etc) Como define uma agricultura orgânica, ecológica, “diferente”? Acredita que é importante produzir dessa forma? Por que? V Em relação a os recursos naturais

Como qualifica os recursos naturais com que contam os agricultores do assentamento? Para você, como é a relação dos agricultores com esses recursos? (conhecimentos, adaptação, negação, etc) A presença de uma Área de proteção Ambiental modifica sua maneira de trabalhar? Em que aspectos?