agatha christie - o misterioso caso de styles

144

Upload: ludover

Post on 24-Jul-2016

238 views

Category:

Documents


4 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Agatha christie - o misterioso caso de styles
Page 2: Agatha christie - o misterioso caso de styles

O primeiro e um dos mais famosos mistérios solucionados por Hercule Poirot, o caso Styles começa quando uma aristocrata inglesa morre trancada em seu quarto, vítima de um aparente ataque cardíaco. A coisa ficaria por aí, não fosse a suspeita de envenenamento levantada pelo médico da família.

Page 3: Agatha christie - o misterioso caso de styles

I

VouParaStyles

O intenso interessedespertadonopúblicopeloque icou conhecidona época como "Caso Styles" está, de certa forma, esquecido. Todavia aopiniãopública aindadá certa atençãoao assunto; eu tenhopedido tantoparameuamigoPoirotquantoparaa família,paraquepudesseescreverum relato sobre a história. Isto, nós acreditamos, silenciará os rumoressensacionalistasqueaindapersistem.

Vou expor, resumidamente, as circunstâncias que izeram com queeutivessecertaligaçãocomoincidente.

Eu estava internado em uma casa de saúde e, após passar váriosdias lá, consegui uma licença de saúde de um mês. Não tendo relaçõespróximasenemamigostentavamanterminhamenteocupada,quandomeencontreicomJohnCavendish.Tinhaconhecidoelequandoeraapenasumgarotinho,masde fatonuncaohavia conhecidoparticularmentebem.Eleeraunsbonsquinzeanosmaisvelho,masnãoaparentavajáestarnacasados45.Quandogarotinholembrei,àsvezespassavaunstemposemStyles,moradadesuamãeemEssex.

Nós tínhamos boas lembranças do passado, e isso resultou numconviteparaqueeufossepassarminhalicençanacidade.

–Minhamãe icará feliz em revê-lo, após todos esses anos. – disseele.

–Suamãeestábem?–perguntei–Ah,sim!Suponhoquevocêsaibaqueelacasoudenovo.

Deixei transparecerminha surpresa.A Sra. Cavendish casou comopaideJohnquandoeramuitonova,mesmoelejásendoviúvoetendodoisilhos.Elanãodeveriatermenosdesetentaanosagora!Euaconhecicomuma personalidade enérgica, autocrática, bondosa para com os outros;muitas vezes abria bazares para arrecadar dinheiro para obras decaridade.Eraumamulherdebomcoração,epossuíaumaboafortuna.

O seu cantinho verde, o sítio em Styles, fora comprado pelo Sr.Cavendishassimquecasaram.Eleeracompletamenteloucopelaesposae,

Page 4: Agatha christie - o misterioso caso de styles

com a morte, deixou para ela o sítio enquanto sua mulher vivesse, etambém um bom dinheiro em um testamento que, de certa forma foiinjusto com seus dois ilhos. A madrasta, de qualquer modo, sempre foigenerosaparaeles;esseseramaindamuitojovensquandoopaicasoudenovo,entãoaconsideravamcomosuaprópriamãe.

Lawrence,omaismoço,teveumajuventudedelicada.Formou-seemmedicina, mas logo desistiu da pro issão; vivia em casa escrevendo, eacreditavaqueseusversosalcançariamsucessodefato.

John exerceu por algum tempo a pro issão de advogado, mas logodecidiuvivernocampo.Elehaviacasadodoisanosantes,etrouxeaesposaparavivernosítio.

Penso eu que o que o trouxe ao sítio foi a possibilidade de"engordar" a sua renda.A Sra. Cavendish gostavade fazer seusprópriosplanos; talvezesperasseoutrapessoaparamorar comelese,nesse caso,certamenteestarianocontroledasituação.

Johnpercebeuminhasurpresaaoreceberanotíciadocasamentodesuamãe,edeuumsorrisosarcástico.

– Um podre de um aproveitador, – disse, ele rudemente – eleperturbaagente.TambémEvie,lembradeEvie?–Não.

–Oh,suponhoqueelatenhaaparecidodepoisdesuaépoca.Elaéobraçodireitodamadrasta.Mãoparatodaobra.UmgrandeapoioboaEvie!Não precisamente jovem e bonita, mas sabe fazer todos dançaremconformeamúsica.

–Vocêestavadizendo...– Ah, este homem! Ele surgiu do nada com a desculpa de que era

primo segundo ou algo assim de Evie, mesmo que Evie não conseguisseencontrar uma relação de parentesco entre eles. Esse homem é umestranho,qualquerumvêisso.

Eletemumaperpétuabarbalongaenegra,esemprequechoveusaasmesmasbotasde couro, como se fossemasúnicasque existissem.Atéqueumdiamamãesimpatizoucomeleeotornouseusecretário;vocêsabecomo ela sempre anda correndo entre uma centena de associações! –Realmente.–pensei.

–Bem, a guerra transformouas centenasemmilhares. Semdúvidaelefoimuitoútilparaela.Nóspoderíamostê-losuportado,nãofosseoqueaconteceu há três meses atrás: ela surpreendentemente anunciou queestavam comprometidos! Semdúvida que esse homemestá apenas atrásdodinheirodela;mas eladecidiupor simesma, e eles casaram.Eledeveser no mínimo 20 anos mais novo! – Deve ser uma situação di ícil para

Page 5: Agatha christie - o misterioso caso de styles

vocês.– Di ícil? É quase que desastrosa! E assim parti três dias depois.

Abandonei o trem na estação Styles St Mary, uma daquelas estaçõesabsurdamente pequenas, sem razão aparente para existir, empoleiradasentrepradariase lorestas.JohnCavendishaguardava-menaplataforma,edirigiu-meatéocarro.

– Consegui um pouco de gasolina, veja só. – disse ele – Mas issograçasàinfluênciademamãe.

A vila de Styles St Mary localizava-se a uns dois quilômetros daestação, e o sítio Styles um quilômetro após; era um dia quente e calmo,pelos idos de julho. Peguei-me a observar os campos de Essex,perfeitamente nivelados, tão verdejantes e pací icos sob o sol da tarde!Quase impossíveldeacreditarquenãomuito longesedesencadeavaumagrande guerra. Senti como se estivesse perdido em um outro mundo.Quandoentramosnosítio, Johndisse:–Estoucommedoquevocêacheolugarmuitomonótonoequieto,Hastings.

–Ah,meuvelhoamigo,pazéoquemaisdesejoatualmente.– Bem, com certeza aqui é um lugar ideal para se levar uma vida

sossegada.Eu trabalho comos voluntáriosduasvezespor semana, edouuma mãozinha aos trabalhadores da fazenda no resto do tempo. Minhaesposa também ajuda. Ela levanta todas as manhãs às 5 horas paraordenhar as vacas, e se mantém trabalhando até a hora do café. É umaótimavida, levando-seemconsideraçãotodaabelezaepazquesetemaoredor. Logicamente não se considerando Alfred Inglethorp! Ele olhourapidamente pelo carro: – Eu icaria agradecido se nós tivéssemos umtempinhopara pegar Cynthia... Não, ela já deve ter deixado o hospital háessahora.

–Cynthia!Suaesposa,não?– Não. Cynthia é uma enteada de minha mãe, ilha de uma velha

colegadeescoladela,queacaboucasandocomumadvogadocorrupto.Elemorreu,eelasforamdeixadasàmercêdasorte.Minhamãecorreuemseusocorro,eCynthiaestácomagentehádoisanos.Ela trabalhanohospitaldaCruzVermelha,emTadmindster,cincoquilômetrosadiante.

Enquanto ele pronunciava as últimas palavras, nós nosaproximávamos de uma casamuito bem conservada, mas que deixava àmostra sua arquitetura antiga. Uma senhora corpulenta que estavainclinadasobreumcanteirodeflores,veioemnossadireção.

–OiEvie,aquiestáonossoheróiferido!SrHastings–Srta.Howard.ASrta.Howardsaudou-mecomum irme–quasedoloroso–aperto

Page 6: Agatha christie - o misterioso caso de styles

de mão. Notei seus olhos azuis que contrastavam com a pele queimadapelosol.Elaeraumamulheratraentedemaisoumenos40anos,comumavoz profunda quase masculina no seu tom grave; um corpo quase bemdefinidoepéslargos,encaixadosembotasmacias.

Sua conversa, logo percebi, dava-se em um tom telegrá ico: frio econtínuo.

–Aservasdaninhascrescemmuitorápidomelhortercuidado,senãoelasacabamvencendo.

–Seprecisardealgumaajuda,podecontarcomigo.–Nãodeveriaterditoisso!Logoestareiperturbandovocê.–Não seja boba, Evie!– disse John, sorrindo.Onde será o cháhoje?

Na sala ou na rua? – É um dia muito bonito para icarmos engaioladosdentrodecasa.

– Venha, então; chega de jardinagem por hoje. O trabalho érecompensadoquandoserecebeopagamento,vocêsabe.

–Certovocêvenceu!–disseEvietirandoasluvasdejardinagem.Eladirigiu-nos até onde o chá estava sendo servido, sob a sombra de umagrandeárvore.Umamulherdepelerosadalevantoudeumadascadeiraseveioapassoslargosparaencontrar-nos.

–Estaéminhaesposa,Hastings!–disseJohn.NuncamaisesquecereiminhaprimeiravisãodeMaryCavendish.Umamulherimpressionante;alturaideal,corpobemde inidocontra

osraiosde luz,ovívidoedeslumbrantesensoque irmavaexpressãoemseus lindos olhos; olhos marcantes, diferentes dos de qualquer outramulherqueeujáhaviaconhecido.Correu-meaimpressãodeestarfrentea um espírito selvagem, esquisitamentemoldado em um corpo civilizado.Tudoisso icoumarcadoemminhamemória.Comcertezaeununcamaisaesqueceria.

Elasaudou-mecomalgumaspalavrasdeboas-vindasemumtomdevoz suave e um tanto agradável; então fui me sentar na roda do chá,satisfeitoporteraceitadooconvitedeJohn.Maryserviu-meumpoucodechá,eoseujeitoquietoeprudenteveioareforçarmeuconceitosobreela,o de umamulher extremamente fascinante. Um ouvinte atento é sempreagradáveleestimulante,eeudescreviademaneirabem-humoradaalgunsfatos ocorridos enquanto estava na casa de saúde; isso fazia comque eumedistraísseeaindaagradavaconsideravelmenteminhaouvinte.

Johnestavaclaro,passava longedeserumbomconversador.Entãoouviumavelhaconhecidavozatravésdeumadasjanelaspróximas:–Vocêescreverá à princesa após o chá, Alfred? Eu escreverei novamente para

Page 7: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Tadmindster.DepoisjánãotemosaDuquesaapardasituaçãodaescola?HouveummurmúriodeumavozmasculinaeapósaSra.Inglethorpdisseem resposta: – Sim, com certeza. Após o chá discutiremos isso mais afundo.

Uma porta se abriu e uma velha senhora de cabelos brancos, deaparência marcante e respeitável, saiu para o gramado. Um homem aseguia,igualmentecomjeitorespeitávelecomboasmaneiras.

ASra.Inglethorpsaudou-mecomalegria.– Ora! Estou muito contente em vê-lo de novo, Sr. Hastings, após

todosessesanos.Alfredqueridovenhacá.Sr.Hastings;meumarido.Euolheicomcertacuriosidadepara"Alfredquerido".Elecertamente

se parecia comum forasteiro ou algo assim. Tive de concordar com Johnsobre a longa barba; uma das mais negras que eu já vi. Ele usava umbroche de ouro e parecia ter um caráter impassível, como se nada oatingisse. Parecia estar com o papel perfeito na encenação,mas no lugarerradona vida real. Sua voz era profunda e deixava transparecer a faltadesinceridade.Elecolocouamãonomeuombroedisse:–Érealmenteumprazer,Sr.Hastings!–Depois,virando-separaaesposa:–Emily,querida,acho que esta almofada está um pouco desconfortável, não? Ela sorriucarinhosamente para ele, enquanto ele substituía a almofada com toda ademonstraçãode carinho.Estranhapaixãodeumamulher sensivelmentediferente.

Na presença do Sr. Inglethorp, o pressentimento de falsahospitalidadepareciameacompanhar.ASrta.Howard,emparticular,nãoescondianadanem trazia descon ianças.A Sra. Inglethorp,mesmo assim,demonstrava algo diferente. Sua volubilidade, como eu lembrava dosvelhos tempos,nãohavia seperdido comopassardos anos, e eladeixouescaparumaenxurradadeconversa,principalmentesobreo4ºbazarqueela vinha organizando e que ainda não tinha nem data e nem lugarde inido.Ocasionalmentedirigia-seaomaridoparaperguntarsobrediasedatas. Ele nunca variava suas maneiras atentas e descon iadas, e entãoirmeiminha antipatia por ele e constatei queminha primeira impressãoestavacorreta.

ASra.InglethorpsaiuparainstruirEviesobrealgumascartas,eseumaridovirou-separamimeperguntoucomsuavozpolida:–Vocênãofoiconvocadopeloexército,Sr.Hastings?

–Não,antesdaguerraeuestavanoLloyd.–Eretornaráquandoaguerraacabar?

Page 8: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Depende.Ouissooucomeçareiminhavidanovamente.Mary Cavendish inclinou-se para a frente lentamente: – Se você

pudesseescolherumaprofissão,oqueescolheria?–Bem,issodepende.–Nenhumhobbysecreto?Nãohánadaquevocêgostariade fazer?

Algumacoisahá,comcerteza,mesmoquesejaabsurda.–Vocêvairirdemim.Elasorriu.–Quemsabe...–Bem,eusempredesejeiserumdetetive!AcoisarealtipoScotland

Yard;ouapenasSherlockHolmes?SherlockHolmes.Naverdadeestoumuitoatraídopor isso.Lembro-

me de um homem na Bélgica, uma vez, um famoso detetive, ele quedespertou esse interesse emmim. Ele era um sujeito brilhante, a irmavaque para cada tipo de caso havia um método a ser empregado. Meusistema é baseado no dele, só que eu estou muito mais longe de serpromovido. Ele era um homem muito divertido, grande humorista, masabsurdamentetalentosoeinteligente.

–Comoumadasminhasprópriashistóriasdedetetive–mencionoua Srta. Howard. – Um monte de escritos sem sentido, acho. O criminosodescobertonoúltimocapítulo.Todossãosuspeitos,vocêquersaberoquerealmenteaconteceu.

–Existeumgrandenúmerodecrimesnãodesvendados–retruquei.– Issonão se deve à polícia,mas às pessoas que estãodiretamente

envolvidas: a família. Você não pode enganá-la realmente; de algodesconfiaria.

– Bem – eu disse – você acha que se estivesse envolvida em umcrime,digo,umassassinato, você saberiaou teriaquase certezadequemseriaoassassino?

–Comcerteza.Talveznãotivessecomoprovaraospromotores,mascertamenteeusaberia.Seeleestivesseporperto,eusentiriaissonapontademeusdedos!–Poderiatambémser"ela"–sugeri.

– Poderia. Mas assassinato é um crime violento, associa-se muitomaisaumhomem.

–Nãonocasodeenvenenamento.ASra.Cavendishmesurpreendeu.–oDr.Bauersteinestavadizendoontemquedevidoàignorânciageralporparte do povo em relação aos mais variados tipos de venenos quecircundamamedicina,umcasodeenvenenamentosemfortessuspeitosémaisdifícil.

Page 9: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– Nossa, Mary! Que conversa mais esquisita! – argumentou a Sra.Inglethorp–Issomefazsentircomoseeuestivessecavandomeuprópriotúmulo.Ah,Cynthiachegou.

Umamoçajovemusandoumuniformecruzavaogramado.–Cynthia,vocêchegoutardehoje.Sr.Hastings,Srta.Murdock.Cynthia Murdock era uma criatura admirável, cheia de vida e

energia. Livrou-se do boné, e assim pude admirar seu belo cabeloondulado; também não pude deixar de notar que suas mãos erampequeninasebrancas.Ficariaaindamaisbonitacomolhosecíliosescuros.

Elasentou-senagramaaoladodeJohn,equandoeualcanceiaelaopratodesanduíches,elasorriuparamim.

–Sente-seaquinagrama,émuitomelhor.Abandoneiacadeiraesenteinagrama.–VocêtrabalhaemTadmindster,nãoé?Elaconcordou.– Pelos meus pecados! – Eles maltratam você lá?– perguntei

sorrindo.– Gostaria de vê-los fazerem isso!-argumentou Cynthia com

dignidade.– Eu tive uma prima que foi enfermeira, e ela se apavorou com as

irmãs.–Não estou surpresa. As irmãs simplesmente estão lá e pronto, Sr.

Hastings. Elas simplesmente estão lá! Você nem sabe ao certo para quê.Mas eu não sou enfermeira, agradeço aos céus, eu trabalho em umaespéciededepósitodeprodutosquímicos.Parecidocomumalmoxarifado.

–Quantaspessoasvocêjáenvenenou?–perguntei,sorrindo.Cynthiasorriutambém.–Centenas!–eladisse.–Cynthia!–chamouaSra.Inglethorp–achaquepodetomarnotade

algumascoisasparamim?–Claro,tiaEmily.Ela levantou-se prontamente, e alguma coisa em sua maneira

lembrou-me que ela estava na posição de dependente, e que a Sra.Inglethorp, bondosa como sempre foi, fazia com que ela não se sentissebemaorecusarumaajuda.

Minhaanfitriãdirigiu-seamim.– Johnmostrará o seu quarto. O jantar será servido às 07h30.Nós

temosjantadocedoporessasépocas.ASra.Tadmindster,esposadeumdenossos membros e também a última ilha do Lorde Abbotsbury, faz omesmo. Ela concorda comigo no fato de que alguém tem que dar umexemplo de economia. Nós estamos encarando uma verdadeira guerra

Page 10: Agatha christie - o misterioso caso de styles

doméstica;nadaédesperdiçadoaqui, cadapedaçodepapelé recolhidoeenviadoemsacos.

Eu expressei meu reconhecimento, e então John levou-me paradentrode casa; subimosumaamplaescadariaquenomeiodividia-seemduas, indo uma parte para cada lado da casa. Meu quarto era do ladoesquerdo,sobreagaragemeestacionamentodoscarros.

Logo depois de John ter saído, eu o vi caminhando pela gramalentamente de braços dados com Cynthia. Ouvi a Sra. Inglethorp chamarporCynthiaimpacientemente;agarotaabandonouJohnevoltoucorrendo.Na mesma hora um homem saiu debaixo de uma árvore e seguiu namesma direção. Ele aparentava uns 40 anos; eramoreno, e com a barbabemaparada.Algumaemoçãoviolentapareciatomarcontadele.Enquantocaminhava olhou para minha janela, então consegui reconhecê-lo; comohavia mudado em 15 anos! Era Lawrence Cavendish, o irmão de John.Fiquei curioso para saber o que havia causado aquela expressão em seurosto.

Logoesquecideleeretorneiaosmeusafazeres.A noite foi su icientemente agradável, e eu acabei sonhando com a

mulherenigmática:MaryCavendish.Demanhã acordei sob um sol radiante, um dia perfeito; eu previa

umabelaestadia.Não vi Mary até a hora do café da tarde, quando ela convidou-me

paracaminharmosumpouco;gastamosatardeacaminhareconversar,eretornamospróximoàs5horas.

Quandoentramos,Johnchamou-nosatéasaladosfumantes.Vipelaexpressão em seu rosto que algo o atormentava. Nós o seguimos e elefechouaportalogoapósentrarmos.

– Escute Mary, aqui está uma confusão dos diabos. Evie teve umadiscussãocomAlfredInglethorp,efoiembora!–Eviesaiulogoapós?Johnconcordoupreocupadamente.

– Sim. Veja para onde ela foi. E... Ah, aqui está ela! A Srta. Howardentrou. Seus lábios estavam severamente cerrados, e ela trazia consigoumapequenablusa.

–Queódio!–estourou–Deveriaterdescon iado!–Evelyn,nãopodeser verdade! – É a pura verdade! Disse para que Emily não julgasse ouperdoasseprecipitadamente,maselanãomedeuouvidos.Eudisse:“Vocêéumamulhermuitovelha,Emily!Ohomemé20anosmaismoçoquevocê,por que ele casaria contigo? Dinheiro! Bem, não dê muito a ele... O Sr.Raikes tem uma esposa muito jovem e bonita, pergunte ao seu Alfred

Page 11: Agatha christie - o misterioso caso de styles

quantotempoelegastaládevezemquando!"Elaficoufuriosa.Natural!Eudisseainda:"euestoulheavisando,qualquernoitedessas,essehomemvaiassassiná-la na sua própria cama enquanto você dorme! Ele émuitomalencarado;nãoesqueçadisso!”.

– E o que ela disse? A Srta. Howard fez uma cara expressiva: –“Querido Alfred” – "Amado Alfred” – "Calúnias mal intencionadas” –"Mentirascontraele".Entãoeudeixeiacasaimediatamente,eestoucaindofora!–Masagora?–Nesteexatomomento!Porummomentonóssentamose icamosaobservá-la.FinalmenteJohn,semoquedizer,saiuparare letir;suaesposalogooseguiu, falandoalgosobrepersuadiraSra. Inglethorpapensarmelhornisso.

Quando eles deixaram a sala, o rosto da Srta. Howard mudou. Elaaproximou-se de mim: – Sr. Hastings, você é honesto. Posso con iar nosenhor? Eu estava umpouco surpreso. Ela pôs suamãonomeu braço, ebaixou sua voz a um simples sussurro: – Veja, Sr. Hastings.Minha pobreEmily...Elessãoumbandodeaproveitadores!Seioqueeuestoudizendo!Todos eles são! Todos tentam arrancar o dinheiro dela! Eu a tenhodefendido como pude até hoje, mas agora estou abandonando tudo. Elesarrancarãooquepuderemdela.

– Eu entendo Srta. Howard; você está um tanto nervosa e talvezjulgandoprecipitadamente.

Ela interrompeu-me fazendo um "não" com o dedo indicador: –Acredite emmim. Eu vivo aqui hámuito tempo e sei o que eles querem.Tudoqueeupeçoéquevocê iquedeolhosbemabertos, e entãoveráoque eu quero dizer! O barulho do motor de um carro foi icando maisaudível,enquantoaSrta.Howard levantava-seesedirigiaàporta.Ouvia-se a voz de John ao longe. Ela virou-se para mim já com a mão nafechadura,esedespediu.

– Acima de tudo, Sr. Hastings, vigie o Demônio: Alfred Inglethorp!Nãohavia tempoparamais.ASrta.Howardpartiaemmeioaumcorodeprotestosetchaus.AlfredeEmilyInglethorpnãoapareceram.

Quando o carro foi embora, a Sra. Cavendish separou-se do grupoalcançando o gramado do outro lado da estrada, para encontrar umhomem gordo que estava, evidentemente, chegando na casa. Sua facerosou-seenquantoelaocumprimentava.

–Queméesse?–perguntei.–ODr.Bauerstein!–disseJohnbrevemente.–EqueméoDr.Bauerstein?–insisti.– Ele está na vila se recuperando de um ataque nervoso; é um

Page 12: Agatha christie - o misterioso caso de styles

especialista de Londres, penso eu que um dos maiores especialistas emvenenosdaatualidade.

–EéumgrandeamigodeMary!–interferiuCynthia.Johnolhoureprovadamenteparaelaemudoudeassunto.– Vamos dar uma volta, Hastings. Isso tem sido um problema; ela

sempretevea línguasolta,masmesmoassimnãoexistenomundoamigamelhorqueEvelynHoward.

Tomamos o caminho da plantação e caminhamos em direção à vilaatravésdasárvoresquebeiravamoslimitesdafazenda.

Enquanto passávamos por uma porteira no caminho de volta paracasa,encontramosumamulhermuito jovemquevinhanadireçãooposta;elacumprimentou-nosesorriu.

–Umamulhermuitobonita.-observei.Johnolhou-meseriamente.–EssaéaSra.Raikes.–AquemaSrta.Howardreferia-se?–Exatamente.–disse Johnem

tomáspero.Pensei sobre a velha senhora de cabelos brancos, sozinha em uma

casa enorme, e pensei na maravilhosa mulher que cumprimentou-nosmomentos atrás. Um pequeno calafrio percorreumeu corpo. Resolvi nãopensarnoquepoderiaestarrealmenteacontecendo.

– Styles é realmente um lugar muito bom. – disse eu a John. Eleconcordou,comumaexpressãotriste.

–Sim,eestaéumapropriedademuitobonita; tudo issodeveriasermeu pela lei, semeu pai tivesse feito um testamento justo. Então eu nãoestaria passando por estas di iculdades inanceiras pelas quais estoupassando.

–Di iculdades,você?–AmigoHastings, fazmuito tempoqueeunãovejodinheiro.

– Seu irmão não pode ajudá-lo? – Lawrence? Ele pegou o poucodinheiroquetinhaese foina fantasiadeenriquecercomapublicaçãodeseusversos.Não,realmenteelenãopoderiameajudar.Minhamãesemprefoimuitoboaparanós,masdesdequecasounãonosajudoumais.–disseele,franzindoatesta.

Pela primeira vez eu senti como Evelyn Howard, que havia algoestranho no ar. Sua presença signi icava segurança, e agora essasegurançanãomaisexistia.A igurasinistradoDr.Bauersteindeixou-medescon iado. Um vago pressentimento de que estávamos à beira do caosinvadiuminhamente,eeupressentiaomaliminente.

Page 13: Agatha christie - o misterioso caso de styles

II

OsDias16e17deJulhoCheguei a Styles no dia cinco de julho, iniciam-se agora os eventos

dos dias 16 e 17. Para conveniência do leitor, recapitularei os incidentesexatamentecomoaconteceram,namedidadopossível.Elesirãoelucidarosubsequenteprocessodeeliminaçãoporcruzamentodeinformações.

Recebi uma carta de Evelyn Howard alguns dias após sua partida,eladiziaqueestava trabalhandocomoenfermeiradeumgrandehospitalem Middlingham, uma cidade industrial que se localizam 15 milhasadiante,epedia-meparadizerseaSra.Inglethorpdemonstravadesejodereconciliação.

O único pesar dos meus dias era a preferência de Mary pelacompanhia e amizade do Dr. Bauerstein. O que ela viu no homemrealmenteeunãosei,maselasempreoconvidavapara iratéacasa,eàsvezessaiamparaverdadeirasexpedições.Devoconfessarqueestouloucoparadescobriroqueaatraitanto.

O dia 16 caiu em uma segunda-feira, um dia muito tumultuado. Obazar havia acontecido no sábado, e uma festinha para entretenimento etambémpara insde caridade,ondeaSra. Inglethorp iria recitarpoemasdeguerra,iriaacontecernaquelanoite.Duranteamanhãtodosestávamosocupados decorando um salão na vila, onde a festa iria acontecer.Tomamosum lanche epassamos a tardedescansandono jardim.PercebiqueJohnestavaumpoucodiferente,parecianervosooucansado.

Apósochá,aSra.Inglethorpfoidormirumpoucoantesdoseventosdanoite,eeudesafieiMaryparaumapartidadetênis.

Às 06h45min a Sra. Inglethorp chamou-nos e disse que estávamosatrasadosparaojantar.Corremospara icarmosprontosatempo;eantesdofimdarefeiçãoocarroestavaesperandonaporta.

A festa foi um grande sucesso, o recital da Sra. Inglethorp foiintensamente aplaudido. Houve também algumas encenações nas quais

Page 14: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Cynthia tomouparte.Elanãovoltou comagente, tendopedidopara icarnojantardafesta,edepoisgastaranoitecomalgunsamigosquetambémparticiparamdaencenação.

NamanhãseguinteaSra.Inglethorptomouocafédamanhãnacamaporque estava muito cansada; mas em torno das 12h30min havialevantadocomtodaadisposição,e levouLawrenceeeuparaalmoçarmosfora.

– Semdúvidaumapreciável conviteda Sra.Robbston. IrmãdaSra.Tadmindster, você sabe. Os Robbston são velhos amigos e sempre nosajudarammuito.

MarydeuadesculpadeumcompromissocomoDr.Bauersteinenãofoi.

Nós tivemos um lanche agradável, e quando voltávamos para casaLawrencesugeriuquevotássemosporTadmindster,umpoucomaislonge,para visitar Cynthia em seu serviço. A Sra. Inglethorp disse que era umaexcelente ideia, mas que tinha algumas cartas para escrever; ela nosdeixarialáenósretornaríamoscomCynthia.

O porteiro segurou-nos na porta do hospital até que Cynthia veiointerceder por nós; ela usava um longo guarda-pó branco. Ela nos levouaté o almoxarifado e apresentou-nos para sua companheira de serviço,umamoçaumtantotímidaaqualCynthiachamoudeNibs.

– Que monte de frascos!– exclamei enquanto meus olhos giravampelapequenasala–Vocêrealmentesabeoquetememcadaumdeles?–Digaalgomaisoriginal!–retrucouCynthia–Todomundoquevemaquidiz"que monte de frascos..." e eu sei até o que você ira perguntar agora:"quantaspessoasvocêjáenvenenou?”.

Defendi-mecomumagargalhada.– Se o povo imaginasse como é fatalmente fácil envenenar alguém

por engano, você não estaria rindo disso. Venha, vamos tomar chá. Nóstemos todo o tipo de material nesses armários. Não, Lawrence, esse é oarmáriodosvenenos.Ocorretoéogrande.

Tomamos um chá muito gostoso, e acabávamos de tomar o últimogole quando alguém bateu na porta. Os semblantes de Cynthia e Nibsficaraminstantaneamentepetrificados.

–Entre!–disseCynthia,emumtomprofissional.Umaenfermeira jovemapareceucomum frascoque foioferecidoa

Nibs, esta passou o frasco a Cynthia com uma alegação enigmática: – Eunão estava aqui hoje! Cynthia pegou o frasco e examinou-o com aseriedadedeumjuiz.

Page 15: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Estedeveriatersidoenviadoestamanhã!–Airmãpededesculpas.Elaesqueceu.

– A irmã deve ler os regulamentos que estão do lado de fora daporta.

Percebiqueaenfermeiranãoestavacomamenorcoragemdelevarelamesmaestamensagemparaatemidairmã.

–Issonãopoderáserfeitoatéamanhã.–finalizouCynthia.–Nãoháamenorpossibilidadedeque iqueprontohojeànoite?–

Bem, – disse Cynthia – estamos muito ocupadas, mas se sobrar umtempinhoeuvereioquepossofazer.

A pequena enfermeira retirou-se; Cynthia tomou uma garrafa daprateleiraecompletouofrasco,depoisocolocousobreamesadoladodeforadaporta.

Nãoresistieacabeirindo.– Tentando manter a disciplina? – Exatamente. As regras estão

afixadasdoladodeforadobalcão.EuseguiCynthiaesuaamiga,eelasapontaramparaocartaza ixado

naparede.Lawrence icou para trás, mas após alguns momentos Cynthia

chamou-oparaqueelesejuntasseanós.Elaolhouorelógio.–Nadamaisafazer,Nibs?–Não.–Ok.Vamosfechareirembora.Lawrence estava diferente pelamanhã. Comparado a John, ele era

umapessoamuitodi ícildeconhecer.Eraoopostodeseuirmãoemmuitosaspectos;eraextremamentecaladoereservado.Eramuitobemeducadoeseeuoconhecessemelhor,poderiaterprofundaafeiçãoporele.Lawrencesempre icava constrangido quandoCynthia estava por perto e ela icavacalada ao seu lado. Mas naquela tarde ambos estavam vívidos demais, efalavamcomopapagaios.

Enquanto íamos para casa lembrei que precisava de alguns selos,entãofizemosumaparadanocorreio.

Quandoestavasaindonoteiumpequenohomemquechegava.Pareiao seu lado e iquei observando-o quando, de repente, ele me abraçouafetuosamente.

–MonamiHastings!–eleexclamou–ÉmesmomonamiHastings!–Poirot!–exclamei.

Volteiparaocarro.–Estoumuito feliz, Srta. Cynthia. Este émeuvelho amigomonsieur

Poirot,quejánãoviaháanos!–NósconhecemosmonsieurPoirot,masnão

Page 16: Agatha christie - o misterioso caso de styles

sabíamosquevocêseramamigos!–disseCynthia.–Sim,de fato.–dissePoirotseriamente–euconheçomademoiselle

Cynthia. Eumesmo estou aqui pela caridade da Sra. Inglethorp. – depois,quando olhei pensativo:– Sim,meu amigo! Ela hospitaleiramente acolheusete de meus compatriotas refugiados. Nós Belgas sempre lembraremosdelacommuitagratidão.

Poiroteraumhomemextremamentebaixinho.Nãodeveriatermaisdoque1,60m,mastinhaseuorgulhopróprioeandavadecabeçaerguida.Suacabeçatinhaoexatoformatodeumovo,maselenuncaligouparaisso.Tinhaumestilomilitar; a limpezade suas roupaserade invejar, acreditoque causariamais dor nele umamancha de sujeira do que um tiro. Estehomenzinho esquisito que mancava um pouco foi na sua época um dosmelhores membros da polícia Belga. Como detetive tinha um talentoextraordinárioconseguindoresolvercasoscomplexoseemaranhados.

Elemostrou-meacasaondeeleeseusamigosestavam,eeuprometique logo viria visitá-los. Depois ele tirou o chapéu para despedir-se deCynthiarespeitosamente,enósfomosembora.

–Eleéumhomemmuitoamável–disseCynthia–nãofaziaideiaquevocêsseconheciam.

–Vocêconheciaumacelebridadeinconscientementerepliquei.Eentãopelorestodocaminhocontei-lhesalgunsdosbem-sucedidos

casosdeHerculePoirot.Voltamosalegres e conversandomuito.Quandoentramosna sala, a

Sra.Inglethorpsaiudeseuescritório.Pareciatristeeaflita.–Ah,sãovocês.–eladisse.–Aconteceualgumacoisa,tiaEmily?–perguntouCynthia.– Claro que não, – disse a Sra. Inglethorp -o que poderia ter

acontecido?– depois olhando para Dorcas, a arrumadeira que se dirigiaparaasaladejantar,ordenouquetrouxessealgunsselosatéoescritório.

– Sim, madame. – a velha empregada hesitou um pouco e depoisconcluiu–Asenhorapareceestarmuitocansada,nãoseriamelhordeitarum pouco? – Acho que você está certa, mas ainda tenho algumas cartaspara escrever. Você acendeu a lareira nomeu quarto como pedi? – Simsenhora.

–Entãoireimerecolherlogoapósojantar.ElaentrounovamentenoescritórioenquantoCynthiaaobservava:–

Oquerealmentehouve?–disseelaparaLawrence.Elanãoaouviu;virou-seedirigiu-separaforadacasa.Sugeri a Cynthia uma partida rápida de tênis antes do jantar, ela

Page 17: Agatha christie - o misterioso caso de styles

aceitoueeusubirapidamenteparapegarminharaquete.A Sra. Cavendish estava descendo as escadas. Poderia ser apenas

imaginaçãominha,maselaestavamuitoperturbada.–TeveumbompasseiocomoDr.Bauerstein?–perguntei, tentando

parecerquenãotinhanotadonada.– Eu não fui. – ela respondeu asperamente – onde está a Sra.

Inglethorp?–Noescritório.Suas mãos apertavam-se contra o corrimão, e ela parecia nervosa.

Desceu rapidamente as escadas, atravessou a sala e entrouno escritório,fechandoaportaviolentamenteatrásdesi.

Quandofuiparaaquadradetênismomentosdepois,passeifrenteàumajaneladoescritórioqueestavaaberta,ecasualmenteouviumpedaçodaconversa.Marydiziaemumtomdesesperado:–Vocênão irámostrarissoparamim?–QueridaMary, issonãotemnadaavercomoassunto!–Entãomemostre isso!–Nãoéoquevocêestá imaginando. Issonãoafetavocêdemodoalgum.

EntãoMaryacrescentoucomumacrescenteamargura:–Claro!Eujádeveriasaberquevocêiriaprotegê-lo!Cynthiaaguardava-me,eassimquechegueidisse:–Dorcasmedissequehouveumabrigamuitofeia.

–Quetipodebriga?–EntretiaEmilye"ele".Esperoqueagoraelaomandeembora.

– Dorcas por acaso estava lá? – Claro que não! Ela apenas estavapassandopróximoàportadeles. Issoémesmoumestouro,eusógostariadesaberporqueelesbrigaram.

Namesmahoraveio-mealembrançadolindosorrisodaSra.Raikes,e também de Evelyn Howard avisando; decidi não falar nada. Cynthiaesboçou um sorriso e lançoumais uma hipótese: – Tia Emily omandaráemboraenuncamaisfalarácomele.

Eu estava ansioso para saber o que John pensava sobre isso, masnão o encontrei em lugar algum. Evidentemente algo ocorreu naquelatarde.Eu tentava esquecer aspalavrasque tinhaouvidopela janela,masde qualquer jeito nunca as esqueceria completamente. Por que MaryCavendish estava tão interessada no assunto? O Sr. Inglethorp estava nasala de visitas quando eu desci para o jantar. Seu rosto permaneciaindiferentecomosempre,edemonstravaumgrandesensode irrealidadequemeassustou.

A Sra. Inglethorp desceu logo depois. Ela parecia estar agitada, edurante a refeição manteve-se calada O Sr. Inglethorp também estavacaladocomosempre.

Page 18: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Rodeavaaesposadepequenasatenções, arrumandoaalmofadaàssuascostase fazendoopapeldemaridodevotado. Imediatamenteapósojantar,aSra.Inglethorpretirou-senovamenteparaoescritório.

– Mande meu café aqui, Mary. Tenho apenas 5 minutos paraescreveracorrespondência!Cynthiaeeusentamospróximoàumajanelaaberta na sala de visitas. Mary trouxe café para nós. Ela aindademonstravaestarpreocupadaeansiosa.

– Vocês jovens gostam de lugares claros ou preferem o"crepúsculo"?– brincou ela – Cynthia, poderia levar o café da Sra.Inglethorp?Euvoutirarosrestosdamesa.

– Tudo bem, Mary!– disse o Sr. Inglethorp – deixe que eu mesmolevo o café para Emily. – ele pegou a bandeja namão, e saiu carregandocuidadosamente.

Lawrenceseguiu-o.ASra.Cavendishsentou-secomagente.Nóstrêsficamosemsilêncioporumcertotempo.Estavaumanoitemuitoagradávelquenteecalma.ASra.Cavendish

abanava-secomumleque.– Está muito quente – ela murmurou – acho que vamos ter uma

tempestade.Mas tudo que é bom, dura pouco. Fui rudemente "arrancado" de

meuparaísoporumabemconhecidavoznasalaprincipal.–Dr.Bauerstein!–exclamouCynthia–Chegouemboahora.Em poucos segundos Alfred já o havia arrastado para dentro, com

uma posterior gargalhada; brincou dizendo que ele não poderia icar nasalaporqueestavaliteralmenteencharcadodebarro.

–Oquevocêtemfeito,doutor?–perguntouaSra.Cavendish.– Primeiramente devo me desculpar. Eu realmente não queria

entrar, mas o Sr. Inglethorp insistiu! – Bem, Bauerstein, você estádesculpado.–disseJohn,quevinhadasalaprincipal.

–Pegueumcaféeconte-nosoquetemfeitoultimamente.–Obrigado,eucontarei.–elesoltouumarápidarisadaecontou-nos

como descobriu uma espécie muito rara de samambaia em um lugarpraticamente inacessível e, em seu esforço para tentar pegá-la, perdeu oequilíbriocaindodentrodeumapequenapoçadebarro.

–O sol secouminhas roupas– eledisse –mas eu iquei totalmentesujodelama.

Neste momento a Sra. Inglethorp chamou Cynthia para a salaprincipal,eagarotasaiucorrendo.

– Apenas leve para cima, minhas roupas de descanso. Pode fazer

Page 19: Agatha christie - o misterioso caso de styles

isso,querida?Estouindoparaacama.A porta entre as salas era bem larga. Eu levantei quando Cynthia

saiu. John estava encoberto por mim. Tínhamos então três testemunhasque viram a Sra. Inglethorp ir para seu quarto com a xícara de café namão.

Minhanoitetinhasetornado,muitochataecansativapelapresençadoDr.Bauerstein.Pareciaqueohomemnuncairiaembora.Quandoeleselevantou,finalmente,eudeiumsuspirodealívio.

–Euvouatéavilacomvocê.–disseoSr.Inglethorp;depois,virando-se para John – Não precisam levantar para abrir a porta, levarei umachavecomigo.

Page 20: Agatha christie - o misterioso caso de styles

III

ANoitedaTragédiaParaqueestapartedomeurelato iquemaisclara,coloqueiaseguir

um mapa do segundo andar da casa. Os quartos dos empregados icamatravésdaportaB.Elesnão têmcomunicaçãocomo ladodireitodacasa,ondeficamosquartosdoSreSraInglethorp.

No meio da noite fui acordado por Lawrence Cavendish. Ele

carregavaumavelanamão,eseurostoagitadomefezperceberquehaviaalgodeerrado;muitoerrado.

– O que aconteceu?– perguntei, levantando e tentando organizarmeuspensamentosdispersos.

–Nós achamosqueminhamãe está doente. Ela parece estar tendoumasconvulsões,eaportaestátrancadapordentro.

–Vamosláveroqueestáacontecendo.

Page 21: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Eupuleidacamaevestiumroupão,entãonosdirigimosparaaasadireitadacasa.

Johnjuntou-seanós,tambémalgunsempregadosaproximaram-se.Lawrencevirou-separaseu irmão:Oqueachaquedevemos fazer?

Johnpareciaindeciso.John forçou violentamente a fechadura, mas isso não surtiu efeito.

Estava,obviamente, trancadapordentro.Háessahoraacasa todaestavaemalvoroço,eosmaisalarmantes tiposdesonseramouvidosno interiordoquarto.Algodeveriaserfeito,erápido.

–TentepassarpelaportadoSr. Inglethorp,senhor!–gritouDorcas,apavorada – oh, pobre senhora! Repentinamente percebi que Alfred nãoestava entre nós. John abriu a porta de seu quarto, estava totalmenteescuro. Lawrence logo o seguiu com um candelabro, então percebemos,mesmo com a débil luz, que ninguém estava no quarto e que a camacontinuavaperfeitamentearrumada.

Seguimos imediatamenteparaaportade conexãoentreosquartos.Estavatrancada,oquepoderíamosfazeragora?–Oh,Deus!–disseDorcas– o que devemos fazer? – Devemos tentar arrombar a porta, mas comcerteza dará muito trabalho. Mande uma das criadas acordar Baily emandá-lo buscar oDr.Wilkins agoramesmo. Esperemummomento: nãoháumaoutrapassagematravésdoquartodeCynthia?–Johnestavaaflito.

–Simsenhor!Maselasempreestevetrancada,nuncafoiaberta.–Bem,vamosdarumaolhadanela.ElesaiucorrendorapidamenteemdireçãoaoquartodeCynthia.Maryestavalá,chacoalhandoamoça–elatinhaumsonopesado–e

tentandoacordá-la.Empoucossegundoseleestavadevolta.–Estátrancadatambém.Devemosarrombaraporta,esperoqueela

nãosejamuitoresistente.Forçávamos a porta em conjunto. A fechadura resistiu durante

algum tempo,mas logo cedeu à pressão e a porta abriu-se comum forteestrondo.

Entramostodos juntosnoquarto,Lawrencepermaneceusegurandoocandelabro.

ASra.Inglethorpestavasobreacamasofrendoviolentasconvulsões,emumadasquaiseladeveterderrubadoamesinhadecabeceiraaoseulado. Assim que entramos seus membros relaxaram, e ela permaneceuinertesobreacama.

Johnatravessouoquartorapidamenteeacendeuolampião.

Page 22: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Virou-se para Annie, uma das criadas, e mandou-a até a sala dejantarparatrazerumpoucodeconhaque.

Depoisfoisocorrersuamãeenquantoeudestraveiaportaquedavaparaocorredor.

VireiparaLawrenceparadizerqueestava saindoporqueemnadamais poderia ser útil, mas as palavras congelaram-se em meus lábios.Nunca havia visto o rosto de um homem tão apavorado. Ele estava tãobrancoquantoumavela,ocandelabrodespencoudesuasmãostrêmulaseveio espatifar-se sobre o carpete e seus olhos, petri icados de terror oualguma emoção desconhecida, olhavam ixamente sobre minha cabeçapara um ponto na parede. Imediatamente segui se olhar, mas nadadiferentepudenotar.Tudoparecianormaleinofensivo.

O violento ataque da Sra. Inglethorp parecia ter passado, e elapareciaquererfalarcomdificuldade.

– Estou melhor agora... Uma coisa repentina... Como sou estúpida...Trancar-mepeloladodedentro.

Umasombraapontounacamae,olhandoparacima,pudeverMarycomseubraçoaoredordeCynthia.Elapareciaestarsegurandoagarota,que parecia estar totalmente confusa. Seu rosto estava desanimado e elabocejavarepetidamente.

– Pobre Cynthia, está muito assustada. – disse Mary, em uma vozcalmaesuave.

Ela usava seu avental branco, isso indicava que deveria ser maistarde do que eu pensava. Percebi alguns fracos raios de luz através dacortina,equandoolheiparaorelógioaproximava-sedas5horas.

Umestranho ruídodedorqueveioda camaassustou-me.Umadorviolenta parecia tomar conta da velha senhora. As convulsões voltaram ealcançaramdimensões terríveis.Tudoestava confuso.Nós corremosparaseulado,masnãotínhamoscomosocorrê-la,ousetínhamosnãosabíamoscomo.Umaúltimaeviolenta,convulsãoderrubou-adacama,eelapareceudescansar;seucorpoestavatodocontorcido.EmvãoJohneMarytentavamfazê-la beber mais conhaque. Alguns segundos passaram. Novamente oseucorpocontorceu-senaquelemovimentopeculiar.

Nessemomento,oDr.Bauersteinentrourapidamentenoquarto.Poralguns instantespareceu imóvelaassustado,observandoa igurasobreacama e, no mesmo momento, a Sra. Inglethorp gritou com uma vozdestorcida. Seus olhos ixos no Dr. Bauerstein: – Alfred... Alfred...– entãolentamentedeixou-sedescansarsobreacama.

Em um instante o doutor havia alcançado a cama; começou a

Page 23: Agatha christie - o misterioso caso de styles

movimentarrapidamenteosbraçosdaSra.Inglethorpenquantoaomesmotempo aplicava a respiração arti icial. Ele deu algumas curtas ordens aoscriados, e com um sinal de mão ordenou-nos a sair do quarto. Todossentíamosemnossoscoraçõesquejáeratardedemais,nadamaispoderiaserfeitoagora.PudeverpelaexpressãodoDr.Bauersteinqueelemesmotinhapoucasesperanças.

Finalmente ele desistiu, e saiu balançando a cabeça negativamente.No mesmo instante ouvimos passos se aproximando, e o Dr. Wilkins,médicodaSra.Inglethorp,entrouapressadamente.

EmpoucaspalavrasoDr.Bauersteinexplicouqueestavapassandopelo portão do sítio e viu um carro sair rapidamente, então veio o maisrápidoquepôdeatéacasa.

Comumgestoindicouocorposobreacama.–Muito,muitotriste.–disseoDr.Wilkins–Pobresenhora!Sempre

ultrapassava seus limites; fazia muita coisa – contra minhasrecomendações.Eahaviaavisadoqueseucoraçãonãoeramuitoforte.Vácomcalma!–eudisse.Maselanãoqueriasaber;pensavanobemdetodosmenosnodelaprópria.

O Dr. Bauerstein, percebi, olhava ixamente para o Dr.Wilkins, atéquefalou:–Asconvulsõeseramdeumaviolênciapeculiar,Dr.Wilkins.SeoSr.tivessechegadoatempo,iriaperceberqueeramforadocomum.

–Ah!–disseoDr.Wilkinscompreensivamente.–Gostariadefalar-lheemparticular.–disseoDr.Bauerstein.Depois,virando-separaJohn:–algumaobjeção?–Deformaalguma.Todosnóssaímosparaocorredoredeixamososmédicosasós,ouvi

obarulhodafechaduragirandoàsminhascostas.Descemos vagarosamente as escadas. Minha mente trabalhava

violentamente.Tenho certo talento para dedução, e as expressões no rosto do Dr.

Bauerstein desencadearam uma sequência de hipóteses na minhaimaginação.Marypôssuamãoemmeuombro.

– O que está acontecendo? O que o Dr. Bauerstein quis dizer com"eramdeumaviolênciapeculiar?”.

Euolheiparaela.–Querrealmentesaberoqueeupenso?–Sim!–Presteatenção–eu

olhei para os lados, os outros estavam longe o su iciente para que nãofossemosouvidos.Reduziminhavozaumsussurro.–Euachoqueela foienvenenada!EstoucertodequeoDr.Bauersteinsuspeitadisso.

–Que?!–elarecuoucontraaparede,suaspupilasdilataram-se.

Page 24: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Depoisdisse,comumchororepentinoquemeassustou:–Não...Nãopodeserverdade...–saiucorrendoesubiuasescadasdesesperadamente.Eu a segui, pois achei que ela iria desmaiar; encontrei-a no meio dasescadasrecostadaaocorrimão,totalmentepálida.

– Por favor, deixe-me sozinha! Preciso icar um pouco sozinha! Váparajuntodosoutros.

Deixei-asozinhaefuiatéasaladejantar,ondeestavamLawrenceeJohn.

Estávamos todosemsilêncio,masachoque juntei opensamentodetodos e os transformei em palavras quando disse: – Onde está o Sr.Inglethorp?Johnbalançouacabeça.

–Elenãoestáemcasa.Nossos olhos encontraram-se. Onde estava Alfred? Seu repentino

sumiço era estranho e inexplicável. Lembrei das últimas palavras da Sra.Inglethorp.Oque signi icavam?Oquemais ela teriadito anós se tivessetido tempo? Finalmente ouvimos os médicos descendo a escada. O Dr.Wilkins estava aparentemente preocupado, mas tentava demonstrar acalmahabitual.

O Dr. Bauerstein permaneceu um pouco mais distante, seu rostodemonstrava amesma expressão séria.ODr.Wilkins dirigiu-se a John: –Sr.Cavendish,precisodeseuconsentimentopararealizarumaautópsia.

–Érealmentenecessário?–umespasmodedorpercorreusuaface.–Issosignificaque...–Nem eu nemoDr.Wilkins poderemos dar uma certidão de óbito

semmaioresexames,dadasascircunstâncias.Johnconcordoucomumsinal.–Nessecaso,nãomerestaalternativasenãoconcordar.–Obrigado!–disseoDr.Wilkins–Propomosqueissosejafeitohojea

noite, ou ainda mais cedo. Dadas as circunstâncias di icilmente o casoescaparádeumainvestigação.Evocêsestãodiretamenteenvolvidosnela.

Houve uma pausa, e então o Dr. Bauerstein tirou duas chaves dobolso do casaco e passou-as para John: – Essas são as duas chaves doquarto.Euotranqueie,naminhaopinião,devepermanecerassim.

Osmédicosforamembora.Uma ideiabrotouemminhamente, e eu sentiqueeramomentode

aplicá-la. Eu tinha certa descon iança de fazer isso porque John tinhahorror de qualquer tipo de publicidade e fazia de tudo para evitá-la.Lawrenceporoutrolado,tinhaumaótimaimaginação;entãosentiqueeleeraumfortecandidatoameualiado.Eramomentooportunoparaqueeu

Page 25: Agatha christie - o misterioso caso de styles

fizessefrenteaalgumaação.–John–eudisse–precisopediralgoavocê.– O quê? – Lembra que eu lhe falei demeu amigo Poirot? O belga

queestáaqui?Eleéumfamosodetetive.–Sim.–Gostariadesuaautorizaçãoparaqueeleinvestigasseocaso.– Por que agora? Antes da autópsia? – Sim! O tempo é uma

vantagem.–Bobagem!–argumentouLawrence–Naminhaopiniãoétudouma

invenção tola do Dr. Bauerstein! Wilkins não havia percebido nadadiferenteatéqueoDr.Bauersteinpôsissonacabeçadele.Venenossãoasuaespecialidadeentãoéclaroqueelevêissoportodososlugares!Fiqueimuito surpreso com a atitude de Lawrence, ele raramente contrariavaalgo.

Johnhesitou.–Nãopenso comovocê, Lawrence. – e disse inalmente – você tem

minhaautorização,Hastings;mastomecuidadoquantoaqualquertipodeescândalodesnecessário.

–Não,não!Poirotéadiscriçãoempessoa!–Muitobem.Deixotudoem suasmãos. Se for realmente o que suspeitamos, é indispensável umaboa investigação nesse caso. Deus perdoe-me se eu estiver tomando aatitudeerrada.

Olheiparaorelógio.Eramseishoras.Nãohaviatempoaperder.Cinco minutos mais tarde eu estava na biblioteca vasculhando as

prateleiras, até que encontrei um livro médico que dava a descrição deenvenenamentoporestricnina.

Page 26: Agatha christie - o misterioso caso de styles

IV

PoirotInvestigaA casa que os belgas ocupavam icava na vila, e para chegar até lá

existiamdois caminhos:aestradapoeirentaouo longocampogramadoàfrentedapropriedade.

Resolvi atravessar os campos para chegar mais rápido à vila, porondemedepareicoma iguradeumhomemaproximando-sedemim.EraoSrInglethorp.

Onde estava ele? Como pretendia justi icar sua ausência? Eleaproximou-sedemimansiosamente.

–MeuDeus!Issoéterrível!MinhapobreEmily!Euacabeidesaberoqueaconteceu!–Ondevocêesteve?–perguntei.

–Denbysegurou-meatéumahoradamanhã.Depoisdissodescobriquetinhaesquecidodetrazeracópiadachave.Nãoqueriaacordaracasatoda,entãoDenbydeu-mepousada.

– Como você soube do que aconteceu? – O Dr. Wilkins acordouDenbyparacontaraele.

– Minha pobre esposa! Vivia sempre se sacri icando pelos outros.Nobrecaráter.Infelizmenteexcedeuseuslimites.

Umaondadeindignaçãoefurorpercorreumeucorpo.Quetamanhahipocrisia via-se através do rosto desse homem! – Preciso ir, estou commuitapressa!–disseeu,agradecidoporelenãoterperguntadoparaondeeumedirigia.Dentrodealgunsminutoseubatiaenergicamentenaportada casa onde os belgas abrigavam-se. Sem receber resposta, continueibatendoimpacientemente.

Uma janela sobre mim abriu-se cautelosamente, e Poirot pôs suacabeça para fora. Ele saudou-me alegremente. Em poucas palavrasexpliqueiaeleoquehaviaacontecido,epediporsuaajuda.

–Espere,amigo,vouabriraportaparavocê,assimvocêexplicamaiscalmamentetudoissoenquantoeumevisto.

Page 27: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Em alguns instantes ele havia destravado a porta, e eu o segui atéseuquarto.

Após sentar-me, relatei todos os acontecimentos da noite anteriorsemomitir nenhum fato, pormais insigni icante que fosse. Enquanto issoPoirotfaziaabarbacuidadosamente.

Contei a ele como fui acordado, das últimas palavras da Sra.Inglethorp, da ausência de seu marido, da discussão do dia anterior, dopedaçodeconversaqueouvientreMaryesuasogra,dabrigaentreoSr.InglethorpeEvelynHoward,edeoutrosacontecimentosposteriores.

Eu tentava expor os fatos da forma mais clara possível, eocasionalmente tinhaquevoltarumpoucoparaexporalgumdetalhequehaviaesquecido.Poirotsorria.

– A mente está confusa? É isso, não é? Vá com calma, mon ami. Énatural você estar assim agitado, mas tente se acalmar! Quando a genteestá de cabeça fria os fatos se encaixammuito melhor, cada um no seudevido lugar, então podemos examiná-los. Vamos colocar os fatosimportantes de um lado, e os sem importância simplesmente jogaremosfora! – Tudo bem.Ma como você distingue os fatos importantes dos semimportância?Paramimissosemprefoiimpossível.

–Nemtanto.Umfatolevaaoutro,eassimnóscontinuamos.Maisumpequeno fato, mais uma curiosidade. Oh, aqui está algo que estavadespercebido–maisumelonacorrente!Nósexaminamos,procuramos,eumpequeno fatonos levaaumdetalheque fazumconjunto todoganharsigni icado!– Poirot fez um gesto com as mãos – oh! Isso é grandioso!Genial! – Sim! Sim! –Ah! – Poirot balançouodedo indicador em sinal deaviso – Tome cuidado com os detetives que dizem: "Isso é tão pequeno!Não importa, não faz diferença, vou ignorar isso”. Esse caminho leva àconfusão! Todos os detalhes importam! – Eu sei, você sempre dizia issopara mim. Por isso relatei tudo nos mínimos detalhes, parecessem elesrelevantesounão.

–Eeuestoumuitocontentecomisso!Vocêtemumaboamemória,erepassouosfatossatisfatoriamente.Aordemcomaqualvocêosexpôsfoium desastre, mas acho que consigo juntá-los. Mas você omitiu um fatomuitoimportante.

–Que fato?–Vocênãodisse se a Sra. Inglethorpalimentou-sebemnanoitepassada.

Eu o olhei ixamente. Com toda a certeza a guerra havia afetado océrebro daquele pequeno homem. Ele estava ocupado arrumando seucinto,epareciaestarcomtotalatençãonessatarefa.

Page 28: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Eunãolembro,–disse–edequalquermodo,eunãovejo...–Vocênãovê?Masesse fatoédeextrema importância!–Nãovejo

porquê.Peloqueeumelembro,elanãocomeumuito.Elaestavacansada,eissoprovavelmentediminuiuseapetite.Natural,nadadeestranho.

Ele abriu o guarda-roupa e tomou uma pequenamaleta, depois sevirou para mim: – Agora estou pronto. Podemos ir a casa e estudar osfatos.Comlicença,monami,vocêvestiu issocomumpoucodepressaeonó da gravata icou um pouco de lado. Permita-me. – Com um gesto, eleendireitouagravata.

Nósabandonamosavilaeentramosnapropriedadepeloportãodafrente. Poirotparouporummomento a observar tristemente a expansãodecampoaberto,quepermaneciabrilhandoporcausadoorvalho.

–Tãobonito!Eafamíliaentregueàtristeza.Ele olhou ixamente para mim enquanto falava, e eu senti algo de

duvidosoemseusolhos.Estariamesmoafamíliaentregueàtristeza?Percebiquehaviauma

certafaltadeemoçãonoar.Avítimanãopossuíaacapacidadedecontrolaro amor. Sua morte foi realmente um choque, mas ela não estava sendoapaixonadamente lembrada.Poirotpareciaseguirmeuspensamentos.Elebalançouacabeçagravemente.

–Não;vocêestácerto,nãoháumaligaçãodesangueentreeles.ElasemprefoimuitogenerosaparaosCavendish,masnãoeraamãe

deles.Sanguecontalembre-sedisso,sangueconta.–Poirot,–eudisse–estavapensandosevocênãoquermedizerpor

queétãoimportantesaberseaSra.Inglethorpalimentou-sebemnaquelanoite.

Tenho pensado muito nisso e não consigo entender por que issorealmente importa! Ele permaneceu em silêncio por um ou doisminutoscomo se seupensamento estivesse longe, e inalmentedisse: –Você sabequenãoédomeufeitioexporosfatosatéqueocasoestejaresolvido,masabrirei uma exceção. O caso é que a Sra. Inglethorp morreu deenvenenamentoporestricninaquefoi,eupresumo,adicionadaaoseucafé.

–É?–Bem,aquehorasocaféfoiservido?–Próximoàs8horas.– Por outro lado ela tomou seu café entre 08h00min e 08h30min,

então muito tarde. Bem, a estricnina é um veneno violento, seus efeitosseriamsentidosemnomáximoumahora.MasnocasodaSra. Inglethorpos sintomas não se manifestaram até às 5 horas da manhã seguinte:aproximadamente 9 horas depois! Mas uma alimentação pesadaconsumidaquaseàmesmahoraqueoveneno,poderiaretardarseuefeito.

Page 29: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Isso poderia ser levado em consideração, mas você disse que elaalimentou-semuitopouco;sendoassimnãoseriapossívelqueossintomasse manifestassem apenas na manhã seguinte! Agora chegamos a umasituação curiosa, meu amigo. Espero que a autópsia possa explicar isso.Lembre-se disso na hora do jantar! Quando nos aproximávamos da casa,Johnsaiuparaencontrar-nos.

Elepareciaabatido.–Essaéumasituaçãoterrível,monsieurPoirot.–disseele–Hastings

deve ter dito a você que queremos evitar qualquer tipo de publicidadedesnecessária.

–Compreendoperfeitamente.– Veja, isso é só uma suspeita, nada concreto com o que se

preocupar.–Sim,euentendo.Sãoalgumasmedidasdeprecaução.Johnvirou-separamimenquantoacendiaumdeseuscigarros.–JásoubequeoSr.Inglethorpestádevolta?–Sim,euoencontreino

caminho.John jogou o fósforo em uma roseira próxima, Poirot olhou-o

desconcertadamente. Para se redimir, queimou o cigarro de maneiraeducada.

–Difícilsabercomotratá-lo.– Esta di iculdadenão é pormuito tempo. – dissePoirot quase que

parasimesmo.John olhou-o interrogativamente, sem entender o que seu crítico

queria dizer. Ele passou a mim as duas chaves que o Dr. Bauersteindeixaraemseupoder.

–MostreaoSr.Poirotoqueeledesejaver.–Asportasestãotrancadas?–perguntouPoirot.–ODr.Bauersteinachoumelhor.Poirotconcordou.–Bem,issosimplificaascoisasparanós.Entramos juntos no quarto. Por conveniência mostrei a localização

dosprincipaisartigosdemobília.

Page 30: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Poirottrancouaportapordentro,e iniciouumaminuciosainspeção

da sala. Ele passava de objeto a objeto com a habilidade de um gato. Eupermanecipróximoàporta,evitandoassimdestruiralgumvestígio.Poirot,dequalquermodo,parecianãoprestaratençãoaosmeuscuidados.

– O que você tem, meu amigo? Parece que está com medo de semisturaràralé!Expliqueiaelequeestavacommedodedestruirpossíveispegadas.

– Pegadas? Mas como? Esteve praticamente um exército dentrodesse quarto! Não, venha até aqui e ajude na investigação. Vou deixarminhamaletaaquiatéqueprecisedela.

Ele colocou sua maletinha de mão sobre a mesa próxima à janela,masamesaeratraiçoeiraeacabouporderrubá-la.

–Poisé,meuamigo.Alguémpodeviveremumagrandecasaenãoteromínimodeconforto.

Continuouainvestigação.Umpequenoestojoroxocomumachavena fechaduraprendeusua

atençãoporalgumtempo.Eletomouachaveepassou-aamimparaqueeua examinasse, mas nada de diferente pude encontrar. Era uma chaveperfeitamentenormal,muitosurradapeloseulongotempodeuso.

Depois ele examinou a fechadura da porta que tínhamos trancado

Page 31: Agatha christie - o misterioso caso de styles

por dentro, assegurando-se de que o pino da fechadura estava bemencaixado.DepoispassamosparaaportaquelevavaaoquartodeCynthia.Esta também estava trancada, como eu esperava. Abrimos e fechamos aportavagarosamenteparaverseelarangia.DerepentealgonafechaduraprendeuaatençãodePoirot.Eraumpequenofragmento,quefoirecolhidoeguardadocuidadosamenteemumenvelope.

Nacômodahaviaumabandejaondeestavaumpequenoiluminadore uma panelinha com cabo. Uma pequena quantidade de líquido escurorestavaali.Havia,ao ladodapanelinha,umaxícaravaziasobreumpires;elapareciatersidoutilizadaforadehora.

Fiquei espantado em não ter percebido isso antes. Ali estava umavaliosapista.

Poirotdelicadamentetocouolíquidocomodedoindicadorelevou-oàboca.Fezumacareta.

–Coco,comeuacho,rum!Nóspassamosdepoisparaosfragmentosnochãopróximoàcama.Ocriadomudoestavavirado.Haviaumalâmpadade leitura, alguns livros, fósforos, ummaço de chaves, e pedaços de umaxícaradecafé.

–Ah,issoémuitocurioso.–dissePoirot.–Confessoquenãovejonadadiferentenisso.– Não vê? Observe a lâmpada, veja que o braço de suporte está

quebrado em 2 lugares; o estado em que estão condiz com o modo quecaíram. Mas veja, a xícara de café está totalmente em pedaços, foicuidadosamenteesmigalhada.

–Bem,suponhoquealguémtenhapisadonela.–Exatamente.–dissePoirotpensativo–Alguémpisounela.Ele levantou-seeatravessouoquarto lentamenteatéoaparadorda

lareiraondepermaneceuobservandoeendireitandoosornamentos.Eraoseumododeesconderonervosismo.

– Mon ami, – disse ele – alguém pisou nessa xícara reduzindo-a amigalhas porque ela continha estricnina ou o que émuitomais sério, elanão continha estricnina! Não iz objeção alguma. Sabia que não era umaboa hora para pedir que ele explicasse isso. Dentro de segundos eleretornou à investigação. Ele tomou omaço de chaves e icou passando-oentreseusdedosatéqueescolheuuma;eramuitobrilhanteechamativa,eeletentouencaixá-lanafechaduradopequenoestojoroxo.Elaencaixoueele abriu a caixa, mas, após alguns segundos de hesitação, fechou-a etrancou-a novamente. Tomou para si a chave e colocou-a no seu própriomolhodechaves.

Page 32: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Eunãotenhoautoridadeparamexernessespapéis,masissodeveserfeitodeumavezportodas!–Eleexaminoucuidadosamenteasgavetasdosuportedolavatório.

Dirigia-se à janela esquerda quando notou uma mancha redondadi icilmente visível no carpete marrom escuro; isto pareceu interessá-lomuito, abaixou-se e deteve-se a examiná-la cuidadosamente, tentandoentenderseusignificado.

Finalmenteeletomoualgunspedaçosdecocoecolocou-osdentrodeumtubodetestes,selando-ocuidadosamente.Opróximoprocedimentofoicriarumpequenoblocodeanotações.

–Nósencontramosnestequarto–disseeleescrevendo–seispontosdeinteresse.

Devoenumerá-losouvocêfaráisso?–Oh,não,façavocê...– Muito bem, vamos lá. Um, a xícara de café em migalhas; dois, a

caixinharoxacomachavenafechadura;três,amanchanocarpete.–Quepodetersidofeitajáhácertotempoatrás.–interrompi.– Não. Ela estava perceptivelmente úmida e parecia ser de café.

Quatro, um fragmento de um tecido verde-escuro, apenas um ou doisfiapos,masdeveserconsiderado.

–Ah,foiissoquevocêcolocounoenvelope!–Sim.Podetercaídodealgum dos vestidos da Sra. Inglethorp, mas depois veremos isso. Cincoisso!– com um gesto repentino ele apontou uma bola de cera de vela nochão, próximo à escrivaninha. – Esta mancha deve ter sido feita até nomáximoontem,senãoumaarrumadeirajáateriaremovidocomumpapelabsorventeeferroquente.Umademinhashabilidades–masissonãovemao caso! – Ela pode ter sido feita na noite passada. Nós estávamos todosagitados.OuaSra.Inglethorpmesmoderrubousuavela.

–Vocêstrouxeramapenasumavelaparaasala?–Sim,Lawrenceacarregava. Ele estava muito nervoso, e pareceu ver algo bem ali – euindiqueialareira–queoparalisou.

– Istoé interessante.–dissePoirotrapidamente.–Sim, issoémuitosugestivo–dissePoirotcorrendoosolhosàmeiaparedesobrealareira–masnãofoiaveladeLawrencequefezaquelamancha.Notequeestaceraébranca,eadaveladeLawrenceé rosa;masvejaqueaSra. Inglethorpnãotinhavelasnoquarto,somentealâmpadadeleitura.

–Então, – euperguntei -oque sededuz?Como resposta recebi umgrunhido,dizendo-meparausarminhasprópriasfaculdadesmentais.

–Eosextoponto?Eusuponhoquesejaospedaçosdecoco.–Não.Eupoderiatê-loincluídonosexto,masnãoo iz.Osextoponto

Page 33: Agatha christie - o misterioso caso de styles

mantereiparamimporenquanto.Eleolhourapidamenteaoredordoquarto.–Nãohánadamaisafazeraqui,euacho.–eleolhoupensativamente

paraosrestosdecinzanalareira–ofogoqueima,eeledestrói...Podeser,vamos ver! Rapidamente abaixou-se e começou a vasculhar os restos decinza na lareira com muito cuidado. De repente soltou uma forteexclamação: – Minha pinça, Hastings! Eu alcancei a ele a pinça, e eleextraiudentreascinzasumminúsculofragmentodepapel.

–Eentão,monami?Oqueachadisso?Euexamineiminuciosamenteofragmento,eraumaexatareproduçãodisso:

Fiquei indeciso. Era um fragmento de papel escrito à mão de

maneirabemordenada.Instantaneamenteocorreu-meumaideia.– Poirot!– exclamei – Este é um pedaço de um testamento! –

Exatamente.Olhei-oatentamente.–Nãoestásurpreso?–Não,eujáesperavaisso.Devolvi o pedaço de papel e vi Poirot guardá-lo com o mesmo

cuidado que tinha com todas as outras coisas. Minha cabeça estavaconfusa. O que seria esta complicação do testamento? Quem o teria

Page 34: Agatha christie - o misterioso caso de styles

destruído? A pessoa que deixou amancha de vela no chão? Obviamente.Mas quem e como conseguiu entrar? Todas as portas estavam trancadaspordentro.

–Agora,meuamigo,–dissePoirot–nósdevemosir.Tenhoalgumasperguntas a fazer paraDorcas. É esse o nomeda arrumadeira, não?NóspassamospeloquartodeAlfred,eelefoiexaminadocomomesmocuidadocom que fora o da Sra. Inglethorp. Saímos pela porta daquele quarto, aqualfoiigualmenteexaminada.

Levei-oatéoescritóriodaSra.Inglethorpnoandarinferior,efuieumesmoatrásdeDorcas.

Quandovolteicomela,oescritórioestavavazio.–Poirot.Ondevocêestá?–Estouaqui,monami.Ela havia saído pela grande janela francesa, e estava parado

admirandoumcanteirodeflores.– Admiráveis. Observe o formato, a simetria, tudo perfeito! Este

canteiro foi preparado recentemente, não? – Sim, acho que andaramcuidandodeleontem.Masentre,Dorcasestáaqui.

– Eh, bien! Não me prive de alguns momentos de satisfação, monami!–Sim,masainvestigaçãoémaisimportante.

–E você achaque estas inas begônias não sãode tal importância?Mantive-mecalado.Nãohaviacomoargumentarcomele.

– Você não concorda? Bem, vamos entrar e entrevistar a bravaDorcas.

Dorcas aguardava nos no grande escritório, onde também icavammuitasdasroupasdaSra.Inglethorp.Suasmãosestavamjuntasàfrente,eseus cabelos estendidos sobre o uniforme branco. Ela, apesar da idade,mantinha-seatraente.

Elapareciaumpoucodescon iada,mas logoPoirotquebrouo climadesuspense.

Elepuxouumacadeira.–Sente-semademoiselle.–Obrigado,senhor.–Vocêtrabalhaaquijáháalgunsanos,não?–Dezanos,senhor.–Éum longo tempo,eumserviçodemuitacon iança.Vocêgostava

muitodela,não?–Elaeraumaboapatroa,senhor.– Então você não fará objeção em responder algumas perguntas a

mim.–Não,senhor.–Entãocomeçareiperguntandoavocêsobreoseventosdeontemà

Page 35: Agatha christie - o misterioso caso de styles

tarde. Sua patroa teve alguma discussão? – Sim, senhor, mas não sei sedevo...–Dorcashesitou.

Poirotfitou-apensativamente.– Querida Dorcas é necessário que eu saiba de todos os detalhes

sobresuasdesavençascomamaiorprecisãopossível.Nãopenseemestarrevelandoossegredosdesuapatroa.Énecessárioquetudosejareveladosequisermosvingá-la.

Istonãoa trarádevolta,maspelomenosoassassinoserá levadoàjustiça.

–Amémparaisso!–disseDorcascredulamente–E,semcitarnomes,há alguém nessa casa que nenhum de nós suportaria, e que num diaamaldiçoadoadentrouestasportas.

Poirot perguntou em tommédio: – E sobre esta rixa. O que foi quevocê ouviu ou sabe sobre isso? – Bem, senhor, eu estava passando aquipelasalaontemàtarde...

–Aquehorasfoiisso?–Eunãopoderiadizerexatamente.Talvezemtornode4horasoulogodepois.Bemsenhorcomoeudizia,euiapassandopor aqui quando ouvi vozes muito irritadas aqui dentro. Eu não queriaparar para ouvi-las, mas acabei parando e ouvindo algo. A porta estavaentreaberta, eminha patroa, falavamuito alto e claro, então eu conseguiouvir."Vocêmentiuparamimemeenganou”.–eladisse.EunãoconseguiouviroqueoSr. Inglethorp replicou,masela respondeu: "Comoousamedesa iar? Eu tenho acolhido você, vestido você, e alimentado você! Vocêdeve tudoamim!Éassimquevocêmeagradece?Trazendovergonhaaonosso nome!” – novamente não ouvi o que ele replicou, mas logo elacontinuou: "Nadadoquevocêdisser farádiferença.Euchegueiaosmeuslimites. Não pense que estou com medo da publicidade sobre escândaloentremarido emulher, nada vaime deter”. Então acho que ouvi os doissaindo,efuiemborarapidamente.

–Temcertezadeque foi a vozdo Sr. Inglethorpquevocêouviu? –Claro,senhor!Dequemmaispoderiaser?–Bem,oqueaconteceudepois?–Depois eu voltei para a sala,mas estava tudo quieto. Às 5 horas a Sra.Inglethorp tocou o sino e pediu-me que levasse até seu escritório umaxícaradechá–nadaparacomer.Elapareciapálidaenervosa.–Dorcas,–disse,ela–eutiveumfortechoque.

–Sintopor isso,–eudisse–asenhorasesentirámelhorapósumaxícaradecháquente.–Elatinhaalgoemsuamão,nãoseiseeraumacartaouumsimplespedaçodepapel,maselaestavaescrevendoemantinhaosolhos ixos nele como se não acreditasse no que havia escrito. Ela se

Page 36: Agatha christie - o misterioso caso de styles

perdeuemseusprópriospensamentos,tantoquepareceuesquecer-sedeque eu estava lá: – algumaspalavras e, tudomudou. – e depois ela disseparamim:–Nuncacon ieemumhomem,Dorcas;elesnãovalemnada!–euentregueiaelaaxícaradecháeelaagradeceu-me,edisse-mequesesentiriamelhorapósochá.–Eunãoseioquefazer,–eladizia–escândaloentremaridoemulheréumacoisadramática,Dorcas;maseu suporteiomáximo que pude. – a Sra. Cavendish entrou logo depois, então ela nãodissemaisnada.

–Eelacontinuoucomacartanamão?–Sim,senhor.–Eoquevocêachaqueela fezcomacartadepoisdetudo?–Bem,

nãosei,senhor.Achoqueelaacolocounoseuestojoroxo.–Eraondeelamantinhaospapéisimportantes?–Sim,senhor.Elao

traziaconsigotodasasmanhãs,eolevavadevoltatodasasnoites.–Quandoelaperdeuachavedoestojo?–Elaperdeuontemnahora

do chá da tarde senhor, e pediu-me para procurar muito por ela. Elapareciamuitopreocupadaporterperdidoessachave.

–Maselapossuíaumacópia?–Oh,sim,senhor.Dorcasolhava-ocuriosamente,eparadizeraverdadeeutambém.–Oqueissotinhaavercomachaveperdida?Poirotsorriu.–Não importa,Dorcas,esteéomeumétododedescobriras coisas.

Estaéachaveperdida?–elemostrouaelaachavequehaviaencontradonafechaduradoestojo.

OsolhosdeDorcaspareciamquerersaltardacara.– Sim, senhor, é estamesmo.Masonde a encontrou?Eu aprocurei

por todaparte! –Ah,mas ontemela não estava nomesmo lugar emqueestava hoje. Agora mudando de assunto: sua senhora tinha um vestidoverdeescuroemseuguarda–roupa?Dorcasassustou-secomaperguntainesperada.

–Não,senhor.–Vocêtemcerteza?–Sim,senhor.–Alguémnessacasatemumvestidoverde?Dorcasrefletiu.–ASrta.Cynthiatemum.–Verdeclaroouescuro?–Verdeclaro,senhor.–Bem,masnãoéessequeeuquero.Alguémmaistemalgumaroupa

verde?–Nãoqueeusaiba,senhor.Poirotnãodemonstroudesapontamentoalgum.– Bem, deixemos isso de lado e vamos adiante. Você acha que sua

senhoratomoualgumcalmantenanoitepassada?–Nãonanoitepassadasenhor,euseidisso.

Page 37: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– Como tem tanta certeza? – Porque a caixa estava vazia, ela haviatomadooúltimonanoiteretrasada,enãotinhamandadofazeroutros.

–Temcertezadisso?–Sim,senhor.–Estábem.Apropósito:suapatroapediuquevocêassinassealgum

papelontem?–Assinarumpapel?Não,senhor!–QuandooSr.Hastingseo Sr. Lawrence entraram ontem pela manhã, encontraram sua senhoraescrevendocartas.Suponhoquevocêsaibaparaquemeramendereçadas!– Realmente não sei, senhor. Talvez Annie possa dizer a você, aquelameninadescuidada.Elanãorecolheuasxícarasdecafénanoitepassada.Isso porque eu não estava aqui para supervisionar as coisas! Poirotbalançouacabeça.

–Assimquepuder traga-asparamimDorcas, eugostariamuitodeexaminá-las.

–Tudobem,senhor.–Aquehorasvocêsaiunanoitepassada?–Próximoàs seishoras,

senhor.– Obrigado Dorcas; isso era tudo que eu queria perguntar. – ele

levantou-se e caminhou até a janela. – Eu tenho estado admirando essecanteiro de lores. A propósito: quantos jardineiros estão empregadosaqui? –Apenas três agora.Antesda guerra tínhamos cinco.Bons temposaquele,essescanteiroserambemmaiscuidados.

– Os bons tempos voltarão, Dorcas. Pelomenos nós esperamos porisso. Agora, você pode mandar Annie vir até aqui? – Sim, senhor. Ireimandá-laimediatamente.

Assim que Dorcas saiu, perguntei: – Como você sabe que a Sra.Inglethorp tomou calmantes? E sobre a chave perdida e a cópia? – Umacoisa de cada vez. Sobre o calmante, eu soube através disso. – elerepentinamente exibiu-meuma cartela de remédios igual àquelasusadasparaoscalmantes.

–Ondevocêachouisso?–Nosuportedolavatório.EsteéoNº.6daminhalista.

– Mas suponha-se que a última cápsula tenha sido tomada noiteretrasada, isso não é de grande importância? – Provavelmente não. Vocênão nota nada de diferente nesse envelope? Eu o examineicuidadosamente.

–Não;nadadiferente.–Olheaetiqueta.Eu li a etiqueta: "Uma cápsula a ser tomada na hora de dormir, se

necessário.Sra.Inglethorp”.–Continuonãovendonadaerrado.

Page 38: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Nemmesmoofatodeaetiquetanãopossuironomequímico?–Ah,émesmo.Umengano.

– Você alguma vez já pegou uma cartela de remédios sem o nomeimpresso?–Não.Nãopossodizerquejá.

Comeceia icaransioso,entãoPoirotreplicou:–Calma,meuamigo.Aexplicaçãoémuitosimples,entãonãofiqueintrigado.

PassosanunciavamqueAnnie aproximava-se, entãonão tive tempoparaquestionarPoirot.

Annie era umamoça de corpo bem torneado e seu rosto era bematraente,masdemonstravanafaceumatristezapelatragédia.

Poirotfoidiretoaoassunto.–Pedipara falar comvocê,Annie,porqueachoquepodenosdizer

algo sobre as cartas que a Sra. Inglethorp escreveu na noite passada.Quantaseram?Paraquemforamendereçadas?Anniehesitou.

– Eram quatro cartas, senhor. Uma era para a Srta. Howard, umaparaoSr.Wells,oadvogado,easoutrasduaseunão lembro,senhor.Ah,sim! Uma era para a empresa Ross, os fornecedores de Tadmindster. Aoutrarealmentenãolembro.

–Pense.–incentivouPoirot.Annienãoselembrou.–Perdão,senhor.Achoquenãochegueiaverparaquemeraaoutra

carta.– Não tem importância. – disse Poirot não demonstrando o menor

sinal de desapontamento. – Quero perguntarmais uma coisa. Havia umapanelinha no quarto da Sra. Inglethorp com coco dentro. Ela tomava issotodasasnoites?–Simsenhor,essabebidaeralevadaaoseuquartotodasasnoites,eelasemprebebia.Nuncaesquecia.

–Oqueera,umabatida?–Simsenhor,erafeitacomleite,umpoucodeaçúcar,ealgumasgotasderum.

–Quemalevava?–Eu,senhor.–A quehoras? –Quando eu ia puxar as cortinas. Era um costume,

senhor.– Você a trouxe direto da cozinha, então? – Não, senhor. Não há

muito espaço no fogão, então a cozinheira a prepara antes de fazer ojantar. Depois eu trago e coloco sobre a mesa próximo à porta dosempregados,emaistardeeulevoparacima.

–Aportadosempregadosénaasaesquerda,não?–Sim,senhor.–Eaportaéestadoladodecáouadooutrolado?–Éesta,senhor.– A que horas você levou isso para cima ontem? – Próximo às

Page 39: Agatha christie - o misterioso caso de styles

07h15min,senhor.– E a que horas você a colocou no quarto da Sra. Inglethorp? –

Próximoàs08h00min,senhor.ASra. Inglethorprecolheu-seantesqueeuacabasseoserviço.

–Entãoentre07h15mine08h00minapanelinhapermaneceusobreamesanaasaesquerdadacasa?–Sim,senhor.–afacedeAnnietornou-se avermelhada, e então eladisse algo inesperado: –Mas sehavia sal nabatidasenhor,nãofoiculpaminhaporqueeununcadeixeiosalpertodela.

–Oqueafazpensarquehaviasalnela?–Porqueeuovinabandeja,senhor.

– Você viu algum tipo de sal na bandeja? – Sim. Parecia ser sal decozinha.Não lembrode tê-lo trazidopara cima,mas quando eu vimparalevar abatidaparaminha senhoraeuvi, entãoo trouxeà cozinhaepedipara Cook, a cozinheira, fazer um refresco. Eu estava muito nervosa epreocupadaporqueDorcasnãoestava,entãoacheiquepoderiaestartudobemcomabatidaequeo sal tinha ido,nabandejaporengano.Entãoeuespaneiabandejacomomeuaventalelevei-aparadentro.

Eu fazia o possível para não demonstrar meu nervosismo. Mesmosemsaber,Anniehavianosdadoumapossívelgrandepista.Eseo"saldecozinha" fosse na verdade estricnina, um dos venenosmais poderosos eviolentos? Aguardei ansioso a próxima pergunta de Poirot, mas essadespontou-me.

–QuandovocêentrounoquartodaSra. Inglethorp,aportequevaiparaoquartodeCynthia estava trancada? –Ah, claro, senhor. Elanuncafoiaberta.

–EaportaquevaiparaoquartodoSr.Inglethorp?Anniehesitou.–Nãopossodizercomcerteza, senhor.Elaestava fechada,masnão

possodizer-lheseestavatrancadaounão.–PoracasoaSra. Inglethorp trancouaportadoquarto logodepois

quevocêsaiu?–Nãoimediatamentedepoisquesaí.Achoqueelaatrancoumais tarde,poiselageralmentea trancava.Aportaentreosquartos,estasim.Elasempretrancava.

– Você notou alguma marca de cera de vela no chão do quartoquando esteve lá ontem à noite? – Cera de vela? Não, senhor. A Sra.Inglethorp não tinha candelabros no quarto, apenas uma lâmpada deleitura.

–Temcertezadequeseessamanchaexistissevocêa teriavisto?–Sim, senhor. E a teria removido com um ferro quente e um papelabsorvente.

Page 40: Agatha christie - o misterioso caso de styles

EntãoPoirotrepetiuaperguntaquehaviafeitoaDorcas:–Poracasoasuapatroatinhaumvestidoverde?–Não,senhor.

– Nem uma manta, uma capa, um traje esporte? – Nada verde,senhor.

–Alguémtemalgumacoisaverdenestacasa?Annierefletiu.–Não,senhor.–Vocêtemcerteza?–Absoluta,senhor.–Bien!Istoeratudoqueeudesejavaperguntar.Muitoobrigado.Anniedemonstravanervosismoquandosaiu.– Poirot!– eu exclamei – Eu parabenizo você, esta foi uma grande

descoberta.– O que foi uma grande descoberta? – Era o coco que estava

envenenado, e não o café. Isso explica as coisas! Claro que o veneno nãoizeraefeitoatédemadrugada,poisococofoitomadonomeiodanoite!–Então você acha que o coco continha estricnina? – Claro! Aquele sal nabandeja, o que poderia ser? – Poderia ser sal. – replicou Poirotcalmamente.

Fiqueiindignadocomoqueouvi.MaisumavezaideiadequePoirotestavaenferrujandopassou-mepelacabeça.Penseicomigoqueforamuitasortemesmo ele ter como parceiro uma pessoa de cabeçamais aberta ereceptiva.

Poirotolhava-meseriamente.– Está triste comigo, mon ami? – Meu amigo Poirot, – eu disse

friamente–nãoqueroditarnadaparavocê.Vocêtemodireitodepensardaformaquequiser,maseutambém.

– Um admirável sentimento. – disse Poirot – Bem, acho que acabeinesta sala.Apropósito:dequeméaquelamesinhamenoralino canto?–DoSr.Inglethorp.

– Ah!– ele forçou a fechadura,mas ela não abriu. – Trancada,mastalvezumadaschavesdaSra. Inglethorpabra isso.–ele tentouváriasasmovendoparadentroeparaforaegirando-as,atéqueumadelasserviu.–Ah! Esta não é a chave, mas fez o serviçomesmo assim. – ele correu osolhos sobre os papéis e, para minha surpresa, não tocou em nenhum. –Decididamente o Sr. Inglethorp é um homem de métodos. Este é o Sr.Inglethorp! Um homem de métodos era, para Poirot, uma pessoaorganizadaequedeixavatudonoseudevidolugar.Poirotapreciavaisso.

Meuamigovagavadespreocupadamente.–Nãoháselosnestamesa,meuamigo,maspoderiaterhavido.– Poderia, sim! – seus olhos percorriam a sala –Não há nadamais

Page 41: Agatha christie - o misterioso caso de styles

aquiparanós.Elanãonosofereceumuito.Ele puxou um envelope de seu bolso e passou-o a mim. Era um

documento curioso, estava velho e sujo, com algumas palavras escritasaparentementeamão. “PossuidaeuestoupossuídaEleestápossuídoEuestoupossuídaPossuída”.Eisareprodução:

Page 42: Agatha christie - o misterioso caso de styles

V

“Nãoéestricnina,é?” – Onde você encontrou isso?– perguntei a Poirot com vívida

curiosidade.– Na cesta do lixo. Você reconhece a letra? – Sim, é da Sra.

Inglethorp.Masoquesignificaisso?Poirotpassouasmãosnoscabelos.–Nãosei,masémuitosugestivo.Uma ideia selvagem cortou-me. Seria possível que a Sra. Inglethorp

estivesseenlouquecendo?Seráqueelapossuíaalgumaideiadepossessãodemoníaca?Eseissofosserealmenteverdade,seriapossívelelatertiradoaprópriavida?EstavaapontodeexporestasteoriasaPoirotquandosuaspalavrasdistraíra-me.

–Venha,–eledisse–vamosexaminarasxícarasdecafé.– Meu amigo Poirot! O que você está pensando? Nós não sabemos

agora do coco? – Oh, lelê! Este miserável coco! Ele riu com aparentedivertimento,levantandoosbraçosparaocéucomoseestivessecaindoemdesespero.

–Mas de qualquer forma – eu disse se a Sra. Inglethorp levou suaxícara de café para o quarto com ela, eu não vejo o que você esperaencontrar.Poracasovocêesperadescobrirumpacotedeestricninaentreasxícarasdecafé?Poirotpareceutoparodesafio.

–Venha,meuamigo.–eledisse–Nevous fâchezpas!Acompanhe-meemminhapesquisanasxícaraseeurespeitareiseucoco.

Ele estava tão bem humorado que eu me vi obrigado a rir, entãoseguimosjuntosparaondeasxícarasestavam,nasaladevisitas.

Poirot fez-me recapitular a cena da noite anterior, ouvindo commuitaatençãoeverificandoaposiçãodecadaxícara.

–EntãoaSra.Cavendishtrouxeabandejaesaiu.Sim.DepoiselaveioatéajanelaesentoupróximoaondevocêeaSrta.Cynthiaestavam.Sim.

Então temos aqui 3 xícaras. E a xícarana lareiraparecia ser do Sr.

Page 43: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Lawrence Cavendish. E a da bandeja? – Era de John. Eu vi quando ele acolocouali.

–Bom.Uma,duas,três,quatro,cinco–masondeestáaxícaradoSr.Inglethorp?–Elenãotomoucafé.

–Entãotodasestãoapontadas.Ummomento,meuamigo.Com muito cuidado, ele recolheu uma amostra do que restava no

fundo de cada xícara, selando-os individualmente em tubos de teste. Suafisionomiaapresentouumacuriosamudança.

–Bien!–eledisse inalmente– Issoéevidente!Eu tinhauma ideia,mascomcertezaeuestavaerrado.Sim,emtudoeuestavaenganado.Istoémuito estranho, mas não importa! Com característico desânimo, Poirotparecia desenganar-se de tudo o que pensava. Eu poderia tê-lo avisadoqueeleestavasetornandoobcecadopelocafé,queistoiriadarnumbecosemsaída,mas iqueiquieto.ApesardetudoPoirothaviasidoumgrandehomemnasuaépoca,eporissomereciatodaminhaadmiração.

– O café damanhã está pronto. – disse John, entrando na sala – osenhor nos acompanha, Sr. Poirot? Poirot concordou. Eu observei John.Decididamenteeleestavadevoltaaoseuestadonormal.Ochoquedanoitepassada parecia ter passado totalmente, e ele estava de volta ao normal.Ele era umhomemde pouca imaginação, num grande contraste com seuirmãoquetinhaimaginaçãodemais.

Desde as primeiras horas do dia John ocupava-se em enviartelegramas e em outras ocupações em que uma morte implica. Um dosprimeirostelegramaseraparaEvelynHoward.

–Possoperguntá-looquefazer?–eledisse–Suainvestigaçãoapontaqueminhamãe teve umamorte natural ou... Ou... Devemosnos prepararpara opior? –Eu acho, Sr. Cavendish, – dissePoirot gravemente – que osenhor não deve alimentar-se com falsas esperanças. O senhor pode nosdizeroquepensamosoutrosmembrosdafamília?–MeuirmãoLawrenceacreditaquenós estamos fazendouma tempestadenumcopod’água. Eledizquetudoapontaparaumsimplesataquedecoração.

– Ele diz isso? Muito interessante. Quanto à Sra. Cavendish? AexpressãonafacedeJohnmudou.

–Nãofaçoamínimaideiadoqueaminhaesposaachadisso.A resposta trouxe um longomomento de silêncio à sala, o qual foi

quebradopor John:– JádisseaosenhorqueoSr. Inglethorpvoltou,não?Poirotconcordou.

–Estaéumasituaçãodi ícilparanós.Claroquetodosdevemostratá-lodemaneirabemusualmas,pensoeu,poderemosestarnossentandoà

Page 44: Agatha christie - o misterioso caso de styles

mesacomumassassino.Poirotconcordoucomsimpatia.–Euentendo.Éumasituaçãomuitodi ícilparavocês,Sr.Cavendish.

Eu gostaria de fazer -lhe uma pergunta: a razão que o Sr. Inglethorpapresentouparanãotervindoparacasananoitepassadafoiqueelehaviaesquecidoachave,nãofoi?–Sim.

– Suponho que você tenha plena certeza de que a chave foirealmenteesquecida.

– Realmente não tenho ideia, não havia pensado em olhar. Nóssempreadeixamosnasala.Vouvê-laagoramesmo.

Poirotlevantouamãonumgestocarinhoso.– Não, Sr. Cavendish, agora é tarde. Estou certo de que você a

encontrará. Se o Sr. Inglethorp pegou-a, teve tempo su iciente paradevolvê-laatéagora.

–Masvocêpensa...–Realmentenãopensonada.Sealguémtivesselembradodechecar

seelaestavaláantesdeeleterchegado,seriaumpontoaseufavor.Eissoétudo.

Johnpareciaperplexo.– Não se preocupe – disse Poirot educadamente– você não deve

deixar que isso o aborreça. E já que você foi tão gentil, vamos tomar umcafé.

Estavam todos reunidos na sala de jantar. Dadas as circunstânciasnós não estávamos naturalmente em clima de festa. A reação após umchoque é sempre tentar esconder o sofrimento causado por ele. É claroqueocomportamentodevesersempreousual,maseuestavaemdúvidase este comportamento estava sendo tão grande di iculdade. Não haviaolhosvermelhosenemsinaldetristezainduzida.Sentiqueestavacertonaminha opinião de queDorcas era a pessoamais afetada emocionalmentepelatragédia.

Passei frente a Alfred Inglethorp, que estava na posição de viúvoinconformado, perdido em sua própria hipocrisia. Ele sabia quesuspeitávamosdele,masseráqueeletinhaalgummedosecretoouachavaque seu crime permaneceria impune? Instintivamente senti no ar asuspeitadequeeleeraumhomemmarcado.

Masseráquetodossuspeitavamdele?EquantoàSra.Cavendish?Euobservei-a sentada na ponta da mesa; graciosa, enigmática. Usava umpequeninovertidocinzacombabadosnospunhosquecaiamsobreasfinasmãos, estava realmentemuito bonita. Ela permanecia calada, di icilmente

Page 45: Agatha christie - o misterioso caso de styles

abria os lábios, e de alguma forma eu senti que sua poderosapersonalidadedominava-nos.

EapequenaCynthia?Elaeraounãosuspeita?Aparentavaestartãocansada e doente. Perguntei a ela se estava se sentindo bem, e elarespondeufrancamente:–Não.Estoucomumafortedordecabeça.

– Mais um copo de café, mademoiselle?– disse Poirot – Isso iráreavivá-la.–Poirotlevantou-seetomousuaxícara.

–Semaçúcar.–disseCynthiaquandoeletomouopotedeaçúcar.– Sem açúcar? Você o abandonou por causa da guerra? – Não. Eu

nuncauseiaçúcar.–Voilà!–exclamouPoirotparasimesmoenquantodevolviaaxícara

decafésemaçúcar.QuandoolheiparaPoirot,percebiqueeleestavaansioso.Seusolhos

pareciam-secomosatentosolhosdeumgatoàprocuradapresa.Elehaviaouvido ou visto alguma coisa que o havia afetado violentamente, mas oquê? Confesso que nunca fuimuito atencioso,mas nada vi aomeu redorquechamasseaatenção.

LogoapósaportaabriueDorcasentrou.–OSr.Wellsgostariadevê-lo,senhor.–eladisseparaJohn.LembreiqueesseeraoadvogadodaSra.Inglethorp,paraquemela

haviaescritonanoiteanterior.Johnavermelhouimediatamente.–Leve-oatéminhasala.–depoisvirou-separanós–Éoadvogadode

minha mãe. – ele explicou. E em uma voz baixa: – Ele também é uminvestigador. Você entende, não? Gostariam de me acompanhar? NóssaímosdasalaeJohnadiantou-seumpouco,euaproveiteiecomenteicomPoirot: – Vai haver um inquérito, então? Poirot não ouviu. Ele pareciaperdidoemseusprópriospensamentos,eistodeixou-mecurioso.

–Poirot!Nãoescutouoqueeudisse?–Éverdade,meuamigo.Estoumuitoaborrecido.

–Porquê?–PorqueaSrta.Cynthianãousaaçúcarnocafé.– O quê? Você não pode estar falando sério! – Mas eu falo muito

sério.Istoéumacoisaqueeunãoentendo.Meuinstintoestavacerto.–Doquevocêestáfalando?–Doinstintoquediziaparaeuexaminar

asxícarasdecafé.Droga! Agora não posso mais fazer isso! Acompanhamos John até

suasala,eelefechouaportaapóspassarmos.OSr.Wellseraumbemaparentadohomemdemeiaidade,comolhos

profundoseumatípicabocadeadvogado.Johnapresentou-noseexplicou

Page 46: Agatha christie - o misterioso caso de styles

arazãodenossapresença.–Por favor, entenda,Sr.Wells, –eleacrescentou– todoeste casoé

estritamenteprivado.Esperamosquenãose torneumcasopúblicooudeinvestigaçãoexterna.

– Sim, eu entendo. – disse o Sr. Wells rapidamente – acredito quepossa ser evitado a dor e a publicidade de um inquérito, mas éindispensávelumlaudomédico.

–Sim,euentendo.– O Dr. Bauerstein é um homem muito capaz. É uma grande

autoridadeemtoxicologia,sebemmelembro.–De fato. – disse John comuma certa formalidade -será que todos

nósteremosqueaparecerparadepor?–VocêeoSr....Sr.Inglethorp.Uma longa pausa seguiu-se antes que o advogado continuasse: –

Qualqueroutrodepoimentoexigidoserámeraformalidade.–Euentendo.Johndemonstroufortesensaçãodealívio.Istomechamouaatenção,

poisnãovirazãoalgumaparaisso.– Se você não tiver nada contra, – disse o Sr. Wells – eu havia

pensadonasexta,nosdarátempoparatermosemmãosolaudomédico.Aautópsiaseráfeitahojeànoite,não?–Sim.

–Entãodeixamoscombinadoassim?–Perfeitamente.–Devodizer,caroamigoCavendish,que iqueimuitoabaladocomo

fato.–QuemsabeoSr.nãopossanosajudararesolverocaso,monsieur?

–Poirotfaloupelaprimeiravezdesdequeentramosnasala.–Eu?–Sim,nóssoubemosqueaSra.Inglethorpescreveuparavocê

nanoitepassada.Vocêdeve ter recebidoa cartaestamanhã,não?–Sim, recebi.Mas

nãocontéminformaçãoalguma,éapenasumacartapedindoparaqueeuviessevê-laestamanhãparatratardeumassuntoimportante.

–Elanãodeixoutransparecerqueassuntoseriaesse?–Infelizmentenão.

–Issoérealmenteumapena.–disseJohn.–Umagrandepena.–concordouPoirot.Ficamos todos em silêncio. Poirot perdeu-se em seus pensamentos

poralgunsmomentos.Finalmentedirigiu-seaoadvogado.–Sr.Wells,háumacoisaquequerolheperguntar,senãoforfaltade

ética pro issional. No caso da morte da Sra. Inglethorp, quem seria obene iciado?Oadvogadohesitouporummomento,logodepoisrespondeu:

Page 47: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Istologoserádeconhecimentopúblico,entãoseoSr.Cavendishnão izerobjeção...

–Deformaalguma.–Nãovejorazãoparanãoresponderàsuapergunta.Peloseuúltimo

testamento,datadodeagostodoanopassado,osservos icamcomalgumascoisinhas;masodinheiroficatodoparaoSr.JohnCavendish.

–Porquenão–perdoe-meaquestão,Sr.John,–oSr.Lawrencenãoicou com nada? – Realmente nunca pensei nisso. Mas veja só: pelotestamento do velho Sr. Cavendish, após a morte da Sra. – na época –Cavendish, John icaria com a fazenda e ganharia uma boa soma emdinheiro.A Sra. Inglethorpdeixouodinheirodela para seu enteadomaisvelho,vistoqueeleteriaquemanterafazenda.

Emminhavisãoumaformajustaderepartirascoisas.Poirotconcordoupensativo.– Sim. Mas se não me engano, pela lei inglesa este testamento foi

automaticamenteanuladoquandoaSra. Inglethorpcasoudenovo,não?OSr.Wellsbalançouacabeça.

–Comoeu iriamencionar,Sr.Poirot,estedocumentoagoranãotemvaloralgum.

–Hein!– Poirot re letiu por ummomento, depois perguntou: – seráqueaSra.Inglethorptinhaconhecimentodofato?–realmentenãosei.

–Ela sabia.–disse John inesperadamente–Nós conversamos sobreisso ainda ontem, e ela sabia que seu testamento havia sido revogadoquandoelacasounovamente.

– Mais uma questão, Sr. Wells. Você disse "seu últimotestamento".Por acaso a Sra. Inglethorp havia escrito muitos outrostestamentos anteriores? – Emmédia, Sr. Poirot, um novo testamento porano.

Ela alterava muito seu testamento; ora bene iciava um, orabeneficiandooutromembrodafamília.

– Suponhamos – sugeriu Poirot – que, desconhecido por nós, elativessefeitoumoutrotestamentoemfavordealguémqueaindanãoteriasidoseubene iciário,oSr.sesurpreenderiaseelabene iciasse,digamos,aSrta.Howard?–Deformaalguma.

–Ah!Poirotpareceuesgotarsuasperguntas.Enquanto o Sr. Cavendish discutia como advogado sobre os papéis

daSra.Inglethorp,pergunteiaPoirot:–VocêachaqueaSra.InglethorpfezumtestamentodeixandotodooseudinheiroparaaSrta.Howard?–Não.

– Então por que perguntou? – Quieto, rapaz!– disse Poirot

Page 48: Agatha christie - o misterioso caso de styles

discretamente.Johndirigia-seaPoirot.–Gostaria de vir coma gente, Sr.monsieurPoirot?Vamos olhar os

papéis deminhamãe. O Sr. Inglethorp está disposto a vê-los juntamentecomoSr.Wellseeu.

– O que simpli ica as coisas em muito. – disse o advogado – Pelomenos tecnicamente, claro, ele está autorizado...– ele não chegou aterminarafrase.

–Primeirovamosolharnamesadoescritório,–disse John–depoisolharemosnoquarto dela. Elamantémos papéis importantes numestojoroxo.

– Sim,– disse o advogado– é possível que haja um testamento quenãoestejaemmeupoder.

–Háumoutrotestamento.–Poirotmanifestou-se.–Oquê?–JohneoSrWellsolharam-noadmirados.–Oupelomenoshaviaum!–concluiuele.–Oquevocêquerdizercom"haviaum"?Ondeeleestá?–Queimado!

– Queimado? – Sim, veja isso. – Poirot retirou do bolso o fragmento quehavíamos encontrado na lareira e passou-o ao advogado, explicando-oquandoeondenósoencontramos.

–Háapossibilidadedeesteserumvelhotestamento?–Euachoquenão. Conhecendo a Sra. Inglethorp eu estou certo de que ele foi feito nomáximoontemàtarde.

– O quê?– John interferiu na conversa. – Impossível! – Se vocêpermitirqueeuconversecomseujardineiro,euprovareiissoavocê.

–Sim,claro,maseunãovejo...Poirotlevantouamão.–Façaoquelhepedi,porfavor.Perguntasmaistarde.–Muitobem.–tocamososino.EmpoucossegundosDorcasapareceucorrendo.–Dorcas,digaaManningqueprecisodeleaqui.–Sim,senhor.Dorcasretirou-se.Nós esperamos em silêncio mortal. Poirot parecia con iante de si

mesmoenquantoretiravaopódeumcantoesquecidodaprateleira.Ouviu-sebarulhodasbotasdeManning.JohnolhavaparaPoirotcom

curiosidade.– Entre, Manning, preciso falar-lhe. Manning aproximou-se

lentamente através da grande janela francesa, e permaneceu o mais

Page 49: Agatha christie - o misterioso caso de styles

próximo que pôde dela. Tirou o chapéu e segurou-o nas mãos, entãopercebiqueelenãoeratãovelhoquantoeuimaginava.

Seusolhosdenunciavamumhomeminteligenteecauteloso.– Manning, – disse John – este senhor gostaria de fazê-lo algumas

perguntas,eeugostariaquevocêasrespondesse.–Sim,senhor.–disseManning.Poirotcaminhavacalmamente.OsolhosdeManningacompanhavam-

nodesconfiados.–Vocêesteveplantandoumcanteirodebegôniasnoladosuldacasa

ontemàtarde,nãofoi?–Simsenhor,eueWillum.–EaSra. Inglethorpveioatéa janelaechamouvocê,nãofoi?–Sim

senhor,elachamou.–Diga-mecomsuaspalavrasoqueexatamenteaconteceudepois.–Bemsenhor,nãomuito.Eladisseparapegar abicicleta e ir até a

cidade comprar um formulário de testamento para ela, senhor; elaescreveuissoparaWillum.

–Eentão?–Elefoi,senhor.–Eoqueaconteceudepois?–Nósvoltamosaocanteirodebegônias,

senhor.– A Sra. Inglethorp não chamou vocês novamente? – Sim senhor,

chamoueueWillum.–Edepois?–Elanosfezentrareassinarnossonomenabasedeum

longopapel,logoabaixodeondeelahaviaassinado.–Vocêviualgodoqueestavaescritonopapel?–Não, senhor,uma

folhacobriatodaessaparte.–Evocêsassinaramondeelamandou?–Simsenhor,primeiroeue

depoisWillum.– E então o que ela fez com o papel? – Bem, senhor, ela o colocou

dentro de um grande envelope e depois dentro de uma caixa roxa queestavasobreamesa.

–Quehoraseramquandoelaoschamoupelaprimeiravez?–Maisoumenos4horas,senhor.

–Nãomaiscedo,próximoàs3:30?–Nãosenhor,eram4horas,nãomaiscedo.

–MuitoobrigadoManning.–dissePoirotsatisfeito.O jardineiro olhou para John esperando permissão para sair, John

consentiueelesaiu.–Deusdocéu!–disse John–Quecoincidência incrível!–Oque foi

uma coincidência? –Minhamãe ter escritoum testamento logonodiade

Page 50: Agatha christie - o misterioso caso de styles

suamorte!O Sr.Wells retrucou calmamente: – Você realmente acha quefoi uma coincidência, Sr. Cavendish? –Oque vocêquerdizer? –Vocêmedissequesuamãeteveumaviolentabrigacomalguémontem...

– O que você quer dizer? – argumentou John novamente. Sentia-seumtremoremsuavoz,eeletornou-sepálido.

–Emconsequênciadessabriga, suamãede repente resolveu fazerum outro testamento. O conteúdo deste nós nunca iremos saber. Estamanhã,semdúvida,elairiaconsultar-mesobreoassunto.Nãotevechance.Otestamentodesapareceu,esuasvontades foramcomelaparao túmulo.John,nadahádecoincidênciaaqui.Sr.Poirot,estoucertodeque tambémqueosfatossãomuitosugestivos.

– Sugestivos ou não, – interrompeu John – nós estamos muitoagradecidosaoSr.Poirotporelucidarocaso.Nãofosseporele,nósnuncasaberíamos do testamento. Sr. Poirot: o que o levou a descobrir otestamento?–Unsrabiscossobreumvelhoenvelopeeumcanteirofrescodebegônias.

Johnnão teve tempode fazermaisperguntas,poisseouviuoruídodeummotor.

Corremostodosparaajanela.– Evie!– disse John – Com licença, Sr. Wells. – todos nós corremos

paraasala.Poirotolhouinterrogativamenteparamim.–ASrta.Howard–expliquei.–Ah!Estoucontentequeelatenhavindo,Hastings.Elaéumamulher

comcabeçaecoração.FoioqueDeuslhedeunolugardabeleza.Segui o exemplo de John e corri para a sala, onde a Srta. Howard

tentava livrar-se de um emaranhado de véus que a cobria. Quando elaolhouparamim,fuiatingidoporumapontadeculpa.Estafoiamulherquemeadvertiu tãopreocupadamente. Se ela tivessepermanecidona casa, atragédiapoderiatersidoevitada.OSr.Inglethorpnão icariaamedrontadosob seus olhos observadores? Fiquei aliviado quando ela cumprimentou-mecomseuforteapertodemão.Seusolhosestavamtristes,masissonãoera recíproco. Demonstrava ter chorado muito, pois seus olhos semostravaminchadosevermelhos.Suamaneiraásperadesercontinuavaamesma.

–Recebiotelegramalogocedo.Carroalugado.Ojeitomaisrápidodechegaraqui.

–Vocêcomeualgoestamanhã?–perguntouJohn.–Não.

Page 51: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Acheiquenão.Venha,ocaféaindanãofoirecolhido.–elevirou-separamim–Vocêpodeacompanhá-la,Hastings?Wellsesperapormim.Oh,esteéoSr.Poirot,eleestánosauxiliando.

A Srta. Howard cumprimentou Poirot, mas descon iadamenteperguntouaJohn:–Comoassim"nosajudando?”.

–Nosajudandoainvestigar.– Já o levaram para a prisão? – Levaram quem para a prisão? –

Quem? Alfred, claro! – Minha querida Evie, não se precipite. Lawrenceachaqueelamorreudeumsimplesataquedocoração.

– Lawrence está louco!– retrucou a Srta. Howard – É claro queAlfredassassinouapobreEmily,bemcomoeuhaviaditoavocês.

–Porfavor,Evie,nãogritetanto!Pormaisquenóssuspeitemos,nãopodemos fazer nada a não ser dizer o que sabemos até o momento. Oinquéritoseráapenasnasexta.

– Isso é apenas enrolação! Você andou ouvindo osmédicos. O queeles sabem? Apenas o su iciente para torná-los perigosos. Eu sei o queestou dizendo,meu pai eramédico. O pobreWilkins está frente a umdeseus maiores erros. Ataque do coração? Ele pode dizer muitas coisas.Qualquerumcomumpoucodesensopoderiaverqueelafoienvenenadapeloseumarido.Eusemprediziaqueeleiriamatá-laemsuaprópriacama.Pobrealma!Agoraelefezisso,etudooquevocêdizé"ataquedocoração"e"inquéritonasexta?”Vocêdeveriaestarenvergonhado,JohnCavendish!–Oquevocêquerqueeufaça?Eunãopossosimplesmenteagarrá-lopelocolarinho e arrastá-lo até a delegacia de polícia! – Bem, algo você podefazer. Descubra como ele fez isso! No momento ocorreu-me de colocarAlfred e Evie sob o mesmo teto para que então se matassem ouencontrassemapaz,eracomoprovarumatarefahercúlea.

De jeitonenhumeuqueriaestarnapelede John,notava-seemsuaface,adi iculdadedomomento.Elepareciaquerersumir, edeixoua salaprecipitadamente.

Dorcas trouxe chá fresco. Assim que ela retirou-se, Poirot saiu dajanelaondeestavaesentou-sefrenteaSrta.Howard.

–Mademoiselle,–eledissegravemente–precisoperguntar-lhealgo.–Perguntelogo!–respondeuelacomirritação.–Esperocontarcomsuaajuda.–EuoajudareiapegarAlfredcomprazer.–elareplicourudemente

–Eledeveriaseramarradoeesquartejadocomonosvelhostempos.–Entãoestamosdomesmolado,–dissePoirot–porqueeutambém

queromuitopegarocriminoso.

Page 52: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–AlfredInglethorp?–Eleouquemquerquesejaoresponsável.–Semessade"quemquerquesejaoresponsável!”.ApobreEmilynuncafoiameaçadaatéqueeleentrouaqui.Eudisse

aelaqueelaestavarodeadadetubarões.Era apenas a bolsa dela que ele queria, pois era lá que estava o

dinheiro. Bastou doismeses após a chegada de Alfred e isso acontece! –Acrediteemmim,Srta.Howard.–dissePoirotcalmamente–seAlfredformesmooresponsável,elenãoescaparádemim.Porminhahonra,eunãoodeixareiescapar.

–Assimémelhor!–disseEviecommuitoentusiasmo.– Mas você precisa con iar em mim. Sua ajuda será muito valiosa,

pois nestes "momentos de lamentação" seus olhos foram os únicos querealmentechoraramaperda.

ASrta.Howardpestanejou,eumnovotomdevozsurgiu.–Sevocêquersaberseeutinhaafeiçãoporela,sim,eutinha.Emily

eraapenasumavelhasenhoraseguindoseucaminho.Eramuitogenerosa,mas sempre queria algo em troca. Ela nunca deixava as pessoasesqueceremoqueelahavia feitoporeles,eassimelaperdeuoamor.Eusempre deixeiminha posição bem clara: "Por algumas libras por ano eulhe serei muito útil. Não por alguns míseros penes, nem por um par deluvasouporum ingressode teatro”.Àsvezesela seofendia, enuncamedeixava explicar. De qualquer forma eu mantinha minha autoestima. Eentão,eusendodeforadafamília,eraaúnicapessoaaquemelapoderiaseafeiçoar.Eucuideidela,aprotegidetodoseles,eassimquefuiemboratodososmeusanosdedevoçãoforamporáguaabaixo.

Poirotconcordouatentamente.– Eu entendo mademoiselle, eu entendo o que está sentindo. Você

acha que nós estamos indiferentes, que necessitamos de força e energia.Masissonãoéverdade,acredite.Nãoéassim.

John já coma cabeçaesfriada convidou-nospara ir atéoquartodaSra.Inglethorp,poiseleeWellsjáhaviamterminadonoescritório.

Enquanto subíamos as escadas, John olhou para a sala de jantar econ idenciou: – Olhe lá, o que pode acontecer se aqueles dois seencontrarem?Balanceiacabeça.

–EudisseparaMarytentarmantê-loslongeumdooutro.–Seráqueelavaiconseguir?–SóDeussabe.–Vocêtemaschaves,nãotemPoirot?–pergunteiquandochegamos

àportatrancadadoquarto.PegandoaschavesdePoirot Johndestrancouaporta,eentãotodos

Page 53: Agatha christie - o misterioso caso de styles

nósentramos.Oadvogadofoidiretoàescrivaninha,eJohnseguiu-o.–Minhamãemantinhaospapéisimportantesnesteestojo,euacho.Poirottomouapequeninachavedeseumolho.–Permitam-me.Euatranqueiporprecauçãoestamanhã.–Maselanãoestátrancada.– Impossível! – Veja. – disse John enquanto levantava e abaixava a

tampalivremente.– "Milles tonerres!" – Poirot parecia ter visto um fantasma – Quem

teriaumachaveigualàqueeutinha?–repentinamenteexclamou:"Envoilàune affaire!" Esta fechadura foi forçada! –O quê? –Mas quem a forçou?Porquê?Quando?Aportanãoestavatrancada?–estasperguntaspartiamdetodosnós.

Poirotrespondeu-ascategoricamente,quasemecanicamente.– Quem? Esta é a questão. Por quê? Ah, se eu soubesse! Quando?

Depois que eu estive aqui, há uma hora atrás. Como a porta estavatrancada,querdizerqueachavedealgumaoutraportaserviunela.

Ficamos nos entreolhando sem saber o que dizer, Poirot caminhouatéalareirae,mecanicamente,começouaarrumarosvasoseenfeites.

– Bem, – disse ele inalmente -o que aconteceu foi isso: havia algonesta caixa, alguma evidência bem discreta, mas que seria de vitalimportânciaquefossedestruída;mesmoqueparaissooassassinotivesseque se arriscar subindo até aqui e correndo o grande risco de ser visto.Encontrandooestojotrancadoelefoiobrigadoaforçá-lo,revelandoassimqueesteveaqui.Realmentedeveriaseralgodesumaimportância.

–Mas o que poderia ser? – Ah, isso eu não sei! Semdúvida algumdocumento, talvez o pedaço de papel que Dorcas viu na mão da Sra.Inglethorpontem.Eeu...–suaraivaexplodiu–Masqueburroqueeusou!Eu não imaginei nada! Devo estar me tornando um imbecil! Eu nuncadeveriaterdeixadoesteestojoaqui!Eudeveriatê-lolevadocomigo,comosou burro! Agora não há mais nada, está tudo destruído! -ou não? Nósaindapodemos ter uma chance! Ele partiu emdisparada comoum louco,euoseguiassimquerecupereimeussentidos.Quandoalcanceiaestrada,elejáhaviadescidoesumidodevista.

Maryencontrava-seàmeiaescada.ElaseguiaparaadireçãonaqualPoirothaviasumido.

–Oqueaconteceucomoseupequeninoamigo?Elepassoupormimfeitoumtourolouco.

–Eledeveestaratrásdealgumapista.–comentei.Osorrisoemseuslábioschamou-meaatenção,entãotenteicontinuaraconversa:–Osdoisjá

Page 54: Agatha christie - o misterioso caso de styles

seencontraram?–Quem?–AlfredeEvie.Elaolhou-medeformadesconcertada.–Vocêachaqueseriamesmoumdesastreseelesseencontrassem?

–Vocênãopensa assim?–Não. – ela sorria –Eu achoque seriabom, seeles encontrarem para clarear a situação. Até agora nós temos penadomuitoefaladopouco.

–Johnnãopensaassim.Elepretendemantê-losbemafastado.–Ah, John! Ela tinha um tomprovocante, então eu disse: –O velho

Johnérealmenteumsujeitodemuitasorte.Elaestudou-mecuriosamenteporalgum tempoedisse,paraminha

grandesurpresa:–Vocêémuitofielaoseuamigo.Eunãosoucomovocê.–Vocênãoéminhaamigatambém?–Eusouumapéssimaamiga.– Por que você diz isso? – Porque é verdade. Eu estava commeus

amigos num dia, e no outro eu havia praticamente esquecido que elesexistiam.

Não sei oqueme impulsionouadizer isso,mas falei sempensar: –Mas você tem um charme inconfundível para o Dr. Bauerstein!Instantaneamente retirei minhas palavras. Seu rosto mudou e ela icouséria.Semdizerumapalavraelasubiuaescadaedeixou-mesozinhocomoumtolo.

Coisas que aconteciam lá embaixo chamaram minha atenção. OuviPoirotpraticamentedesmontandoacasasemnenhumacon idência.Descirapidamenteaescadaefuiaoseuencontro.

– Meu velho amigo, – eu disse – isso é ser discreto? Você estápraticamente colocando tudo nas mãos do assassino! – Você acha,Hastings?–Estoucertodisso.

–Bem,meuamigo;agorasereiguiadoporvocê.–Tudobem,masagoraéumpoucotardeparaisso.–Verdade.Eleolhou-meenvergonhadoearrependido.–Bem,vamosentão,monami.– Você acabou por aqui? – Por enquanto sim. Vocême acompanha

atéavila?–Sim,comprazer.Eletomouseucasaco,enóssaímospelaportadasaladejantar.Cynthiaestavaentrando,ePoirotdeuladoparaqueelapassasse.–Comlicençamademoiselle,umminuto.– Sim? – Era sempre você quem fazia os remédios da Sra.

Inglethorp? Ela icou ligeiramente ruborizada, e respondeuconstrangidamente:–Não.

Page 55: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– Apenas seus comprimidos para dormir? – Ah, sim. Eu iz algunscomprimidosparadormir,umavez.

–Estes?Poirotexibiuacaixadecomprimidosvazia.Elaconcordou.–Vocêpodemedizerdoqueeramfeitos?–Eleseramdebrometode

potássio.–Ah.Obrigadomademoiselle,tenhaumbomdia.Enquanto seguíamos para a cidade, notei seus olhos. Quando ele

estava ansioso seus olhos pareciam com os de um gato. Ele tinha agoraduasesmeraldasnaface.

–Meuamigo,–elequebrouosilêncio–eutenhoumapequenaideia,muito estranha e possivelmente impossível, mas mesmo assim ela fazsentido.

Particularmente eu pensava que Poirot estava perdido em suasideiasfantasiosas.Nessecaso,então,averdadeeramuitoclaraeaparente.

–Entãoestaéaexplicaçãoparaaetiquetabrancanacaixa.Muito simples como você havia dito.Não sei comonão pensei nisso

antes.–disseeu.Poirotparecianãomeouvir.– Eles descobriram mais uma coisa. – disse ele apontando para a

mansão.–O quê? – Trancado namesa do escritório da Sra. Inglethorp, eles

encontraram um testamento datado de antes de seu casamento, e nestetestamentoeladeixavatodaasua fortunaparaAlfred Inglethorp.Elenãoestava escrito em um formulário próprio, e eram testemunhas doisfuncionáriosdacasa–nãoDorcas.

–OSr.Inglethorpsabiadisso?–Eleafirmaquenão.–Todosestestestamentosestãoumtantoconfusos.Diga-me,comoalgumaspoucaspalavrasescritassobreumenvelope

ajudaram-no a descobrir que havia sido escrito um testamento ontem àtarde?–Meupobreamigo...Vocênunca,quandoescreviaumacarta, tevedúvidasobreagrafiadeumapalavra?–Sim,frequentemente.

–Muito bem. E suponho que você a tenha escrito de várias formasem um pedaço de rascunho, e depois escolhia a que parecia, para você,estarcorreta.

– Exatamente! – Bem, foi o que a Sra. Inglethorp fez. Note que apalavra "possuído" está primeiramente escrita com um "s", e logo depoisescritacorretamentecomdois"s".

Para ter certeza, ela testou a palavra numa sentença: "Eu estou

Page 56: Agatha christie - o misterioso caso de styles

possuída”. Agora, o que isso me fez pensar? Me fez pensar que a Sra.Inglethorp havia escrito algo naquela tarde que continha esta palavra.Tendo em mente o pedaço de papel que encontramos na lareira fuiinduzidoapensaremumtestamento,quecomquasetodacertezacontémessa palavra. Esta possibilidade foi con irmada por uma importânciacasual.

Com toda aquela confusão o escritório não havia sido varrido estamanhã,epróximoàmesahaviavários traçosde terra.O tempoestábemirmepor estes dias, entãonãohavia razãopara que as botas deixassemmarcasgrossas.

–Eufuiatéajanelaepercebiqueocanteirodebegôniashaviasidorecentementeplantado,equeosrastrosnoscanteiroseramsimilaresaosdo escritório. Percebi então que estes rastros eram da pessoa ou daspessoas que haviam plantado o canteiro, e considerei a hipótese de queprimeiramente ela os havia chamado até a janela, pois haviam rastrospróximo à ela, emais tarde chamou-os para dentro para serem, emmeumododepensar,testemunhasnotestamento.

Eventuais circunstâncias provaram-me que eu estava certo emminhassuposições.

– Mas isso é genial! Devo confessar que minhas primitivasconclusõessobreaspalavrasestavamtotalmenteerradas.

Poirotsorriu.– Você deu muita asa à sua imaginação. A imaginação é um ótimo

servoeumpéssimomestre.Aexplicaçãomaissimplesésempreacorreta.–Maisumponto:comovocêsoubequeachavedoestojoroxohavia

sido perdida? – Eu não sabia. Era apenas uma suposição que se tornoucorreta.

Penseiqueumachaveoriginaldeveriaserbemriscadaesembrilho,marcadapelouso.

Seelafosseencontrada,aSra.Inglethorpirialogicamentedevolvê-laao seu maço de chaves. Mas ao invés da chave surrada pelo uso euencontreiumachavebrilhanteesemmarcas,quedeveriaserlogicamentee cópia. Sendo assim alguémhavia tomado para si a original, para poderabriroestojo.

–Sim,–eudisse–AlfredInglethorp.Poirotolhou-mecuriosamente.– Você tem certeza dessa suspeita? – Bem, naturalmente. Todas as

circunstânciasparecemapontarparaele.–Pelocontrário,–dissePoirot–temosváriospontosaseufavor.

Page 57: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–É–lembrei.–Oquê?–Bem,vejoapenasum.–Qual?–Ofatodeelenãoestarnacasananoitepassada.– Péssimo chute! Você escolheu justamente um ponto que aponta

contraele.– Como assim? – Se o Sr. Inglethorp sabia que sua esposa seria

envenenada,nadamais lógicodoqueelemanter-se longedacasa.Temosentãoduaspossibilidades:ouelesabiaoqueestavaparaacontecer,ouelerealmentetinhaumarazãoparanãotervindoparacasa.

–Equerazão?–perguntei.Poirotpareciaindeciso.–Oqueeupoderiadizer?SemdúvidaesteSr.Inglethorptemalgode

trapaceiro,masissonãofazdeleumassassino.Balanceiacabeça,nãoconvencidodisso.– Nós não concordamos, não é? Bem,mon ami, deixe que o tempo

digaqualdenósestácerto.Enquantoissoobservemosumoutroaspecto.Oquevocêachadofatodetodasasportasestaremtrancadaspordentro?–Bem...Alguémdevetê-laschecado.

–Verdade.–Achoquedevoanalisarassim:todasasportasestavamtrancadas,

masaceradevelanochãodenunciaquealguémentrounoquartonanoitedatragédia.Tambémadestruiçãodotestamentoprovaisso,estoucerto?–Perfeitamente.Vocêestásendomuitopreciso.Continue!–Bem,–disseeuanimado-me a pessoa que entrou não o fez pela janela e nem pormeiosmiraculosos, tudonos levaapensarqueaSra. Inglethorpmesmoabriuaportapordentro.Apessoaemquestãoqueestavadooutroladodaporta,pelo que eu penso, seria seumarido. Ela iria naturalmente abrir a portaparaseumarido.

Poirotbalançouacabeçanegativamente.–Porqueelafariaisso?Elahaviatrancadoaportaentreosquartos,

umprocedimentonãocostumeirodesuaparte;eeleaindahaviatidoumaviolenta discussão com ele naquela tarde. Isso nos a irma com toda acerteza que ele seria a última pessoa que ela deixaria entrar em seuquarto.

–MasvocêconcordacomigoqueaportafoiabertapelaprópriaSra.Inglethorp? – Há uma outra possibilidade. Ela pode ter esquecido detrancar a porta entre os quartos quando foi dormir, e levantou-se maistardeparatrancá-la.

– Poirot, você realmente pensa as sim? – Não. Eu não digo que foi

Page 58: Agatha christie - o misterioso caso de styles

assim que aconteceu, mas poderia ter sido. Mudando de assunto: o quevocêachadopedaçodeconversaqueouviuentreaSra.Cavendishesuasogra?–Eutinhaesquecidodisso,–disseeupensativamente–éumacoisarealmentemuitoenigmática.PareceumpoucoirrealqueaSra.Cavendish,com todo o estudo que tem, possa ter interferido tão violentamente numacontecimentocomoesse.

–Precisamente.Éumacoisamuitoespantosaparatersidofeitaporumamulhercomoessa.

–Sim,issoécurioso.–concordei–Masdequalquerformaissonãoéumfatotãoimportanteassim,podeatéserdesconsiderado.

Poirotsoltouumgrunhido.– Eu já não disse a você várias vezes que tudo, por mais

insigni icante que pareça, deve ser levado em consideração? – Ok...Devemoschecarisso.–disseeucomironia.

– Sim, devemos checar isso! Alcançamos Leastways Cottage, a casaondePoirotmorava.

Entramosefomosdiretoaoseuquarto.FiqueiimpressionadoaoverquePoirot guardava os palitos de fósforousados emumvaso chinês. Eleofereceu-me um de seus minúsculos cigarros russos que fumavaocasionalmente.Meumomentâneoaborrecimentodesapareceu.

Fumávamos nossos cigarros frente à janela do quarto, tínhamosentão uma bela vista da cidade. Sentimos uma agradável brisa aquecida.Iriaserrealmenteumdiamuitoquente.

Repentinamente minha atenção voltou-se para um homem jovemquedesciaaruaapressadamenteapassos largos.Seurostodemonstravaumaextraordináriaexpressão–umamisturadeterroreagitação.

Eledirigia-seàcasadePoirot.–"Tiens!"–eledisse–EsseéoSr.Mace,dadrogariadacidade.Ele está vindo para cá! O jovem homem aproximou-se da porta da

casae,apóshesitarporalgunsmomentos,bateuenergicamentenaporta.–Umminuto,–falouPoirotdajanela–estouindo.Fazendoumgestoparaqueeuoseguisse,Poirotdesceuaescadae

abriuaporta.OSr.Macefalouinstantaneamente:–Ah,Sr.Poirot!Desculpepeloincômodo,maseuouviqueoSr.acabadevirdaMansãoStyles.

–Sim.Ojovemhomemmordeuoslábios,esuatestafranziu-se.–TodaavilajásoubesobreamorterepentinadaSra.Inglethorp.Eles dizem – sua voz reduziu-se a um simples sussurro – que foi

envenenamento...

Page 59: Agatha christie - o misterioso caso de styles

OrostodePoirottornou-sesério.–Apenasosmédicospodemnosdizeroquefoi,Sr.Mace.– Sim, claro...– o homem hesitou, mas não se conteve e agarrou o

braçodePoirot–Apenasdiga-meumacoisa,Sr.Poirot: Issonão foi...Nãofoi...Porestricnina,foi?NãoouvioquePoirotreplicou,comcertezaalgodenatureza não relevante. O homemdespediu-se, e quando Poirot fechou aportaseusolhosdirigiram-seaosmeus;aessasalturas,curiosos.

– Sim, – ele disse seriamente – ele terá algo a acrescentar aoinquérito.

Subimos novamente a escada e, quando ia perguntar algo, Poirotreplicou:–Nãoagora,monami.Precisore letir.Minhamenteestáconfusa,eissonãoébom.

Durante aproximadamente dez minutos icamos sentados numsilênciomortal,atéquePoirotdeu-meumolharprofundoesério.

– Bem, o mau momento passou. Agora está tudo arranjado eorganizado.Ocasonãoestáclaro,estánaverdadeumtantoenrolado!Coma chegada desta informação tudo em minha cabeça embaralhou. Eu,HerculePoirot,apanhandodessejeito?Bem,vamosaosfatos:existemdoisfatosdesignificado.

– E quais são? – O primeiro é a condição do tempo ontem. Isto émuitoimportante.

– Mas foi um dia maravilhoso! Poirot, você está me dando umarasteira! – De jeito nenhum. O termômetro indicava 27– C. Não esqueçadissomeuamigo,estaéachavedetodoomistério.

–Eosegundoponto?–perguntei.– O importante fato de o Sr. Inglethorp estar usando roupasmuito

peculiares,terumabarbaescura,eusaróculos.– Poirot... Não posso acreditar que você está falando sério! –

Absolutamente,monami.–Masissoécriancice!–Não,monami.Issoémuitoimportante.– E supondo que o júri dê o veredicto de assassino a Alfred

Inglethorp, o que vão sobrar de suas teorias? – Não deveríamos nosconformar, pois 12 homens estúpidos teriam acabado de cometer umgrande erro. Mas isso não ocorrerá, pois o júri não vai querer serresponsabilizado por um grande engano como esse. Eu nunca permitiriaisso! – Você nunca permitiria isso? Olhei para aquele pequeno homem,divididoentreadúvidaearesponsabilidade.

Ele tinha tanta certeza do que dizia, de si mesmo... Ele parecia lermeus pensamentos, e concordou gentilmente: – Ah, sim, meu amigo. Eu

Page 60: Agatha christie - o misterioso caso de styles

gostaria de fazer o que eu disse. – ele levantou-se e pôs suamão sobreminhacabeça. Sua isionomiaapresentouuma fortemudança, e surgiramlágrimasemseusolhos.–Entre tudo isso,eupensoprincipalmentequeaSra. Inglethorp estámorta. Ela não era amulhermais amável domundo,maselasemprefoimaravilhosaparanósBelgas.Nóstemosumadívidadegratidãocomela.

Eu iria interromper, mas Poirot continuou: – Deixe-me dizer isso,Hastings. Ela jamais iria me perdoar se eu permitisse que AlfredInglethorp, seumarido, fosse detido agora – quando uma palavraminhapoderiasalvá-lo.

Page 61: Agatha christie - o misterioso caso de styles

VI

OInquéritoNo intervalo que antecedia o inquérito, Poirot empenhou-se

profundamente em sua investigação. Por duas vezes ele e o Sr. Wellspermaneceram horas inteiras conversando enquanto caminhavam pelocampo. Fiquei ressentido por ele não estar me deixando a par do queestavaacontecendoouaquaisconclusõeseleestavachegando.Nãosabiamaisorumoqueocasohaviatomado.

Ocorreu-me que ele poderia estar fazendo perguntas pela fazendado Sr. Raikes; então, descobrindo que na quarta feira demanhã ele saiucaminhando para aquela direção, resolvi caminhar pelos campos poraquelesladosnaesperançadeencontrá-lo.Masnãohavianemsinaldeleeeu estava em dúvida se devia ou não seguir até a fazenda. Enquantocaminhava, encontrei um senhor que me perguntou: – Você é do StylesHalls,não?–Sim.Euprocuroporumamigoquepoderiaestarandandoporesteslados.

– Um homenzinho que balança as mãos enquanto fala? Um dosbelgasdavila?–Sim.Eleesteveporaqui,então?–Ah,sim,eleesteveaquimuitas vezes. Ele é seu amigo? Ele tem um jeito mais engraçado que osoutros.

– Por quê? Os senhores da mansão Styles têm vindo aquifrequentemente?–Um temvindo, senhor.Nãome lembroonome,maséum senhormuito generoso também! – Tenho certeza que sim. Obrigado,senhor.

Segui adiante rapidamente. Evelyn Howard parecia mais uma vezestar certa, pois Alfred poderia estar sendo "generoso" com algumamulher.Estava estapicante face ciganano topodo crime, ou foi tudopordinheiro?Talvezumpoucodeambos.

Pelomenos em um ponto Poirot parecia ter uma curiosa obsessão.

Page 62: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Elemencionouporumaouduas vezesqueDorcaspoderia ter errado aoa irmarcomtantacertezaqueeram4:00quandoelaouviuabriga,enão4:30.

MasDorcaspermanecia inabalável.A irmavaquetudosepassara1horaantesdelaservirochádas5paraaSra.Inglethorp.

O inquéritorealizou-senasexta feiranavila,emumlugarchamadoStylitesArms.

Poirot e eu sentamos lado a lado, mas não fomos chamados paraprestaresclarecimento.

Oprimeiroadepor foi John.Muitoquestionado,eledescreveucomofoidespertadonasprimeirashorasdodiaeascircunstânciasdamortedesuamãe.

As evidênciasmédicas foram o próximo. Todos os olhos ixaram-seno famoso especialista de Londres, considerado na época como um dosmaioresespecialistasemtoxicologia.

Empoucaspalavras ele expôs os resultadosda autópsia. AbusandodetermostécnicoseleexplicouqueoquehaviaprovocadoamortedaSra.Inglethorp foi envenenamento por estricnina. Quanto à quantia, disse eleque foram consumidos não menos de 50 mg, o su iciente para causar amorte.

–Seriapossívelelatertomadoovenenoporacidente?–perguntouoinvestigador.

–Consideroissopoucoprovável,umavezquenãoexistausocaseiroparaaestricninaequemesmosuavendatinharestrições.

–Vocêtevecomodeterminarcomoadosefoiadministrada?–Não.–CreioquevocêchegouàmansãoantesdoDr.Wilkins,não?–Sim.O

carro deixou-me na entrada do sítio, e eu corri até a casa omais rápidoquepude.

– Você pode nos relatar o que exatamente aconteceu depois? – EuentreioquartodaSra. Inglethorp.Nomomentoelaestavatendoviolentasconvulsões.Elavirou-separamimedisse,commuitadi iculdade:"Alfred...Alfred...".

– A estricnina poderia ter sido adicionada ao café que o Sr.Inglethorp levou para ela em seu escritório? – Possivelmente. Mas aestricninaéumvenenorápido,eseussintomasaparecememnomáximo2horasapósa ingestão.É certoqueemalgumascondições seuefeitopodeserretardado,masnenhumadessascondiçõesseapresentou.Eupresumoque a Sra. Inglethorp pegou seu café após o jantar, próximo às 8 horas;masos sintomasnãoapareceramatéo imdamadrugada. Istome levaa

Page 63: Agatha christie - o misterioso caso de styles

acreditarqueadroga foi consumidamuitomais tarde,eudiriaduranteamadrugada.

–ASra.Inglethorptinhaocostumedetomarumabatidadecoconomeiodanoite.Aestricninapoderiaestarpresentenessabatida?–Não.Eumesmo recolhi uma amostra do que restava no recipiente, e não foiconstatadaapresençadeestricnina.

OuviPoirotsoltarumpequenogracejoaomeulado.–Oquevocêdescobriu?–sussurrei.–Presteatenção.– Eu devo dizer continuou o doutor – que icaria surpreso com

qualqueroutroresultado.–Porquê?–Simplesmenteporqueaestricninatemumgostomuito

característico. Ela pode ser detectada numa solução de um para setentamil, podendo apenas ser encoberta por uma substância muitocondimentadaoudefortearoma.Cocoteriapoucaschancesdeencobri-la.

Alguémdojúriquissaberseamesmaobjeçãoaplicava-seaocafé.–Não.Ocaféteriagrandeschancesdemascararaestricnina.– Então você acredita que a estricnina estava no café, e que por

alguma razão seu efeito foi retardado? – Sim. Mas a xícara está empedaços,sendoassimnãotenhocomoobterumaamostra.

Isto concluiuodepoimentodoDr.Bauerstein.ODr.Wilkins apenascon irmouseudepoimentoemtodosospontoseconsiderou,mesmocontrasua formadepensar,apossibilidadedesuicídio.Avítima,eledisse, tinhaumcoraçãofraco,masemoutrosaspectosgozavadeplenasaúdeemuitadisposição.Elaseriaumadasúltimaspessoasatiraraprópriavida.

Lawrence foi o próximo a depor. Seu depoimento foi de poucaimportância, ele praticamente repetiu as palavras de seu irmão. Quandoestavasendodispensadoeledisse,apósummomentodehesitação:–Seráqueeupoderiafazerumaobjeção?Ele itourapidamenteopromotor,quereplicou: – Certamente Sr. Cavendish, nós estamos aqui para chegar àverdade sobre este fato, qualquer coisa que possa ajudar a elucidá-lo ébemvinda.

– É apenas uma ideia minha – disse Lawrence – claro que possoestarenganado.Paramimminhamãemorreudecausasnaturais.

– O que lhe faz pensar assim? –Minhamãe vinha tomando há umbomtempoummedicamentoabasedeestricnina.

–Ah!–opromotorsurpreendeu-se.Ojúripareceuinteressar-se.–Euacredito–continuouLawrence–queexistemcasosemqueos

Page 64: Agatha christie - o misterioso caso de styles

efeitos cumulativos dessa droga, administrada por longo tempo, possalevaro indivíduoàmorte.Sendoassim,euconsideroválidaahipótesedequeelatenhatidoumaoverdosedessemedicamentoporacidente.

– Esta foi à primeira vez que se mencionou que a Sra. Inglethorpfaziausodeummedicamentoabasedeestricnina.Estamosmuitogratosavocê,Sr.Cavendish.

ODr.Wilkinsfoiopróximoconvocado,eridicularizouaideia.–OqueoSr.Cavendishsugereéimpossível.Qualqueroutromédico

lhe dirá omesmo. A estricnina é, de certa forma, um veneno cumulativo;mas seria um absurdo pensar que este acúmulo poderia resultar numamorte tão repentina.Haveriaum longoperíodode sintomas crônicosqueteriamsidoconstatadosanteriormente.Acoisatodaemumsómomentoéabsurdo.

–Easegundasugestão?ASra. Inglethorpnãopoderia ter tidoumaoverdose por acidente? – Três ou quatro doses além do receitado aindanão resultariam emmorte. A Sra. Inglethorp possuía grande quantidadedessesmedicamentosemcasa,poiselaoscompravaemgrandesdosesdeCoot,o farmacêuticodeTadmindster.Ela teriaque tomar tudo juntoparaque se acumulasse no organismo a quantidade de estricnina encontradanaautópsia.

– Então o senhor a irma que devemos desconsiderar a hipótese dequeaestricninapresentenomedicamentotenhaseacumuladocausandoamorte?–Certamente.Asuposiçãoéridícula.

Omesmomembrodojúriquehaviainterrompidoantesdetodaessapolêmicasugeriuqueofarmacêuticoquefabricouomedicamentopoderiatercometidoumerro.

–Issoépossível,semdúvida.–replicouomédico.Mas Dorcas, a próxima testemunha chamada, descartou a

possibilidadeaodizerqueomedicamentonãoerarecentementefabricado,poisaSra.Inglethorphaviatomadoaúltimadosenodiadesuamorte.

Então a questão do medicamento foi totalmente abandonada, e opromotorcontinuoucomsuasperguntas.Apósexplicarcomoelatinhasidoacordada pelos violentos toques do sino da Sra. Inglethorp, o promotorpassouparaoassuntodabrigaquehaviaocorridonaquelatarde.

O depoimento deDorcas foi idêntico ao que ela havia dito a Poirot,entãonãootranscrevereiaqui.

A próxima testemunha foi Mary Cavendish. Ela parecia muitonervosa,efalouemumtomlento,baixoeclaro.Respondendoàsperguntasdopromotorelacontouqueseurelógioadespertaraàs04h30min como

Page 65: Agatha christie - o misterioso caso de styles

de costume, e que se vestia quando ouviu o barulho de algo pesado quehaviacaído.

–Quepoderiatersidoamesapróximoàcama.–disseopromotor.–Euabriaporta,–continuouMary–eapósalgunsmomentososino

tocandoviolentamente,depoisviDorcasvircorrendoacordarmeumarido,e todos nós nos dirigimos para o quarto deminha sogra,mas ele estavatrancado...

Opromotorinterrompeu-a.–Realmente já estamosbemesclarecidosdos fatosocorridosdaqui

emdiante,entãoeugostariaqueaSra.noscontassesobreabrigadodiaanterior.

– Eu? Havia certa petulância em sua voz. Ela levantou as mãos earrumouolaçoemseupescoço,girandolentamenteacabeçaparaqueeleseencaixasse.Umpensamentosurgiuemminhacabeça:"Elaestátentandoganhar tempo." – Sim, eu entendo, – continuou o promotor – a senhoraestava sentada no banco próximo à grande janela francesa do escritório,não? Isso me deixou muito surpreso, e iquei mais assustado ainda aodescobrirqueerasurpresaparaPoirottambém.

Houve um grande momento de silêncio e, após um segundo dehesitação,elarespondeu:–Sim.

– E a janela do escritório estava aberta, não? Repentinamente suafaceempalideceu,eelarespondeu:–Sim.

–Entãovocêouviuperfeitamenteasvozes ládentro, especialmentequando elas encheram-se de fúria, não? Provavelmente de onde vocêestavaouvia-semelhordoquedasala,pensoeu.

–Possivelmente.–Vocêpoderiarepetirparanósoquefoiqueouviu?–Realmenteeu

nãolembrooqueouvi.–Vocêquerdizerquenãoouviuasvozes?–Não!Àsvezeseuouvia,

masnãolembrosobreoquefalavam.–seurostotornou-severmelho–Eunãogostodeficarouvindoconversasprivadas.

Opromotorinsistiu.–Masvocênãolembradenemumafrasequeouviu,Sra.Cavendish?

Nada mesmo? Ela pareceu re letir, e continuou calmamente como decostume: – Sim, eu lembro. A Sra. Inglethorp disse algo sobre escândaloentre marido e mulher. Não lembro exatamente da frase, mas lembrodessepedaço.

– Ah! – o promotor parecia satisfeito – Isso corresponde ao queDorcasnosdisse.

Page 66: Agatha christie - o misterioso caso de styles

MasquandoaSra.percebeuqueeraumaconversaprivada,porquenão saiu de onde estava? A Sra. Cavendish percebeu que o promotorqueria chegar a algum lugar comsuas insinuações,mas respondeuaindacalmamente:–Euestavabemlá.Fixeiminhacabeçaemmeulivro.

–Eissoétudoquevocêpodenosdizer?–Issoétudo. Mary Cavendish foi dispensada, e eu estava em dúvida se o

promotorestavasatisfeitocomsuasrespostasouseachavaqueelasabiamaisdoquehaviadito.

AmyHill,umbalconista,foiopróximoaserconvocado.Elecon irmoutervendidoumformuláriode testamentoparaWilliamEarl, jardineirodosítioStyles.

WilliamEarleManningsucederam-no,ea irmaramteremassinadoumdocumentodaSra.Inglethorppróximoàs04h30min,Williamdissequepoderiatersidoumpoucomaiscedo.

Cynthia Murdock foi à próxima. Ela tinha pouco a dizer, pois nadasabiasobreatragédiaatéqueaSra.Cavendishaacordou.

– Você não ouviu a mesa caindo? – Não, eu tenho um sono muitopesado.

Opromotorsorriu.–Umaboamentefazumbomdorminhoco.–elebrincou–obrigado

Srta.Murdock,istoétudo.–Srta.Howard!ASrta.Howard trouxeacartaescritaparaelapela

Sra. Inglethorp no dia 17. Poirot e eu já havíamos examinado esta cartaanteriormente, e não havia nada nela que pudesse contribuir para aelucidaçãodocaso.Estaéumareproduçãodacarta.

Page 67: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Nãoháumareprodução ieldooriginaldacartapelaimpossibilidade

de decifrar o original. Isto, no entanto, não afeta a compreensão do livroporpartedoleitor.

“Styles,17de julhoPrezadaEvelynSeráquenãopodemos fazeraspazes? É di ícil para mim perdoar as coisas que me disse contra meumarido,massouummulhervelhaegostomuitodevocê.

Afetuosamente Emily Inglethorp” Ela foi passada ao júri, que aexaminoucuidadosamente.

–Temoqueelanãonospossaajudarmuito,–disseopromotor–não

Page 68: Agatha christie - o misterioso caso de styles

hámençãodoquehaviaocorridonaquelatarde.– Está tão claro como água, – disse a Srta. Howard – ela mostra

claramentequeaminhapobreamigahaviadescobertoqueelahaviafeitoumaloucura!–Nãohánadasobreissonacarta.–disseopromotor.

– Não, porque Emily nunca admitia que estava errada. Mas eu aconheciabem,elamequeriadevolta;maselanãoqueria admitirqueeuestavacerta.

OSr.Wellssorriudesconcertadamente.–Dequalquer forma,–continuouaSrta.Howard– tudo issoéuma

grande perda de tempo. Falar, falar, falar... Enquanto o tempo todo nóssabemosperfeitamentebemque...

Opromotora interrompeucheiodeagoniaeapreensão:–ObrigadoSrta.Howard,issoétudo.

NoteiumaexpressãodealívioquandoaSrta.Howard retirou-sedobanco.

Depois veio a sensação do dia. O promotor chamou Albert Mace,assistentedefarmácia.

EleeraoagitadohomemqueperguntaraaPoirot sobrea causadamorte da Sra. Inglethorp, respondendo às perguntas do promotor eleinformouque eradiplomado em farmácia,mas tinha vindo recentementetrabalharnumafarmáciadavilacomoassistente.

Acabadas as apresentações o promotor foi direto ao assunto: – Sr.Mace, você vendeu estricnina há alguns dias para uma pessoa semautorização?–Simsenhor.

–Quando?–Nasegundafeiraànoite.–Segunda?Nãonaterça?–Nãosenhor,segundafeiradia16.–Vocêpoderianosdizerparaquemvocêavendeu?Podiaseouvir

umalfinetecaindo.–Simsenhor.FoiparaoSr.Inglethorp.Todos os olhos voltaram-se para onde Alfred Inglethorp estava

sentado.Estecontinuousentado,calmoepareceunãoseabalarcomofato.Pensei que ele iria levantar-se da cadeira e sair, mas continuou

sentado como estava antes. Sua face adquiriu uma expressão deindignação.

–Vocêtemcertezadoquediz?–perguntouopromotor.–Absolutasenhor.– Você tem costume de vender produtos perigosos assim para

qualquer um sem autorização? O jovem rapaz assustou-se: – Ah, não,senhor!MasvendoqueeraparaoSr.InglethorpdaMansãoStyles,eunão

Page 69: Agatha christie - o misterioso caso de styles

vinadadeerrado.Eledissequeeraparaenvenenarumcachorrodoentio.Instantaneamentepenseiemcomoaspessoassedeixamlevarpelostatusda pessoa com a qual estão conversando. "Sr. Inglethorp da MansãoStyles...”.

–Nãoé regulamentadoquequemcompravenenodeveassinarumlivro?–Simsenhor.OSr.Inglethorpassinou.

–Evocêtrouxeolivro?–Simsenhor.O promotor olhou cuidadosamente o livro que o Sr. Mace lhe

apresentava.Então,apósumlongosilêncio,oSr. Inglethorpfoiconvocado.Elesentia-se–eupoderiadizer–comose tivesseumacordaaoredordopescoço.

Opromotorfoidiretoaoponto.–Nanoitedaúltimasegundafeira,osenhorcomprouestricninacom

o propósito de envenenar um cachorro? O Sr. Inglethorp replicoucalmamente:–Não,eunãocomprei.NãoexistemcachorrosnosítioStyles;excetoumcãopastor,maselegozadeperfeitasaúdeetemmuitautilidade.

– Você nega totalmente ter comprado estricnina do Sr. Mace nasegundafeira?–Sim.

–Entãovocênegaisso?Opromotorestendeu-lheolivroondeestavaregistradasuaassinatura.

–Negoabsolutamente.Aassinaturanãoéminha.Voumostrá-lo.Eleretirouumvelhoenvelopedobolsoeassinouseunomenele.As

duasassinaturascomcertezanãocoincidiam.–Equalasuaexplicaçãoparaaa irmaçãodoSr.Mace?Alfreddisse

imperturbavelmente:–Eledeveterseenganado.Opromotorhesitouporummomento,depoisdisse:–Sr. Inglethorp;

pormera formalidade,oSr.podenosdizerondeestavanasegunda feira,dia 16 de julho, por volta das seis horas da tarde? – Realmente... Nãolembro.

–Issoéumabsurdo,Sr.Inglethorp.Pensemaisumpouco.OSr.Inglethorpbalançouacabeça.–Nãopossodizer...Achoqueestavacaminhando.–Emquedireção?–Realmentenãolembro.–Vocêestavaacompanhadodealguém?–Não.–Quepena,–disseocoronel–vocênãopodenosdizerondeestava

nahoraqueoSr.Macesupostamenteoviunafarmácia?–De initivamente,não!–SejacuidadosoSr.Inglethorp!Poirotestavamuitonervoso.

–Sacré!Estehomemquerserpreso?OSr.Inglethorpestavamesmocausando uma má impressão. Sua falta de argumentos não convenceria

Page 70: Agatha christie - o misterioso caso de styles

nem uma criança. O promotor assim mesmo passou para a próximapergunta,ePoirotsoltouumsuspirodealívio.

– Você teve uma discussão com sua esposa na terça à noite? –Desculpe-me:vocêdevetersidomal informado.Eunãotivebrigaalgumacomminha querida esposa. A história toda foi inventada. Eu nemmesmoestavaemcasanaquelatarde.

– Você tem alguém que pode provar isso? – Você tem minhapalavra!–disseoSr.Inglethorpenergicamente.

O promotor não demorou a retrucar: – Existem duas testemunhasaquique,dizemteremouvidoabrigaentrevocêesuaesposa.

–Essastestemunhasestãoenganadas.Euestavaperplexo.Elea irmavaissocomtantacertezaqueeu iquei

sem saber o que pensar. Olhei para Poirot e percebi uma expressão deexaltação em seu rosto que eu não conseguia entender. Será que eleinalmente estava convencido da culpa de Alfred Inglethorp? – Sr.Inglethorp,–continuouopromotor–vocêjásoubedasúltimaspalavrasdesua esposa segundos antes de sua morte. Você poderia explicá-las? –Certamente.

– Você pode? – Parece ser muito simples. A sala estava poucoiluminada,eoDr.Bauerstein temumcorpomuitoparecidocomomeu,etambémusabarba.Coma luzdébil eoestadoemqueela seencontrava,elafacilmenteconfundiuoDr.Bauersteincomigo.

–Ah!–murmurouPoirot–Essaéumapossibilidade.–Vocêachaqueissoéverdade?–sussurrei.–Nãodigoisso,maséumasuposiçãomuitoengenhosa.–Vocêleuasúltimaspalavrasdeminhaesposacomoseelasfossem

umaacusação,masnaverdadeelaseramumasúplica.Opromotorre letiuporummomento,depoisdisse:–Euacredito,Sr.

Inglethorp, que o senhor mesmo levou o café para sua esposa naquelanoite,não foi?–Eupegueipara levar,masnão levei.Umamigochamava-me na porta da sala, então eu deixei o café sobre a mesa da sala e fuiatendê-lo.Minutosdepoisquandovoltei,ocaféjánãoestavamaislá.

Estahistóriapode–ounão–serverdade,masdequalquerjeitoistonãoo tornoumenosculpado.Deumjeitooudeoutroele teria tidotempoparacolocaroveneno.

Nessemomento, Poirot indicou-me discretamente dois homens queestavamsentadospróximoàporta.Umdeleserapequeno,feioeescuro;ooutroeraaltoegordo.

Euperguntei a Poirot quemeles eram, ele encostou seus lábios em

Page 71: Agatha christie - o misterioso caso de styles

meu ouvido e sussurrou: – Um deles é o detetive James Japp, conhecidocomoJimmy;ooutronãolembroquemé,masambossãodaScotlandYard.Asnotíciascorremrápido,meuamigo.

Olheicuidadosamenteparaosdoishomens.Nadanelesindicavaqueeramdapolícia,pareciamapenasduaspessoasnormais.

Minha atenção foi chamada pelo veredicto dado: – Homicídiointencionalpraticadoporpessoaoupessoasdesconhecidas.

Page 72: Agatha christie - o misterioso caso de styles

VII

PoirotPagaSuasDívidasQuandosaímosdosaguão,Poirotsegurou-me levementepelobraço.

Isso signi icava que ele queria que esperássemos pelos homens daScotlandYard.

Em pouco tempo eles apareceram, e Poirot aproximou-se deles: –Achoquenãoselembrademim,inspetorJapp.

– Como não, Poirot? – redarguiu o inspetor. Então falou para ooutro:– Lembra-se que eu lhe falei demonsieur Poirot?Nós trabalhamosjuntos, em 1904, no caso "Abercrombie forgery", mesmo ele tendoadoecidoemBruxelas.Bonstemposaqueles.

Lembra-se do barão Altara? Ele passou para trás metade dospoliciaisdaEuropa,masnósoprendemosemAntuérpia,graçasaosenhorPoirot.

Após estas reminiscências Poirot apresentou-me ao inspetor Japp,queporsuavezapresentou-meaosuperintendenteSummerhaye.

–Masoquevocêfazporaqui,velhoamigo?–perguntouPoirot.–Agora,nada.Ocasoestáresolvido.–Enganoseu,meuamigo.–Mas como? – disse Summerhaye pela primeira vez – a coisa toda

parece estar clara comoa luzdo sol.Ohomemestá todo enrolado, o quepoderiafaltar?MasJappolhavaatentamenteparaPoirot.

–Vácomcalma,Summerhaye. JáconheçooSr.Poirot,ealgomedizquenarealidadenadaestáresolvido.Anãoserqueeuestejaenganado,háalgumacoisamuitoerradaaqui.Poirot?Poirotsorriu.

–Tenhochegadoacertasconclusões,sim.–Esseéocaminho,–eledisse–porquenósapenasvimosocasode

fora,nãoestamosenvolvidosnele.EssaéadesvantagemqueopessoaldaScotlandYard temem relação a você aqui.Umbomcasodependedeumbompontapé inicial, e aqui está o Sr. Poirotparanos ajudar.Deveríamos

Page 73: Agatha christie - o misterioso caso de styles

estaraquibemantes,mastomamosconhecimentodocasohápoucotempo.Pelas evidências do inquérito está claro que o Sr. Inglethorp assassinousua esposa, e se alguém tivesse dito o contrário eu teria duvidado comcerteza.EuesperavaqueojúridesseoveredictodehomicídiointencionalporpartedoSr.Inglethorp.

–Talvez,penso,vocêtenhaaordemdeprisãoparaAlfredInglethorpemseubolso.–sugeriuPoirot.

UmaexpressãodeoficialismosurgiunorostodeJapp.–Talvezsim,talveznão.Poirotolhou-opensativo.–Euestoumuitopreocupado. –dissePoirot – senhores,Alfrednão

deveserpreso.– Acho que está enganado. – observou Summerhaye

sarcasticamente.JappquestionavaPoirot.– Você não poderia estar enganado, Poirot? Seu pedido para nós é

umaordem,masvocêsabequeaScotlandYardnãoadmiteenganos.Poirotconcordouseriamente.– Eu sei disso, mas vou dizer uma coisa a vocês: prendam o Sr.

Inglethorpsequiserem,mas issonos trarádúvidaseproblemas.Os fatoscontraelesserãologodesmentidos,eentãoprovareiqueestãoenganados.

Japp permaneceu pensativo, e Summerhaye deu um sorrisoincrédulo. Eu estava totalmente paralisado, e só podia pensar que Poirotestivesseenlouquecendo.

Jappenxugavaorostocomumlenço.–Eunãoireiprendê-lo,Poirot,masvocêdeveentenderqueexistem

muitosacimademimqueperguntarãoquediaboseuestoufazendo.Vocênãotemalgomaiscomoqueeupossaargumentar?Poirotre letiuporummomento.

– Isso pode ser arranjado. – disse ele inalmente – admito que nãogostariadefazerisso,quepreferiatrabalharàsescurasporenquanto,masoquevocêmepedeéjusto.

É a palavra de um agente Belga. Alfred Inglethorp não deve serpreso,eeuvouprovarisso,meuamigo.VocêpretendeiratéosítioStyles?– Sim, em meia hora. Tenho de conversar com o promotor e o médicoantes.

– Bem. Pegue-me então na última casa da vila, gostaria de ir comvocês.AlfredInglethorpdaráavocêsasevidênciasqueprecisam–oueu,senãoacreditaremnele.

Page 74: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Vocêsverãoqueeleé inocente.Topam?–Sim.Admitoquenãovejodo que descon iar Poirot, mas você é um prodígio e sempre mesurpreendeu.Atélogo,então.

Os dois detetives foram embora. Summerhaye manteve suaexpressãodeindiferença.

–Bem,meuamigo,–dissePoirot–oquevocêacha?MonDieu!Nãopensei que pudesse haver um homem tão cabeça dura como o Sr.Summerhaye na polícia, este homem é um verdadeiro imbecil! – Poderiahaverumaoutraexplicaçãoportrásdaquelaimbecilidade.–retruquei–Ese as acusações contra Alfred forem verdadeiras, como você irá sedefenderanãoserpelosilêncio?–MasqueDiabos!Vejasó:suponhamosqueeutivessecometidoesteassassinato,eupoderiapensaremnomínimosete desculpas convincentes para contar! As negações secas do Sr.Inglethorpnãoconvencemnemaumacriança!Nãopudedeixarderir.

– Meu velho amigo! Você teria capacidade para inventar setentadesculpasconvincentes,masdepoisde tudo issovocênãopodecontinuaracreditandona inocênciadeAlfred Inglethorp!–Porquenão tantoagoracomoantes?–perguntouPoirot.

– Porque as provas são muito claras e conclusivas! – Sim, muitoconclusivas.

Entramos na casa de Poirot, e subimos mais uma vez aquelasconhecidasescadas.

– Sim, sim, muito conclusivas. – Poirot falava a si mesmo – asevidênciasreaissãomuitovagaseinsatisfatórias,issodeveserexaminadocomextremocuidado.Masacoisatodajácortadaeseca.Não,meuamigo.Estas evidências foram forjadas, tão forjadas que estão indo contra seusprópriosobjetivos.

–Comoassim?–As acusações contraAlfrederamvagasede certaformafugiamdarealidade,maseraumpoucodi ícilprovar-seisso.Masnasua ansiedade o criminoso fechou tanto a rede que um simples cortedeixaráoSr.Inglethorplivre.

Permaneci em silêncio. Após alguns segundos Poirot continuou: –Vamosveracoisaporumoutrolado.Eleéumhomemque–deixe-mever–envenenousuaesposa.Eleviviasobseusprópriospreceitos.Elenãoeralouco. Bem, como vamos colocar as coisas... Ele foi até a cidade comprarestricnina usando o próprio nome, com a desculpa de que desejavaenvenenarumcachorro.Elenãousouovenenonaquelanoite,esperouqueeles tivessem uma briga para envenená-la fazendo com que todosdescon iassemdele.Elenãoinventadefesaenãoarranjaumálibi,enãose

Page 75: Agatha christie - o misterioso caso de styles

importa se o farmacêutico que o atendeu o reconheça! Entendeu tudo,Hastings? Não me peça para acreditar que exista uma pessoa assim tãoidiota!Apenasumlunáticoquequisessesesuicidarapósissoagiriaassim!–Masdequalquerformaeunãovejo...–comecei.

–Nemeuvejo!Issoespantaatéamim,HerculePoirot!–Massevocêacredita na inocência dele, como você explica a compra da estricnina? –Muitosimples.Elenãocomprou.

–MasMaceo reconheceu!–Perdãomeuamigo,eleviuumhomemcomumabarbapretacomoadoSr.Inglethorp,queusavaóculosiguaisaosdo Sr. Inglethorp, e que vestia roupas tão chamativas como as do Sr.Inglethorp. Ele não poderia reconhecer com certeza um homemque virasomenteàdistância.Aindamaisqueeleestánavilahápoucomaisde15dias, e que o Sr. Inglethorp compra principalmente de Coot, emTadmindster.

–Entãovocêacha...–Meuamigo,lembra-sedosdoispontosqueeudisseavocê?Deixeo

primeirodelado,ediga-meosegundo.– O fato de que o Sr. Inglethorp usava roupas peculiares, barba e

óculos? –Exatamente.Agora suponhamosque JohnouLawrence tenhamsepassadoporele;issoseriafácil?–Não.Masclaroqueumator...

Poirotinterrompeu-mebruscamente.–Eporquenãoseriafácil?Voulhedizer,meuamigo:porqueambos

sãohomensbembarbeados.Paratornarissopossívelcomumdessesdoisà luzdodia,serianecessárioumatordecérebroprivilegiadoecomcertasemelhança facial. Mas no caso de Alfred Inglethorp, tudo mudou. Suasroupas,suabarba,osóculosqueusava;estessãoospontostocantesàsuaaparência pessoal. Agora, qual o primeiro instinto de um criminoso?Desviar a suspeitade simesmo.E como fazer isso? Jogandoa culpaparacima de alguém! Nessas instâncias ele já teria um alvo de inido, por issotodos acreditaram na culpa do Sr. Inglethorp. Esta seria uma conclusãoprecipitadaquesofreriamsuspeitas,masparaevitarqueissoacontecesseapareceram todas essas evidências de o veneno ter sido comprado pelosupostoSr.Inglethorp.NãoseesqueçaqueoSr.MacenuncaviudepertooSr. Inglethorpnemconversou comele. Sendoassimdevemos ter grandesdúvidasseestehomemderoupaspeculiaresebardaescuraeramesmooSr.Inglethorp.

–Podeser,–continuei,espantadocomaeloquênciadePoirot–masseformesmoocasoporqueelenãodisseondeestavanasegundafeiraànoite por volta das seis horas da tarde? – E por que ele deveria? Se ele

Page 76: Agatha christie - o misterioso caso de styles

fossepresoeleteriadito,masnãoachoqueissosejanecessário.Euprecisofazê-lo perceber a gravidade da situação, porque pelo seu silêncio estáclaroqueelenãonotou isso.Seelenãoassassinousuaesposadeveestarsendo usado como fantoche, e precisamos aconselhá-lo sem que oassassinosaiba.

–Quempoderiaser?–pensei.EstavaquasevencidopelasconclusõesdePoirot,ecomeçavaaacreditarqueerammesmoverdadeiras.

–Vocênãoconsegueacreditar?–perguntouPoirotsorrindo.–Não. Você acredita? –Ah, sim. Eu tive uma ideia há algum tempo

atrás,eelatornou-severdadeira.–Vocênuncamefalou!–disseeutranstornado.Poirotlançousuasmãosdefensivamente.–Perdãomonami,masvocênãoteriasimpatizadocomaideia.– Você vê agora que ele não deve ser preso? – Talvez. – disse eu

pensativo, pois na verdade achava que um bom susto não o causariadanos.

Poirotobservava-me,atéquedeuumsinal.–Vamosmonami,digaoqueachoudoinquérito.–Vimuitomaisdoqueesperava.–Nadanelepareceu-lhepeculiar?Meuspensamentos ixaram-seem

Mary Cavendish, então perguntei: – Em que sentido? – Bem, sobre odepoimentodeLawrence,porexemplo.

Eudeiumsuspirodealívio.–Ah,Lawrence!Não,não lembrode tervistonadadeestranhoem

seudepoimento.Eleéumhomemmeionervoso.–Asugestãodeledequesuamãeseautoenvenenouporumexcesso

de certo medicamento soa meio estranho, não? – Não posso dizer. Paramimfoiumasugestãoaceitávelvindadeumleigo.

–Masmonsieur Lawrence não é um leigo! Pelo que vocême disseeleédiplomadoemmedicina.

–Sim,éverdade.Eununcahaviapensadonisso.– iqueiassustado–Éalgobastantesugestivo.

Poirotconcordou.– Seu comportamento inicial foi estranho; como todos na casa ele

parecia não conhecer os sintomas provocados por envenenamento porestricnina,ecomoseissonãobastassefoioúnicodacasaapropormortenatural. Se essa hipótese tivesse sido levantada por John eu entenderia,pois ele não possui conhecimentos nessa área e nem imaginação, masLawrenceterpropostoisso...Estoumuitointrigado.

Page 77: Agatha christie - o misterioso caso de styles

E ainda hoje ele propôs uma ideia que osmédicos ridicularizaram,tudolevaacrerqueháalgoerrado.

–Émuitoconfuso.–concordei.–EdepoistemosaSra.Cavendishquenãodiztudooquesabe.Estranho,não?–indagouPoirot.– Eu já não sei o que pensar, ela parece estar protegendo Alfred!

Poirotconcordoupensativamente.– Uma coisa é certa: ela ouviu muito mais do que uma simples

"conversaprivada",comodissenoinquérito.– E ela não parece ter saído nomeio do assunto! – Exatamente! O

depoimentodelamefezperceberoerroquecometi.Adiscussãoocorrerapróximoàs4horascomoDorcasfalou,nãomaistarde.

Fitei-o curiosamente. Não conseguia entender sua insistência nesseponto.

–Maisumacoisaocorreu-me:oqueestariafazendooDr.Bauersteinde pé e vestido àquela hora damanhã? Esta foi uma coisa que ninguémcomentou.

–Eledevesofrerdeinsônia.– Isso seria umaótimaouumapéssima explicação, – dissePoirot –

poisabrangetudoenãoesclarecenada.DevemosmanternossosolhosnoDr. Bauerstein! – Mais alguma falha foi encontrada no depoimento?–perguntei.

–Monami,quandovocêachaqueaspessoasnãoestãolhefalandoaverdade, mantenha os olhos bem abertos! Se não me engano muito,somenteumaouduaspessoasfalaramtudoquesabiamnesseinquérito.

– Ah, sim. Eu poderia citar Lawrence e Mary Cavendish. John e aSrta. Howard estavam falando a verdade, não? – Os dois, mon ami? Umdelessim;ambostenhodúvidas.Suaspalavrasdeixaram-meparalisado.OdepoimentodaSrta.Howard,dadocomtantasinceridademesmosendodepoucaimportância,nãopodiaduvidardela.Masdequalquerjeitoeutinhaum grande respeito pela sagacidade de Poirot; a não ser quando tinhaumasrecaídas,eraquandoeucostumavachamá-lode"cabeçadura".

– Você realmente pensa assim? O depoimento da Srta. Howardpareceu-mebastantesincero.

Poirotolhou-mecuriosamente,deixando-mesemsaberoquepensar.Elepareciaconversarconsigomesmo.

–ASrta.Cynthiatambém.Nãohánadadeerradonahistóriadela.–Não.Mas foiestranhoelanão terouvidonemmesmoamesacair

enquantoqueaSra.Cavendisha irmaterouvidoissoclaramentedooutro

Page 78: Agatha christie - o misterioso caso de styles

ladodacasa...NãoseesqueçadequeoquartodeCynthia icado ladodoquartodaSra.Inglethorp.

–Bem,elaéjovem,etemosonopesado.– Ah, é? Então ela deve ser uma dorminhoca fora do comum! Sua

respostadeixou-me inquieto.Nessemomentoouvimosbatidasnaportae,aoolharmospelajanela,vimososdoisdetetivesquenosaguardavam.

Poirot ajeitou o paletó, penteou o bigode para retirar uma sujeiraimaginária,eincentivou-meaprecedê-lonadescidadaescada.LáembaixonosjuntamosaosdetetiveseseguimosparaamansãoStyles.

Pensei que a aparição dos dois homens havia sido um choque –especialmente para John. Mas de um jeito ou de outro a presença dosdetetivesmostravaaelearealidademaisdoquequalquercoisamostrava.

Poirot seguia conversando com Japp, e eles haviam acertado quequando chegassem àmansão, reuniriam todas as pessoas da casa-menososempregados–nasalade jantar.Noteiosigni icadodisso:Poirotestavaparadarumafortecortadanobaralho.Quemsabejánãocomeçariaadarascartas?Euconseguiamanterminhacalma.Poirotdeviacomcertezatersuas razões para tanto, mas Summerhaye teimava em demonstrar suadescrençanaimportânciaqueissopoderiater.

Ao chegarmos à mansão reunimos todos na sala de jantar. JappfechouasportasenquantoPoirotdistribuíacadeiraseducadamente.

Osolhos itavam-seunsaosoutrosepelaprimeiravezsenticomoéestar realmentenomeiododrama.Percebi que tudonão era apenasumsonholouco,massimumaapreensivarealidade.Antesnóslíamos,eagoraéramososatores.Aprimeirapáginadeumjornalsobreamesaexibiaseutítulo:

"TRAGÉDIAMISTERIOSAEMESSEXDAMARICAASSASSINADA"Também apareciam algumas fotos da cidade, e algo como "Família

viveuminquérito".Abaixodissolinhasquetantasvezesjáhavialidosobrepessoas que não conhecia, agora referiam-se a pessoas próximas. Sentia-mefazendopartedisso.

Sentia o assassino entre nós e, à nossa frente, os detetives nocomandodocaso.

Vários pensamentos ocorreram-me antes que Poirot iniciasse areunião.

–Todos– inclusivenós– icamos surpresosquandoPoirot tomouainiciativa,enãoosdetetivesencarregadosdocaso.

–Mesdames etmessieurs, – disse Poirot como se fosse apresentarumacelebridade–eupediparaque todos se reunissemaquipara tratar

Page 79: Agatha christie - o misterioso caso de styles

deumassunto,eesseassuntodizrespeitoaAlfredInglethorp.OSr.Inglethorpsentava-seumpoucodistanciadodosoutros,masna

verdade foram os outros que afastaram suas cadeiras dele. Ele pareceuacordarquandoouviuseunome.

–Sr. Inglethorp,–dissePoirotdirigindo-seaelediretamente–umanuvemmuitoescuraabateu-sesobreestacasa,asombradeumassassino.

OSr.Inglethorpbalançouacabeçatristemente.–Minhapobreesposa!–murmurouele–MinhapobreEmily, issoé

terrível! –Euacho senhor, –dissePoirot aoperceberque elenãoestavaentendendo–queosenhornãoentendeuoqueeuquerodizer:osenhorcorregrandeperigo.

Osdetetivesinquietaram-se,eeuouviaquelaclássicafrase:–Tudooquedisserpoderá ser usado contra vocêno tribunal.Obviamente isso sópoderiaterpartidodeSummerhaye.Poirotcontinuou.

–Vocêentendeagora,monsieur?–Não.Oquevocêquerdizer?–Euquero dizer – falou Poirot deliberadamente – que você é suspeito de terenvenenadosuaesposa.

OrostodoSr.Inglethorpassemelhou-seaumavela.– Deus do céu! Mais que ideia mais absurda! Eu ter assassinado

minha querida Emily? – Não penso – continuou Poirot – que o senhorestivessecientedissonoinquérito.

Agora o senhor já sabe porque é tão importante que nós saibamosondeosenhorestavanasegundafeiraporvoltadasseishoras.

Comumsuspireelesentou-seecobriuorostocomasmãos.Poirotaproximou-sedele.–Fale!–Poirotdisseatenciosamente.OSr.Inglethorpbalançouacabeçanegativamente.–Vocênãoiráfalar?–Não.Nãoacreditoquealguémpoderiasertão

monstruosoapontodemeacusardisso!Poirotpareciadecepcionado.–Bem,–eledisse–entãodevereifalarporvocê.Alfredpareceurecobrarossentidos.– Você? Como você pode falar por mim? Você não sabe...– parou

abruptamente.Poirotvirou-separanós.–Senhorasesenhores,eufalareiporele,entãoporfavorouçam.Eu,

Hercule Poirot, a irmoque o homemque entrouna farmácia na segundafeira próximo às seis horas da tarde para comprar estricnina não era osenhor Inglethorp, pois às seis horas da tarde daquela segunda o Sr.InglethorpacompanhavaaSra.Raikesquandoelavoltavaparacasavindo

Page 80: Agatha christie - o misterioso caso de styles

deumafazendavizinha.AfazendaAbbey,comotodossabemacasadaSra.Raikes,ficaamaisoumenos4kmdavila.

Quantoàstestemunhas,tenhocincopessoasquea irmamtê-losvistonestehoráriopercorrendoaquelecaminho.IssoanulaapossibilidadedeoSr.Inglethorpterentradonafarmácianaquelehorário.

Page 81: Agatha christie - o misterioso caso de styles

VIIINovasSuspeitasHouve um grande momento de silêncio. Japp, que estava tão

surpresoquantonós,foioprimeiroafalar.– Às vezes você me surpreende, Poirot. Essas testemunhas estão

todasconfirmadas?–Sim.Depoislhepassareialistacomseusnomeseendereços.–Estoumuitoagradecidoavocê,Poirot.–disseJapp–agorajátemos

algo a favor do Sr. Inglethorp. Com licença, Sr. Inglethorp,mas por que osenhornãodisseissonodepoimento?

–Voudizerporque.–dissePoirot–Haviaumfalsorumor...–Omaismaliciosoefalsorumor!–InterrompeuAlfred.–EoSr.Inglethorpquisevitaroutroescândalo.Estoucerto?– Exatamente!– concordou o Sr. Inglethorp – Já basta o que dizem

queeu iz comminhapobreEmily, entãonãoqueriamais rumores falsoscontramim.

– Se não fosse pelo nosso amigo Poirot, senhor, eu já o teria presocomoculpadopeloassassinatodesuaesposa.

–Euestavaenlouquecido,semdúvida.–disseAlfred–Masosenhornemimaginainspetor,oquantoeutenhosidoperseguidoecaluniado.–eledeuumarápidaolhadaparaEvelynHoward.

–Agora, senhor,–disse Jappvirando-separa John–eugostariadeveroquartodaSra.Inglethorp.Nãosepreocupeemmeacompanhar,poisoSr.Poirotmemostraráocaminho.Depoisdissoeugostariadeconversarumpoucocomosempregados.

Quando todos saíram da sala Poirot fez um sinal para que eu osAcompanhasseatéotopodaescada,ondemeseguroupelobraçoedisse:–Várapidamenteparaaoutraasadacasa.Fiqueláparadopróximoàcurvadocorredoratéqueeuvolte.–depoismedeixouejuntou-seaosdetetives.

Eu segui suas instruções. Tomei meu lugar próximo à curva docorredorefiqueipensandoqueDiabosestariaeufazendolá.Ocorreu-mea

Page 82: Agatha christie - o misterioso caso de styles

ideiadequetodososquartoseramdaqueleladodacasa,excetoodaSrta.Murdock. Talvez Poirot quisesse que eu icasse observando quem ia ouvinha.Osminutospassaram.Ninguémia,ninguémvinha;nadaaconteceu.

Passaram-seuns20minutosatéquePoirotaparecesse.– Você não se moveu? – Não. Fiquei aqui literalmente estaqueado.

Nadaaconteceu.–Evocêestádesapontadoousatisfeitocom isso?Nãopercebeuaté

agora?–Não.– Mas você provavelmente ouviu alguma coisa, não? Um forte

estrondo?–Não.–Masissoépossível?...Euestoudecepcionadocomigomesmo.Fizumrápidogestocomamãoeacabeiderrubandoamesapróximo

àcama!Eleolhou-memuitoenvergonhado.– Não importa,meu amigo. Seu triunfo lá na sala o deixou ansioso.

Aquilorealmentefoiumasurpresaparatodosnós.Devehavermuitacoisaentre o Sr. Inglethorp e a Sra. Raikes para que ele escondesse tudo comtantapersistência.Oquevocêvaifazeragora?OndeestãoseusamigosdaScotland Yard? – Foram conversar com os criados. Eu estou muitodesapontado com Japp, é umhomem semmétodos! – Olhe só –, eu disseolhandopelajanela-aquiestáoDr.Bauerstein.Euachoquevocêestácertosobreele,Poirot,eunãogostodele!–Homemastutoele.–observouPoirot.

–Astutocomoodiabo!Vocêprecisavavercomoeleestavanaterçaànoite,umespetáculo!Estavacobertodelamadacabeçaaospés.

–Vocêoviuentão?– Sim.Ele esteve aquinaquele estado.Nãoqueria entrar,maso Sr.

Inglethorpinsistiu.– O quê?– Poirot segurou-me violentamente pelo braço – o Dr.

Bauersteinesteveaquinaterçaànoite?Aqui?Porquevocênãomedisseissoantes?Elepareciaestarmuitonervoso.

– Pensei que isso não tivesse importância! Achei que não iriainteressá-lo.

–Mas issoédeextremaimportância!EntãooDr.Bauersteinesteveaquinaterçaànoite,anoitedoassassinato!Hastings,issomudatudo!Elepareciarepentinamentetomarumadecisão.

– Nós devemos agir de uma vez. Onde está o Sr. Cavendish? Johnestavanasaladefumantes.Poirotdirigiu-sediretoaele.

–Sr.Cavendish,tenhoqueiraTadmindsterparapegarumaprova.Possousarseucarro?–Sim,claro.Queriragora?–Sepossível.Johntocouosinoemandoutrazerocarro.

Page 83: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Dentro de dez minutos nós já estávamos percorrendo a longaestradaatéTadmindster.

– Agora Poirot, – eu disse – você podeme explicar o que tudo issosigni ica?–Claro,meuamigo.Agoraacoisatodadeuumafortereviravolta,o Sr. Inglethorp está fora disso e nós encaramos umnovo problema.Nóssabemos que uma pessoa com certeza não comprou o veneno. Nós noslivramosdasevidênciasfabricadas.

Sabemos que alguém da casa, com exceção da Sra. Cavendish quejogavatêniscomvocê,sepassouporAlfredInglethorpnasegundaànoite.Também sabemos que ele deixou o café na sala por alguns minutos.Ninguém falou sobre isso no inquérito,mas agora sabemos que isso temum grande signi icado. Agora temos que descobrir quem levou o café daSra. Inglethorp, e quem poderia ter passado pela sala durante aquelesminutos. Sabemos com certeza que duas pessoas não poderiam terpassadopelocafé:aSra.CavendisheaSrta.Cynthia.

– Sim, é verdade. – lembrei demeus pensamentos sobreMary. Elarealmentenãopoderiaestarsobsuspeitacomochegueiapensar.

– Para livrar Alfred – continuou Poirot – eu tive de mostrar umpoucodemeusmétodos.Issofezcomqueoassassinolevantasseaguarda,e agora teremos que ser muito mais cuidadosos. Diga-me uma coisa,Hastings:vocêsuspeitadealguém?Hesitei.Paradizeraverdade,eutinhauma leve suspeita que me ocorreu naquela manhã, mas eu a achavaabsurda.Mesmoassimcontinuei.

– Não sei se isso poderia ser chamado de suspeita, – murmurei –podeserabsurdo.

–Digalogo,nãoenrole!Nãoseesqueça,sempresigaseusinstintos!–EupensoqueaSrta.Howardnãofaloutudooquesabe.

–ASrta.Howard?–Sim.Vocêirárirdemim...– Claro que não. Por que deveria? – Eu estive pensando: nós a

deixamosdeforadalistadesuspeitossóporqueelaestavalongedolugar.Um carro poderia percorrermais de 20 km emmeia hora! Sendo assimpoderia se a irmar comcertezaque elanão estavaporpertonanoitedoassassinato? – Sim meu amigo, – disse Poirot inesperadamente – nóspodemosafirmarisso.

Umademinhasprimeirasprovidências foi conseguir informaçãonohospitalondeaSrta.Howardtrabalha.

–E?...–Bem,eudescobriqueaSrta.Howard trabalhoua tarde toda,ese

ofereceu para auxiliar no turno da noite, o que foi aceito. Então sabemos

Page 84: Agatha christie - o misterioso caso de styles

comcertezaondeelaestava.– Ah.Mas na verdade o queme fez suspeitar dela foi sua teimosia

emacusarAlfred.Eeutambémtivea ideiadequeelapoderiasaberalgosobre a destruição do testamento. Ela poderia ter destruído o novopensandoquefosseoantigo,oqualbeneficiavaAlfredInglethorp.

–Você considera toda essa raiva uma coisa nãonatural? – Sim. Elaestámuitoraivosa,eachoqueeladeveterumaforterazãoparaisso.

Talvezsejaneurótica.–Não,não,vocêestánocaminhoerrado.Elaénervosadenatureza,

eestácompletamentesana.–SuaraivapeloSr. Inglethorppodesermania.Minha ideia–muito

ridícula,équeelapretendiaenvenená-lo,eaSra.Inglethorpentrounessaporengano.Mascomcertezaissotudoéabsurdo.

–Masvocêpodeestarcertoemalgo.Todasaspessoassãosuspeitasatéqueseproveocontrário,sendoassimaSrta.Howardnãopoderia teralguma razão para envenenar a Sra. Inglethorp? – Por quê? Ela era umapessoamuito devotada! – Seus argumentos não batemuma criança. Se aSrta. Howard foi mesmo capaz de envenenar a Sra. Inglethorp, seriaplenamentecapazdesimularsuadevoção.Agora,meuamigo,precisamosolharparatodasasdireções.Vocêestácertoaoa irmarquesuaraivaporAlfred foge um pouco do normal, mas você está plenamente errado nadeduçãoaquechegouapartirdisso.Eu tireiminhaspróprias conclusõesdisso,masnãofalareinadaporenquanto.Masdeumjeitooudeoutro,háumacoisaquecontaafavordaSrta.Howard.

–Oquê?OfatodequeamortedaSra.Inglethorpnãoabene iciavaemnada.Nãoháumassassino semmotivo comonãoháumrebelde semcausa.

Refleti.–ElanãopoderiaterfeitoumtestamentoemfavordaSrta.Howard?

–Não.–MasvocêmesmosugeriuessapossibilidadeparaoSr.Wells!Poirot

sorriu.–Fizissoporumaoutrarazão.Nãovoumencionaronomedapessoa

na qual estou pensando, mas a Srta. Howard ocupava mais ou menos amesmaposição;entãouseioseunomecomonumempréstimo.

–Mesmoassim,aqueletestamentofeitonaquelatarde...Poirotbalançouacabeçanegativamentedeumaformatãoenérgica,

queeupareidefalar.– Não, meu amigo. Tenho certas ideias sobre aquele testamento, e

Page 85: Agatha christie - o misterioso caso de styles

umacoisapossodizercomcerteza:elenãobeneficiavaaSrta.Howard.Aceitei sua sugestão, emboranãoconseguissever comoelepoderia

estartãocertodisso.–Bem,–eudisse-oquemelevouasuspeitardaSrta.Howardforam

seuscomentáriossobreosdepoimentosnoinquérito.Poirotobservou-me.–Oqueeudisse sobreeles? –Não lembra?Quandoeu citei Johne

elacomosuspeitos.– Ah, sim. Ele parecia um pouco confuso, mas depois conseguiu se

acertar.Apropósito:vocêpoderiamefazerumfavor,Hastings?–Claro.Oque é? – Na próxima vez que você estiver sozinho com Lawrence, eugostaria que você dissesse o seguinte: "Poirot mandou uma mensagempara você, ela diz: encontre a xícara extra, e você poderá descansar empaz!"Nadamais,nadamenos.

–"Encontreaxícaraextradecafé,evocêpoderádescansarempaz."Estácorreto?–Excelente!–Masoqueissosigni ica?–Bem,issovocêteráquedescobrirsozinho.Vocêtemacessoaosfatos,entãoapenasdigaissoaeleevejaoqueelediz.

–Tudobem,mastudoissoéextremamentemisterioso.Chegamos aTadmindster, e fomosdiretoparauma casaque exibia

noletreiro:"AnálisesQuímicas".Poirotentroueempoucosminutosestavadevolta.–Bem,–eledisse–issoétudoqueeuprecisavafazer.–Masoquevocêveiofazeraqui?–pergunteiemvívidacuriosidade.–Trouxealgoparaseranalisado.–Eusei,masoquê?–Umaamostradococoqueencontreipróximoà

cama.– Mas isso já foi analisado! O Dr. Bauerstein já havia mandado

analisar isso, e você mesmo descartou a possibilidade de que o cococontivesseestricnina.

–Euseidisso.–dissePoirot.–Então?...–Bem,achoquedeveseranalisadodenovo,epontofinal.EsteprocedimentodePoirotdeixou-mesemsaberoquepensar.Mas

de qualquer jeito eu tinha plena con iança nele, principalmente após terprovadocomtantaespertezaecompetênciaainocênciadoSr.Inglethorp.

OfuneraldaSra.Inglethorpaconteceunodiaseguinte,enasegundafeira,quandoeudesciaparaocafédamanhã,Johnpuxou-mepelobraçoedisse que o Sr. Inglethorp estava deixando a mansão naquele dia, e iria

Page 86: Agatha christie - o misterioso caso de styles

ficaremStylitesArmsatéveroqueiriafazer.–Érealmenteumalíviosaberqueeleestáindoembora,Hastings.–Continuou John–ascoisasestão tãoruinsquantoantesenquanto

nóspensávamosqueeleerao culpado.Nósnãonos sentimosbemcomasuapresençadepoisdetudooquepensamosefalamossobreele,ofatoéque nós o tratamos terrivelmentemal. As coisas não estavam tão pretasassim para o lado dele, e não sei como fomos capazes de chegar àsconclusões que chegamos. Sei que seria muito di ícil nos redimirmos detudoque izemoscontraele,eaverdadeéqueeuestoumuitofelizporeleterdecididoirembora.Éumaboacoisanotarqueelenãoestáinteressadono sítio, não seria bom ter ele como nosso "chefe" aqui. Ele pode levar odinheirodela.

–Vocênãovaimanterolugar?–perguntei.–Ah,sim.Tivemosgastoscomamortedeminhamãe,masmuitodo

dinheiro de meu pai continua aqui, e Lawrence icará conosco porenquanto.

Nósdevemosnosdesequilibrarumpouconoinício,claro,poiscomoeudisseavocêtenhominhasdi iculdades inanceiras.Masdeumjeitooudeoutromeusnegóciosterãoqueesperar.

ComapartidadoSr.Inglethorpnóstivemosomelhorcafédamanhãdesde a tragédia. Todos pareciam muito alegres, inclusive Cynthia, quedeixava transparecer seu espírito juvenil. No entanto Lawrence era umaexceção e mantinha se nervoso, mesmo com a abertura de um novo eesperançosofuturo.

Osjornais,claro,noticiavamatragédianaprimeirapágina;comumapequena biogra ia de cada pessoa da casa e comentários sobre asevidências policiais. Nada parecia poupar-nos. A guerra tinha dado umatrégua,eos jornaiscomentavamcomavidezocaso."OMisteriosoCasodeStyles"eraotópicodomomento.

Naturalmenteissoaborreciamuito,osCavendishquetinhamsempreacasarodeadaderepórteresque,mesmotendosuapermanêncianegada,continuavamlácomcâmerasàesperadequeosmembrosdacasasaíssempara que conseguissem fotos inéditas. Todos nós vivíamos no topo dapublicidade. Os detetives da Scotland Yard iam e vinham, examinando,questionando,econversandoemseupróprioidioma.

Mas para que eles estavam trabalhando, nós não sabíamos. Elestinham alguma descon iança ou o caso seria encaixado na categoria decrimesnãoresolvidos?ApósocaféDorcasfoiatémeuquartoeperguntousepoderiateralgumaspalavrinhascomigo.

Page 87: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Sim.Oqueé?–Poracasoosenhorveráseupequenoamigobelgahoje?–Sim.

– Bem, senhor, você lembra como eleme perguntou de uma formatãoparticularseaSra.Inglethorpououtrapessoatinhaumvestidoverde?–Sim,sim,vocêencontroualgoverde?–pergunteimuitointeressado.

– Não, não é isso, senhor. Mas há uma grande caixa de vestidosvelhos da Sra. Inglethorp no sótão da frente, lá pode haver um velhovestido verde entre outras roupas, entãome ocorreu que talvez seria dointeressedoseuamigo...

–Sim,sim,ireidizeraelecomcerteza!–prometi.– Muito obrigado senhor. Ele é um homem muito gentil, muito

diferente dos dois detetives de Londres que icam rodando a casa eenchendo todos de perguntas. Pelo que eu vejo nos jornais, senhor, oserviçodelespoucoadianta.

Oseuamigoécomcertezamuitomais inteligenteeeducadodoqueeles.

Enquanto ela permanecia lá parada eu pensei que iel criada elahaviasidodesuasenhora,atéahoraemqueelapartiu.

Decidi ir até a casa de Poirot para contar a ele o que Dorcas medisse, mas o encontrei no meio do caminho. Imediatamente passei amensagemaele.

–Ah,avelhaDorcas!Nós iremosolharestacaixa,apesarde–bem,nãoimporta.

Vamosolharacaixa.Encontramos a caixa. Era na verdade um ino baú de madeira

cuidadosamente entalhado, que parecia pertencer ou ter pertencido aalguémdegostorefinado.

Poirotcomeçouajogarascoisasparafora.Encontrou uma ou duas peças verdes, mas elas pareciam não

satisfazê-lo. Ele parecia descontente com a procura, quando de repentesoltouumaexclamação.

– O que foi Poirot? – Olhe só! O baú já estava praticamente vazioquando ele retirou de seu interior uma barba postiça preta. Examinou-acomtodoocuidado.

– É nova! Com certeza é nova! Após momentos de hesitação elerecolocou-a de volta no baú jogando todas as outras roupas por cima.Descemos rapidamente as escadas e fomos até a copaonde encontramosDorcas.

Poirot deu seu bomdia com a típica polidez gaulesa e continuou: –

Page 88: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Nós andamos olhando aquela caixa, Dorcas, e eu estoumuito agradecidoportê-lamencionado.Há,comcerteza,uma inacoleçãoderoupaslá.Elaspor acaso são usadas frequentemente? – Bem senhor, não muitofrequentementedevodizer,apenasnasnoitesemquenósnosdivertíamoscom brincadeiras e bobagens. O Sr. Lawrence frequentemente vestia-secomo príncipe da Pérsia, com uma longa faca de papelão na mão, efrequentemente ingia que a Srta. Cynthia era a princesa e que estavasendoameaçada.Elasevestiadetalformaqueeradifícilreconhecê-la.

– Aquelas noites deveriam sermuito divertidas. Suponho que o Sr.Lawrenceusavaaquelabarbaescuraenquantorepresentava.

– Ah, sim, senhor. O Sr. Lawrence sempre nos fazia rir muito, efrequentemente a Srta. Cynthia também. Uma vez ele vestiu-se como umvelho rei, com uma barba que o tornava quase irreconhecível; e a Srta.Cynthiavestiu-secomoumaescravanegra.Foirealmenteumanoitemuitodivertida.

–EntãoDorcasnãosabesobreabarba.–dissePoirotenquantonosdirigíamosparaasala.

– Você acha que foi essa a barba usada na segunda? – Sim. Vocênotouqueelafoiaparada?–Não.

Ela foi cortadaexatamenteno formatodabarbadoSr. Inglethorpeeu achei um ou dois iapos comprovando que ela foi mesmo aparada.Hastings, esse acontecimento é muito mais profundo e complexo do queimaginamos.

–Mas quem poderia ter colocado a barba naquele baú? – Não sei,masalguémcomumaótimainteligência.

Você notou que aquelas roupas são usadas como fantasias? Sendoassim aquela barba não poderia levantar grandes suspeitas se fosseencontradalá.Masnãoseespante;apessoaéinteligente,masnóstambémsomos.Nós devemos ser tão inteligentes a ponto de ele não suspeitar denossainteligência.

Euconcordei.–Agora,monami,vocêserádegrandeajudaparamim.Eu iquei satisfeito.NotavaquePoirot pela primeira vez reconhecia

meuvalor.–Sim,–elecontinuou–vocêmeseráindispensável.Estas palavras eram grati icantes,mas suas próximas palavras não

foramtãobemvindas:–Euprecisodeumaliadonacasa.–eleobservou.–Vocêtemamim!–protestei.–Verdade,masvocênãoésuficiente.

Page 89: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Euestavatriste,edemonstreiisso.Poirotapressou-seemseexplicar.– Você não entendeu o que eu quis dizer, meu amigo. Você está

conhecido por trabalhar comigo, o que eu preciso é de alguém que sejadesligadodemimedevocê.

–Ah,sim.QuetalJohn?–Não,achoquenão.–Vocênãoparecetermuitasopções.–disseaPoirot.– Acho que devemos tentar a Srta. Howard. Eu estou em sua lista

negraporterlivradoapeledeAlfred,masmesmoassimvamostentar.A Srta. Howard concordou em conversar com Poirot por alguns

minutos.EntramosnumasalaePoirotfechouaporta.– Bem, Sr. Poirot, – disse a Srta. Howard impaciente – o que é? Eu

estoumuitoocupada.–Vocêselembra,mademoiselle,quandoeupediasuaajuda?–Sim,

eudissequeoajudariacomprazerapegarAlfredInglethorp.–Ah!–Poirotestudou-acuidadosamente–Srta.Howardpeçoavocê

paraencararesteproblemaverdadeiramente.–Eununcamenti.–replicouela.– Você continua acreditando que a Sra. Inglethorp foi assassinada

peloseumarido?–Oquevocêquerdizer?Nãopensequesuasexplicaçõesbaratas me convenceram do contrário; pode até ser que ele não tenhacompradoaestricninanafarmácia,maseletinhaarsênico.

–Arsêniconãoéestricnina.–dissePoirot.–Oqueimporta?ArsênicopoderiaderrubarEmilycomoestricnina.Seeuestouconvencidadequeelefezisso,elefez.Nãoimportacomo.–Exatamente.–dissePoirot–sevocêrealmenteestáconvencidade

que ele fez isso, vou colocar minha pergunta de uma outra forma: vocêrealmenteacreditadecoraçãoqueoSr.Inglethorpenvenenousuaesposa?–Deusdocéu!–exclamouaSrta.Howard–Eunãotenhoditoavocêqueohomem é um vilão? Não tenho dito que ele a iria matar em sua própriacama?Eunãooodieisemprecomoseelefosseumveneno?–Exatamente.–dissePoirot–Issoilustraentãoaminhapequenaideia.

– Que pequena ideia? – Srta. Howard, você lembra da conversa nodiaemquemeuamigochegouaqui?Elearepetiuparamim,eumadesuassentençasmedeixoumuitoimpressionado.

Você lembra de ter dito que se alguém que você amasse fosseassassinado você saberia por instinto quem era o criminoso,mesmo quenãotivessecomoprovarisso?–Sim,lembro.SuponhoqueoSr.pensequeissoéumaloucura.

Page 90: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Dejeitonenhum.– E mesmo assim você não deu atenção para meu instinto contra

Alfred Inglethorp? –Não. – disse Poirot secamente – Porque seu instintonãoécontraoSr.Inglethorp.

–Oquê?–Vocêqueracreditarqueelecometeuocrime.Vocêachaqueeleécapazde tercometidoocrime.Masseu instintodizqueelenãofezisso.

E diz mais, devo continuar? Ela observava-o, assustada, e fez umsinalparaqueelecontinuasse.

–DevodizerporquevocêétãoveementecontraoSr.Inglethorp?Éporque você quer acreditar no que você acha que deve acreditar. Noentantovocêestáfugindodeseuinstinto,queindicaumoutronome...

–Não,não,não!–gritouaSrta.Howard–Nãodigaisso!Oh,nãodigaisso. Não é verdade, não pode ser verdade! Eu não sei como uma ideialoucacomoessaveiopararnaminhacabeça!–Euestoucerto,nãoestou?–perguntouPoirot.

– Sim, sim; você deve ser um bruxo para ter adivinhado isso!Masissoémuitomonstruoso;impossível!TemqueserAlfredInglethorp!Poirotbalançouacabeçanegativamente.

– Nãome pergunte nada sobre isso, – continuou a Srta. Howard –porqueeunãodireinada.Eudevoestar icando loucaparapensarnumacoisadessas.

Poirotconcordoucomoseestivessesatisfeito.– Eu não vou pedir nada. Isso é su iciente para mim. Eu também

tenho um instinto, e nós estamos trabalhando juntos para chegarmos emumfimharmônico.

–Nãomepeçaparaajudá-lo,porqueeunãovou.Eunãovoumoverumdedopara...Para...–elagaguejou.

–Não peço nada a você,mas você terá que serminha aliada. Vocênãoestáprontaparaesclarecer-seporsiprópria,entãopeçoparafazeraúnicacoisaquelhepeço.

– E o que é? – Você deve vigiar; observar! – Sim,mas isso eu façosempre.Estousemprevigiandoeesperandoqueeuestejaerrada.

– Se nós estivermos errados ninguém icará mais feliz do que eu,massenósestivermoscertos?Seestivermoscertos,Srta.Howard,dequeladovocêestá?–Eunãosei,eunãosei...

–Vamosemfrente.–Issopoderiaserencoberto.–Masnãodeveserencoberto.

Page 91: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–MasEmilymesmo...–elahesitou.–Srta.Howard,issonãorequernadadevocê.Repentinamenteelalevouasmãosaorosto.– Sim, não foi Evelyn Howard quem falou – ela levantou a cabeça

decididamente–EstaéEvelynHoward!Eelaestádoladodajustiça,custeoquecustar!–Apósestaspalavraselaretirou-se irmementedasalacomacabeçaerguida.

–Lávaiumapessoaque temocérebro tãomaravilhosoquantoumcoração.–dissePoirotapóselatersaído.

Eunãorepliquei.– Instinto é uma coisa assustadora, – disse Poirot – não pode ser

explicadonemignorado.–VocêeaSrta.Howardpareciamsaberdoquefalavam,Poirot,mas

vocênãopercebeuqueeuestounoescuro?–Verdade?Tantoassim,meuamigo?–Sim.Clareie-me,porfavor.

Poirotestudou-meporalgunsinstantes,depoisdissedecididamente:–Não,meuamigo.

–Porquenão?–Doisésuficienteparaumsegredo.–Bem,pelovistovocêquermanterosfatoslongedemim.–Nãoestoumantendoosfatos,longe.Tudooqueeuseivocêsabe.Você pode tirar suas próprias conclusões disso, é hora de você ter

ideias.-assimmesmo,seriainteressantesaber.Poirotolhouparamimemaisumavezbalançouacabeça.–Vejasó,vocênãoteminstintos.–O que você exigia até agora era inteligência! –Os dois trabalham

juntos.–dissePoirotenigmaticamente.Ocomentáriopareceutãoirrelevantequeeunemperditempopara

replicar.Decidi que se descobrisse algo não contaria a Poirot até que

chegasseaoresultadofinal.Erahoradecadauminvestigarporsimesmo.

Page 92: Agatha christie - o misterioso caso de styles

IX

Dr.BauersteinAtéomomentoeunãotinhatidoaoportunidadededarorecadode

Poirot para Lawrence. Desci as escadas e fui até o pátio, onde avisteiLawrence ocupado em algumas tarefas. Pareceu-me uma boaoportunidadeparalançaroenigma.

Naverdadeeunão fazia ideiadeseusigni icadoenão fazia sequerideiadoqueLawrence iria responder,masmesmoassimcumpria tarefadaqualeraencarregado.

Animei-meaopensarquetalvezsuarespostapudessemeesclareceremalgo.Aproximei-mevagarosamente.

–Lawrence?–Sim?Oh,olá,Hastings!–disseeleobservando-me.–Eutenhoumamensagemparavocê.DePoirot.– É? – Elemedisse para esperar que nós estivéssemos sozinhos. –

disseeubaixandoafozefitando-ocomointuitodecriarumaatmosfera.–Bem?Nãohouvenenhumtipodemudançaemseusemblante.Será

queeleRealmentenãofaziaideiadoqueeuestavaparadizer?–Essaéamensagem: "Encontreaxícaradecaféextraevocêpoderádescansarempaz".

– Mas que Diabos isso signi ica? – disse Lawrence mantendo-seinabalável.

–Vocênãosabe?–Nemfaço ideia.Evocê? Comumsinalrespondiquenão.

–Quexícaraextradecafééessa?–Eunãosei.–SeriamelhoreleperguntaraDorcasseelequersaberdexícaras

decafé,esseéotrabalhodelaenãoomeu.Eunãoseinadasobrexícarasde café, exceto que nós temos umas de porcelana chinesa, conhecidascomoWorcester,quesãomuitorarasevaliosas.Vocêconhecealgosobreporcelanachinesa,Hastings?–Não.

–Quepena.Sãorealmentemaravilhosas,vocêseencantariaapenas

Page 93: Agatha christie - o misterioso caso de styles

deolharparaelas.–Bem,oqueeudigoparaPoirot?–Digaqueeunãoseisobreoque

eleestáfalando,issoparecegregoparamim.–Tudobem.Eumedirigiadevoltaacasaquandoelemechamou.–Hastings,poderepetiramensagemdenovo?–"Encontreaxícara

decaféextraevocêpoderádescansarempaz".Temcertezaquenãosabeoqueissosignifica?–Não,nãosei.Masgostariadesaber.

Ouvimosochamadoparaolancheenosdirigimosparaacasa.Poirot havia sido convidado por John para icar para o café, e já

estavasentadoàmesa.Todososcomentáriossobreatragédiahaviamsidodeixadosdelado,

falávamos sobreaguerraeoutros tópicos.MasapósobiscoitoeoqueijoteremsidoservidoseDorcasterseretiradoPoirotrepentinamentedirigiu-seaSra.Cavendish.

–Perdoe-me,madame,portrazerdevoltamemóriastristes,maseutivealgumaspequenasideias–asfamosas"pequenasideiasdePoirot”–egostariadefazer-lheumaouduasperguntas.

–Paramim?Claro.–Obrigadoporsercompreensiva.Oqueeuquerolheperguntaréo

seguinte: você disse que a porta entre o quarto da Sra. Inglethorp e oquartodeCynthia estava trancada, não? –Certamente estava trancada, –disseMarysurpresa.–euhaviaditoissonodepoimento!–Trancada?Elaoolhouperplexa.

– Explico-me: você tem certeza de que ela estava trancada e nãoapenasfechada?–Ah,sim.Bem,eunãosei.Eudissetrancadaporqueelaestavaprovavelmenteemperrada,eeunãoconseguiriaabri-la.Eupartidopressuposto de que todas as portas haviam sido encontradas trancadaspordentro.

–Então,peloqueeuentendi,aportapoderiaestarapenasfechada?–Bem,achoquesim.

– Você não chegou a perceber, quando entrou no quarto da Sra.Inglethorp,seaportaestavatrancadaounão?–Bem,euachoqueestava.

– Mas você não checou isso? – Não. Eu nunca prestei atençãonaquelaporta.

– Mas eu sim, – interrompeu Lawrence – e posso a irmar que elaestavatrancada.

–Bem,entãoissoselaoassunto.–dissePoirotaborrecido.Eu não iria ajudar comentando isso, mas umas de suas pequenas

Page 94: Agatha christie - o misterioso caso de styles

ideiashaviamfalhado.ApósolanchePoirotconvidou-meparaacompanhá-loatésuacasa.– Você está aborrecido, não?– perguntou-me ele ansioso enquanto

passávamospelagaragemdoscarros.– Não muito. – eu respondi como se nem me importasse com o

assunto.–Quebomissotiraumagrandecargademinhascostas.Eu esperava que ele notasse que eu estava ansioso eme contasse

algo,masissonãoaconteceu.Nãoquisdarobraçoatorcerenãopergunteinada.

–EupasseiamensagemparaLawrence.–eudisse.– E o que ele disse? Ele pareceu confuso? – Não. Eu tenho plena

certezadequeelenãosabiadoquevocêestavafalando.Eu esperava um desapontamento por parte de Poirot, mas, para

minha surpresa, isso era realmente o que ele esperava ouvir, e estavamuito satisfeito. Meu orgulho impediu-me de fazer qualquer perguntasobreisso.

Poirotpuxououtroassunto.– A Srta. Cynthia não estava no lanche hoje, onde ela estava? – Ela

estánohospitalnovamente.Retomouasatividadeshoje.–Ah,elaéumameninamuitotrabalhadora,ebonitatambém.Écomo

osquadrosquevina Itália.Eugostariade conhecero almoxarifadoondeelatrabalha,seráqueelaseincomodariaemmostrá-loparamim?–Tenhocertezadequeelaadorariaasuavisita.

Éumlugarzinhomuitointeressante.–Elaestálátodososdias?–Temfolgaasquartas,eaossábadosvem

paraolanche.Sãoseusúnicosmomentosdefolga.–Vou lembrardisso.Asmulheresestão trabalhandomuitohojeem

dia,econseguindocargosdecon iança.Cynthiaéumexemplodisso,eissosedeveaofatodeelaterumaboacabeça.

–Sim,tenhocertezadequeelapassariamuitofácilporumtesterijo.-sem dúvida. Apesar de contas, é um trabalho que requer muita

responsabilidade.Suponhoque existammuitos venenos poderosos lá, não? – Sim. Ela

mostrou-osparanós.Elespermanecemtrancadosdentrodeumpequenoarmário. Acredito que elas sejam muito cuidadosas quanto a isso. Elassempreotrancamelevamachaveantesdedeixaremasala.

–Eestearmário icapróximoajanela?–Não.Ficadooutroladodasala,porquê?–Poirotpassouamãonoscabelos.

Page 95: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– Apenas curiosidade, mais nada. Você vai entrar? Nós havíamoschegadonacasaondePoirotestava.

–Não,vouvoltar.Tenhoumlongocaminhoatravésdocampo.Ocaminhoarborizadoaoredordosítioerarealmentebonito.Apóspassarpeloparqueencontrava-seumcampoabertodeondese

podiam avistar muitos pássaros que voavam alegremente, mesmo com oventoumpoucoforte.Caminheiatémedepararcomumagrandeárvore,eao observá-la me desliguei de todos os fatos reais e problemas. Estavameio à natureza. Depois voltei a mim. Pensei sobre o crime e meuspensamentoscomeçaramacriarasas.Acordeinovamente.

Penseiqueissonãohaviaacontecido.Claro!Tudonãopassavadeumsonho! Na verdade foi Lawrence que assassinou Alfred Inglethorp, masissoeraumabsurdopara John.Palavrasvoavamemmeusonho: "Eunãovoutolerarisso".Acordeiassustado.

Percebiqueestavanummaulugar,poisaunsquatroou5metrosdemimJohneMarydiscutiam.AntesqueeupudessedizeralgoJohnrepetiuaspalavrasquevoaramemmeussonhos.

– Eu estou dizendo, Mary. Eu não vou tolerar isso! A voz de Maryveio fria e direta: – Você acha que tem algum direito de criticar minhasações? – Isso vai ser o comentário da vila! Minha mãe foi cremada nosábado e você já está saindo para passear por aí com um amigo? – Ah,entãosãoapenasosmexericosquelhepreocupam?–Issonãoétudo.Eujátiveosuficienteparadesconfiardele.

EleéumPolonêsJudeu,dequalquerforma.–UmpoucodesangueJudeunãoéumamácoisa.ElefermentaatremendaestupidezInglesa.Fogoemseusolhos,geloemsuavoz.Percebiqueosanguede John

estavaàflordapele.– Mary! – Bem?-seu tom não se alterou. A voz de John tornou-se

autoritária.–DevoentenderentãoquevocêcontinuarávendooDr.Bauerstein

mesmosemmeuconsentimento?–Seeuquiser...– Você está me desa iando? – Não, mas você não tem o direito de

criticar minhas ações. Você não tem nenhum amigo que eu deveriadesaprovar? John deu um passo para trás. Seu rosto perdia a corvagarosamente.

–Oquevocêquerdizer?–eledissenumavoztrêmula.–Querodizerquevocênãotemdireitoalgumdequererescolheros

amigos para mim. Muito menos de criticar os meus amigos! John

Page 96: Agatha christie - o misterioso caso de styles

aproximou-sedela,seurostoganhavaumaexpressãoindagadora.–Nãotenhodireito?Eunãotenhodireito,Mary?–elelevouasmãoà

cabeça–Mary...Porummomentoeledesvaneceu,maslogovoltouasi.–Não,dejeitonenhum!ElajásedistanciavaquandoJohnaalcançou

earetevepelobraço.–Mary,–suavozagora tinhaumtomseguro–poracasovocêestá

seapaixonandopeloseuamigoBauerstein?Elahesitou,erepentinamenteuma estranha expressão cruzou sua face. Uma expressão que lembravaumaesfingeEgípcia.Elaolhouparatrássobreseusombros:–Quemsabe–ela disse, depois se afastou e deixou John plantado no lugar como umapedra.

Segui adiante, e iz certo barulho ao pisar em alguns galhos secos.John,parameualívio,pensouqueeu tinhaacabadode chegar, e saudou-me.

–Olá,Hastings.Levouseuamigosãoesalvoparacasa?Éumótimosujeito,eachoqueumcompetenteprofissional.

– Sim, ele é considerado um dos mais competentes detetives daatualidade.

– Bem, então ele deve gostarmuito disso, pois eu acho ummundodetestável.

–Vocêachaisso?–Ah,sim!Penseempessoascomonós,quetemoshomens da Scotland Yard entrando e saindo de nossas casas como sevivessem lá. Epense em comouma família estaránabocadopovo, comotodo mundo icará comentando sobre esse acontecimento e fazendosuposições ridículas sobre quem seria o assassino. Isso nos marcará,Hastings.

– Anime-se, meu amigo, – disse eu tentando confortá-lo – diasmelhoresvirão.

–Será,Hastings?Pareceumlongoedolorosocaminhoasertrilhadoatéqueconsigamoslevantarnossascabeçasnovamente.

–Não,não,vocêestásendopessimista.– É su icientemente aborrecedor para um homem ser observado,

julgado, e perseguido por jornalistas idiotas que na verdade queremvender jornalusandoo seunome.Você jápensou,Hastings,que isso temsidoumverdadeiropesadeloparamim?Nãoajudariaailusãodequetudotenha sido um acidente, mas quem teria feito isso? Não sei em queacreditar.AgoraAlfredestá longe, eninguémmais teria razãopara fazerissoexcetoumdenós.

Realmente isto era um pesadelo para qualquer homem. Sim,

Page 97: Agatha christie - o misterioso caso de styles

realmentesópoderiaserumdenós,masquem?Anãoser...Uma nova ideia surgiu em minha mente. Pelo mistério feito por

Poirot em revelar o que pensava, deveria ser uma coisa que fugia umpouco à lógica. Minha ideia se classi icava exatamente assim, e eu meperguntei por que não havia pensado nisso antes. Seria um alívio paratodosnós.

– Não, John, – eu disse – talvez não seja um de nós. Quem poderiaser? – Não sei, mas quem estava lá? – Você não adivinha? Olheicuidadosamente para os lados, e baixei minha voz: – O Dr. Bauerstein!–sussurrei.

–Impossível!–Nemtanto.–Mas em que ele seria bene iciado com amorte deminhamãe? –

Issoeunãosei,–confessei–masvou lhedizerumacoisa:Poirot tambémpensa assim! –Poirot?Elepensa assim?Masoque ele sabe?Eu contei aele da surpresa de Poirot ao ouvir que o Dr. Bauerstein havia estado namansãonaquelanoite,edisse:–Eledisseduasvezes:"Issomudatudo!",eeuestivepensando.

VocêsabequeAlfreddisse terdeixadoocafénasala?Bem, isso foiquandooDr.Bauersteinchegou.

NãoseriapossívelqueoDr.Bauerstein,aopassarpelasala,deixassecairalgodentrodocafé?–Bem,–disseJohn–issoseriamuitoarriscado.

–Sim,masépossível.–Mascomoeleiriasaberqueaquelecaféeradela?Não,meuamigo,

essaéumaideiamuitoabsurda.Maseulembreidealgo.–Sim,vocêestácerto.Nãofoiassimquetudofoifeito.Ouça.–então

contei a ele sobre a amostra do coco que Poirot haviamandado analisar.Johninterrompeuassimqueacabeidefalar.

–Mas o Dr. Bauerstein já não havia analisado um amostra? – Sim,sim, esta é aquestão. SeoDr.Bauersteinémesmooassassino,não teriaproblema algum em substituir uma amostra por outra, e assimnão seriaencontradaestricninaalgumanaamostra!Masninguém iria suspeitardoDr.Bauersteinnemretiraroutraamostra,anãoserPoirot.

– Sim, mas o gosto do veneno não seria reconhecido? – Bem, porenquantoésóoqueeutenhoadizer.

Mas existem muitas outras possibilidades, e o Dr. Bauerstein érealmente um grande toxicólogo. – É realmente um grande o quê? – Eleconhecemaissobrevenenosdoquequalquerum,–expliquei–entãonãoteria grande di iculdade para ocultar o gosto característico da estricnina.Ou talvez ele tenha usado outra droga não tão identi icável, mas que

Page 98: Agatha christie - o misterioso caso de styles

tivesseefeitosimilar.–Bem,poderiaser.–disseJohn–Mascomoelepoderiatercolocado

issonococo?Elenãosubiuasescadas!–Sim,issoéverdade.–admiti.Repentinamenteumaoutrapossibilidadeocorreuemminhamente.RezeiparaquenãoocorresseomesmoaJohn.ParameualívioJohn

permanecia pensativo, e isso garantia que ele não pensou nisso: o Dr.Bauersteintemumcúmplice.

Mas com certeza não poderia ser! Uma mulher tão bonita quantoMary não seria uma assassina, mas de qualquer forma uma mulher tãobonitaquantoMarysaberiaenvenenar...

Erepentinamentelembreidaconversanahoradochánodiaemquecheguei, e o brilho em seus olhos disseram-me que o veneno é a armafeminina.Equãoagitadaelaestavanaquelafatalnoitedeterça!NãoteriaaSra. Inglethorp descoberto algo entre ela e o Dr. Bauerstein e ameaçaracontar a John? Foi para evitar essa denúncia que o crime havia sidocometido? Depois lembrei daquela conversa enigmática entre Poirot eEvelyn Howard. Era isso o que eles queriam dizer? Seria essa apossibilidade na qual a Srta. Howard negava-se a acreditar? Bem, pelomenostudoissoencaixava.

NãomesurpreendidaSrta.Howardterusadoapalavra"encoberto".Também encaixava a sentença "Mas Emily mesmo..." Com certeza a Sra.Inglethorp iriaprocuraraencobrir tudo,poisnãoqueriaumadesonra tãograndeparaosCavendish.

– Há uma outra coisa, – disse John tão de repente que me deixoupreocupado–algoquemedeixaemdúvidaseoquevocêdizéverdade.

–Oquê?–disseeualiviadoporeleteresquecidodecomoovenenohaviasidointroduzidonococo.

–PorqueentãoofatodeoDr.Bauersteinquererfazeraautópsia?Ovelho Dr. Wilkins mesmo havia a irmado que teria sido um ataque docoração.

–Sim,–eudissepensativamente–masnósnãosabemos.Talvezelequis se prevenir. Talvez a coisa toda viria à tona posteriormente, e elequeriaumaproteção.

Ninguémsuspeitavadeumhomemrespeitávelcomoele,aindamaisporque teria sido ele mesmo quem realizou a autópsia. Um homem comsuareputaçãonãoiriaacreditarfacilmenteemumataquedocoração.

–Sim,issoépossível.–admitiuJohn–mesmoassim,nãovejoqualomotivoqueelepoderiater.

"Paul Prys": Desconhecido do tradutor. Provavelmente um

Page 99: Agatha christie - o misterioso caso de styles

personagemdaépoca,famosopelasuabisbilhotice.–Escute,–disseeu–eupossoestarenganado,entãomantenhaisso

emsegredo.–Ah,sim,nãosepreocupe.Quando entramos no portão do jardim ouvimos o chamado para o

chá,queseriaembaixodamesmaárvoreemque tomamoschánodiademinhachegada.

Cynthiajáhaviavoltadodohospital.Sentei-meaoseuladoeconteiaeladaspretensõesdePoirotdevisitarseutrabalho.

–Claro!Euadorariareceberavisitadele.Elepodeiràhoradochá,assim posso mostrar tudo a ele com calma. Ele é um homem muitoengraçado,outrodiaele tiroumeubrochede identi icaçãoeocolocoudenovosóporqueeleestavaumpoucotorto.Solteiumagargalhada.

–É,eleéassimmesmo.Temmaniadeperfeccionismo.Ficamosemsilêncioporalgumtempo.Cynthiadeuumcertoolharna

direçãodeMaryedisse:–Sr.Hastings.–Sim?–Depoisdocháeuprecisofalarcomvocê.O fato de ela ter olhado para Mary enquanto falava deixou-me

pensativo. As duas davam-se bem. Pela primeira vez ocorreu-me sobre ofuturodela.ASra. Inglethorpnãohavia feitoprovisõesparaela,mascomcertezaJohnfaziaquestãodequeelacontinuassemorandocomeles,pelomenosatéqueaguerraacabasse.

John,quehaviaidoatéointeriordacasa,agoraestavadevolta.Seurostodemonstravaumanãocostumeirairritação.

-aquelesdetetivesestãomeirritando.Nãoseioqueelesquerem,sóseique icambisbilhotandoemtodasaspartesdacasaevirandodepontacabeça tudoo que veempela frente.Dapróxima vez que encontrar Jappvoufalarcomelesobreisso.

–MontedePaulPrys!–disseaSrta.Howard.Lawrence disse que eles deveriam fazer alguma coisa. Mary não

dissenada.ApósocháconvideiCynthiaparaumpasseio,enosdirigimosaobelo

bosquedegrandesárvores.–Eentão?–pergunteiassimqueentramosnobosque.Com um olhar, Cynthia sentou-se ao pé de uma árvore e tirou o

chapéu. Os raios de sol que penetravam através dos galhos faziam seucabelobrilharcomoouro.

–Sr.Hastings,vocêésempretãoponderado,esabedascoisas.AchoqueoSr.podemeajudar.

Page 100: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Percebi que Cynthia, além de bonita, eramuitomeiga e agradável.MuitomaisdoqueMary.

–Oquefoi?–pergunteidelicadamente,enquantoelahesitava.–Precisodeumconselhoseu.Oqueeudevofazer?–Fazer?–Sim.A

tiaEmilysempremedissequeiriadeixaralgoparamim.Eusuponhoqueelatenhaesquecido,ounãopensouqueumdiaela

iriamorrer. Eunão sei o que fazer, você achaque eudevo ir emboradeumavez?–De jeitonenhum!Tenhocertezadequeelesnãoqueremquevocêváembora.

Cynthia hesitou um momento, passando os dedos vagarosamentesobreagrama.

Depoisdisse:–ASra.Cavendishquer.Elameodeia.–Odeiavocê?–disseeusurpreso.–Sim.Elanãomesuporta,eeletampouco.–Não,agoravocêestáerrada.EuseiqueJohnadoravocê.–Ah,sim,John.Re iro-meaLawrence.Dequalquerforma,éhorrível

vivernumlugarondeaspessoasnãogostamdevocê.–Maselesgostam!–disseeucarinhosamente–VejasóJohneaSrta.

Howard!–Sim,Johngostademim,eaSrta.Howardtambém.MasLawrencenuncaconversoucomigosemque fosseestritamente

necessário, e Mary nunca foi muito simpática e nem mesmo educadacomigo.ElaquerEvelynparamorarcomeles,mas...Mas...Elanãomequer.Eunãoseimaisoquefazer.-apequenacriançaderreteu-seemlágrimas.

Eu não sei o que tomou conta de mim. Talvez sua beleza realçadapelospoucosraiosdesolqueaalcançavam,talvezseujeitomeigoeafetivo;abaixei-me, segurei sua mão, e disse carinhosamente: – Case-se comigo,Cynthia.

Eu havia dado um soberano remédio para suas lágrimas. Elalevantou-se, recolheu sua mão, e disse com certa aspe reza: – Não sejabobo!Fiqueiumpoucoaborrecido.

–Eunãoestousendobobo!Estoupedindoquevocêmedêàhonradesetornarminhaesposa.

Paraminha surpresa Cynthia soltou uma gargalhada, e chamou-mede"amigobrincalhão".

–Muito amável de sua parte, – disse ela –mas você sabe que nãoquerrealmenteisso!–Sim,euquero.Eutenhotentado...

–Não importaoquevocê tem tentado.Você realmentenãoquer, eeutambémnão.

– Bem, então isso sela o assunto. – disse eu formalmente –Mas eu

Page 101: Agatha christie - o misterioso caso de styles

nãovejonadaparariremumasimplesproposta.– Sim, sem dúvida. – disse Cynthia – Numa outra oportunidade

alguémpoderáaceitarseupedido.Tchau,vocêanimou-memuito.E, após uma última gargalhada de divertimento, ela sumiu entre as

árvores.Pensando sobre o passeio, cheguei ao resultado de que fora

extremamenteinsatisfatório.Ocorreu-me que eu deveria descer até a vila e vigiar o Dr.

Bauerstein. Alguém deveria manter o olho nele. No mesmo momento,lembrei que ele poderia perceber que estava sendo vigiado. Lembrei dealgumascoisasquePoirothaviamedito,edecididarumadeArapongaetalvezpôrtudoaperder.Dirigi-meacasaondehaviaaplaca"Quartosparaalugar"ebatinaporta.Umavelhasenhoraatendeu-me.

– Boa tarde, – disse, eu – o Dr. Bauerstein está? Ela olhou-meseriamente.

–Vocênãosoube?–Doquê?–Sobreele.–Oquesobreele?–Elefoilevado.–Levado?Elemorreu?–disseeuassustado.–Não,levadopelapolícia.–Pelapolícia?–repetisurpreso–Vocêquerdizerqueelefoipreso?

–Sim,éisso,e...Nãoespereiqueelaterminasseafrase,partiàprocuradePoirot.

Page 102: Agatha christie - o misterioso caso de styles

X

ADetençãoParaminhasurpresaPoirotnãoestavaemcasa,eovelhoBelgaque

meatendeuachavaqueeletinhaidoatéLondres.Eu estava confuso. Que Diabos estaria Poirot fazendo em Londres?

PorqueessadecisãotãorepentinadeiraLondres?VolteilentamenteparaStyles. ComPoirot longe, eunão sabiaoque fazer. Seráque foi elequemcomandouessadetenção?Emmeioaummontedeideiaslembrei–medeMary.Não teria sido um terrível choque para ela?Momentaneamente euhaviadeixadodeladominhassuspeitascontraela.

Claroquenãoterialógicaquereresconderofatodela,poistodososjornais deveriamanunciarpesadamente o assunto assimque soubessem.MasdequalquerjeitoPoirotnãoestavaporperto,eeunãoiriafazernadasempedirseusconselhos.

Voltei a pensar no que teria levado Poirot até Londres; era umcaminholongoeestafante.

Poiroteramesmoumhomemmuitosagaz.NuncanaminhavidaeuiriaimaginarquePoirotsuspeitassedoDr.Bauerstein.Sim,decididamenteele era um homemmuito inteligente. Após um pouco de re lexão, decidicontartudoaJohnedeixareledecidirsetornariaounãoofatopúblico.Eleicouimensamentesurpresoquandoeudeianotícia:–Grandehomem!Eununca iria imaginar uma coisa dessas: Poirot está de parabéns! – Agoraquesoubemosdisso,todososfatosparecemencaixar.

Claroqueamanhãissojáserádeconhecimentopúblico.Johnrefletiu.–Nãoimporta,–disseJohnfinalmente–nãodevemosdizernadapor

enquanto.Não é necessário, pois como você disse, isso será de conhecimento

públicoamanhã.Masparaminha imensasurpresa,nãoencontreiumasópalavrano

jornal no dia seguinte. Havia uma pequena coluna intitulada "O Caso de

Page 103: Agatha christie - o misterioso caso de styles

EnvenenamentodeStyles",masnadadenovoousobreadetençãodoDr.Bauerstein. Isso era muito estranho, mas supus que por uma razão ououtraJapphaviamantidoissolongedosrepórteres.

Issomedeixouumpoucoansioso,poispoderiasigni icarquehaveriamaisprisões.

Após o café damanhã, resolvi ir até a vila para ver sePoirot haviavoltado; mas para minha surpresa, ele apareceu em uma das janelas edisse: – Bon jour,mon ami! – Poirot! – exclamei com profundo alívio. Fizsinalparaqueeleentrasse–Nunca iqueitãocontenteemveralguém.SófaleisobreissoparaJohn.Fizbem?–Meuamigo,–replicouPoirot–sobreoquevocêestáfalando?–DadetençãodoDr.Bauerstein,éclaro.

–Ah,entãoelefoipreso?–Vocênãosabiadisso?–Nemimaginava.–mas, passado ummomento, ele adicionou: –Mas de qualquer forma istonãomesurpreende.Apesardetudo,nósestamosaapenas7kmdacosta.

–Dacosta?–perguntei,perplexo–oque issotemavercomo fato?Poirotpassouamãonocabelo.

–Comcertezaissoéóbvio.– Não para mim. Sei que sou muito desligado, mas para mim à

distância até; e a costa nada tem a ver com o assassinato da Sra.Inglethorp.

– Nada tem a ver, com certeza. – Poirot sorriu – Mas nós estamosfalandodaprisãodoDr.Bauerstein.

–Bem,elefoipresopeloassassinatodaSra.Inglethorp...– O quê? – disse Poirot surpreso -o Dr. Bauerstein preso pelo

assassinatodaSra.Inglethorp?–Sim.–Impossível!Issotudoéumafarsa!Quemdisseissoavocê?–Bem,

ninguémexatamentedisse–euconfessei–masqueelefoipreso,issofoi.–Ah,sim,masporespionagem.–Espionagem?–Issomesmo,espionagem.– Não por ter envenenado a Sra. Inglethorp? – Não, a não ser que

Japptenhaenlouquecido.–dissePoirotseriamente.–Maseuacheiquevocêtambémpensavaassim...Poirot olhou-me seriamente, não compreendendo como eu pude

pensarumacoisadessas.–Vocêquerdizer–disseeutentandomeadaptarànovaideia–que

oDr.Bauersteinéumespião?Poirotconcordou.–Vocênuncahaviadescon iadodele?–Demaneiraalguma!–Você

nunca achou um pouco estranho que um médico tão renomado seembrenhasse numa cidadezinha dessas e andasse por aí até tarde da

Page 104: Agatha christie - o misterioso caso de styles

noite? –Não, – confessei – na verdade eu nunca iria imaginar uma coisadessas.

–Eleéalemãodenascimento,masestánopaísháumbomtempo,eninguém imaginavaqueele fossemaisdoqueumsimples cidadão inglês.Naverdadeeleénaturalizadohá15anos.

–Quintacoluna!–disseeu.–Dejeitonenhum.Eleé,aocontrário,umhomempatriotaquenada

tinhaaperderaoajudarseupaís.Eumesmooadmiro.MaseunãopensavadamesmaformaquePoirot.–EesseéohomemcomoquemaSra.Cavendishdes ilavaportoda

acidade.–comentei.– Sim. Devo dizer que ele a usava. A não ser o fato de ele se

preocuparemmanterseusnomesjuntos,tudoeraperfeitamentenormal.–Entãoelenuncaesteveinteressadonela?–Comcertezaeunãosei,

maspossodaravocêminhaopiniãoparticular?–Comcerteza.–Bem,aSra.Cavendishnãoestáenuncaesteve interessadanoDr.

Bauerstein!–serámesmo?–Tenhocertezadisso,evoulhedizerporque:elaestáinteressadaemumaoutrapessoa,monami.

O que será que ele quis dizer? Um agressivo calor percorreumeucorpo. Eu não era um homem daqueles pelos quais as mulheres seapaixonavamassim fácil, nunca foi assim. Com certa relutância surgiram-me lembrançasde algumas situaçõesdasmaisdiversas, e que envolviamasmaisdiversaspessoas.Tudopareciaindicar...

Meus pensamentos foram instantaneamente interrompidos pelasúbita entrada da Srta. Howard. Ela olhou rapidamente ao redor paracerti icar-se de que ninguém mais estava na sala, após isso retirou umvelho pedaço de papel do bolso e passou-o a Poirot, murmurando: – Emcimadoguarda-roupa.–eladeixouasalacomamesmapressacomaqualchegou.

Poirotpacientementedesdobrouopapelesoltouumaexclamação.– Venha cá, Hastings, isso aqui é uma inicial "J" ou "L"? Era um

pedaçodepapelmédio,surradocomosetivesseestadoperdidopormuitotempo.Notopovinhaoendereço:"(ainicialcontrovertida)Cavendish,sítioStyles,StylesSt.Mary,Essex”.

–Istopodeserum"T"ouum"L",mascomcertezanãoéum"J".–Eusoudamesmaopinião.–dissePoirot–Écomcertezaum"L".– De onde isso veio?– perguntei em vívida curiosidade – Isso é

importante? – Nem tanto. Isso apenas con irma uma pequena suspeita

Page 105: Agatha christie - o misterioso caso de styles

minha. Descon iava de que isso existia, então pedi para a Srta. Howardprocurar por isso, e aqui está! – O que ela quis dizer com "em cima doguarda-roupa?”.

–Ora!Foiondeelaencontrouisso.–Umlugaresquisitoparaseguardarcartas.–comentei.– Nem tanto. Um ótimo lugar para se guardar cartas e caixas de

papelão.Euguardoasminhaslá.Perfeitamentearrumadas,nãosãocapazesdedegradaroambiente.–Poirot–perguntei–vocêtempensadomuitosobreocrime?–Sim.

Paradizeraverdade,achoqueseicomoelefoicometido.–Muito bem! – Infelizmente eu não tinha nada para provarminha

teoria, até que...– subitamente ele agarrou-me pelo braço e me arrastouescadaabaixo.ElecomeçouachamarDorcasdesesperadamente.

Dorcas,muitoassustada,veiocorrendo.–MinhaqueridaDorcas,eu tenhouma levesuspeitaegostariaque

você a con irmasse: por acaso ocorreu algo de errado como sino da Sra.Inglethorp na segunda feira – não terça – antes da tragédia? Dorcas oolhoumuitosurpresa.

– Sim senhor, agora que mencionou, realmente aconteceu algo deerrado;umratoououtroanimaldeveterroídoopêndulodosino,masnaterçademanhãumhomemveioeoconsertou.

Com uma expressão de satisfação, Poirot arrastou-me de voltaescadaacima.

–Vejasó,eunãoprecisomaisdeprovasexternas,poisissodevesersu iciente.Mascomoeuqueroprovasmaisconcretas, issoserviráapenasde consolo ao indicar que estamos no caminho certo. Ah,meu amigo,mesinto como se tirasse um grande peso deminhas costas! Após dizer issoPoirotsaiupulandoecantarolandopelagrandejanelafrancesa6.

–Oqueo seunotávelamigoestá fazendo?–perguntouumavozàsminhascostas,virei-meedeidecaracomMaryCavendish–Issotudoporcausa de quê? – Na verdade eu não sei. Ele fez uma pergunta a Dorcassobre um sino, assim que recebeu a resposta icou tão feliz quanto umacriançaqueganhaumbrinquedonovo.

Marysorriu.–Que ridículo!Ele já está saindopeloportão.Elevoltahojeaqui?–

Nãosei.Àsvezeseupensoqueeleestálouco,mastemposdepoisdescubroqueéoseumétododedescobrirascoisas.

Não contando a sua risada,Mary parecia pensativa durante toda amanhã.Elapareciasériaoutriste,nãoseidizeraocerto.

Page 106: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Ocorreu-mequedeveriaserumaboaoportunidadeparafalarsobreCynthia.Comeceiaprepararoterrenotaticamente,etoqueinoassunto.Elaautoritariamentecortouaconversa.

– Você é um excelente advogado, não tenho dúvidas, Sr. Hastings,masnessecasosuaintervençãoédispensável.NãotenhoqualquertipodeantipatiaporCynthia.

Comecei vagarosamente a dizer que ela não pensava dessa forma,masnovamentefuiinterrompido.

Suas palavras foram tão inesperadas que me izeram esquecer deCynthiaeseusproblemas.

– Sr.Hastings, – ela disse – você achaque eu emeumarido somosfelizes juntos?Euestavaum tanto surpreso, e respondique esse assuntonuncatinhapassadopelaminhacabeça.

–Bem,–disseelacalmamente–tendoounãovocêpensadonissoeulhedigoquenãosomosfelizesjuntos.

Nãodissenada,poissabiaqueelaaindanãohaviaterminado.Ela caminhava nervosamente de um lado a outro da sala, e seu

semblante mudava conforme ela caminhava. Ela parou bruscamente eolhouparamim.

–Vocênãosabedenadasobremim.Nãosabedeondevim,comoeueraantesdemecasarcomJohn,nada.Bem,euvoudizeravocê.Voufazerdevocêmeuconfidente.

Masdequalquerformaeunãoestavatãofelizquantodeveriaestarpor alguém estar con iando em mim, lembrei que Cynthia iniciou suasconfidênciasdamesmaforma.Achoqueeueraaindamuitojovemparaserumaespéciedeconselheiro.

–Meupaierainglês,–eladisse–masminhamãeerarussa.–Ah,–disse,eu–agoraeuentendo.–Entendeoquê?–Équesempretiveaimpressãodequevocêtinha

algodiferente.–Minhamãeeramuitobonita,euacho.Eunãosei,porqueeununca

cheguei a conhecê-la. Ela morreu quando eu era apenas uma criança. Amorte dela foi realmente uma tragédia, ela morreu acidentalmente portomarumadose amais de ummedicamentoparadormir.Meupai sofriado coração. Pouco depois de sua morte ele foi trabalhar no serviçodiplomático, e nós viajávamos muito. Fui com ele para toda à parte, econheci muita coisa. Aos 23 anos eu já conhecia praticamente o mundotodo,aminhavidaerarealmentemuitoexcitante.

Ela tinha um sorriso no rosto. Parecia reviver os bons e velhos

Page 107: Agatha christie - o misterioso caso de styles

tempos.– Então meu pai morreu e eu tive que ir morar com uma tia em

Yorkshire. Então eumorri.Minha vida eramonótona, e eu estava icandoenlouquecida.–elaparouporuminstante,depoisadicionouemumtomdevozdiferente–EntãoencontreiJohnCavendish.Minhatiaachavaqueseriabom para mim, mas não foi isso que me levou a icar com ele. Ele eraapenasumafugadamonotoniaqueeraaminhavida.

Eupermaneciacalado.Elacontinuou:–Nãomeentendaerrado,porfavor.Eusemprefuihonestacomele.Eudissequegostavadele,masquenão estava apaixonada. Ele declarou que isso o satisfazia, e então nóscasamos.

Ela calou-seporum longo tempo. Sua testa franziu-se e ela pareciaestarrelembrandoosvelhostempos.

– No início até que ele gostou demim,mas ele enjooumuito cedo.Bem,masissonãoimportaagora.Nãonopontoaquenóschegamos.

– O que você quer dizer? Ela respondeu calmamente: – Eu querodizerqueestoudeixandoStyles.

–Você e Johnnão vãomorar aqui? – Johnpode viver aqui,mas eunãodevo.

–Vocêvaideixá-lo?–Sim.– Mas por quê? Ela pensou por um longo tempo, depois disse: –

Porque...Euqueroserlivre!Quandoelafalouisso,passaram-sepelaminhamente iguras de lorestas verdejantes, lugares místicos, cidadesmovimentadas... Tudo que condizia com os pensamentos de umamulherselvagemquehaviasidodomesticada,equeagoraestavacomsaudadesdesua liberdade. Um pequeno sussurro saiu de seus lábios: – Você nemimaginaoquantoesselugarodiosotemsidoumaprisãoparamim.

– Eu entendo. – eu disse – Mas você não deve fazer nadaprecipitadamente.

–Oh,precipitação!–elaretrucou.Depoiseudisseumacoisaquenãodeveriatersaídodeminhaboca.–VocêsabequeoDr.Bauerstein foipreso?Uma frieza instantânea

percorreuseurosto,apagandoqualqueroutraexpressão.–Johnteveaconsideraçãodemecontaressamanhã.–Bem,eoquevocêacha?–Doquê?–Deprisão!–Oqueeudeveria

achar? Aparentemente ele é um espião alemão, pelo menos foi o que ojardineirodisseaJohn.

Sua face e sua voz eram absolutamente frias e sem expressão. Elaimportava-seounão?Elaaproximou-sedeumvasode lor,etocou-ocomo

Page 108: Agatha christie - o misterioso caso de styles

dedo.–Elasestãomortas.ComlicençaSr.Hastings,voutrocá-las.–elasaiu

carregandoovaso.Seurostomantinhaumaexpressãodedesengano.Não,comtodaacertezaelanãose importavacomoDr.Bauerstein.

Nenhumamulherrepresentariatãobemumteatrodesses.Poirotnãoapareceunamanhãseguinte, enãohavia sinalemparte

algumadohomemdaScotlandYard.Mas, na hora do lanche, uma nova evidência (ou melhor uma

ausência de pista) surpreendeu-nos. Nós tínhamos tentado, em vão,descobrir para quem teria sido endereçada a 4ª carta que a Sra.Inglethorphaviaescritonamanhãqueantecediasuamorte.Recebemosaresposta.UmacartadeumaempresamusicalrussaagradeciaoesforçodaSra.Inglethorp,masdiziaqueelanãohaviaconseguidoidenti icarcançõesfolclóricas russas entre outras. Foi-se pelos ares a última esperança deresolvermosomistério.Acartanãocontinhanadaquenosajudasse.

Antesdocháeuresolvi iratéacidadeparacontaro fatoaPoirot,eumavezmaiselenãoseencontrava.

–FoiaLondresnovamente?–Oh,no,monsieur.–disseovelhoBelgaquemeatendeu–Ele foiatéTadmindstervisitarumamoçaque trabalhaemumalmoxarifado.Éoquesei.

–Mas eu disse a ele que às quartas feiras ela não estava lá! Bem,diga-lhe para ir até a mansão Styles amanhã cedo, tudo bem? –Certamente,monsieur.

Mas no dia seguinte Poirot não apareceu. Eu já estava icandofurioso,poiseleestavanostratandodeummodoinsensível.

Após o lanche Lawrence chamou-me a um lado e perguntou se euiriaverPoirot.

–Não,achoquenãodevo.Elepodeviratéaquisequisernosver.– Ah, sim. – Lawrence parecia indeciso. Algo diferente em seu jeito

atiçouminhacuriosidade.–Masdoquesetrata?–perguntei-seforalgoimportanteeupoderia

ir.–Bem,nãoémuito. – ele con idenciou-sevocê ir, diga a elequeeu

encontreiaxícaradecaféextra.Eu havia esquecido desta mensagem de Poirot, mas agora minha

curiosidadehaviavoltado.Lawrence não precisou dizer mais nada. Decidi ir até a cidade e

vasculhá-laàprocuradePoirot.Destavezeleestavaemcasa.Estavasentadoàmesacomasmãosno

Page 109: Agatha christie - o misterioso caso de styles

rostocomoseestivesseparadecidiralgo.–Oqueaconteceu?–perguntei–Vocêestádoente?–Não,não,meu

amigo.Masestouparatomarumaimportantedecisão.– Como prender o criminoso ou não? Para minha surpresa Poirot

concordou.–Falarounãofalar,comoShakespearedizia,"eisaquestão".– Fala sério, Poirot? – Tão sério quanto todos os acontecimentos

tristesqueaconteceram.–Dizrespeitoaquê?–Afelicidadedeumamulher,monami.–disse

elegravemente.Eunãosabiaoquedizer.–Omomentoestáchegando,–dissePoirot–eeunãoseioquefazer.

Vejasó,esteéumgrandedesa ioparaservencido,enahoradedarumaimportante cartada eu, Hercule Poirot, estou indeciso! – ele voltou aenvolverafacecomasmãos.

Apósumalongapausa,eudeiaeleamensagemdeLawrence.–Ahá!Entãoeleencontrouaxícaraextra!Eleéumsujeitobemmais

inteligentedoqueparece.Não comentei nada com Poirot sobre a inteligência de Lawrence.

Perguntei a ele se ele havia esquecido que às quartas feiras Cynthia nãoestavanoalmoxarifado.

–Éverdade,euesqueci.Mesmoassimaoutramoçafoimuitogentil,elamostrou-metodoodepartamento.

–Oh,bem,mesmoassimvocêpoderáirumoutrodiaparatomarumchácomela.

Euconteiaelesobreacarta.–Sintopor isso.–dissePoirot–Eusempretiveaesperançadeque

aquela carta pudesse elucidar algo. – ele apontou para a própria cabeçacom o dedo – Estas pequenas celulazinhas cinzentas do cérebro! Isso émuita coisa para elas. – repentinamente ele perguntou: – Você temfacilidade para identi icar marcas de dedos iguais? – Não. – eu dissesurpreso–Masporquevocêperguntouisso?Achoquenomáximoconsigodizersesãoparecidas.

Eledestrancouumapequenacaixaetiroudeláalgumasimpressões,quecolocousobreamesa.

– Eu numerei-as, você pode descrevê-las para mim? Eu estudei asmarcascuidadosamente.

– Bem, Poirot, o que consigo identi icar é isso: Nº. 1-) uma marcagrandeefirme,deveserdeumhomem.

Page 110: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Nº. 2-) pequena emuito diferente da anterior, sugere a delicadezadeumamulher.

Nº.3-)umpoucoconfusa,pareceamisturadevárias impressões.Aquemaisapareceentreelasassemelha-seàNº.1.

– Tem certeza? – Ah, sim, elas são idênticas! Poirot concordou.Tomouasimpressõesetrancou-asnovamente.

–Suponhoque,comodecostume,vocênãoiráexplicar.– Desta vez você se enganou. A Nº 1 é de Lawrence, a Nº 2 é de

Cynthia. Mas essas duas não são importantes. Eu as descobri porcomparação. Mas a Nº 3 é um pouco mais complicada! – É? – Sim, meuamigo. O processo que e utilizei para torná-las mais visível é bemconhecidodapolícia,entãonãoireiexplicá-loavocê;bastasaberqueeleésimples, rápido, e e iciente. Bem, meu amigo, você já identi icou asimpressõesdigitais,agoranosrestarelacioná-lascomosobjetosnosquaisestão.

–Continue!–disseeuinteressado.–Eh,bien.A impressãoNº3estavaemumpequeno frascosobreo

armário de venenos no almoxarifado do hospital da Cruz Vermelha, emTadmindster.Oquesoacomo"acasaqueJackconstruiu".

– Nossa!– exclamei eu – o que as impressões de Lawrence fazemnele?Elenão se aproximoudesse armárionodia emqueestivemos lá! –Ah,sim,eleaproximou-se!–Impossível.Nósficamosjuntosotempotodo.

– Não, meu amigo, por um momento ele afastou-se de vocês, ou ocontráriopara ser exato, e vocês o chamaramparaque ele se juntasse avocês.

– Eu havia esquecido disso, -admiti – mas foi só por um brevemomento.

–Temposuficiente.–Suficienteparaquê?OsorrisodePoirottornou-seenigmático.–Suficienteparasatisfazerointeressenaturaldealguémquecursou

medicina.Nossosolhosencontraram-se.Poirothaviasidomuitovago,eeunão

haviaentendidocompletamenteoqueelequeriainsinuar.– Poirot, o que você quer dizer com essa insinuação? – No frasco

estavaescrito"Hidrocloretodeestricnina".Eunãofiqueimuitosurpreso,jáesperavaumarespostadessas.– O hidrocloreto de estricnina é usado em alguns medicamentos,

principalmentepílulas,masnãocomfrequência.Estaéarazãopelasquaisasmarcaspermaneceramintactasdesdeentão.

Page 111: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– O quê você fez para conseguir esta digital? – Visitantes não sãopermitidos,entãopediparaaamigadeCynthiatrazerofrascoparamim.

–Evocêsabiaoqueiriaencontrar?–Não.Euapenassupusqueissoseriapossívelefuitirarminhadúvida.Erasimounão.

– Poirot, sua esperteza às vezes me surpreende. Essa é realmenteumapistaevidênciaimportante.

– Eu não sei. – disse Poirot – Há uma coisa nessa história quemeintriga,edeveriaintrigarvocêtambém.

–Oquê?–Hámuita estricninaneste caso.Essa é a3ª vezquenosdeparamoscomela.HáaestricninadomedicamentodaSra. Inglethorp,acomprada na farmácia, e agora essa. Isso tudo émuito confuso, e eu nãogostodeconfusão.

Antesqueeutivessetempodereplicar,umdosvelhosBelgasabriuaportaepôsacabeçaparadentro.

–Háumasenhoraláembaixo,elaprocurapeloSr.Hastings.– Uma senhora? Eu levantei. Poirot acompanhou-me até a porta e

descobrimosqueasenhoraquemeaguardavaeraMaryCavendish.–Euvimvisitarumavelhasenhoranavila,–explicouMary–ecomo

Lawrencemedissequevocêestavaaqui,penseiquepoderiavoltaremsuacompanhia.

–Oi,madame!–dissePoirot–Pensoqueasenhoraveiohonrar-mecomasuavisita.

–Talvezumoutrodia,sevocêmeconvidar.–disseMarysorrindo.– Muito bem. Se você precisar de alguém algum dia, madame,

lembre-sedequemonsieurPoirotestásempreaoseudispor.Ela itou-o ixamente durante algum tempo, como que procurando

algumoutrosentidoemsuaspalavras.Depoiselavirou-seabruptamenteeretirou-se.

–O senhornão voltará coma gente,monsieurPoirot? –Encantado,madame.

Durante todo o caminho para Styles Mary falava fervorosamente.IssomelevouapensarqueelaestavapreocupadacomoolhardePoirot.

Sopravaumcaracterísticoventodeoutono.Mary tremeuumpouco,e abotoouo agasalhoesportivoqueusava.Oventoentre as árvores faziaumforteruído,eissonossoavacomoocantodasárvores.

Caminhamosatéaportadamansão, edescobrimosquealgoestavaerrado.

Dorcas correu para encontrar-nos. Ela chorava, os outrosempregadoscochichavamaumcanto.

Page 112: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Oh,eunãoseicomolhesdizer...– O que aconteceu, Dorcas?– disse eu impacientemente – Diga de

umavez.– Foram aqueles detetives perversos! Eles o prenderam! Eles

prenderamoSr.Cavendish...–PrenderamLawrence?–perguntei.Dorcasolhou-me.–Não,senhor.PrenderamoSr.John.ÀsminhascostasouviochorodesesperadodeMarye,quandovirei-

meparaconsolá-la,encontreioolhartriunfantedePoirot.

Page 113: Agatha christie - o misterioso caso de styles

XI

OCasodaPromotoria

O julgamento de John Cavendish pelo assassinato de suamadrastaocorreu doismeses depois. Nas semanas que antecederam o julgamentodeixei transparecer minha afeição e consideração por Mary. Ela semanteve forte ao lado domarido o tempo todo, buscou libertá-lo e lutouporelecomunhasedentes.

ExpresseimeuselogiosaPoirot,eleagradeceupensativamente.–Sim,elaéumadaquelasmulheresquemostramasgarrascontrao

adversário.Issotudotrouxeàtonaocaráter ielebatalhadordeMary.Seuorgulhoesuacobiçaforam...

–Cobiça?–indaguei.–Sim.Vocênãopercebeuqueelaéumamulherumtantociumenta?

Bem,comoeuiadizendo,seuorgulhoesuacobiçaforamdeixadosdelado.Ela não pensou em mais nada a não ser em seu marido, e na terrívelacusaçãoquepesacontraele.

Ele falou muito sentimentalmente, e eu lembrei daquela tarde emqueeledecidiaentre falarounão, inclusiveporquedisse "a felicidadedeumamulher".Percebiqueadecisãodefazerjustiçapartiradesuasmãos.

–Masatéagora,–eudisse–eucustoaacreditarnisso.Vejasó,atéoúltimo minuto eu acreditava que o culpado era Lawrence! Poirot sorriumaliciosamente.

–Euseiquevocêachaisso.– Mas John! Meu velho amigo John! – Todo assassino é

provavelmenteumvelho amigo, – observouPoirot iloso icamente –, vocênãodevemisturarsentimentoerazão.

–Bem,vocêpoderiatermedadoumasugestão.–Poderia,meuamigo,maseunão iz isso justamenteporquevocês

eramvelhosamigos.

Page 114: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Senti-meencabuladoporisso,poisdisseaJohnquePoirotacreditavaque o culpado era oDr. Bauerstein. Ele, de qualquer forma, percebera abrusca reviravolta no caso assim que o Dr. Bauerstein fora preso porespionagem.

Perguntei a Poirot se ele pensava que John seria condenado e eledissequenão,pelocontrário,Johnteriaboaschancesdeserabsolvido.

–MasPoirot...–euprotestei.–Ah,meuamigo,existemalgunsfatosqueeunãoconteiavocê,eeu

aindanãotenhoprovasdeles.Podeserquesirvamapenasparacon irmarsuaculpa,maspoderevelar-nosalgonovo.Oproblemaéquefaltaumelonestacorrente,eeunãoconsigoencontrá-lo...–dissePoirotpreocupado.

–QuandovocêcomeçouasuspeitardeJohn?–Vocênãosuspeitoudeleantesdetudo?–Não,dejeitonenhum.–Nemmesmodepoisdeterouvidoaquelepedaçodeconversaentre

aSra.Cavendishesuasogra,easubsequenteinsegurançanoinquérito?–Não.–VocênãosomoudoisedoiseconcluiuquesenãofoiAlfredquem

discutiucomaSra.InglethorpnaquelatardeentãosópoderiatersidoJohnouLawrence?SefosseLawrencecomcertezaacondutadaSra.Cavendishseria inexplicável, mas, mudando-se para John, a coisa toda estavacompletamentenaturaleexplicável.Nãoconcorda,monami?

– Então – exclamei como se uma lâmpada acendesse em minhamente–foiJohnquemdiscutiucomaSra.Inglethorpnaquelatarde?

–Exatamente.–Evocêsempresoubedisso?–Claro,acondutadaSra.Cavendishexplicava-sequandoeupensava

dessaforma.–Evocêacreditanumapossívelabsolvição?Poirotrefletiu.–Sim,euacredito.Pelosprocedimentospoliciaisnósdevemosouvir

os dois lados da moeda, e isso inclui a chance de John se defender.Provavelmente essa chance será dada no julgamento. A propósito: meunomenãodeveaparecernocaso,Hastings.

–Comoassim?–Não creditenada amim.Pelomenosnãoo icialmente, atéque eu

encontre o último elo que une a corrente. A Sra. Cavendish deve pensarqueeuestoutrabalhandoporseumarido,nãocontraele.

–Masissoseriajogosujo,não?–De formaalguma.Nósestamos lidandocomumhomemperverso,

Page 115: Agatha christie - o misterioso caso de styles

inescrupuloso e, o que é pior, inteligente. Devemos usar de todos osmétodos para pegá-lo, caso contrário ele escapará entre nossos dedos.TodasasdescobertasforamfeitasporJapp,eelelevarátodoocrédito.Seeuforchamadoparadepor–eledeuumsorrisomalicioso–provavelmenteserácomotestemunhadedefesa.

Eumalpodiaacreditarnoqueouvia.–Seiqueéestranho,masmeudepoimentodeverádestruirumponto

importantedaacusação.–Qual?–Adestruiçãodotestamento.NãofoiJohnquemodestruiu.Poirot tinhaum tomprofético. –Não entrarei emdetalhes sobre os

procedimentospoliciaisadotados,masJohnobteveseudireitodedefesa,efoilevadoajulgamento.

Em setembro encontramo-nos todos em Londres. Mary estava emumacasaemKensington,Poirotpermaneciaaoladodafamília.

EuhaviaconseguidoumempregonoDepartamentodeGuerra,entãoosviacontinuamente.

Enquanto as semanas passavam o estado de nervos de Poirotpioravamaisemais.Otal"últimoelodacorrente"doqualelehaviafaladocontinuava desaparecido. Particularmente eu achava que ele nãoapareceria.SeriaumagrandefelicidadeparaMaryseJohnfosseabsolvido.

Nodia15desetembro Johnapareceuno jornaldoOldBaileycomo"oselvagemassassinodeEmilyAgnes Inglethorp", e logoabaixoapareciaemletrasdestacadas:"Aindaemliberdade".

Sir Ernest Heavywether, um famoso advogado, ofereceu-se paradefendê-lo.

OpromotorPhillipsabriuocaso.Oassassino,eledisse,foiomaisfrioecalculistapossível.Aproveitou-

se da con iança damulher em seu enteado e a envenenou sem omenorescrúpulo.Elaohaviacriadoesuportadodesdegaroto,eeleesuaesposaviviamnamansãoStyles commuitoconforto, cercadospelo seucarinhoeatenção. Ela havia sido a mais generosa benfeitora, sem sombra dedúvidas.

Ele propôsque fossem chamadas testemunhasparaprovar comooacusado estava em sérias di iculdades inanceiras, e que tambémcarregavaumaintrigacomumacertaSra.Raikes,esposadeumfazendeirovizinho.Issochegouaosouvidosdesuamadrastaqueorepreendeu;assimabrigaaconteceu,epartedelafoiouvida.Nodiaanterior,oacusadohaviacompradoestricninana farmáciadavila, trajadode tal formaa sepassar

Page 116: Agatha christie - o misterioso caso de styles

pelo marido da Sra. Inglethorp. Felizmente o Sr. Inglethorp possuía umálibi inquestionável. Na tarde do dia 17 de julho, continuou o promotor,imediatamenteapósabriga,aSra.Inglethorpfezumnovotestamento.Estefoi encontradodestruídonamanhã seguinte na lareira do quarto da Sra.Inglethorp – de acordo com evidências ele favorecia o marido, o SrInglethorp.A falecidahavia feitoumtestamentoemseu favorantesdesecasar, mas, ao que parece, o prisioneiro não estava ciente disso. O quelevou a falecida a fazer um novo testamento enquanto o anterior aindaexistia, o promotor disse não saber. Ela era uma velha senhora eprovavelmente teria esquecido do testamento ou – o que parecia maissensato–poralgumaconversadescobriraqueforarevogadonomomentode seu casamento. As senhoras nunca sabemdireito como funciona a lei.Um ano antes, ela re izera o testamento em favor do prisioneiro. Elechamaria testemunhas para provar que o prisioneiro levara o café aoquarto da madrasta na noite fatal. Tarde da noite ele havia entrado noquartoe,nessaocasião,semdúvida,tratoudedestruirotestamentoomaisrápidopossíveleassimtornarválidoaqueleemseufavor.

Oacusado foipresoemrazãodeodetetive Japp terencontradoemseuquartoanota iscalda compradaestricnina, feita supostamentepeloSrInglethorp.Ficounasmãosdo júri,então,adecisãodeseaqueles fatosbastavamparaadetençãodoacusado.

E,percebendoqueojúrinãoestavatãodecidido,oSrPhillipsdirigiu-seatéobanco,sentou-se,epermaneceudecabeçaerguida.

Astestemunhaschamadasparaodepoimentoforampraticamenteasmesmasouvidasnoinquérito,odepoimentomédicoabriuasessão.

Sir Ernest era famoso por toda a Inglaterra pelamaneira com quedesa iava as testemunhas, mas na oportunidade fez apenas duasperguntas.

– Suponho que a estricnina, Dr. Bauerstein, sendo uma droga, atuerapidamente.

–Sim.– E também suponho que o senhor não saiba explicar como nesse

casoelateveseuefeitoretardado.–Não.–Obrigado.OSrMace,chamadologoapós,con irmouqueofrascoapresentadoa

elepelopromotor era o frascoque elehavia vendidona farmáciapara o"Sr Inglethorp".Pressionado, ele admitiuque só conheciao Sr. Inglethorpdevista,equenuncahaviaconversadocomele.

Page 117: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Alfred Inglethorp foi chamado, e negou ter comprado o veneno.Também negou ter discutido com a esposa. Várias testemunhascomprovaramseudepoimento.

Ouviu-seodepoimentodojardineiro,edepoisDorcasfoichamada.Dorcas,crentedainocênciadochefe,negouenergicamentequeavoz

queouviranaquelatardefossedeJohn,edeclarou irmeedecididamentequeerao Sr. Inglethorpquemestavanoescritório comaSra. Inglethorp.Umsorrisomaliciosopassoupelafacedoprisioneiro,elepercebeuqueseupoder de persuasão no momento de nada adiantaria. A Sra. Cavendish,claro,nãopoderiaserchamadaparadeporcontraoprópriomarido.

Após várias perguntas sobre outros assuntos, o Sr. Phillipsperguntou:–Você lembraseem junhopassadochegouumpacoteparaoSr.LawrenceremetidopelaempresaParkson?Dorcasbalançouacabeça.

– Eu não lembro, senhor. Pode ter chegado, mas o Sr Lawrenceestavaforadecasaemmeadosdejunho.

– E se o pacote chegasse enquanto ele estivesse fora, o que seriafeitodele?

–Seriapostoemseuquartoouenviadoatéele.–Porvocê?– Não senhor, eu deixaria sobre a mesa da sala. Quem decidiria o

quefazerseriaaSrta.Howard.Evelyn Howard foi chamada e, após ser questionada sobre outros

assuntos,perguntou-sesobreoembrulho.– Não lembro. Muitos pacotes chegam, não lembro de nenhum em

especial.–VocênãolembraseestepacotefoienviadoparaoSrLawrenceno

PaísdeGales,ousefoideixadoemseuquarto?– Acho que não foi enviado a ele. Se tivesse sido enviado eu

lembraria.–SuponhamosqueopacoteendereçadoaoSrLawrencechegassee

apósalgumtempodesaparecesse,vocêachaquesentiriaasuafalta?–Não,achoquenão.Eupensariaquealguémmudaradelugar.–Euacredito,SrtaHoward,que foia senhoraquemencontroueste

pedaçodepapeldeembrulho,não?–ElepassouaelaomesmopedaçodepapelqueeuePoirothavíamosexaminadotemposatrás.

–Sim,fuieu.–Ecomovocêveioaprocurarporele?–Odetetivebelgaqueestava

envolvidonocasomepediuparaprocurarisso.–Eondevocêoencontrou?

Page 118: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Emcimadeum...Umguarda-roupa.–Oguarda-roupasdoacusado?–Sim...Achoquesim.–Não foivocêquemencontrou isso?Entãovocêdeve saberondea

encontrou.–Sim,estavasobreoguarda-roupadoacusado.–Assimestámelhor.UmassistentedalojaParksonFantasiasTeatraisa irmouquenodia

29 de junho, eles haviam enviado uma barba postiça preta para o Sr L.Cavendish; conforme pedido. O pedido havia sido enviado por cartajuntamentecomodinheiro.Não,elesnãotinhamguardadoacarta;todaatransaçãoestavaregistradaapenasemseus livros.Eleshaviamenviadoabarba,conformepedido,paraoSrL.Cavendish,SítioStyles,StylesSt.Mary.

–Edeondeacartafoiremetida?–DosítioStyles.–Omesmoendereçoparaondevocêenviouopacote?–Sim.–Eacarta,veiodelá?–Claro!–Comovocêsabe?Viuocarimbodo

correio?–Não,mas...– Ah, então você não viu o carimbo do correio? E como continua

a irmando que a carta veio mesmo de Styles se não viu nem mesmo ocarimbodocorreio?–Bem...

–Sendoassimacartapoderiatersidopostadadequalquerlugar;deGales, por exemplo? A testemunha disse que poderia ser o caso, e o SrErnestsentou-sesatisfeito.

ElizabethWells, segunda caseira em Styles, disse que após ter idopara a cama lembrou que havia trancado a porta da frente ao invés dedeixá-laapenasnotrinque,comooSrInglethorphaviapedido.

Quandoiadescerasescadasouviuumdiscretoruídonaasadireita,e deteve-se por um momento. Ela viu o Sr John Cavendish batendo naportadaSra.Inglethorp.

OSrHeavywetherfezpoucocasodela,eapressionouatéqueelasecontrariassedesesperadamente.

Apósissosesentoucomumolhardesatisfação.Após o depoimento de Annie sobre a cera de vela encontrada no

carpete,ocasofoiadiadoatéodiaseguinte.Enquanto voltávamos para casa Mary pronunciou seu

descontentamentocomomoderadordocaso.–Quehomemdetestável! Sópode estar querendo armaruma rede

contra meu pobre John! Como ele manipula cada pequeno fato até quepareçaoquenãoé!–Bem,–disseeu tentandoconsolá-la–amanhãpode

Page 119: Agatha christie - o misterioso caso de styles

serdiferente.– Sim.– disse ela pensativamente. Depois, baixando a voz:– Sr

Hastings,vocênãoacha...Oh,não,comcertezanãopodetersidoLawrence!Mas eu mesmo estava em dúvida, e assim que iquei a sós com Poirotperguntei-lheondeeleachavaqueoSrErnestpretendiachegar.

–Bem,tudooqueseiéqueeleéumhomemmuitoesperto.–VocêachaqueeleacreditanaculpadeLawrence?–Eunãoacho

que ele queira alguma coisa, na verdade ele está tentando criar umaconfusão no júri. Ele está tentando embaralhar as coisas para que todospercebamqueexistemfatostantocontraLawrencecomocontraJohn.

OdetetiveinspetorJappfoichamadonareaberturadojulgamento,edeu seu depoimento de forma resumida. Após relatar os acontecimentosanteriores,elecontinuou:–Agindodeacordocom informaçõesrecebidas,o superintendente Summerhaye e eu demos uma busca no quarto doacusado enquanto ele estava fora. Na sua cômoda, escondido entrealgumasroupas,encontramos:1º)umpardeanéissimilaresàquelesqueoSrInglethorpusa;–elesforamexibidos.

2º)estefrasco.O frasco era aquele que o farmacêutico reconheceu ter vendido ao

"Sr Inglethorp". Era um pequeno vidro azul com os seguintes dizeres:"Hidrocloreto de estricnina– VENENO" Uma nova prova descoberta pelosdetetives dizia respeito a um velho pedaço de papel carbono. Ao sercolocado frente ao espelho podia-se ler claramente: "... tudo que possuídeixoparameuamadoesposoAlfredIngl...".Istocon irmavaofatodequeotestamentodestruídoeramesmoemfavordeAlfred.AbarbaencontradanosótãoeofragmentoencontradonalareiradoquartodaSra.Inglethorpreforçavamaindamaisaafirmativa.

MasoSrErnestaindanãotinhasedadoporvencido.–Emquediavocêvasculhouoquartodoacusado?–Naterça feira,

dia24dejulho.–Exatamenteumasemanaapósatragédia?–Sim.–Vocêdissequeencontrouessesdoisobjetosnacômoda,elaestava

destrancada?–Sim.–Nunca lhepassoupela cabeçaqueumhomemquecometesseum

crimemanteriaasevidênciasemumacômodatrancada,paraqueninguémpudesseachar?–Elepoderiatê-lascolocadolánapressa.

–Masvocêmesmodisseque isso foiumasemana inteiradepoisdocrime.Elejánãoteriatidotempoparadestruí-las?–Talvez.

–Nãoháumtalvezaqui.Eletevetempoounão?–Sim.

Page 120: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Asroupassobasquaisvocêencontrouasevidênciaserampesadasouleves?–Pesadíssimas.

– Em outras palavras, eram roupas de inverno. Obviamente oacusado não se dirigia muito àquela cômoda por aqueles tempos. Estoucerto?–Talvez.

– Por favor, ouçam minha colocação: iria por acaso o prisioneironuma semana quentíssima dirigir-se à cômoda das roupas de inverno?Nesse caso, então,não seriapossívelqueuma terceirapessoasas tivessecolocado lá, e assimoprisioneirodesconhecesseapresençadelas?–Nãoachoqueissotenhaacontecido.

–Masépossível,não?–Sim.–Issoétudo.Mais depoimentos seguiram-se. Depoimentos sobre as di iculdades

inanceiras pelas quais o prisioneiro passava, sobre a rixa com a Sra.Raikes,etc.ApobreMaryouviatudocalada,sentindoseuorgulhoferido.

Evelyn Howard foi sensata em seu depoimento, parecia que suaanimosidadecontraAlfredhaviasumido,eelapensavaen imqueeleeraumdosmaisinocentesdahistória.

Lawrence Cavendish foi chamado. Em um fraco tom de vozrespondeuàperguntado SrPhillips, elenegou ter feitoqualquer tipodepedidoà lojaParksonemjunho.Defatonodia29de junhoeleestavaemGales,portantolongedecasa.

Repentinamente o Sr Ernest levantou-se e perguntou: – Você negater feito um pedido de uma barba escura para a loja Parkson em 29 dejunho?–Sim.

–Ah,nocasodeaconteceralgoaseuirmão,quemherdariaosítio?Abrutalidade da pergunta desa iou Lawrence. O júri deu ummurmuro dedesaprovação, e o acusado levantou-se da cadeira furiosamente.Heavywethernãodeuimportânciaanenhumdessesfatos.

–Respondaàminhapergunta,porfavor.–Eusuponho–disseLawrencecalmamente–queseriaeu.–Oquevocêquerdizercom"suponho"?Oseuirmãonãotem ilhos.

Vocêiriaherdarosítio,nãoiria?–Sim.– Ah, assim está melhor. – disse Heavywether com extrema

genialidade–Evocêtambémiriaherdarumaboasomaemdinheiro,não?– Na verdade Sr Ernest, – protestou o júri – estas questões não sãorelevantes.

OSrErnestassentiu,efinalizouoprocedimentodireto.– Na terça feira, dia 17 de julho, você e um hóspede da casa

Page 121: Agatha christie - o misterioso caso de styles

visitaram o almoxarifado da Cruz Vermelha em Tadmindster, não foi? –Sim.

– E você, enquanto sozinho por alguns momentos, destrancou oarmáriodevenenoseoexaminou?–Eu...Eu...Possoterfeitoisso.

–Fezounãofez?–Sim.OSrErnestlançouapróximapergunta.–Vocêexaminoualgoemparticular?–Não,achoquenão.– Seja cuidadoso, Sr Lawrence. Re iro-me a um pequeno frasco de

hidrocloretodeestricnina.–Não!Tenho certezaquenão! –Então comovocê explicao fatode

suaimpressãodigitalestarclaramentegravadanofrasco?Lawrenceagoraapresentavacrescentenervosismo.

–Achoqueeupossoterpegadoovidro.–OSrsupõemuitacoisa,SrLawrence.Vocêestavalendooconteúdo

dosfrascos?–Certamentequenão.–Entãoporquevocêtomouumdeles?–Bem,eucurseifaculdadede

medicina,algumascoisasnaturalmentemeinteressam.–Ah,entãoosvenenosnaturalmente"interessam"você.Dequalquer

jeito,vocêesperouficarsozinhoparasatisfazeresteseu"interesse".– Isso foi obra do acaso. Se os outros estivessem lá, eu teria feito o

mesmo.–Então,peloqueparece,osoutrosnãoestavamlá?–Não,mas...–DuranteatardetodaSrLawrence,oSrestevesozinhoporapenas

2 minutos, e parece – digo parece – ter sido exatamente nesses doisminutosquevocêdemonstrouinteresseporhidrocloretodeestricnina.

–Eu...Eu...ComumaexpressãosatisfatóriaoSrHeawywetherconcluiu.–Nãotenhonadamaisaperguntar,SrCavendish.Todaacorteespantou-secomesseinterrogatório.Surgiuumgrande

murmuroentreosespectadores,eo júriameaçoucolocartodospara forasenãoficassememsilêncioimediatamente.

Houvemaisalgunspequenosdepoimentos.Peritos foramchamadospara con irmar que a assinatura de "Alfred Inglethorp" no livro dafarmácia era ou não do próprio, todos eles declaravam que, com toda acerteza, a assinatura não foi feita pelo proprietário. Pressionados,afirmaramqueaassinaturapoderiatersidofeitapeloacusado.

OSrErnestiniciouadefesa.Nunca,disseeledurantetodaasuavidapro issional, vira um caso de assassinato ser resolvido a partir depequenas evidências que na verdade não têm nada de concreto. Tudo

Page 122: Agatha christie - o misterioso caso de styles

parecia ser envolvido por circunstâncias, e todas elas duvidosamenteprovadas. A estricnina foi encontrada no quarto do acusado. A cômodaonde o frasco de estricnina se encontrava não estava trancada. Não hácomoprovarque foioacusadoquempôso frasco.Aacusação foi incapazde provar que o acusado houvesse pedido uma barba escura à lojaParkson. A briga entre o acusado e sua madrasta bem como suasdificuldadesfinanceirashaviamsidoexageradamentedescritas.

Oseucolega–oSrErnestolhouatenciosamenteparaoSrPhillips–havia colocado que se o acusado era mesmo inocente, ele haverialevantadonoinquéritoeexplicadoquefoiele,enãooSrInglethorp,quemdiscutiucomavítima.Elealegouqueosfatosestariammalrepresentados,equeoqueaconteceunaverdadefoiisso:oprisioneirovoltandoparacasana terçaànoite icousabendodabrigaentreoSreaSra. Inglethorp.ElenaturalmentepensouqueaSra.Inglethorpentãohaviatidoduasbrigas.

Aacusaçãoa irmouquenasegundafeira,dia16dejulho,oacusadoentrou na farmácia da cidade passando-se por Alfred Inglethorp. Oacusado, pelo contrário, estava sozinho em um lugar chamadoMartson'sSpinney, para onde havia sido chamado por uma carta anônima, queameaçava revelar certas coisas para sua esposa a menos que elesatis izessealgumasexigências.Oacusadofoientãoatéolugar,onde icouesperandoemvão.Apósumahoraemeiadeespera,elevoltouparacasa.Infelizmente ele não se encontrou com ninguémna caminhada de ida ouvoltaquepudessecon irmarsuahistória;porsortemanteveobilhetequerecebeu,eissopoderiaserumaprova.

Quantoàdeclaraçãosobreadestruiçãodotestamento,oprisioneiroestavacientedequeo testamentoemseu favor, feitoumanoantes, tinhasidoautomaticamenterevogadopelocasamentodesuamadrasta.

Ele gostaria de tomar alguns depoimentos para provar quemdestruiuotestamento,eassimabrirumanovavisãodocaso.

Finalmenteele lembrouaojúriquehaviamtantasevidênciascontraoutraspessoasquantopara John, e remarcouqueo fatoapontado contraLawrenceeragrave,senãomaisgravequeosfatoscontraJohn.

Elegostariaagoradechamaroacusado.John sentou-se agora no banco das testemunhas. Con irmou toda a

história contada por seu advogado, e alcançou o bilhete ao júri para quepudesseserexaminado.Negouofatodequesuasdi iculdades inanceiraseramtãosériasassim,e tambémqueabrigacomsuamadrasta fosse tãoviolenta.

Ao término da sua explicação, ele disse: – Devo deixar uma coisa

Page 123: Agatha christie - o misterioso caso de styles

clara: eu desaprovo totalmente a insinuação do Sr. Heavywether contraseuirmão.Lawrencetemtantoavercomessecrimequantoeutenho.

O Sr Ernest sorriu, pois notou que o protesto de John causou umaboaimpressãonojúri.

– Sr John, não lhe surpreende o fato de que as testemunhas noinquéritopoderiamestarpossivelmenteconfundindosuavozcomadoSrInglethorp?–Não.SoubequehouveumabrigaentreAlfredeminhamãe,enuncapenseiqueestenãoseriaocaso.

– Nem mesmo quando Dorcas repetiu alguns fragmentos daconversa? Você não os reconheceu? – Não, eu não os reconheci. Nósestávamosfuriosos,efalávamosmaiscoisasdoquedevíamos;sendoassimnãodeiimportânciaàspalavrasdeminhamãe.

O Sr Phillips demonstrou incredulidade ao fato. Passaram então aoassuntodobilhete.

– Este bilhete apareceu em hora bem conveniente. Digo-lhe umacoisa:nãohánadadefamiliarnaescritadele?–Não,nadaqueeuperceba.

–Vocênãoachaqueseparecemuitocomasuacaligra ia,sóqueumpoucodestorcida?–Não,eunãoacho.

–Eudigoqueésuapróprialetra!–Não.–Eua irmoquevocê,ansiosoparaconseguirumálibi, forjoutodaa

históriaeescreveuvocêmesmoobilhete!–Não.–Nãoéverdadequevocêestava realmentena farmáciadisfarçado

de Alfred Inglethorp na hora em que a irma que estava sozinho em umlugarretirado?–Não, issoémentira!–Eua irmoquevocê,disfarçadodeAlfred Inglethorp, entrou na farmácia de Styles St Mary, comprou aestricnina,eassinou"AlfredInglethorp"nolivroderegistros.

– Não, isso é tudomentira! – Então vou pedir que o júri analise asimilaridadeentreacaligra iadobilhete,asua,eadolivroderegistros.–disseoSrPhillips,depoissesentoucomardequemcumpreoseudever.

Depois disso, como já estava icando tarde, o caso foi adiado atésegundafeira.

Poirot percebi, parecia um tanto desiludido, e eu sabia o que issosignificava.

–Oquefoi,Poirot?–perguntei.–Ah,meuamigo,ascoisasestãoindomal,muitomal.Particularmente tive um grande alívio, pois isso poderia signi icar

umachancedeabsolviçãoparaJohn.Quandoentramosemcasa,MaryofereceuumcháparaPoirot.–Não,obrigadomadame,vouparaomeuquarto.

Page 124: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Euosegui.Aindapensativo,eledirigiu-seatéaescrivaninhaepegouumacaixadecartasdebaralho.

Paraminhasurpresa,elesentou-seecomeçouafazerumcastelodecartas!Não sabia o que pensar, inalmente ele disse: –Não,mon ami, eunãoestouemminhasegunda infância!Estouapenas tentandoacalmarosnervos.

Este trabalhorequerprecisãodosdedos.Comaprecisãodosdedossegueaprecisãodocérebro,eeununcapreciseimaisdeledoqueagora.

–Qualéoproblema?Comumapancadanamesa,Poirotpôsabaixoseempreendimento.

– O problema é, mon ami, que eu não consigo – uma pancada namesa – encontrar–maisumapancada – aqueleúltimo elodoqual eu lhefalei!Eunãosabiaaocertooquedizer,entãotenteiacalmá-loatéqueelerecomeçassesuaobra.

– Está feito! Uma carta sobre a outra com precisão matemática! –Você temumabelaprecisãonasmãos,Poirot, achoque sóo vi tremendoumavez.Foiquandovocêdescobriuquea fechaduradacaixaroxahaviasido forçada. Você estava muito nervoso, suas mãos tremiam, e vocêtentavaseacalmararrumandoosobjetosnoaparadordalareira...

Parei instantaneamente ao ver que Poirot agora assemelhava-se àumavela.

– Poirot! O que houve? Você está passando bem? – Sim, sim!– elegaguejou–Équeeutiveumaideia!–Maisumadesuaspequenasideias?–Não,monami,dessavezéumagrandeideia,gigante!!Repentinamenteeleme deu um beijo na testa e, antes que eu recobrasse os sentidos, saiuvoandodoquarto.

Maryentrounaqueleexatomomento.–OquehouvecommonsieurPoirot?Elepassoupormimgritando"A

garagem,madame,porfavormemostreonde icaagaragem!"E,antesqueeupudesseresponder,elejáhaviaalcançadoarua.

Eu corri até a janela. Lá ao longe ia ele, costurando a rua como sefossesódele.Gesticulavadeformadesordenadaeesquisita.

–Elevai serparadoporumpolicial aqualquer instante. Lávai ele,dobrandoaesquina.

Nossosolhosencontraram-se,e icamosnosobservandoporumbomtempo.

–Oqueaconteceu?Eubalanceiacabeça.–Eunãosei.Eleestavaconstruindoumcastelodecartas,quandode

repente teve uma ideia e saiu correndo como se estivesse fugindo do

Page 125: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Diabo.–Bem,–disseMary–esperoqueeleestejadevoltaparaojantar.Masanoitecaiu,ePoirotnãodeuoardasgraças.

Page 126: Agatha christie - o misterioso caso de styles

XII

OÚltimoEloA súbitapartidadePoirotdeixou-nos intrigados. Já eradomingo ao

meio dia, e nada do nosso amigo aparecer. Mas às 3 horas da tarde umruídodemotor fez-nos correr até a janela, lá estavaPoirot acompanhadode JappeSummerhaye.Opequenohomemestava transformado, sorriaedemonstrava um ótimo humor. Cumprimentou Mary com exageradorespeito.

–Madame,tenhosuapermissãoparaumapequenareuniãonasala?Issosefaznecessárioparaquefatossejamesclarecidos.

Marysorriu.–Vocêsabe,monsieurPoirot,queosenhortemcartabrancaaqui.–Vocêémuitoamável,madame.AindasorrindoPoirotpediuparaquetodossedirigissemparaasala

devisitas,distribuindocadeirasatéquetodosestivessemacomodados.–SrtaHoward,mademoiselleCynthia,monsieurLawrence,Dorcase

Annie. Bem, todos aqui! Vamos aguardar um momento até que o SrInglethorpchegue.Euenvieiumrecadoaele.

ASrtaHowardlevantou-seimediatamente.–Seessehomementrarnessacasa,euvouembora!–No,no!–Poirot

acalmou-aemumavozdoce.Finalmente a Srta Howard concordou em retornar à sua cadeira.

PoucosminutosdepoisAlfredInglethorpchegou.Uma vez que estavam todos presentes, Poirot levantou-se como se

fosseumpalestranteeiniciouareunião.–Messieurs,mesdames;comotodossabemeufuiconvocadopeloSr

JohnCavendishparainvestigarestecaso.Euexamineioquartodafalecidaque, por ordem médica, havia icado trancado; portanto eu o encontreiexatamente como estava na noite da tragédia. Eu encontrei: 1) um

Page 127: Agatha christie - o misterioso caso de styles

fragmentodeummaterialverde;2)umamechanocarpete,aindaúmida;3)umacaixavaziadecomprimidosdebrometo.

–Começandopelofragmentodematerialverde,euoencontreipresona fechadura da porta de passagem que dava para o quarto da SrtaCynthia.Eupasseio fragmentoàpolícia,quenãooconsideroudegrandevalor. Nemmesmo admitiram que aquele era um fragmento rasgado deumamanga.

Todospareciaminteressados.–Masaportaestavatrancadapordentro!–indaguei.–Bem,quandoeu examinei a sala, sim.Mas emprimeiro lugarnós

temos apenas a palavra de uma pessoa para isso, pois foi ela quem nosa irmou que a porta estava trancada e, no meio da confusão, teria tidotempo su iciente para fechá-la. Eu tive a oportunidade de veri icar que ofragmento encontrado bate exatamente com o rasgado de um dosbraceletesdaSra.Cavendish.Assimmesmonoinquérito,aSra.Cavendishdeclarouqueouviuobarulhodamesaque caiude seupróprioquarto, oque na verdade é impossível. Eu constatei isso quando pedi para meuamigoHastingspermanecernaasaesquerdada casae, acompanhadododetetiveJappedoinspetorSummerhaye,fuiatéoquartodafalecidaondederrubei a mesa aparentemente por acidente. Monsieur Hastings a irmanão terouvidonada. Isso con irmouminha ideiadequea Sra.Cavendishnão falava a verdadequandodisse que vestia a roupa em seu quarto nahorada tragédia.De fato eu acreditavaque a Sra. Cavendish estavabemlongedeseuquartonahoradatragédia,elaestavanaverdadenoquartodafalecidaquandooalarmefoidado.

TodosolhavamparaMary.Elaestavapálida,massorrindo.– Passei então para a razão deste fato. A Sra. Cavendish, podemos

dizer, estava procurando algo que não encontrava. De repente a Sra.Inglethorpacordasentindo-semal,começaasedebaterederrubaamesa;depois começa a tocar o sino. A Sra. Cavendish, assustada, toma seucandelabro rapidamente e assim derruba a cera no carpete. Ela passarapidamenteparaoquartodeCynthia, fechandoaportadecomunicação.Elasaicorrendopelocorredorantesqueosservoscheguem,poiselesnãoapodemverlá;masétardedemais...Jáouviam-sepassospróximo,acurvado corredor.Oque elapoderia fazer?Pensando rapidamente ela retornaao quarto da Srta Cynthia, e começa a chacoalhá-la para que ela acorde.Todos estavam ocupados batendo à porta da Sra. Inglethorp, assimninguémsentiusuafalta.NãoocorreuaninguémqueaSra.Cavendishnãohavia vindo de seu quarto, mas por outro lado ninguém havia visto ela

Page 128: Agatha christie - o misterioso caso de styles

vindodaoutraasa. –PoirotolhouparaMary–Estou certo,madame?Elaacenoucomacabeça.

– Totalmente certo, monsieur Poirot. Mas saibam que se de algummodoestesfatosajudassemmeumarido,eujáosteriarevelado;masnadahánissoquereforcesuainocênciaouculpa.

– Sim, isto é verdade, madame. Mas por outro lado isso teriadesembaralhado muita coisa em minha cabeça, e assim esclarecido averdade.

– O testamento! – disse Lawrence – Então foi você, Mary, quemdestruiu o testamento? TantoMary como Poirot acenaram com a cabeçaemsinaldenegação.

– Não – disse Poirot – Existe apenas uma pessoa que poderia terdestruído o testamento: a Sra. Inglethorp mesmo! – Impossível! – euexclamei – Ela o havia feito naquelamesma tarde! – De qualquermodo,monami,foiaSra.Inglethorp.Vocênuncanotounadadeestranhonofatode que, em um dos dias mais quentes do ano, a Sra. Inglethorp tenhamandado atear fogo na lareira em seu quarto? Fiquei extremamentesurpreso. Comopude eu ser tão idiota a ponto de nunca ter questionadoisso? Poirot continuou: – A temperatura naquele dia, messieurs, era deaproximadamente27°C,eassimmesmoaSra.Inglethorpmandaacendera lareira! Por quê? Porque ela desejava destruir algo importante, e nãopensouemnenhumoutromodotãoe icaz.Lembrem-seque,comaguerra,nenhum papel era destruído; tudo era reaproveitado de alguma forma.Haviaporacasoumaoutraformatãoseguraediscretadedestruiraqueletestamento?QuandoouviqueaSra. Inglethorphaviamandadoatear fogona lareira, instantaneamente cheguei à conclusão de que ela desejavadestruir algum documento importante; então não iquei surpreso aoencontrar aquele fragmento entre as grades. Eu ainda não sabia queaquele testamento havia sido feito naquela tarde e, quando descobri,pensei que havia cometido um grave erro. Pensei que a Sra. Inglethorphaviadecididodestruirotestamentoporconsequênciadiretadabrigaquehaviaocorrido,equedesta formaentão,abrigahaviaocorridodepoisdotestamentoserfeito,enãoantes.

– Mas isso, como todos sabemos, estava errado, e vi-me forçado aabandonaraideia.Euencareioproblemaporoutropontodevista.Vamoslá: às 4 horas da tarde Dorcas ouviu sua senhora dizer furiosamente:"Você não pense que qualquer tipo de publicidade ou escândalo entremaridoemulherirámedeter”.Eusupusentão–ecorretamente,queestaspalavrasnão sedirigiampara seumarido,mas simpara JohnCavendish.

Page 129: Agatha christie - o misterioso caso de styles

Às 5 horas, uma hora mais tarde, ela usa as mesmas palavras, mas demodo diferente. Ela comenta com Dorcas: "Eu não sei o que fazer,escândaloentremaridoemulheréumacoisadramática”.

Assim às 4 horas ela estava furiosa, mas completamente con ianteemsimesma;masàs5horaselaapresentava-seviolentamenteangustiadaefalavaemtertido"umgrandechoque".

–Olhandopara os fatos psicologicamente, cheguei a uma conclusãoqueacheiestarcorreta.Osegundo"escândalo"dequeelafalaranãoeraomesmo que o primeiro, e ele a deixou angustiada! – Reconstruiremos osfatos,então.Às4horasaSra. Inglethorpdiscutecomseu ilho,e tratadeentregá-loàsuaesposaquejáhaviaouvidograndepartedaconversa.Às04h30minaSra. Inglethorp,emconsequênciadaconversasobrevalidadedetestamento,fazumnovotestamentoemfavordeseumarido,noqualosdois jardineirosservemde testemunhas.Às5horas,Dorcasencontrasuasenhoraemestadodeconsiderávelagitação,abaladaemocionalmente,comumpedaçodepapel–"umacarta",pensaDorcas–namão,eéentãoqueelaordenao fogoemseuquarto.Obviamentealgoocorreuentre4:30e5horasparaqueacontecesseumacompletarevoluçãodesentimentos,vistoque agora ela estava ansiosa para destruir um testamento que tinhapraticamenteacabadodefazer.

–Comotodossabemos,elapermaneceu totalmentesozinhaduranteaquela meia hora. Então o que ocasionou aquela repentina mudança desentimentos? – Podemos apenas supor,mas acho queminha suposição écorreta:aSra.Inglethorpnãotinhaselosemsuamesa,nóssabemosdissoporquemaistardeelapediuparaDorcastrazer-lhealguns.Nooutro ladoda sala estava a mesa de seu marido; trancada. Ela estava ansiosa paraconseguir alguns selos e, de acordo com a minha teoria, tentou abrir agavetadamesade seumarido comsuaspróprias chaves.Queumadelasserve, eu sei. Ela começa então a procurar os selos, e encontra umpapelque nunca esteve em suasmãos: o papel que ela segurava quando faloucomDorcas.Marypensaqueaquelaéumaprovaescritadainfidelidadedeseumarido e pede para vê-lo. A Sra. Inglethorp a irmaque aquele papelnada tem a ver com o assunto, e nega-se a mostrá-lo. Mary está agoraobcecada e decide tomar aquele papel de qualquer forma, e pensa emcomo poderia consegui-lo. Ela encontra a chave da caixa roxa da Sra.Inglethorp que havia sido perdida naquelamanhã, e sabe que é lá ondesuasograguardaospapéisimportantes.

– Mary, então, faz os planos que apenas umamulher desesperadateriacoragemdefazer.Emalgumahoraapósocairdanoiteeladestranca

Page 130: Agatha christie - o misterioso caso de styles

a porta, onde já havia colocado anteriormente óleo nas dobradiçasconformeeuemonamiHastingsconstatamos.Eladecideexecutarentãooseuplanonashorasdamanhãemqueosempregadosestãoacostumadosa ouvir seusmovimentos, assimnão levantaria suspeitas. Ela colocou suaroupadeserviçoe,caminhandodiscretamente,passoupeloquartodaSrtaCynthiaeentrounoquartodesuasogra.

Eleparouporummomento,Cynthia interrompeu:–Maseunãoiriaacordar se alguém passasse pelo meu quarto? – Não se tivesse sidodrogada,mademoiselle.

– Drogada? – Mais oui! – Vocês lembram que mesmo com todoaqueletumultomademoiselleCynthiapermaneciadormindo?Admitientãoduaspossibilidades:ouseusonoera ingido-oqueparticularmenteeunãoacreditava–ousuainconsciênciahaviasidoinduzidapormeiosartificiais.

– Com essa ideia na mente, eu examinei cuidadosamente todas asxícaras de café, lembrando que foi a Sra. Cavendish quem serviu o caféparamademoiselle Cynthia na noite anterior. Eu recolhi uma amostra decada xícara, emandei analisá-las. Sem resultado. Contei-as novamentenaesperança de que alguma delas houvesse sido removida, mas não. Seispessoas,seisxícaras.Acheiqueestivesseenganado.

–Maistardepercebiqueeuhavia feitoolhogrossoparaumacoisa:havia7pessoas, e não6 comoeuhavia contado.ODr.Bauerstein esteveaqui naquela noite, e isso mudava tudo; havia com certeza uma xícarasupostamenteextraviada.Osempregadosnadaperceberam;Annietrouxe7xícaras,masnooutrodiaDorcasrecolheuapenas6.Annienãopercebeuque o Sr Inglethorp não tomou o seu café, e Dorcas na verdade nãopercebeuquehavia5xícarasnamanhãseguinte.Easexta,ondeestava?QuebradanoquartodaSra.Inglethorp.

–Eutinhaquasecertezaquea7ªxícara,asupostamenteextraviada,eraaquelaqueestavanoquartodemademoiselleCynthia.Eu irmeibaseno ponto de que toda a casa usava açúcar no café, menosmademoiselleCynthia. O "sal" na bandeja do coco que Annie levou à Sra. Inglethorpchamou-me a atenção, então tomei uma amostra daquele coco e envieiparaanálise.

–Mas isso já havia sido feito peloDr. Bauerstein!– disse Lawrencerapidamente.

– Não exatamente. Ao analista foi perguntado se havia ou nãoestricninanaamostra,nadasepediusobreapresençadenarcóticos.

– Narcóticos? – Sim. Aqui está o relatório do analista. A Sra.Cavendishadministrouumfraco,mase icientenarcóticotantoparaaSra.

Page 131: Agatha christie - o misterioso caso de styles

InglethorpquantoparamademoiselleCynthia. Imagineoremorsoqueelasentiu quando sua sogra de repente sente-semal emorre, e logo depoiselaouve"Veneno!".Elapensavaqueocalmanteusadoerainofensivo,masderepenteenche-sedepânicoepensaqueelapodetersidoaresponsávelpelamortedesuasogra!Oqueelafaz?Descecorrendoasescadasejogaaxícara usada por mademoiselle Cynthia dentro de um grande jarro debronze, onde mais tarde foi descoberta por monsieur Lawrence. Naamostradecocoelanãoousatocar.Finalmentesuspiradealívioquandoaestricnina é mencionada, e descobre depois de tudo que não é ela aresponsávelpelatragédia.

– Dessa forma descobrimos por que os efeitos da estricninatardaramaaparecer.Umnarcóticoconsumidocomaestricninairátardarseusefeitosporalgumashoras.

Poirot fezumapausa.Maryolhou-o,seurosto lentamente tornou-serosado.

– Tudo o que você disse é a mais pura verdade, monsieur Poirot.Aquela foi a hora mais angustiante de minha vida. Você foi sensacional,agoraeuentendo...

-...Entende por que deveria ter con iado no velho Poirot, não? Eudisseavocêqueconfiasse,masvocênãomedeuouvidos...

– Agora eu vejo tudo!– disse Lawrence – o coco com calmantetomadoantesdocafécomestricninacausouesseretardamento!–Quase.Ocafé estava envenenado ou não? Aqui encaramos outro problema, vistoqueaSra.Inglethorpjamaistomouaquelecafé.

–Oquê?–asurpresafoigeral.– Sim. Lembram-se de que eu falei sobre uma mancha fresca no

carpete? Havia alguns pontos peculiares referentes àquela mancha. Elanão havia secado e exalava um forte odor de café, e encontrei tambémpedaçosdeporcelana chinesa.Oquehavia acontecido agora estava claroparamim,poisháalgunsminutosatráseuhaviacolocadominhapequenamaleta sobre a mesa e, ao balançá-la, ela derrubou minha maletaexatamente sobre amanchade café e os fragmentos.Damesma forma aSra. Inglethorp colocou sua xícara sobre amesa ao chegar no quarto nanoiteanterior,eatraiçoeiramesapregounelaamesmapeça.

–Oqueaconteceudepoisémeracuriosidade,maseudevodizerquea Sra. Inglethorp juntou os pedaços da xícara quebrada e os colocou namesa próxima à cama. Sentindo a necessidade de algum estimulante, elatomouo seu coco. Encaramos entãooutroproblema. Sabemosqueo coconãocontinhaestricninaeocafénuncachegouaserbebido,mesmoassima

Page 132: Agatha christie - o misterioso caso de styles

estricnina foi consumida entre 7 e 9 horas da noite. Que terceirasubstância foi consumida e era capaz de esconder o forte gosto daestricnina? – Poirot olhou ao redor da sala e inalizou triunfantemente –Seuremédio!

–Vocêquerdizerqueo assassino introduziu a estricninano tônicodela?

– Bem... Não havia a necessidade de introduzi-la. A estricnina jáestava presente naturalmente namistura. A estricnina quematou a Sra.Inglethorp foi a estricnina prescrita por seu médico, o Dr. Wilkins. Paratornar tudomais claro, vou ler um trecho de um livro que encontrei nohospitaldaCruzVermelhaemTadmindster:

SulfetodeEstricninagr.IBrometodePotássio3VIAquaAd5VIIIMisturaHomogênea"Estasoluçãodepositaempoucashorasamaior

partedosaldaestricninaemformadecristaisdebrometoinsolúveis."–ASra.Inglethorpperdeusuavidaaotomarumamisturasimilar:a

estricnina nesta solução precipitou-se ao fundo, e a Sra. Inglethorp aotomaraúltimadose tragou-aquaseque totalmente!Sabemosquenãohábrometo na prescrição doDr.Wilkins,mas vocês devem lembrar que eumencioneiaexistênciadeumacaixavaziadebrometo.Umoudoisdessescomprimidos introduzidos ao vidro cheio de tônico causariam essaprecipitação,assimaestricninaseriaconsumidaquaseque totalmentenaúltimadose.Exatamentecomoolivrodescreve.Consideremosentãoqueapessoa que levava o medicamento até a Sra. Inglethorp o fazia de modocautelosoparaqueoscristaispermanecessemdepositadosaofundo.

–Pensandonocaso,percebiqueatragédiadeveriateracontecidonasegundaànoite.Naquelediao sinodaSra. InglethorpestavaquebradoeCynthiaestavaforacomunsamigos.ASra.Inglethorpestavaentãosozinhana ala direita e completamente isolada da ajuda de alguém, e morreriaantesqueoantídotopudesseseradministrado.Masnapressaemchegarno horário para os acontecimentos da vila a Sra. Inglethorp esqueceu detomar seumedicamento, e no próximo dia ela comeu fora de casa. Destaformaaúltima–efatal–dosefoitomadaapenas24horasapósoesperadopeloassassino.Agoracomunicoavocêsqueoúltimoeloda correnteestáemminhasmãos!Demonstrandopequenaansiedadeeleretiradobolso3

Page 133: Agatha christie - o misterioso caso de styles

pequenospedaçosdepapel.–Uma carta escrita pela própriamãodo assassino,mes amis!Nela

está claro que a Sra. Inglethorp, avisada a tempo, poderia ter escapado.Como aqui está, a Sra. Inglethorp sabia que corria perigo,mas não sabiacomocorriaperigo.

Frente a um silêncio mortal Poirot juntou os pedaços de papel e,limpando a garganta, leu: "Querida Evelyn: Você deve estar ansiosa pornãoterouvidonotícias.Estátudocerto,sóqueseráatrasadoemumanoite.Você sabequeébomquedeumavezpor todasamulherestejamortaeforadocaminho.Ninguémassociaráocrimeamim.Aquelaideiasuasobreobrometofoiumacartadademestre!Masdevemossermuitocuidadosos,umpassoemfalso...".

–Aqui,meusamigos,acartatermina.Semsombradedúvidaoautorfoi interrompido, mas aqui está clara a sua identidade. Nós todosconhecemosestaletrae...

Um grito de indignação cortou o silêncio dos espectadores: – Seudemônio!Comovocêconseguiuisso?!!

Uma cadeira foi derrubada. Poirot apenas virou-se para o lado edisse: – Messieurs, mesdames –, disse Poirot explodindo de orgulho –apresento-lhesoassassino:AlfredInglethorp!

Page 134: Agatha christie - o misterioso caso de styles

XIII

PoirotExplica– Poirot, seu espertalhão!– disse eu brincando – Por que você não

disse o que pensava? Nós estávamos na biblioteca, haviam se passadoalguns dias. John e Mary abraçavam-se e suspiravam aliviados pelopesadelo ter acabado. Alfred Inglethorp e EvelynHoward estavam agorasobcustódia.

Finalmente Poirot estava disponível para satisfazer minha imensacuriosidade.

Poirotmanteve-se calado por ummomento, depois disse: – Eu nãomenti para você, mon ami. Eu apenas permiti que você próprio seenganasse.

–Sim,masporquê?–Bem,édi ícilexplicar.Vocêtemumanaturezamuito honesta, e se deixa guiar muito por sentimentos compulsivos; sevocê soubesse de tudo você iria possivelmente jogar tudo na cara deAlfred...Poderíamosdartchauzinhoàschancesdeagarrá-lo!

–Maseuachoquepoderiatersidomaisútildoquefui.– Não, meu amigo, não poderia. Você foi de extrema importância

nessecaso;tevetantaserventiaquantohonestidade,enissoeuoadmiro.–Bem,Poirot,vocêpoderiapelomenosterdadoumapista.–Mas eu iz issomuitas vezes,meu amigo! Você que nunca notou.

Pense bem: alguma vez eu disse que John deveria ser preso? Pelocontrário,eudissequeelemaiscertamenteseriaabsolvido.

–Sim,mas...– E eumais tarde não falei da di iculdade de trazer o criminoso à

justiça? Você não percebeu que eu falava de duas pessoas diferentes? –Não,–eudisse–eununcahaviapercebidoisso.

–Eemoutraoportunidade,noiníciodetudo,eunãodisseavocêquenão queria o Sr Inglethorp preso no momento? Isso não sugeriu nada a

Page 135: Agatha christie - o misterioso caso de styles

você? – Você quer dizer que suspeitava dele desde aquela época? – Sim.Começando por quem seria o maior bene iciado pela morte da Sra.Inglethorp.Nãohaviacomofugirdisso!Desdeaprimeiravezqueestivenosítio com você não tive dúvidas de como o crime havia sido cometido; odi ícileraacharalgoqueconectasseAlfredaele.Desdequeeuchegueiàmansão, eu não tinha dúvidas de que o testamento havia sido queimadopelaprópriafalecida;porissoeufaziaopossívelparaquevocêpercebesseporsimesmoaimportânciadaquelefogoemplenoverão.

–Sim,sim,–eudisseimpacientemente–prossiga.–Bemmeuamigo,comoeudisse,minhasvisõessobrecomoprender

o Sr Inglethorp erammuito confusas. Havia tantas evidências contra elequeeuchegueiabalançaremfavordesuainocência.

– E quando você teve certeza de que havia sido ele? – Quandopercebi que quantomais eume esforçava para livrá-lo, mais esforço elefaziaparaserpreso.

Depois, quando descobri que era John e não Alfred quem estavainteressadonaSra.Raikes,eutivetotalcerteza.

–Masporquê?–PorquesefosseAlfredquemestivesseinteressadonalindaesposa

dofazendeiro,seusilêncioestariaexplicado.MasquandodescobriqueeraJohnquemestava atraídopor ela, seu silêncio ganhouuma interpretaçãototalmentediferente.Seriaignorância ingirqueeleestivessecommedodeumescândalo,pois esseescândalonada tinhaa ver comele!Esta atitudedapartedelemefezpensar furiosamentequeeledesejavaserpreso.Eh,bien!Daquelemomentoemdiantedecidiqueelenãodeveriaserpresodemaneiraalguma.

– Espere ummomento. Eu ainda não entendi por que ele desejavaserpreso!

–Porque,monami,pelaleideseupaísumhomemumavezacusadoe absolvido nuncamais poderá ser acusado domesmo fato. Com certezaeleéumhomemmuitoesperto!Elesabiaqueerasuspeito,entãoeleteveabrilhanteideiadeforjarummontedeprovascontraelemesmo.Depoiseleiria revelar seu inquestionável álibi e, comonumpassedemágica, iria sesafarpelavidatoda!

– Mas eu ainda não entendi como ele conseguiu um álibiinquestionável, e foi até a farmácia ao mesmo tempo. – Poirot olhou-mesurpreso.

–Oquê?Meupobreamigo!VocêaindanãopercebeuquefoiaSrtaHowardquemfoiatéafarmácia?

Page 136: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–EvelynHoward?– Claro. Quemmais? Isso era extremamente fácil para ela. Ela era

bemencorpada,suavozeraprofundae tinhaumtommasculino; lembre-se tambémqueelaeAlfrederamprimos,então tinhamcertasemelhançafacial.

–Euestouumpoucoemdúvidasobrecomoonegóciodobrometofoifeito.

– Bem, então reconstruirei os fatos à medida do possível. Eu fuilevado a pensar que a Srta Howard era o cérebro chefe nesse caso.Lembra-se uma vez em que ela mencionou que seu pai era médico?Possivelmenteelasoubedareceitaatravésdele,outalvezatiroudealgumdoslivrosqueCynthiautilizavaparaestudar.Dequalquerforma,elatinhaconhecimentodequeobrometoadicionadoàmisturacontendoestricninairiacausarsuaprecipitação.Provavelmenteaideiaocorreu-lhederepente.A Sra. Inglethorp possuía uma caixa de comprimidos de brometo, quetomava ocasionalmente. Seria muito fácil dissolver um ou dois dessescomprimidosnogrande frascode tônicodaSra. Inglethorpassimqueelechegasse da farmácia; se alguém os visse mexendo no remédio,possivelmente esqueceria isso nos 40 dias a seguir; já que o frascoapresentava 40 doses. Evelyn Howard iria forçar a briga e abandonar acasa.Oefeitodo tempoeo fatodequeela estivesse longe iria livrá-ladequalquersuspeita.Sim, foiumaideiamuito inteligente.Seeleshouvessemdeixado tudo como estava possivelmente não seriam de modo algumligados ao caso, mas eles tentaram parecer inteligentíssimos. Entãoaconteceuoerro.

Poirotfumava,seusolhosestavampresosnoteto.– Eles planejavam jogar a suspeita sobre John ao comprar a

estricninaeassinarolivroderegistrosimitandosuacaligrafia.– Na segunda a Sra. Inglethorp iria tomar a última dose de seu

tônico.Nessedia, às seishorasda tarde,Alfred tratade servistoporumgrande número de pessoas em um lugar retirado da vila. Evelyn haviapreviamenteinventadoumahistóriasobreeleaSra.Raikes.Às6horaselaentranafarmáciavestidadeAlfredInglethorp,compraaestricninacomadesculpadeenvenenarumcachorro,eassina"AlfredInglethorp"no livroderegistroscomacaligrafiadeJohn.

– Também poderia ter sido ela quem escreveu aquele bilheteintimando John até um lugar distante. Ela pretendia com isso evitar queJohn conseguisseumálibi, e também tentar incriminá-lo, pois todos iriampensarquefoielemesmoquemescreveuobilhete.

Page 137: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– Tudo acabaria bem. A Srta Howard retornaria paraMiddlinghan,Alfred Inglethorp retornaria para Styles. Nada havia que comprovasse aligação de um com o outro e nada os ligava ao caso, pois a estricninacomprada apenas para acusar John estava com a Srta Howard. Estaestricninanadateveavercomatragédia.

–Entãotudoencaixa.ASra.Inglethorpnãotomaoremédionanoitedesegunda.Osinoquebrado,aausênciadeCynthia–arranjadaporAlfredatravés de sua esposa. Todos estes fatos são perdidos. Então ele cometeessedeslize.

– A Sra. Inglethorp não está em casa, então ele se senta paraescrever para sua cúmplice que, pensa ele, está apavorada pelo nãosucessodeseusplanos.ProvavelmenteaSra. Inglethorpretornaantesdoesperado,eeleépegodesurpresa;escondeopedaçodacartanagavetade suamesa e a tranca. Ele teme que se permanecesse na sala teria deabri-ladenovo,eassimaSra. Inglethorpdescobririatudo.Entãoelesaievai caminhar pelo campo, nem sonha que a Sra. Inglethorp abrirá suagavetaeassimdescobriráacarta.

–Masisso,peloquenóssabemos,foijustamenteoqueaconteceu.ASra. Inglethorp lê a carta e ica horrorizada ao saber que seu marido eEvelynHowardplanejavamsuamorte.Afrasedobrometonadasigni icoupara ela. Ela sabia que corria perigo, mas nem fazia ideia de onde eleestava. Ela decide não dizer nada a seu marido, senta e escreve ao seuadvogado para que venha vê-la na manhã seguinte; decide destruir otestamento,masmantémacartafatal.

–Então foiparadescobrirestacartaqueAlfred forçoua fechaduradoestojoroxo?

–Sim,mesmosoboenormeriscodeserdescoberto;assimpercebe-se a importância que este documento tinha. Fora essa carta, nada haviaqueoligasseaocaso.

– Tem uma coisa que eu não entendo: por que ele não destruiu acartaquandoapegou?

–Porváriascircunstâncias.Faltadetempo,faltadecoragemetc.–Nãoentendi.–Entãoolheparaocasopelopontodevistadele.Eudescobriqueele

teve apenas 5 curtos minutos de tempo para pegá-la, os cinco minutosanteriores a nossa chegada à cena. Antes desse tempo Annie estavavarrendoasescadas,ecomcertezaveriatodasaspessoasquepassassemparaaaladireitadacasa.

Imagine você mesmo nessa encruzilhada! Ele entra no quarto

Page 138: Agatha christie - o misterioso caso de styles

destrancandoaportacomalgumaoutrachave–todaselassãoparecidas.Correparapegara caixa roxa,masaencontra trancadaenãosabeondeestãoaschaves.Umterrívelchoqueparaele,poiselesabequeagorasuapresençanoquarto jánãoserá tãodiscretacomoesperava.Masele sabemuitobemquedevefazerqualquercoisaparadestruiraquelacarta,entãoforçaa fechaduracomumacanetaecomeçaaremoverospapéisatéqueencontraoquequer.

–Entãosurgeumpequenodilema:elenãotemcoragemparamanteressa carta com ele para que pudesse destruí-la mais tarde. Se ele fossevisto deixando o quarto, com certeza seria revistado. Se o papel fosseencontradocomelecomcertezaeleestariacomproblemas.Provavelmentenesse momento ele ouve John e o Sr Wells deixando o escritório. Eleprecisa agir rápido. Onde ele pode esconder aquele terrível pedaço depapel?Oconteúdodalixeiraseriainvestigado.Nãohaviameiodedestruí-la, e ele não queria permanecer com ela. Ele olha ao redor, e vê... o quevocêachaqueelevê,monami?

–Nãofaçoideia.– Bem, ele temquemanter essa carta longe das pistas, então ele a

enrola e coloca dentro do vaso sobre o aparador da lareira. Ninguémpensaria em olhar lá, e assim ele poderia retornar em outra ocasião,quandotudoesfriasse,eentãodestruí-la.

– Então a carta esteve o tempo todo no vaso sobre o aparador delareira,bemsobnossosolhos?

–Exatamente!Foiláqueeudescobrimeuúltimoelo,eeudevoissoavocê.

–Amim?– Sim. Lembra que você disse queminhasmãos tremiamenquanto

euarrumavaosornamentosnoaparadordalareira?–Sim,maseunãovejo...– Bem... Se eu estava arrumando os ornamentos, era porque eles

estavam desarrumados! E se eles estavam desarrumados, com certezaalguémhaviamexidoneles.Nãofariasentidoeuorganizaralgumacoisajáorganizada. Através disso pensei que nesse meio tempo alguém haviamexidoneles.

– Nossa! Então foi por isso que você saiu correndo feito um loucoaqueledia?

–Sim.Eraumacorridacontraotempo.–Mas eu continuo sem saber por queAlfred Inglethorp foi louco o

su iciente para deixar a carta lá por tanto tempo se teve tantas

Page 139: Agatha christie - o misterioso caso de styles

oportunidadesdedestruí-la.–Ah,monami,elenãoteveoportunidade!–Não?– Não. Você lembra que brigou comigo porque eu não dizia o que

pensavasobrecadaumdacasa?–Sim.–Bem,monami,admitoqueeleteveumaúnicachance.Eunãotinha

certezaseAlfrederaocriminosoounão,massefosseeusabiaqueelenãotinhaopapel comele,masohaviadeixadoemalgum lugar.Epelos fatosqueobservavapudeprevenirsuadestruição.Aonãotornarpúblicoofatode que Alfred Inglethorp era suspeito eu economizei o trabalho de 10jovens detetives que teriam que vigiá-lo durante 24 horas. Ele sabia queeraobservado,então foiobrigadoadeixaramansãoeabandonaracartanovaso.

– Mas com certeza a Srta Howard teve plena oportunidade dedestruí-la.

– Sim,mas a Srta Howard não sabia da existência desse papel. Deacordo com seus planos eles nunca conversariam, tanto que eramsupostamenteinimigosmortais.AtéqueJohnfossepresoelesnãoiriamseencontrar. Claro que eu sempremantinha um olho emAlfred esperandoquemaiscedooumaistardeelemelevasseatéoesconderijo,maseleeramuito esperto para isso. O papel estava seguro onde estava, se ninguémolhou lá na primeira semana não iriam olhar depois. Por sorte nuncahouveprovaalgumaparalevá-loàjustiça.

–Tudobem,masquandovocêcomeçouasuspeitardaSrtaHoward?–QuandodescobriqueelamentiusobreacartaquerecebeudaSra.

Inglethorp.–Sobreoqueelamentiu?–Vocêviuacarta?Notousuaaparência?–Maisoumenos.–VocêdeveternotadoqueaSra.Inglethorpescreveudeformabem

distinta, deixando grandes espaços entre as palavras. E se você notar adata no topo verá que a data "17 de julho" está escrita de forma bemparticular.Entendeoqueeuquerodizer?

–Não.–confessei–eunão.–Vocênãopercebeuquea cartanão foiescritanodia17,massim

no dia 7? Umdia depois da partida da SrtaHoward! O 1 foi colocado nafrentedo7paratransformá-loem17.

–Masporquê?

Page 140: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Issofoiexatamenteoqueeumeperguntei.PorqueaSrtaHowardescondeua carta escritanodia17?Porque elanãopoderiamostrar estacarta!Você lembraque eudisse a vocêpara ter cuidado comaspessoasquenãodiziamaverdade?

– Assimmesmo – eu estava indignado – vocême deu duas razõesqueprovavamainocênciadaSrtaHoward!

–Eeramboas razões.Porum longo tempoeram foramumestorvoparamim,atéquelembreideumacoisa:eleseramprimos.Elanãopoderiatercometidoocrimediretamente,masnadaa impediadesercúmplice.Ealémdissohouveaquelarepentinabrigaentreeles!Havia,semdúvida,umvelhoenvolvimentoentreosdoisantesdeelesviremaStyles.Eleshaviamdiscutidosobreoassunto:eleviriaaStyles,secasariacomavelhasenhoraeainduziriaafazerumtestamentoemseufavor;depoistudochegariaaoimcomumcrimeminuciosamenteplanejado.Setudotivessecorridocomooesperado, eles teriamdeixadoa Inglaterraevividogastandoodinheirodapobrevítima.

–Elesformavamumparmuitoespertoeinescrupuloso.Enquantoassuspeitas estavam contra ele, ela tratou de fabricar todas as provas. Elachega de Middlinghan com tudo arrumado. Não há suspeitas contra ela,ninguém nota por onde ela anda na casa. Ela esconde a estricnina e ofrasconoquartodeJohn,ecolocaabarbanosótão.Elasabequemaiscedooumaistardealguémaencontraria.

– Eunão consigo entenderpor que eles tentaram jogar a culpa emcimadeJohn.SeriamuitomaisfáciljogaraculpasobreLawrence!

–Sim,masmuitas coisas foramcoincidências.Todosos fatos contraLawrenceerammeroacidente.Comcertezaoscriminososseaborreceramcomisso.

–Seucomportamentofoiestranho.–Sim,ecomcertezavocêsabeoqueestáportrásdisso.–Não.–ElepensavaqueCynthiaseriapresapelocrime.–Impossível!–Nemtanto.Euinicialmentepensavaassim,porissopergunteiaoSr

Wellssobreotestamento.Haviaaquelacaixadecomprimidosdebrometoqueforamfeitosporela,tambémsuarepresentaçãonospequenosteatros,comoDorcasnos contou.Naverdadehaviamaisevidências contraeladoquecontraqualqueroutro.

–Vocêestábrincando,Poirot!–Não.DevodizeravocêoquedeixouLawrence tão impressionado

Page 141: Agatha christie - o misterioso caso de styles

aoentrarnoquartodesuamadrastanamadrugadamortal?Elesabiaqueelahaviamorridoporenvenenamentoeviu,sobresuacabeça,queaportadeligaçãoparaoquartodeCynthiaestavaentreaberta.

–Maseledissequeviuaportafechada!–Exatamente. Issoapenascon irmouminhassuspeitas:eleaestava

protegendo.–Masporquê?–Porqueeleestáinteressadonela.Eugracejei.–Nisso,Poirot,vocêestáenganado.Eua irmoque, longedeamá-la,

elenãoasuporta.–Quemdisseissoavocê,monami?–Cynthia.–Lapauvrepetite!Eelaestavacertadisso?–Eladissequenãotinhadúvida.–Entãocomcertezaelanãopensoumuito.– O que você disse sobre Lawrence é uma grande surpresa para

mim.–Mas por quê? Isso era totalmente óbvio.Monsieur Lawrence não

icou de cara trancada o tempo todo enquanto Cynthia conversava e riacom seu irmão? Ele havia colocado na cabeça que Cynthia estavainteressada em John. Quando ele entrou no quarto da mãe e a viuobviamenteenvenenada,chegouàconclusãodequemademoiselleCynthiasabiaalgosobreo fato.Eleestavaquase icando louco.Primeiramenteeleesmigalhouaxícaradecafécomospés,poisseCynthiahaviasubidocomaSra. Inglethorp para o quarto, o conteúdo dessa xícara não poderia sertestado. E ainda após isso ele levantou a teoria de "morte por causasnaturais".

–Esobreaxícaradecaféextra?– Eu tinha certeza de que tinha sido a Sra. Inglethorp quem a

escondeu, mas eu precisava ter certeza disso. Monsieur Lawrence deimediato não sabia do que eu falava,mas ele pensou que se encontrasseessatalxícaraextra,livrariaCynthia.Eleestavacerto.

–Umacoisamais:oqueaSra.Inglethorpquisdizercomsuasúltimaspalavras?

–Elasforam,semdúvida,umaacusaçãocontraseumarido.– Bem, Poirot acho que você já explicou tudo. Estou contente que

tudoissotenhachegadoaofim.AtéJohneMaryestãoreconciliados.–Graçasamim.

Page 142: Agatha christie - o misterioso caso de styles

–Comoassim?– Meu velho amigo, você não notou que foi o julgamento o único

responsávelpelasuareconciliação?QueJohnesuaesposaseamavamissoeu sabia, mas eles estavam afastados. Isso foi causado por umdesentendimento.Elacasoucomelesemamor,elesabiadisso;porissoelenão a forçava a amá-lo sem que ela quisesse. Mas enquanto ele esteveafastado,oamordeladespertou.Agente só sente faltadoque realmentefalta, mon ami. Eles estavam aborrecidos. John interessou-se pela Sra.Raikes,enquantoMarycultivouaamizadedoDr.Bauerstein.Vocêlembrado dia da prisão de John, quando eu estava por tomar uma grandedecisão?

–Sim,euentendooporquê.– Pardon, mon ami, mas você não entende. Eu tentava decidir se

livrava Johndeumavezpor todasounão.Eupoderia tê-lo livrado– issopoderiaserumafalhaparaprenderosverdadeiroscriminosos.Euarrasteiacoisaatéoúltimomomento,eessefoiosegredodomeusucesso.

– Você quer dizer que poderia ter evitado que John fosse ajulgamento?

– Sim, mon ami. Mas eu decidi em favor da "felicidade de umamulher". Nada a não ser o grande perigo pelos quais eles passarampoderiaunirnovamenteaquelasduasalmasdescontentes.

EuolheiparaPoirotemsilêncio.ComoelepoderiaterimaginadoqueumjulgamentoviriaaunirJohneMarynovamente?

–Euperceboseuspensamentos,monami.SeuamigoPoirotdecidiuporumacoisa,evocêestáerradoemcondená-lo.Acoisamaisimportantenessemundoéafelicidadedeumhomemeumamulher.

Suas palavras levaram-me de volta aos eventos anteriores. Eulembrei que Mary permanecia o tempo todo jogada no sofá, totalmentedesligada.Acampainhatocou,elaatendeu.Poirotdisse:"Simmadame,euotrouxedevoltaparavocê!"Johnlogochegoueatomounosbraços.

– Acho que você está certo, Poirot. É a coisa mais importante domundo.

Cynthiaentrounasala.–Eu...Eu...Apenas...–Entre!–disseeu.Elaentrou,masnãosentou.–Eu...Apenasqueriadizerumacoisaavocê...– Sim? Cynthia observou-nos por alguns instantes, depois disse: –

Vocêssãounsanjos!DeixouasalaapósmebeijareaPoirot.

Page 143: Agatha christie - o misterioso caso de styles

– O que isso signi ica?– perguntei surpreso. Foi muito bom serbeijado por Cynthia, mas a publicidade que isso causou quase tirou oprazer.

– Signi ica que ela descobriu que monsieur Lawrence não a odeiatantoassim.

–Mas...–Aquiestáele.Lawrencepassoupelaportanaquelemomento.–Eh,monsieurLawrence,nósdevemosparabenizá-lo.Lawrencesorriu.Umhomemapaixonadoé tristede sever.Cynthia

estavamuitoatraente.Euaobservei.–Oquefoi,monami?–Nada.–eudisseaborrecido–sãoduasbelasmulheres...–...Enenhumacomvocê– inalizouPoirot.–Não importa,monami.

Nósaindacaçaremosjuntos,eentãoquemsabe...FIM

Page 144: Agatha christie - o misterioso caso de styles

AAUTORAESUAOBRA

Excelente cozinheira, amante da vida doméstica, Agatha Christiedetestavapublicidadeeasocasiõesemquetinhaqueaparecerempúblico.Construía seusmistérios caminhandopelosparquesoudevorandomaçãsduranteseusbanhosdeimersão.Liamuitapoesiamoderna,tendoaversãopelo punhal e pelo revólver: "Pre iro as mortes por envenenamento",costumavadizer.

NaturaldeTorquay, Inglaterra,ondenasceuemsetembrode1891,AgathaMaryClarissaMillerera ilhademãeinglesaepaiamericano,quemorreu quando ela era ainda bem criança. Passou a infância e aadolescêncianumambientequaserecluso,poissuamãeseencarregoudelhedarformaçãocultural,proibindo-adefrequentarescolas.Seusautoresprediletos eram Charles Dickens e Conan Doyle, o autor de SherlockHolmes.Tinhatrintaanosquandoconseguiupublicarseu livrodeestreia,"OMisteriosoCasodeStyles"(1920).

"Aparticipaçãodo leitor é essencial. Ele deve desvendar omistériolentamente, como se estivesse sendo envenenado." Tão traduzida quantoShakespeare,com400.000.000deexemplaresvendidos,aDamadoCrimeé a responsável pela quarta tiragemmundial de todos os tempos: à suafrenteestãoapenasJúlioVerne,Lênin,eLievTolstói.

Agatha Christie criou 2 tipos inesquecíveis: o detetive Poirot, comsuas "celulazinhas cinzentas do cérebro", e Miss Marple, uma solteironasimpáticaeobservadoratãosagazquantooilustredetetiveBelga.

Antes de morrer, em 12 de janeiro de 1976, cuidou também deprepararamortedeMissMarple;evoltouparaamansãoStyles,cenadeseuprimeirolivro,paraencerraracarreiradePoirotem"CaioPano".

Mas,paraimensasurpresadeseusfãs,apóssuamortepublicaram-semaisdoislivrosinéditos,queforamoutroestourodevendas.