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ODILON CHAVES AEVANGELIZAÇ ÃO LIBERTADORA DEJESUS IMPRENSA METODISTA 1985

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ODILON CHAVES

AEVANGELIZAÇ ÃO

LIBERTADORA

DEJESUS

IMPRENSA METODISTA

1985

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DEDICATÓRIADedico este livro

A todos os cristãos, na América Latina,que lutam contra as forças da morte;

Aos meus colegas, que proclamam e vivemo Evangelho Libertador;

Aos meus pais, Aderico e Rosa,pela dedicação e fidelidade ao Evangelho;

À minha família, Yêda, Liliana e Luciana,pela inspiração e motivação.

ÍNDICEo Dedicatóriao Introduçãoo Profecias e Esperanças sobre o Messias e a Boa Novao Jesus e a Boa Nova do Reinoo A comunicação da Boa Nova Libertadorao A Concretização da Boa Nova Libertadorao A Conversão e a Boa Nova Libertadorao A Evangelização nos demais Livros do Novo Testamentoo A Evangelização no Contexto de Sofrimento e Opressãoo A Evangelização que devemos praticar à luz do Ensinamento de Jesus

e no contexto da América Latinao Bibliografia

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INTRODUÇÃO

O tema "evangelização" tem sido um dos mais discutidos pela Igreja, naatualidade. Ultimamente tem havido vários Institutos Ministeriais, Congressos eSeminários de Evangelização, organizados pelos Órgãos gerais, regionais, igrejaslocais e Igrejas Evangélicas em conjunto.

A evangelização, ao longo dos séculos, tem sido entendida de diferentesmaneiras. Os missionários portugueses, quando chegaram ao Brasil, identificaramevangelização com colonização e, conseqüentemente, com dominação. Os índios,e depois os escravos foram "cristianizados" desta maneira. Por outro lado, osmissionários protestantes, quando chegaram ao Brasil, entenderam que aevangelização implicava também em transportar toda a sua cultura para oconvertido, ou seja, seu modo de pensar, modo de vestir, modo de proceder.Evangelizar era fazer a pessoa mudar da cultura brasileira para a norte-americana.

Evidentemente, com o passar dos anos, tanto norte-americanos comobrasileiros, questionaram este tipo de evangelização. Contudo, esta mentalidadeficou entre muitos evangélicos brasileiros. Ainda hoje, a preocupação máxima temsido com os diferentes métodos de evangelização.

Este livro não pretende abordar os métodos mais modernos deevangelização. Pretende, ao contrário, se aprofundar no conteúdo, pretende voltaràs raízes, procurando "retirar o mato e a terra que encobrem a raiz".

Este livro abordará a evangelização em Jesus a partir da orientação dosEvangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), pois é ali que está registrada aproposta de evangelização de Jesus. O Evangelho de Marcos, inclusive, começaassim: "Princípio do Evangelho de Jesus Cristo..." (Mc 1.1).

É preciso entender que Paulo deu um outro enfoque na evangelização. Eleenfatizou mais o "Cristo crucificado" como sendo o conteúdo da evangelização.Como somos muito "paulinos", geralmente, só seguimos a proposta feita por ele.

Jesus enfatizou mais a evangelização como sendo anunciar e tornarrealidade o Reino de Deus na vida das pessoas e no mundo. Uma Evangelizaçãoque salva e liberta o ser humano das forças da morte. Evangelização encarnadana realidade do povo.

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De um modo geral, a salvação hoje não é entendida desse modo e sim comoaceitação de Cristo, e a vida eterna no porvir. Por esta razão, a evangelização temsido entendida como tendo somente esta função. Quando há uma preocupaçãocom a evangelização, é somente em relação aos seus métodos para melhoratingir este objetivo.

Por este motivo, há necessidade de mostrar o outro lado da moeda: aevangelização entendida e ensinada por Jesus.

Para entendermos em profundidade o porque e qual a Boa Nova que Jesustrouxe ao mundo, é necessário voltar ao Antigo Testamento e ao nascimento deJesus, onde a história e as profecias expressam as angústias e esperanças dopovo que vivia oprimido.

Há um véu que cobre os nossos olhos, impedindo-nos de conhecerrealmente a Boa Nova de Jesus. Este livro tem o objetivo de ajudar a retirar ovéu...

HOJE: A ÊNFASE NA PROCLAMACÃOE NA SALVAÇÃO DA "ALMA"

Os missionários protestantes norte-americanos, quando chegaram ao Brasil,vieram com toda uma influência:

- Pietismo (que enfatiza o momento devocional, a leitura solitária da Bíblia,etc.);

- Puritanismo (que enfatiza a conversão, o emocionalismo, a certeza dasalvação, a perfeição, etc.);

- Evangelho Social (que enfatiza a transformação da sociedade, a justiça, aliberdade, instalação do Reino na Terra, etc.);

- Liberalismo (que enfatiza a democracia, progresso, liberdade, etc.), etc.

A tendência maior, porém, era para um cristianismo voltado mais para ointerior do indivíduo e para a vida eterna. Com o surgimento do Fundamentalismo,por volta de 1915, e com o surgimento da 1ª Guerra Mundial, o projeto Liberal e doEvangelho Social de instalar um Reino sobre a Terra vai por água abaixo. Comisto, é reforçado e enfatizado um Evangelho e uma evangelização voltada para atransformação do interior do indivíduo e para o Céu. É verdade que alguns líderesevangélicos enfatizavam a salvação do individual e a salvação social, mas agrande tendência do meio protestante foi sempre para a salvação individual.

Falar hoje em Liberalismo e Evangelho Social é falar em coisas mundanas,pecaminosas.

Hoje, a preocupação da maioria das Igrejas Evangélicas é somente com a"espiritualidade", com a "alma" do ser humano. A Igreja não se preocupa tanto emagir, transformar a sociedade. Sua missão é mais de proclamar. Por isso, os

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métodos que a Igreja tem usado são: série de conferências, visitação e culto emcasas, culto ao ar-livre, evangelização pessoal, distribuição de folhetos,discipulado, etc. É uma preocupação mais com o indivíduo e com a sua "alma".

As Igrejas pentecostais têm enfatizado mais a ação do Espírito Santo no atode evangelizar. O Espírito capacita para esta tarefa, distribuindo os dons. Esta é a"novidade" que os pentecostais trouxeram ao evangelismo. Não há umapreocupação social com o ser humano no ato de evangelizar. Na verdade, apreocupação social que existe, principalmente, em relação ao necessitado, é dedar uma roupa, um prato de comida, arranjar-lhe um emprego, etc. Não se colocaa evangelização como função também de transformar a sociedade, eliminandoaquilo que tem trazido sofrimento ao ser humano, ao povo, ao pobre.

Será esta a evangelização que Jesus trouxe e propôs aos seus discípulos?Veremos a seguir a Evangelização que o Bíblia nos apresenta, a partir da prática edos ensinamentos de Jesus, nos Evangelhos sinóticos.

ONTEM: A ÊNFASE NA BOA NOVA DOREINO DE DEUS

Para falar de sua Missão, a Igreja usa as expressões "evangelizar","evangelismo" e "evangelização".

O que vem a significar a palavra "Evangelho", da qual origina a expressão"evangelizar"?

A palavra "Evangelho" vem do termo grego “evangelion”. O seu significado nopassado era recompensa dada ao mensageiro ou ações de graças aos deuses poruma Boa Nova dada por eles. "Por extensão, veio a designar, em Aristófono, porexemplo, a mensagem propriamente dita, e depois o conteúdo da mensagem, aBoa Nova anunciada. Assim, o aniversário do imperador Augusto, chamado deuse salvador, foi festejado come o começo, para o mundo, das Boas Novas, que eletrazia." (1)

A palavra "Evangelho" veio assim, de "fora da Igreja". Ela veio, por fim, apósuma evolução, a significar o começo das Boas Novas para o mundo.

Se a palavra "Evangelho" significa Boa Nova, qual foi a Boa Nova que Jesustrouxe ao mundo? A Boa Nova foi o Reino de Deus! Jesus deixa claro que a suaBoa Nova era o Reino de Deus:

"O tempo esta realizado e o Reino de Deus está próximo.Convertei-vos e crede no Evangelho."

(Mc 1.15)

A Boa Nova, portanto, é anunciar e concretizar o Reino de Deus na vida das

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pessoas e no mundo. Jesus trouxe, com o Reino de Deus, o começo de uma novaEra. "O significado de Evangelho no Novo Testamento pode ser explicado doseguinte modo: é a Boa Nova de salvação divina que apareceu em Jesus Cristo; aBoa Nova que inaugurou a Era Nova, definitiva." (2)

É preciso perceber que o reino da morte imperava na Palestina. Ele semanifestava através das possessões demoníacas, através das opressões dosreligiosos, através das diferenças sociais, através do império romano. Suasconseqüências eram: fome, doenças, marginalização, pobreza, morte, etc. OReino de Deus veio se opor a tudo isto.

Bem mais claro fica que o Evangelho, a Boa Nova, é o Reino de Deus,quando a Bíblia diz:

"Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suassinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando toda equalquer doença ou enfermidade."

(Mt 4.23)

Percebe-se aqui a oposição do Reino de Deus ao reino da morte.

Assim, onde aparece no Novo Testamento, especialmente, nos evangelhossinóticos, significa que a Boa Nova do Reino de justiça, fraternidade e paz, éanunciada e tornada realidade na vida daqueles que precisavam mais: Osnecessitados, os marginalizados, os pobres.

Quando se falar em Evangelização, portanto, o Reino de Deus tem que serlevado em conta!

Para que entendamos adequadamente o motivo do povo esperar o Reino deDeus e o motivo da Boa Nova ser o Reino de Deus, é necessário voltarmos aoAntigo Testamento, às origens do surgimento dos fatos históricos e dasexpressões "Messias" e "Reino".

O AUTOR

Citações:(1) CULLMANN, O., A Formação do Novo Testamento, RS, Editora Sinodal, 1970, p. 19.(2) BORN, A. Van Den e outros, "Evangelhos" em Dicionário Enciclopédico da Bíblia, RJ,

Editora Vozes, 1977, p. 514.

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PROFECIAS E ESPERANÇAS SOBREO MESSIAS E A BOA NOVA

ANO SABÁTICO E ANO JUBILEU: TEMPO DELIBERTAÇÃO PARA O OPRIMIDO

Todos nós sabemos da escravidão que houve no Egito. Sabemos que Deusviu a aflição do Seu povo e desceu para livrá-lo das mãos dos seus opressores,através de Moisés, para levá-lo para a terra prometida (Ex 3.7-8). Contudo, com opassar dos tempos, os próprios componentes do povo de Deus passaram aescravizar aos seus irmãos.

Para resolver este grave ato contra o próximo, foi instituído o "ano sabático"(Ex 23.10-12; Ex 21:2-6). Era o ano do perdão, da restituição. Ao fim de cada seteanos, o credor restituiria o que havia emprestado ao próximo (Dt 15.1-2), para quenão houvesse pobres (Dt 15.4). Ainda por cima, emprestaria a seu irmão hebreu oquanto bastasse para a sua necessidade (Dt 15.7-8).

O "ano sabático" instituía ainda que no sétimo ano fosse libertado o hebreuou hebréia que havia sido comprado (Dt 15.12), fornecendo-lhe do rebanho, eira elagar (Dt 15.14).

Ninguém deveria oprimir ao jornaleiro pobre e necessitado (Dt 24.14). Osdireitos do estrangeiro, do órfão e da viúva deveriam ser respeitados (Dt 24.17).

Todas estas leis deveriam ser ouvidas pelo povo de sete em sete anos, noano da restituição, na Festa dos Tabernáculos, para que todos aprendessem etemessem a Deus (Dt 31.10-13). O "ano sabático" tinha como princípio que, assimcomo Deus havia libertado o povo no Egito, o povo de Deus também deverialibertar os escravos (Dt 15.15; Dt 24.18). Era uma forma de eliminar a opressão eescravidão que os senhores faziam com aqueles que haviam se tornado escravos,devido a alguma dívida (cf. II Rs 4.1). Era uma forma de eliminar a pobreza emIsrael (Lv 23.22; Dt 14.28-29; Ex 22.24).

O livro de Levítico amplia esta idéia social, com a finalidade de restituir osdireitos e fazer justiça aos oprimidos. É instituído que de cinqüenta em cinqüentaanos se celebre o "ano jubilar", ou seja, no 50° ano seria proclamada liberdade naterra a todos os seus moradores. Cada um voltaria a ter a sua casa e terra devolta (Lv 25.10).

O "ano do jubileu" determinava ainda que não se vendesse a terra

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eternamente, pois a terra é de Deus (Lv 25.23). Se alguém ficasse pobre, este nãose tornaria escravo e sim seria tratado como um jornaleiro e peregrino até o jubileu(Lv 25.39-40).

Este ideal, porém, jamais foi cumprido plenamente. O povo, então, lançou asua esperança para um enviado de Deus, a fim de que ele trouxesse um Reinoonde todos tivessem liberdade e terra para morar e cultivar. Um Reino ondevivessem em dignidade, justiça, paz.

Como surgiu a ênfase no Reino de Deus e no Messias? Foi a partir dainstituição do rei em Israel que veio todo o conceito e ênfase no Messias e noReino de Deus.

O que significa "Messias"?

A palavra Messias "corresponde ao vocábulo hebreu “mesiah”, que significa"ungido", traduzido pelos gregos por Cristo (Christus, em latim). Etimologicamenteas palavras "Messias", "Cristo" e "ungido" têm exatamente o mesmo sentido: elasse aplicam a um ser marcado por uma unção." (1)

AS TRÊS CRENÇAS SOBRE A VINDA DO MESSIASA realeza messiânica teve origem três séculos após o êxodo. O povo estava

insatisfeito com a organização existente em Israel; que era baseada no clã: umconjunto de famílias sob a liderança de um chefe comum. Um conjunto de clãsformava uma tribo. As tribos, porém, não tinham um chefe comum. Havia apenasos juízes (exemplo: Sansão, Débora, Gideão, etc.), que eram líderes carismáticose que surgiam apenas para liderar e comandar o país em momentos difíceis.

O povo queria algo mais sólido, mais permanente. Apesar de ser contra,Samuel cedeu às pressões e Saul foi ungido o primeiro rei. Ele, porém, foi umadecepção, por isso, foi destituído (1Sm 13.13-14).

Davi, sim, encarnaria a esperança messiânica perfeitamente. Graças a ele, oimpério de Israel começou a estender-se a outros povos (2Sm 8.6-14). Eletransformou Jerusalém e encarnou os sofrimentos, dores e esperanças dos menosfavorecidos.

Como Davi, porém não era eterno, o profeta Natan profetiza que a suadescendência permaneceria para sempre, através de um descendente, queestabeleceria o Reino (2Sm 7.11-12; Is 9.6-7).

Com o passar dos séculos, vários acontecimentos provocaram a mudança decrença, em relação ao Messias e ao Reino. Estes acontecimentos foram: airregular administração dos sucessores de Davi, a divisão do reino (922 a.C.), aqueda de Samaria (722 a.C.), a queda de Jerusalém (597 a.C.) e o exílio e aqueda da realeza (586-538 a.C.). Assim, quando Israel estava sem algum rei,

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surgiu a profecia sobre o Filho do Homem. Ele viria do céu (Dn 7.13), enviado porDeus, mas assumiria as necessidades e esperanças do povo. O seu Reino jamaisteria fim (Dn 7.14),

Por volta do ano 586 a.C., o povo de Deus foi levado cativo para a Babilônia(Sl 137). Neste período, o profeta Isaías escreve sobre o Servo. Ele promulgaria odireito para os gentios (Is 42.1-3); seria o mediador da Aliança com o povo (Is42.6) e luz para os gentios (Is 42.6). Ele abriria os olhos ao cego (Is 42.7) e tirariada prisão o cativo (Is 42.7). Ele restauraria a terra e repartiria as grandes terrasrústicas (Is 49.8). Ele seria também dado como oferta pelo pecado (Is 53.10), etc.

Esta é a salvação ampla que o Servo traria ao povo. Uma salvação social eespiritual (Is 49.6; Is 61.10), Sim, a vinda do Servo transformaria a tristeza emalegria (Is 61.3); a angústia em louvor (Is 61.3); a vergonha em honra (Is 61.7). Eleedificaria e restituiria o que havia sido destruído (Is 61.4). Na terra, tudo sepossuiria em dobro (Is 61.7), etc.

João Batista, quando iniciou a sua pregação, citou Isaías 40.3 (cf. Lc 3.4-6).Jesus definiu a sua missão citando Isaías 61.1-2 (cf. Lc 4.16-19). Sim, o Messiasinstauraria o "ano sabático da graça" e o "ano do jubileu".

Quando Jesus veio, estas três crenças estavam presentes na vida do povo ede Jesus: "Jesus, filho de Davi" (Mt 12.23; Mt 21.9); "O Filho do Homem" (Mt 8.20;Mc 8.38; Lc 17.24) e o "Servo sofredor" (Lc 12.43; Lc 17.10).

Jesus se identificaria mais com a figura do Servo e com a figura do Filho doHomem. A figura de Davi, apesar de ser importante, limitava-se muito mais àlibertação nacionalista de Israel, enquanto o Reino que Jesus veio trazer era paraa libertação de todos os povos (cf. Is 49.6).

O NASCIMENTO DO LIBERTADORDOS OPRIMIDOS

Quando Jesus estava para vir ao mundo, o povo na Palestina vivia oprimido.Era oprimido pela lei judaica, pelos senhores, pelos demônios, pelasenfermidades, pelo pecado e pelos romanos.

Para termos uma idéia, dos vinte e cinco mil habitantes de Jerusalém, cercade quinze mil eram pobres carentes, cinco mil eram mendicantes e apenas doismil detinham os frutos da renda e privilégios. Cerca de 75% dos rendimentos dosprodutos agrícolas eram transferidos às elites na forma de imposto e taxas.

O povo vivia sem muito sentido de vida. Uma esperança, porém, estava emseu coração: a vinda do Messias para inaugurar o Reino:

"Como o povo estivesse na expectativa e todoscogitassem em seus corações se João não seria o Messias."

(Lc 3.15)

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Sim, o povo estava em expectativa, estava esperançoso. No nascimento deJesus, vemos alguns relatos bíblicos que mostram esta fé, esta esperança dopovo oprimido. No evangelho de Mateus está registrado:

"Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome deJesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados. Tudo istoaconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito peloprofeta: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e ochamarão com o nome de Emanuel, o que traduzido significa:Deus está conosco!"

(Mt 1.21-23)

"Jesus significa literalmente 'Deus salva', 'Deus liberta’. Por isso, o Natal,nascimento do Salvador, é festa de libertação tanto como a Páscoa daressurreição. A palavra ‘salva' em hebraico significa 'ter espaço', 'dispor de lugar’,'estar em amplitude', ‘desenvolver-se sem impedimento', ‘gozar de liberdade', ouseja, libertar." (2)

Aliás, o livro de Mateus vê Jesus semelhante a Moisés. Assim como o Faraódeterminou a matança das crianças (Ex 1.22), assim também Herodes determinoua matança das crianças (Mt 2.16-18). Assim como Moisés foi ao Egito libertar opovo (Ex 4.18-20), assim também Jesus foi e voltou do Egito para libertar osoprimidos (Mt 2.19-23). Assim como Moisés do monte Sinai deu a lei para o povo(Ex 19.20-25), assim também Jesus deu a nova lei de Deus no monte (Mt 5.1s).

O Evangelho de Lucas fala do Reino que Jesus veio estabelecer:"Eis que conceberás e darás à luz um filho, e o chamarás

com o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado filhodo Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seupai, ele reinará na casa de Jacó para sempre e o seu reinadonão terá fim."

(Lc 1.31-33)

MARIA E ZACARIAS REAFIRMAM A MISSÃOLIBERTADORA DE JESUS

No cântico de Maria, a mãe de Jesus, está registrada a esperança dospobres, dos oprimidos, dos humildes:

"Agiu com a força de seu braço, dispensou os homens decoração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e ahumildes exaltou. Cumulou de bens e famintos, e despediu osricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrando desua misericórdia."

(Lc 1.51-54)

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Maria aqui não fala só de belas coisas como "estrela", "anjo" etc. Fala dequestões fundamentais para a vida do povo: deposição dos que governam mal;dar alimentação e bens aos famintos e tirar do rico o que ele tem demais. Seriapara isto que Jesus viria, segundo o cântico de Maria. No nascimento de Jesus, oanjo foi anunciar a Boa Nova aos pastores. Isto não ocorreu sem motivo. Ospastores representavam a classe dos menos favorecidos:

"Eis que vos anuncio uma grande alegria, que será dada atodo o povo: nasceu-vos hoje um Salvador que o Cristo-Senhor, na cidade de Davi."

(Lc 2.10-11)

A salvação aqui anunciada não deve ser entendida só no sentido "espiritual".No cântico de Maria, vimos que a salvação traria uma libertação ampla. O povoseria salvo social e espiritualmente. Deus não estaria indiferente ao sofrimentosocial do povo, como ele não foi no Egito.

Zacarias, profetizando sobre João Batista, o precursor de Jesus, mostrou ocaráter desta salvação de Jesus, ao dizer:

"Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou eredimiu o seu povo, e suscitou-nos uma força de salvação nacasa de Davi, seu servo, como prometera desde temposremotos pela boca de seus santos profetas."

(Lc 1.68-70)

A seguir, Zacarias fala de uma salvação que está relacionada com alibertação do povo:

"Salvação que nos liberta dos nossos inimigos e da mãode todos as que nos odeiam."

(Lc 1.71)

Sim, o povo necessitava de uma salvação ampla. Deus não poderia ficarindiferente à situação do seu povo. Assim como Ele ouviu o clamor do povo noEgito e o libertou, através do Moisés, agora Deus enviava Jesus, o novo Moisés,para fazer uma libertação mais ampla ainda. A salvação que Jesus veio trazer foipara o presente e o futuro. Foi social e espiritual.

Veremos a seguir, Jesus definindo a sua Missão. Veremos a prática deJesus, através de uma Evangelização libertadora.

Citações:(1) FEUILET, R., Introdução à Bíblia, SP, Editora Herder, 1968, p. 38.(2) ARIAS, M., Salvação Hoje, RI, Editora Vozes/Tempo e Presenç a, 1974, p. 35.

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JESUS E A BOA NOVA DO REINO

A partir das promessas do "ano sabático", do "ano do jubileu" e do reinado deDavi, Jesus ao vir ao mundo estava concretizando as promessas e esperanças dopovo no Antigo e Novo Testamento, assumindo a figura do Servo e do Filho doHomem.

O EVANGELHO LIBERTADORJesus definiu a sua missão citando o texto de Isaías 61, 1-2, que fala do

Messias:"O Espírito do Senhor esta sobre mim, porque de me

ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar aremissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, pararestituir a liberdade aos oprimidos, e para proclamar o ano degrata do Senhor."

(Lc 4.18-19)

Jesus aqui fala de "pobres", "presos", "cegos", "liberdade", "oprimidos". Simseu evangelho, sua Evangelização seria ampla, seria libertadora.

O texto e a missão de Jesus não podem ser entendidos só no sentido"espiritual", como se o nosso Deus se preocupasse somente com o interior do serhumano. O Salmo 146, que esta muito de acordo com o texto de Lucas, mostraum Deus preocupado principalmente com os necessitados:

"O Senhor faz justiça aos oprimidos, e dá pão aos que têmfome. O Senhor liberta as encarcerados. O Senhor abre osolhos aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor amaos justos. O Senhor guarda o peregrino, ampara o órfão e aviúva."

(Sl 146.7-9)

Sim, estes esperavam a consolação de Israel (Lc 2.25). Esperavam "avingança do Senhor (Sl 58.10) e a justiça que sabem poder vir apenas de Deus (Sl40.10; Sl 109.31; Sl 69.33)." (1)

Esta justiça, que é a marca principal do Reino de Deus, não significa só umajusta distribuição, dando a cada um o que lhe pertence, Significa muito mais naBíblia. "Significa também compaixão, fidelidade, bondade, ajuda, amor e todo onecessário para levar o outro à sua devida integridade." (2) Jesus veio concretizaro "ano sabático" e o "ano do jubileu" na vida do povo sofrido que esperava em

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Deus. Isto é tornar realidade o Reino do Deus. É fazer justiça, que leva o serhumano) a recuperar a imagem de Deus, vivendo em plenitude.

As bem-aventuranças devem ser entendidas dentro deste contexto. Sim,Jesus anuncia que os que têm tome serão fartos (Lc 6.21); os que choram, devidoa sua situação, irão rir depois (Lc 6.20-21; Mt 5.5) e os mansos herdarão a terraque lhe foi tirada, devido a alguma dívida ou opressão (Mt 5.4). Sim, os quequerem justiça serão fartos (Mt 5.6).

O "ano do jubileu" prometeu:"Neste ano do jubileu tornareis cada um à sua possessão."

(Lv 25.13)

Sim, os mansos possuirão a terra!

Mas "manso" não significa uma pessoa pacata, quieta. Os mansos queherdarão a terra são aqueles que foram destituídos dela e que fazem parte doremanescente fiel de Javé. São os "añaw". O Salmo 37, nos versículos 9, 10, 11,22, 28, 29 e 34, deixa claro isto, quando diz:

"Porque os rnalfeitores serão exterminados, mas os queesperam no Senhor possuirão a terra...

Mais um pouco de tempo e já não existirá o ímpio;procurarás o seu lugar, e não a acharás. Mas os mansosherdarão a terra e se deleitarão na abundância de paz...

Aqueles a quem o Senhor abençoa possuirão a terra; eserão exterminados aqueles a quem amaldiçoa.

A descendência dos ímpios será exterminada. Os justosherdarão a terra...

Espera no Senhor, segue o seu caminho, e ele te exaltarápara possuíres a terra...”

Este Salmo coloca o Ímpio em oposição ao "manso". Ímpio é o incrédulo, osem fé. "Manso", ao contrário, é aquele que confia no Senhor, aquele que esperano Senhor.

Por isso, este Salmo coloca "os que esperam no Senhor", "os justos", comoaqueles que possuirão a terra.

Estas promessas de Jesus mostram que o Evangelho que Jesus veio trazer éum evangelho que se preocupa com a situação total do ser humano. Sim, Jesusveio trazer e tornar realidade o Reino, que "significa para os ouvintes de Jesus arealização de uma esperança, no final do mundo, da superação de todas asalienações humanas, da destruição de todo o mal seja físico, seja moral, dopecado, do ódio, da divisão, da dor e da morte. O Reino de Deus seria amanifestação da soberania e senhorio de Deus sobre esse mundo sinistro,dominado por forças satânicas em luta contra as forças do bem." (3)

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O REI E O REINO DE DEUSJesus é o Rei deste Reino, desta Boa Nova! Ele é o Messias, o Cristo! A

função principal de um rei é a de assegurar aos súditos o cumprimento da justiça.O rei é quem deve estabelecer o equilíbrio, deve ser o defensor dos que nãopodem defender-se; é o protetor dos pobres, viúvas, órfãos, oprimidos. Ele devegarantir aos fracos os seus direitos perante os poderosos; deve reprimir o rico queprejudica os direitos do povo, enfim, deve propor leis que acabem com a pobrezae a exploração.

O povo viu em Jesus este Rei:"Bendito o rei que vem em nome do Senhor."

(Lc 19.37-38)

Aos "fiéis de Javé”, Jesus declara que o Pai agradou em lhes dar o Reino (Lc12.32).

O Rei Jesus procurou trazer um Reino onde impere a justiça, a fraternidade,a igualdade, o amor e a paz. O Reino de Deus traz o estabelecimento da justiçano mundo, por isso, Jesus diz que os pobres são bem-aventurados (Mt 5.3; Lc6.20). Eles esperavam ansiosamente esta Boa Nova que é o começo de novostempos.

O Reino de Deus não deve ser entendido como algo futuro somente. E algoque começa aqui na terra. Jesus, ao criticar aos fariseus, mostrou que o Reino éalgo para o agora, no qual se pode entrar nele, no momento presente:

"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque fechaiso Reino dos Céus diante dos homens; pois vós não entrais,nem deixais entrar os que estão entrando."

(Mt 23.13)

Mateus, como um bom judeu, evita falar o nome de Deus, daí falar em Reinodos Céus, em vez de Reino de Deus, como Lucas fala. Os dois, porém, têm omesmo significado.

O Reino não deve ser entendido também só no sentido "espiritual" e simtambém material, Jesus deixa claro isto:

"Não há quem tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe,pai, filhas ou terras por minha causa ou por causa doevangelho, sem que receba cem vezes mais: agora, nestetempo, casas, irmãos, mãe, filhos e terras, com perseguições; eno futuro, a vida eterna.”

(Mc 10.28-30)

Evangelizar, portanto, segundo Jesus, é o ato de anunciar e tornar real oReino de justiça e paz na vida das pessoas e no mundo. Jesus é o Messias, o Reique veio instalar seu Reino aqui na terra. Assim, não se pode falar emevangelização, sem que o Reino de Deus esteja presente.

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COMO É O REI DESTE REINO?Pelas palavras e atos de Jesus, podemos perceber que ele se identificou

muito com a figura do Filho do Homem (Lc 19.10) e do Servo (Mt 20.28). Istosignifica que, apesar de ser divino, Jesus fez questão de ser igual a um de nós.Ele, por exemplo, sentiu a ingratidão dos nove leprosos que não voltaram paraagradecer (Lc 17.11-19); ele ficou triste com a cegueira espiritual dos fariseus (Mc3.5), mas se alegrou com os apóstolos (Lc 22.35).

Jesus se preocupou em falar a linguagem simples da vida da gente simplespara assim poder explicar as coisas relacionadas com o Reino de Deus: cachorroe porcos (Mt 7.6); travesseiro (Mt 8.21); salário e operários (Mt 20.2), etc.

Jesus se relacionava muito bem com o povo e tinha grande popularidade (Mc12.12), embora ele evitasse a popularidade e procurasse fazer seu trabalho semser percebido. Jesus vivia uma vida liberta dos preconceitos e tabus da época:reunia-se com os amigos para festejar (Lc 15.6); disse que os últimos seriam osprimeiros (Mc 10.31); acolheu guerrilheiros (Mt 10.4), publicanos e mulheres emseu grupo de discípulos. Ele disse que a impureza vem de dentro do coração enão de fora da pessoa (Mc 7.19-22). Ele colocou a natureza em superioridade àsrealizações humanas (Lc 12.27). Ele acolheu pecadores (Lc 15.2) e deu atenção àmulher que se envergonhava de sua menstruação (Mc 5.21-34).

Jesus tinha grande preocupação social. Ele distribuiu alimento à populaçãofaminta (Mt 14.16-21) e se preocupou com a saúde do povo (Mt 14.14).

Jesus não era alguém de fazer "média" com ninguém. Ele criticou aquelesque usavam finas roupas (Lc 20.46; cf. Mt 3.4); repreendeu aos discípulos quequeriam impedir alguém de anunciar o Evangelho (Mc 9.38-40). Ele não pegou emarmas, mas se opôs ao governo (Lc 13.32) e líderes judeus (Mt 23.13). Sim, Jesusrejeitou os "rótulos" que foram arranjados para ele (Mt 22.41-46). Jesus pertenciaà classe operária, pois era carpinteiro, como seu pai (Mt 13.55). Ele conhecia ascoisas simples da vida e estava consciente de suas realidades e necessidades.Ele se alegrou com o nascimento da criança (Jo 16.21); conhecia a vida do campo(Lc 12.16-21); conhecia como se fabricava o pão (Mt 13.33); conhecia a vida docamponês (Mc 4.3), etc.

Este é o Jesus, o Rei que veio inaugurar o Reino de Deus!

Citações:(1) ALLMEN, J. Von, Vocabulário Bíblico, SP, ASTE, Imprensa Metodista, 1972, p. 330.(2) GONZALEZ, A. e outros, Profetas Verdadeiros, Profetas Falsos, Salamanca, Edições Sigueme,1976, p. 93.(3) BOFF, L., Jesus Cristo Libertador, RJ, Editora Vozes, 1974, p. 65.

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A COMUNICAÇÃO DA BOA NOVALIBERTADORA

A PREGAÇÃO DA BOA NOVA

Com a vinda de Jesus ao mundo, trazendo a Boa Nova do Reino de Deuspara o povo oprimido, era necessário anunciar a sua chegada, para que todossoubessem dos novos tempos que começavam.

Uma das formas utilizadas foi a pregação do Evangelho. João Batista foi quemprimeiro anunciou o Reino. Com ele e com Jesus (Mc 1.15), a pregação foiutilizada com o objetivo de levar à conversão:

"Convertei-vos, porque o Reino dos céus está perto."(Mt 3.2)

O anúncio da Boa Nova, porém, não estava só relacionado à conversão. Eratambém para anunciar aos pobres (Lc 6.20; Mt 11.5), àqueles que esperavam ajustiça vinda de Deus, e que confiavam nas suas promessas, que o Reino jáestava chegando para por fim a todo mal, restabelecendo a justiça, a fraternidade,a paz.

Jesus anunciou a Boa Nova (Mt 4.17). Ele saía por todas as cidades e aldeiasanunciando a Boa Nova do Reino (Lc 8.1; 4.43-44). Ele não anunciava a si mesmoe sim o Reino de Deus.

Esta missão foi também confiada aos discípulos, pois todos deveriam saberque Deus vem libertar o Seu povo de tudo que o escravizava. Neste sentido,também haveria uma conversão: a mudança de um estado opressor para umestado onde haveria a justiça, fraternidade e paz.

Jesus constituiu doze apóstolos para que ficassem com Ele, pregassem eexpulsassem demônios (Mc 3.14-15; cf. Mc 16.15). A missão primeira seria:

"Proclamai que o Reino de Deus está próximo."(Mt 10.7)

A proclamação do Evangelho era necessária para que o povo soubesse que oReino estava à disposição de todos aqueles que esperavam pelas promessas deDeus e que viviam oprimidos de toda sorte. Jesus utilizava a pregação comoelemento fundamental, mas não a enfatizava isolada. A pregação estava integradade uma outra parte fundamental do Evangelho — a cura:

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"Indo de aldeia em aldeia, anunciando a Boa Nova eoperando curas por toda a parte."

(Lc 9.6)

A pregação estava integrada igualmente com outra parte da Boa Nova; aeducação:

"Partiu dali para ensinar e pregar nas cidades."(Mt 11.1)

Vemos assim que a Boa Nova era transmitida e concretizada de forma integral.Jesus usava a pregação também para denunciar os atos contrários ao Reino deDeus. Era uma denúncia da situação reinante em Israel:

"Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porquebloqueais o Reino dos Céus diante dos homens; pois vósmesmos não entrais, nem deixais entrar os que querem fazê-lo."

(Mt 23.13)

Assim, Jesus utilizou a pregação para a conversão, para anunciar a chegadado Reino e para denunciar as injustiças em Israel.

O ENSINO DA BOA NOVAEm seu ministério Jesus utilizou muito mais o ensino do que a pregação.

Vemos isto através de vários fatos e relatos nos sinóticos:"Aconteceu que, certo dia, enquanto ensinava o povo no

templo, anunciando a Boa Nova..."(Lc 20.1)

No Sermão da Montanha, Jesus procurou ensinar aos discípulos sobre arealidade do Reino:

"Vendo ele as multidões, subiu ao monte. Ao sentar-se,aproximando-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os,

ensinava."(Mt 5.1-3)

Mas foi através das parábolas que Jesus ensinou mais sobre a realidade doReino (cf. Mc 4.2). A parábola era um meio que Jesus utilizava pare ensinar sobreo Reino:

"Ouvi, portanto, a parábola do semeador. Todo aquele queouve a palavra do Reino e não entende..."

(Mt 13.18-19)

As parábolas do grão de mostarda (Mt 13.31); do fermento (Mt 13.33); dotesouro escondido (Mt 13.44): da rede (Mt 13.47) e outras parábolas falam eensinam sobre o Reino de Deus.

A educação através das parábolas mostra que Jesus estava preocupado e

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desejoso que as pessoas refletissem e descobrissem por si próprias a realidadedo Reino. Jesus não dava nada pronto. Jesus dava uma pista e o povo refletia atéchegar à sua conclusão. Assim, o povo guardava mais facilmente osensinamentos e dava mais valor àquilo que tinha aprendido.

Os apóstolos, que eram pessoas simples, gente do povo, também participavamda educação popular:

"Os apóstolos reuniram-se a Jesus e contaram-lhe tudo oque tinham feito e ensinado."

(Mc 6.30)

O fato de Jesus utilizar a linguagem e fatos da vida do povo para ensinar; ofato de Jesus utilizar a própria gente do povo para participar da educação popular,mostra que Jesus não fazia uma educação elitista intelectual, desvinculada darealidade do povo.

O ensino não era algo à parte. Era parte de um todo do Evangelho. No finaldo evangelho de Mateus está registrada a preocupação de Jesus com a educaçãodaqueles que se tornassem cristãos:

"...ensinando-os a guardar tudo quanto vos ordenei."(Mt 28.20)

O ensino era para aqueles que não conheciam ainda a realidade do Reino epara aqueles que já haviam crido e precisavam conhecer melhor as implicaçõesde pertencer ao Reino de Deus.

Jesus falava das coisas simples da gente simples. Ele falou de sal e fermento(Mt 5.13; 13.33); figo e uva (Mt 7.16); trigo (Mt 13.16; 13.7); casa varrida (Mt12.44); lamparina (Mt 25.8), etc. Enquanto isto os fariseus chamavam o povo demaldito por não conhecer a lei (Jo 7.49). O povo se educa através de sua própriaexperiência, da sua própria prática do dia-a-dia. As palavras de Jesus mexiamcom as consciências adormecidas pela ideologia dominante. O ensino de Jesuslibertou a consciência oprimida do povo.

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A CONCRETIZAÇÃO DA BOA NOVALIBERTADORA

A LIBERTAÇÃO DAQUILO QUE OPRIMEO POVO

Jesus teve a missão de libertar totalmente o ser humano, Ele definiu a suamissão assim:

"Proclamar a remissão aos presos e aos cegos arecuperação das vistas, para restituir a liberdade aos oprimidos... "

(Lc 4.18)

Um dos fatores que cooperavam para a opressão do povo era o demônio. Elerepresentava o oposto do Reino de Deus. Ele oprimia, escravizava, destruía asvidas humanas. Antes de Jesus chegar, o reino das trevas, o poder da morte,dominava, em parte, o mundo. Jesus veio anunciar a Boa Nova do Reino, o começode uma Era nova, o começo dos novos tempos. Sim, o tempo da vitória do bem, doamor, da vida. Somente a pregação e o ensino não seriam suficientes para eliminaros poderes do mal. Era necessário algo concreto, por isso, Jesus disse:

"Mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso osdemônios, então, o Reino de Deus já chegou a vós."

(Mt 12.28)

Sim, o Reino não era só promessa. Com Jesus, ele se tornou realidade nomundo. Um Reino que não se vê, mas se percebe.

Jesus deu também esta missão e autoridade aos apóstolos:"E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los apregar, e terem autoridade para expulsar os demônios."

(Mc 3.14-15)

Os próprios demônios reconheciam que era chegado o Messias com o seuReino. Eles, por isso, temiam grandemente:

"Ah! que queres conosco, Jesus nazareno? Vieste paraarruinar-nos?Sei quem tu és, o Santo de Deus."

(Lc 4.34)

Ter poder e autoridade sobre os demônios significava a supremacia do Reinode Deus sobre o reino das trevas. Significava a vitória da vida sobre a morte. Aexpulsão de demônios não deve ser entendida também como algo à parte e sim

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dentro do contexto e concretização da Boa Nova do Evangelho. Jesus deixou istoclaro, quando convocou os doze apóstolos e os enviou para expulsar demônios,curar doenças e proclamar o Reino de Deus (cf. Lc 9.1-2).

A expulsão de demônios é sinal concreto da instalação do Reino no mundo.Todos os tipos de demônios que existem hoje no mundo econômico, político,institucional, que trazem as mais diferentes opressões e morte, devem sereliminados pelo Evangelho que liberta e traz vida.

Outra coisa que oprimia o povo era a lei judaica. Não que a lei fosse ruim em simesma, mas sim porque ela era mal interpretada e mal empregada (cf. Mt 23,23-24). A lei havia se tornado um fim em si mesma, a ponto dos líderes judeusconsiderarem o povo maldito por não saber a lei (cf. Jo 7.49). Isto mostra que areligião mal usada ou as leis de um país mal elaboradas podem oprimir ao povo,em vez de libertá-lo ou ajudá-lo (cf. Lc 11.45 - 46).

Que fez Jesus diante da lei?

Jesus, acima de tudo, queria amar o ser humano e libertá-lo. A Boa Nova tinhaesse objetivo. Assim, quando Jesus teve que libertar o ser humano, ele não viu odia e nem a hora. Jesus passou por cima das tradições, inclusive, curou em dia desábado. Na verdade, "o sábado era para ele uma coisa muito secundária; o maisimportante era o homem" (1). O amor pelo próximo estava acima da lei. Era, naverdade, o cumprimento da lei. Portanto, a lei não poderia ser um obstáculo.

As tradições que prejudicavam a vida plena, não eram importantes para Jesus.Assim, ele libera a consciência dos discípulos e permite que eles colham espigasno sábado proibido (Mc 2.23-26). Ele cura os doentes no sábado (Lc 6. 6-10).Jesus passa por cima das "etiquetas" da sociedade da época (Mc 7.1-13); elevaloriza a profissão que era desprezada (Lc 19.1-10) e chega a dizer que, aquelesque são considerados os mais impuros e pecadores pela sociedade, entrarão maisfacilmente no Reino (Mt 21.31), etc.

Sim, Jesus é liberto e liberta as pessoas das convenções sociais injustas e dospreconceitos.

Mas, e a libertação do império romano?

Jesus queria uma libertação mais ampla e que atingisse a todos os povos.Além disso, quem governava mesmo Israel era o Sinédrio, que era "uma espéciede senado" (2). O Sinédrio, que tinha sua polícia, podia prender, multar, castigar eexpulsar do país. O Sinédrio era o guardião da lei e da tradição. Assim, quemrealmente governava e oprimia o povo através de suas leis e tradições, era oSinédrio e não os romanos, que apenas mantinham um procurador como seurepresentante em Israel. Ora, direta e indiretamente, Jesus criticou oscomponentes do Sinédrio Os escribas e fariseus (Mt 23.2-29). Jesus passou porcima da lei e das tradições (Mt 5.21-48), por esta razão, o Sinédrio condenou

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Jesus (Mt 26. 59-68). Sim, Jesus também se preocupou com aqueles que estavamno poder e oprimiam ao povo. Ele os criticou por colocarem pesados fardos sobreo povo (Lc 11.45-46). Ele os chamou de hipócritas (Mt 23.13-15). A Herodes,Jesus chamou de raposa (Lc 13.31-33).

Jesus queria libertar totalmente o povo daquilo que o escravizava. Apesar delenão ter levantado sua palavra contra o império romano, algo que deve nos levar apensar é: por que ele teria chamado um zelote nacionalista que lutava contra adominação romana para fazer parte de seu grupo de apóstolos (Lc 6.15)?

A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIAISJesus teve uma grande preocupação com a sorte do povo. A fome e as

doenças eram sinais da manifestação da injustiça e da precariedade doatendimento e da situação do povo. Jesus por isso curou.

A cura era também um sinal dos novos tempos, do tempo da chegada doMessias ao mundo (cf. Is 53.4-6). Se as doenças traziam problemas às pessoas,não as deixando ter uma vida plena, era necessário que elas fossem extintas:

"E curou todos os que estavam enfermos, a fim de secumprir a que foi dito pelo profeta Isaías: levou as nossasenfermidades e carregou as nossas doenças."

(Mt 8.16-17)

Jesus mostrou que a Boa Nova do Reino era algo real, que vencia o poder damorte. Sim, mostrou que devemos, acima de tudo, nos preocupar em solucionaros problemas que afetam ao povo sofredor e oprimido. Jesus disse para osdiscípulos fazerem o mesmo:

"Chamou os doze discípulos e deu-lhes autoridade deexpulsar os espíritos imundos e de curar toda a sorte de males eenfermidades."

(Mt 10.1)

Com isso, Jesus mostrou à religião e sociedade da época que Deus quer é obem integral do ser humano e não preocupações mesquinhas.

A cura das doenças serve para mostrar que o Evangelho de Jesus teve umagrande preocupação social. Era uma preocupação com a saúde do povo. EsteEvangelho que se preocupa com a parte material também alimentou multidõesfamintas (Mc 6.35-44), mostrando que Jesus era sensível às necessidades dopovo. Nas bem-aventuranças, ele disse:

"Bem-aventurados os que agora tendes fome, porquesereis saciados."

(Lc 6.21)

Sim, "aquele que alimentou os cinco mil [...] estava claramente preocupadocom os problemas de justiça econômica ."(3)

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Quando João Batista quis saber se Jesus era o Messias, que traria o Reino,Jesus respondeu:

"Os cegos recuperam a vista, os coxos andam, osleprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortosressuscitam e aos pobres são evangelizados."

(Mt 11.5)

As curas fazem parte de um todo do Evangelho e só assim devem serentendidas:

"Curai enfermos que nela houver e dizei ao povo: o Reinode Deus está próximo de vós."

(Lc 10.9)

Não podemos, pois, falar em evangelização, sem levar emconta os problemas sociais que afligem ao ser humano.

Citações:(1) MESTERS, C., A Palavra de Deus na História dos Homens, RJ, Editora Vozes, 1973, p. 148.(2) FEUILI.ET, R., op. cit., p. 59.(3) WILLIAMS, C., Igreja: Onde Estás?, SP, Imprensa Metodista, 1968, p. 39.

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A CONVERSÃO E A BOA NOVALIBERTADORA

O original grego "metanóia", usado nos sinóticos, significa: meia volta,mudança de rumo, abandono do caminho falso e um caminhar decidido nocaminho certo, não significa "arrepender-se" ou fazer "penitência", como algumastraduções têm colocado. Significa sim, uma reviravolta interna, que temconseqüência na ação do dia-a-dia (cf. Lc 3.8), isto é, o convertido deve mostraros frutos de justiça, misericórdia e humildade diante de Deus.

A exigência de conversão é legítima e foi proclamada por Jesus:"O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo.

Convertei-vos e crede no Evangelho."(Mc 1.15)

OS DISCÍPULOS NO CAMINHO DA CONVERSÃOO fato de estarem com Jesus, não significava que todos Os discípulos já

fossem plenamente convertidos. Isto fica claro para nós, quando vemos quealguns discípulos viviam com preocupações que nada tinham a ver com ospropósitos e valores do Reino de Deus. Certa vez, eles perguntaram a Jesus:

"Quem é o maior no Reino dos Céus?”(Mt 18.1)

Isto mostra uma preocupação com grandeza, prestígio, poder.

Em outro texto, os discípulos impediram as crianças de chegarem até Jesus,mostrando que não entendiam ainda perfeitamente a Boa Nova do Reino de Deus(Lc 18.15), que da acesso a todas as pessoas. Jesus, por isso, deu uma grandelição nos discípulos e disse que eles deveriam mudar e se tornar como umacriança, que é simples, despretensiosa, confiante, para pertencer ao Reino (Lc18.17) e ser o maior no Reino (Mt 18.4).

Na convocação dos discípulos, não há nenhuma exigência aparente deconversão, embora, ao deixarem ludo para seguir a Jesus, mostram indícios deconversão (Mc 1.16-17). Isto fica mais claro, pelas palavras de Jesus a Pedro:

"Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos.”(Lc 22.32)

Certamente, o Pedro que nega a Jesus, o Tomé que duvida e o Judas que trai,ainda estavam no caminho da plena conversão. Jesus, contudo, foi duro com

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aqueles que ainda não tinham optado pelo Reino e os seus valores:"Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo

modo."(Lc 13.3)

Por outro lado, nas parábolas da ovelha perdida e da dracma perdida, Jesusdisse que há grande alegria no céu por um pecador que se converte (Lc 15.7;15.10).

O RESPEITO À CULTURA DO CONVERTIDOA cultura são os costumes, tradições, atitudes e modos de agir de um povo. É

através dela que o povo expressa sua maneira de ser, sua maneira de viver, seussentimentos.

Afinal, a conversão deve tirar o ser humano de sua cultura? Qual foi a posiçãode Jesus diante desta questão?

Percebe-se que Jesus não exigia que o convertido abandonasse os costumese tradições, a não ser aqueles costumes e tradições que prejudicassem sua vidacristã. A preocupação principal de Jesus com o convertido, foi que ele praticasse ajustiça, a misericórdia e andasse humildemente na presença de Deus (Mt 23.23;Mq 6.8; Mt 5.3; Mt 5.6; Mt 5.7). Em várias ocasiões, com os discípulos, Jesusdeixou claro isto, em relação à prática da justiça:

"Com efeito, eu vos asseguro que se a vossa justiça nãoexceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reinodos Céus.”

(Mt 5.20)

A justiça que Jesus exige é muito mais do que dar a cada um a que é seu. "Ohomem justo é o que defende a integridade do outro, se sente seu guardião,mantém para ele uma atitude que o afirma efetiva e afetivamente."(1)

Sobre a misericórdia, Jesus disse:"Sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso."

(Lc 6.36)

Sobre a humildade, Jesus afirmou:"Aquele, portanto, que se tornar humilde como esta

criança, esse é o maior no Reino dos Céus”.(Mt 18.4)

Assim, Jesus não estava muito preocupado em mudar a cultura do ser humanoe sim que ele tivesse uma prática que fosse de acordo com a vontade de Deus.Jesus não só não quis mudar a cultura do povo, bem como, sendo judeu, teve asmesmas práticas comuns de todo judeu. Uma das práticas era beber o vinho. Ele

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até mostrou saber qual era o melhor vinho:"Não há quem, após ter bebido vinho velho, queira do

novo. Pois diz: o velho é que é bom .”(Lc 5.39)

Se Jesus tivesse algo contra a prática do vinho, ele nem citaria o vinho comoexemplo. Sim, Jesus bebia o vinho como algo natural (cf. Jo 2.1-10; Lc 5.30). Eraa mesma coisa que viver em Portugal e beber o vinho de lá ou, no sul do país, ebeber o chimarrão.

Jesus não acabou com a prática das festas, com os folclores ou com asdanças. Pode parecer estranho para nós esta afirmação, pois tivemos outraformação, mas a Bíblia relata esta realidade. Certa vez, quando Levi foi chamadopara ser discípulo de Jesus, ele ofereceu uma grande festa em sua casa (Lc 5.29).O próprio Jesus, nas suas parábolas e histórias, cita o exemplo da festa e dadança como algo até positivo. Na parábola do filho pródigo, ele disse:

"Quando voltava, já perto de casa ouviu músicas e danças."(Lc 15.25)

A dança é uma expressão de alegria!

Jesus, quando quis comparar a geração da época, a comparou como ascrianças que, sentadas na praça, se desafiavam:

"Nós vos tocamos flautas e não dançastes! Entoamoslamentações e não batestes no peito!"

(Mt 11.17).

Logo a seguir, Jesus deixa claro a sua identificação com a cultura judaica:

"Com efeito, veio João que não come nem bebe, e dizem:um demônio está nele. Veio o Filho do Homem, que come ebebe, e dizem: eis aí um glutão e beberrão..."

(Mt 11.18-19)

Jesus não queria um convertido isolado do mundo e nem triste. Sua únicapreocupação era que o convertido confiasse em Deus e que mostrasse os frutosde justiça e de misericórdia para com o próximo. O convertido só pode, naverdade, ter estas práticas no meio de sua própria cultura e não criando uma sub-cultura para si, com sua própria linguagem e normas. A vida de Jesus, queconviveu no meio da cultura em Israel, é um exemplo de encarnação na cultura dopaís.

A CONVERSÂO FOI EXIGIDA DE TODOS?Pode parecer estranho para alguns, mas veremos que a conversão não foi

exigida de todos. Houve um "resto" de Israel que permaneceu fiel a Deus, após oexílio. Este "resto fiel" se caracterizava por praticar a justiça, a misericórdia e a

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humildade (Mq 6.8; Zc 7; Is 58).

Maria foi escolhida exatamente por pertencer a este "resto fiel" (Lc 1.46-48).Sim, "o resto fiel que espera a consolação de Israel' se encarna em Zacarias eIsabel, Simeão e Ana, nos pastores de Belém, e de modo especial em Maria eJosé." (2) Destes não se poderia exigir a conversão, já que viviam de acordo coma vontade de Deus. "O pobre e o oprimido que buscaram o Senhor conhecem afortaleza divina (Sl 9.11; Sl 34.11). A atitude perante Deus é a de se abandonar àSua vontade e acolher Seus desígnios (Sl 10.14; Sl 34.9; Sl 37.40) [ ...]observando Seus mandamentos é que os pobres são íntegros, retos e justos (Sl34.16-22; Sl 37.17-8). Por isso, os pobres de Javé "são os amigos de Deus." (3)

Naturalmente, os "pobres de Javé" não são quaisquer pobres. Não significaque por uma pessoa ser pobre materialmente ela não precisa de conversão. Não,o “pobre de Javé" praticava a justiça e humildemente se submetia à vontade deDeus, embora qualquer pobre materialmente esteja mais apto a se submeter avontade divina, devido a sua situação difícil.

O profeta Sofonias mostra que a humildade é a fonte de justiça e só oshumildes são capazes de confiar na justiça divina (Sf 2.3).

Sim, "aqueles que esperam, ansiosos e com humildade, a ação libertadora doMessias seriam chamados “pobres', constituindo também a base para a existênciado “resto fiel do povo de Deus" (Sf 3.12-13).

No sermão da montanha, Jesus deixa claro que o Reino de Deus já é deste"resto fiel", que tem por característica a humildade (Mt 5.3); a justiça (Mt 5.6); amisericórdia (Mt 5.7) e o coração puro (Mt 5.8).

Este "resto fiel", chamado também de "pequenino rebanho", e privilegiado deDeus, a ponto da vida eterna estar condicionada ao atendimento aos pequeninos(cf. Mt 25.45). A eles, Jesus disse:

"Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agradodo vosso Pai dar-vos o Reino.

(Lc 12.32)

DE OUEM FOI EXIGIDA A CONVERSÃO?A conversão foi exigida de todos aqueles que orgulhosamente confiavam em si

ou nas suas riquezas e não em Deus. De todos aqueles que não praticavam ajustiça e a misericórdia. Isto incluía os fariseus e saduceus que confiavam mais nalei, na sua interpretação e nas suas tradições, esquecendo-se da misericórdia,justiça e humildade, João Batista, quando viu muitos fariseus e saduceus vindopara o batismo (cf. Mt 3.7), disse:

"Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está

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para vir? Produzi, então, fruto que prove a vossa conversão..."(Mt 3.7-8)

Jesus igualmente exigiu que os escribas e fariseus não seguissem só algumaspráticas da lei, mas também praticassem a justiça, a misericórdia e a fidelidade (cf.Mt 23.23).

Àqueles que confiavam nas suas riquezas, Jesus exigiu que elas fossemdeixadas de lado e aos pobres fossem distribuídas (cf. Mc 10.17-25). QuandoRaquel se converteu, ele mostrou que antes não era justo, nem misericordioso,pois disse:

"Senhor, eis que eu dou a metade dos meus bens aospobres, e se defraudei a alguém, restituo-lhe o quádruplo."

(Lc 19.8)

A atitude de Zaqueu é verdadeiramente de fazer justiça: levar o próximo àintegridade, a começar a ter vida plena. Sim, "Jesus não rejeitou os ricos, mas, deuma ou outra maneira, os desafiava a seguir os caminhos da justiça, desafiava-osà conversão."(4)

Na verdade, aqueles que confiam nas suas riquezas, não terão acesso à vidaeterna (cf. Lc 16.19-31).

Mas porquê se diz que aos pobres é anunciado o Evangelho? Significa que aeles é dado a notícia da chegada da Boa Nova, que o "resto fiel" tanto esperava,como afirmou Simeão, que era justo e piedoso:

"Agora, soberano Senhor, podes despedir em paz o teuservo, segundo a tua palavra; porque meus olhos viram a Tuasalvação, que preparaste em face de todos os povos, luz parailuminar as nações, e glória de Teu povo, Israel ”.

(Lc 2.29-32)

Anunciar ou evangelizar os pobres significa também concretizar na vida do"resto fiel" a Boa Nova do Reino de Deus (cf. Lc 6.20; Mt 5.3), que eles tantoaguardavam (Lc 12.32). Sim, eles esperavam a justiça e a misericórdia vindas deDeus (Lc 1.51-55; 1.67-73). Sim, "anunciar as Boas Novas aos pobres é começara fazer a justiça que lhes é devida." (5)

Citações:(1)GONZALEZ, A. e outros, ibid., p. 93.(2) DIETRICH, S., O Desígnio de Deus, SP, Edições Loyola, 1972, p. 141.(3) SANTANA, J. de, A Igreja e o Desafio dos Pobres, RJ, Editora Tempo e Presença/Vozes, 1980,p. 36, Ibid., p. 34.(4) SANTANA, J. de, op. cit., p. 53.(5) CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Missão e Evangelização: Uma Afirmação Ecumênica, RJ,CEDI. 1983, p. 27.

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A EVANGELIZAÇÃO NOS DEMAISLIVROS DO NOVO TESTAMENTO

A ÊNFASE DO EVANGELHO DE JOÃOSOBRE A BOA NOVA

No final do primeiro século, cerca de uns sessenta anos depois da ascensãode Jesus, o apóstolo João escreve o seu evangelho, dando uma interpretação desua fé e de como seria o seu Cristo.

João transporta sua fé para o tempo em que Jesus viveu na Palestina e, numaforma literária utilizada na época, coloca Jesus muito mais no nível do coração,enfatizando a salvação interior.

Assim, para João, Jesus é a Luz (Jo 1.4); o Caminho (Jo 14.6); o PãoVerdadeiro (Jo 6.45); a Videira Verdadeira (Jo 15.1); a Água da Vida (Jo 4.13-15);o Cordeiro de Deus (Jo 1.29); o Bom Pastor (Jo 10.11), etc. Sem a presença físicade Jesus após uns sessenta anos, João e a Igreja procuram enfatizar o Cristomais no nível da emoção, do sentimento, do Espírito, do coração. João, assim,mostra um Jesus muito mais preocupado com as questões relacionadas com océu do que com este mundo (Jo 18.36-37; Jo 8.23-24). João enfatiza a crença emJesus, em vez da adesão ao Reino de Deus (Jo 6.29; Jo 7.38; Jo 9.35; Jo 11.25;Jo 12.44; Jo 17.8, etc.).

O evangelho de João é um evangelho diferente dos sinóticos, que apresentam umJesus mais terreno e mais preocupado com questões sociais do presente. Oevangelho de João é diferente também de outros livros da Bíblia. Enquanto Atosdos Apóstolos relata o envio do Espírito Santo no dia de Pentecostes, após aascensão de Jesus (cf. At. 2.1-13), o evangelho de João relata o envio do Espírito,sem dizer do Pentecostes e como tendo ocorrido antes da ascensão de Jesus (cf.Jo 20.19-23).

No evangelho de João se observou uma dupla tendência: atualizar einteriorizar a escatologia. A ‘vinda' do Filho do Homem é apresentada sobretudocomo a vinda de Jesus a este mundo pela encarnação, sua elevação na cruz eseu retorno aos seus pelo Espírito Santo; o ‘juízo' realiza-se desde já no íntimodos corações; a vida eterna (que em João equivale ao ‘Reino' dos evangelhossinóticos) é possuída desde já. na fé."(1)

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Assim, João em vez de falar e anunciar o Reino, anuncia a vida eterna. A BoaNova para ele é Jesus e a vida eterna.

Com quais evangelhos devemos ficar?É evidente que hoje devemos procurar fazer uma fusão dos dois evangelhos

(o apresentado pelos sinóticos e o apresentado por João), sem, contudo, deixar desaber das diferenças das ênfases. Hoje podemos afirmar e pregar que Jesusliberta e transforma o coração. Este Jesus, porém, veio para salvar e libertar opovo de tudo que o oprime.

A ÊNFASE DOS ATOS DOS APÓSTOLOSSOBRE A BOA NOVA

João Batista, Jesus e os discípulos anunciaram a Boa Nova do Reino de Deus.Com a crucificação, ressurreição, ascensão e o Pentecostes, houve necessidadede dar um outro enfoque na Evangelização, por parte da Igreja primitiva.

Apesar de nos últimos quarenta dias de sua vida terrena, Jesus ter faladosobre o Reino de Deus (At 1.3) e antes da sua ascensão ter respondido umapergunta sobre o Reino (At 1.7), vários fatores cooperaram para que o livro deAtos registrasse outras ênfases da Igreja primitiva.

Houve necessidade de dar uma interpretação positiva sobre a crucificação,mostrando que o sangue de Jesus derramado foi para a nossa salvação (At 20.28)e que temos acesso à salvação pela fé em Jesus Cristo (At 16.31; At 20.21).

Houve necessidade de anunciar algo novo para o mundo: a ressurreição deJesus e a nossa ressurreição futura (At 1.22; 4.33).

Houve necessidade de mostrar aos judeus que Jesus era o Cristo (At 2.36; At18.28), o Filho do Deus (At 9.19-20) e que ele havia cumprido as profecias doAntigo Testamento (At 2.22-36; At 26.23).

Houve necessidade de explicar à Igreja sobre a volta de Jesus (At 1.9-11).

Com o envio do Espírito Santo, houve necessidade de mostrar a sua realidade(At 2.1-29).

Com o surgimento da Igreja organizada, houve necessidade de doutriná-lasobre a prática cristã (At 15.1s).

Por esses motivos, a ênfase na evangelização passou a ser dada mais sobre oRei do que sobre o Reino. Enfatizou-se mais a pregação, pela necessidade deanunciar e explicar estes fatos novos ao mundo.

Hoje, o leitor de Atos dos Apóstolos, ao ler o livro, muita pouca ênfase no

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Reino de Deus, conforme os sinóticos. Pode até parecer que a preocupação daIgreja hoje deve ser somente também com estas questões doutrinárias. Vemos,contudo, que a Igreja primitiva não deixou de vivenciar e falar do Reino de Deus(At 8.12; At 19.8; At 20.25; At 28.23; At 28.31). Na Igreja primitiva, não havianecessidade e pobreza entre os irmãos, pois os que tinham terras ou casasvendiam-nas e traziam o dinheiro para distribuir o valor com aqueles queprecisavam:

"Não havia entre eles indigentes algum, porquanto os quepossuíamtraziam o dinheiro e o colocava aos pés dos apóstolos; edistribuía-se a cada um segundo a sua necessidade."

(At 4.34)

O livro de Atos cita o exemplo de Barnabé, que vendeu suas terras paradistribuir o dinheiro com os necessitados da Igreja (At 4.36-37). Cita também asonegação de Ananias e Safira (At 5.1-11.), o que mostra a importância que aIgreja primitiva dava ao evangelho total. Era a Igreja vivenciando o "ano doJubileu".

A ÊNFASE DE PAULO SOBRE A BOA NOVAA mudança de enfoque na Boa Nova ocorreu mais com Paulo. Para ele "o

evangelho está centralizado na cruz; de maneira particularmente clara em Paulo,que se recusa a saber e anunciar outra coisa (1Co 2.2)." (2)

Chega até a ser compreensível a posição de Paulo, pois ele teve o encontrocom o ressuscitado no caminho de Damasco, por isso, ele fala mais no Rei do queno Reino (cf. At 9.17-22). Como Paulo organizava as igrejas, suas preocupaçõeseram mais com o funcionamento adequado das igrejas.

Outro detalhe importante, e que deve ter influído na sua mensagem, é quePaulo foi chamado para evangelizar os gentios (cf. GI 1.16; Rm 1.5; Ef 3.8), quenada conheciam sobre o "Reino", "messias", "ano sabático" e "ano do jubileu". Foipreciso, então, que Paulo falasse do amor de Deus em outras categorias com osgentios, que não fossem nas do Antigo Testamento, pois as categorias, a culturado Antigo Testamento não fazia parte da cultura gentílica. Sim, "a terminologia queusaram os primeiros crentes para evangelizar os judeus não foi igual a queusaram para falar do evangelho aos gentios. Enquanto a ênfase sobre Jesus, oCristo (messias, ungido), poderia significar muito para um israelita, para umcidadão romano, o titulo “kyrios” (amo, senhor, dono absoluto), que só se usavapara os deuses e para o César, significaria muito mais."(3)

Qual a Boa Nova que Paulo transmitiu para os gentios? Para Paulo a Boa Nova é aressurreição de Jesus e a remissão dos nossos pecados, através da fé (At 13.32).O Evangelho é a salvação deste mundo (Rm 1.16; cf. Ef 1.13; 1Co 15.1s; Cl 1.5) ea reconciliação com Deus (2Co 5.18-21). Paulo não fala em Evangelho do Reinode Deus como os evangelhos sinóticos falam. Paulo fala muito no "seu evangelho"(Rm 2.16; 1Ts 1.5; 2Ts 2.14). Ele fala do evangelho da salvação (Ef 1.13);

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evangelho da paz (Ef 6.15); evangelho da glória de Deus (1Tm 1.1); evangelho deDeus (12m 1.1); evangelho de Cristo (Rm 15.19; 1Co 9.12), etc.

Em Paulo, o evangelho significa a ação da pregação, como também oconteúdo da pregação, contudo ele fala mais em pregação do evangelho (1Co1.17; 2Co 2.12; 1Co 15.1), pois, para ele, Deus lhe confiou anunciar o evangelho(1Ts 2.2-4).

Paulo não entendeu tanto o Reino de Deus como algo a ser instalado nomundo. Ele esperava a volta de Jesus para breve, por isso, procurava maispreparar os cristãos para a vinda de Jesus (1Co 15.23; 1Ts 4.15; 2Tm 4.8), do queinstalar o Reino de Deus no mundo. Paulo enfatizava o Reino de Deus um poucodiferente de Jesus. Para Jesus, o Reino já havia começado aqui (Mt 12.28), masPaulo enfatizou o Reino mais como um acontecimento futuro, que coincide com ojuízo final (Gl 5.21; 1Co 6.9s; 1Co 15.50).

Jesus pregou a Boa Nova do Reino de Deus (Lc 16.16), mas Paulo enfatizouJesus como sendo a Boa Nova (1Co 1.23; Rm 10.9).

Paulo falou também do Reino (At 20.25), mas mais como recompensa futurapara aqueles que creram em Jesus Cristo (2Ts 1.5; Gl 5:21; 1Ts 2.12).

Apesar das ênfases diferentes dos sinóticos, Paulo fez colocações que estãode acordo com a Boa Nova do Reino, segundo a orientação de Jesus: ele disseque Cristo, sendo rico, fez-se pobre (2Co 8.9), nos dando o exemplo de umaprática de vida. Paulo diz também que os menos favorecidos deste mundo sãopreciosos aos olhos de Deus (1Co 1.26-31), mostrando assim a preferência deDeus pelos pequeninos. Paulo, igualmente, enfatizou o amor ao próximo comosendo o alvo maior do cristão (1Co 13.1-13; GI 5.14). O próprio Paulo tudo deixoupara servir a Cristo (F l 3.5 -11) . Al ém disso, ele disse — como osevangelhos sin óticos, que o Reino é justiça, paz e alegria (Rm 14.17) .

Apesar das muitas coisas positivas de Paulo, a Evangelização não pode serresumida no que ele enfatizou. Os evangelhos e outros livros da Bíblia nos ajudama compreender a totalidade da evangelização.

ÊNFASE DO APOCALIPSE SOBRE A BOA NOVANo livro do Apocalipse, a idéia do Reino de Deus ser instalado aqui na terra e

constituir também de coisas materiais, é enfatizada no sentido pleno no "fechar"da Bíblia. Os cristãos estavam sendo mortos pelo reino da besta (o imperadorromano) e necessitavam de uma esperança de que tudo isso seria superado eCristo triunfaria com o seu Reino aqui na terra. João, então, procurou mostrar queos cristãos reinariam aqui na terra (Ap 5.9-10; Ap 20.4) e que o dragão seriaderrotado (Ap 20.1-3). O novo céu e a nova terra desceriam do céu (Ap 21.1-2; Ap21.10) para se instalar aqui na terra.

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A situação de opressão, sofrimento, perseguição e morte dos cristãosprimitivos, na década de noventa, levou os cristãos a recuperarem a idéia pregadapor Jesus da instalação do Reino aqui na terra. É um Reino que resolverá oproblema das praças da cidade (Ap 21.21); resolverá o problema da precária ecara luz (Ap 21.23); resolverá o problema dos rios e das secas (Ap 22.1);resolverá o problema da fome e da saúde (Ap 22.2).

Sim, a dor e o sofrimento deixarão de existir (Ap 21.4); o Reino de Deustransformará tudo o que é precário em coisas novas e perfeitas (Ap 21.5); oimpério que domina o mundo será destruído (Ap 18.2-3; 18.21) e o Rei dos reis, oSenhor dos senhores reinará com o seu Reino (Ap 19.11-16). O povo oprimido ehumilde, enfim, terá a autoridade de decidir, pois se sentará no trono dos quegovernam (Ap 20.4; cf. Lc 1.52). Sim, "conforme suas promessas, aqueles quetiverem sofrido com ele participarão do Reino e do julgamento (Dn 12.1-3; Lc22.28-30: 2Tm 2.11-12; Ap 7; 14.1-5; 20.1-6)". (4)

A salvação que o Apocalipse propõe é uma salvação total, tanto espiritual,como social. Esta é a Boa Nova que Jesus Cristo revelou a João e ao povo quevivia oprimido (Ap 1.1).

Citações:

(1) A Bíblia de Jerusalém, SP, Edições Paulinas, 1976, p. 229.(2) ALLMEN, J., Vocabulário Bíblico, SP, ASTE, Imprensa Metodista, 1967, p. 137.(3) COOK, G., Profundidad En la Evangelizacion, Costa Rica, Publicaciones INDELF, 1975, p. 31.(4) DIETRICH, S., op. cit., p. 238.

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A EVANGELIZAÇÃO NO CONTEXTODE SOFRIMENTO E OPRESSÃO

SONHO DE MELHORES DIAS DEUMA FAMILIA DE BOIAS-FRIAS

Os bóias-frias são aqueles que saem cedo de casa para o trabalho nasplantações. Eles levam suas alimentações nas marmitas, que são preparadas demadrugada ou na noite anterior. Como nos lugares onde trabalham, o patrão nãocria condições para eles esquentarem a alimentação, eles comem a alimentaçãofria, daí vem o nome de “bóia-fria”.

Além desta alimentação prejudicar seriamente a sua saúde, o caminhão que osleva para o trabalho, geralmente, é inseguro. Muitos são conduzidos como gadoem caminhão. Às vezes, com 80 pessoas. Vários acidentes fatais têm ocorridocom o caminhão que leva os bóias-frias. Ainda por cima, geralmente, os direitosdeles não são respeitados. Muitos vivem em regime de semi-escravidão.Recentemente, vimos a revolta dos bóias-frias em Guariba, Monte Alto eBebedouro. Houve violência de mais de seis mil bóias-frias, em Guariba. Comoresultado, porém, houve vitória para os bóias-frias.

A história a seguir é uma das muitas que acontecem com estes trabalhadores.Ela, porém, nos traz muitas lições.

Francisco e Madalena e seus seis filhos eram camponeses, como quase todosos vizinhos. Eles plantavam e colhiam cana-de-açúcar. Todo dia, antes do solnascer, eles iam para as plantações. Só quando o sol se punha é que voltavampara sua humilde casa. Na verdade, eles só tinham os seus filhos e o trabalho.Três filhos já haviam morrido de doenças. Eles moravam e plantavam o que nãoera deles. Tudo pertencia ao patrão, que era muito rico.

Francisco e Madalena já não agüentavam a situação. O dinheiro queganhavam praticamente eles não viam. O patrão dava vales para os empregados.Só nos armazéns do patrão é que se podia fazer compras.

Os seis filhos de Francisco e Madalena não podiam estudar, pois cedo játinham que trabalhar, como todos os filhos dos trabalhadores locais. O sonho deRute — a filha menor do casal , de ser enfermeira para cuidar dos doentes, era sósonho mesmo. Reclamar dessa situação não adiantava. O patrão era muitopoderoso e com o seu dinheiro resolvia muitas questões.

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Francisco e Madalena iam à Igreja todo domingo com os filhos. Lá o padreensinava sobre a Nova Jerusalém. O sofrimento que os fiéis passavam aqui seriarecompensado na eternidade, dizia o padre. "Até Jesus sofreu...", dizia ele.

Francisco e Madalena, porém, sonhavam com uma vida melhor já aqui. Elesnão podiam aceitar que fosse a vontade de Deus que eles sofressem. Elespensavam mais nos filhos, no sonho de Rute, nos três filhos que morreram... Sim,eles não queriam que os outros filhos tivessem o mesmo destino. Francisco eMadalena queriam vê-los decidindo pelo seu destino, queria vê-los estudando ecom saúde, como diz aquela canção:

"Quero meu filho cantando alto...Sorrindo livre."

(Roberto Carlos e Erasmo Carlos)

A história de Francisco e Madalena é a história de milhões de trabalhadores,de seres humanos, que não têm a chance de ter uma vida justa, uma vida emabundância. Milhares de crianças morrem antes de completar um ano de vida.Milhões não têm a oportunidade de estudar. Como diz aquela outra canção:

"Há muita fome no meu país, há tanta gente que é infeliz.Há criancinhas que vão morrer, há tantos velhos a padecer."

(João D. Araújo e Décio Lauretti)

A EVANGELIZAÇÃO QUE FRANCISCO, MADALENAE OS FILHOS NECESSITAM.

A evangelização que Jesus trouxe tem sentido ser enfatizada hoje?

A situação da família de Francisco e Madalena e seus filhos já seria suficientepara enfatizarmos a Boa Nova de Jesus. A Boa Nova libertadora é legítima e opovo da América Latina espera ansiosamente pela sua salvação e libertação. Opovo tem sido escravo de sistemas políticos e econômicos, que só favorecem aosricos proprietários e às empresas multinacionais; é escravo de ditaduras que nãopermitem a participação ampla do povo nas decisões do país; o povo não tem aliberdade necessária; muitos morrem de fome; tantos são presos injustamente,sofrendo os horrores da tortura e ainda "desaparecem"; não há escola para todose, quando há, é cara ou os filhos não podem estudar por que têm de trabalharpara ajudar na sobrevivência da família. Milhões sofrem o problema dodesemprego ou têm um salário de fome; não têm terra e casa próprias; sãoescravos de vícios e superstições que destroem suas vidas, etc.

A Evangelização que este povo precisa não é só a Boa nova capaz de salvar asua "alma", mas que o leva ao conformismo com o mundo atual ou com os“patrões” desumanos e opressores dessa vida. A salvação deve recuperar neles aimagem e semelhança de Deus, distorcida por toda sorte de pecado na sociedade.É isto que é fazer justiça!

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Os "franciscos e madalenas" dessa vida não precisam só de uma Igreja parafreqüentar, seguindo normas e procurando dar "bom-testemunho" para ganhar océu. Eles precisam da Boa Nova que traz libertação, justiça, dignidade e oscapacite para a participação na sociedade, despertando a consciência para setornarem agentes de sua própria história. "A salvação total se expressa na paz(shalon), que inclui segurança, saúde, bem-estar, comunidade, justiça,integridade, enfim, a harmonia do homem com Deus, com os outros homens emulheres, com a natureza, com todo o universo todo." (1)

Corno a Igreja poderá realizar esta Evangelização? Há muitos caminhos! Cadacomunidade deverá encontrar a melhor forma para agir onde está inserida. Umdos caminhos a seguir é através da criação de centros comunitários, onde aeducação, assistência jurídica, assistência e orientação médicas, capacitaçãoprofissional, além da fé em Jesus como Senhor e Salvador, poderá trazer aos"franciscos e madalenas" uma salvação integral, ampla.

A Igreja deve anunciar que chegou para ficar ao lado dos oprimidos. Ela deveorganizar os trabalhadores em sindicatos, orientando-os quanto aos seus direitose lutando por eles. Naturalmente, a Igreja não deverá ser paternalista, dando tudopara os trabalhadores, mas sim criar consciência nos trabalhadores de seusdireitos e da importância de estarem organizados. A Igreja, se necessário, deveráceder suas instalações para reuniões de sindicatos e da Associação de Moradoresaté que os trabalhadores tenham a sua própria sede para reuniões. LevarFrancisco e Madalena, juntamente com seus filhos, somente a freqüentar a Igreja,dando-lhes alguma assistência social, não será uma Evangelizaçãoessencialmente evangélica. Prometer somente o Céu é ser indiferente aos seusproblemas sociais!

A Igreja, naturalmente, não deverá somente se preocupar em resolver seusproblemas sociais. Cristo deve habitar em cada coração, dando conforto, amor,alegria, certeza que Deus está presente. Para que haja uma verdadeiraevangelização é necessário haver uma transformação interior, no coração, e umatransformação social.

A EVANGELIZAÇÃO QUE O PATRÃO DEFRANCISCO E MADALENA DEVE RECEBER

Naturalmente, nem todo patrão é desumano, egoísta e opressor. Isto, porém, éaplicado ao patrão de Francisco e Madalena. Ele é uma pessoa que só pensa emsi mesmo, no seu bem-estar, nos seus “direitos”. Ele só quer que o resultado dacolheita seja bom e dê lucro. Ele pouco está ligando para a sorte dostrabalhadores.

Que evangelho a Igreja deve anunciar a este patrão? Um evangelho que o levea freqüentar dominicalmente a Igreja, que o leve a ser dizimista e mais camarada

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com os trabalhadores? Não somente isto! Isso é muito pouco.

A Igreja deve dizer ao patrão de Francisco e Madalena, e de todos os "bóias-frias", que o Senhor da criação deseja a liberdade e a vida plena de todo serhumano. Deus quer que a justiça, a fraternidade, a paz e o amor habitem em cadacoração. Que haja trabalho digno, casa e terra para todos os trabalhadores. AIgreja deve lhe dizer e ensinar que Jesus Cristo quer que todo ser humano o sigae o aceite como Senhor e Salvador, tornando-se um dos seus discípulos.

A sua conversão deverá incluir a justiça aos lavradores, dando-lhes condiçõesdignas de vivência humana. "Acreditar em Jesus, o Rei, é aceitar sua graçaimerecida e entrar com ele no Reino, colocando-se ao lado dos pobres que lutampara superar a pobreza." (2)

Se o patrão proceder como Zaqueu, a sua conversão terá sido autêntica e aIgreja terá realizado uma evangelização igual a da Igreja primitiva. Na Igrejaprimitiva, após a conversão (At 2.37-41), todos procuravam viver em igualdade.Aqueles que tinham bens materiais distribuíam para os necessitados:

"Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo oproduto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade."

(At 2.45)

Contudo, se o patrão proceder como o jovem rico, que não aceitou asexigências de Jesus (Mc 10.17-25), a Igreja, então, deverá apontar o juízo deDeus a este patrão. A Igreja deverá ficar ao lado dos trabalhadores oprimidos,organizando-os e orientando-os quanto aos seus direitos. A Igreja deverá abr iras por tas para as reuniões do sindicato , deverá denunc iar as injust iças eopressão sobre os trabalhadores.

É assim que a Igreja deverá anunciar e concretizar a Boa Nova do Reino deDeus, neste contexto de sofrimento e opressão.

A EVANGELIZAÇÃO NA FAVELAA experiência e o trabalho evangelístico na favela da Rocinha, que

mostraremos a seguir, vem apenas confirmar a necessidade de enfatizarmos umaevangelização ampla, a salvação total.

O casal de missionários americanos (James Ed Tims e Nancy Tims, quetrabalham na Igreja Metodista da Rocinha, onde há um Centro Comunitário, quemantém uma creche) escreveu uma carta aos seus superiores nos EstadosUnidos. A carta é um relato sobre as atividades da Igreja e do sofrimento que opovo passa. É uma resposta a todos aqueles que esperavam deles umaEvangelização mais no sentido de salvar "almas".

Diz o relato: "...nossos membros se compõe totalmente de pessoas que residem naRocinha, que é a maior favela do Rio de Janeiro (com uma população estimada em

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20O mil pessoas). Com poucas exceções, materialmente são muito pobres. Quandoos membros da Igreja iniciaram o programa de visitas, cada dia subiam mais e mais aladeira do morro onde está localizada a imensa favela. À medida que avançavam parao interior da Rocinha encontraram uma pobreza tão desesperada que ficaramangustiados a tal ponto que tiveram que fazer algo devido a este problema. Carlos, oevangelista local de nossa Igreja disse a Ed depois: "Pastor, entramos em uma escuracasa de madeira sem ventilação. A porta oferecia a única abertura. Dez polegadas deágua contaminada cobriam o piso de cimento. A mãe dava de mamar a um nenê.Havia outros dois meninos pequenos. Estavam tossindo. O esposo havia perdido seutrabalho e deviam dois meses de aluguel. Não tinham alimentos. Como se pode falarde um Deus amoroso em uma situação como esta?”

Continua o relato: “Nossos membros discutiram este caso e outros similares aeste e decidiram que cada um traria uma oferta do que pudessem repartir ao finalde cada semana. Isto foi feito para aliviar os necessitados e atender àsnecessidades mais urgentes que haviam encontrado. ‘Deviam ter visto com quefome esses meninos comeram as bolachas que lhes demos’, Carlos comentou.Contudo, nunca deixamos alimentos numa casa sem também deixar a mensagemcristã de esperança e amor.. "

Mais adiante, a carta continua: "Em resposta à ordenança de Deus, o trabalho daIgreja Metodista nesta grande nação do Brasil se tem feito crescentemente proféticoem sua proclamação contra as injustiças sociais e a exploração dos pobres. Quiserapoder dizer-lhes que a Igreja Metodista na Rocinha foi instrumento de Deus para queajudar o povo conseguir que a casa pequena e mal construída, cheia de água, foraderrubada e reconstruída em mutirão por um novo grupo em lugar acessível aostrabalhadores. Ou que a Igreja serviu como instrumento para conseguir que as leisexistentes fossem aplicadas com justiça para que as pessoas pudessem receber umsalário justo (tantas mães cujos filhos estão em nossa creche trabalham para famíliasricas recebendo um mísero salário!). Ou que a Igrejaé uma voz ativa que busca mudarsistemas econômicos corrompidos que favorecem aos ricos dando-lhes mais erelegando a segundo ou terceiro plano os pobres..."

Eles terminam o relato deste modo: "Por favor, leiam Lucas 4.18 e orem paraque o Senhor possa outorgar à nossa Igreja Metodista a força e a visão paraproclamar o ano aceitável do Senhor na Rocinha..."

A Evangelização realizada na Rocinha é exatamente a evangelização queJesus enfatizou. Uma Evangelização que pretende salvar integralmente o serhumano, restabelecendo-o à imagem e semelhança de Deus.

São lições importantíssimas que devemos aprender com os nossos irmãos naRocinha.

Citação:(1) ARIAS, M., op. cit., p. 30.

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A EVANGELIZAÇÃO QUE DEVEMOS PRÁTICARÀ LUZ DO ENSINAMENTO DE JESUS

E NO CONTEXTO DA AMERICA LATINA

Quase a totalidade das Igrejas hoje tem entendido a evangelizaçãosimplesmente como anunciar Jesus às pessoas. A pregação falada e escrita ficasendo a única forma de transmitir o Evangelho. Porém "a mensagem da Igrejaprimitiva não se comunicou unicamente de forma verbal."(1)

Como já vimos, Jesus evangelizava, tornando realidade o Reino de Deus navida das pessoas e no mundo, através da pregação, educação e libertação políticae social. A preocupação de Jesus não era só com a vida eterna. Ele vem trazer o"ano da graça do Senhor" (Lc 4.19), isto é, a instalação do ano jubileu, quando osnecessitados, doentes, pobres e oprimidos passam a ter acesso às promessas doAntigo Testamento, através do engajamento no Reino de Deus. Vimos até que apregação não foi o elemento mais importante na vida e ministério de Jesus. Eleensinou e curou mais do que pregou. Ele se preocupou mais com a prática do quecom a teoria.

A evangelização realizada hoje na maioria das Igrejas está longe do verdadeiropropósito dos evangelhos sinóticos.

“A novidade da Boa Nova não está, como se tem pretendido, em alguns deseus conceitos: Deus o Pai, Deus Amor, perdão, universalidade da salvação, etc.,pois nada disto falta no Antigo Testamento. Ela também não consiste na ênfasedestes elementos (diz-se, por exemplo, que o Antigo Testamento insiste nasantidade de Deus, enquanto o Novo Testamento insiste no Seu amor); ela residemuito mais no fato do cumprimento; aquilo que é prometido no Antigo Testamento,o alvo visado pela história que lá se desenrola, o desígnio de Deus, agora écumprido e alcançado" (2). A Boa Nova que Jesus veio trazer foi o Reino do plenoamor, plena justiça, plena paz, plena liberdade. Jesus veio trazer vida emabundância!

Jesus criticou os fariseus, em seu tempo, porque eles se preocupavam compequenas coisas e se esqueciam de praticar a justiça, a misericórdia e a fidelidade(Mt 23.23). Hoje, a Igreja está sujeita às mesmas críticas de Jesus, pois ela temcolocado a Evangelização como tendo o único objetivo de oferecer a vida eterna.

Alguém de uma Igreja tradicional chegou a escrever em seu jornal que "devidoa necessidade urgente de evangelizar, a Igreja não pode perder tempo com justiçasocial." Isto é não compreender que a Boa Nova de Jesus é uma salvação ampla

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para aqueles que vivem oprimidos de toda sorte, como os "franciscos emadalenas", que não têm direito a lazer, saúde, terra, casa, estudo e liberdade.

A VERDADEIRA BOA NOVAQual é afinal a missão da Igreja?

"A Igreja tem sido enviada para sarar os doentes, consolar os quebrantados decoração e libertar os oprimidos pelo demônio em todas as suas manifestações,pessoais e institucionais. As implicações desta missão e desta mensagem não selimitam apenas ao espiritual."(3)

Jesus trouxe e praticou uma evangelização que sarou as enfermidades (Mt8.16-17); transformou o luto em alegria (Lc 7.1 1-17); perdoou os pecados (Mc2.5); expulsou os demônios (Mt 12.28); libertou as pessoas daquilo que as oprimia(Lc 4.18); colocou os humildes no seu verdadeiro lugar (Mt 18.4); procurou restituira terra aos seus verdadeiros donos (Mt 5.4) e procurou fazer justiça aos que sãojustos (Mt 5.6); ele saciou a fome dos famintos (Lc 6.21), etc.

Esta é a Evangelização bíblica que Jesus praticou e ordenou que seusdiscípulos a praticassem.

COISAS QUE COMPLICAM O ENTENDIMENTODA BOA NOVA DE LIBERTAÇÃO

A Igreja, pensando em facilitar o seu trabalho, tem dividido a missão em partescompartimentadas: evangelização, ação social e educação. Assim, fica-seentendendo que a evangelização é pregar e distribuir folhetos. A ação social e aeducação, então, não se entende como parte da Evangelização. É algo à parte.Ora, nós vimos que com Jesus não foi assim. A evangelização era algo amplo:

"Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suassinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando toda equalquer doença ou enfermidade do povo."

(Mt 4.23; cf. Mt 9.35)

O texto acima mostra a integração da ação e prática do Evangelho: educação,pregação e ação social. Isto é Evangelização! Com os seus discípulos, Jesus deua mesma ordem:

"Convocando os doze, deu-lhes autoridade sobre todos osdemônios, bem como para curar doenças, e enviou-os aproclamar o Reino de Deus e a curar."

(Lc 9.1-2)

Como afirma o Conselho Mundial de Igrejas (CMI): "É necessário eliminar estaseparação entre evangelização e ação social. O evangelho espiritual e oevangelho material eram um só Evangelho em Jesus."(4)

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A divisão da missão da Igreja traz também outras dificuldades: leva a Igreja afazer, muitas vezes, ação social desvinculada da evangelização. Isto é, ajuda-sepessoas, através de roupas, alimentos, remédios, dinheiro, etc., sem que estaspessoas tenham conhecimento ou participem plenamente do Reino de Deus. Osimples assistencialismo fica sendo a missão da Igreja. Não se pensa em salvarintegralmente a pessoa. Isto não é fazer proselitismo. É anunciar e concretizar oReino na vida das pessoas, como Jesus fez.

Na educação acontece a mesma coisa. Jesus ensinava o Reino de Deus. Eleusava a educação como meio de tornar conhecido, aceito e concretizado osvalores do Reino. A Igreja de nossos tempos quer participar da educação do povo.É uma forma de ajudar as pessoas a terem conhecimento, formá-las e educá-laspara a participação na sociedade. Acontece que há sistemas educacionais quecooperam muito mais para que a pessoa adquira valores e práticas, como oindividualismo, competição, egoísmo, interesse só pelo lucro, etc., que não sãoos valores e práticas recomendados e enfati zados pelo Evangelho. A Igrejaass im acaba reforçando os valores do reino das trevas.

A Igreja não pode separar ação social e educação da evangelização. AEvangelização deve ser a missão única da Igreja, que deve chegar na vida daspessoas e no mundo através da pregação, educação, ação social, libertaçãopolítica e restituição dos direitos e dignidade do povo oprimido. Esta foi aEvangelização de Jesus e esta deve ser a evangelização da Igreja hoje.

À luz do ensinamento de Jesus e no contexto da América Latina, a seguir,damos algumas diretrizes de como deve ser a evangelização da Igreja hoje:

UMA EVANGELIZAÇÃO QUE ESTEJACENTRALIZADA NO REINO DE DEUS

O que significa isto?Significa que a evangelização que enfatizamos não poderá ser buscada

somente na doutrina da Igreja, ou seja, não podemos enfatizar a missão comosendo pregar doutrinas tipo "nosso batismo é o início correto, por isso, você temque vir para a nossa Igreja".

Isto não significa negligenciar as doutrinas, nem deixar de crer que elas sejamas mais corretas, mas evangelizar não é pregar doutrinas, embora isto possa estarincluído dentro do Evangelho.

Hoje o que costumamos ver é uma disputa, entre as Igrejas, para mostrar queesta ou aquela doutrina é a mais correta.

A Evangelização também não pode ser resumida no “crer” e pronto. O “crer”em Jesus é parte também do Evangelho, Jesus faz parte da Boa Nova. Ele

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transforma a nosso coração e nos dá a vida eterna. Pode parecer estranho, masse quisermos seguir os ensinamentos do próprio Jesus, não podemos reduzir aevangelização simplesmente no “crer” em Jesus.

A evangelização centralizada no Reino de Deus não significa também pregarapenas a salvação futura para viver eterna e confortavelmente na Jerusalémcelestial. Isto é parte da Evangelização, mas não é o básico, não é o maisimportante.

O que, então, é uma evangelização centralizada no Reino de Deus?Segundo as promessas e profecias do Antigo Testamento e segundo os

ensinamentos a práticas de Jesus nos evangelhos sinóticos, uma evangelizaçãocentralizada no Reino de Deus é salvar o ser humano totalmente: uma salvaçãofísica, social e espiritual. E ter em mente que este mundo precisa ser transformadototalmente para que todos tenham os mesmos direitos e deveres e recuperem aimagem de Deus que foi distorcida por todo pecado individual e coletivo .dasociedade.

A evangelização centralizada no Reino de Deus deve ser sensível aodesemprego, à fome, à miséria, à opressão que as pessoas sofrem. A Igreja temque lutar para que tenhamos um mundo de igualdade, dignidade e vida emabundância. Agindo assim, a mensagem e prática da Igreja será uma Boa Nova eserá bem recebida.

A evangelização centralizada no Reino de Deus, à semelhança do AntigoTestamento e das palavras e atitudes de Jesus, tem que se preocupar com oproblema da terra, da injustiça. A Igreja tem que lutar para que os pobres, oslavradores, os camponeses tenham a sua própria terra para morar e cultivar.Como disse Jesus: "possuirão a terra" (Mt 5.5). A Igreja tem que lutar pela justiça.Como disse Jesus: "Os que tem fome e sede de justiça serão fartos" (Mt 5.6).Lutar pela justiça é lutar para que o Reino de Deus se estabeleça definitivamentena terra, eliminando os poderes da morte. Não pode haver Reino de Deus ondehaja pecado, fome, miséria, opressão política.

É assim que temos uma evangelização centralizada no Reino de Deus!

UMA EVANGELIZAÇÃO QUE ANUNCIE, ENSINEE LIBERTE O SER HUMANO

Para que o Reino de Deus se estabeleça definitivamente a Igreja não podeutilizar só a pregação, o anúncio do Evangelho. Evangelho não e só pregar! Apregação é importante porque mostra ao povo, ao pecador, àqueles que vivem emsituação sub-humana, que Deus ama ao mundo, ao ser humano e quer lhe darvida em abundância, através da aceitação do reinado de Jesus na vida da pessoae no mundo. A Igreja fará isto adequadamente, através da capacitação do Espírito(cf. At 1.8).

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O reinado de Jesus na vida das pessoas e no mundo significa a chegada e apermanência entre nós do Reino de paz, amor, justiça e fraternidade. Para queeste Reino, que não é só espiritual, se torne realidade, é necessário tambémensinar e libertar as pessoas de tudo que as escraviza.

Jesus ensinava a realidade do Reino de Deus às pessoas, principalmente,através das parábolas. O educar é também parte da evangelização. A educaçãoconscientiza as pessoas a viverem segundo os propósitos do Reino do Deus. AIgreja deve lançar mão sempre da educação, para que a novidade e os valores doReino de Deus sejam conhecidos e praticados.

O Reino de Deus, porém, não se instalará definitivamente somente com apregação e a educação. Estas têm sido as armas que a Igreja tem utilizado. Ela,porém, deve utilizar a arma da libertação que Jesus usou (cf. Lc 4.16-19). Sim, aIgreja precisa libertar também as pessoas daquilo que as escraviza.

O que tem escravizado as pessoas? Os vícios, fome, doença, opressão, faltaou má qualidade das habitações, desemprego, etc.

A Igreja não deve atuar tanto no sentido de apresentar planos e sim de dizerque é injusto o sistema econômico que aumenta a riqueza e faz com que poucosretenham grande quantidade de terras, riquezas e lucros, enquanto a maioria está"vegetando", por não viver plenamente. Aliás, a justiça que a Bíblia prega é alemda justiça comum, que se fundamenta no direito romano, que procura dar a cadaum o que é seu, o que lhe pertence. A justiça que a Bíblia enfatiza vai além:"busca a integridade da criatura, sua paz e sua plenitude." (5) Por isso, Jesusdisse:

"Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas efariseus, não entrareis no Reino dos Céus."

(Mt 5.20)

A Igreja deve também dar o exemplo e deve viver em seu meio como umacomunidade onde todos vivam em igualdade (cf. At 2.42-47).

A Igreja deve denunciar a falta de liberdade para escolher os governantes, afalta de liberdade para se organizar, expressar seu pensamento, etc. Ela devefazer isto sem, contudo concordar com a libertinagem, que é uma outra formatambém de oprimir aos que querem seus direitos garantidos.

Só atuando globalmente a Igreja cooperará para que o Reino de Deus seinstale definitivamente na terra.

UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE EM CONTAA CULTURA DO CONVERTIDO

A pessoa ao aceitar a Cristo pela fé, como seu Senhor e Salvador, não precisa,

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necessariamente deixar a cultura do país ou o lugar onde vive.

Durante longos anos, a Igreja ensinou e pregou a necessidade de retirar apessoa do "mundo" e salvá-la, colocando-a “dentro” da Igreja. A Igreja se entendiacomo o "refúgio" do mundo. A verdadeira conversão era conhecida comoabandono de tudo que se praticava anteriormente. Pecado era freqüentar cinema,praticar esportes, usar as vestimentas do "mundo", beber vinho, participar defestas folclóricas, etc.

A conversão que Jesus enfatizou foi, acima de tudo, uma exigência de umaprática e de "frutos" que mostrassem justiça, e misericórdia em relação aopróximo. Jesus não exigia que o convertido deixasse seu modo de ser, desde que,naturalmente, não prejudicasse a prática dos valores do Reino de Deus.

Falando sobre a prática da Igreja Metodista em Angola, o Bispo EmílioCarvalho contou que, indo visitar uma determinada região acompanhado de umSuperintendente Distrital (SD), os cristãos do lugar, ao recebê-los, começaram adançar. O SD logo os repreendeu, mas o Bispo solicitou que o povo continuasse adançar. É que o africano não sabe demonstrar a sua alegria, sem dançar. O BispoEmílio afirma que "para ser cristão, o africano não precisa rejeitar (todos) os seuscostumes e tradições" (6).

A Igreja hoje, na América Latina, também não precisa levar o convertido arejeitar toda a sua cultura. O convertido deve, sim, demonstrar sinais de uma novavida, ou seja, uma vida de humildade, justiça e misericórdia para com o próximo.

A Igreja deve levar em conta a cultura do convertido. Ele deve expressar olouvor a Deus através do ritmo e modo de ser de seu país. Ele deve participar dasAssociações de Moradores, organizações sindicais, partidos políticos, gruposculturais, etc. É neste meio que ele deverá dar testemunho do Evangelho. Opróprio evangelho lhe dará discernimento das coisas que deverá praticar e evitar.

O que a Igreja fez durante longos anos foi retirar o convertido de sua cultura,introduzindo na sua prática a cultura de um outro país. Por isso, o Bispo Emílioafirma: “Inserir o Cristianismo bíblico nas categorias africanas de pensamento evida é africanizar, é contextualizar, é descolonizar o Cristianismo na África".(7)

Não temos que fazer o mesmo na América Latina?Por retirar o indivíduo da cultura de seu país, a Igreja não teve tanta aceitação,

não teve a influência na sociedade que poderia ter tido. O próprio Jesus nos deu oexemplo: ele se encarnou na cultura israelita a fim de estar junto com o povo esalvá-lo adequadamente.

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UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE A UMA VIVÊNCIAFRATERNA, JUSTA E COMUNITÁRIA.

Praticamente, em todas as Igrejas, temos hoje pessoas com fartura e outrascom fome. Temos pessoas com boas casas e outras sem ter onde morar; temospessoas que dão aos seus filhos ótimas escolas e outros que não podem nemestudar. Esta situação não era para existir no meio cristão. O evangelho veiotrazer a Boa Nova do Reino de Deus, que significa uma vivência fraternal, justa ecomunitária. A Igreja primitiva procurava colocar em prática o ensinamento deJesus, por isso, em seu meio não havia quem passasse necessidade (cf. At 2.44;At 4.32-44). O que acontece hoje é uma distorção do Evangelho! É umainfidelidade a Jesus Cristo!

E por isso que a Igreja não pode fazer concessões, não pode deixar deconstantemente questionar a sua prática. Onde o Evangelho chega, algo diferentetem que acontecer!

A Igreja precisa urgentemente retomar a prática da Igreja primitiva, segundo osrelatos dos sinóticos e do livro de Atos.

O Evangelho que a Igreja deve anunciar aos poderosos, aos que têm posses,é um evangelho que leve a amar o próximo de forma concreta, à semelhança deBarnabé (At 4.36-37) e Zaqueu (Lc 19.1-10); à semelhança do que Jesusanunciou ao jovem rico (Mc 10.17-22). Se uma Igreja não tem uma relação justa,fraternal e comunitária entre seus membros, então, o verdadeiro Evangelho nãoestá sendo praticado em seu meio.

O Espírito Santo dá esta consciência e nos leva a praticar o amor fraternal. OEspírito Santo cria a vivência justa e comunitária (cf. At 2.37-47). Esta vivênciajusta, fraternal e comunitária deverá existir também na sociedade. O Reino deDeus veio exatamente criar esta prática. A nova Jerusalém descreve estavivência, onde não mais haverá fome, morte, opressão, desigualdade. A Igreja temesta missão de anunciar e concretizar em seu meio e na sociedade o Reino plenode Deus.

UMA EVANGELIZAÇÃO QUE LEVE A CONFESSARA JESUS COMO SENHOR E SALVADOR

Jesus é o Rei do Reino que ele quer instalar definitivamente no mundo. A fé, acrença, a confiança plena em Jesus é fundamental para que o Reino se instale,interiormente, em nossa vida e para que, como súditos, como servos de Jesus,também cooperemos e sejamos instrumentos importantes para instalar o Reino dejustiça e paz no mundo. Neste sentido, devemos seguir o exemplo de Paulo. Aliás,ele disse para sermos seus imitadores, como ele foi de Jesus.

Sem a presença de Cristo em nossa vida, ninguém poderá, por muito tempo,por mais boa vontade que tenha, continuar com o propósito de lutar contra o reinodas trevas. É o Espírito Santo que nos capacita, nos dá forças, nos esclarece, nos

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impulsiona para a Missão.

Além do Cristo libertador, a Igreja deverá anunciar o Cristo crucificado, o Cristoressurreto, o Cristo Senhor e Salvador. Somente com Cristo sendo o Cabeça, éque o Corpo, que somos nós, poderá viver a vida comunitária, a vida fraterna, avida justa com o próximo.

Neste sentido, o exemplo de Paulo é fundamental! Ele tudo deixou por causade Cristo! Paulo era rico, era cidadão romano, era pessoa influente na religião emIsrael. A conversão de Paulo o levou a considerar tudo isto insignificante. O amorde Cristo o transformou! Paulo em muitas ocasiões citou o exemplo de Cristo, quese esvaziou e se tornou servo (Fl 2.6-7). Ele pediu que a Igreja tivesse o mesmosentimento de Jesus (FI 2.1.5). Paulo vivenciava o Reino de Deus plenamente.

A Igreja hoje deve seguir o exemplo dos discípulos de Jesus, que tudodeixaram por causa do Evangelho. Se a Igreja hoje vive tão cheia de propriedadesociosas, se a Igreja é constituída de pessoas que estão mais prontas a mandar doque a servir, se a Igreja é constituída de pessoas riquíssimas e outraspaupérrimas, é exatamente devido a falta de confessar a Jesus como Senhor eSalvador.

Somente uma conversão autêntica levará o convertido à prática da justiça, damisericórdia, da fraternidade. Naturalmente, há muitas conversões autênticas, masa Igreja não tem enfatizado a prática do Evangelho ou a vivência do Reino deDeus, conforme o ensinamento de Jesus.

Se enfatizarmos somente o Reino de justiça e paz, a evangelização estaráincompleta. Se enfatizarmos também somente o Cristo crucificado, aevangelização ficará incompleta. Portanto, se a Igreja quiser seguir a Bíblia porinteiro e todo o evangelho, é necessário enfatizar a fé no Cristo crucificado e aprática do Reino de justiça e paz.

Citações:(1) COOK, G., op. cit., p. X III,(2) ALLMEN, J., op. cit., pp. 136-7.(3) COOK, G.. op. cit., p. 3.(4) CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, op. cit., p. 27.(5) GONZALEZ, A., op. cit., p. 92.(6) CARVALHO, E. J. M., Teologia e Prática do Metodismo — Uma Experiência da Igreja emAngola, SP, Imprensa Metodista e Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1984, p. 52.(7) Ibid, pág. 54

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Angola, São Paulo, Imprensa Metodista/Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1984.7 — CONSELHO MUNDIAL DE IGREJAS, Missão e Evangelização: Uma Afirmação Ecumênica, Rio de

Janeiro, CEDI, 1983.8 — COOK, Guilhermo, Profundidad En La Evangelizacion, Costa Rica, Publicacions INDELF, 1975.9 — CULLMANN, Oscar, A Formação do Novo Testamento, Rio Grande do Sul, Editora Sinodal, 1970.10 — FEUILLET, Robert, Introdução à Bíblia, vv. III e IV, Editora Herdem 1968.11 — GONZALEZ, Angel e outros, Profetas Verdadeiros, Profetas Falsos, Salamanca, Edições Sigueme,

1976.12 — MESTERS, Carlos, A Palavra de Deus na História dos Homens, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1973.13 — SANTANA, Júlio de, A Igreja e o Desafio dos Pobres, Rio de Janeiro, Tempo e Presença/Vozes, 1980.14 — WILLIAMS, Colin, Igreja: Onde Estás?, São Paulo, Imprensa Metodista, 1968.

CAPAMarta Cerqueira Leite Guerra