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1 ADOLESCENTES E O TABACO RAPAZES E RAPARIGAS Margarida Gaspar de Matos Tania Gaspar Aventura Social / HBSC - Faculdade de Motricidade Humana/ Universidade Técnica de Lisboa Paulo Duarte Vitória Manuel Pais Clemente Conselho de Prevenção do Tabagismo Lisboa, Portugal, 2003

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ADOLESCENTES E O TABACO

RAPAZES E RAPARIGAS

Margarida Gaspar de Matos Tania Gaspar Aventura Social / HBSC - Faculdade de Motricidade Humana/ Universidade Técnica de Lisboa

Paulo Duarte Vitória Manuel Pais Clemente Conselho de Prevenção do Tabagismo

Lisboa, Portugal, 2003

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Índice Agradecimentos ....................................... 5 Introdução ............................................ 7 Revisão da Literatura ................................ 11 Estudo Quantitativo .................................. 17 • Introdução........................................... 17 • Metodologia.......................................... 18 • Resultados ........................................... 19 • Discussão ............................................ 27 • Recomendações ...................................... 29 Estudo Qualitativo.................................... 31 • Introdução........................................... 31 • Metodologia.......................................... 32 • Resultados ........................................... 35 • Discussão ............................................ 46 Notas Finais........................................... 53 Referências ........................................... 59

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Agradecimentos Os autores agradecem à equipa de investigação do Projecto “Aventura Social”: Drªs Celeste Simões, Paula Lebre, Susana Carvalhosa, Carla Reis, Dória Santos (FMH/UTL) e Profª Dr.ª Aldina Gonçalves e Dr.ª Sonia Dias (IHMT/UNL) pelo seu apoio ao longo deste estudo.

Os autores agradecem também à equipa do CPT e ainda à Dr.ª Lúcia Canha (Escola Profissional de Odemira) e Dr. Pedro Castano (Escola Profissional Almirante Reis) pelo apoio na recolha de dados. E por último mas não menos importante, os autores agradecem a todos os adolescentes envolvidos, assim como aos seus professores. Estudo em colaboração com VIG – Vlaams Instituut voor Gezondheidspromotie e HBSC/OMS – Health Behaviour School-aged Children/ Organização Mundial de Saúde e co-financiado pela ENYPAT - European Commission e Europe against Câncer.

Fotografia: Paulo Canha, Ana de Almeida Costa e Tiago Moz

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Introdução Nos últimos 10 anos tem-se verificado um aumento do

consumo de tabaco na população adolescente quer nos Estados Unidos quer na Europa (Currie, Hurrelmann, Settertobult, Smith & Todd, 2000).

Foram encontradas diferenças entre os géneros relativamente:

Ao número de fumadores: de modo geral, existem mais rapazes do que raparigas a fumar, mas essa diferença tem vindo a diminuir;

Às variáveis relacionadas com o consumo de tabaco: os rapazes e as raparigas apresentam diferentes razões, atitudes e expectativas em relação ao consumo de tabaco; (Joossens & Sasco, 1999 in Hublet, Lambert, Verduyckt, Maes & Broucke, 2002).

Na conferência “Tobacco and Women” (cit Hublet et

al., 2002) que decorreu em 1998 em Paris concluiu-se que o consumo de tabaco pela mulher é um grave problema na Europa e no Mundo:

• A percentagem de mulheres fumadoras continua a aumentar em 6 países europeus (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Luxemburgo e Áustria) especialmente entre as mulheres jovens;

• Os jovens começam a fumar mais cedo; • Nos países mais desenvolvidos a prevalência de

fumadores é superior nas mulheres.

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Diversos países e organizações Europeias, com a finalidade de combater o consumo do tabaco, procuram implementar estratégias baseadas nas diferenças entre os géneros, no sentido de aumentar a eficácia dos programas de prevenção e cessação. Estas acções envolvem uma compreensão crescente dos factores sociais que influenciam o consumo de tabaco e que são específicas para a mulher (Hublet et al., 2002).

Em 1997/98 o estudo Health Behaviour of School-

Aged Children (HBSC) foi levado a cabo em 28 países em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS). O estudo pretende identificar as atitudes e comportamentos de saúde de jovens em idade escolar. No estudo de 1998, em Portugal, foram inquiridos 6903 alunos dos 6º, 8º e 10º anos de escolaridade do ensino regular.

O projecto europeu “Gender Differences in Smoking in young People” foi pela primeira vez proposto em 2001, com 13 países participantes 11 dos quais são membros da União Europeia (Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Reino Unido) e dois países não membros (Polónia a Canadá).

Este projecto foi aprovado pela Comissão Europeia com 5 países participantes: Bélgica (país coordenador através do Flemish Institute for Health Promotion), Áustria, Portugal, Escócia e Suécia.

O objectivo principal deste projecto foi a investigação sobre as diferenças entre rapazes e raparigas que fumam. A população alvo foi constituída por adolescentes dos 14 aos 16 anos que fumem regularmente (pelo menos uma vez por semana). O estudo levado a cabo em Portugal utilizou análise quantitativa e qualitativa.

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Os objectivos intermediários deste estudo foram: • A pesquisa de literatura; • A análise da base de dados do HBSC/OMS

(1997/98) do consumo de tabaco; • Desenvolvimento e uso de um protocolo para

investigar o significado e funções do consumo de tabaco para os rapazes e para as raparigas;

• Elaboração de um relatório com recomendações para o desenvolvimento e implementação de futuros programas de prevenção e cessação específicos tendo em conta as diferenças de género.

Este trabalho foi elaborado com base na análise dos

dados do Health Behaviour in School-Age Children- HBSC/OMS 1998 (Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha, 2000; Matos, Carvalhosa, Vitória & Clemente, 2001) e na análise dos dados recolhidos no estudo qualitativo através de entrevistas a "grupos focais" com adolescentes fumadores (Matos & Gaspar, 2002).

O primeiro destes estudos mostrou um aumento de

fumadores em todos os países participantes. As causas deste aumento e as respectivas diferenças de género continuaram pouco claras. O principal objectivo do segundo estudo foi procurar respostas para estas questões.

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Revisão da Literatura

No continente europeu o consumo de tabaco é o factor

de risco mais importante para a saúde: 50% dos fumadores regulares vão morrer devido ao tabaco, dos quais metade durante a meia idade. Em 1995 o tabaco foi responsável por 1,2 milhões de mortes na Europa (14% de todas as mortes), o que representa uma perda média de 20 anos relativamente à expectativa de vida. Caso as tendências actuais não sejam alteradas, espera-se um agravamento da situação e, em 2020, o tabaco será responsável por 20% de todas as mortes (OMS, 1997; WHO, 2000).

Face a este quadro, o problema do tabagismo assume uma relevância fundamental na promoção da saúde e na prevenção de algumas das doenças mais importantes no contexto dos países desenvolvidos.

Quando procuramos conhecer melhor o problema do

tabagismo, há dois aspectos a considerar. Por um lado, na maioria dos casos, a iniciação tabágica ocorre na puberdade e a dependência instala-se durante a adolescência. Mais de metade dos jovens que experimentam tabaco será dependente de nicotina e, entre os jovens que fumam de modo regular aos 20 anos, 95% será dependente de nicotina (APA, 1994). Por outro lado, em geral, a prevalência de mulheres que fumam tem aumentado ao longo das últimas décadas, aumentando também a importância deste comportamento na morbilidade e mortalidade na população

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feminina (Rodin, 1990; Boyle, 1997; Joossens, 1999; USDHHS, 2001).

Nos Estados Unidos, a mortalidade feminina devida a cancro do pulmão aumentou 600% nos últimos 50 anos, sendo, actualmente, responsável por 25% das mortes por cancro nas mulheres americanas (contra 3% em 1950). Em 1987, o cancro do pulmão ultrapassou o cancro da mama e passou a ser o cancro que mata mais mulheres nos Estados Unidos. Cerca de 90% das mortes provocadas por cancro do pulmão são causadas pelo tabaco (USDHHS, 2001). Na Europa, a mortalidade feminina causada pelo tabaco subiu dramaticamente de 10.400 casos em 1955 para 133.011 casos em 1995 (Peto et al., 1998).

Na União Europeia, o consumo de tabaco pelos homens tem diminuído nos últimos anos de modo consistente, embora lento (44% em 1987, 40% em 1995), enquanto nas mulheres esses valores se mantiveram quase constantes no mesmo período de tempo (28-27%) (Joossens, 1999). Neste quadro, a diferença entre a prevalência do tabagismo nos homens e nas mulheres diminuiu de 16% em 1987 para 13% em 1995 (Joossens, 1999). Ao mesmo tempo, observou-se que o cancro do pulmão no sexo feminino aumentou 73% entre 1975 e 1985 (Boyle, 1997).

Em Portugal, a prevalência do consumo de tabaco nos homens teve uma descida superior à verificada na União Europeia (46% em 1988 e 40% em 1995) enquanto no sexo feminino, ao contrário da União Europeia, a prevalência subiu de 12 para 15% (Joossens, 1999).

Os Inquéritos Nacionais de Saúde realizados em Portugal confirmam a diminuição da prevalência tabágica masculina e o aumento da prevalência tabágica feminina (Ministério da Saúde, 1988, 1997 e 2000). No final da

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década de 80, a diferença entre a prevalência de fumadores e fumadoras em Portugal era notória: 33% de fumadores contra 5% de fumadoras. Porém, na década de 90, a percentagem de fumadores diminuiu e a de fumadoras aumentou: em 1999 fumavam 29% dos homens e 8% das mulheres (Ministério da Saúde, 1988, 1997 e 2000). Analisando a prevalência tabágica por faixas etárias, verificamos quase inexistência de fumadoras a partir dos 55 anos, havendo, assim, nas faixas etárias dos 15 aos 44 anos, uma prevalência de fumadoras muito superior à da população em geral. Este dado permite prever que a prevalência de mulheres fumadoras em Portugal continuará a aumentar e justifica a necessidade de uma especial atenção à prevenção do tabagismo dirigida especialmente às jovens portuguesas.

Alguns estudos realizados com jovens portugueses determinaram prevalências de raparigas fumadoras próximas mas inferiores às dos rapazes da mesma idade (Precioso, 2001; Azevedo et al., 1999; Machado et al., 1995). No entanto, outros estudos apontam já para a existência de uma prevalência igual ou mesmo superior de raparigas fumadoras. Um estudo realizado com jovens em meio escolar com idade inferior ou igual a 13 anos observou que o consumo diário de tabaco pelos rapazes diminuiu de 9% em 1995 para 7% em 1999, enquanto nas raparigas se manteve nos 8% durante o mesmo intervalo de tempo (Hibell et al., 1997 e 2000). O mesmo estudo apresenta também o consumo de cigarros nos últimos 30 dias, que evoluiu de 22 para 28% nos rapazes e de 25 para 28% nas raparigas (Hibell et al., 1997 e 2000).

O comportamento tabágico nas jovens raparigas é especialmente perigoso pois, além das conhecidas

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consequências negativas no sistema respiratório e cardiovascular, onde o risco da exposição ao fumo de tabaco parece ser superior nas mulheres do que nos homens, produz também efeitos nocivos e imediatos na função reprodutiva, como, por exemplo, maior risco de doença inflamatória pélvica, que pode afectar a fertilidade, maior risco de aborto espontâneo e diminuição do peso à nascença nos bebés de mães fumadoras (Pirie et al., 1991; Joossens, 1999; USDHHS, 2001).

Comparando as raparigas que começam a fumar com as que não o fazem, as primeiras têm mais pais ou amigos que fumam, têm uma relação mais difícil com os pais e com a família, estimam que existem mais fumadores do que na realidade existem, têm mais tendência para risco e rebelião, têm uma relação mais fraca com a escola e a religião, têm menos informação sobre as consequências de fumar e sobre o carácter aditivo do tabaco, crêem que o tabaco ajuda a manter o peso e a linha e a gerir emoções negativas e têm uma imagem mais positiva dos fumadores (USDHHS, 1994 e 2001).

Apesar de vários estudos terem examinado os factores que contribuem para a iniciação do comportamento tabágico nos adolescentes, poucos foram aqueles que procuraram identificar os determinantes específicos do comportamento de fumar para cada um dos sexos (Clayton, 1991; Harrell et al., 1998; French & Perry, 1996; Stead et al., 1996; USDHHS, 1994 e 2001). Esta questão é relevante, uma vez que pode contribuir para melhorar estratégias de prevenção e para conceber programas de prevenção mais eficazes, dirigidos a cada um dos sexos.

Alguns estudos realizados encontraram factores comuns a ambos os sexos enquanto que outros revelaram

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condicionantes específicas a cada sexo (French & Perry, 1996). As raparigas adolescentes que fumam parecem ser mais rebeldes e auto-confiantes, enquanto que os rapazes utilizam o fumar como um mecanismo para compensar a sua maior insegurança social (Clayton, 1991; French & Perry, 1996; Urberg & Robbins, 1981).

Charlton & Blair (1989) demonstraram que as vantagens percebidas de fumar ou as crenças a favor de fumar influenciam o comportamento tabágico das raparigas, mas não influenciam o comportamento tabágico dos rapazes. Nichter et al., (1997) destacam a associação entre fumar e redução do stress ou relaxamento como a razão mais referida por um grupo de adolescentes fumadoras.

Outro aspecto potencialmente relevante na explicação do comportamento tabágico dos adolescentes, em especial das raparigas, é a crença que o tabaco ajuda a controlar o peso (Clayton, 1991; French & Perry, 1996; Camp et al., 1993; Llyod et al., 1998; Tomeo et al., 1999; French et al., 1994; Stead et al., 1996; USDHHS, 2001). Esta ideia tem sido muito explorada nos anúncios de cigarros, onde fumar surge fortemente associado a uma imagem feminina ideal, marcada pela elegância, o charme, a sensualidade, a independência e desejabilidade social (French & Perry, 1996; USDHHS, 2001).

Alguns estudos concluíram que a influência parental contribui para a prevalência tabágica nas raparigas, mas não contribui para a prevalência tabágica nos rapazes (Chassin et al., 1986; Charlton & Blair, 1989). As raparigas parecem ser mais susceptíveis à influência do comportamento tabágico da mãe, enquanto que o comportamento de fumar do pai exerce maior influência no caso dos rapazes (Clayton, 1991). No que se refere à influência dos pares, a

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investigação mostra que o comportamento de fumar dos amigos tem maior impacto nas raparigas do que nos rapazes (Chassin et al., 1986; Flay et al., 1998).

Numa tentativa de hierarquizar os factores que condicionam o comportamento tabágico de rapazes e raparigas, Charlton e Blair (1989) concluíram que, para os rapazes, ter como melhor amigo um fumador parece ser o factor mais relevante; para as raparigas, pelo menos um dos pais fumar é o factor com mais peso no seu comportamento, seguido das crenças a favor de fumar e de ter como melhor amigo um fumador.

Assim, e em resumo, rapazes e raparigas começam a fumar por razões diversas. É importante conhecer esses factores para que os programas de prevenção do tabagismo possam ser melhor adaptados às características específicas de rapazes e de raparigas.

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Estudo Quantitativo Estudo quantitativo com base nos dados Health Behaviour in School-Aged Children- HBSC/OMS 1998 (Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha 2000; Matos, Carvalhosa, Vitória & Clemente 2001)

Introdução O HBSC, estudo do comportamento dos jovens em

idade escolar, visa compreender os estilos de vida dos jovens e os seus hábitos de vida ligados à saúde ou ao risco. Situa-se mais no campo das ciências do comportamento e das relações sociais, do que no campo da epidemiologia clássica. Chamou-se a este enquadramento teórico “perspectiva da socialização” no qual é sistematicamente explorado a influência de várias “cenários sociais” (família, escola, amigos) na saúde e nos comportamentos de saúde dos jovens.

O Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), é um estudo colaborativo da Organização Mundial de Saúde realizado de 4 em 4 anos por uma rede europeia de profissionais ligados à Saúde e à Educação. Portugal, através da equipa do projecto Aventura Social e Saúde / Faculdade de Motricidade Humana, é membro desde 1994.

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Metodologia

Amostra A opinião dos jovens foi recolhida em 191 escolas

nacionais de ensino regular, num total de 6903 alunos. As escolas foram sorteadas de uma lista nacional. Foram seleccionados, de forma aleatória, alunos dos 6º, 8º e 10º anos de escolaridade. Um pouco mais de metade dos jovens (53%) são do sexo feminino e as idades correspondentes a estes anos de escolaridade oscilam maioritariamente entre os 11 e os 16 anos. É uma amostra representativa da população escolar portuguesa destes níveis de escolaridade.

Procedimento

O questionário “Comportamento e Saúde em Jovens em

Idade Escolar” utilizado neste estudo foi o adoptado no estudo europeu HBSC em 1998 (Currie, Hurrelmann, Settertobulte, Smith & Todd, 2000; Matos, Simões, Carvalhosa, Reis & Canha, 2000). Foram incluídas as questões demográficas e um conjunto de questões relacionadas com expectativas para o futuro, história de consumos (consumo de álcool, tabaco e drogas), prática de exercício físico e tempos livres, hábitos alimentares e de higiene, bem estar e apoio familiar, ambiente na escola (amigos, professores e violência), imagem pessoal, queixas de sintomas psicológicos e somáticos e crenças e atitudes face ao VIH /SIDA.

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Resultados Serão apresentados dados relativos a dois sub-grupos

de jovens, os jovens que já experimentaram fumar tabaco e os jovens que consomem tabaco.

Os jovens que já experimentaram fumar tabaco Experimentar fumar tabaco

Dos jovens incluídos (n=6850), 30.9% (n = 2119) revelaram já ter experimentado fumar tabaco. Sexo

De entre os jovens fumadores, os rapazes mais frequentemente já experimentaram fumar tabaco (50.9%) do que as raparigas (49.1%)1. Idade

Dos jovens que já experimentaram tabaco, 76.2% têm 15 anos ou mais2 .

Álcool

Os jovens que referem beber álcool (todas as semanas ou todos os dias)3 , e embriagar-se (duas vezes ou mais)4 , mais frequentemente referem já ter experimentado fumar tabaco.

1 (χ² = 19.54, g. l. = 1, p<.001, n = 6825) 2 (χ² = 840.09, g. l. = 3, p<.001, n = 6822) 3 (χ² = 617.43, g. l. = 1, p<.001, n = 6095) 4 (χ² = 1021.61, g. l. = 1, p<.001, n = 6829)

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Drogas Os jovens que já experimentaram alguma droga5 e os

jovens que consumiram drogas no último mês6 , referem mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Provocações na escola

Os jovens que se envolvem em comportamentos de vitimação pelos colegas na escola7 , afirmam com mais frequência nunca ter experimentado fumar tabaco. Enquanto que os jovens que se envolvem em comportamentos de provocação aos colegas na escola8 , referem mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Envolvimento em lutas

Os jovens que se envolveram em lutas afirmam mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco9 .

Sentir-se feliz

Os jovens que não se sentem felizes, afirmam mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco10 .

Sintomas físicos e psicológicos

Os jovens que apresentam sintomas físicos e psicológicos, referem mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco11 .

5 (χ² = 345.51, g. l. = 1, p<.001, n = 6491) 6 (χ² = 269.14, g. l. = 1, p<.001, n = 6266) 7 (χ² = 4.13, g. l. = 1, p<.05, n = 6786) 8 (χ² = 1957, g. l. = 1, p<.001, n = 6781) 9 (χ² = 73.27, g. l. = 1, p<.001, n = 6850) 10 (χ² = 145.64, g. l. = 1, p<.001, n = 6825) 11 (χ² = 107.94, g. l. = 1, p<.001, n = 6506)

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Imagem do corpo

Os jovens que afirmam estar a fazer dieta ou, se não estão, dizem precisar12 bem como os jovens que afirmam que gostariam de mudar algo no seu corpo13 , e ainda os jovens que consideram o seu corpo como gordo14 , referem mais frequentemente ter experimentado fumar tabaco. Os jovens que consideram a sua aparência média ou má15 , mais frequentemente referem ter experimentado fumar tabaco.

Alimentação

Os jovens que consomem alimentos do tipo “saudável” como fruta, vegetais ou leite16 (todos estes pelo menos uma vez por dia), afirmam com mais frequência nunca ter experimentado fumar tabaco. Os jovens que consomem alimentos do tipo “não saudável” como batatas fritas, hambúrgueres, cachorros quentes ou salsichas e colas ou outros refrigerantes17 (pelo menos um deles uma vez por dia), referem mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Prática de actividades físicas

Os jovens que praticam actividades físicas, afirmam com maior frequência já ter experimentado fumar tabaco18 .

12 (χ² = 19.55, g. l. = 2, p<.001, n = 6814) 13 (χ² = 153.31, g. l. = 1, p<.001, n = 6791) 14 (χ² = 30.23, g. l. = 3, p<.001, n = 6805) 15 (χ² = 23.31, g. l. = 3, p<.001, n = 6815) 16 (χ² = 11.83, g. l. = 1, p≤.001, n = 6828) 17 (χ² = 83.05, g. l. = 1, p<.001, n = 6828) 18 (χ² = 57.86, g. l. = 1, p<.001, n = 6850)

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Tempos livres Os jovens que vêem TV quatro horas ou mais por dia,

mais frequentemente experimentaram fumar tabaco19 .

Vida escolar Os jovens que não gostam da escola20 ,os jovens que

acham que ir à escola é aborrecido21 ,os jovens que acham que os seus professores os consideram como tendo capacidades médias ou fracas22 , afirmam com maior frequência já ter experimentado fumar tabaco.

Comunicação com os pais

Os jovens que consideram difícil falar com a mãe sobre o que os preocupa23 ,e os jovens que consideram difícil falar com o pai sobre o que os preocupa ou que não têm ou não vêem o pai24 , referem mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Tipo de família

Os jovens que vivem com ambos os pais, referem mais frequentemente nunca ter experimentado fumar tabaco25 .

Relação com os professores

Os jovens que acham que os professores não os encorajam a expressar os seus pontos de vista26 , os jovens

19 (χ² = 35.31, g. l. = 2, p<.001, n = 6826) 20 (χ² = 252.68, g. l. = 1, p<.001, n = 6780) 21 (χ² = 308.12, g. l. = 1, p<.001, n = 6810) 22 (χ² = 96.46, g. l. = 3, p<.001, n = 6778) 23 (χ² = 134.18, g. l. = 2, p<.001, n = 6696) 24 (χ² = 130.68, g. l. = 2, p<.001, n = 6657) 25 (χ² = 22.30, g. l. = 2, p<.001, n = 6386) 26 (χ² = 23.88, g. l. = 2, p<.001, n = 6723)

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que consideram que os professores não os tratam com justiça27 ,os jovens que consideram que os professores não os ajudam quando precisam28 ,e ainda os jovens que acham que os professores não se interessam por eles como pessoas29 , afirmam mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Relação com os amigos

Os jovens que referem que os seus colegas de turma não gostam de estar juntos ,os jovens que consideram que os seus colegas não os aceitam como são30 e ainda os jovens que ficam com os amigos após as aulas (dois ou mais dias por semana)31 , afirmam mais frequentemente já ter experimentado fumar tabaco.

Os jovens e o consumo de tabaco Consumo de tabaco

Dos jovens incluídos, 8.1% (553) consome tabaco regularmente (uma vez por semana ou mais), 5% (339) de modo ocasional e 86.9% (5915) não consome.

Sexo

De entre os jovens consumidores, os rapazes consomem mais tabaco, tanto regularmente (52.6%) como ocasionalmente (53.4%) do que as raparigas32 .

27 (χ² = 26.77, g. l. = 2, p<.001, n = 6711) 28 (χ² = 94.20, g. l. = 2, p<.001, n = 6732) 29 (χ² = 90.21, g. l. = 2, p<.001, n = 6710) 30 (χ² = 7.71, g. l. = 2, p<.05, n = 6718) 31 (χ² = 73.83, g. l. = 2, p<.001, n = 6793) 32 (χ² = 14.56, g. l. = 2, p≤.001, n = 6807)

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Idade

Os jovens que têm 15 anos ou mais, afirmam mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente)33 .

Álcool

Os jovens que bebem álcool (todas as semanas ou todos os dias)34 e os jovens que se embriagaram (duas vezes ou mais)35 ,consomem mais tabaco (regular e ocasionalmente).

Drogas

Os jovens que já experimentaram alguma droga36

e os jovens que consumiram drogas no último mês37 , afirmam mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente).

Provocações na escola

Os jovens que não se envolvem em comportamentos de vitimação pelos colegas na escola38 e os jovens que têm comportamentos de provocação aos colegas na escola39 , referem mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente).

33 (χ² = 434.18, g. l. = 6, p<.001, n = 6807) 34 (χ² = 1289.21, g. l. = 2, p<.001, n = 6788) 35 (χ² = 911.44, g. l. = 2, p<.001, n = 6064) 36 (χ² = 794.53, g. l. = 2, p<.001, n = 6240) 37 (χ² = 817.23, g. l. = 2, p<.001, n = 6453) 38 (χ² = 37.18, g. l. = 2, p<.001, n = 6738) 39 (χ² = 6.84, g. l. = 2, p<.05, n = 6745)

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Envolvimento em lutas Os jovens que se envolveram em lutas consomem mais

tabaco (regular e ocasionalmente)40 .

Sentir-se feliz Os jovens que não se sentem felizes, referem mais

frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente)41 .

Sintomas físicos e psicológicos

Os jovens que apresentam sintomas físicos e psicológicos, referem mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente)42 .

Imagem do corpo

Os jovens que afirmam estar a fazer dieta43 e os jovens que gostariam de mudar algo no seu corpo44 , referem com maior frequência consumir tabaco (regular e ocasionalmente).

Os jovens que consideram o seu corpo como magro, mais frequentemente consumem tabaco regularmente e os jovens que consideram o seu corpo como gordo, mais frequentemente consumem tabaco ocasionalmente.45

40 (χ² = 77.95, g. l. = 2, p<.001, n = 6807) 41 (χ² = 81.48, g. l. = 2, p<.001, n = 6783) 42 (χ² = 41.44, g. l. = 2, p<.001, n = 6472) 43 (χ² = 44.13, g. l. = 2, p<.001, n = 6749) 44 (χ² = 10.34, g. l. = 4, p<.05, n = 6773) 45 (χ² = 21.02, g. l. = 6, p<.01, n = 6762)

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Alimentação Os jovens que consomem alimentos do tipo “saudável”

como fruta, vegetais ou leite (todos estes pelo menos uma vez por dia), afirmam com mais frequência não fumar46 .

Os jovens que consomem alimentos do tipo “não saudável” como batatas fritas, hambúrgueres, cachorros quentes ou salsichas e colas ou outros refrigerantes (pelo menos um deles uma vez por dia), referem mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente)47.

Prática de actividades físicas

Os jovens que não praticam actividades físicas, afirmam mais frequentemente consumir tabaco regularmente48 .

Tempos livres

Os jovens que vêem TV quatro horas ou mais por dia, mais frequentemente consomem tabaco (regular e ocasionalmente)49 .

Vida Escolar

Os jovens que não gostam da escola50 , que acham que ir à escola é aborrecido51 e que os seus professores os consideram como tendo capacidades fracas52 , mais

46 (χ² = 7.21, g. l. = 2, p<.05, n = 6787) 47 (χ² = 87.99, g. l. = 2, p<.001, n = 6787) 48 (χ² = 45.01, g. l. = 2, p<.001, n = 6807) 49 (χ² = 14.07, g. l. = 4, p<.01, n = 6786) 50 (χ² = 168.19, g. l. = 2, p<.001, n = 6769) 51 (χ² = 216.58, g. l. = 2, p<.001, n = 6736) 52 (χ² = 66.03, g. l. = 6, p<.001, n = 6738)

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frequentemente consomem tabaco (regular e ocasionalmente).

Comunicação com os pais

Os jovens que consideram difícil falar com a mãe53 e com o pai54 sobre o que os preocupa, referem mais frequentemente consumir tabaco (regular e ocasionalmente). Tipo de família

Os jovens que não vivem com ambos os pais, mais frequentemente consomem tabaco regularmente55 . Relação com os professores

Os jovens que acham que os professores não os tratam com justiça56 , não os ajudam quando precisam ou não sabem57 e não se interessam por eles como pessoas58 , consomem mais frequentemente tabaco (regular e ocasionalmente).

Relação com os amigos

Os jovens que referem que os seus colegas de turma não gostam de estar juntos, afirmam mais frequentemente consumir tabaco regularmente59 .

53 (χ² = 41.17, g. l. = 4, p<.001, n = 6616) 54 (χ² = 71.59, g. l. = 4, p<.001, n = 6656) 55 (χ² = 27.08, g. l. = 4, p<.001, n = 6344) 56 (χ² = 40.33, g. l. = 4, p<.001, n = 6669) 57 (χ² = 73.48, g. l. = 4, p<.001, n = 6689) 58 (χ² = 21.26, g. l. = 4, p<.001, n = 6666) 59 (χ² = 19.65, g. l. = 4, p≤.001, n = 6687)

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Os jovens que ficam mais vezes com os amigos após as aulas (dois ou mais dias por semana), consomem mais frequentemente tabaco (regular e ocasionalmente)60 .

Discussão De acordo com estes nossos dados, recolhidos junto de

uma amostra nacional significativa de 6903 jovens do 6º, 8º e 10º anos, utilizando um questionário (Currie et al., 2000; Matos et al., 2000; Matos et al., 2001), os rapazes e os mais velhos não só mais frequentemente já experimentaram tabaco, como são mais frequentemente consumidores.

Os resultados sugerem que, no geral, os jovens que já experimentaram, bem como os consumidores de tabaco apresentam um perfil de afastamento em relação à família, à escola e ao convívio com os colegas em meio escolar. Apresentam também com mais frequência envolvimento com experimentação e consumo de álcool e outras drogas ilícitas e envolvimento em lutas e situações de violência na escola.

Os jovens que experimentaram tabaco, assim como os consumidores regulares, referem mais frequentemente ver televisão quatro ou mais horas por dia.

Os jovens que praticam mais actividade física referem mais frequentemente já ter experimentado fumar, mas no que diz respeito ao consumo a situação inverte-se e são os jovens que não fumam regularmente os que mais frequentemente praticam actividade física. Os jovens que já experimentaram tabaco, bem como os consumidores afirmam ser menos felizes e referem com mais frequência sintomas de mal estar físico e psicológico, referem em 60 (χ² = 75.01, g. l. = 4, p<.001, n = 6754)

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geral uma alimentação menos saudável e um maior desagrado com a imagem do seu corpo, salientando-se ainda a relação do consumo com comportamentos de dieta.

De salientar que tanto os jovens que já experimentaram tabaco como os consumidores apresentam um perfil de afastamento em relação aos colegas em ambiente escolar e um maior convívio com os amigos fora das horas da escola. De referir ainda que os alunos que não fumam são os que mais frequentemente referem não ser aceites como são, por parte dos colegas. Este último facto sugere uma relação entre a experimentação e o consumo do tabaco e uma percepção de aceitação social, isto é a relação entre o consumo de tabaco e uma imagem social positiva.

Curiosamente o perfil dos jovens fumadores aparece-nos com grandes semelhanças com outros perfis que sugerimos para os jovens consumidores de drogas ilícitas (Matos & Carvalhosa, 2001a) e para os jovens que se envolvem em actos de violência (Matos & Carvalhosa, 2001b) e ainda os jovens consumidores de álcool (Matos, Carvalhosa, Reis & Dias, 2001).

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Recomendações No âmbito da promoção de estilos de vida saudáveis

nos adolescentes, este estudo reforça a importância já reconhecida dos contextos sociais. A família, o envolvimento escolar, a relação com os professores e o estabelecimento de laços de amizade com os pares no contexto escolar aparecem aqui como factores potencialmente protectores no que diz respeito à experimentação e consumo regular de tabaco, enquanto que os consumos de álcool e drogas, o envolvimento em actos de violência na escola, bem como o “consumo” abusivo de televisão nos aparecem como potenciais factores de risco para o aparecimento de hábitos tabágicos.

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Estudo Qualitativo Estudo qualitativo com base em “Grupos Focais” (Focus group) em adolescentes fumadores (Matos & Gaspar, 2002 in Hublet et al., 2002).

Introdução O projecto europeu “Gender Differences in Smoking in

young People” foi pela primeira vez proposto em 2001, com 13 países participantes, 11 dos quais são membros da União Europeia (Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda, Portugal, Suécia e Reino Unido) e dois países não membros (Polónia a Canadá)

Este projecto foi aprovado pela Comissão Europeia com 5 países participantes: Bélgica (país coordenador através do Flemish Institute for Health Promotion), Áustria, Portugal, Escócia e Suécia.

O objectivo principal deste projecto foi a investigação sobre as diferenças de género entre adolescentes fumadores. O estudo levado a cabo em Portugal utilizou análise quantitativa e qualitativa.

Os objectivos intermediários deste estudo foram: · A pesquisa de literatura; · A análise da base de dados do HBSC/OMS

(1997/98) do consumo de tabaco;

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· Desenvolvimento e uso de um protocolo para investigar o significado e funções do consumo de tabaco para os rapazes e para as raparigas;

· Elaboração de um relatório com recomendações para o desenvolvimento e implementação de futuros programas de prevenção e cessação específicos tendo em conta as diferenças de género.

A população alvo foi constituída por adolescentes dos 14 aos 16 anos que fumam regularmente (pelo menos uma vez por semana). Verificou-se um aumento de fumadores em todos os países do estudo (Hublet et al., 2002). As causas deste aumento e as respectivas diferenças de género continuam pouco claras. O principal objectivo do presente estudo foi clarificar este aspecto.

Metodologia Foi utilizada uma análise qualitativa, desenvolvida a

partir da informação retirada da pesquisa de literatura. A recolha de dados foi realizada através dum procedimento denominado “grupos focais”. Um grupo focal é uma entrevista semi-estruturada, que envolve uma discussão e que utiliza respostas simultâneas no sentido de obter informação sobre determinado assunto (“foco”). O objectivo é chegar perto das opiniões, crenças, valores, discurso e compreensão dos participantes sobre o assunto da investigação, partindo do princípio que toda a informação dada pelos participantes é válida. Neste projecto o objectivo principal do “grupo focal” é gerar diferentes pontos de vista e opiniões sobre o género e o consumo de

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tabaco a partir da perspectiva dos adolescentes e deixá-los explorar estas ideias de modo mais profundo.

Procedimento O Conselho de Prevenção do Tabagismo promoveu o

contacto com os professores nas escolas secundárias. O contacto com os adolescentes foi facilitado pelos professores em todas as escolas, quer nas escolas secundárias quer nas profissionais.

Os adolescentes deveriam ter idades compreendidas entre os 14 e os 16 anos, deveriam ser voluntários e recrutados segundo o critério “ter fumado pelo menos um cigarro na última semana”. O investigador reuniu-se com os adolescentes previamente e introduziu os objectivos do estudo, os adolescentes concordaram em participar e organizou-se o dia do “grupo focal”.

De um modo geral os "grupos focais" demoraram entre 60 a 90 minutos. Os adolescentes organizaram-se em grupos em torno de uma mesa. Foi utilizado um gravador mas foi explicado aos adolescentes o objectivo e obteve-se a autorização para tal. Os adolescentes utilizaram um cartão com o respectivo nome (alcunha ou outra identificação). Foi utilizada uma actividade lúdica facilitadora da apresentação inter pessoal, como quebra-gelo e como introdução, seguida de um discurso genérico (actividades do dia-a-dia). No final do “grupo focal” os adolescentes preencheram um pequeno questionário com questões do HBSC 2001/2.

Durante os "grupos focais" o investigador introduziu determinados temas relacionados com o consumo de tabaco

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e promoveu o desenvolvimento desse tema pelos adolescentes.

Uma estrutura da sessão pré-estabelecida permitiu uma sequência a ser seguida de forma pouco rígida. A sequência dos pontos propostos foi a seguinte:

1. As raparigas fumam por diferentes razões que os rapazes;

2. Fumar é uma questão de imagem; 3. A imagem de uma rapariga fumadora é diferente da

de um rapaz fumador; 4. A aceitabilidade do consumo de tabaco aumenta

com a idade; 5. Fumar é igualmente aceitável para rapazes e

raparigas; 6. O consumo de tabaco é influenciado pelo estatuto

de fumador dos pares; 7. A escolha de amigos é influenciada pelo consumo de

tabaco; 8. Publicidade e os média criaram uma imagem

aceitável da mulher fumadora; 9. Algumas marcas de cigarros são mais apropriadas

para mulheres do que outras; 10. Fumar é uma forma de controlar o peso; 11. Os fumadores típicos são mais divertidos do que os

não fumadores. A transcrição da discussão ocorrida em cada grupo foi

efectuada textualmente. O moderador do estudo reviu as transcrições e fez a análise.

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Amostra A amostra portuguesa consistiu em 48 adolescentes

agrupados em 8 grupos: 6 grupos de 6 adolescentes cada, um dos grupos com 5 adolescentes e outro com 7, vindos de 4 escolas, duas secundarias e duas escolas profissionais.

Deste modo, pretendia-se colocar no mesmo grupo adolescentes com ESE (Estatuto socio-económico) elevado no caso das escolas secundárias e ESE baixo nas escolas profissionais. No entanto esta diferença de ESE não foi encontrada de forma clara e homogénea. O ESE dos adolescentes foi misto em todos os grupos. Metade dos 8 grupos foi constituído por raparigas e a outra metade por rapazes, com idades compreendidas entre os 15-17 anos. Dos 48 adolescentes, 46% (22) fumavam todos os dias e 54% (26) pelo menos uma vez por semana.

Resultados Uma metodologia qualitativa foi utilizada na análise das

entrevistas dos adolescentes que participaram nos "grupos focais". O seu conteúdo foi analisado segundo categorias pré-estabelecidas e foi anotada a frequência com que cada tema/categoria ocorria ao longo de cada grupo focal.

Das categorias originalmente propostas, algumas não foram representadas no discurso dos adolescentes. Por outro lado, foram incluídas algumas categorias adicionais pois foram frequentes e relevantes para esta análise. A frequência de ocorrência de cada categoria dentro de cada grupo foi analisada separadamente para cada género. Foi

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utilizado um software específico para a análise dos dados (QRS N6, 2002).

Das categorias referidas as mais frequentes foram: “Percepções” – Ideias e opiniões sobre o consumo de

tabaco – do próprio, dos outros (pares, pais e família alargada) e do outro género e factores associados com o consumo de tabaco (álcool e drogas).

“Estilo de vida e consumo de tabaco” – O que os adolescentes costumam fazer no seu tempo livre (na escola, fora da escola e em casa).

“Dependência” – Como os adolescentes descrevem o seu comportamento e os seus sentimentos sobre a dependência do tabaco.

No sentido de apresentar os nossos resultados iremos: · Fazer referência às categorias e sub categorias

que mais contribuíram para as discussões nos "grupos focais", para os rapazes e para as raparigas em conjunto;

· Apontaremos as diferenças entre os rapazes e as raparigas;

· Iremos referir as categorias mais frequentes, ou seja, categorias que estiveram presentes em mais de metade dos 8 grupos

Categorias e subcategorias que contribuíram mais para a discussão:

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Percepções “O outro género” – De um modo geral, os

adolescentes percepcionam diferenças entre os rapazes e as raparigas no consumo de tabaco (quantidade, padrões de consumo e pressão social).

«A maioria das raparigas fuma menos que os rapazes, fuma só à noite, um ou dois cigarros, quando começam a ficar embriagadas é que fumam mais». (Rapaz)

«Acho que há mais raparigas a fumar do que rapazes» (Rapariga)

«Eu comecei a fumar à pala de um rapaz» (Rapariga) “Drogas”– Alguns adolescentes percepcionam as drogas

associadas ao tabaco, mas de modo geral percepcionam as drogas como algo pior e mais perigoso que o tabaco.

«Tenho amigos que tomam de vez em quando. Eu não tenho curiosidade porque cada vez que se toma o teu cérebro fica todo queimado» (Rapaz)

«Essas drogas não agarram mas vão degradando o cérebro» (Rapaz)

«Eu penso que as pessoas primeiro experimentam tabaco e gostam, depois experimentam outras drogas e gostam e não vão ficar por ali» (Rapariga)

“Pares” – Rapazes e raparigas passam muito tempo com

os pares (lazer e consumo de tabaco) «Quando estou com os meus amigos costumamos ficar

na rua, às vezes vou para casa deles, outras vezes jogamos futebol, vamos até à praia» (Rapaz)

«Eu e a Patrícia costumamos sair muitas vezes, vamos beber um café, estar e falar uns com os outros» (Rapariga)

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Estilo de vida e consumo de tabaco

“Lazer” – A maioria dos adolescentes passa o tempo

livre com os amigos (Escola, pubs e cafés) ou em casa sozinhos (TV e computador/net), ocasionalmente têm actividades de lazer organizadas.

«Eu costumo ficar em casa a ver TV e a jogar playstation» (Rapaz)

«Costumo estar com os amigos, leio muito, em casa vou para a net e vejo TV» (Rapariga)

«Eu costumo ir para o meu curso de teatro» (Rapariga) “Associação Álcool/Tabaco” - Rapazes e raparigas

percepcionam a existência de uma relação entre o álcool e o tabaco.

«Estar a beber dá vontade de fumar» (Rapaz) «O álcool puxa pelo tabaco, sabe bem» (Rapaz) «Quando vou sair à noite a um bar ou discoteca, bebo e

fumo, o álcool puxa o tabaco, fumo muito mais durante essa noite do que durante o dia inteiro» (Rapariga)

Dependência

“Quantidade/Padrões de consumo de tabaco” – Por

um lado os adolescentes dizem que quando estão com os amigos ou com pessoas que fumam, eles têm de fumar também, por outro lado, referem estratégias para fumarem quando estão sozinhos, mesmo quando estão em situações nas quais não é possível fumar.

«Nas aulas tenho muita vontade de fumar (Rapaz) - (e o que é que fazes?)

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-Saio da sala e vou fumar, vou à casa-de-banho (Rapaz) -Eu não, se não há não fumo; (Rapaz) -Eu tenho mesmo de fumar». (Rapaz) «Eu, viciada como sou, depois do jantar dá sempre

aquela, vou fumar um cigarro, depois de jantar do almoço, pronto depois de comer» (Rapariga)

«Estar com os amigos, nas discotecas nos bares, todos a fumar e nós também fumamos» (Rapariga)

Diferenças entre o grupos dos rapazes e o grupo das raparigas: Nos grupos de Rapazes as categorias e as subcategorias mais frequentes foram:

“Percepções” – De um modo geral os rapazes têm

uma percepção mais negativa do comportamento do consumo de tabaco por parte das raparigas e do consumo de drogas.

«Por mim eu não gosto de ver mulheres a fumar nem a beber, acho que ficam mal» (Rapaz)

«Acho que elas, quando fumam, se sentem mais à vontade» (Rapaz)

«A minha namorada fuma, eu também fumo mas não gosto que ela fume; (Rapaz)

- (Porquê?); - «Machismo, não gosto, não sei, porque lhe faz mal»

(Rapaz) “Estilo de vida e consumo de tabaco” – A maioria dos

rapazes percepcionam a existência de uma relação entre o álcool e o tabaco. Os rapazes passam o seu tempo livre com

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os amigos e o envolvimento escolar é percepcionado por eles de modo negativo.

«Há uma relação, a pessoa começa a beber e depois apetece tirar um cigarro e fumar, se estiver na brincadeira com os amigos, sim apetece mais fumar» (Rapaz)

«Eu costumo estar com os meus amigos, jogar à bola» (Rapaz)

«Eu costumo ficar em casa a ouvir música» (Rapaz) «Eu não gosto de jogar à bola, fico com a minha

namorada e gosto de comer» (Rapaz) «Eu não gosto de estudar porque não gosto da escola,

tem muitas regras» (Rapaz) «Eu não gosto de vir à escola porque irrita-me, os

professores e os contínuos às vezes são injustos» (Rapaz) “Dependência” – Os rapazes dizem que quando estão

com amigos ou com pessoas que fumam eles também têm de fumar e têm estratégias para fumar mesmo quando estão sozinhos e em situações que não é possível fumar. Os rapazes descrevem o seu comportamento de consumo de tabaco como uma adição, eles assumem que estão viciados.

«Quando estou em baixo e depois de comer sente-se mais o gostinho de fumar» (Rapaz)

«Costumo fumar sempre com uma amiga» (Rapaz) «Há dias que fumo dois maços por dia, há dias que fumo

um maço e se for preciso até fumo mais de dois maços num dia» (Rapaz)

«Às vezes até já não estou a ver que puxo pelo cigarro» (Rapaz)

«Já é instinto, é de estar sempre, já não consigo, eu assumo já estou viciado, já não há hipótese» (Rapaz)

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«Quando estou nas aulas e preciso de fumar começo a passar-me, fico nervoso e se for preciso peço para sair» (Rapaz)

«Eu arranjo maneira de me vir embora da sala, começo-me a portar mal» (Rapaz)

Nos grupos de Raparigas as categorias e subcategorias mais frequentes foram:

“Percepções” – As raparigas percepcionam o

comportamento de consumo de tabaco delas próprias e dos rapazes de forma negativa mas defendem que as escolas não devem proibir fumar no seu espaço. As raparigas percepcionam as drogas de modo menos negativo (haxixe).

«Acho que as raparigas não deviam fumar tanto como os rapazes porque acho que fica mal» (Rapariga)

«Os rapazes que fumam acham que são “dreads” e excluem as raparigas “betinhas, aquelas que só se dedicam aos estudos”» (Rapariga)

«Não acho que haja relação eu fumo haxixe e não vou para outros lados» (Rapariga)

«Na escola tudo é proibido, mas o fruto proibido é o mais apetecido. Acho que deviam deixar fumar nos intervalos, porque nós fumamos na mesma e eles sabem, é estúpido» (Rapariga)

“Estilo de vida e consumo de tabaco” – Algumas

raparigas percepcionam a existência de uma relação entre o tabaco e o álcool. Passam a maior parte do seu tempo livre com os amigos.

«É normal o álcool puxa o tabaco, estão bem um com o outro, combinam» (Rapariga)

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«Eu costumo estar com os meus amigos, vamos a bares outras vezes ficamos em casa, ou vamos dar uma volta ao Colombo» (Rapariga)

“Normas, regras e implementação” – De um modo

geral os pais das raparigas não sabem que elas fumam. As raparigas não costumam fumar em casa. Na escola as raparigas não concordam com o fumar às escondidas, acham que deve ser permitido fumar abertamente nas escolas.

«Na escola é proibido fumar e eu acho que isso está mal porque quem quer fumar acaba sempre por conseguir» (Rapariga)

«O meu pai se soubesse que eu fumava acho que não reagia mal. A minha mãe é mais dura, era capaz de reagir pior. Os meus pais fumam os dois» (Rapariga)

Algumas categorias ocorreram em mais de metade dos grupos:

“Vantagens” – Para ambos, rapazes e raparigas, uma

das principais vantagens do consumo do tabaco é o controlo emocional (“Redução do aborrecimento/tédio, ansiedade e depressão”).

«Não deixo de fumar porque é um vicio que apesar de eu saber que me faz mal mantem-me calmo, e não é só isso, alivia o stress todo, os nervos, com um cigarro esquecia-me de tudo, passava por cima dos problemas, passava por cima de tudo e sentia-me bem» (Rapaz)

(O pai bateu-lhe) «Para aliviar aquela raiva toda quis fumar, quis fumar mesmo muito» (Rapaz)

«É um apoio, quando estou pior fumo e fico logo melhor» (Rapariga)

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«Quando estou mais nervosa tenho aquela coisa, aquela cena de fumar» (Rapariga)

«Houve uma altura em que andava a fumar pouco mas quando apanhei com um problema lá em casa... no dia seguinte estava sozinha em casa e fumei o maço todo» (Rapariga)

«Estávamos numa festa e zanguei-me com o meu namorado porque ele estava a beber demais. Eu estava mesmo stressada, já estava mesmo nervosa e a primeira coisa que me ocorreu foi fumar um cigarro para aliviar» (Rapariga)

“Desvantagens” (“Não gosta de fumar”) – Das

desvantagens as mais frequentes são “Problemas de saúde” e ocasionalmente os adolescentes descrevem o fumar como algo não muito agradável (especialmente as raparigas).

«No verão, com o calor quando fumo fico todo seco e mole» (Rapaz)

«Eu tenho bronquite asmática, tenho de usar bomba e faz mal continuar a fumar, tenho de deixar» (Rapariga)

«Para mim não é nenhum prazer estar a fumar» (Rapariga)

“Regras e normas” – Rapazes e raparigas pensam que

devia ser permitido fumar na escola. A questão do “Comportamento e atitudes dos pais” é um aspecto muito importante e bastante heterogéneo.

«Podemos fumar na escola mas só no pátio lá fora, eu acho bem porque como somos uma escola profissional, à partida já não somos nenhumas crianças por isso acho que devemos poder fumar» (Rapaz)

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«A minha mãe sabe que eu só fumo um cigarro de vez em quando mais ao fim-de-semana, só me disse que era dinheiro mal gasto pois ela sabia que não me podia proibir porque se eu quisesse continuar a fumar continuava» (Rapaz)

«O meu pai fumou durante 9 anos mas deixou de fumar depois de uma cirurgia que ele fez e pensou que era uma boa altura para deixar de fumar» (Rapariga)

«Quando eles souberam que eu fumava tiveram uma conversa comigo e pediram para eu deixar de fumar, eu tentei mas não consegui mas disse-lhes que não voltava a fumar» (Rapariga)

“Percepções” - Rapazes e raparigas têm uma

percepção negativa acerca do consumo de tabaco por parte das raparigas, e sobre o consumo de drogas (especialmente os rapazes).

«As raparigas que eu conheço fumam tanto ou mais que eu mas elas fazem menos desporto sentem menos os efeitos do tabaco» (Rapaz)

«A minha mãe diz que não se importa que eu fume mas não quer que a minha irmã fume, é por causa da educação, as raparigas são mais reprimidas de fumar» (Rapaz)

«As pessoas já estão informadas sobre as drogas e sabendo o mal que faz só continuam se quiserem» (Rapaz)

«Os rapazes fumam porque acham que são mais importantes por fumar» (Rapariga)

«Algumas pessoas especialmente os rapazes fumam para serem do grupo» (Rapariga)

«Há pessoas que tomam drogas e não fumam tabaco» (Rapariga)

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«Eu acho que as pessoas querem experimentar drogas para saber quais são as sensações, há pessoas que gostam de ficar assim» (Rapariga)

“Futuro” – A única preocupação sobre o futuro e o

consumo de tabaco são os “Problemas de saúde”, mas vistos como um problema remoto.

«Eu para deixar de fumar só se alguma vez tivesse algum problema de saúde» (Rapaz)

«Não me imagino a deixar de fumar, só se apanhar um grande susto e for para o hospital» (Rapariga)

“Estilo de vida e consumo de tabaco” – Quase todos

os rapazes e raparigas percepcionam uma ligação positiva entre o álcool e o tabaco. Ambos os géneros passam a maior parte do tempo livre com os amigos (escola, pubs ou cafés) ou em casa (TV e computador/net).

«Na escola estou com os meus amigos, na rua estou com o pessoal, jogamos à bola, vamos à praia ou vamos para casa de um de nós» (Rapaz)

«Estar a beber dá vontade de fumar, sabe bem» (Rapaz)

«Quando bebemos ficamos mais descontraídos e acabamos por fumar mais» (Rapariga)

«Nos meus tempos livres costumo estar com os meus amigos da escola ou com os meus amigos da rua, mas ela está sempre comigo» (Rapariga)

“Deixar de fumar” – Sobre as percepções do deixar

de fumar surgem duas opiniões: “Eu posso deixar de fumar quando quiser” ou “Eu quero deixar de fumar mas não consigo, é demasiado difícil”. Tanto rapazes como raparigas

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procuram “Substituição/ Alternativa” para o comportamento de consumo de tabaco e formas de passar o seu tempo livre que referem não ter.

«Eu acho que se tentasse deixar agora conseguia» (Rapaz)

«- eu também» (Rapaz) «- mais tarde já não sei se conseguirei» (Rapaz) «Não há nada para fazer aqui (escola) se

houvesse...Vais para os computadores está cheio, vais ler o livro para a biblioteca não dá...fumar é uma forma de passar o tempo» (Rapaz).

«Estamos com os amigos, estão todos a fumar, é natural fumar também» (Rapariga)

«Um dia não tinha dinheiro para comprar tabaco, estava trancada, estava em casa, não tinha as chaves, não tinha dinheiro, fui comer para me entreter» (Rapariga)

«Quando não posso fumar vou fazer outra coisa, comer, ver TV ou estudar» (Rapariga)

“Dependência” – Rapazes e raparigas dizem que quando

estão com os amigos ou com pessoas que fumam precisam de fumar também. Descrevem as suas estratégias para fumar quando estão em situações que não é possível fumar.

«Quando fumo mais é à noite» (Rapaz) «Dá-me uma ânsia de fumar um cigarro é um instinto»

(Rapaz) «Quando acordo é quando me dá mais vontade de fumar

se não tiver um cigarro passo-me para arranjar um nem que sejam as beatas do cinzeiro» (Rapaz)

«Uma vez tive que roubar um cigarro à minha mãe, foi depois de jantar e apetece-me sempre fumar depois de

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comer, tirei um cigarro à minha mãe e fui para a casa-de-banho fumar» (Rapariga)

«Eu um dia não tinha cigarros, estava em casa fui para o quarto e comecei a fumar papel, não tinha tabaco e fiz um rolinho e fumei papel» (Rapariga)

“Comportamento” – Quase todos os adolescentes

começaram a fumar com os pares. Costumam fumar quando estão com os amigos mas alguns fumam quando estão sozinhos/em casa (especialmente rapazes).

«Comecei há mais ou menos 3 meses, não há nada para fazer, eu e os meus amigos para nos distrairmos fumamos, é para passar o tempo» (Rapaz)

«A minha mãe estava ficar desconfiada e eu por respeito quis deixar de fumar mas vim para aqui (escola) e comecei a fumar com os meus amigos» (Rapaz)

«Eu costumo fumar sempre com a Rita, houve um dia que fumámos mais de um maço e ficámos “na fossa”» (Rapariga)

Discussão Nos grupos de discussão com os adolescentes, as

categorias mais frequentes foram, respectivamente, “percepções”, “estilo de vida e consumo de tabaco”, “dependência”, “regras e normas”, “comportamento”, “deixar de consumir”, “vantagens” e ”desvantagens”.

Acerca das diferenças entre os géneros os rapazes

referem maior preocupação com “percepções”, “estilo de vida” e “dependência”, enquanto que as raparigas referem

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uma maior preocupação com “normas e regras”, “desvantagens” e “deixar de fumar”. Relativamente ao comportamento e às funções positivas as diferenças entre os géneros não são relevantes.

Agora mais detalhadamente para as subcategorias que

diferem entre os géneros: · Na categoria “percepções” o aspecto da percepção

inter-pessoal é a mais relevante (especialmente para os rapazes), seguida pela associação com a droga (especialmente para as raparigas), a percepção de outros significantes (especialmente para os rapazes) e a percepção das regras no consumo de tabaco (especialmente para raparigas)

· Considerando a categoria “estilo de vida” os aspectos relevantes (para ambos rapazes e raparigas) são os pares, o lazer e a associação álcool/tabaco. A referência negativa ao envolvimento escolar foi mais frequente nos rapazes.

· Dentro da categoria “dependência” a subcategoria quantidade e padrões de consumo foi o aspecto mais relevante (para ambos os géneros). Adição também foi uma preocupação (especialmente para os rapazes), assim como compreender a percepção de hábito e adição (especialmente para raparigas). Os procedimentos relativos ao consumo “estratégias para fumar” foram referidos por ambos os géneros.

· Considerando “normas e regras” os comportamento e as atitudes dos pais e a escola parecem ser os aspectos mais relevantes. Fumar às escondidas ou

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modelos indirectos (família alargada, os media e a publicidade) aparecem como um aspecto feminino.

· Na categoria “deixar de fumar” os aspectos mais relevantes parecem ser o tentar deixar de fumar, a procura de alternativas ao consumo de tabaco (especialmente para raparigas) e percepções (como será deixar de fumar, se acontecer). A mais frequente “função positiva” é a redução de stress (especialmente para os rapazes) e a redução de aborrecimento tédio /ansiedade /depressão (especialmente para raparigas).

· Ambos os sexos referem “ser divertido” como um aspecto importante

· A “desvantagem” mais referida são os problemas de saúde e não ser agradável (especialmente para as raparigas). Os “comportamentos” referidos com mais frequência foram os padrões de consumo de tabaco e o começar a fumar (essencialmente com os pares para ambos os géneros) e as percepções do fumar (especialmente para as raparigas).

Como foi mencionado anteriormente, algumas

categorias não pareceram relevantes ao analisar os discursos dos adolescentes: “mudanças ao longo do tempo”, “futuro”, “economia” e “acesso” foram categorias com baixo impacto.

· Analisando o “futuro” em mais profundidade, nos adolescentes não transparece uma grande preocupação com o futuro a longo prazo, excepto, ocasionalmente, uma preocupação sobre problemas se saúde específicos, ou a referência a uma dificuldade na prática de desporto.

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· Considerando agora o “acesso” e a “economia”, o preço não parece ser uma grande preocupação e foram referidas algumas estratégias para lidar com este assunto, tais como, partilhar cigarros, comprar maços de cigarros juntos ou comprar cigarros com o dinheiro do almoço e depois partilhar os cigarros e a comida com os pares.

Considerando agora a frequência global das categorias

presentes em mais de metade dos 8 grupos, os resultados confirmam o que temos observado acerca dos aspectos relevantes nos adolescentes fumadores e nas diferenças de género no consumo de tabaco. A partir deste ponto apenas serão referidos aspectos globais, relevantes para a prevenção do consumo de tabaco em adolescentes. As diferenças de género são aspectos importantes a ter em consideração quando se desenvolvem estratégias de intervenção preventivas.

1 – Vantagens: Fumar é percepcionado como divertido

e agradável e como produzindo redução de aborrecimento/tédio, ansiedade e depressão (especialmente para as raparigas).

«Eu fumei um cigarro antes da apresentação do trabalho de grupo» (Rapaz)

«Fumar dá-me prazer» (Rapaz) «Quando me sinto triste ou quando os meus pais tem

uma discussão sinto-me melhor depois de fumar um cigarro» (Rapariga)

2 – Desvantagens: Fumar é percepcionado como

relacionado com problemas de saúde específicos e por

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vezes como algo pouco agradável (especialmente para as raparigas) e sem alternativas.

«Eu sou asmática portanto não devia fumar» (Rapariga) «Eu não gosto muito de fumar, por vezes até vomito»

(Rapariga) «Eu fico mais cansado quando faço desporto» (Rapaz) 3 – Regras e normas: Os comportamentos e atitudes

dos pais são aspectos importantes, a família alargada é também um aspecto (especialmente para as raparigas), a política da escola também é um aspecto relevante (especialmente para os rapazes).

«A minha mãe deixou de fumar quando soube que estava grávida» (Rapariga)

«Os meus pais aceitam que eu fume, eles dão-me dinheiro para comprar cigarros» (Rapaz)

«Poucas pessoas fumam na minha família, só o meu tio» (Rapariga)

«Nós não podemos fumar no edifício da escola só lá fora no pátio» (Rapaz)

4 – Futuro: Os problemas de saúde no futuro não são

grande preocupação. «Se no futuro tiver algum problema de saúde eu deixo

de fumar» (Rapariga) «Eu pratico natação, tenho de deixar de fumar porque

fico muito cansado quando nado» (Rapaz) 5 – Estilos de vida: Os pares são actores relevantes

no consumo de tabaco e o tempo de lazer é um aspecto crucial. É percepcionada uma relação entre o álcool e o tabaco (especialmente para os rapazes) e entre as drogas e

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o tabaco (especialmente para as raparigas). É considerado que a prática de desporto pode ser afectada pelo consumo de tabaco (especialmente para os rapazes). O envolvimento escolar é um aspecto relevante (especialmente para os rapazes).

«Eu costumo passar algum tempo com os meus amigos depois da escola» (Rapariga)

«Quando bebo álcool preciso mesmo de um cigarro» (Rapaz)

«Eu comecei a fumar haxixe antes de ter começado a fumar tabaco» (Rapariga)

«Por vezes costumamos jogar futebol» (Rapaz) «Nós não temos nada para fazer na escola, actividade

nenhuma, portanto fumamos uns cigarritos» (Rapaz) 6 – Deixar de fumar: Apesar dos adolescentes

aparentemente não terem uma história de mudanças, referem ter tentado deixar de fumar (especialmente as raparigas), necessidade de alternativas (especialmente as raparigas) e apresentam diferentes percepções acerca da dificuldade de deixar de fumar se o decidirem fazer.

«Eu estou a tentar deixar de fumar» (Rapariga) «Quando me apetece fumar eu jogo ping-pong ou

flippers...» (Rapariga) «Eu tentei deixar de fumar porque a minha mãe me

pediu mas quando voltei à escola comecei outra vez com os meus amigos» (Rapaz)

7 – Dependência: Quantidade, padrões e estratégias

no consumo de tabaco são aspectos relevantes (para ambos rapazes e raparigas), apresentando-se os rapazes mais preocupados com a adição e as raparigas mais preocupadas com a compreensão da percepção de hábito e adição.

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«Eu não fumo todos os dias, só fumo aos fins-de-semana» (Rapariga)

«De manhã quando não tenho cigarros até fumo beatas» (Rapaz)

«Quando viajo de carro com os meus pais tenho de parar várias vezes para ir à casa de banho para fumar um cigarro» (Rapaz)

«Eu sinto-me ansioso quando preciso de um cigarro, sinto que me falta algo muito importante, tenho uma sensação de vazio» (Rapaz)

«Eu não sei se sou viciada, eu penso que é um hábito, é mais um hábito que outra coisa qualquer» (Rapariga)

8 – Comportamento: O momento de início do consumo

de tabaco é um aspecto muito importante, ocorre geralmente com os pares (para rapazes e raparigas) e o comportamento/estatuto de fumador dos pares é um aspecto crucial (especialmente para as raparigas).

«Todos os meus amigos fumavam e eu comecei a fumar também» (Rapaz)

«Quando estou com pessoas que fumam tenho de fumar também» (Rapariga)

Algumas das justificações mais comuns nos diferentes

"grupos focais" são estar ou iniciar com os pares fumadores, evitar aborrecimento/tédio ou outras percepções pessoais desagradáveis, não ter mais nada para fazer, divertimento, ter prazer, quando vão sair à noite, associação entre álcool ou drogas, não gostar de fumar mas os outros fumam, percepção dos outros fumadores relacionada com um estatuto específico, ser crescido o suficiente, percepcionar que o consumo de tabaco é

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frequente em adultos, percepcionar que o estatuto de fumador tem diferentes sentidos dependendo do género e também, que os media e os modelos influenciam apenas os mais novos.

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Notas Finais

Este estudo vem confirmar o aumento acentuado da

experimentação e do consumo regular de tabaco nas raparigas (Ministério da Saúde, 1988, 1997 e 2000; Precioso, 2001; Azevedo et al., 1999; Machado et al., 1995; Hibell et al., 1997 e 2000). Esta evolução negativa do comportamento tabágico das raparigas deve ser contrariada de modo a evitar os efeitos nocivos específicos do tabaco na saúde feminina, com destaque para as consequências de fumar durante a gravidez.

Verificámos também que o tabaco surge associado a problemas nas esferas relacional, comportamental e emocional. Os jovens que fumam manifestam maior afastamento em relação à família e à escola. Tanto os jovens que já experimentaram tabaco como os consumidores regulares apresentam um perfil de afastamento em relação aos colegas em ambiente escolar e um maior convívio com os amigos fora das horas da escola. Os jovens que fumam apresentam, também, com mais frequência, comportamentos de experimentação e de consumo de álcool e outras drogas ilícitas e envolvimento em lutas e situações de violência na escola. Os jovens que experimentaram tabaco, assim como os consumidores regulares, referem mais frequentemente ver televisão quatro ou mais horas por dia.

Na esfera emocional também se observam dados importantes. Os jovens que já experimentaram tabaco e os

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consumidores regulares afirmam ser menos felizes e referem, com mais frequência, sintomas de mal estar físico e psicológico, têm uma alimentação menos saudável, fazem mais dietas e expressam maior desagrado com a imagem do seu corpo.

O estudo qualitativo confirma que os jovens têm

alguma noção das diferenças entre rapazes e raparigas na frequência do comportamento, nos padrões de consumo e no modo como actua a pressão social.

O tabaco e fumar tabaco têm uma conotação negativa para alguns jovens, incluindo os que fumam. Fumar, especialmente por parte das raparigas, é algo mal visto por muitos rapazes.

Observa-se também que, quer rapazes quer raparigas, passam muito tempo com o seu grupo de pares, pelo que é natural o papel importante que estes desempenham no processo de influência social. Muitos jovens confirmam que a sua iniciação tabágica ocorreu no contexto do grupo de pares – começaram a fumar com os amigos. Alguns referem que fumam para serem mais importantes ou para serem aceites pelo grupo de amigos. A auto-eficácia dos jovens para recusar fumar ou não fumar quando estão com outros que fumam é baixa e, nessa situação, a maioria declara que tem que fumar também. Muitos jovens referem explicitamente que começaram a fumar porque não tinham nada para fazer.

Os jovens associam o tabaco e fumar a problemas com os pais, com o/a namorado/a e na escola (USDHHS, 1994). No grupo dos fumadores, com destaque para os rapazes, a escola e o estudo não parecem ser valorizados.

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Uma vantagem percebida de fumar é o controlo das emoções (estar nervoso, tristeza, ansiedade, stress, aborrecimento e tédio). Para os jovens, é óbvio que fumar descontrai, o que, para eles, constitui uma importante vantagem de fumar. Curiosamente, não aparecem referências à associação entre fumar e controlar o peso, que tem sido observada em estudos realizados noutros países, particularmente associada ao comportamento de fumar pelas raparigas (Clayton, 1991; French & Perry, 1996; Camp et al., 1993; Llyod et al., 1998; Tomeo et al., 1999; French et al., 1994; Stead et al., 1996; USDHHS, 2001).

Por outro lado, no que se refere às desvantagens de fumar, os adolescentes parecem estar conscientes da associação entre fumar tabaco e consumir álcool e outras drogas.

Outro conjunto de desvantagens de fumar que surge frequentemente envolve os problemas de saúde (em especial os respiratórios). No entanto, parece existir reduzida consciência de efeitos nocivos imediatos (problemas de pele, mau hálito, doenças respiratórias,...) ou específicos do tabaco na saúde das mulheres (Pirie et al., 1991; Joossens, 1999; USDHHS, 2001). São também vários os jovens, especialmente as raparigas, que declaram que fumar é desagradável.

O acesso ao tabaco, incluindo o preço, assim como a falta de oportunidades para fumar, não parecem constituir barreiras para o comportamento de fumar. Os jovens confirmam que fumam na escola, nos tempos livres e até em casa. Em geral, os pais não sabem que eles fumam e, quando sabem, ficam zangados e pedem-lhes para não fumar. Os jovens não costumam fazer a vontade aos pais e alguns reconhecem que lhes mentem. Os jovens contestam as

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regras relativas a fumar e não concordam com a proibição de fumar na escola.

No que se refere à dependência os dados recolhidos são contraditórios. Apesar das várias referências ao vício de fumar e de alguns descreverem ter “ânsias” de fumar e que “fumar é um instinto”, outros afirmam que deixarão de fumar quando quiserem, negando a dependência. Isto apesar de alguns reconhecerem que não conseguem deixar de fumar. Há jovens que admitem deixar de fumar quando tiverem problemas de saúde ou quando “apanharem um susto”.

Em resumo, estes dados vêm reforçar a relevância de dirigir programas e acções de prevenção do tabagismo especificamente para os jovens e, em especial, para as raparigas. Estes programas devem informar sobre o impacto negativo do tabaco na saúde da mulher, enunciando, por exemplo, os problemas no aparelho reprodutor e na gravidez, os efeitos inestéticos (pele mais baça e enrugada, dentes menos brancos,...) e o risco acrescido de problemas circulatórios quando se associa tabaco e métodos anticoncepcionais orais. Rapazes e raparigas parecem necessitar ainda de mais informação sobre tabagismo e dependência. As vantagens de não experimentar fumar ou de decidir não fumar e o reforço dessas decisões e comportamentos devem merecer destaque nos programas preventivos.

Outro elemento a incluir nos programas preventivos é o desenvolvimento e o treino de formas mais saudáveis para lidar com problemas relacionais e com emoções negativas como o aborrecimento, a tristeza e a ansiedade. A capacidade para dizer que não e para lidar com as diversas formas de influência e pressão social deve ser desenvolvida.

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Formas menos directas de pressão e influência social devem ser desvendadas e discutidas.

As barreiras que podem dificultar o comportamento de fumar, nomeadamente o controlo do acesso ao tabaco e o reforço das regras e do controlo do comportamento na escola, na família e na comunidade, são estratégias que devem ser incluídas nos programas de prevenção. No plano social e comunitário, os programas ocupacionais para os jovens poderão contribuir para contrariar a iniciação e o hábito tabágico.

Os pais necessitam de apoio para lidar melhor com estes comportamentos dos filhos e, assim, poder contribuir mais para a prevenção e o controlo do tabagismo. O comportamento tabágico dos pais influencia o comportamento tabágico dos filhos, sendo esta uma razão adicional para os pais que fumam deixarem de fumar.

Os programas preventivos dirigidos aos jovens devem incluir a oferta de ajuda aos pais e, também, aos professores que querem deixar de fumar. Assim, a par das acções de prevenção primária, é necessário desenvolver e implementar programas de cessação do comportamento tabágico adequados aos jovens.

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Recomendações Sugere-se uma intervenção no âmbito da escola,

centros de juventude, centros de saúde, comunidade, entre outros.

Por tudo quanto foi dito, os promotores de saúde têm de ser precisos e salientar as desvantagens mas também discutir as vantagens do consumo de tabaco, podem também assistir os adolescentes na procura de alternativas realistas e mais adequadas para lidar com o stress, aborrecimento/tédio e depressão, e promover actividades que proporcionem prazer, relaxamento e ocupação. Considerando as desvantagens, os promotores de saúde devem focar o conteúdo das acções preventivas no presente (não no futuro) e no dia-a-dia (ex: actividade física), devendo realçar o prestígio social do não fumador.

Deve-se ainda ter em conta as diferenças de género e a associação tabaco/ álcool/ drogas e o estilo de vida. O tempo de lazer parece ser um bom ponto de partida, assim como as alternativas para lidar com a vida, a procura de prazer e de bem-estar.

A intervenção deve ter em foco as alternativas, ou seja, ajudar os adolescentes a encontrar formas de lidar com a ansiedade, com o stress, com a depressão, com o tédio, no relacionamento com o outro sexo e com os desafios da vida em geral sem ser com recurso ao tabaco.

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