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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE DIREITO CAROLINA BARROSO PEREZ ADOÇÃO HOMOPARENTAL: A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR DE CASAIS HOMOAFETIVOS Volta Redonda - RJ 2016

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Page 1: ADOÇÃO HOMOPARENTAL: A JURISPRUDÊNCIA COMO … · Sendo a adoção instituto que tem por objeto a colocação de uma pessoa em uma família, chamada de “substituta”, uma vez

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE DIREITO

CAROLINA BARROSO PEREZ

ADOÇÃO HOMOPARENTAL:

A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA

CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR DE

CASAIS HOMOAFETIVOS

Volta Redonda - RJ

2016

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CAROLINA BARROSO PEREZ

ADOÇÃO HOMOPARENTAL:

A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA

CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR DE

CASAIS HOMOAFETIVOS

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Graduação em

Direito do Instituto de Ciências Humanas

e Sociais da Universidade Federal

Fluminense, campus Volta Redonda,

como requisito parcial para obtenção de

grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. RENATA BRAGA

KLEVENHUSEN

Volta Redonda - RJ

2016

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TERMO DE APROVAÇÃO

CAROLINA BARROSO PEREZ

ADOÇÃO HOMOPARENTAL:

A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA

CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR DE CASAIS

HOMOAFETIVOS

Monografia aprovada pela Banca Examinadora do Curso de Direito da Universidade

Federal Fluminense – UFF.

Volta Redonda, _____ de ___________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Renata Braga Klevenhusen – Doutora – Universidade Federal Fluminense –

Orientadora

_________________________________________

Mariana Devezas Rodrigues Murias de Menezes – Mestre – Universidade Federal

Fluminense

_________________________________________

Carla Appollinario de Castro – Doutora – Universidade Federal Fluminense

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AGRADECIMENTOS

Como fazer este trabalho que envolve a temática das famílias sem falar da

minha família? Ora, dos motivos que me impulsionaram a batalhar pelos meus

sonhos, dentre os quais estava a aprovação em uma faculdade pública, esteve

sempre por trás a minha família, meu eterno alicerce, materializando a graça de

Deus na minha vida. Por isso, agradeço primeiro a Ele, por me proporcionar tantas

bênçãos ao longo desta trajetória e por ter enviado anjos para me auxiliar nessa

caminhada de cinco anos de universidade.

Embora não seja homoafetiva, minha família é formada por pessoas que não

se restringem à família convencional e nem ao sangue, e sou feliz assim. É

constituída de pais separados, com irmãos bi e unilaterais, avós, namorado,

passarinho, amigos, enfim, de tudo um pouco. Assim, agradeço especialmente à

minha grande família, base de tudo, apoio e afeto para todos os momentos, que me

proporcionou chegar até aqui. Cada um, à sua maneira, foi essencial para que eu

pudesse alcançar mais um sonho, o de estar formada.

Também agradeço aos meus professores, pelo conhecimento transmitido

nesse período, que não se limitou ao jurídico, mas também de como ser uma pessoa

melhor para o mundo.

E agradeço, ainda, aos meus amigos, de dentro ou fora da faculdade, pela

força e amizade sempre a mim dispensada, e pelos bons momentos vividos até

então.

Por fim, deixo a seguinte reflexão: se para nós que já temos uma família,

que nos dá todo o suporte emocional para enfrentar as adversidades da vida, o

caminho já é árduo, que dirá para outras tantas pessoas que veem nessa

possibilidade, a realização de um sonho, mas que, na verdade, deveria ser um

direito?

Assim, sou grata à minha família por, através do constante afeto, ter me feito

enxergar a diversidade como uma alternativa, e não um obstáculo para a mais plena

felicidade, da qual todos, sem distinção de qualquer ordem, devem ter assegurada a

sua concretização.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem por escopo abordar a importância da jurisprudência como instrumento facilitador da constituição das novas famílias, dentre as quais se enquadra a família homoafetiva, sob o ângulo da adoção por homoafetivos. A família, ao longo da história, sofreu transformações, por isso, mediante a apresentação de sua origem, pretende-se entender tais mudanças, especialmente a passagem da família matrimonializada à eudemonista, fruto também da alteração do fundamento de validade desta entidade, ao ter-se passado a conferir juridicidade ao afeto, valor hoje compreendido como essencial à sua formação. Com base nessa premissa, inobstante a omissão legislativa expressa em referência aos relacionamentos homoafetivos, sugere-se, um diálogo com as demais fontes do direito, como a analogia e os princípios gerais, para que estes sejam reconhecidos como uma família dependente de proteção estatal, da mesma forma que as constantes do rol constitucional. Para firmar esse entendimento, trouxe-se à baila alguns julgados que comprovam o papel que vem sendo exercido pela jurisprudência pátria que concretizam a igualdade de direitos entre homo e heterossexuais, dentre os quais está o de planejarem suas famílias. Frisou-se para tanto, sob a perspectiva jurídica, a viabilidade da adoção por essa minoria, que não pode ser alvo de preconceito pela quebra do paradigma heterossexual ao qual esteve ligado a filiação. Impedir a adoção homoparental, considerando-se a inexistência de danos aos menores que possam com eles conviver, viola acima de tudo o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes, os quais devem tê-lo possibilitado com absoluta prioridade, em consonância ao princípio do melhor interesse. Palavras-chave: família homoafetiva; adoção homoparental; casal homossexual; direito ao planejamento familiar; afeto; preconceito; jurisprudência.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FAMÍLIAS ............................................................ 10

2.1 ORIGEM E CONCEITO ....................................................................................... 10

2.2 DA FAMÍLIA MATRIMONIALIZADA À FAMÍLIA EUDEMONISTA ...................... 13

2.3 O AFETO COMO VALOR .................................................................................. 20

3 RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA E O DIREITO AO

PLANEJAMENTO FAMILIAR ................................................................................... 25

3.1 A FAMÍLIA HOMOAFETIVA ............................................................................... 25

3.2 OMISSÃO LEGISLATIVA E DIÁLOGO COM AS DEMAIS FONTES DO DIREITO

.................................................................................................................................. 26

3.3 O PAPEL DA JURISPRUDÊNCIA ....................................................................... 34

3.4 O DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR .................................................... 39

4 ADOÇÃO E HOMOPARENTALIDADE ................................................................ 43

4.1 A FILIAÇÃO E O PARADIGMA HETEROSSEXUAL COMO CAUSADOR DO

PRECONCEITO ........................................................................................................ 43

4.2 ADOÇÃO HOMOPARENTAL E SUA VIABILIDADE JURÍDICA ......................... 48

4.3 INEXISTÊNCIA DE DANOS AOS MENORES CONVIVENTES COM

HOMOSSEXUAIS, PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE E DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR ..................................... 56

4.4 A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA

CONSTITUIÇÃO DESSAS NOVAS FAMÍLIAS ......................................................... 66

5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 72

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 77

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1 INTRODUÇÃO

A família é entidade de que se desconhece certeiramente o surgimento, mas

partindo-se da Antiguidade, época em que foram encontradas maiores informações,

foram percebidas muitas mudanças, a começar por sua definição.

Consequentemente, diante das diversas alterações sofridas no seio familiar, a visão

e a valorização dadas à família se transformaram.

O presente trabalho de conclusão de curso tem por escopo abordar a

importância da jurisprudência como instrumento facilitador da constituição das novas

famílias, dentre as quais se enquadra a família homoafetiva, sob o ângulo da adoção

por homoafetivos.

A família sofreu transformações ao longo da história, por isso, mediante a

apresentação de sua origem, pretende-se entender tais mudanças, especialmente a

passagem da família matrimonializada à família eudemonista, fruto também da

alteração do fundamento de validade da família, que passou a conferir juridicidade

ao afeto, mediante a compreensão de que este valor é o essencial à formação de

uma entidade familiar.

Fundando-se nessa premissa, inobstante a omissão legislativa expressa em

referência aos relacionamentos homoafetivos, sugere-se que, com fulcro nas demais

fontes do direito, tais como o uso da analogia e dos princípios gerais, estes sejam

reconhecidos como uma família dependente de proteção estatal, da mesma forma

que as constantes do rol constitucional.

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Considerando os objetivos do presente trabalho, serão utilizados os

seguintes métodos de procedimento:

Histórico, por meio do qual se pretende contextualizar historicamente as

modificações no conceito de família e a repercussão no direito de família.

Por fim, o método de procedimento mais importante e enriquecedor a ser

utilizado no trabalho será o estudo de caso, quando serão analisadas decisões

judiciais com o objetivo de identificar os elementos do sistema da

homoparentalidade nas decisões judiciais brasileiras. Por meio da análise e

mapeamento de demandas judiciais, será observada a importância da jurisprudência

na construção do direito à homoparentalidade, dada a omissão legislativa sobre o

tema. Visa-se, assim, apresentar quais são as variáveis existentes no âmbito de tais

decisões envolvendo a temática, e como elas podem operar negativa e

positivamente na referida construção.

No capítulo 2, será demonstrada a evolução histórica pela qual passou a

família, destacando-se pontos sobre a sua imprecisa origem, o conceito dessa

entidade, na opinião de alguns doutrinadores civilistas, abordando-se ainda a

perspectiva pela qual era enxergada a família do passado, predominantemente

matrimonializada, até a família dos dias atuais, denominada “eudemonista”,

resultante da consideração dos laços de afeto como um valor importante, inclusive

juridicamente, para fins da constituição da entidade familiar moderna.

Seguindo nessa linha das famílias modernas, apresenta-se, no capítulo 3, a

família homoafetiva, formas de sua constituição, que, diferentemente de outros

arranjos familiares, não dispõe de expresso assento constitucional ou legal em

nosso ordenamento, requerendo, assim, a realização de um diálogo com as demais

fontes que abastecem o direito, buscando-se legitimá-la. Para tanto, será

demonstrado ainda, o papel que vem sendo exercido pela jurisprudência pátria de

reconhecimento dessa formação familiar, através da sucinta apresentação de alguns

importantes julgados envolvendo a temática, questionando-se, ainda, a aplicação a

seus membros no direito ao planejamento familiar.

Por fim, no capítulo 4, será abordado o instituto da adoção, em consonância

com a homoparentalidade. Sendo a adoção instituto que tem por objeto a colocação

de uma pessoa em uma família, chamada de “substituta”, uma vez que se trata de

um grupo pelo qual passa uma pessoa estranha a dela pertencer, mesmo não tendo

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vínculo prévio de consanguinidade, encontra-se intrinsecamente ligado à filiação e

esteve sempre relacionado ao paradigma da heterossexualidade. Ficou estabelecido

o padrão de que a filiação, seja ela consanguínea (dando origem à prole biológica,

esta dependente do sexo com intuito procriativo, conforme estabelecido pela Igreja)

ou socioafetiva (a exemplo da adoção, possibilitada a casais inférteis, num primeiro

momento, e posteriormente, a pessoas que assim o desejassem) sempre esteve

ligada à orientação heterossexual. Fundado nessa “regra” convencionada, por muito

tempo pessoas e casais homoafetivos desejosos por prole tiveram a adoção obstada

por preconceito, discriminação que apesar de ainda refletir na atualidade, deve ser

combatida. É cediço é que, muitas vezes, o indeferimento judicial de adoção por

homoafetivos não se restringe ao fundamento da impossibilidade do direito no

reconhecimento da adoção homoparental, encontrando-se atrelada a suposições de

que os menores que possam vir a conviver com pessoas dessa orientação sexual

apresentem futuros danos psicológicos. Portanto, serão apresentados os

argumentos de alguns autores que, baseados em pesquisas científicas,

desmistificam o assunto.

Ademais, pretende-se debater o princípio do melhor interesse da criança e

do adolescente, o qual deve nortear questões que envolvam menores, aliado ao

direito de que dispõem estes à convivência familiar, com absoluta prioridade.

Concretizando todos os direitos discorridos no decorrer deste trabalho, dos quais

fazem jus, em igualdade de condições, homo e heterossexuais, será, mais uma vez,

comentada a atuação relevante desempenhada pelo Poder Judiciário nacional na

efetivação desses direitos, exemplificada por julgados marcantes e um mais recente,

que, sem dúvida, colaboraram manifestamente à adoção homoparental.

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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FAMÍLIAS

2.1 ORIGEM E CONCEITO

A família é instituto cujo nascimento histórico se faz difícil precisar. Derivada

da necessidade de união para fins de procriação, característica da natureza dos

seres vivos,1 os relacionamentos sempre existiram, diversificando-se apenas quanto

à intensidade ao longo do tempo e, consequentemente, quanto à importância

exercida por esse agrupamento em cada momento da história.

Partindo da análise das realidades fáticas, surge o Direito, instrumento

regulamentador das condutas humanas, que, como tal, passa a intervir também na

família. Mas, antes mesmo de leis funcionarem como mandamentos à formação

familiar, segundo afirma Fábio Ulhôa Coelho, embora não se saiba como e em que

momento, o homem primitivo passou a não mais ter relações sexuais com seus

descendentes,2 vedação que se apresenta como a primeira lei do Direito de

Família,3 que, através da repressão ao incesto como forma de manutenção das

espécies humanas, acabou por ocasionar a divisão das tribos em clãs, originando-se

daí a família.4

1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2015. p. 29. 2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: Família, Sucessões. Vol. 5. 5. ed. São Paulo:

Saraiva, 2012. Capítulo 55, item 1, 1º parágrafo. 3 Também conhecida como “lei-do-pai”. (DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 30.).

4 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 2º parágrafo.

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Entretanto, inobstante os indícios de que a referida “lei-do-pai” seria o

primeiro e mais remoto marco no tocante à origem das famílias, o seu surgimento

ainda é tema cercado de obscuridades, inexistindo no campo de seu estudo dados

concretos, dotados de cientificidade, uma vez que “nunca houve, como não há hoje

em dia, uma única forma de família”.5

Justamente por estar a família rodeada de imprecisões, é que também

verifica-se como um embaraço dar-lhe um conceito.

A família, conforme será visto adiante e como fora informado anteriormente,

além de ter passado por diversas fases, as quais não apresentam uma regularidade

que poderia ser denominada de evolução, afigurando-se a uma linha incerta, ainda,

por se tratar de um reflexo da cultura humana em dada época, permite composições

intermináveis entre seres, não se restringindo a determinada formação padronizada,

razão pela qual resta extremamente dificultosa a tarefa de resumir-lhe em palavras.6

Além disso, é de se ressaltar também que o conceito varia conforme o ramo

científico que está a tratar do instituto (psicanálise, antropologia, entre outros).7 Mas,

observado o aspecto jurídico da família, ou melhor, o estudo do direito das famílias,

múltiplas, pode-se dizer, grosso modo, que a família seria definida como sendo as

relações jurídicas entre sujeitos,8 ou seja, a relação das pessoas ligadas por um

vínculo de consanguinidade, afinidade ou afetividade9.

Nos dizeres de Maria Helena Diniz, diversos são os significados dados à

expressão, mas, na seara jurídica, três seriam as possibilidades de entendê-la, quais

sejam, mediante as acepções amplíssima, lata e restrita. A primeira delas estaria a

abarcar todas as pessoas ligadas por laços de consanguinidade ou afinidade, bem

como estranhos. A segunda somente os cônjuges, filhos e parentes em linha reta ou

colateral, afins ou naturais. Por fim, a terceira se limitaria aos pais ou somente a um

deles com sua prole.10

Caio Mário da Silva Pereira, ao tratar do conceito de família, também

enfatiza a diversificação de sentidos da palavra, o que para ele é considerado como

um fenômeno normal do vocabulário jurídico. Acredita ele ser a família um

5 Ibidem. Capítulo 55, item 1, 3º parágrafo.

6 Ibidem. Capítulo 55, item 1, 3º parágrafo.

7 Ibidem. Capítulo 55, item 3, 1º parágrafo.

8 Ibidem. Capítulo 55, item 3, 1º parágrafo.

9 DIAS, Maria Berenice. Op. cit.p. 34.

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. 5. 27. ed. São

Paulo: Saraiva, 2012. p. 24.

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organismo jurídico ou um organismo natural, sob a visão evolutiva. Sendo assim,

ainda entende que, considerando-o como grupo constituído de forma natural, sua

efetividade é considerada juridicamente.11

Desta forma, tem-se que o Direito de Família, ou mais adequadamente

empregada a nomenclatura para o estudo das conjunturas familiares, Direito das

Famílias,12 face às suas múltiplas combinações, é assim definido por configurar-se

como decorrência lógica das elencadas modalidades de família, as quais serão

examinadas a seguir, através de sua evolução histórica.

De acordo com as normas, e sob o prisma constitucional, a família é, nos

termos do art. 226 da Carta Magna, considerada como a base da sociedade,

recebendo especial proteção do Estado.13 Segundo o disposto na Declaração

Universal dos Direitos Humanos (XVI, 3), como o “núcleo natural e fundamental da

sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”14. Embora existam

menções à sua importância, verifica-se a inexistência de uma definição legal própria

para esta entidade.

A família comumente era relacionada à figura do casamento, o que, por

muito tempo, gerou o não enquadramento jurídico de outras relações, como as

fundadas no afeto, resultando na negativa de direitos a alguns arranjos, a exemplo

da união estável.15

Com o decorrer do tempo e os acontecimentos da contemporaneidade,

entretanto, percebe-se que houve uma valorização jurídica do afeto, conforme será

visto mais adiante, o que, por conseguinte, estendeu o conceito de família para além

das modalidades constitucionalmente previstas.

Exemplo disso, no plano internacional, é o estabelecimento, pela Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, no ano de 1989 (Decreto nº

99.710/1990), da família como sendo “núcleo fundamental da sociedade e meio

natural para o crescimento e bem estar de todos os seus membros e, em particular,

11

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 25 e 28. 12

Termo empregado por Maria Berenice Dias (DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 12.). 13

CRFB, art. 226, caput. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao /ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 12 de maio de 2016). 14

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris, 1948. Apud DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 30/31. 15

Ibidem. p. 132.

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as crianças”. Depreende-se daí a compatibilidade de sua conceituação como

unidade social16 feita por Caio Mário da Silva Pereira, bem como ao entendimento

manifestado por Maria Berenice Dias de se tratar uma construção cultural,17 reflexo

das transformações vividas por esse instituto, especialmente da sua moderna

estruturação, consoante será a seguir demonstrado.

2.2 DA FAMÍLIA MATRIMONIALIZADA À FAMÍLIA EUDEMONISTA

Em que pesem as dúvidas quanto à origem da família, passa-se à

Antiguidade, época em que são constatados relatos mais concretos do quais se

pode partir para a observação das características das famílias de cada tempo.18

Das informações mais remotas, tem-se a família romana, estruturada à luz

do princípio da autoridade do pátrio poder, prerrogativa exercida pelo pater

familias.19 De maneira geral, tratando-se desta configuração familiar, as pessoas da

família eram vistas como “trabalhadores”,20 ferramentas para a produção dos bens

necessários à subsistência de seus membros, funcionando também como centro dos

rituais religiosos, os quais eram ministrados pelo sacerdote, que também era o pater,

além de ser o instrumento para a educação das pessoas que a compunham.21

Nessa conjuntura familiar característica da antiguidade, destaca-se a

autoridade do pater, o qual desempenhava todos os papéis de coordenação da

unidade familiar, sendo todos os seus descendentes não emancipados e mulher

seus subordinados. Na prática, dada a hierarquia nas relações daquele grupo,

poderia o pater determinar o que bem entendesse, chegando ao ponto de até

mesmo ordenar a morte ou venda dos demais integrantes, como, por exemplo, de

seus filhos, para se tornarem escravos. Resumidamente, o pater, “ascendente

comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz.

Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça”.22

16

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 33. 17

DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 29. 18

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 4º parágrafo. 19

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. 6. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 31. 20

DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 30. 21

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 4º parágrafo. 22

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 31.

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14

Assim, a família da antiguidade tinha como traços marcantes as funções:

biológica, de perpetuação da espécie, inclusive valendo-se do impedimento ao

incesto como forma de assegurar as variações genéticas; educacional, notado no

ensino fornecido aos menores para a regular convivência social; econômica,

assegurando a subsistência do grupo através da produção de bens; espiritual,

quando do exercício de rituais religiosos, função esta que fora cessando após a

difusão do cristianismo; e até mesmo assistencial e afetiva, cuidando-se

mutuamente, tanto física como psiquicamente.23

Não obstante a principal marca da família romana fosse o fato de ser

chefiada pelo pater, em uma fase posterior, dentro da própria Antiguidade, em

conformidade com o regime militar da época, serviram os pecúlios castrenses como

forma de incentivo à constituição, pelos filhos, de patrimônio distinto do pater,

culminando na limitação gradativa de seu poder.24

Especialmente quanto ao casamento, um dos institutos mais lembrados

quando se fala em família, tem-se que ele era construído no afeto, o qual deveria

persistir, sob pena de seu desfazimento, pelo divórcio.25

Com o advento da Idade Média e a formação das cidades, a partir de suas

atividades comerciais e, na Idade Moderna, com as revoluções industriais, apura-se

a perda da função econômica familiar, em virtude de sua substituição pelas

empresas capitalistas. Ao primeiro tempo, também houve a desnecessidade do

exercício do papel educacional da família, o qual passou a ser feito pela Igreja

Católica e pelas corporações de ofício, culminando na instituição das escolas e

universidades, até então inexistentes.26

Entretanto, também como consequência da influência da Igreja, os

canonistas consideravam o vínculo do casamento como sendo indissolúvel, dada a

natureza de sacramento de que era dotado, visto ter sido celebrado por Deus. Logo,

a família, sob a perspectiva do direito canônico, só poderia ser constituída pelo

casamento, em que pese, quanto às demais funções que eram atribuídas à entidade

familiar, ter permanecido a regência do direito romano, verificando-se ainda a

23

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 5º e 7º parágrafos. 24

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 31. 25

Ibidem.p. 32. 26

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 8º e 9º parágrafos.

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influência de regras germânicas, das quais a família brasileira é considerada um

misto.27

Chegando ao século XX, e falando especialmente sobre o Brasil, a família

continuou apresentando-se como matrimonializada, patriarcal e hierarquizada,

conforme é possível depreender principalmente através das normas da época, tais

como o Código Civil de 1916 (CC/1916).28

Referido diploma pátrio regulamentador da família do século XX somente

enxergava como legitimada para tanto a formação entre pessoas resultante do

casamento. Tanto era assim que a família que não era dele derivada, era encarada

como ilegítima, caracterizando-se como concubinato, o qual era destituído de

quaisquer direitos, por vedações normativas expressas.29

Nesse sentido, também os filhos nascidos de relações extramatrimoniais

sofriam eternamente o peso da inexistência do casamento de seus pais, razão pela

qual também eram taxados como ilegítimos. Em função desse estigma imposto pela

própria lei, também não podiam estes terem garantidos os seus direitos relativos à

filiação, os quais poderiam ser concedidos aos filhos naturais, aqueles nascidos de

casal não impedido de se casar, mas não aos espúrios, filhos de casais

impossibilitados, seja em virtude de um impedimento decorrente de prévio

matrimônio, seja por uma questão parental, cujo reconhecimento era censurado.30

No decorrer do século XX, de maneira ampla, igualmente se percebeu a

paulatina perda da função assistencialista da família, que ainda persiste nos tempos

atuais, mas cuja atuação no cuidado de seus membros que se demonstram

incapacitados, dependentes de certos cuidados, tem migrado da família para o

poder público, como, por exemplo, através da Seguridade Social.31

Em relação a isso, com o início da legislação previdenciária brasileira,

mesmo antes da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), diploma normativo que

foi um divisor de águas na seara do Direito de Família, o qual gerou um processo de

constitucionalização da matéria, aos poucos foram sendo admitidos, pela

jurisprudência pátria, os direitos da concubina. Assim, por exemplo, tem-se o direito

à meação dos bens adquiridos pelo casal, tema este sumulado pelo enunciado de nº

27

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 32. 28

Ibidem. p. 32. 29

Ibidem. p. 28. 30

Ibidem. p. 28/29. 31

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 10º parágrafo.

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380 do Supremo Tribunal Federal32. Mas, é de considerar sua possibilidade apenas

mediante o afastamento das limitações civilistas às relações não enquadradas como

sendo de concubinato adulterino, aquele em que um dos cônjuges, geralmente o

homem, mantinha simultaneamente vínculo afetivo com a esposa e com outra

mulher, concubina. Ou seja, uma hipótese de viabilidade seria quando firmado

relacionamento entre homem separado de fato e a concubina, como se esposos

fossem, razão pela qual a mulher, na verdade, era considerada como

companheira.33

Mesmo assim, ainda que enquadrado um casal nessa situação, os direitos

que eram conferidos aos ligados por laços extramatrimoniais eram tutelados, no

máximo, sob o aspecto patrimonial, sem que houvesse o ingresso da questão no

campo do Direito de Família.34 A maior referência quanto à concretização do

esposado é que, para a mulher deixada por homem, cuja relação não era pautada

no casamento, ou havia o emprego analógico das normas de direito comercial,

estabelecido sob o entendimento de que tais relações caracterizavam sociedades de

fato, ou simplesmente o pagamento pelos serviços prestados, compreendendo-se

tratar de relação laboral, no caso de inexistência de bens a serem divididos,35 não

lhe sendo assegurados direitos sucessórios, posto que a relação não era capaz para

tanto, vez que fundada no concubinato, estigma invencível da época.

A legislação, além de omitir-se por longo tempo em regular relações informais, expungia, com veemência, a possibilidade de se extraírem consequências jurídicas de todo e qualquer vínculo afetivo outro. Proibiu doações, seguros, bem como a possibilidade de herdar, em face de ligações tidas por espúrias. Tal ojeriza, entretanto, não coibiu o surgimento de relacionamentos sem respaldo legal, levando seus partícipes, quando do rompimento da união, às portas do Judiciário. Viram-se os juízes forçados a criar alternativas para evitar flagrantes injustiças, tendo sido cunhada, via jurisprudencial, a expressão companheira, como forma de contornar as proibições para o reconhecimento dos direitos banidos pela lei.

36

32

Súmula 380 do STF. Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 380. Diário de Justiça, Brasília, 08 de maio de 1964. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=380.NUME.%20NAO%20 S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em: 15 de maio de 2016). 33

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 29. 34

Ibidem. p. 29. 35

DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www .mariaberenice.com.br/uploads/3_-_fam%EDlias_modernas__inter_sec%E7%F5es_do_afeto_e_d a_lei.pdf >. Acesso em: 16 de maio de 2016. 36

Ibidem.

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17

Sintetizando ideias, tem-se que a família protegida pelo Estado era

patriarcal, marcada pela hierarquia do homem, chefe da união matrimonial, o que

gerava uma total verticalização das relações familiares, cujo escopo maior era a

aquisição patrimonial.37 Resultado do impacto do cristianismo, nessa época,

somente era permitida a união afetiva de pessoas com diferentes sexos, com vistas

à procriação, o que impactou diretamente na edição do CC/1916 que, conforme

explicitado acima, só vislumbrava como família a relação advinda do matrimônio,

vínculo indissolúvel entre heterossexuais.38

Entretanto, com o avançar do século XX, como consequência lógica das

mudanças ocorridas na sociedade, das quais não pode o direito manter-se inerte, ao

compreender a nova sistemática para a qual caminhava a humanidade, de forma

sábia a essas transformações, passou a normatizar o Direito de Família de maneira

mais ampla, partindo do conceito de família. Este conceito oi alvo de um processo

de constitucionalização ao dispor a CRFB/88 sobre outras modalidades de família,

tais como a monoparental e a derivada da união estável, não mais restringindo seu

campo de proteção à família matrimonializada, ou seja, aquela decorrente do

casamento,39 à luz da nova estrutura social voltada ao pluralismo das relações

familiares.40

Conforme aludido, ao dispor a Carta Magna sobre o assunto,

especificamente em seu Capítulo VII, referindo-se às famílias resultantes da união

estável entre homem e mulher no art. 226, §3º,41 e às compostas por qualquer dos

pais e seus descendentes (monoparentais) no §4º,42 como entidades familiares,

37

DIAS, Maria Berenice. A evolução da família e seus direitos. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/7_-_a_evolu%E7%E3o_da_fam%EDlia_e_seus_direitos.pdf>. Acesso em: 16 de maio de 2016. 38

DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www .mariaberenice.com.br/uploads/3_-_fam%EDlias_modernas__inter_sec%E7%F5es_do_afeto_e_d a_lei.pdf >. Acesso em: 16 de maio de 2016. 39

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 29/31. 40

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 131. 41

CRFB, art. 226, §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 16 de maio de 2016). 42

CRFB, art. 226, §4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em:

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inovou na ordem jurídica, retirando o peso das diferenças que sobre elas recaíam

em decorrência das exposições do CC/1916. Deste modo, possibilitou-se, em virtude

do alargamento do conceito família, que vínculos anteriormente segregados

passassem a nele incluírem-se, a ponto de, com o progresso jurisprudencial, terem

as uniões homoafetivas também nele se enquadrado, conforme decretação pelo

Supremo Tribunal Federal, que surtiu efeitos vinculantes e para todos.43

Outrossim, como outro efeito da promulgação da Constituição pátria de

1988, que, efetivando o princípio da dignidade humana, seu corolário, fora na

mesma linha observada pelo Código Civil de 2002 (CC/02), houve a quebra de

diversos preconceitos anteriormente verificados na família. Exemplificando-as, não

se tem mais a predominância do homem sobre a mulher,44 os quais passaram a ser

tratados em pé de igualdade, nem mesmo entre os filhos45, sejam eles biológicos,

decorrentes ou não do matrimônio, sejam adotivos, passando todos os membros da

família a dispor de iguais direitos e obrigações.46

Hoje em dia, a família deixou de ser considerada meio de garantir a

subsistência da espécie através do sexo voltado à procriação, não mais se

restringindo seu núcleo aos seres ligados pelo casamento, tornando-se meio de

satisfação pessoal, através da realização das necessidades existenciais do ser

humano, dentre as quais está o afeto.47

O tríplice pressuposto formado por casamento, sexo e procriação, conforme

se refere Maria Berenice Dias, não mais condiciona o conceito família, que, como

consequência de movimentos feministas, do maior desenvolvimento e conhecimento

de métodos contraceptivos, e inovações científicas também quanto à reprodução,

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao /ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 16 de maio de 2016). 43

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 131. 44

CRFB, art. 226, §5º.Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 de maio de 2016). 45

CRFB, art. 227, §6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /Constituicao /ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 17 de maio de 2016). 46

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 32/33. 47

Ibidem. p. 131.

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19

iniciaram um processo de cessação da função biológica, culminando no afastamento

da tríplice “base” da família, para dar lugar ao pluralismo das relações familiares,

resultado da ampliação conceitual de família.48

Afirma Paulo Luiz Netto Lôbo que dentre as principais causas do

desaparecimento da família patriarcal estão a urbanização acelerada ocorrida no

decorrer do século XX e a independência feminina profissional e econômica, as

quais geraram uma reformulação na família.49

Enfim, embora o modo como vem caminhando a família demonstre,

partindo-se da família romana, um caminho marcado pelo desaparecimento de

muitas de suas funções, é de se dar grande ênfase ao fato de que a principal função

da família continua intacta, qual seja, a afetiva50. Daí se concluir que, de certa forma,

a família, na verdade, evoluiu, visto que, libertando-se de amarras ou formalismos

que mantinham o núcleo familiar, passou este a ser formado simplesmente através

do afeto, elo mais flexível e eficaz ao gerar a relação entre as pessoas, que hoje são

dotadas de escolha,51 não estando unidas às outras por simples formalismo ou

dependência social.

Assim é considera-se que “para essa nova tendência de identificar a família

pelo seu envolvimento afetivo surgiu um novo nome: família eudemonista, que busca

a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros.”52

Família eudemonista é o fundamento de configuração das famílias

modernas, que seguem a doutrina do eudemonismo, que reconhece na busca da

felicidade a essência da vida dos sujeitos que a formam. Desta forma, pode ser

conceituada como a família que é integrada por pessoas que, em comunhão com

outras, com as quais se relacionam em virtude do afeto, mediante o esforço comum,

objetivam alcançar a felicidade tanto individual, quanto o bem estar do grupo em que

se inserem, desde que pautados na solidariedade, na responsabilidade recíproca, na

lealdade, na igualdade que, no final das contas, é o alicerce sobre o qual está

construída qualquer forma de amor.53

48

Ibidem. p. 131. 49

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 20. 50

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 12º, 15º e 16º parágrafos. 51

DIAS, Maria Berenice. A evolução da família e seus direitos. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/7_-_a_evolu%E7%E3o_da_fam%EDlia_e_seus_direitos.pdf >. Acesso em: 16 de maio de 2016. 52

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 143. 53

Ibidem. p. 143.

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20

Sabiamente, a evolução das famílias que se propõe o presente trabalho a

estudar neste capítulo pode ser resumida nas seguintes palavras de Maria Berenice

Dias:

A evolução dos direitos de família segue a trajetória da própria família. A tentativa de manter a estrutura da sociedade pela sacralização do vínculo matrimonial levou ao engessamento do afeto em um casamento indissolúvel. O modelo hierarquizado, conservador e patriarcal foi desastroso e sofreu severo golpe quando as uniões extramatrimoniais passaram a desempenhar significativo papel social, o que ensejou o rompimento de alguns paradigmas. Emerge agora novo conceito de família, que tem como elemento identificador a afetividade. O alargamento do conceito de família para além do casamento acabou permitindo o reconhecimento de outras entidades familiares. Assim, também as uniões de pessoas do mesmo sexo, as chamadas uniões homoafetivas, passo a passo, buscaram inserção no âmbito do Direito das Famílias.

54

Portanto, após apresentada a evolução da família, constata-se que a família

atual, eudemonista, é resultante da compreensão de que o alcance da felicidade é

dependente também da possibilidade de se ter como entidade familiar aqueles aos

quais sentimos afeto. Importante se faz, desta forma, que essa família, que passou a

ser enxergada por seu apoio à consecução da satisfação de seus membros, seja

estabelecida no afeto, e que seja a esse sentimento atribuída juridicidade,

permitindo que se emanem daí direitos

2.3 O AFETO COMO VALOR

Exatamente pelo fato de estar a família atual ligada por laços de afetividade

e afinidade entre pessoas que desejaram a sua formação, as quais se incentivam e

se respeitam, mantendo-se psicologicamente saudáveis por meio da convivência e

enfretamento das dificuldades do dia a dia, é que faz-se complexa, senão

impossível, a enumeração dos modelos de família, dada a infinidade de

combinações que o afeto comporta.

Se mesmo antes, quando a sociedade cobrava de seus integrantes o

atendimento a certos padrões familiares, tomando como errados aqueles que aos

modelos impostos não se adequavam, já era possível notar uma diversidade de

composições familiares, de forma muito mais acentuada se observa essa variedade

atualmente, fato motivado, em especial, pela valorização do afeto. Tanto é assim

54

DIAS, Maria Berenice. A evolução da família e seus direitos. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/7_-_a_evolu%E7%E3o_da_fam%EDlia_e_seus_direitos.pdf >. Acesso em: 16 de maio de 2016.

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21

que se constata inviável a identificação de um único modelo a ser considerado como

família.

Da transição da antiga família patriarcal para a contemporaneidade, restou

somente a afetividade,55 alicerce de sua formação. Em face da atualidade, na qual

se espelha o direito para normatizar as relações jurídicas decorrentes das formações

familiares, deve o mesmo acompanhar as mudanças fáticas do contexto em que

está inserido, para então dizer o bom direito no caso concreto. Para tanto, somente

mediante a conscientização de que o afeto é o valor que deve prevalecer nessas

comunhões de vida, é que se poderá alcançar o seu objetivo.

Cumprindo o seu papel, tem-se que o direito, diante da realidade, passou a

conferir juridicidade ao afeto. Entende Maria Celina Bodin de Moraes, nesse sentido,

que o processo evolutivo das famílias, exemplificado em fatos como o

desaparecimento do poder marital, o aumento dos relacionamentos informais, a

emancipação da mulher, fora seguido tanto pela legislação, quanto pela

jurisprudência pátrias, que desempenharam notável função estimuladora aos novos

arranjos familiares, os quais apresentam pluralidade hoje, posto que facultado a

seus integrantes a opção por sua constituição.56 Para tanto, menciona ainda que:

Se fosse possível reuni-las em um gênero, esse novo modelo poderia ser denominado “democrático” (GIDDENS, 1993) – correspondente, em termos históricos, a uma significativa novidade: a inserção, no ambiente familiar, de direitos fundamentais como a igualdade e a liberdade.

57

Destrinchando a qualidade “democrática” dada à família, ensina que esta

apenas se apresentou viável quando da cessação das desigualdades verificadas

tradicionalmente, quando se passou à compreensão de que “não há direitos sem

responsabilidades, nem autoridade sem democracia”58, a ponto de se chegar ao

patamar de igualdade na tomada de decisão do seio familiar, configurando-as da

seguinte forma:

Famílias democratizadas nada mais são do que famílias em que a dignidade de cada membro é respeitada e tutelada. Para a concretização desse processo, o que mais cumpre ressaltar é a sua pluralidade: o fenômeno familiar não é mais unitário, tendo deixado o casamento de servir de referência única do grupo familiar.

59

55

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 55, item 1, 16º parágrafo. 56

MORAES, Maria Celina Bodin. A nova família, de novo – Estruturas e função das famílias contemporâneas. Pensar, Fortaleza, v. 18, nº 2, p. 587-628, maio/agosto de 2013. p. 591. 57

Ibidem. p. 591/592. 58

Ibidem. p. 592. 59

Ibidem. p. 593.

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22

Os maiores exemplos de atendimento à missão a que está incumbido o

direito são o reconhecimento da união estável como uma das formas de constituição

de família pela CRFB/88, tema já mencionado anteriormente, além das uniões

homoafetivas, foco deste trabalho, visando-se à análise crítica quanto à adoção

homoparental, que é aquela realizada por uma pessoa ou casal homossexual. Sua

concretização é fruto do empenho da jurisprudência, uma das fontes do direito, em

adequar-se às transformações sociais, a fim de que não seja deixado fora do manto

da justiça as situações não abarcadas expressamente pelo legislador ou

constituinte, mas que, como todas as pessoas conviventes em sociedade, dele

dependam para o socorro dos fáticos problemas que surgem no dia-a-dia. Afinal,

não podem existir brechas que justifiquem a discriminação dos “vínculos afetivos

que fogem do parâmetro homem e mulher”.60

A realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções feneceram, desapareceram ou desempenharam papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua. [...] A família, ao converter-se em espaço de realização da afetividade humana, marca o deslocamento da função econômica-política-religiosa-procracional para essa nova função. Essas linhas de tendências enquadram-se no fenômeno jurídico-social denominado repersonalização das relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas relações patrimoniais. É a recusa da coisificação ou reificação da pessoa, para ressaltar a sua dignidade. A família é espaço por excelência da repersonalização do direito.

61

Paulo Luiz Netto Lôbo refere-se à “repersonalização das relações de

família”, movimento que enfatiza a pessoa humana como foco do direito, afastando-

se do predominante interesse patrimonial característico do Direito de Família

tradicional, por não mais se ajustar à família atual, a qual se propõe à realização de

interesses pessoais através da afetividade, que é considerada pelo referido

doutrinador como um “elemento aglutinador e nuclear distinto”, que propicia a

conformação do direito à realidade.62

A família tradicional aparecia através do direito patrimonial e, após codificações liberais, pela multiplicidade de laços individuais, como sujeitos de direito atomizados. Agora, é fundada na solidariedade, na cooperação, no respeito à dignidade de cada um de seus membros, que se obrigam

60

DIAS, Maria Berenice. A evolução da família e seus direitos. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 20 de julho de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/7_-_a_evolu%E7%E3o_da_fam%EDlia_e_seus_direitos.pdf >. Acesso em: 16 de maio de 2016. 61

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Op. cit. p. 20/22. 62

Ibidem. p. 25/26.

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mutuamente em uma comunidade de vida. A família atual é apenas compreensível como espaço de realização pessoal afetiva, no qual os interesses patrimoniais perderam seu papel de protagonista. A repersonalização de suas relações revitaliza as entidades familiares, em seus variados tipos ou arranjos.

63

Como consequência da valorização do afeto, no tocante à filiação, e por

terem se tornado menos significativa para fins de constituição do vínculo familiar a

consanguinidade, à adoção fora dada, constitucionalmente, a mesma

respeitabilidade conferida aos filhos naturais, demonstrando a hegemonia da

“repersonalização” das relações familiares. Tal mudança de parâmetros éticos

sobrepõe a dignidade da pessoa humana como meta central da família em relação

aos arcaicos objetivos patrimoniais que a estruturavam, o que só é possível

mediante o exercício do afeto no seio da família.64

Na opinião de Flávio Tartuce, em que pese a ausência de menção ao afeto

em nossa Constituição, seria ele a razão central das interações familiares,

afigurando-se como consequência lógica da “valorização constante da dignidade

humana e da solidariedade”, sendo elencado à condição de princípio por autores

como Maria Berenice Dias, Paulo Luiz Netto Lôbo e ainda pela juspsicanalista

Giselle Câmara Groeninga.65

Acerca do afeto como valor jurídico, há que se destacar ainda o seu

reconhecimento pela jurisprudência, que, impactando diretamente nas relações

familiares, possibilitou o rompimento com os padrões anteriormente estabelecidos

por este ramo do direito, distanciando-se da feição patrimonial e com vistas à

reprodução, para fazer transparecer os relacionamentos hetero ou homossexuais,

sob o ângulo da comunhão de vida. Por isso, afirmou a Ministra Nancy Andrighi, no

julgamento do Recurso especial nº 1.026.981/RJ66, que, diante desse progresso na

compreensão das famílias, deve o magistrado atuar em prol das minorias, caso

desrespeitados seus direitos, não lhe sendo possível tolher a inovação na ordem

jurídica. Isso porque da mesma forma que conferiu juridicidade às relações não

63

Ibidem. p. 27. 64

Ibidem. p. 27/29. 65

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2014. Capítulo 8, item 8.1.7, 1º parágrafo. 66

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.026.981/RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 04 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19165773/recurso-especial-resp-1026981-rj-2008-0025171-7/inteiro-teor-19165774> Acesso em: 17 de maio de 2016.

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pautadas no casamento, cujo resultado fora a instituição da união estável, deve o

juiz fazê-lo com os demais vínculos fundados no afeto.

Embora este julgado trate somente sobre a concessão de pensão post

mortem à pessoa unida a outra do mesmo sexo, a cujo pedido fora dado provimento

por unanimidade, é certo que, da mesma forma que influencia as uniões

homoafetivas, atingirá também a filiação, uma vez que, ao serem admitidas como

famílias, possibilitada lhe estará a adoção.67

Também acerca dos impactos da afetividade sobre a filiação, tem-se que a

consagração da família como grupo enlaçado pelo afeto, dentre outros feitos, serviu

para demonstrar que a base das entidades familiares não se encontra na origem

genética. Consagra-se assim a igualdade de direitos dos filhos adotivos em relação

aos biológicos, como escolha afetiva feita por pessoa ou casal ao adotando, o que

frisa ainda mais os comandos constitucionais constantes dos parágrafos 4º, 5º e 6º

do art. 227. Nesse sentido, afirma Paulo Luiz Netto Lôbo não ser a filiação um

“determinismo biológico”, a qual “emerge da construção cultural e afetiva

permanente, que se faz na convivência e na responsabilidade”.68

Materializando, ainda, a tendência de valorização jurídica do afeto, como

consequência da adaptação da lei aos acontecimentos da contemporaneidade,

asseverou a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06)69 a percepção da família como

sendo “qualquer relação íntima de afeto”, corroborando a dilatação do conceito de

família,70 que agora passa a abarcar também as relações familiares construídas no

princípio da afetividade, hoje admitido juridicamente.

Portanto, estando a família atual enraizada no afeto, e dada a função do

direito em disciplinar tais relacionamentos pautados na afetividade, proibido lhe é

dispor normativamente em detrimento desses laços, sob pena de apresentar-se

como instrumento de natureza discriminatória,71 pregando verdadeira injustiça.

67

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit.p. 34. 68

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 23 de março de 2004. Disponível em:<http://ibdfam.org.br/artigos/130/Princ%C3%ADpio+jur%C3%ADdico+da+afetividade+na+filia%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 21 de maio de 2016. 69

Conforme Lei nº 11.340/06, art. 5º, III. 70

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 133. 71

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.026.981/RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 04 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19165773/recurso-especial-resp-1026981-rj-2008-00251 71-7/inteiro-teor-19165774>. Acesso em: 17 de maio de 2016.

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3 O RECONHECIMENTO DA FAMÍLIA HOMOAFETIVA E O DIREITO AO

PLANEJAMENTO FAMILIAR

3.1 A FAMÍLIA HOMOAFETIVA

Dentre os diversos arranjos familiares possíveis, da mesma forma que se

pode classificar a família em monoparental, anaparental, entre outras tantas

modalidades, o que só se tornou viável quando se conferiu juridicidade ao afeto,

tem-se a formação e o reconhecimento da família homoafetiva, ainda que sobre esta

recaiam muitos preconceitos. Sobre isso, Maria Berenice Dias afirma que “(...) não

mais cabe, ao falar de família, deixar de trazer as famílias homoafetivas, essa

expressão de afetividade que vem obtendo respeitabilidade social e visibilidade

jurídica, graças ao Poder Judiciário”72.

A família homoafetiva poderia ser conceituada como a decorrente de

vínculos afetivos estabelecidos em função da união entre pessoas do mesmo sexo.

Ela pode ainda ser somada à homoparentalidade, ou seja, quando a

homossexualidade liga-se à filiação, mediante o exercício da qualidade parental,

qual seja, de maternidade ou paternidade73 de um indivíduo ou casal homossexual

72

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 13. 73

ZAMBRANO, Elizabeth. Parentalidades “impensáveis”: pais/mães homossexuais, travestis e transexuais. Horizontes antropológicos, Porto Alegre, v. 12, nº 26, p. 123-147, dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-7183200600020 0006>. Acesso em: 08 de junho de 2016.

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26

sobre seus filhos biológicos de relacionamentos heterossexuais anteriores, adotivos

ou derivados de métodos tecnológicos de reprodução.74

A homossexualidade, assim, hoje é melhor conceituada e empregada, uma

vez que o anterior termo (“homossexualismo”), em razão do seu sufixo, remetia a

doença, o que não se coadunava com a realidade desta outra forma de viver. Por

não se assemelhar à família entendida como tradicional, formada por pessoas de

diferentes sexos, a homossexualidade não foi expressamente abarcada na Carta

Magna ou no Código Civil pátrios.75

Em função do seu não enquadramento nos mesmos moldes da antiga

família matrimonializada e heterossexual, pregada pelo cristianismo, que enxerga o

casamento e a família sob a perspectiva da procriação, pode-se afirmar que “a

infertilidade dos vínculos homossexuais foi o que levou ao repúdio e a

marginalização”76. Este preconceito persiste até os dias atuais, como bem se

observa pela carência de disposição legal a tratar dos homossexuais, o que não

pode, de forma alguma, implicar na negativa de seus direitos,77 requerendo, a

contrario sensu, um maior esforço da via judicial para a efetivação dos mesmos, face

ao não cumprimento, pelo legislador, de sua tarefa.

3.2 OMISSÃO LEGISLATIVA E O DIÁLOGO COM AS DEMAIS FONTES DO

DIREITO

Embora tenha a CRFB/1988, em face das transformações sociais,

assegurado em seu texto o amparo a outras modalidades de família, como a união

estável entre homem e mulher e a monoparental, formada por apenas um dos pais e

seus descendentes, tem-se que esse rol de entidades familiares não limita a

proteção estatal, não possuindo natureza taxativa, de forma a não excluir da tutela

jurídica demais arranjos familiares pautados no afeto. Fato é que não seria desejável

e nem possível ao constituinte ter capacidade para dispor acerca de todas as

74

KLEVENHUSEN, Renata Braga. et al. Homoparentalidade e o papel da jurisprudência brasileira na construção de um sistema de filiação. Instituto de DerechoIberoamericano. Disponível em: <http://idibe.org/2015/04/04/la-homoparentalidad-y-el-papel-de-la-jurisprudencia-brasilena-en-la-construccion-de-un-sistema-de-filiacion/.> Acesso em 30 de maio de 2016. 75

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 271. 76

Ibidem.p. 271. 77

Ibidem.p. 272.

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27

famílias, dada a sua multiplicidade de combinações, resultado da compreensão de

que, para os relacionamentos serem admitidos como tal, basta atualmente que

tenham como base o afeto. Dito isto, e ante a ausência de norma expressa, em

sentido contrário, a determinar a vedação a qualquer conjuntura específica de

família, entender-se-á esta como digna de tutela.78

Assim é que afirma Conrado Paulino da Rosa não estarem os elos familiares

atrelados nem ao arbítrio do legislativo, nem mesmo a definições prontas, uma vez

que os sentimentos devem ser gozados, ao invés de restringidos. Por esse motivo é

que, recentemente, editou artigo em que comemora a noticiada alteração do

vocábulo família no dicionário Houaiss. Ilustra que referida palavra, antes associada

a um agrupamento de pessoas e, de maneira geral, à família formada pelos pais e

seus filhos, frisando a questão da coabitação, ou relacionando-a à constituição pelo

matrimônio ou por vínculos de parentesco, era fruto da definição de família como

sendo somente a matrimonial.79

Para tanto, ressalta a conformidade propiciada pela mudança conceitual do

referido léxico à cognição de que os elos familiares se estabelecem “pelo afeto e

pela solidariedade”, resultante da repaginação da família como sendo “núcleo social

de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo

espaço e mantém entre si uma relação solidária”. Aduz ainda que essa alteração

redacional é demonstração da evolução dos parâmetros familiares decorrentes da

valorização da contemporânea família ligada afetivamente, formadora de “um

espaço de ligação sincera e de entreajuda”, não mais limitada às relações

consanguíneas ou matrimoniais, o que impõe também a modificação da visão

jurídica e legislativa sobre características humanas internas e imutáveis

externamente, quais sejam, os laços sentimentais e o anseio pela felicidade.80

Logo, a não disposição constitucional acerca de outras formações familiares

não significa a inconstitucionalidade destas quando formadas pelo afeto. Nesse

sentido é que afirma Paulo Luiz Netto Lôbo que, caso atendidos “os requisitos de

afetividade, estabilidade e ostensibilidade e tiverem finalidade de constituição de

família”, afiguram-se as uniões homoafetivas como “entidades familiares

78

Ibidem.p. 272. 79

ROSA, Conrado Paulino da. A família além do dicionário. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 17 de maio de 2016. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/1112/A+fam%C 3%ADlia+al%C3%A9m+do+dicion%C3%A1rio+>. Acesso em: 13 de junho de 2016. 80

Ibidem.

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28

constitucionalmente protegidas”, uma vez que o art. 226 da CRFB/88 se trata de

“norma de inclusão”. Desta forma, apenas se existisse norma que explicitamente

demonstrasse a exclusão dessas uniões da proteção estatal, é que seria possível

interpretar uma exceção à regra, que a afastasse para os relacionamentos

homossexuais.81

Não se pode olvidar ainda que o direito não se restringe ao texto positivado,

dispondo também de outras fontes. Desta forma, levando-se em conta a lacuna

deixada pelo Poder Legislativo no concernente à tutela desse grupo, notório é que

não poderá o juiz, frente à referida omissão, silenciar-se, se escusando de seu dever

e, consequentemente, incorrendo não só em injustiça, como em ilegalidade.

Portanto, a ele incumbe, mediante o uso das demais fontes sobre a qual está

calcado o direito, quais sejam, a analogia, os costumes e os princípios gerais do

direito, dar solução ao caso concreto, em observância ao disposto do nos arts. 4º e

5º da LINDB,82 bem como ao novo Código de Processo Civil (art. 140, caput)83.84 Por

isso é que, nos moldes esposados acima, a inexistência de norma específica

expressa a regular as relações homoafetivas e demais vínculos daí decorrentes não

significa qualquer empecilho a obstar a proteção a seus envolvidos. Destarte, aduz

Paulo Luiz Netto Lôbo que

A ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência, porque as normas do art. 226 são autoaplicáveis, independentemente de regulamentação. As uniões homossexuais são constitucionalmente protegidas enquanto tais, com sua natureza própria. Como a legislação ainda não disciplinou seus efeitos jurídicos, como fez com a união estável, as regras desta podem ser aplicáveis àquelas, por analogia (art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil), em virtude de ser a entidade familiar com maior aproximação de estrutura, nomeadamente quanto às relações pessoais, de lealdade, respeito e assistência, alimentos, filhos, adoção, regime de bens e impedimentos.

85

81

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 90. 82

LINDB, art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 de setembro de 1942. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 24 de maio de 2016). 83

CPC, art. 140. O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. (BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 24 de maio de 2016). 84

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 273/274. 85

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 90/91.

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29

Ademais, frisa-se a atribuição de destaque dos princípios constitucionais

para o reconhecimento da família homoafetiva, uma vez que, considerando sua

natureza jurídica de normas abstratas que regem todo o ordenamento jurídico em

que estão inseridos, por óbvio que servem como norte à interpretação das leis, que

devem com eles estar sempre em reciprocidade. Logo, por força do princípio da

dignidade humana, previsto do art. 1º, III, da CRFB/88,86cujos efeitos são irradiados

a outros princípios, como o da igualdade, insculpido no art. 5º, caput, também da

Constituição,87 não se justifica o tratamento discriminatório aos homossexuais, aos

quais, também em consonância com o princípio constitucional da liberdade88, têm

assegurado o direito de adotarem o modo de viver que melhor lhes convenha, desde

que sem ferir os direitos de outrem, o que não é o caso da orientação sexual, que se

inclui na esfera da vida privada das pessoas.89

Diante das garantias constitucionais, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica. A constitucionalização da família implica assegurar proteção ao indivíduo em suas estruturas de convívio, independentemente de sua orientação sexual.

90

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura claro desrespeito à dignidade humana, princípio maior consagrado pela Constituição Federal. Infundados preconceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que fortalece estigmas sociais e acaba por causar sentimento de rejeição e sofrimentos.

91

Assim, embora exista a carência de menção expressa às uniões

homoafetivas, também estas uniões, dentre outras não especificadas constitucional

86

CRFB, art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 24 de maio de 2016). 87

CRFB, art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao Compilado.htm>. Acesso em: 24 de maio de 2016). 88

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 272. 89

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homo afetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 90

Idem. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 272. 91

Idem. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2016.

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ou legalmente, encontram-se abrangidas na definição de família, pelos fundamentos

supra.

Obviamente que a inexistência de legislação específica a tratar da família

homoafetiva acarreta insegurança jurídica, dificultando muito a concessão de direitos

aos arranjos familiares que constituem minoria. No entanto, não há que se falar que,

em virtude da disposição constitucional em referência unicamente à união estável

entre homem e mulher,92por exemplo, estaria a união entre pessoas do mesmo sexo

impossibilitada de se constituir, ou mesmo afastado qualquer amparo legal a ela.

Este argumento, por muitos utilizados, resta derrotado, em razão de ser considerada

como entidade familiar, hoje, qualquer relação calcada no afeto.

Impondo a Constituição respeito à dignidade humana, são alvos de proteção os relacionamentos afetivos independentemente da identificação do sexo do par: se formados por homens e mulheres ou só por mulheres ou só por homens. Mesmo que, quase intuitivamente, se conceitue família como uma relação interpessoal entre um homem e uma mulher tendo por base o afeto, necessário reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, são cunhados também por um elo de afetividade. (...) Nada diferencia tais uniões de modo a impedir que sejam definidas como família. Enquanto não existir regramento legal específico, mister se faz a aplicação analógica das regras jurídicas que regulam as relações que têm o afeto por causa: o casamento e a união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o acréscimo dessa forma integrativa de um fato existente e não-regulamentado ao sistema jurídico. A identidade sexual não serve de justificativa para que se busque qualquer outro ramo do Direito que não o Direito das Famílias. [Grifou-se.]

93

Portanto, resta prejudicada a alegação, por parte do Poder Judiciário, de

impossibilidade de julgamento do pedido de proteção de famílias não englobadas

pelo mandamento constitucional, uma vez que em nenhum momento foi

estabelecido por este a recusa de direitos às demais conjunturas familiares. Pelo

contrário, tendo a Constituição como corolário o princípio da dignidade da pessoa

humana, acarretando o atendimento ao princípio da igualdade, deve-se, por meio da

analogia, reconhecer como família os demais arranjos, do qual é exemplo a união

estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que fincados no afeto, posto ser

defeso constitucionalmente qualquer discriminação em virtude do sexo. Isto porque

92

Idem. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 272. 93

Idem. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2016.

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31

Pluralizou-se o conceito de família, que não mais se identifica pela celebração do matrimônio. Não há como afirmar que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, ao mencionar a união estável formada entre um homem e uma mulher, reconheceu somente esta convivência como digna da proteção do Estado. O que existe é uma simples recomendação em transformá-la em casamento. Em nenhum momento foi dito não existirem entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Exigir a diferenciação de sexos no casal para haver a proteção do Estado é fazer distinção odiosa (SUANNES, 1999, p. 32), postura nitidamente discriminatória que contraria o princípio da igualdade, ignorando a existência da vedação de diferenciar pessoas em razão de seu sexo. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal (art. 1º, III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.

94

Referido desprezo à união homoafetiva representa apenas um dos enfoques

preconceituosos que recaem sobre esta família, cuja rejeição além de constituir

violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, infringe

também o princípio da liberdade, já que não é coerente a proclamação de um

Estado Democrático de Direito onde a “escolha” por certa orientação sexual é

condenável. A liberdade, para ser plena, não basta que seja proclamada, e sim,

efetivada. Assegurar direitos de toda ordem é tarefa muito simples, o difícil é fazê-los

passar de mera de folha de papel.95

O engessamento das normas de Direito de Família, conforme previsto no atual sistema, deflagram o abismo existente entre a realidade o ideal democrático. O modelo de Estado Democrático pressupõe um espaço reservado e exclusivo para que as pessoas tomem suas decisões pessoais, tuteladas pela tábua principiológica constitucional e imunes a interferências externas normatizadoras. Como anota Rodotà (1997, p. 5), a antiga virtude do Direito Privado ressurge exatamente no jogo entre regulação e espontaneidade, que ofereça grande espaço para as escolhas e para a autonomia individual. Devemos, antes e acima de tudo, respeitar a opção pessoal de cada um, a liberdade individual de constituir a forma de relacionamento que melhor aprouver, na legítima tentativa de ser feliz. Devemos lembrar- nos sempre, com muita cautela, que existem razões individuais, pelas quais as pessoas optam por casar ou não casar, pelas quais escolhem modelos familiares não tradicionais, buscam a redesignação sexual, enfim, pelas quais cada qual, conscientemente ou não, trilha o caminho escolhido. A sociedade e o Direito devem evoluir no sentido de oferecer a garantia fundamental de dignidade, de liberdade e de igualdade a todos os indivíduos. [Grifou-se.]

96

94

Ibidem. 95

Dentre as concepções de Constituição surgidas ao longo do tempo, tem-se a sociológica de Ferdinand Lasalle, segundo o qual, em apertada síntese, existiram duas Constituições em uma sociedade: uma real, resultante da soma dos fatores reais do poder, e uma escrita/formal, que, caso não se coadunasse à realidade social, seria apenas uma folha de papel. Assim, ressaltou a importância de existir uma correlação entre as referidas Constituições. 96

FIÚZA, César; POLI, Luciana Costa. A ampla possibilidade de adoção por casais homoafetivos face às recentes decisões dos Tribunais Superiores. Revista Constituição e Garantias de Direitos,

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32

Assim é que asseguram César Fiúza e Luciana Costa Poli que o direito no

Estado Democrático deve ser uma ininterrupta construção, alicerçada na livre

conversa com as demais formas de ser, a fim de não obstar aos homoafetivos o

desempenho de suas individualidades. Aduzem os autores que visualizar e deferir

direitos em igualdade a representantes de diferentes interesses apresenta-se como

“o desafio do Estado plural”, uma vez que impor a homogeneidade destes com

vistas à aceitação de certo grupo não efetiva o regime democrático, mas somente

quando as preferências de projetos de vida de cada um são admitidos e

promovidos.97

Consequentemente, representando a sexualidade um dos aspectos da

natureza humana, cujo livre exercício deve ser proporcionado a todas as pessoas

igualitariamente,98 estariam os homossexuais aptos, da mesma forma que um

heterossexual, a constituir família pela via da união estável, do casamento, da

adoção, e de métodos de reprodução assistida.

No entanto, fato é que a omissão deixada pelo legislador, talvez temeroso

em destruir a família tradicional brasileira, acaba por atravancar a concessão de

efeitos jurídicos às famílias homoafetivas. Transfere-se, assim, maior encargo ao

juiz, que não pode tornar perpétuo o silêncio legal como meio de negar direito a

referido arranjo familiar, que, em igualdade de condições, deve ter sua proteção

assegurada quando recorre ao Judiciário para fazer valer, efetivamente, a justiça.99

Nesse sentido é que Fábio Ulhôa Coelho, ao considerar a carência de lei a

tratar de tais famílias, a entende como sendo a coisa mais desrespeitosa ao

princípio da dignidade humana no ordenamento jurídico atual. Afirma ele não estar

se referindo aos efeitos patrimoniais decorrentes dos relacionamentos

homossexuais, os quais lhes são concedidos em igualdade aos heterossexuais

através de institutos do direito contratual e real, mas sim aos efeitos

extrapatrimoniais titularizados por cônjuges e companheiros homoafetivos, dando

como exemplo, dentre outros casos, a dificuldade de adoção conjunta, que, no caso

vol. 5, nº 1, 2012. Disponível em: <http://www.periodicos.ufrn.br/constituicaoegarantiadedireitos/article /view/4364/3563>. Acesso em: 06 de junho de 2016. p. 19. 97

Ibidem. p. 21. 98

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafe tiva.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2016. 99

Ibidem.

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33

de serem os direitos de paternidade desempenhados por um só do casal, pode

culminar na complicada manutenção de contato entre o adotando e o antigo pai/mãe

adotante.100

A respeito dos efeitos patrimoniais decorrentes dos relacionamentos

homossexuais, afirma Maria Berenice Dias:

As uniões de pessoas com a mesma identidade sexual, ainda que sem lei, acabaram batendo às portas da Justiça para reivindicar direitos. Mais uma vez o Judiciário foi chamado a exercer a função criadora do direito. O caminho que lhes foi imposto já é conhecido. As uniões homossexuais tiveram que trilhar o mesmo iter percorrido pelas uniões extramatrimoniais. Em face da resistência de ver a afetividade nas relações homossexuais, foram elas relegadas ao campo obrigacional e rotuladas de sociedades de fato dando ensejo à mera partilha dos bens amealhados durante o período de convívio, mediante a prova da efetiva participação na sua aquisição (DIAS, 2003. p. 17).

101

Na esteira também das famílias homoafetivas, apesar de ter sido

mencionado sobre uniões homossexuais, não se pode olvidar da

homoparentalidade, ou seja, quando a homossexualidade volta-se à filiação. A

homoparentalidade pode ser verificada em vários cenários, a exemplo de quando

uma pessoa separada e detentora da guarda de um filho fruto desse relacionamento

terminado revela a sua homossexualidade, passando a conviver com outrem de

igual sexo, que, envolvendo-se afetivamente com a prole do companheiro, “participa

da criação, desenvolvimento e educação das crianças, passando a exercer a função

parental”102. Um segundo exemplo de formação da família homoparental, seria

quando o casal homoafetivo opta, conjuntamente, por realizar a reprodução

assistida, mas, em virtude de apenas um deles fazer parte do procedimento de

reprodução do filho, com quem este terá relação biológica, o outro acaba por,

formalmente, ficar de fora do parentesco do bebê desejado em comum.103

Outra forma de constituição da família homoafetiva pela via da

homoparentalidade seria através da adoção, assunto a ser problematizado neste

trabalho. O que ocorre muitas vezes, neste caso, é que, embora formalmente

100

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 59, item 5, 1º, 2º e 3º parágrafos. 101

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade: o que diz a Justiça! Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, Apud DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2016. 102

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2016 103

Ibidem.

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34

adotada por apenas um dos parceiros, o adotando irá, na prática, ter dois pais ou

duas mães. Assim, preleciona Maria Berenice Dias:

Vetar a possibilidade de juridicizar a realidade só traz prejuízo ao filho, que não terá qualquer direito com relação a quem exerce o poder familiar, isto é, desempenha a função de pai ou de mãe. Presentes todos os requisitos para o reconhecimento de uma filiação socioafetiva, negar sua presença é deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito.

104

Corroborando, ainda, para o entendimento de que não há impedimentos à

constituição da família homoafetiva, é possível mencionar o art. 5º, §2º, da CRFB/88,

que, ao dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (...)”,

comprova a necessidade de haver uma interação, um diálogo entre as fontes do

direito. Logo, servindo de justificativa, mais uma vez, para a demonstração de que a

omissão legal não se afigura como empecilho à concessão dos direitos familiares

àqueles não abarcados pelo texto constitucional, visto que, apesar de não explícitos,

decorrem dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade,

adotados como fundamentais no texto constitucional. Outrossim, justamente por

esse motivo é que jurisprudência tem desempenhado papel de suma importância à

constituição dessas famílias, servindo de instrumento à aplicação analógica de

certos institutos no caso concreto, e de realização prática dos referidos princípios,

conforme será demonstrado no decorrer deste trabalho.

3.3 O PAPEL DA JURISPRUDÊNCIA

Segundo Fábio Ulhôa Coelho, da mesma forma como ocorreu em tempos

pretéritos, quando o ordenamento jurídico nacional consagrava a indissolubilidade

do casamento, coube à jurisprudência, diante dos novos clamores sociais, criar

meios para não desamparar as famílias decorrentes da união estável, será de sua

incumbência agir com relação às famílias homoafetivas, enquanto verificado o

desprezo destas pelo direito positivo pátrio. Igualmente, se o reconhecimento

jurídico da união estável apresentou-se como desafio de seu tempo, dada a

necessidade de superar preconceitos até alcançar o patamar em que os direitos da

104

Ibidem.

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35

concubina e de sua prole foram assegurados, tem-se, hoje, os relacionamentos

homossexuais.105

Em função do medo de que tal reconhecimento atingisse o casamento que,

restrito à reprodução, só era viável em vínculos heterossexuais, os laços

homossexuais ficaram relegados do ramo das famílias, até a compreensão de que,

da mesma forma que a união estável, estariam os relacionamentos homoafetivos

estabelecidos no afeto, fazendo-se necessário, portanto, a imposição de tratamento

análogo. Porém, até se chegar a referido entendimento, como resultante do seu não

enquadramento como família, eram admitidos ao parceiro homossexual apenas

direitos obrigacionais, como o de partição do patrimônio em conjunto adquirido,

concedidos por varas cíveis, firme na concepção de se tratarem de sociedades de

fato, restando, assim, afastados quaisquer outros pleitos de natureza familiar, tais

como o alimentício e o sucessório, com base em sua alegada impossibilidade

jurídica.106

Manifestação de concretude do entendimento acerca da família homoafetiva

na época é a decisão datada de 1998, do Superior Tribunal de Justiça em sede do

Recurso Especial nº 148897/MG107 que, com fundamento na configuração da

relação homossexual como sendo uma sociedade de fato, concedeu a um dos

conviventes a meação do patrimônio contraído em conjunto, desde que provada

cooperação recíproca para a sua formação.108

Contudo, passado algum tempo, alude Maria Berenice Dias à Apelação

Cível nº 70001388982109, julgada no ano de 2001, pelo Tribunal de Justiça do Rio

Grande Sul, como sendo “a primeira decisão da Justiça brasileira que deferiu

herança ao parceiro do mesmo sexo também é da Justiça do Rio Grande Sul”, que,

afastando a posição discriminatória de que a união homossexual estava inserida na

105

COELHO, Fábio Ulhoa. Op cit. Capítulo 59, item 5, 11º parágrafo. 106

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 107

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.Recurso Especial nº 148.897/MG. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 10 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19863781/recurso-especial-resp-148897-mg-1997-0066124-5>. Acesso em: 30 de maio de 2016. 108

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 275. 109

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça.Apelação Cível nº 70001388982. Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis. Sétima Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônico, Porto Alegre, RS, 14 de março de 2001. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploa

ds/.../fmb-pesquisa-uniaohomoafetiva.doc>. Acesso em: 31 de maio de 2016.

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seara comercial, passou a tutelar o afeto em que se funda a família. Afirma ela que a

transformação quanto à inserção das uniões homoafetivas na esfera do Direito de

Família é resultante do Poder Judiciário do mencionado estado, que, inovando no

âmbito nacional, estabeleceu como competente para a apreciação de causas que

envolvessem o tema às varas de família e às câmaras do Tribunal especializadas na

matéria.110

Seguindo essa trajetória jurisprudencial, podemos citar ainda, como

decisões demonstrativas da equiparação das uniões homo às heteroafetivas, o

Recurso Especial Eleitoral 24564,111 julgado pelo Tribunal Superior de Eleitoral, em

cujo teor fora considerada também para fins de inelegibilidade do art. 14, §7º, da

CRFB/88, restrição a qual é imposta apenas às relações familiares.112

Apresentando-se como marco para o tema da adoção homoparental a ser

debatido neste estudo e que será analisado mais detalhadamente em tópico próprio

(próximo capítulo), destaca-se a Apelação Cível nº 70013801592,113 julgada pelo

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que resultou na concessão da adoção por

casal homossexual,114 mediante o seu deferimento à parceira de mesmo sexo sobre

os filhos anterior e unilateralmente adotados pela outra. Este decisório é que, por

sua vez, deu posterior ensejo ao REsp nº 889.852/RS,115promovido pelo Parquet do

referido Estado, e que restou improvido por unanimidade pelos argumentos que em

breve serão discorridos.

O trabalho do Poder Judiciário visando ao reconhecimento das famílias

homoafetivas foi verificado especialmente quando do julgamento, no ano de 2011,

110

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 111

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 24.564. Relator Ministro Gilmar Mendes. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 01 de outubro de 2004. Disponível em: <http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-recurso-especial-eleitoral-24564>. Acesso em: 31 de maio de 2016. 112

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 113

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70013801592. Relator Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. Sétima Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônico, Porto Alegre, RS, 05 de maio de 2006. Disponível em: <http://jij.tjrs.jus.br/paginas/docs/juris prudencia/Adocao_casal_formado_duas_pessoas_mesmo_sexo.html>. Acesso em 05 de jun 2016. 114

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 115

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 889.852 RS 2006/0209137-4. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. Diário de Justiça Eletrônico, 27 de abril de 2010.

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pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação de Descumprimento de Preceito

Fundamental nº 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277. A Corte,

através da aplicação, por analogia, do instituto da união estável às relações que,

formadas por pares de mesmo sexo, atendessem “os pressupostos legais, da

publicidade e estabilidade”, demonstrando “convivência pública, contínua e

duradora, passou a entendê-la como núcleo familiar destinatário dos mesmos efeitos

jurídicos da convivência estável heterossexual”.116

Fora o julgamento unânime de procedência destas ações que, atribuindo ao

art. 1.723 do CC/02117 interpretação conforme a Constituição, passou a não mais

marginalizar as relações homoafetivas que, da mesma forma que as heteroafetivas,

preenchessem os requisitos legais configuradores da união estável, sendo

compreendidas como família, por força até mesmo do art. 102, §2º, da CRFB,118 que

dispõe acerca do caráter vinculante de tais decisões aos outros órgãos judiciários,

além da administração pública em geral.119

Tomando por base os precedentes no sentido da admissão da união estável

entre pessoas do mesmo sexo, o Supremo Tribunal Federal regulamentou o tema,

no ano de 2011, estabelecendo que a união estável homossexual pode ser

seguramente firmada por instrumento particular ou escritura pública, igualando-se à

união estável heterossexual quanto as suas repercussões jurídicas.120

Posteriormente, também em consequência de precedentes de juízes de

primeiro grau que converteram tais uniões estáveis homoafetivas em casamento e,

considerando o estímulo constante no art. 226, §3º, da CRFB/88,121 acerca da

116

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.p. 27/28. 117

CC, art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 05 de junho de 2016). 118

CRFB, §2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 05 de junho de 2016). 119

MADALENO, Rolf. Op. cit. p. 28/29. 120

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 59, item 5, 12º parágrafo. 121

CRFB, art. 226, §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da

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conversão em casamento das uniões estáveis heteroafetivas, bem como o fato das

uniões homoafetivas encontrarem-se a elas igualadas, com fulcro nos princípios

constitucionais, a diversidade de sexos entre companheiros passou a não mais ser

requisito à celebração do casamento.122 Assim é que restou, a partir de 2011,

quando do julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça do Recurso Especial nº

1.183.378/RS,123 possibilitado o casamento civil homossexual,124 e acarretando em

seguida a edição da Resolução 175/13 pelo Conselho Nacional de Justiça, cujo teor

estabelece que não podem as autoridades incumbidas da realização dos

procedimentos necessários à conversão da união estável em casamento, ou o

próprio casamento civil de homoafetivos, negarem a fazê-los.125

Ressalta-se, portanto, o papel ativo que vem sendo desempenhado pela

jurisprudência no tocante à oportunidade de composição das entidades familiares

homoafetivas que, colmatando as lacunas deixadas pelo legislador, tem se revelado

como instrumento fundamental de atendimento às demandas sociais atuais, tais

como a de reconhecimento da presente e de outras minorias, que pugnam e

necessitam encontrarem-se amparadas juridicamente ou judicialmente. Objetiva-se,

desta maneira, que seja atingindo o fim que, se não é, deveria ser colimado pelo

direito, qual seja, o de tutela das famílias plurais, estabelecidas no afeto,

reconhecido como valor, na atual ordem jurídico-social, informativo do ramo do

Direito Civil que é o Direito das Famílias.

A postura da jurisprudência juridicizando e inserindo no âmbito do Direito das Famílias as relações homoafetivas como entidades familiares é um marco significativo. Na medida em que se consolida a orientação jurisprudencial, emprestando efeitos jurídicos às uniões de pessoas do mesmo sexo, começa a alargar-se o espectro de direitos reconhecidos aos parceiros quando do desfazimento dos vínculos homoafetivos. Inúmeras outras decisões despontam no panorama nacional a mostrar a necessidade de se cristalizar uma orientação que acabe por motivar o legislador a regulamentar situações que não mais podem ficar à margem da tutela jurídica. Consagrar os direitos em regras legais talvez seja a maneira mais eficaz de romper tabus e derrubar preconceitos. Mas, enquanto a lei não vem, é o Judiciário que deve suprir a lacuna legislativa, mas não por meio

União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov .br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 05 de junho de 2016. 122

COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. Capítulo 59, item 5, 13º parágrafo. 123

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.183.378-RS. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 25 de outubro de 2011. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21285514/recurso-especial-resp-1183378-rs-2010-0036663-8-stj/inteiro-teor-21285515>. Acesso em: 05 de junho de 2016. 124

KLEVENHUSEN, Renata Braga. et. al. Op. cit. 125

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 276.

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de julgamentos permeados de preconceitos ou restrições morais de ordem pessoal.

126

Logo, considerando o dever civil-constitucional de concessão de direitos à

família homoafetiva, bem como se levando em conta a proatividade jurisprudencial

nesse sentido, consoante se depreendeu dos avanços jurisprudenciais ora

comentados, não sobram dúvidas que aos homossexuais deve ser também, por

conseguinte, possibilitado o exercício do direito ao planejamento familiar, da mesma

forma que é permitido aos heterossexuais, conforme se abordará adiante.

3.4 O DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR

O planejamento familiar é direito constante do art. 226, §7º, da CRFB,127

que, baseado no princípio da dignidade humana e na paternidade responsável,

coloca-o como fruto da livre escolha do casal, proibindo-se a interferência por

instituições particulares ou estatais, mas competindo à esfera pública dar-lhe meios

para o desempenho de tal direito.

Tal direito também pode ser extraído do art. 1.513 do CC/02,128 que

estabelece ser proibido a qualquer pessoa, seja de direito privado ou público, ingerir-

se na família. Segundo Flávio Tartuce, o supramencionado artigo constante do

diploma civilista atualmente em vigor, na seara do Direito de Família, representa o

princípio da liberdade ou da não intervenção, ou seja, da autonomia privada familiar,

que pode ser exemplificada pela escolha afetiva de com quem se relacionar.129

126

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 127

CRFB, art. 226, §7º. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 06 de junho de 2016). 128

CC, art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 2002/l10406.htm>. Acesso em: 06 de junho de 2016). 129

TARTUCE, Flavio. Novos princípios do direito de família brasileiro. Conteúdo Jurídico, Brasília, DF, 02 de janeiro de 2009. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos& ver=2.22637&seo=1>. Acesso em: 28 de maio de 2016.

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Ressalta Tartuce ainda, que se deve interpretar cuidadosamente o art. 1.513

do CC/02, a fim de se entender o verdadeiro sentido normativo, qual seja, o

comando que veda a intervenção coativa do Estado ou ente privado nas relações

familiares, mas que não implica na impossibilidade de o Estado promover o controle

de natalidade e o planejamento familiar através de políticas públicas,130 consoante o

art. 1.565, §2º, do CC/02.131

Nesse sentido é que informa Paulo Luiz Netto Lôbo referir-se o princípio da

liberdade:

ao livre poder de escolha ou autonomia de constituição, realização e extinção de entidade familiar, sem imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador; à livre aquisição e administração do patrimônio familiar; ao livre planejamento familiar; à livre definição dos modelos educacionais, dos valores culturais e religiosos; à livre formação dos filhos, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; à liberdade de agir, assentada no respeito à integridade física, mental e moral.

132 [Grifou-se.]

Dito isto, comparando o atual Direito de Família com o anterior, pode-se

afirmar que, anteriormente, não era dada a seus membros qualquer liberdade para a

formação de seu núcleo, que devia necessariamente obedecer à estrutura patriarcal,

sendo a esposa e filhos subordinados ao poder do pai, e matrimonializada,

restringida ao prévio e indissolúvel matrimônio, sob pena de efeitos penalizadores a

prole advinda de uma relação informal. Hoje, diferentemente, após as mudanças

verificadas na sociedade, tais como a emancipação da mulher ao poder marital por

ocasião do Estatuto da Mulher Casada (1962), a dissolubilidade do casamento

permitida pela Lei do Divórcio (1977), e principalmente da tutela das famílias não

matrimonializadas e o fim das disposições discriminatórias entre filhos delas

decorrentes, produto da promulgação da CRFB/1988, tem-se disponibilizada a livre

escolha da vida familiar por seus integrantes, os quais podem agora exercer sua

afetividade para tanto.133

O autor afirma, por conseguinte, desdobrar-se o princípio da liberdade em

duas perspectivas, quais sejam, a liberdade da família frente o Estado e a

130

Ibidem. 131

CC, art. 1.565, §2º. O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cciv il_03/leis/ 2002/l10406.htm>. Acesso em: 06 de junho de 2016). 132

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 69. 133

Ibidem.p. 69/70.

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41

sociedade, e a liberdade individual de cada integrante face aos demais e ao grupo

familiar, efetivando-se desde a formação, permanência e até a cessação do núcleo

familiar, do qual se depreende o planejamento familiar, elencado no art. 226, §7º da

CRFB/88, conforme já mencionado anteriormente.134

Rodrigo da Cunha Pereira, em análise prévia ao direito ao planejamento

familiar, aborda a discussão sobre estarem as normas do Direito de Família

inseridas no campo no Direito Público ou Privado. Acerca do tema, salienta a

importância de se delimitar o alcance do Direito de Família, não sendo aceitável que

a proteção estatal às famílias a enquadre na categoria de Direito Público, o que

confinaria a autonomia privada, reprimindo a liberdade dos indivíduos. Depreende-

se, portanto, que o Direito de Família é ramo integrante do Direito Privado,

funcionando como “freio à liberdade do Estado para intervir nas relações

familiares”.135

Também, em se reconhecendo o direito ao planejamento familiar como

decorrente do princípio da liberdade acima exposto, é de se entender que, via

contrária, estaria este ainda correlacionado ao princípio da mínima intervenção

estatal. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, liga-se o último à autonomia privada,

resultado da Carta Magna de 1988 que, impactando diretamente nas normas

civilistas, começaram a desviar-se do patrimônio, para focar na pessoa humana.136

(...) isto é, na compreensão da dignidade como cerne do sujeito e consequentemente das relações jurídicas. Neste sentido, ampliou-se o campo de aplicação da autonomia privada, que também se curva sobretudo no âmbito das relações familiares. No seio da família, são os seus integrantes que devem ditar o regramento próprio da convivência. Desta órbita interna exsurgem disposições que farão com que a sociedade e o Estado respeitem e reconheçam tanto a família, enquanto unidade, como os seus membros individualizadamente. (...) Ocorreram, pois, a personificação e a despatrimonialização da família e, a partir dessas vertentes, surgiu a necessidade de uma nova concepção pública, impondo limites à atuação do Estado nesta esfera relacional. (...) Sob nova roupagem e assumindo novo papel, a família contemporânea não admite mais ingerência do Estado, sobretudo no que se refere à intimidade de seus membros. (...) O Estado abandonou sua figura de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-assistencialista, cuja tônica não é de uma total ingerência, mas, em algumas vezes, até mesmo de substituição a eventual lacuna deixada pela própria família como, por exemplo, no que

134

Ibidem.p. 70. 135

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. 2004. 157 f. Tese (Doutorado): Universidade Federal do Paraná, Curso de Pós-graduação em Direito, Curitiba, 2004. Disponível em:<http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/188 4/2272/Tese_Dr.+Rodrigo+da+Cunha.pdf?sequence=1>. Acesso em: 02 de junho de 2016. p. 109. 136

Ibidem. p. 109/110.

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concerne à educação e saúde dos filhos (cf. art. 227 da Constituição Federal).

137

Assim, há que de extrair da explicação acima que, atualmente, a intervenção

do Estado encontra-se circunscrita ao fornecimento de garantias que propiciem a

liberdade daqueles que compõem a família, a fim de que possam estar aptos a

preservar dignamente referido núcleo de afeto. Fundamentando esse pensamento,

faz o autor referência ao art. 226 da CRFB,138 que, ao elencar a família como

entidade-base da sociedade, garantindo-lhe especial tutela estatal, deixa patente

que o Estado deve atuar como protetor e não como interventor, equilibrando a

liberdade individual e a relevância pela qual o Estado e a sociedade compreendem a

família.139

Tanto o homem quanto a mulher já não necessitam mais de se acasalar com o fito de preservar sua espécie, mas o fazem por motivos afetivos pessoais de amor e desejo e de sua convivência social. O individuo que se enquadra em uma relação homoafetiva busca a felicidade para si através do sentimento de afeto, de amor, de solidariedade e companheirismo, e exige respeito a sua vida privada fazendo desse não apenas o espaço de intimidade a ser protegido pelo Estado, mas também a possibilidade de reconhecimento jurídico de certas escolhas vitais: a sua vida familiar.

140

Exatamente no âmbito da liberdade individual verifica-se abarcado a

liberdade da qual dispõe o casal para o planejamento familiar, esta fundada na

autonomia privada também existente no ramo do Direito das Famílias, demarcando

o alcance do poder do Estado nas relações familiares, qual seja, a sua proteção não

apenas patrimonial, mas principalmente afetiva.141

137

Ibidem. p. 110/112. 138

CRFB, art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 02 de junho de 2016). 139

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit. p. 112. 140

COIMBRA, Clarice Helena de Miranda. Filiação homoparental na perspectiva civil-constitucional. Publica Direito, 2016. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/ anais/bh/clarice_helena_de_miranda_coimbra.pdf> Acesso em: 06 de junho de 2016. p. 2656. 141

Ibidem. p. 112.

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4 ADOÇÃO E HOMOPARENTALIDADE

4.1 A FILIAÇÃO E O PARADIGMA HETEROSSEXUAL COMO CAUSADOR DO

PRECONCEITO

Inobstante os avanços, especialmente jurisprudenciais, conquistados pela

família homoafetiva, a grande dificuldade de sua constituição está marcada pelo

preconceito decorrente do paradigma heterossexual que vinha sendo estabelecido à

filiação.

Embora tenham sempre existido os relacionamentos homossexuais, estes,

quando da sacralização da família pela Igreja, voltada ao fim da procriação,

passaram a sofrer discriminação, que teve como pior consequência jurídica o

desprezo normativo, assunto que foi tratado no capítulo anterior, e que se torna

injustificável nos dias atuais, posto que, constituídas tais uniões por laços de

afetividade, não pode ser a sua orientação sexual fator distintivo que obste o seu

reconhecimento.142

Assim, opina Maria Berenice Dias:

A sociedade que se proclama defensora da igualdade é a mesma que ainda mantém uma posição discriminatória nas questões da homossexualidade. Nítida é a rejeição social à livre orientação sexual. A homossexualidade existe e sempre existiu, mas é marcada pelo estigma social, sendo renegada à marginalidade por se afastar dos padrões de comportamento convencional.

142

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016.

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44

(...) Ainda que o preconceito faça com que os relacionamentos homoafetivos recebam o repúdio de segmentos conservadores, o movimento libertário que transformou a sociedade acabou por mudar o próprio conceito de família. A homossexualidade existe, sempre existiu e cabe à Justiça emprestar-lhe visibilidade. Em nada se diferenciam os vínculos heterossexuais e homossexuais: ambos têm o afeto como elemento estruturante.

143 [Grifou-se.]

Como já estudado no segundo capítulo deste trabalho, tem-se que a família

sofreu diversas modificações ao longo do tempo. Entretanto, é de se ressaltar que

esta sempre esteve associada a algumas palavras chaves, quais sejam, o

casamento e a reprodução, sendo a última só verificada em relacionamentos

heterossexuais. Mudando a perspectiva com a qual se relacionava a família

(matrimonializada e heterossexual), foi promulgada a CRFB/1988, trazendo à

entidade familiar outras variáveis maneiras de se constituir, o que, por via de

consequência, também impactou na filiação, sem alterar, porém, a sua vinculação à

heterossexualidade. Tem-se que, apesar de reconhecida a formação familiar não

apenas pela filiação biológica, passou-se a aceitar a filiação estabelecida nos

critérios socioafetivo e jurídico sem que houvesse qualquer predominância de uma

filiação sobre a outra, no entanto, sempre fundada no paradigma heterossexual.144

Quanto ao critério socioafetivo, que ocorre quando a função parental não é

desempenhada pelos genitores ou apenas um deles, consagra-se a parentalidade

pelo convívio saudável, com amparo no art. 1.593145 do CC/02, e não por relação

consanguínea. Acerca do critério jurídico, tem-se a filiação legalmente presumida,

uma vez que, nos termos do art. 1.597146 do mesmo diploma civilista, são

considerados presumidamente pais quem dá a luz ao filho e seu esposo, critério

este não extensível às uniões estáveis. Nesse sentido também se encontram as

143

Ibidem. 144

KLEVENHUSEN, Renata Braga. et. al. Op. cit. 145

CC, art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 de junho de 2016). 146

CC, art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 2002/l10406.htm>. Acesso em: 13 de junho de 2016).

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45

presunções de nascimento dos filhos concebidos através de métodos de reprodução

assistida.147

Contudo, é de se frisar que decorre o parentesco e a filiação não de eventos

naturais, mas sim de estruturações sociais que independem da procriação. Sendo

assim, as concepções quanto àqueles que exercem as funções materna e paterna

constituem muito mais uma escolha que, a depender do tempo e do lugar, podem

sofrer intercorrências, implicando na prevalência de certa família sobre a outra, de

acordo com a sociedade analisada.148 Desta maneira é que, notoriamente, revela-se,

na sociedade atual, a primazia da família heterossexual, em detrimento da

homossexual, para os quais o sistema jurídico brasileiro de filiação se demonstra

deficitário, conforme se verá a seguir.

Não pretende o presente trabalho assumir posicionamento a favor da

homossexualidade, mas chamar atenção para o perigo do preconceito, sob pena de,

ao confundir questões jurídicas com as de ordem moral ou religiosa, incorrer-se em

diversas injustiças.149

De acordo com Maria Berenice Dias, a desaprovação social quanto à

homoparentalidade, seria resultante do equivocado pensamento de que os

relacionamentos homossexuais são promíscuos, razão pela qual uma criança não

poderia desenvolver-se adequadamente neste cenário, sofrendo influências

negativas à sua formação psicológica. No entanto, para desconstituir referido

pensamento, afirma a autora que, com base em estudos nos quais foram realizados

“o acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de

dano sequer potencial no desenvolvimento, inserção social e sadio estabelecimento

de vínculos afetivos”. Portanto, frente a dados científicos, não há outra explicação à

resistência em se normatizar tais casos que não a homofobia, que culmina em um

cruel efeito para os filhos, qual seja, o desamparo.150

Nesse sentido, ressalta Maria Eduarda Cavadinha Côrrea citando Short151

que o não reconhecimento familiar, social e legal de mulheres lésbicas seria fruto da

147

KLEVENHUSEN, Renata Braga. et. al. Op. cit. 148

Ibidem. 149

DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/28_-_fam%EDlia_homoafetiva.pdf >. Acesso em: 28 de maio de 2016. 150

Ibidem. 151

SHORT, L. Lesbian mothers living well in the context of heterosexism and discrimination: resources, strategies and legislative change. Feminism & Psychology, v. 17, n. 1, p. 57-74, 2007. Apud CORRÊA, Maria Eduarda Cavadinha. Duas mães? Mulheres lésbicas e maternidade. 2012.

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construção de uma hierarquia familiar, transmitida por normas, políticas e atitudes

que priorizam certos modelos de família, em detrimento de outras. Como causas

substanciais da referida hierarquia, estariam o determinismo biológico, que torna

mais verossímil os vínculos paterno-filiais entre pais e filhos consanguíneos, além da

heteronormatividade, criando-se um contexto no qual o adequado é ser

heterossexual e, consequentemente, ser filho deles.

De acordo com Mariana de Oliveira Farias, “a repressão sexual indicaria

comportamentos sexuais que seriam considerados certos ou errados numa dada

cultura, numa dada época”.152 A autora exemplifica essa variação de entendimento

acerca da homossexualidade apontando que, se hoje, por influência religiosa do

cristianismo, considerando-se a restrição da prática sexual apenas para fins de

procriação, apresenta-se para muitos como sendo uma conduta moralmente

reprovável, na Antiguidade, tempo em que as religiões eram politeístas, os

relacionamentos homossexuais eram aceitos, “desde que respeitadas as regras de

diferenças de status social”.153 Fazendo uma breve retrospectiva com o intuito de

explicar o preconceito vivido pelos homossexuais na atualidade, informa que no

século XIX é que foi estabelecida a demarcação em sexualidade normal, a hetero,

por ser voltada à reprodução, e perversa, a homo, quando tais práticas tinham por

escopo o prazer.154

Corroborando a perpetuação deste equivocado pensamento, a ciência

reputou a homossexualidade como se tratando de uma patologia que, como tal,

seria curável. Porém, naquele mesmo século, conforme apresenta a autora, alguns

pensadores, tais como Freud, Foucault e Boswell, colaboraram com um processo de

desconstituição da homossexualidade como anomalia. Como resultante desse

processo de desmitificação da homossexualidade, a citada autora ilustra também

seus avanços através de alguns marcos históricos, enfatizando que dentre essas

importantes mudanças, encontra-se a remoção da “categoria diagnóstica de doença,

218 f. Tese (Doutorado): Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Saúde Pública. 2012. Disponível em:<www.teses.usp.br/teses/.../6/.../tese_maria_eduarda_cavadinha_correa.pdf>. Acesso em: 15 de junho de 2016. p. 147/148. 152

FARIAS, Mariana de Oliveira. Mitos atribuídos às pessoas homossexuais e o preconceito em relação à conjugalidade homossexual e a homoparentalidade. Revista de Psicologia da UNESP, nº 9(1), 2010. p. 105. 153

Ibidem. p. 112. 154

Ibidem. p. 104/106.

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na década de 70”,155 mediante troca de uso dos termos “homossexualismo” para

“homossexualidade”, que, conforme já mencionados no capítulo anterior, possuía o

sufixo “ismo”, referente à doença, passando-se agora a utilização do sufixo “dade”,

que significaria um modo de ser.156

A realidade é que a sociedade, em sua grande maioria, ainda se encontra

presa a preconceitos. Fugindo do padrão considerado “normal”, os que a este não

se adequam “têm uma única predestinação, que é marginalidade social”.157 Como

ocorre em todo tipo de preconceito, parte da população acredita piamente em algo,

considerando-o como verdade absoluta, sem, no entanto, ter qualquer espécie de

fundamento científico para tanto.158 Assim ocorre no caso da adoção por

homoafetivos. Para a população, a homossexualidade, por ser denominada de

“orientação sexual”, seria uma opção feita pela pessoa, quando, na maioria dos

casos, senão em todos, ela não é. Ninguém escolhe fazer parte de um grupo que

constitui minoria, e que, justamente por ser minoria, tem a grande probabilidade de

sofrer. Afinal, ninguém escolheria ser diferente, se é muito mais fácil ser como todo

mundo, não tendo que esconder um sentimento com medo da reação das pessoas.

Não é à toa que muitas pessoas, quando, após um tempo, se revelam

homossexuais, são taxadas como aquelas que saíram do armário159.

Provavelmente, um armário criado pela sociedade, que prefere que eles estejam

155

Ibidem. p. 112. “O termo homossexualismo era empregado, no Brasil e no mundo, para designar uma das espécies de distúrbios mentais e emocionais, era considerado um “desvio ou transtorno sexual". Felizmente (embora tardiamente), em 1973, a APA (Associação Americana de Psiquiatria) retirou-o da lista de patologias. Em 1995, na décima revisão do Código Internacional de Doenças (CID), "deixou de ser considerado doença, substituindo-se o sufixo 'ismo' por 'dade'" (SILVA JÚNIOR, 2008, p. 63). Assim, homossexualismo passa a ser homossexualidade, já que o sufixo anterior remetia a uma interpretação equivocada e sem qualquer comprovação nos estudos médicos. Afinal, não causa qualquer mal à saúde ou à conduta social que justifique um indivíduo ser tratado como doente por sentir atração por pessoa do mesmo sexo.” (DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 13, nº 1985, 7 de dezembro de 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/12059>. Acesso em: 21 de junho de 2016.). 156

FARIAS, Mariana de Oliveira. Op. cit. p. 107/108. 157

SILVA, Paulina Letícia da. Adoção por casais homossexuais: do preconceito à justiça. Revista Direito e Liberdade, Mossoró, v. 5, nº 1, p. 657-678, março de 2007. Disponível em: <http://www .esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/164>. Acesso em: 22 de junho de 2016. p. 660. 158

LOREA, Roberto Arriada. Homoparentalidade por adoção no direito brasileiro. Juizado da Infância e da Juventude, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ano III, nº 5, março de 2005. p. 37 e 41. 159

Sair do armário é expressão usada na linguagem popular para, consoante se extrai do sítio eletrônico Wikipédia, descrever o anúncio público da orientação sexual ou identidade de gênero por alguém, que, até então, restava ocultada. Em outras palavras, é quando uma pessoa, homossexual ou transgênero, revela referido fato à sociedade. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Sair_do_arm%C3%A1rio>. Acesso em 29 de julho de 2016.

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escondidos, a demonstrarem seus verdadeiros sentimentos, que devem ser, no

mínimo, respeitados.

4.2 ADOÇÃO HOMOPARENTAL E SUA VIABILIDADE JURÍDICA

Antes de falar mais especificamente da adoção por homoafetivos, é

necessário apresentar referido instituto a partir de seu conceito e de sua natureza

jurídica, sob alguns pontos de vista doutrinários.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves160, a adoção é considerada como “ato

jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho,

pessoa a ela estranha”. Referido autor destaca, ainda, que inobstante a variação

quanto às definições de adoção verificadas, é unânime a cognição do cunho de

ficção jurídica do instituto.

Frisando o caráter de fictio iuris, Caio Mário da Silva Pereira define a adoção

como sendo “o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho,

independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco

consanguíneo ou afim”.161

Nesse sentido também se apresenta Maria Helena Diniz ao dispor que

a adoção vem a ser o ato judicial pelo qual, observados os requisitos legais, se estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranho.

162

Maria Berenice Dias quando da tentativa conceitual do instituto, compreende

que o estado de filiação pode advir de um fato, tal como o é o nascimento, ou

mesmo de um ato jurídico, como é o caso da adoção, a qual depende do

assentimento judicial para a produção dos seus devidos efeitos. No mesmo sentido

que os autores supramencionados, assevera que “a adoção cria um vínculo fictício

de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que

resulta da filiação biológica”, consistindo no que chama de “parentesco eletivo”,163

visto ser resultante unicamente de uma manifestação de vontade, opção do

160

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 376. 161

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p. 440. 162

DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 558. 163

Não é por outro motivo que se buscando “a origem da palavra adotar, vinda do latim adotare, significa “optar ou decidir-se por, escolher, preferir”. (ADOÇÃO: um direito de todos e todas. Cartilha do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Brasília, DF, 2008. Disponível em: <http://site.cfp.org .br/wp-content/uploads/2008/08/cartilha_adocao.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. p. 11.).

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indivíduo pela constituição de uma relação de parentesco. Conforme exposto

anteriormente, a adoção é exemplo de filiação socioafetiva, posto não se fundar em

laços biológicos, mas sim no afeto.164

Das conceituações trazidas é de se firmar que se trata a adoção de um

parentesco civil, uma forma de filiação que gera vínculos permanentes entre aquele

que adota e aquele que é adotado. Afigura-se ainda como instrumento protetivo ao

adotado que, com a consolidação da adoção, passa a receber assistência material e

moral e, em contrapartida, de efetivação humanitária, concedendo filhos àqueles que

por qualquer motivo não os puderam ter.165

Sucintamente, Isabella Cristo diz que “presente nas civilizações desde a

Antiguidade, o instituto da adoção é modo de criação de um vínculo jurídico de

filiação, conferindo a alguém o estado de filho, gerando parentesco civil e

desvinculando dos laços de consanguinidade”.166

No tocante à sua natureza jurídica, antes, a adoção era vislumbrada como

um contrato, haja vista que era celebrada quando da aquiescência de ambas as

partes envolvidas (adotado, quando capaz ou seu representante, quando incapaz, e

o adotante), sendo permitida a cessação do parentesco, também mediante a

concordância destas. Entretanto, quando da vigência da Carta Magna de 1988,

referido instituto tornou-se ato complexo, dependente de sentença judicial para sua

validade, em observância ao disposto nos arts. 47 do Estatuto da Criança e do

164

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 481/482. 165

DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 559. 166

CRISTO, Isabella. Adoção por casais homoafetivos e o melhor interesse da criança. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 10 de junho de 2015. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/1043/Ado%C3%A7%C3%A3o+por+casais+homoafetivos+e+o+melhor+interesse+da+crian%C3%A7a>. Acesso em: 20 de junho de 2016.

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Adolescente (ECA),167 e 1.619 do CC/02,168 isto porque, em conformidade com o art.

227, §5º, da CRFB/88,169 incumbe ao Poder Público prestar assistência à adoção.170

Sobre a adoção, entende-se inoportuno discorrer sobre a evolução histórica

do instituto, uma vez que se pretende, mediante a análise dos diplomas legislativos

que atualmente o disciplinam, demonstrar a possibilidade jurídica da adoção

homoparental, bem como a importância da jurisprudência como instrumento

facilitador da constituição dessa nova família. Desta feita, tomando-se como marco a

Carta Magna de 1988, que culminou na ampliação do conceito de família, trazendo

ainda disposições que afetaram a adoção, tratar-se-á também de outras normas de

relevante aplicação ao tema objeto deste estudo, quais sejam, o ECA (Lei nº

8.069/90), a Lei Nacional da Adoção (Lei nº 12.010/09) e o CC/02 (Lei nº

10.406/02).171

Primeiramente, cabe abordar brevemente alguns pontos gerais sobre a

adoção. Consoante o art. 39 do ECA, em seu §1º (incluído pela Lei nº 12.010/09), “a

adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando

esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural

ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei”, dispositivo este que

apenas autoriza a adoção quando da impossibilidade de permanência do menor no

convívio da sua família de origem. Referido mandamento encontra apoio na Lei

Nacional da Adoção, em seu art. 1º, §§1º e 2º,172 cujo teor estabelece que a

167

Lei 8.069/90, art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. (BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016). 168

CC, art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 2002/l10406.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016.). 169

CRFB, art. 227, §5º. A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao Compilado.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016.). 170

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 377/378. 171

Ibidem. p. 382. 172

Lei nº 12.010, art. 1º, §1º. A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.§ 2

o Na impossibilidade de

permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou

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51

intervenção estatal é destinada a assegurar a manutenção destes menores na

família natural, salvo quando constatada judicialmente a sua total inviabilidade,

momento em que estes poderão então ser colocados em família substitutas, pelas

vias da adoção, tutela e guarda.173

Também de forma genérica, destacam-se alguns requisitos para a adoção.

Em linhas gerais deve ter o adotante, ao menos, 18 anos de idade, e diferença de 16

anos para com o adotado,174 concordância dos pais ou representantes legais do

pretenso adotando, ou o consentimento, por ele próprio manifestado, quando este

dispor de mais de 12 anos de idade, a existência de processo judicial, além de

concretos benefícios ao adotando.175 Acrescente-se ainda o requisito do estágio de

convivência com o adotando.176

Com relação à pessoa do adotante, e conforme supramencionado, é

necessário que este seja maior de idade (art. 42, caput, do ECA) e capaz, não

podendo apresentar incongruência com a medida, devendo ter condições de

proporcionar ambiente familiar adequado ao adotado (art. 29 do ECA). Por fim, nos

termos do art. 42, §2º, do ECA,177 constitui pressuposto à adoção conjunta a

necessidade de se comprovar a estabilidade da família, que se faz mediante o

casamento civil ou a união estável entre os adotantes.178

Voltando-se mais especificamente à temática da homoparentalidade, vale-se

do “conceito de homoparentalidade como sendo a criação de filhos no contexto de

uma família onde ao menos um dos pais é homossexual”.179

Se, quanto à adoção individual homoparental (aquela em que um

homossexual, singularmente, pretende adotar), pode-se afirmar que já vem sendo

aceita, permanece a polêmica quanto à adoção homoparental conjunta, ou seja,

guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal. (BRASIL. Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Dispõe sobre a adoção e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 04 de agosto de 2009. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016.). 173

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 384. 174

Art. 42, §3º, da Lei nº 8.069/90. 175

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 398. 176

Arts. 46 e 42, §4º, da Lei nº 8.069/90. DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 574/575 e 597. 177

ECA, art. 42, §2º. Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016). 178

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 383 e 386/387. 179

LOREA, Roberto Arriada. Op. cit. p. 37.

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pretendida por casal formado por pessoas de mesmo sexo, seja ela unilateral,

quando o cônjuge ou companheiro quer adotar filho do outro, proveniente de

relacionamento pretérito (previsto no art. 41, §1º, do ECA), ou bilateral, quando

ambos do casal adotam.180

Maria Berenice Dias afirma ter sido a adoção individual, que independe do

estado civil do adotante, um permissivo à adoção por casal homossexual,

denominando tratar-se de “uma solução faz de conta”. Isto porque, embora tomada a

decisão pelo par pela formação de uma família, apenas um deles realizava a

habilitação, omitindo a sua orientação sexual, e tinha a ele concedida a adoção,

mesmo que, no final das contas, o filho fosse criado por ambos. Esta era a maneira

encontrada para a adoção conjunta homoparental.181

Porém, saliente-se que referido artifício para a adoção conjunta

homoparental ocasionava a total desproteção do adotado em face do outro pai ou

mãe que não participou do processo de formalização da adoção, de cuja relação não

lhe poderiam advir quaisquer direitos. Exemplo disso seria que, no caso de

falecimento do adotante formal, o menor adotado deixaria não só de ter direitos

sucessórios para com o outro adotante, informal, como também ficava na iminência

de ser institucionalizado para fins de futura adoção, uma vez que ficaria configurada

a sua orfandade.182

Desta forma é que se propõe o presente estudo a abordar a legitimidade da

adoção homoparental e a influência jurisprudencial na sua concretização, dada a

inexistência de norma a tutelar a família homoafetiva e, especialmente, a adoção por

casal homossexual. Frise-se que todo o exposto se revela como consequência da

180

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 387 e 395/396. “Na adoção bilateral rompem-se os vínculos familiares tanto do pai quanto da mãe (com exceção dos impedimentos matrimoniais), constituindo-se nova família, conhecida como família substituta.Já na adoção unilateral rompe-se, quando houver, o vinculo apenas com um dos genitores, mantendo-se o outro vínculo. [...] É muito comum que o marido ou companheiro da genitora já estabeleceu vínculos afetivos com a criança, que a considera como genitor, mas não tem essa qualidade porque não há vínculo jurídico.Para que o vínculo jurídico passe a existir, a pessoa interessada em adotar o filho da esposa (ou companheira) deve formular pedido de a adoção unilateral. O adotante deverá manifestar sua vontade, todos passarão por um estudo psicossocial, para avaliação dos vínculos afetivos e condições da adoção (visando sempre o que será melhor para a criança). Após essa avaliação, o Promotor de Justiça proferirá um parecer e, ao final, o juiz irá decidir. [...] E se o casal for homoafetivo? O companheiro do genitor pode pedir a adoção unilateral, também seguindo o mesmo rito.” (ADOÇÃO Unilateral. Tribunal de Justiça de São Paulo, Adotar, 2016. Disponível em:<http://www.adotar.tjsp.jus.br/Adocao/AdocaoUnilateral>. Acesso em: 25 de junho de 2016.). 181

DIAS, Maria Berenice. Os filhos do amor entre iguais. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_702)14 __os_filhos_do_amor_entre_iguais.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. 182

Ibidem.

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supressão do projeto de artigo na Lei nº 12.010, que iria dispor sobre a autorização

da adoção de crianças e adolescentes por casal homoafetivo.183 Apresenta-se,

assim, tal corte como fruto do preconceito ainda tão presente na sociedade atual que

motiva o aparecimento de novas formas de vedar o exercício do direito à adoção

homoparental, as quais incorrem, por sua vez, em flagrante inconstitucionalidade,

posto tratar-se a orientação sexual de uma faceta da personalidade

constitucionalmente protegida pelas normas principiológicas da dignidade da pessoa

humana e da isonomia.184

Assim é que, diante da manutenção da omissão legislativa, continua

regendo o tema o supramencionado art. 42 do ECA, em seu §2º, dispositivo que,

embora não faça referência à relação homoafetiva, ao silenciar-se sobre a

constituição do casal (se por pessoas de diferente ou igual sexo), demonstraria a

possibilidade jurídica da adoção homossexual. Tanto é assim que, se

o legislador infraconstitucional, através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), não tocou na orientação afetivo-sexual de requerentes para efeito de colocação de crianças e adolescentes em famílias substitutas, apenas exigindo, em caso de um só adotante por exemplo, que esse seja maior, independente do estado civil (art. 42, caput, ECA). Para a adoção por duas pessoas, também não se toca neste traço da personalidade dos requerentes (art. 42, § 2º, ECA)e assim também não poderia caminhar diferente o legislador quando da elaboração do Código Civil (Lei 10.406/2002). O Projeto da Nova Lei de Adoção, por exemplo, está bem sintonizado com tal necessidade de não gerar discriminação injustificada, mantendo (ainda com a retirada da referida autorização expressa), a mesma possibilidade interpretativa de adoção em favor de pessoas de orientação homossexual, seja enquanto solteiras, seja mediante a consideração da solidez da união (analogia com a união estável), para efeito de adoção em conjunto.

185 [Grifou-se.]

Entretanto, “fato é que a nossa sociedade é regida pela

heteronormatividade”186, fazendo-se apropriado, portanto, retomar questão

anteriormente suscitada (tópico 3.2), qual seja, a de que, pelo fato da Constituição

pátria reconhecer a união estável entre homem e mulher, consoante o art. 226, §3º,

restaria impossibilitada a sua configuração por pessoas do mesmo sexo. Porém,

referido argumento não procede nos dias atuais graças à atuação jurisprudencial.187

A uma, por ser entender a família moderna sob o viés plural, como relação entre

183

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 382/383. 184

DEUS, Enézio de. Adoção homoafetiva e inconstitucionalidade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 06 de março de 2009. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/491/Ado%C3%A 7%C3%A3o+Homoafetiva+e+Inconstitucionalidade>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 185

Ibidem. 186

CRISTO, Isabella. Op. cit. 187

GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit. p. 383 e 387.

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54

pessoas fundada no afeto. A duas, porque inobstante a omissão legislativa ao não

dispor especificamente da família homoafetiva, na qual se inclui a adoção

homoparental, deve-se frisar que a interpretação dos casos concretos demandam

soluções que, em não sendo encontradas na lei, devem servir-se de outras fontes,

dentre as quais se encontram a analogia e os princípios gerais do direito.188

Desta forma é que, por aplicação analógica, não há dúvidas de que,

atendidos os requisitos da união estável por casal homossexual, será a ele conferido

o mesmo tratamento jurídico dado às mesmas uniões estabelecidas por

heterossexuais, reconhecendo-se assim a existência da relação de companheirismo

em ambas hipóteses.189 Ou seja, “existindo um núcleo familiar, estando presente o

elo de afetividade a envolver pais e filhos, a identificação da união estável do casal

torna imperioso o reconhecimento da dupla paternidade”.190

Logo, relembrando os princípios constitucionais abordados, como o da

dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, ressalta-se que devem

ser necessariamente observados, posto tratarem-se de normas que merecem ser

aplicadas e de fonte para a ciência do direito, notadamente para o Direito das

Famílias, seara na qual se verifica alocada a temática da homoparentalidade.

Portanto, juridicamente, não há qualquer fundamento para a obstaculização da

adoção conjunta homoparental, caso atendidos os demais requisitos da adoção,

dentre os quais não se encontram a orientação sexual do adotante.191

Ou seja, pretende-se firmar aqui a concepção de que todos os pretensos

adotantes têm o direito de passar pelo mesmo procedimento de adoção, não

importando a sua orientação sexual, até porque o fundamento para o deferimento

desta medida está calcada na demonstrada aptidão para a parentalidade, e não

“preferências” íntimas.192 Estas, caso utilizadas para fins de discriminação, também

afigurar-se-á como inconstitucional, dada a violação ao art. 3º, IV, da CRFB/88, uma

188

DEUS, Enézio de. Nova Lei da Adoção e Homoafetividade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 12 de agosto de 2009. Disponível em:<http://ibdfam.org.br/artigos/533/Nova+Lei+da+Ad o%C3%A7%C3%A3o+e+Homoafetividade>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 189

Ibidem. 190

DIAS, Maria Berenice. Paternidade homoparental. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de setembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_692)5__ paternidade_homoparental.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. 191

CRISTO, Isabella. Op. cit. 192

LOREA, Roberto Arriada. Op. cit. p. 42.

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55

vez tratar-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos de sexo, um dos

objetivos fundamentais da República.193

De acordo com o anteriormente exposto, preleciona Maria Berenice Dias que

Apesar do que diz o ECA (Art. 42, § 2º), diante da maior visibilidade e melhor aceitação dos vínculos familiares formados por pessoas do mesmo sexo, vem a justiça habilitando o casal para a adoção, bem como deferindo a adoção ao companheiro do genitor homossexual. Para a identificação do vínculo parental, basta questionar se goza a criança da posse do estado de filho. Reconhecida a existência de uma filiação socioafetiva, com relação aos dois parceiros, imperativo afirmar a possibilidade – ou melhor, a necessidade – de ambos, ainda que sejam do mesmo sexo, estabelecerem um vínculo jurídico visando, principalmente, a proteção de quem, afinal, é filho dos dois.

194

Também sobre a Lei Nacional de Adoção, manifesta-se novamente a

supramencionada autora e, em seguida, Enézio de Deus:

A chamada Lei Nacional da Adoção assume viés conservador ao tentar impedir a adoção por famílias homoafetivas. Ainda que venham a doutrina e a jurisprudência de vanguarda reconhecendo a união estável homossexual e admitindo a adoção homoparental, vã é a tentativa de impedir que duas pessoas do mesmo sexo constituam uma família com prole. A postura, além de equivocada, é preconceituosa e discriminatória. Ao depois, comete duas ordens de inconstitucionalidade: cerceia aos parceiros do mesmo sexo o direito constitucional à família (art. 226) e não garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar (art. 227). Impedir significativa parcela da população que mantém vínculos afetivos estéreis de realizar o sonho da filiação revela atitude punitiva, quase vingativa,como se gays e lésbicas não tivessem condições de desempenhar as funções inerentes ao poder familiar. Também acaba negando a milhões de crianças o direito de sair das ruas, de abandonar os abrigos onde estão depositadas,sonegando-lhes o direito a um lar e a chance de chamar alguém de pai ou de mãe. Parece que o Projeto olvida o que diz a Constituição: que é dever não só da família e da sociedade, mas é também dever do Estado proteger, com absoluta prioridade, o cidadão de amanhã. E negar um lar não é proteger. [Grifou-se.]

195

Caberá à sociedade recepcionar a nova Lei e, à melhor doutrina, debruçar-se sobre a mesma, sem as restrições da literalidade ou do preconceito limitante. Neste sentido, esperamos que tal diploma seja interpretado à luz da Lei Maior e dos seus princípios, de modo a atender aos superiores interesses das crianças e adolescentes excluídos e, enfim, de forma a vir ao encontro dos anseios de todos os segmentos populacionais envolvidos.

193

ZAMBRANO, Elizabeth. (Coord.). O direito à homoparentalidade: Cartilha sobre as famílias constituídas por pais homossexuais. Instituto de Acesso à Justiça, Porto Alegre, RS, 2006. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/zambrano_et_al_homoparentalidade_-_A4[1].pdf>. Acesso em: 23 de junho de 2016. p. 30. 194

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 409. 195

DIAS, Maria Berenice. Adoção sem preconceito. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 30 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/11__ado%E7% E3o_sem_preconceito.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016.

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56

Tudo dependerá de quem o decodificará e o aplicará. Eis mais um desafio posto.

196

Além disso, não se pode olvidar que a manutenção da filiação sob a égide

do paradigma heterossexual, impedindo juridicamente a adoção homoparental,

culmina não só em grave preconceito, que deve ser combatido em atendimento aos

preceitos constitucionais já rememorados, mas também, e principalmente, a

permanência de crianças e adolescente em instituições, nas quais não lhe podem

ser dispensados direcionado e exclusivo afeto. Logo, apesar de o ECA não dispor

expressamente sobre a possibilidade de adoção por par do mesmo sexo, é

facilmente depreendido que o interesse de homossexuais na constituição de uma

família é viável, sem sequer ser necessária qualquer mudança na legislação

competente. Sustenta-se isso não só por força dos princípios arguidos, os quais

visam por equiparar os homossexuais, na seara jurídica, aos heterossexuais, e sim

porque possibilitar-lhes o direito ao planejamento familiar é meio de,

simultaneamente, perquirir o melhor e superior interesse da criança, que vem sendo

elencado como princípio-guia no Direito de Família, sobretudo quando da análise do

instituto da adoção.

4.3 INEXISTÊNCIA DE DANOS AOS MENORES CONVIVENTES COM

HOMOSSEXUAIS, PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE E DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A despeito de sofrer a família homoafetiva, como um todo, discriminação,

quando esta busca, em seu seio, filhos, seja por reprodução assistida, seja por

adoção, verifica-se uma maior incidência do preconceito pelo fato de estar se

envolvendo nessa família uma criança, numa relação moralmente condenada por

muitos, motivo pelo qual se propôs o presente trabalho a discutir a fragilidade dos

argumentos utilizados para justificar o descabimento da homoparentalidade. Cediço

é que se trata o presente estudo da análise jurídica da adoção homoparental,

entretanto, como muitas vezes a impossibilidade de se viabilizar a adoção por

homossexuais está ligada ao preconceito, decorrente da ignorância acerca dos

196

DEUS, Enézio de. Nova lei da Adoção e Homoafetividade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2016. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/533/Nova+Lei+da+Ado%C3%A7%C 3%A3o+e+Homoafetividade>. Acesso em: 16 de junho de 2016.

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57

efeitos psicológicos das crianças por eles cuidadas, optou-se por apresentar

abordagens de alguns autores com conhecimento sobre a temática da inexistência

de danos ao desenvolvimento de crianças por pais homossexuais.

Inicia-se a abordagem trazendo a manifestação de Enézio de Deus. Referido

autor aduz197 que, em consonância com estudos científicos voltados à análise “da

inserção e do desenvolvimento de crianças/adolescentes em lares homoafetivos”,

não foram constatados danos ou disfunções que legitimassem um maior despreparo

de homossexuais para o desempenho das funções parentais se comparado aos

heterossexuais. Na verdade, tanto os filhos de uma ou outra orientação sexual

demonstrariam “formação da personalidade com os mesmos desafios e nuanças

daqueles educados por heterossexuais”.

Salienta ainda Carla Luciane Bettio198 revelarem as evidências que, no

campo da psicologia e psicanálise, uma pessoa ou casal homossexual detém a

mesma aptidão para o desempenho da parentalidade, “em nada influenciando a

orientação sexual no comportamento dos filhos adotados”. Citando considerações

de Maria Antonieta Pisano Motta199 sobre a temática, conclui não ser a orientação

sexual o diferencial para o crescimento sadio sexual e de personalidade do infante, e

sim a sua vivência em uma relação parental com as funções materna e paterna, “ou

seja, a forma de poder e hierarquia estabelecida no relacionamento com os filhos,

objetivando favorecer sua individualidade e autoafirmação”.

Dentro da perspectiva psicanalítica da adoção homoparental, e

especialmente quanto ao exercício da maternidade e paternidade acima

mencionado, Sérgio Laia200 afirma que tais funções não se apresentam como

naturais, ou, em outras palavras, não é de nascença que os indivíduos apresentam-

se como pais e mães. Nesse sentido é que entende a psicanálise que, na verdade,

todas as pessoas seriam, em sentido figurado, adotadas, considerando-se que

197

DEUS, Enézio de. Adoção homoafetiva e inconstitucionalidade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 06 de março de 2009. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/491/Ado%C3%A 7%C3%A3o+Homoafetiva+e+Inconstitucionalidade>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 198

BETTIO, Carla Luciane. A possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 12 de agosto de 2009. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Ado%C3%A7%C3%A3o%2018_04_2012.pdf>. Acesso em: 24 de junho de 2016. 199

MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Homoparentalidade e superação de preconceitos. Revista Jurídica Consulex, n. 123, p. 29-30, 01 de jul. de 2010 apud Ibidem. 200

LAIA, Sergio. A adoção por pessoas homossexuais e em casamentos homoafetivos: uma perspectiva psicanalítica. In: ADOÇÃO: um direito de todos e todas. Cartilha do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Brasília, DF, junho de 2008. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads /2008/08/cartilha_adocao.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. p. 31/32.

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58

assim só se efetivam esses papéis de parentalidade com o seu exercício ao longo

do tempo. Destarte, fundamentando-se nesse referido processo, o qual denomina de

“adoção simbólica”, é que sobre a adoção homoparental recairiam as mesmas

recomendações comuns a um procedimento de adoção, cujo escopo deve ser o

atendimento às demandas da criança e da vida em um lar, que, nas palavras de

Maria Berenice Dias201 é um “Lugar de Afeto e Respeito”.

Suplementando o exposto, sustenta que a maternidade ou paternidade não

são estritamente exercidas por uma mulher e um homem, respectivamente, mas sim

uma tendência decorrente de “razões históricas, sociais, culturais e psíquicas em

jogo nesse tipo de atribuição”, que não pode se tornar uma necessidade por medo

do desconhecido. Logo, argumenta que não se pode criar empecilhos à adoção por

homoafetivos por temerário moral ou científico do futuro desses adotados e, por tal

motivo, estagnar-se no conhecido. Além do fato de que “não há uma norma

universal para a ‘criação correta’ de crianças: erros e acertos podem acontecem

tanto numa família constituída tradicionalmente por seus pais biológicos”202, como

em qualquer outra.

Trazendo mais esclarecimentos nesse sentido, é que Maria Cristina d’Avila

de Castro, acerca da não cognição pela lei das famílias homoafetivas em função da

crença de que este arranjo familiar poderia trazer prejuízos ao crescimento

psicossociológico de crianças, aduz que não procede o fundamento de que a falta

de referências masculina e feminina influenciaria na identidade sexual do menor,

acarretando-lhe a probabilidade deste ser homossexual. Para tanto, ressalta que

sexualidade e função parental não se confundem, razão pela qual a orientação

sexual dos pais não é determinante à dos filhos. Corroborando a explicação, aduz

que a função parental não se encontra no sexo, mas na maneira como os adultos

dotados da atribuição de cuidadores trabalham as relações de poder e hierarquia

com os filhos, “com as questões relativas a problemas disciplinares de controle de

comportamento e de tomada de decisão”.203

201

DIAS, Maria Berenice. Adoção sem preconceito. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 30 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/11_-_ado%E7%E3o_ sem_preconceito.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. 202

LAIA, Sergio. Op. cit. p. 33/34. 203

CASTRO, Maria Cristina d’Avila de. A adoção em famílias homoafetivas. In: Adoção: um direito de todos e todas. Cartilha do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Brasília, DF, junho de 2008. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads /2008/08/cartilha_adocao.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. p. 24.

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59

Portanto, não encontra amparo a ideia de que para o regular crescimento de

um menor dependa da estruturação pai e mãe, para que a criança tenha contato

com as funções de normatização e cuidado, respectivamente, posto serem “as

atribuições de gênero socialmente construídas”.204

Elizabeth Zambrano também aborda o tema, informando que estudos sobre

a homoparentalidade têm por escopo realmente desconstituir essa associação entre

orientação sexual dos pais e a parentalidade, ou seja, o cuidado da prole, mediante

a apresentação de que pais homossexuais podem ser ou não tão benévolos quanto

heterossexuais, concluindo-se daí que ser “a capacidade de cuidar e a qualidade do

relacionamento com os filhos o determinante da boa parentalidade e não a

orientação sexual dos pais”.205

Sobre a cartilha pela referida autora editada, há que se destacar alguns

pontos, a fim de fortalecer a opinião de outros autores já apresentadas. O primeiro

realce é feito ao exercício das funções maternas e paternas. Sobre a temática,

afirma que este ocorre a depender das “características e preferências de cada um,

não havendo necessariamente, nos casais homossexuais, uma divisão rígida de

‘papel de gênero’”. Extrai-se daí que, não é estabelecido que o sexo feminino deva

exercer a função materna, e o masculino a paterna, razão pela qual um homem

poderia atuar mais como pai, mediante o desempenho do papel de autoridade, e o

outro, mais como mãe, não justificado pelo fato de ter uma identidade feminina, mas

sim por estar incumbido de afazeres domésticos, talvez não requeridos ao outro

exercente da parentalidade.206

No tocante à desconfiança de que filhos de homossexuais teriam maiores

chances de também se tornarem homossexuais, argumenta que por ser a

socialização destes realizada “em ambientes homoparentais faz com que as

crianças e adolescentes transitem melhor entre as diferentes possibilidades de

relações afetivo-sexuais, posicionando-se de forma mais aberta quanto a essas

204

FUTINO, Regina Silva; MARTINS, Simone. Adoção por homossexuais: uma nova configuração familiar sob os olhares da psicologia e do direito. Aletheia, Canoas, nº 24, p. 149-159, dezembro de 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-039420 06000300014&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22 de junho de 2016. 205

ZAMBRANO, Elizabeth. (Coord.). O direito à homoparentalidade: Cartilha sobre as famílias constituídas por pais homossexuais. Instituto de Acesso à Justiça, Porto Alegre, RS, 2006. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/zambrano_et_al_homoparentalidade_-_A4[1].pdf>. Acesso em: 23 de junho de 2016. p. 10. 206

Ibidem. p. 24.

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60

diferenças”.207 Ademais, ressalta que esse medo quanto à transmissão da

orientação homossexual dos pais para os filhos ocorra não encontra apoio em dados

científicos, aparentando simplesmente o inerente preconceito da sociedade.208

Dentre diversos pontos relevantes, traz-se aqui a dúvida de sobre como

trabalhariam as crianças com o preconceito e a discriminação decorrente da

sexualidade dos pais. Acerca dessa indagação, a autora entende que,

primeiramente, isso vai depender da visão que a sociedade destina àquele menor,

se estigmatizante ou não. Comumente, contudo, é cediço que os pertencentes a

famílias entendidas como diferentes são alvo dessa estigmatização. Não obstante

isso possa acarretar prejuízos para a relação entre família e mundo exterior, aduz

que as famílias homoparentais manifestam estratégias para sobrepor-se à

problemática, tais como a omissão quanto à orientação sexual dos pais para além

dos limites do núcleo familiar. De acordo com Elizabeth Zambrano, “da mesma forma

que outros grupos minorizados, vítimas de preconceito, as crianças de famílias

homoparentais aprendem quando combater, ou não, as discriminações e escolhem

os amigos com quem vão compartilhar a informação”.209

Desta forma é que também não há lógica em que se afirmar que a criança

cresce sem conseguir distinguir os sexos, posto que elas terão conhecimento de tais

diferenças quando de suas outras relações sociais, que não se limitam ao pai e à

mãe, não tendo, por conseguinte, o seu sadio crescimento comprometido por

conviverem com pessoas de igual sexo. Apesar de aparentemente estar com duas

mães ou dois pais, haja vista que as funções materna e paterna, não precisam ser

exercidas por mulheres e homens, respectivamente, ou seja, não havendo

correlação entre o papel sexual e o sexo biológico, podem referidas funções ou

papéis serem realizados por pessoas de quaisquer sexos.210

Inexistem motivos a alimentar a falsa crença de que crianças criadas no

contexto de homoparentalidade apresentariam dificuldades ao se desenvolverem,

simplesmente por terem pais homossexuais, tendo em vista que, caso constadas

diferenças para com a heteroparentalidade, seriam elas consequências de

circunstâncias variadas, de ordem educacional, social e econômica, dentre outros.

Por fim, descabida se faz a alegação de que estas mesmas crianças cuidadas por

207

Ibidem. p. 26. 208

Ibidem. p. 26. 209

Ibidem. p. 27. 210

FARIAS, Mariana de Oliveira. Op. cit. p. 109.

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61

homossexuais seriam alvo de preconceito, o que, mais uma vez, não é percebido

somente a essa minoria estigmatizada, mas também em virtude de outras fontes,

como a deficiência, raça, etnia e até mesmo a hipossuficiência.211

Face às diversas dúvidas suscitadas acerca da existência de dificuldades

específicas nos campos afetivo, intelectual e sexual percebidas por menores

educados por um casal homossexual, assegura Contardo Calligares chegar-se a

uma manifesta conclusão: a equivalência das relações estáveis homossexuais às

heterossexuais, bem como a falta de dados científicos que comprovem o menor

preparo dos pais homossexuais ou a menor saúde psicológica ou adaptação dos

filhos por eles criados, se comparados aos heterossexuais. Essas conclusões foram

atestadas por documento entregue em 2007 “pelas três grandes associações dos

profissionais da saúde mental dos Estados Unidos”, composta por especialista nas

áreas de psicologia, psiquiatria e assistência social, à Suprema Corte da

Califórnia.212

Mediante a desmistificação dos “argumentos” desfavoráveis à comunidade

homoafetiva e a criação por estes de uma criança, verificou-se, pelo exposto, que

todos os obstáculos cotidianamente impostos aos homossexuais se resumem a uma

só palavra: preconceito. Daí se concluir que, de fato, impedir a constituição das

famílias homoafetivas é pura discriminação, já que destituídos de qualquer base

científica os argumentos utilizados à sua formação, posto serem as crianças filhas

de pais homossexuais “tão ajustadas” quanto àquelas filhas de heterossexuais.213

Desta forma, inexistindo danos de qualquer ordem aos adotados por

homossexuais, é que se deve buscar o seu melhor interesse, em observância ao art.

43 do ECA, o qual dispõe que “a adoção será deferida quando apresentar reais

vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.214 Isto porque são as

crianças e adolescentes as partes evolvidas que devem ter priorizada a sua tutela

sobre as demais.215

211

Ibidem. p. 110. 212

CALLIGARIS, Contardo. Adoção por casais homossexuais. Folha de São Paulo, São Paulo, SP, 13 de maio de 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1305201027.htm>. Acesso em: 23 de junho de 2016. 213

FUTINO, Regina Silva; MARTINS, Simone. Op. cit. 214

DEUS, Enézio de. Adoção homoafetiva e inconstitucionalidade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 06 de março de 2009. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/491/Ado%C3%A 7%C3%A3o+Homoafetiva+e+Inconstitucionalidade>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 215

CRISTO, Isabella. Op. cit.

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62

O princípio que deve prevalecer é o do melhor interesse da criança, e não há motivo legítimo para retirar de uma criança a possibilidade de viver com uma família. Se os parceiros – ainda que do mesmo sexo – vivem em união estável, é legítimo o interesse na adoção, havendo reais vantagens em favor do adotando.

216

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, o melhor interesse da criança e do

adolescente é princípio resultante das transformações percebidas na família, que se

libertando da sua antiga função econômica, tornou-se cerne do afeto, só sendo

assim considerada como família aquela que, valorizando seus integrantes,

contemplasse-os por sua dignidade. Nesse cenário é que também a criança ou

adolescente teve seu papel exaltado, uma vez que, pelo fato dos menores

apresentarem vulnerabilidade, não sendo dotados de capacidade plena para a

regência de suas vidas, autonomamente, necessitam de pais, exercentes das

funções materna e paterna, a fim de que estes lhe auxiliem para tanto, requerendo

também do Direito a sua integral proteção.217

Ao tratar sobre o teor do referido princípio, afirma o autor a relatividade de

seu conceito, que pode variar conforme o momento e a cultura em que esteja

inserido, ressaltando assim que sua definição deve ser aferida casuisticamente, ou

seja, buscando-se naquele caso concreto específico o que seria melhor para a

criança ou adolescente. Todavia, apesar de sua indefinição conceitual, é possível

extrair que o princípio em comento é diretamente ligado a direitos e garantias

fundamentais destes menores, que além de disporem destes, de forma geral, ainda

o tem assegurados, de forma especial, isto porque, nos termos do art. 227 da

CRFB/88,218 constitui dever da família, sociedade e Estado garantir-lhes, “com

absoluta prioridade”, dentre outros direitos mencionados no dispositivo, o direito à

vida, dignidade e convivência familiar, razão pela qual nesse sentido também fora

previsto pelo ECA, em seus arts. 3º e 4º.219 No plano internacional, destaca-se,

216

Ibidem. 217

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit. p. 90. 218

CRFB, art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 12 de maio de 2016.). 219

Lei nº 8.069/90, Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o

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63

ainda, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil e

promulgada sob a forma do Decreto Presidencial nº. 99.710/90.220

Em suma, estabelece o princípio que

devem-se preservar ao máximo, aqueles que se encontram em situação de fragilidade, a criança e o adolescente, por estarem em processo de amadurecimento e formação da personalidade. O menor tem, assim, o direito fundamental de chegar à condição adulta sob as melhores garantias morais e materiais, tal como prevê o artigo 227 da Constituição Federal. A aplicação do princípio do ‘best interest’ permanece como um padrão considerando, sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses de seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto.

221

Na verdade, o princípio do melhor interesse da criança integra a chamada

Doutrina da Proteção Integral, contida no art. 1º do ECA e decorrente da Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, a qual tem como bases o entendimento da

criança como sujeito de direitos e o de que a infância é uma fase única para o

desenvolvimento do infante, razão pela qual lhe deve ser dada prioridade

absoluta.222

Em diversas situações é possível ver-se necessária a aplicação do princípio

do melhor interesse da criança e do adolescente, mas, aplicando-o à adoção

homoparental, há de se entender que, caso a caso, deve-se investigar se o seu

deferimento é cabível e irá propiciar ao adotando bem-estar. Contudo, o que não se

pode é julgar, prima facie, que uma pessoa ou casal homossexual é inapta para

cuidar de um menor, apenas por sua orientação sexual, como vinha e ainda vem

acontecendo em muitos casos, restando configurada a atitude preconceituosa e

manifestamente ilegal da autoridade competente, diante da violação da dignidade

humana não só daquele que quer adotar, mas do próprio adotando, que sequer teve

garantida a sua absoluta prioridade pelo próprio Estado.

Ademais, “garantir o melhor interesse da criança é também romper todas as

barreiras de preconceitos que possam, porventura, existir, evitando que um

desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 14 de junho de 2016.). 220

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op cit. p. 91/93. 221

CRISTO, Isabella. Op. cit. 222

Ibidem.

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julgamento moral pejorativo possa interferir quando se trata do destino de um

menor”.223

Também ao discutir em sua tese sobre o princípio do melhor interesse do

menor, Rodrigo da Cunha Pereira esbarra na questão da guarda compartilhada, o

qual sustenta ter o objetivo de proporcionar ao filho “a continuidade da convivência

familiar, que é um direito fundamental da criança e, por seu turno, um dever

fundamental dos pais”.224 Assim, valendo-se de uma intepretação analógica, bem

como em atendimento ao princípio da isonomia, é cabível e adequado dizer que a

adoção homoparental seria meio não de manutenção do convívio familiar, haja vista

que o adotando abandonado sequer a teve, ou se a teve, fora ou por curto espaço

de tempo, ou não talvez não lhe tenha sido dispensado o cuidado necessário a

ponto de encontrar-se na situação de almejar a sua colocação em família substituta.

Na verdade, seria muito mais a concessão desta convivência aos que mais

dependem de uma família dada a sua vulnerabilidade, a criança e o adolescente.

Nesse caso, ainda, levando-se em conta a ausência dos pais, passa-se ao Poder

Público e à sociedade, o dever de efetivar referido direito fundamental à convivência

familiar a esses menores.

Abordando diretamente o princípio do melhor interesse da criança frente à

adoção por homossexuais, menciona o autor o decidido na Apelação Cível nº

14.332/98, julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no ano de 1999, que,

interposta pelo Ministério Público em virtude da orientação sexual do adotante,

suscitava, mais uma vez, dúvida quanto à existência de danos no decorrer do

desenvolvimento do menor adotando. No entanto, diante da constatação realizada

por estudos sociais do cumprimento ao interesse do adotado,225 julgou-se por

confirmar a decisão que deferiu a adoção.226 Nas palavras de Rodrigo da Cunha

Pereira, tem-se que

Para se atender ao Princípio do Melhor Interesse da Criança, devemos abandonar o preconceito e livrarmos de concepções morais e estigmatizantes. A comparação do lúcido desembargador foi bastante salutar: será preferível que a criança fique em abrigos do que deixá-la sob os cuidados de alguém que, embora revele aptidão para dela cuidar, tem

223

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit. p. 96. 224

Ibidem. p. 95/96. 225

Ibidem. p. 98/99. 226

RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 14.332/98. Relator Desembargador Jorge de Miranda Magalhães. 9ª Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônico, Rio de Janeiro, RJ, 23 de março de 1999. Disponível em: <http://www.direitohomoafetivo.com.br/jurisprudencia .php?a=2&s=4>. Acesso em: 25 de junho de 2016.

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uma opção sexual diferente do que é convencionado como “normal”? Qual a garantia de que, se ele for adotado por uma pessoa de preferência heterossexual, terá suas necessidades biopsíquicas atendidas? Na verdade, não há garantias, mas apenas tendências. A possibilidade de adaptação de uma criança – que se encontra abandonada ou que está institucionalizada - em um núcleo familiar é enorme. E se ali não existe violência nem abusos, se as pessoas que o compõem desejam cuidar daquele menor, se têm uma conduta ética, certamente o seu melhor interesse estará sendo atendido.

227

Dentre diversos problemas sociais patentes no país está o dos menores

abandonados. Milhares de crianças e adolescentes estão, nesse momento, em

instituições, aguardando ansiosamente pelo dia em que terão um lar e uma família.

Para resolver esse problema, e diante do afastamento voluntário ou imposto aos

pais dessas crianças quanto às obrigações nascidas do poder familiar, salienta

Maria Berenice Dias inexistir outra maneira de cumprir o “comando constitucional

que assegura a crianças e adolescentes, com prioridade absoluta, o direito à

convivência familiar”,228 o qual lhes deve ser garantido nos termos do art. 1º, caput,

da Lei nº 12.010/09.

Por isso é necessário que se priorize o interesse de quem tem o constitucional direito de ser protegido e amado, e não o pretenso direito de pais e familiares que não souberam ou não quiseram assumir os deveres parentais. Afinal, não é o elo biológico que merece ser preservado. São os vínculos afetivos que precisam ser assegurados a quem tem o direito de ser amado como filho.

229

Por fim, conclui-se que o princípio do melhor interesse do menor deve ser

tomado como base para as questões jurídicas relacionadas à criança e ao

adolescente, para fins da adoção homoparental. Verificada a inexistência de danos

de qualquer ordem ao adotado, através de estudos realizados por experts

designados para tanto, por certo é que, em consonância também com o direito à

convivência familiar, deve ser assegurada ao menor adotando a sua inserção,

rápida,230 em família substituta, a qual, independentemente da orientação sexual,

227

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit. p. 99. 228

DIAS, Maria Berenice. Adoção e o direito constitucional à convivência familiar. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 05 de outubro de 2012. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br /uploads/ado%E7%E3o_e_o_direito_constitucional_%E0_conviv%EAncia_familiar.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. 229

Ibidem. 230

DIAS, Maria Berenice. O filho de Elton John. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 14 de fevereiro de 2011. Disponível em: <http://mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_488) o_filho_de_elton_john__s.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. O processo de adoção deve ser ágil, uma vez que “tal a burocracia para disponibilizar crianças à adoção que, quando finalmente isso acontece, muitas vezes ninguém mais as quer e os candidatos a adotá-las perderam a delícia de compartilhar da primeira infância do filho que esperaram durante

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66

tenha capacidade para lhe dar afeto e tratamento individualizado para um

desenvolvimento digno, a qual “deve ser a preocupação maior do Estado, pois não

há solução pior do que manter abrigados crianças, adolescentes e jovens”231.

Por todo o exposto, é absolutamente autorizada a adoção homoparental,

“observando-se, em qualquer caso, os princípios constitucionais da igualdade e

dignidade humana, bem como o objetivo fundamental que veda qualquer forma de

discriminação”.232

4.4 A JURISPRUDÊNCIA COMO INSTRUMENTO FACILITADOR DA

CONSTITUIÇÃO DESSAS NOVAS FAMÍLIAS

Levando-se em conta a omissão normativa em dispor sobre as famílias

homoafetivas, especialmente do legislador federal quando da edição da Lei Nacional

de Adoção, a tendência é que a jurisprudência continue a se revelar como principal

instrumento da concretização do direito ao planejamento familiar à adoção por

homoafetivos. Enfatiza-se ainda, o seu deferimento por casais formados por

pessoas de mesmo sexo, haja vista que, quando da adoção por solteiro, inexistem

controvérsias maiores, sendo possibilitada a adoção desde que preenchidos os

requisitos legais para tanto, sendo, portanto, irrelevante a orientação sexual do

adotante.233

Buscando demonstrar referida importância manifestada pela jurisprudência

pátria e a fim de consolidar, mediante exemplos concretos, o presente estudo, serão

mencionados alguns julgados considerados eminentes acerca da adoção

homoparental. Se no tópico 3.3. já foram citados alguns, passa-se agora

anos na fila de adoção”. Além disso, Maria Berenice Dias afirma também, que diante dos empecilhos colocados à adoção, como a demora do processo, muitas pessoas, desejosas por filhos, acabam por recorrer a técnicas de reprodução assistida para tanto. Como exemplo, menciona o caso do cantor Elton John e seu marido, os quais, em virtude da fracassada tentativa de adoção de um órfão ucraniano, decorrente do impedimento preconceituoso do governo deste país à adoção homoparental, valeram-se de uma barriga aluguel. “Apesar de esta ser uma prática legítima, tem um efeito assustador, pois impede que as crianças abandonadas que se encontram espalhadas pelo mundo tenham a chance de conseguirem uma família. Quem sabe perdem a única possibilidade que teriam se sobreviver”. Sobre o nosso país, salienta que apesar de inexistir vedação legal à adoção por casais homoafetivos, a ausência de norma expressa acaba, em alguns casos, a fundamentar a negativa de alguns juízes à habilitação conjunta por esse par. 231

Ibidem. 232

BETTIO, Carla Luciane. Op. cit. 233

DEUS, Enézio de. Nova lei da Adoção e Homoafetividade. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 12 de agosto de 2009. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/533/Nova+Lei +da+Ado%C3%A7%C3%A3o+e+Homoafetividade>. Acesso em: 16 de junho de 2016.

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especificamente à temática da adoção, retomando-se à Apelação Cível nº

70013801592,234 agora com maiores esclarecimentos.

Referido julgado teve início com o pedido de adoção de dois menores

(P.H.R.M e J.V.R.M), que foi julgado procedente em prol de LI.M.B.G., que mantinha

união estável por mais de oito anos com L.R.M., mãe adotiva dos menores.235 Dado

o inconformismo do Parquet com a sentença proferida pelo Magistrado de 1º grau da

Infância e Juventude, Dr. Marcos Danilo Edson Franco, do caso ocorrido na cidade

de Bagé/RS, foi, pelo órgão ministerial, interposta a mencionada Apelação Cível. Isto

porque, o decisório em comento acabou por “estender, à companheira da mãe

adotiva, o vínculo de maternidade para com os menores”, não só por entender que

eles já estejam sendo criados pelas duas mulheres, mas levando-se em conta que o

“pedido da outra mãe sócio-afetiva se baseou no claro desejo de compartilhar,

juridicamente, com sua companheira (já, legalmente, mãe adotiva), as mesmas

responsabilidades e deveres jurídico-parentais com os pequenos”.236

O recurso, valendo-se da suposta violação à proteção integral das crianças,

teve seu provimento negado, por unanimidade, pelo Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul, mantendo, assim, “o direito da constituição do duplo vínculo de

filiação”,237 mediante o argumento, dentre outros suscitados pelo Relator do caso, o

Desembargador Luis Felipe Brasil Santos, de igualdade de tratamento jurídico a ser

atribuído aos relacionamentos homoafetivos quando do atendimento dos requisitos 234

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE.Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70013801592. Relator: Luiz Felipe Brasil Santos. Sétima Câmara Cível. Diário de Justiça Eletrônico, 05 de abril de 2006. Disponível em: <http://jij.tjrs.jus.br/paginas/docs/jurisprudencia /Adocao_casal_formado_duas_pessoas_mesmo_sexo.html>. Acesso em: 16 de junho de 2016.). 235

DEUS, Enézio de. Decisões judiciais inéditas viabilizam adoções por casais homossexuais no Brasil. Instituto Brasileiro de Direito de Família, 17 de setembro de 2006. Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/231/Decis%C3%B5es+Judiciais+In%C3%A9ditas+Viabilizam+Ado%C3%A7%C3%B5es+por+Casais+Homossexuais+no+Brasil>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 236

Ibidem. 237

DIAS, Maria Berenice. O superior interesse reconhecido por um tribunal superior. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 30 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_491)o_superior_interesse_reconhecido_por_um_tribunal_superior1.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016.

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68

da união estável, legitimando, assim, o reconhecimento de casais formados por

pessoas de mesmo sexo de adotarem conjuntamente.238

Ainda sem aceitar o resultado desfavorável, o Ministério Público interpôs

Recurso Especial perante o Superior Tribunal de Justiça,239 baseando seu pedido no

não reconhecimento legal e constitucional das uniões homossexuais como família e,

consequentemente, inviável “admitir que crianças e adolescentes tenham duas mães

afrontaria o princípio da proteção integral”.240

De forma corajosa e absolutamente inovadora, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou o recurso reafirmando o entendimento já consolidado na Corte: nos casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança. Disse o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão: este julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças. O Presidente da Turma julgadora, Ministro João Otávio de Noronha destacou: Nestes casos, há de se entender que o interesse é sempre do menor, e o interesse dos menores diante da melhoria da situação social é a adoção.

241 [Grifou-

se.]

Isto porque, conforme Maria Berenice Dias:

Negar a possibilidade do reconhecimento da filiação que tem por base a afetividade, quando os pais são do mesmo sexo é uma forma perversa de discriminação que só vem prejudicar quem apenas quer ter alguém para chamar de mãe, alguém para chamar de pai. Se são dois pais ou duas mães, não importa, mais amor irá receber.

242

Posteriormente, em 2011, em função do julgamento da ADPF nº 132 e da

ADI nº 4277, pelo Supremo Tribunal Federal, bem como, no mesmo ano, do Recurso

Especial nº 1.183.378/RS, pelo Superior Tribunal de Justiça, firmando a

jurisprudência pátria a favorável situação da “possibilidade jurídica de formalização

das relações homoafetivas por meio da união estável ou casamento”, restou a

238

DEUS, Enézio de. Decisões judiciais inéditas viabilizam adoções por casais homossexuais no Brasil. Instituto Brasileiro de Direito de Família, (data da publicação). Disponível em: <http://ibdfam.org.br/artigos/231/Decis%C3%B5es+Judiciais+In%C3%A9ditas+Viabilizam+Ado%C3%A7%C3%B5es+por+Casais+Homossexuais+no+Brasil>. Acesso em: 16 de junho de 2016. 239

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 889.852 RS 2006/0209137-4. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. 4ª Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 27 de abril de 2010. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/16839762/recurso-especial-resp-889852-rs-2006-0209137-4/inteiro-teor-16839763> Acesso em: 25 de junho de 2016. 240

DIAS, Maria Berenice. O superior interesse reconhecido por um tribunal superior. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 30 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/m anager/arq/(cod2_491)o_superior_interesse_reconhecido_por_um_tribunal_superior1.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016. 241

Ibidem. 242

Idem. Adoção por homossexuais. Sítio eletrônico Maria Berenice Dias, 01 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_ado%E7%E3o_por_homos sexuais.pdf>. Acesso em: 21 de junho de 2016.

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69

homoparentalidade, como um todo, beneficamente impactada.243 Nesse panorama,

oportuno trazerem-se à baila os resultados encontrados pela pesquisa por

amostragem intitulada de “Homoparentalidade e o papel da jurisprudência brasileira

na construção de um sistema de filiação”, de autoria da Dra. Renata Braga

Klevenhusen, como forma de consolidar todo o explicitado ao decorrer deste estudo.

De um total de 68 casos analisados, verificou-se que 57 demandas judiciais foram julgadas procedentes; 2 foram julgadas procedentes em parte e 9 foram julgadas improcedentes. Avançando já na perspectiva da instrumentalização do pleno exercício do direito ao planejamento familiar, algumas observações decorrem dessa amostra: 1.A afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos; 2. Os resultados das investigações indicam não haver diferenças entre pessoas heterossexuais e homossexuais, relacionadas à habilidade para o cuidado de filhos, à atenção dedicada a eles, ao tempo passado juntos ou à qualidade da relação pais/filhos; 3. A grande maioria das decisões é fundamentada na constatação da estabilidade das uniões homoafetivas; 4. A adoção não persegue os critérios da natureza, pois o vínculo é puramente jurídico e não consanguíneo e portanto totalmente compatível com uniões homoafetivas; 5. O ponto crucial nas demandas não deve ser a opção sexual dos adotantes, mas sim as reais condições psicológicas, afetivas, materiais dos que pretendem a adoção, bem como o princípio do melhor interesse das crianças preconizado pela Convenção de Nova Iorque de 1989, ao princípio da proteção integral previsto em nossa Constituição Federal em seu artigo 227, bem como ao princípio prescrito pelo artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente que determina ser a adoção deferida apenas quando apresentar reais vantagens para as crianças e funda-se em motivos legítimos; 6. Equiparação dos direitos assegurados aos casais heterossexuais, em especial, a licença ao adotante; 7. O reconhecimento da união estável homoafetiva e do casamento civil homossexual possibilitam o exercício de todos os direitos que lhes são consectários; 8. A ausência de lei não impede o exercício do direito fundamental à homoparentalidade, sob pena de desrespeito a valores constitucionais como a isonomia, a liberdade e o afeto; 9. Nem sempre, na definição dos papéis maternos e paternos, há coincidência do sexo biológico com o sexo social, havendo a filiação biológica, socioafetiva e por afinidade; 10. O Poder Judiciário deve atender ao melhor interesse da criança, em decorrência do princípio da proteção integral, conforme art. 1º da Lei 12.010/09 e art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente; 11. Não reconhecer a filiação homoafetiva é o mesmo que alijar a criança na reivindicação de direitos e deveres, em relação àquele que não se encontra registrado no assentamento civil; 12. A parentalidade homossexual é um dado social; 13. A discriminação para a criança resulta das leis brasileiras não considerarem família a entidade homoafetiva e não do fato de ela ter sido adotada/concebida por homossexuais.

243

KLEVENHUSEN, Renata Braga. et. al. Op. cit.

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Na maioria das decisões analisadas, o Ministério Público se manifestou favorável à concretização da homoparentalidade. Nas poucas manifestações contrárias, o MP alegou o seguinte: 1. Há vedação legal (CC, art. 1622) ao deferimento de adoção a duas pessoas, salvo se forem casadas ou viverem em união estável; 2. É reconhecida como entidade familiar a união estável, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família, entre homem e mulher; 3. Nem as normas constitucionais, nem as infraconstitucionais albergam o reconhecimento jurídico da união homossexual; 4. De acordo com a doutrina, a adoção deve imitar a família biológica, inviabilizando a adoção por parelhas do mesmo sexo.

244

Sendo assim, injustificável se faz a não concessão da adoção à pessoa ou

casal homossexual, e não só pelo ângulo moral, mas sim porque esforços

preconceituosos nesse sentido superam referida esfera, afigurando-se

manifestamente inconstitucionais. A violação ao princípio do melhor interesse da

criança e do adolescente que, no tocante à adoção, se apresenta na não

autorização judicial para efetivá-la, quando claramente demonstrados benefícios em

prol do adotando, afeta o direito à convivência familiar, que lhes deve ser

assegurado com absoluta prioridade, nos termos do art. 227, caput, da CRFB/88.

Encerra-se este trabalho com uma apertada abordagem do Recurso

Extraordinário 846.102 (722),245 que além de ser um recente julgado sobre a

temática da adoção homoparental, ainda foi objeto de julgamento pelo órgão de

cúpula nacional que, reconhecendo a família homoafetiva, ratificou o papel de relevo

que vem sendo desempenhado por toda a jurisprudência pátria na constituição das

novas famílias.

O recurso em comento, ao qual foi negado seguimento, fora interposto pelo

órgão ministerial do Paraná contra a Apelação Cível proferida pelo Tribunal de

Justiça do Estado que entendeu pela adoção sem pré-estabelecimentos quanto ao

perfil da criança a ser adotada, diferentemente do decidido em primeiro grau que,

apesar de ter deferido a adoção ao casal homossexual Antonio Luiz Martins dos

Reis e Davi Ian Harrad, limitou o direito à adoção de criança do sexo feminino e com

idade superior a 10 anos de idade. O fundamento utilizado pelo Parquet, mais uma

vez, foi o não enquadramento da união estável homossexual à heterossexual

244

Ibidem. 245

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 846.102 (722). Relatora Ministra Cármen Lúcia. Diário de Justiça, 05 de março de 2015. Disponível em: <http://www.mppe.mp.br/mppe/attachments/article/3890/STF_RE%20846.102_PR_Ado%C3%A7%C3%A3o%20homoafetiva.pdf> Acesso em: 26 de junho de 2016.

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prevista no art. 226, §3º da CRFB/88.246 Destacam-se algumas palavras da Ministra

Relatora do caso, Cármen Lúcia:

Sabido que lugar de crianças e adolescentes não é propriamente o orfanato, menos ainda a rua, a sarjeta, ou os guetos da prostituição infantil e do consumo de entorpecentes e drogas afins. [...] Mas o comunitário ambiente da própria família. Tudo conforme os expressos dizeres dos artigos 227 [...] pertinente às crianças e aos adolescentes. Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo − data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade”.

247

Enfim, até quando deixaremos as formalidades se sobreporem à felicidade

de outras pessoas? Está na hora de deixarmos de ter como ideal a família de filmes,

convencionada pela sociedade, que serve de fundamento para uma legalidade que

só faz propagar o preconceito, e abrir não só a mente, mas o coração para os fatos,

o amor sentido por pessoas do mesmo sexo e seu desejo por uma família.

Simultaneamente, menores, abandonados por casais heterossexuais, têm o mesmo

interesse. Nessa esteira, exaltar o afeto é a providência mais correta e louvável que

vem sendo trabalhada pela jurisprudência nacional.

246

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5 CONCLUSÃO

Inobstante a falta de clareza sobre a origem da família, existem informações

sobre esta entidade a partir da Antiguidade. A família romana era patriarcal,

estruturada sob o pátrio poder, ou seja, toda a autoridade no contexto familiar era do

pater, este o ascendente geral mais longevo. Nesse contexto, posteriormente, os

filhos passaram a ter maior autonomia em função do recebimento de pecúlios

castrenses.

Na idade média, as atividades comerciais culminaram na redução também

da função econômica apresentada pela família, passando-se esta, com a revolução

industrial ocorrida na Idade Moderna, às empresas capitalistas. No mesmo primeiro

período, destaca-se a influência exercida pela Igreja, convencionando-se aí ser o

casamento um sacramento indissolúvel.

No Brasil do século XX, por sua vez, a família permaneceu dependente da

celebração de casamento, patriarcal e hierarquizada. Nesse sentido, destaca-se que

o CC/1916 se apresentava como extremamente preconceituoso, ao entender que só

era legítima a referida configuração familiar, razão pela qual relações

extramatrimoniais e filhos dela derivados se viam destituídos de diversos direitos.

Posteriormente, passando as normas a não mais se coadunarem com a

realidade posta à sua frente, foi promulgada a CRFB/1988, que, ao tutelar a família

sob outros ângulos que não mais a matrimonial, mediante a inserção em seu texto

das famílias monoparentais e da união estável, estendeu o conceito de entidade

familiar, constitucionalizando o Direito de Família. Sem dúvidas, a Carta Magna

inaugurou uma nova ordem jurídica, culminando no fim de diversas distinções

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discriminatórias verificadas até a sua vigência, tais como as relativas à superposição

do homem sobre a mulher, às relações informais e à filiação, as quais foram

seguidas pelo CC/02.

Sob essa nova dimensão familiar, passou a família atual a ter como

elemento formador o afeto, ensejando a denominação “eudemonista”, que tem como

fundamento maior a realização pessoal de seus indivíduos. O direito, por sua vez,

não podendo acompanhar essas transformações de braços cruzados, dado se

alimentar do presente para normatizar as condutas humanas e, consciente de sua

missão, sob pena de se tornar inócuo, reconheceu o afeto como valor a ser levado

em conta para o fim a que se destina, conferindo-lhe, assim, juridicidade.

O movimento nesse caminho da consideração do afeto como valor jurídico

consagra a dignidade da pessoa humana e demonstra a compreensão do direito

acerca da pluralidade de famílias hoje existentes, dentre as quais se apresenta a

família homoafetiva, constituída pelo afeto entre pessoas de mesmo sexo.

No entanto, embora exista uma trajetória jurídica em prol do afeto, grande

parte realizada pela jurisprudência pátria, ainda se verifica a omissão legislativa

quanto a diversos arranjos que não se enquadravam no padrão de normalidade

pregado, especialmente pelo cristianismo, da família matrimonializada e

heterossexual.

Desta forma, mesmo diante da ampliação conceitual de família trazida

constitucionalmente, obviamente, não previu o constituinte, e nem lhe seria possível,

todas as conjunturas familiares, o que vinha servindo como argumento para

preconceituosos de que restaria a família homoafetiva desprotegida

normativamente. Mas, além do entendimento de que se não houve expressa

vedação à constituição desse arranjo familiar, estaria ela consequentemente

abarcada, vez tratar-se o art. 226 da CRFB/88 de norma de inclusão, nos dizeres de

Paulo Luiz Netto Lôbo,248 cediço é que não se limita o direito ao texto positivado.

Destarte, não se pode olvidar das demais fontes do direito. Logo, frente a

uma lacuna legislativa, deve o magistrado utilizar-se da analogia, dos costumes e

dos princípios gerais do direito. Tendo em vista a omissão legislativa quanto à

família homoafetiva, não há que se falar em inexistência de direitos por esta,

primeiramente porque, com fulcro no princípio da dignidade humana, corolário de

248

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 90.

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todo o ordenamento jurídico, bem como no princípio da igualdade e da liberdade,

não pode a orientação sexual de qualquer pessoa ser característica discriminatória.

Outro argumento suscitado para impedir a constituição da família

homoafetiva tem sido o de que só seria possibilitada a união estável entre pessoas

de sexos opostos, em consonância com o expresso teor do §3º, do art. 226, da

CRFB/88. Todavia, aliado aos princípios supramencionados, ressaltou-se que este

não procede, porque também a Constituição veda qualquer discriminação em virtude

do sexo, razão pela qual devem estas uniões homoafetivas, por aplicação analógica,

em igualdade aos heteroafetivos, ter suas famílias reconhecidas por união estável,

casamento, adoção, enfim, sob quaisquer formas.

Inegável é que a inexistência de específica tutela legal às famílias

homoafetivas gera certa insegurança jurídica, mas isso não legitima qualquer

postura estatal no sentido de negar direitos a seus membros, considerando que o

Estado deve não apenas declarar-se como Democrático de Direito, mas também

efetivá-lo, mediante possibilidade de conviverem nele a pluralidade de pessoas e

seus modos de vida.

Diante desse contexto lacunoso, contudo, é que se constatou o papel de

extremo relevo exercido pela jurisprudência pátria, na colocação da homoafetividade

na seara do Direito das Famílias, conforme os julgados colacionados ao longo deste

trabalho. Dentre eles, frisou-se o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no ano

de 2011, das ADPF nº 132 e ADI nº 4277, cujo decisório valeu-se da analogia para

conceder à união estável homoafetiva os mesmos efeitos jurídicos atribuídos à

hetero, bem como do Resp nº 1.183.378/RS, julgado pelo Superior Tribunal de

Justiça, possibilitando o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que

concretiza o direito ao planejamento familiar do qual também são dotados.

O direito ao planejamento familiar é resultante do princípio da liberdade, da

não intervenção ou da mínima intervenção estatal, que prega a autonomia privada

da família na escolha afetiva de com quem se relacionar. Referido direito tem base

constitucional no art. 226, §7º, que dispõe ser ele de livre decisão do casal e

baseado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade

responsável. Para tanto, incumbe ao Estado promover formas de exercê-lo,

proibindo-se, ainda, a ingerência nela por qualquer pessoa de direito público ou

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privado, no sentido de limitá-lo, também em consonância aos arts. 1.513 e 1.565,

§2º, do CC/02.

Especificamente à adoção homoparental, percebe-se que a filiação ainda se

encontra diretamente atrelada ao paradigma heterossexual, motivo pelo qual, apesar

de sempre terem existido os relacionamentos homossexuais, diante da sacralização

da família pela Igreja, destinada à reprodução, estes foram discriminados. Tal

preconceito que não pode continuar sendo perpetuado pela heteronormatividade

vivida até o presente, estabelecedor de uma hierarquia em que a pessoa

homossexual resta excluída de amparo jurídico.

Entretanto, decorrendo o parentesco e a filiação de estruturações sociais,

ligando-se muito mais a uma escolha, descabe enxergar a procriação como algo

necessário para a constituição familiar. Sendo assim é que se conclui haver de fato

um preconceito, a homofobia, que foi expurgada através, principalmente, da

apresentação de diversos autores, seja do ramo do Direito, seja da Psicologia ou

Psicanálise, que atestaram a inexistência de danos ao desenvolvimento dos

menores que possam vir a conviver com homossexuais.

Além de muito ter se falado sobre o direito dos homossexuais ao

planejamento familiar, à efetivação dos princípios constitucionais da dignidade da

pessoa humana, igualdade e liberdade, não se pode olvidar que impedir a

constituição da família homoafetiva através da adoção é, principalmente, acarretar a

manutenção da situação de abandono de milhares de crianças e adolescentes

institucionalizados, quando, na verdade, poderiam estar eles gozando de tratamento

e afeto exclusivos, ao invés de encontrarem-se na impessoalidade de abrigos.

No que toca à adoção, a polêmica surge quando da necessidade,

estabelecida pelo §2º do art. 42, do ECA, para a adoção conjunta, do casamento

civil ou união estável do casal, visando-se à comprovação da estabilidade familiar.

E aí é que nasce o grande problema: muitas vezes, adoções conjuntas por

homossexuais foram indeferidas sob o argumento de impossibilidade de casamento

civil e união estável por pessoas do mesmo sexo, razão pela qual, muitos casais

homoafetivos, valeram-se da escusa da adoção individual para buscar a habilitação

no processo de adoção. Na prática, porém, a realidade era outra, restava o filho

criado por ambos os conviventes, não obstante, legalmente, o fosse de apenas um,

recebendo direitos somente deste.

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Mas, não merece prosperar a alegação de inviabilidade jurídica da adoção

por casal homossexual. A princípio, simplesmente porque ao não requerer o ECA, a

diversidade de sexo para a constituição do par, no mesmo §2º do art. 42,

depreende-se, a contrario sensu, a sua possibilidade. Ademais, rememorando-se a

aplicação analógica do relacionamento homoafetivo que preencha os requisitos da

união estável heteroafetiva, bem como por força dos princípios constitucionais

anteriormente suscitados, impõe-se a admissão da dupla paternidade mediante a

oportunização ao casal homossexual de passar por igual procedimento de adoção,

sob pena de incorrer-se em inconstitucionalidade ao não “promover o bem de todos,

sem preconceitos de [...] sexo” (art. 3º, IV, CRFB/88), indo em confronto a um dos

objetivos fundamentais da República.

Por todo o exposto, enfatizou-se que deve ser, acima de tudo, perquirido o

melhor interesse da criança e do adolescente para o deferimento das adoções

homoparentais, em observância ao art. 43 do ECA. Os menores, ao mesmo tempo

em que são entendidos como sujeitos de direitos, são frágeis, o que justifica o

tratamento prioritário que deve lhes ser assegurado pela família, sociedade e

Estado, para a efetivação dentre outros, do direito à convivência familiar.

Nesse sentido é que se fez proativa a jurisprudência pátria, servindo como

instrumento facilitador da constituição da família homoafetiva sob o prisma da

adoção homoparental, ao trilhar o caminho de concretização de todos os direitos e

princípios abordados no presente estudo, fazendo reinar o afeto no direito das

famílias, sem se ater a preconceitos.

Cotidianamente, muitas são as decepções que sofremos com o Poder

Público, mas uma coisa da qual podemos nos orgulhar é do trabalho que vem sendo

exercido pelo Poder Judiciário, fazendo brilhar uma esperança e enchendo-nos de

felicidade por poder, de alguma forma, colaborar para que seja feita a justiça!

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