adéle cristina braga araújo

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO A ARTE NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E SEUS LIMITES À FORMAÇÃO HUMANA: UM ESTUDO À LUZ DA ONTOLOGIA MARXIANO-LUKACSIANA FORTALEZA CEARÁ 2010

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Page 1: Adéle Cristina Braga Araújo

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO

A ARTE NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E SEUS LIMITES À FORMAÇÃO HUMANA: UM ESTUDO À LUZ DA

ONTOLOGIA MARXIANO-LUKACSIANA

FORTALEZA – CEARÁ 2010

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1

ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO

A ARTE NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E SEUS LIMITES À FORMAÇÃO HUMANA: UM ESTUDO À LUZ DA ONTOLOGIA MARXIANO-LUKACSIANA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia. Orientadora: Profª. Drª. Ruth Maria de Paula Gonçalves.

FORTALEZA – CEARÁ

2010

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A663a Araújo, Adéle Cristina Braga Araújo A arte na educação contemporânea e seus

limites à formação humana: um estudo à luz da ontologia marxiano-lukacsiana / Adéle Cristina Braga Araújo. — Fortaleza, 2010.

57 p. Orientadora: Profª. Drª. Ruth Maria de Paula

Gonçalves. Monografia (Graduação em Pedagogia) –

Universidade Estadual do Ceará, Centro de Educação.

1. Arte. 2. Formação Humana. 3. Ontologia Marxiano. 4. Ontologia Lukacsiana I. Universidade Estadual do Ceará, Centro de Educação.

CDD: 370.77

CDD: 370.77

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ADÉLE CRISTINA BRAGA ARAÚJO

A ARTE NA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA E SEUS LIMITES À FORMAÇÃO HUMANA: UM ESTUDO À LUZ DA ONTOLOGIA MARXIANO-LUKACSIANA

Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia do Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Pedagogia.

Aprovada em: ____/____/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Profª. Drª. Ruth Maria de Paula Gonçalves (Orientadora)

Universidade Estadual do Ceará – UECE

________________________________________________ Profª. Drª. Betânia Moreira de Moraes

Universidade Estadual do Ceará – UECE

________________________________________________ Prof. Dr. José Deribaldo Gomes dos Santos

Universidade Estadual do Ceará – UECE

Page 5: Adéle Cristina Braga Araújo

4

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Rita e Oliveira, e à minha irmã, Ivanise, pelo acompanhamento e

apoio, pela compreensão e amor incondicional.

À professora Ruth, paciente orientadora e organizadora dos meus pensamentos

muitas vezes desarmônicos. Sem dúvida, uma das melhores pessoas que a

Universidade me permitiu conhecer.

Aos amigos do curso de Pedagogia, da turma de 2006.1, especialmente àqueles que

me acompanharam durante os quatro anos de curso, incansavelmente, e, com os

quais espero continuar unida durante todo o meu decurso: Alyne Kelly, Cristiane,

Ivan, Max, Rafaela e Samantha.

Ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO, professores e

colaboradores, por propiciar-nos um referencial que se coloca radicalmente contra a

sociedade capitalista. Em especial à professora Susana, coordenadora do referido

instituto, que durante as aulas, grupos de estudos ou conversas informais nos

possibilitam entender a realidade e o que fica nas entrelinhas dessa sociabilidade

perversa.

Aos queridos amigos bolsistas do Instituto, pela alegria de ter convivido nesses dois

anos em um ambiente tão agradável e propício a discussões, estudos, brincadeiras

e festas. Bons tempos que terei sempre em minha memória: Andreza, Antonio,

Dávillo, Diana, Emanoela (monitora querida), Isadora, Krishna, Nágela, Natasha,

Thayana, Ulisses. Ao bolsista, igualmente querido, Leonardo, que mesmo com a

distância de alguns quilômetros se fez sempre presente nas discussões da

pesquisa, em meio a e-mails, visitas esporádicas e em encontros científicos.

Aos amigos que me permitiram conversar sobre o objeto, pacientes e atenciosos,

por me fazerem dar saltos com leituras indicadas: Andreyson, Natália e Pereira.

Obrigada a todos!

Page 6: Adéle Cristina Braga Araújo

5

RESUMO O presente resumo contempla o trabalho monográfico intitulado A arte na educação contemporânea e seus limites à formação humana: um estudo à luz da ontologia marxiano-lukacsiana, o qual propõe uma análise ao ensino da arte na educação brasileira contemporânea, evidenciando os rebatimentos da crise estrutural do capital. O estudo caracteriza-se como bibliográfico e documental, tendo como base teórica a ontologia marxiano-lukacsiana, além de interpretes dessa teoria nos âmbitos nacional e internacional. Apresentamos, também, os documentos no que tange ao ensino da arte: a LDB nº 9.394/96, especificamente o Art. 26, bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), o documento introdutório (volume um) e o documento que trata da arte (volume seis). Neste ínterim, buscamos examinar no primeiro capítulo o percurso que caracteriza a gênese e a processualidade histórica do ser social, evidenciando como se dá a passagem da esfera inorgânica à esfera biológica e a consolidação da esfera do ser social através da produção de instrumentos na atividade do trabalho, bem como tratamos sobre a humanização dos sentidos, processo fundado pelo trabalho, tendo em sua base a realidade objetiva, orientando as formas de pensar e sentir. Referimos-nos, também, às categorias da consciência e do reflexo sensorial destacando o trabalho como ato-gênese do homem. No segundo capítulo tratamos sobre as questões da arte e da estética marxista, apresentando o Prólogo da obra do esteta húngaro, Georg Lukács, Estetica I- La peculiaridad de lo estético: Cuestiones preliminares y de principio. O terceiro capítulo, consiste em uma breve contextualização das diretrizes do Movimento de Educação para Todos, examinando, outrossim, a filiação dos princípios que norteiam os PCNs como documento oficial em foco, especificamente o volume seis, intitulado: arte. Nele discutimos aspectos como: mercantilização, pragmatismo, economicismo, subjetivismo, flexibilidade do ensino da arte na sociedade contemporânea, aspectos esses que priorizam a acumulação de capital em detrimento da satisfação das necessidades humanas. Isto posto, sabemos da necessidade de lutar contra o sistema de exploração, o qual não permite a livre consciência. É necessário nos contrapomos aos limites impostos à consecução de uma formação humana integral, defendendo a objetivação de atividades educativas revolucionárias tendo como horizonte um novo ser social e uma nova sociabilidade.

Palavras-chave: Arte; Formação Humana; Ontologia Marxiano-Lukacsiana

Page 7: Adéle Cristina Braga Araújo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 07

2 O TRABALHO COMO FUNDAMENTO ONTOLÓGICO DO SER SOCIAL ..... 12

2.1 A GÊNESE E O DESENVOLVIMENTO DO SER SOCIAL ............................... 12

2.2 O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DOS SENTIDOS .................................... 18

2.3 O PAPEL DA CONSCIÊNCIA E A FACULDADE DO REFLEXO NA

APREENSÃO DO REAL ................................................................................... 21

3 A ARTE E A ESTÉTICA MARXISTA ............................................................... 24

3.1 A ARTE MANIFESTADA NA OBRA DE KARL MARX ...................................... 24

3.2 PRIMEIROS APONTAMENTOS SOBRE A ESTÉTICA DE LUKÁCS .............. 30

4 O ENSINO DA ARTE SOB O CRIVO DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA. 38

4.1 REBATIMENTOS DA CRISE DO CAPITAL SOBRE A EDUCAÇÃO ............... 39

4.2 O ENSINO DE ARTE NOS MARCOS DOS PARÂMETROS CURRICULARES

NACIONAIS ...................................................................................................... 42

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 51

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 55

Page 8: Adéle Cristina Braga Araújo

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1 INTRODUÇÃO

No presente trabalho monográfico buscamos analisar o ensino da arte na

educação brasileira contemporânea, evidenciando os rebatimentos da crise

estrutural do capital nesta área da formação humana. Na monografia intitulada ―A

arte na educação contemporânea e seus limites à formação humana: um estudo à

luz da ontologia marxiano-lukacsiana‖ examinamos os paradigmas educacionais

vigentes, especificamente, os documentos oficiais voltados para o ensino da arte

com o propósito de evidenciar os limites que a educação apresenta na forma de

sociabilidade cindida em classes, sob o signo do capital.

Nossa preocupação, com a questão acima referida, justifica-se pela forma

como a arte, expressão singular da objetividade subjetivada é efetivada na educação

escolar, através das diretrizes postas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, cujos

princípios atendem aos ditames dos organismos internacionais em sua pretensa

erradicação do analfabetismo e da pobreza.

Ancoramos nossa crítica fundamentada na ontologia de Marx, recuperada por

Lukács, para discutir o subjetivismo que norteia a concepção de arte, os

rebatimentos da lógica antagônica capital-trabalho, a qual norteia a mercantilização

da educação, por conseguinte da criação artística. Ademais, denunciamos a

fragmentação do ensino, em nome da flexibilização como forma de atender aos

princípios da chamada sociedade do conhecimento. Voltamos, portanto nosso

exame crítico ao ensino de artes, o qual erigido sob uma suposta formação humana

integral, tendo como horizonte último a cidadania, é calcado na negação do

conhecimento universal atendendo, sem medidas ao teoricismo, ao pragmatismo e

ao utilitarismo assentes à lógica de exploração do homem pelo homem.

Nosso interesse pelo tema surge pela proximidade com as artes plásticas, que

se iniciou pelo fato de nos depararmos desde cedo com tintas e pincéis, em meio a

brincadeiras de criança no contexto familiar. Esta aproximação foi se tornando cada

vez mais forte na nossa formação, pois ao acompanhar a elaboração dos trabalhos

artísticos de minha irmã, surgia a vontade de compreendermos o processo tão rico

na constituição do humano. Visitas às exposições de arte e outros meios de

pesquisa passam, posteriormente, a integrar nossas atividades, junto aquelas

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desenvolvidas como estudante do ensino médio. Com o ingresso no curso de

Pedagogia, buscamos realizar os primeiros ensaios de compreensão de como se dá

o ensino da arte na educação.

Para tanto, começamos a freqüentar o grupo de estudos Arte, cultura e

educação, promovido pela Rede Arte na Escola – pólo UECE. Entre os participantes

do grupo estavam presentes alunos da graduação, bem como professores de arte do

ensino fundamental, estes últimos, em sua maioria, apresentavam certas

inquietações com relação à desvalorização da profissão, que muitas vezes se

sentiam como: decoradores, animadores ou fomentadores da livre expressão. Além

dos questionamentos que tínhamos com relação a como deveria ser constituído o

ensino da arte, buscávamos compreender o que visava esse ensino e como se dava

a formação de arte para o ensino fundamental.

Até então não estabelecíamos a relação entre trabalho e arte na formação do

ser social, a compreensão onto-histórica da criação artística estava distante de nós,

pois situávamos nossas indagações no ―como‖ em detrimento do ―o que‖, pois não

compreendíamos o estatuto ontológico do trabalho na humanização dos sentidos,

portanto, na formação no campo da arte. Não compreendíamos até então, que a

objetividade norteia a subjetividade também no fazer artístico, havendo entre sujeito

e objeto uma unidade, nunca identidade.

Ao ingressarmos no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário

(IMO), como bolsista de Iniciação Científica (IC), passamos a ter outro entendimento

sobre o que de fato constitui a formação humana integral. Nestes dois anos na

pesquisa, intitulada Atividade e formação do ser social: quando os trabalhadores são

alunos, orientada pela professora Dra. Ruth Maria de Paula Gonçalves, analisamos

os sentidos da relação trabalho e educação na formação do trabalhador-aluno da

escola pública enquanto ser social. De modo mais específico buscamos, à luz da

teoria de Leontiev, tendo como base a ontologia marxiana, compreender o percurso

de individuação destes jovens diante da fusão trabalho e educação, tomando as

ações educativas desenvolvidas no Programa Nacional de Inclusão de Jovens

(PROJOVEM), como lócus de nossos estudos. Além disso, nossa pesquisa integra-

se à pesquisa Movimento de Educação para Todos e a Crítica Marxista, coordenada

pela Professora Pós - Dra. Susana Vasconcelos Jimenez.

Page 10: Adéle Cristina Braga Araújo

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Consideramos a relevante contribuição dos estudos e das discussões

advindas da pesquisa para o desenvolvimento desse trabalho monográfico, bem

como a participação nos espaços de formação desenvolvidos no IMO: grupos de

estudos, entre os quais destacamos: Introdução ao Marxismo, coordenado pelos

professores Susana Jimenez e Fred Costa, Psicologia Histórico Cultural e Educação,

coordenado pelas professoras Ruth de Paula e Betânia Moraes, Trabalho e

Cotidiano na Estética de Lukács, coordenado pelo professor Deribaldo Santos;

qualificações e defesas de monografias, dissertações e teses; palestras; reuniões;

participação em encontros científicos, etc.

Nossa pesquisa tem caráter bibliográfico e documental, uma vez que,

fundamentamos todo o estudo desse trabalho na ontologia marxiano-lukácsiana,

destacando elaborações de Leontiev (1978; 2004) sobre o psiquismo humano,

especialmente na formação histórica da consciência e no antagonismo entre sentido

e significado. Nas contribuições de Lessa (1996; 1997; 2005) e Moraes (2002; 2007)

amparados em Lukács trazemos a discussão sobre as bases ontológicas do ser

social. Sobre as questões estéticas nos apoiamos em Marx (1985; 2004); Marx e

Engels (2007); Lukács (1965a; 1965b; 1966; 1970; 1978; 1979; 2000); Vázquez

(1968) e Tertulian (2008) no âmbito internacional e, em Konder (1967; 1999) e

Frederico (2005) no âmbito nacional.

Para contextualizar a crise do capital e seus desdobramentos sobre a

educação mercadológica e aos paradigmas educacionais vigentes utilizamos os

estudos de Mészáros (2006); Jimenez, Rabelo, Mendes Segundo (2009a; 2009b);

Duarte (2003) e Freres (2008). No que se refere à formação humana e emancipação

recorremos à Tonet (2007) e sobre a mercantilização dos sentidos e significados, em

ampla ascensão na sociabilidade do capital, nos apoiamos em Gonçalves (2009).

Quanto à natureza documental do estudo, utilizamos documentos como a LDB nº

9.394/96, especificamente o Art. 26, no que tange o ensino da arte, além dos

Parâmetros Curriculares Nacionais, o documento introdutório (volume um) e o

documento que trata particularmente da arte (volume seis).

Isto posto, passamos a indagar quais seriam os questionamentos indicados

para efeito deste trabalho, tendo como horizonte desmistificar a educação, e,

conseqüentemente, o ensino da arte na educação vigente como redentores dos

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problemas sociais. Tais questionamentos foram feitos partindo da gênese do ser

social, perpassando pelo desenvolvimento do mesmo, até chegar aos ditames

vigentes, quais sejam: Qual é a origem e como se dá o desenvolvimento do ser

social? Em que consiste a humanização dos sentidos? Qual é o papel da

consciência e do reflexo na apreensão do real? O que podemos chamar de estética

marxista? Quais são os rebatimentos da crise do capital sobre a educação? O que

os Parâmetros Curriculares Nacionais proferem sobre o ensino da arte? Procuramos

responder as indagações no desenvolvimento deste trabalho organizando nossas

elaborações em três capítulos.

O primeiro capítulo intitula-se O trabalho como fundamento ontológico do ser

social e tem o propósito de trazer elementos que denotam o percurso que

caracteriza a gênese e a processualidade histórica do ser social, evidenciando como

se dá a passagem da esfera inorgânica à esfera biológica e a consolidação da esfera

do ser social através da produção de instrumentos na atividade do trabalho. No

primeiro ponto, apresentamos o processo de aprimoramento do ser social pelo

trabalho como fundamento ontológico - atividade coletiva que permitiu ao homem o

desenvolver novas habilidades e novas possibilidades. No segundo ponto, tratamos

da humanização dos sentidos, processo fundado pelo trabalho, tendo em sua base a

realidade objetiva, orientando as formas de pensar e sentir. Por fim, nos referimos

às categorias da consciência e do reflexo sensorial destacando o trabalho como ato-

gênese do homem.

O capítulo segundo intitulado A arte e a estética marxista, trata, de forma

breve, do embasamento teórico da obra marxiana sobre a arte e a literatura. Para

tanto, realizamos um ensaio de compreensão dos escritos do próprio Marx, como os

Manuscritos Econômico-Filosóficos e A Ideologia Alemã, assinada juntamente com

Engels, além do quê os estudos de Lukács, como, por exemplo, o Prólogo da obra

Estetica I- La peculiaridad de lo estético: Cuestiones preliminares y de principio, que

traz uma leitura sobre a estética marxista.

No terceiro capítulo, denominado O ensino da arte sob o crivo da educação

contemporânea, fazemos uma breve contextualização das diretrizes do Movimento

de Educação para Todos, tomando por base a Conferência Mundial ocorrida em

Jomtien (1990), destacando o emblemático lema do aprender a aprender, presente

Page 12: Adéle Cristina Braga Araújo

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em tais diretrizes, examinaremos, outrossim, a filiação dos princípios que norteiam

os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs como documento oficial em foco,

especificamente o volume seis, intitulado: arte. Nele discutimos aspectos como:

mercantilização, pragmatismo, economicismo, subjetivismo, flexibilidade do ensino

da arte na sociedade contemporânea, aspectos esses que priorizam a acumulação

de capital em detrimento da satisfação das necessidades humanas.

Consideramos que o conhecimento universal, constituído historicamente na

sua forma mais evoluída pelo gênero humano deveria ser socializado a todos. No

entanto, no contexto da sociedade capitalista o desenvolvimento humano encontra-

se subordinado pelas forças econômicas, as quais priorizam a acumulação do capital

em detrimento da aquisição do conhecimento histórico cultural produzido pela

humanidade. Nesse sentido, avaliamos o ensino da arte, nos ditames vigentes, como

inadequado a uma formação que contemple o conhecimento universal, considerando

que a formação artística como é proposta na contemporaneidade é adepta à

mercantilização do ensino, à degeneração do gênero humano e à fragmentação da

subjetividade.

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2 O TRABALHO COMO FUNDAMENTO ONTOLÓGICO DO SER SOCIAL

[...] Antes de a primeira lasca de sílex ter sido transformada em machado pela mão do homem, deve ter sido transcorrido um período de tempo tão largo que, em comparação com ele, o período histórico por nós conhecido torna-se insignificante. Mas já havia sido dado o passo decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais destreza e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por herança e aumentava de geração em geração (ENGELS, 2004, p.16).

Neste capítulo buscamos trazer o percurso que caracteriza a gênese e a

processualidade histórica do ser social, evidenciando como se dá a passagem da

esfera inorgânica à esfera biológica e a consolidação da esfera do ser social através

da produção de instrumentos na atividade do trabalho.

Fundamentados na ontologia marxiano-lukácsiana, nos estudos de Leontiev,

bem como nas elaborações de Lessa e Moraes, destacamos, no primeiro ponto, o

processo de aprimoramento do ser social pelo trabalho como atividade coletiva a

qual permitiu ao homem o desenvolvimento de novas habilidades e novas

possibilidades. No segundo ponto, tratamos da humanização dos sentidos, processo

fundado pelo trabalho, tendo em sua base a realidade objetiva, orientando as formas

de pensar e sentir. Por fim, nos referimos às categorias da consciência e do reflexo

sensorial destacando o trabalho como ato-gênese do homem, as quais recorreremos

novamente, quando da elaboração do segundo capitulo desta monografia.

A análise aqui apresentada, parte do entendimento de que, nos marcos da

sociedade capitalista, o homem sofre continuamente com a negação da faculdade

do sentir, enfrentando diuturnamente impedimentos objetivos à consecução de uma

vida plena de sentido.

2.1 A gênese e o desenvolvimento do ser social

O mundo dos homens é marcado por uma série de complexidades

desenvolvidas durante o decurso da história. Por meio do trabalho, e paralelamente

a ele, originam-se os demais complexos: linguagem, arte, educação, por exemplo,

ligados à organização da vida. De acordo com Lukács (1978), podemos constatar

um salto entre uma forma mais simples e o início de uma forma mais complexa, pois

é através desse salto que se aprimora uma nova forma de ser. No entanto, essas

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formas estão densamente ligadas. Apoiamo-nos em Lessa (1996, p. 17) ao afirmar

que

[...] Apesar de distintas, as três esferas ontológicas estão indissoluvelmente articuladas: sem a esfera inorgânica não há vida, e sem a vida não há ser social. Isso ocorre porque há uma processualidade evolutiva que articula as três esferas entre si: do inorgânico surgiu a vida e, desta, o ser social.

No que se refere às esferas ontológicas, Lukács (apud Lessa, 1996, p. 16)

anuncia a existência de três representações singulares que caracterizam a

processualidade histórica do homem, quais sejam: ―[...] a inorgânica, cuja essência é

o incessante tornar-se outro mineral; a esfera biológica, cuja essência é o repor o

mesmo da reprodução da vida; e o ser social, que se particulariza pela incessante

produção do novo, [...]‖. Embora cada esfera se apresente distinta no plano

ontológico, elas são ineliminavelmente articuladas, uma vez que a última esfera – a

do ser social – demanda uma contínua troca com o natural. O que não quer dizer

que haja uma dependência subjugada às leis biológicas. Sobre esse aspecto,

Moraes (2002, p. 42) elucida que

[...] enquanto a essência da reprodução da vida se limita à reposição do mesmo, no mundo dos homens sua continuidade não está atrelada somente à esfera biológica, embora esta seja sua base ineliminável. É através da transformação do mundo que o cerca de maneira conscientemente orientada que o ser social rompe o mutismo dos processos naturais e se constitui num gênero articulado, que se desdobra em ente social.

Deste modo, o homem é um ser social na medida em que tudo de humano

nele existente resulta da vida em sociedade, ou seja, do contexto cultural que vem

sendo criado pelos homens em sua prática. A passagem da esfera orgânica à

condição humana constitui um longo processo, estimulado basicamente pela

fabricação de instrumentos engendrada pelo trabalho e através da vida em

sociedade.

Para Engels (2004), o trabalho criou o homem e toda riqueza humana que

decorre dele. Um marco importante no processo de evolução física e intelectual do

homem, desde a sua origem animal até o estágio de desenvolvimento atual, foi a

necessidade de uso das mãos por um grupo de macacos antropomorfos

excepcionalmente desenvolvidos. Inicialmente, utilizavam as mãos para se pendurar

em árvores; gradativamente, foram deixando de utilizar as mãos para caminhar no

chão e começaram a se tornar cada vez mais eretos, estabelecendo uma divisão

Page 15: Adéle Cristina Braga Araújo

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das atividades para as quais utilizavam especificamente os pés e as mãos, mas para

esses a posição de se erguer não vai além de uma mera circunstância.

A mão do homem, no que concerne às suas funções, foi aprimorada durante

milhares de anos, possibilitando ao homem adquirir novas habilidades a partir de

novas necessidades e possibilidades proporcionadas pelo trabalho. A mão, além da

função de órgão humano, teve e continua tendo o papel de produto do trabalho,

através do qual se dá o aprimoramento das diversas atividades do homem durante

todo o andamento da história humana, possibilitando, segundo Engels (2004)

admiráveis criações no campo das artes plásticas, como as pinturas de Rafael1 e as

esculturas de Thorwaldsen2 ou pelas mãos de Nicollò Paganini3, cujas produções

servem de inspiração a proeminentes violinistas. Desse modo, reafirmamos nossa

posição citando Engels (2004):

[...] a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a novas e novas funções, pela transmissão hereditária do aperfeiçoamento especial assim adquirido pelos músculos e ligamentos e, num período mais amplo, [...] foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que pôde dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, às estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini (2004, p. 16).

Leontiev (1978) evidencia que o decurso da hominização ocorreu entre o

Período Terciário e Quaternário, quando se deu o aparecimento dos primeiros

Australopitecos, os quais possuíam meios extremamente rudimentares para se

comunicar e adaptar utensílios. Em seguida, passando a outro estágio definido pelo

psicólogo soviético como ―o da passagem ao homem‖, houve mudanças em todas

as capacidades, potencialidades e habilidades adquiridas ao longo de sua evolução.

Para Marx e Engels (2007) os homens

1 Rafael Sanzio (1483 - 1520), mestre da pintura e da arquitetura da escola de Florença durante o

Renascimento italiano, celebrado pela perfeição e suavidade de suas obras. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rafael_Sanzio> Acesso em: 08 jun. 2009.

2 (Albert) Bertel Thorvaldsen (1770 - 1844) foi um escultor dinamarquês, excelente representante da

escultura do período neoclássico. A inspiração para seus trabalhos (relevos, estátuas e bustos) vinha, na maior parte das vezes, da mitologia grega. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Bertel_Thorvaldsen> Acesso em: 08 jun. 2009.

3 Niccolò Paganini (1782 – 1840) foi um compositor e violinista italiano que revolucionou a arte de

tocar violino e deixou sua marca como um dos pilares da moderna técnica deste instrumento musical. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Niccol%C3%B2_Paganini> Acesso em: 08 jun. 2009.

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[...] começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material (2007, p. 77, grifos dos autores).

Como vimos analisando, o desenvolvimento do trabalho foi a primeira

condição para a humanização do homem, ocasionando posteriormente a

modificação do cérebro e dos outros órgãos dos sentidos. Paralelamente ao trabalho

e decorrente dele, há também o desenvolvimento da linguagem, a qual se

caracteriza pela intervenção dos signos, bem como pelo uso dos instrumentos4.

Para Vigotski (1998), a partir do momento em que o homem vive em

sociedade, ele tem a necessidade de criar mediações próprias de seu movimento

histórico e social. No processo de humanização, o uso do signo serve como um

meio auxiliar para solucionar um dado problema psicológico, assim como a utilização

do instrumento age de modo análogo com relação ao trabalho. Sobre a

diferenciação entre signo e instrumento, Vigotski assinala que

A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo; o signo é orientado internamente (1998, p. 72, grifos do autor).

As formas superiores de comportamento humano foram estabelecidas a partir

das formas elementares e, devido ao desenvolvimento histórico da humanidade,

fundado na atividade do trabalho e nas formas de relações entre os homens,

acabam por expandir as possibilidades humanas. Com efeito, a cultura humana

determina novos níveis de desenvolvimento humano, bem como a inserção de

instrumentos e signos modifica, de modo ampliado, a composição do trabalho e do

comportamento, respectivamente.

Vigotski (1998, p.53) esclarece que as ―[...] funções elementares têm como

característica fundamental o fato de serem total e diretamente determinadas pela

4 Para ter um embasamento melhor acerca dos conceitos de instrumento e símbolo e de suas

características, relacionando a analogia, as diferenças e o elo psicológico real entre esses, ler: VIGOSTSKI, L.S. Internalização das Funções Psicológicas Superiores. In: VIGOSTSKI, L.S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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estimulação ambiental.‖ Já no que se referem às funções superiores, essas se

caracterizam ―[...] pela estimulação autogerada, isto é, a criação e o uso de

estímulos artificiais que se tornam a causa imediata do comportamento‖.

O trabalho foi se constituindo como elemento articulador e fundamental no

processo de produção e uso de novos instrumentos e signos, proporcionando novas

capacidades humanas e um desenvolvimento superior, bem como uma maior

distinção ontológica entre o ser social e o mundo da natureza. Nesse sentido,

conforme Lukács (1978, p. 5-6),

Com o trabalho, portanto, dá-se ao mesmo tempo - ontologicamente - a possibilidade do seu desenvolvimento superior, do desenvolvimento dos homens que trabalham. Já por esse motivo, mas antes de mais nada porque se altera a adaptação passiva, meramente reativa, do processo de reprodução ao mundo circundante, porque esse mundo circundante é transformado de maneira consciente e ativa, o trabalho torna-se não simplesmente um fato no qual se expressa a nova peculiaridade do ser social, mas, ao contrário - precisamente no plano ontológico -, converte-se no modelo da nova forma do ser em seu conjunto.

Prossigamos, então, com a análise do trajeto histórico do desenvolvimento

psíquico do homem. De acordo com Leontiev (1978), a construção do psiquismo

ocorre pela interação dos indivíduos com o meio sob a ação mediadora dos

instrumentos. É por meio do desenvolvimento do trabalho social que o homem se

desenvolve e concretiza seu processo de humanização. Com efeito, o homem se

torna humano ao mesmo tempo em que se socializa em um processo interativo com

sua realidade social, histórica e cultural.

Parafraseando Leontiev (1978, p. 282-283), é por meio do trabalho que o

homem modifica a natureza de acordo com suas necessidades e, a partir daí,

desenvolve habilidades, aprofunda conhecimentos e alcança ―propriedades e

faculdades verdadeiramente humanas‖. Pelo processo de humanização, o indivíduo

[...] apropria-se das riquezas deste mundo participando no trabalho, na produção e nas diversas formas de actividade social e desenvolvendo assim as aptidões especificamente humanas que se cristalizaram, encarnaram nesse mundo (LEONTIEV, 1978, p.266).

Podemos considerar que o psiquismo humano está intimamente ligado à

cultura, uma vez que ele se estrutura a partir da atividade social e histórica dos

indivíduos; pela apropriação da cultura humana material e simbólica, produzida e

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acumulada de maneira objetiva ao longo da história da humanidade, conferindo ao

indivíduo a possibilidade de tornar-se membro do gênero humano.

Todavia, a maioria das pessoas só tem acesso à apropriação das aquisições

produzidas pela humanidade dentro de limites inferiores, fato decorrente do modo de

produção da vida material próprio de sociedade cindida em classes, na qual uma

minoria tem acesso à riqueza cultural historicamente acumulada pela humanidade,

enquanto a maioria sobrevive à margem desta. Corroboramos com Leontiev ao

asseverar que

A concentração das riquezas materiais nas mãos de uma classe dominante é acompanhada de uma concentração da cultura intelectual nas mesmas mãos. Se bem que as suas criações pareçam existir para todos, só uma ínfima minoria tem o vagar e as possibilidades materiais de receber a formação requerida, de enriquecer sistematicamente os seus conhecimentos e de se entregar à arte; durante este tempo, os homens que constituem a massa da população, [...] têm de contentar-se com o mínimo de desenvolvimento cultural necessário à produção de riquezas materiais nos limites das funções que lhes são destinadas (LEONTIEV, 1978, p.275-276).

Reconhecemos a partir do trecho ilustrativo aqui destacado, que em um

sistema de exploração, assim como é a sociabilidade regida pelo processo de

produção capitalista, as formas de organização do trabalho e da produção são

negadas ao trabalhador, uma vez elas priorizam a acumulação de lucro em

detrimento da satisfação das necessidades humanas. Logo, entendemos que, para o

indivíduo estabelecer consigo aquilo que é próprio da humanidade, se faz

necessário a máxima assimilação do que o homem constituiu, a fim de tornar para si

o próprio conhecimento. Desse modo, nenhum indivíduo é incapaz de apreender a

riqueza material e simbólica produzida pela humanidade. Como assevera Leontiev

(1978, p. 283),

O verdadeiro problema não está, portanto, na aptidão ou inaptidão das pessoas para se tornarem senhores das aquisições da cultura humana, fazer delas aquisições da sua personalidade e dar-lhe a sua contribuição. O fundo do problema é que cada homem, cada povo tenha a possibilidade prática de tomar o caminho de um desenvolvimento que nada entrave.

Assim, cada sujeito se constitui como ser singular pela apropriação da cultura

e da experiência histórica da humanidade nas relações educativas que o sujeito

estabelece com o coletivo. Observa-se, no entanto, que há uma contradição fundada

na exploração de uma classe sobre outra, a qual fragmenta a articulação entre

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individualidade e universalidade, subjetividade-objetividade. O desenvolvimento

humano, no que diz respeito a seu caráter social, varia de acordo com a classe, o

que provoca um grande abismo entre a vida material e a intelectual, devido à

exploração do homem pelo homem, fazendo com que poucos tenham acesso às

objetivações do gênero humano.

2.2 O processo de humanização dos sentidos

Compreendemos que é através do trabalho que o processo de humanização

e aperfeiçoamento dos sentidos se desenvolvem e são estabelecidos. Para Lukács

(1979, p. 87), ―[...] o trabalho é antes de mais nada, em termos genéticos, o ponto de

partida da humanização do homem, do refinamento das suas faculdades, processo

do qual não se deve esquecer o domínio sobre si mesmo‖.

Com efeito, Leontiev (1978, p.262) assevera que, o estágio ―da passagem ao

homem‖ vai permitir uma série de grandes passos, elementos novos surgem, o ser

social passa a produzir-se pelo desenvolvimento do trabalho, altera-se a composição

anatômica do mesmo, ―[...] do seu cérebro, dos seus órgãos dos sentidos, da sua

mão e dos órgãos da linguagem; em resumo, o seu desenvolvimento biológico

tornava-se dependente do desenvolvimento da produção‖. E ainda complementa,

sobre o processo de trabalho, assinalando que:

Assim se desenvolvia o homem, tornando sujeito do processo social de trabalho, sob a acção de duas espécies de leis: em primeiro lugar, as leis biológicas, em virtudes das quais os seus órgãos se adaptaram às condições e às necessidades da produção; em segundo lugar, às leis sócio-históricas que regiam o desenvolvimento da própria produção e os fenômenos que ela engendra (LEONTIEV, 1978, p. 263).

O domínio do homem sobre o instrumento, através do trabalho, se deu

progressivamente, desde o primeiro instrumento criado, extraído de seu estado

natural e tendo uma finalidade rude e simples até chegar a formas cada vez mais

complexas. Sobre a relação entre mão humana e instrumento, Vázquez (1968)

afirma que o instrumento é um prolongamento da mão e isso colaborou para que

esta se apresentasse mais afável, maleável, ―mais humana‖ com o decurso da

história do homem. Nesse sentido o autor afirma que

O primeiro instrumento fabricado pelo homem não era senão um tôsco pedaço de sílex, violentamente arrancado de seu estado natural; justamente pelo seu caráter tôsco, podia se adaptar a muitas finalidades, [...] Desde o

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19

primeiro e tôsco instrumento, até o buril que exigia maior esfôrço ao ser construído e mais destreza e reflexão ao ser utilizado, foram necessárias centenas de milhares de anos. [...] Quando o homem dispõe já de um instrumento tão fino, tão humanizado quanto o buril, capaz de obedecer aos movimentos mais delicados e precisos da mão, já está em condições de traçar as prodigiosas figuras de animais selvagens das cavernas de Altamira ou de construir plàsticamente estatuetas como a Vênus aurignaciana de Lespugue (VÁZQUEZ, 1968, p. 74).

5

Marx (2004, p.109) já assinalara que é pelo resultado da progressão humana

que tanto os sentidos, quanto os objetos criados se tornam apropriados ao homem,

tornando-se, assim, formas sociais. É o que constatamos na passagem: ―[...] O olho

se tornou olho humano, da mesma forma como o seu objeto se tornou um objeto

social, humano, proveniente do homem para o homem.‖ Nesse sentido, Vázquez

aponta que

[...] a humanização dos sentidos é correlativa da humanização do objeto. Os sentidos humanos se afirmam como tais mediante sua relação com os objetos humanos ou humanizados correspondentes. [...] Há uma correlação entre o caráter humano do sentido e o sentido humano do objeto (VÁZQUEZ, 1968, p. 84).

Tanto o processo de formação dos sentidos, quanto à criação dos objetos se

dão de maneira contígua, ambos são produtos do desenvolvimento histórico-social

do homem. Os sentidos humanos tiveram que humanizar-se. Nas palavras de

Vázquez (1968, p. 83) ―[...] os sentidos deixam de ser meramente naturais,

biológicos, para se tornarem humanos.‖. Por outro lado, o homem, modificando a

5 Altamira é o nome de uma caverna situada a 30 km da cidade de Santander, na Cantábria

(Espanha), na qual se conserva um dos conjuntos pictóricos mais importantes da Pré-História, pertence ao período Paleolítico Superior, e seu estilo artístico constitui a denominada "escola franco-cantábrica", caracterizada pelo realismo das figuras representadas. As pinturas de Altamira, descobertas em 1879, foram o primeiro conjunto pictórico pré-histórico de grande extensão descoberto. O realismo de suas cenas provocou, em um primeiro momento, um debate em torno de sua autenticidade, até ser aceita como uma obra artística realizada por homens do Paleolítico. O seu reconhecimento supõe um longo processo no qual também se foram definindo e avançando os estudos sobre a pré-história. A caverna de Altamira é relativamente pequena, com 270 metros de longitude, e apresenta uma estrutura simples formada por uma galeria com escassas ramificações. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Caverna_de_Altamira> Acesso em: 05.set.2010.

As estatuetas de Vênus são uma série de estatuetas pré-históricas (do Período Aurignaciano do Paleolítico Superior) de mulheres, que compartilham certas características (muitas delas são de mulheres obesas ou grávidas). A Vênus de Lespugue é uma estatueta de marfim e é considerada uma das célebres Vênus paleolíticas. A forma geral corresponde a um losango com o ventre, as nádegas e os seios descomedidamente desenvolvidos (esteatopigia), uma cabeça pequena e desbotada, e uns pés apenas esboçados e pontiagudos. A cabeça ovóide sem detalhes, sobretudo, no rosto. Os seios e as nádegas formam uma espécie de esfera ou círculo central. A Vênus de Lespugue expõe-se no Museu do Homem de Paris. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vênus_de_Lespugue> Acesso em: 05. Set. 2010.

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natureza exterior, através do trabalho, deixa-a mais humana. Portanto, para esse

autor

[...] É precisamente pelo trabalho que lhe permitiu elevar-se sobre a natureza objetiva ao criar um mundo de objetos humanizados, e, ao mesmo tempo, colocar-se acima de sua própria natureza subjetiva, acima do que tem de ser natural, e assim criar para si uma subjetividade humana (VÁZQUEZ, 1968, p.83).

Destarte, é pelo processo de humanização dos sentidos e dos objetos

constituídos pela atividade e pela reciprocidade entre esses que há a possibilidade

de enriquecimento do gênero humano. Todavia, isso só é provável na medida em

que o homem desenvolve a capacidade necessária à percepção do objeto, no

campo objetivo e subjetivo. Isso quer dizer que, segundo Marx (2004, p. 110)

[...] (é) apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém cultivados, em parte recém engendrados. Pois não só os cinco sentidos, mas também os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa palavra o sentido humano, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente pela existência do seu objeto, pela natureza humanizada. A formação dos sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui.

Por mais que os sentidos humanos tenham sido aperfeiçoados, com o

decurso da história humana, sabemos que na sociabilidade cindida em classes, na

qual o homem é cada vez mais explorado, o sentido humano torna-se se para ele

apático, fadado à negação da faculdade do sentir. Nas palavras de Marx (2004,

p.110) ―O homem carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o

mais belo espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas

não a beleza e a natureza peculiar do mineral [...]‖.

Nos ditames da sociedade capitalista, a sensibilidade estética tende a

esquivar-se perante os homens, face o imperativo das necessidades imediatas

impostas por esse sistema de exploração. A trama de relações que constitui o modo

de ser da sociabilidade do capital impede que a maioria dos homens tenha a

sensibilidade contemplativa proposta pelo mais belo espetáculo, bem como o

sentido do mineral para o comerciante é tido simplesmente pelo seu valor mercantil,

impossibilitando que o homem o perceba na sua totalidade.

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2.3 O papel da consciência e a faculdade do reflexo na apreensão do real

De acordo com Marx e Engels (2007, p. 33) ―[...] o primeiro ato histórico é,

pois, a produção dos meios para satisfação dessas necessidades‖. Deste modo, ao

produzir carecimentos, atendendo necessidades e abrindo novas possibilidades e

novas necessidades, o ato do trabalho tem seu resultado provável antecipadamente

elaborado na consciência, o que Lukács chama de prévia-ideação. Segundo Lessa e

Tonet (2008), a prévia-ideação é uma antecipação na consciência do resultado

provável de cada alternativa que possibilita as pessoas escolherem aquela que

avaliam como a melhor, sendo esta levada a prática. Leontiev (2004, p. 86) ao tratar

da relação entre sujeito e objeto no ato do trabalho reconhece que:

[...] está presente ao sujeito a ligação que existe entre o objeto de uma ação (o seu fim) e o gerador da atividade (o seu motivo). Ela surge-lhe na sua forma imediatamente sensível, sob a forma de atividade de trabalho da coletividade humana. Esta atividade, reflete-se agora na cabeça do homem não já em fusão subjetiva com o objeto, mas como relação prático-objetiva do sujeito para o objeto.

Portanto, através da atividade complexa submetida à transformação do

natural e às relações sociais é que se dá a base do reflexo da realidade – a própria

consciência do homem. Partindo dessa premissa, Leontiev (2004, p.85) esclarece

que ―[...] o sujeito que age tem a possibilidade de refletir psiquicamente a relação

que existe entre o motivo objetivo da relação e o seu objeto‖.

O início de uma etapa superior ocorrida no desenvolvimento do psiquismo,

segundo Leontiev (2004, p. 75) é a ―passagem à consciência‖, que vai diferenciar

como a imagem da realidade não se confunde com o vivido do sujeito, através do

reflexo. Queremos assinalar mais uma vez, que essa elevação do psiquismo se

deve ao trabalho, pois o advento e desenvolvimento desse foi ―[...] condição primeira

e fundamental da existência do homem. Precisamente a partir do trabalho como

protoforma da atividade humana, ocorre [...] a transformação e hominização do

cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos órgãos do sentido‖.

Através de tais transformações ocorridas no andamento da história da

humanidade, pelo processo de objetivação, foi permitido ao homem obter a

consciência das propriedades do objeto, bem como por meio do manuseamento do

instrumento, o homem tem a consciência do fim do seu trabalho. Outro aspecto

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importante que deve ser levado em conta é que a partir do momento que o

instrumento foi constituído pela ação humana, esse passa a ser um objeto social,

que, através do trabalho, terá uma função dentro da sociedade.

O trabalho, como vimos assinalando, é a relação entre o homem e natureza,

na qual o homem transforma a natureza e a si próprio mediado pela consciência.

Através do ato de trabalho o homem torna-se capaz de elaborar respostas àquilo

que necessita para o seu desenvolvimento social.

[...] Com efeito, é inegável que toda atividade laborativa surge como solução de resposta ao carecimento que a provoca. Todavia, o núcleo da questão se perderia caso se tomasse aqui como pressuposto uma relação imediata. Ao contrário, o homem torna-se um ser que dá respostas precisamente na medida em que – paralelamente ao desenvolvimento social e em proporção crescente – ele generaliza, transformando em perguntas seus próprios carecimentos e suas possibilidades de satisfazê-los; e quando, em sua resposta ao carecimento que a provoca, funda e enriquece a própria atividade com tais mediações, freqüentemente bastante articuladas. De modo que não apenas a resposta, mas também a pergunta é um produto imediato da consciência que guia a atividade; todavia, isso não anula o fato de que o ato de responder é o elemento ontologicamente primário nesse complexo dinâmico (LUKÁCS; 1978, p. 5).

Entretanto, o trabalho como é posto na sociedade capitalista se dá de

maneira alienada, já que o trabalho é exterior ao homem, não o pertence, concerne

ao outro. Leontiev (2004, p. 128), em suas elaborações sobre as transformações da

consciência, assinala que:

A primeira transformação da consciência, engendrada pelo desenvolvimento da divisão do trabalho, constituiu, portanto, no isolamento da atividade intelectual teórica. [...] A segunda transformação da consciência, a mais importante, é, como vimos, a mudança de estrutura interna. Ela revela-se de maneira evidente nas condições da sociedade de classes desenvolvidas. A grande massa dos produtores separou-se dos meios de produção e as relações entre os homens transformaram-se cada vez mais em puras relações entre as coisas que se separam (―se alienam‖) do próprio homem.

A sociedade de classes impede o acesso de todos ao trabalho intelectual,

sendo este considerado como atividade exclusivamente voltada para a produção do

conhecimento. No entanto, é inaceitável o desenvolvimento do trabalho material

dissociado do trabalho intelectual para a formação do homem em sua totalidade, na

perspectiva de uma sociedade autenticamente humana. Nesse sentido, conforme

Leontiev (2004, p. 126),

Quanto mais rápido o trabalho intelectual se separa do trabalho físico, a atividade espiritual da atividade material, menos capaz é o homem de

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reconhecer, no primeiro, a marca do segundo e perceber a comunidade das estruturas e das leis psicológicas das duas atividades.

Contudo, para a superação do trabalho explorado se faz necessário outro tipo

de sociabilidade, a qual permita uma nova forma de trabalho em que cada um dê

sua contribuição, coletiva e consciente, onde os indivíduos possam gozar do tempo

necessários às atividades propriamente humanas, tendo pleno acesso ao

conhecimento universal, com vistas a tornarem-se, participantes efetivos do gênero

humano.

Entendemos por conhecimento universal aquele construído historicamente na

sua forma mais evoluída que o gênero humano já produziu, por conseguinte, este

deveria ser socializado a todos. No entanto, no contexto da sociedade capitalista o

desenvolvimento humano encontra-se subordinado pelas forças econômicas, as

quais priorizam a acumulação do capital em detrimento da aquisição do

conhecimento histórico cultural produzido pela humanidade. Nesse sentido, Lukács

(1978, p. 9) nos afirma que

[...] Quanto mais universais e autônomas se tornam essas ciências, tanto mais universal e perfeito torna-se por sua vez o trabalho; quanto mais elas crescem, se intensificam etc., tanto maior se torna a influência dos conhecimentos assim obtidos sobre as finalidades e os meios de efetivação do trabalho.

Esse mesmo autor (1978, p. 8) assevera ainda, que ―O trabalho é um ato de

pôr consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, ainda que jamais

perfeito, de determinadas finalidades e de determinados meios‖. Com efeito, faz-se

necessário a assimilação de conhecimentos, até mesmo com o fim de superá-los,

para que assim, possam ser alcançados novos conhecimentos. No entanto, o

antagonismo entre capital e trabalho opera inúmeros impedimentos à formação

humana integral impossibilitando que o homem possa ultrapassar o psiquismo

cotidiano.

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3 A ARTE E A ESTÉTICA MARXISTA

[...] é preciso frisar bem que esta concepção penetra nas raízes mais profundamente entranhadas no terreno, mas nem por isso nega a beleza das flôres. Ao contrário, é exata e ùnicamente a concepção materialista da história, a estética marxista, que fornece os instrumentos para uma justa compreensão dêste processo na sua unidade, na sua orgânica conexão entre raízes e flôres (Lukács, 1965b, p. 41).

Este capítulo tratará, primordialmente, do embasamento teórico do legado

marxiano acerca da arte e da literatura. Para tanto, analisamos os escritos do

próprio Marx, como os Manuscritos Econômico-Filosóficos e A Ideologia Alemã,

assinada juntamente com Engels, além do quê, os estudos de Lukács sobre a obra

Estetica I- La peculiaridad de lo estético: Cuestiones preliminares y de principio, que

traz uma leitura sobre a estética marxista. Por esse texto conter categorias densas,

apresentaremos, aqui, somente o estudo do Prólogo da obra. Dentre estas

categorias, destacamos: antropormofização; desantropomorfização; imanência;

transcedência; reflexo e historicidade. Para compor, também, o nosso texto, nos

apoiamos em Vázquez (1968); Konder (1967; 1999); Frederico (2005); Lessa (1997;

2005); Moraes (2007) e Tertulian (2008). Esperamos que, como foi agradável

escrever sobre os aspectos mais humanos presentes na obra marxiana, esta seja,

da mesma forma, uma leitura aprazível.

3.1 A arte manifestada na obra de Karl Marx

Como forma de nos contrapor àqueles que hoje argumentam que o marxismo

atende às questões objetivas sem atentar para o que venha a ser expresso como

subjetivo, buscamos anunciar como é questionável tal indagação, uma vez que,

apesar de Marx não ter escrito nada especificamente acerca da arte, encontramos,

em suas obras, como assevera Vásquez (1968),

[...] Em obras de caráter filosófico ou econômico – como os Manuscritos econômico-filosófico de 1844, seus estudos para uma crítica da economia política, O Capital, História crítica da teoria da mais-valia, etc. – encontramos idéias de Marx que possuem uma relação direta com problemas estéticos e artísticos fundamentais: a arte e o trabalho, a essência do estético, a natureza social e criadora da arte, o caráter social dos sentidos estéticos, a arte como forma de superestrutura ideológica, o condicionamento de classe e relativa autonomia da obra artística, o desenvolvimento desigual da arte e da sociedade, as relações entre a arte e a realidade, a perdurabilidade da obra artística, etc (VÁZQUEZ, 1968, p. 9, grifos do autor).

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Conforme Frederico (2005), Marx dedicou-se a estudar arte e literatura nos

anos de sua formação acadêmica, junto aos estudos sobre Direito e Filosofia. Em

1842, Marx escreve Tratado sobre a arte cristã, além de dois ensaios: Sobre a arte

religiosa e Sobre os românticos, material que, segundo Mikhail Lifshitz6, foi perdido,

tendo sido recuperadas apenas as anotações de resumos de livros que serviam de

base para a composição dos textos referidos. Em 1843, Marx afasta-se dos estudos

a respeito da arte, provavelmente devido à sua atribulada vida militante e política,

retomando, em 1844, o tema nas páginas dos Manuscritos econômico-filosóficos,

onde nos deparamos com reflexões profícuas sobre a humanização dos sentidos e

sobre assuntos ligados à arte.

Marx foi um estudioso da literatura, fato relatado por Konder (1999) no livro

que escreveu sobre a vida e a obra do autor, como podemos observar na citação

abaixo:

[...] prezava imensamente a rica experiência transmitida pelos grandes artistas do passado e lia constantemente as tragédias de Ésquilo (no original grego) e de Shakespeare. Eleonor - uma das filhas de Marx - escreveu depois da morte de seu pai que Shakespeare era uma espécie de Bíblia em sua casa. E Wilhelm Liebknetch, amigo da família, informa que Marx sabia de cor quase toda a Divina comédia de Dante (KONDER, 1999, p. 93).

De acordo com Vázquez (1968, p. 11), Marx não deixou de fazer alusões às

questões estéticas e artísticas, pelo fato de se ater às questões humanas e,

também, por pensar em uma sociedade livre e comum a todos. Se assim não tivesse

procedido, não teria examinado o homem em sua grandeza e totalidade. Na forma

de sociabilidade perspectivada por Marx, haveria uma ―apropriação especificamente

humana das coisas e da natureza humana que há de dominar na sociedade

comunista, quando o homem passar do reino da necessidade para o da liberdade‖.

Como expusemos no capítulo anterior, a relação entre o homem e a natureza

se dá através do trabalho, ato que firma o homem como ser social, e que permite a

criação de objetos que visam atender aos carecimentos humano-sociais. Para

Frederico (2005, p. 15), Marx considera a arte como um desdobramento do trabalho.

6 Mikhail Alexandrovich Lifshitz (1905 - 1983) soviético marxista, crítico literário e filósofo da arte.

Membro executivo da Academia de Ciências Soviética de 1975. No início dos anos 1930, foi colaborador próximo de György Lukács. Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Lifshitz> Acesso em: 02 jul. 2010.

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Como forma de objetivação humana, ―[...] a arte, possibilitou ao homem afirmar-se

sobre o mundo exterior pela exteriorização de suas forças essenciais‖. Ainda no que

tange aos apontamentos de Frederico (2005, p. 15), acerca das idéias marxianas,

―[...] a arte não ‗supera‘ o trabalho nem é superada por qualquer outra forma de

objetivação: as diferentes modalidades da objetivação humana não comportam

nenhuma hierarquia‖. Vázquez (1968) apóia a posição sustentada pelo autor,

afirmando que

A reivindicação marxista da objetividade é a reivindicação do homem real, concreto, dado que só é tal quando exterioriza suas fôrças essenciais, mas é também a reivindicação da arte como atividade que se move, essencialmente, no terreno da objetivação (VÁZQUEZ, 1968, p. 59).

Vale ressaltar que Marx se afasta do idealismo hegeliano, o qual trata a

objetivação como manifestação do espírito, concedendo-lhe uma forma mistificada,

ainda que, na arte, Hegel descreva, nas palavras de Vázquez (1968, p. 61),

[...] que a criação artística permite ao homem manifestar-se nas coisas exteriores, elevando assim um nôvo nível a expressão de si mesmo que se realiza já na atividade prática. [...] que a criação artística é uma atividade humana graças à qual o homem toma consciência de si.

Ainda assim, para Hegel, apesar da arte responder à necessidade humana de

exteriorizar-se, na sua concepção, esta se mantém como uma atividade do espírito,

pois, segundo ele, ―[...] O estético ganha um sentido transcendente7, e, ainda que a

arte seja uma atividade humana, não é, em última instância, senão uma fase do

desenvolvimento do Espírito Absoluto‖ (idem, p. 63).

Lessa (2005), ao discutir como os homens fazem a história, apresenta duas

posições sobre essa questão. Para o autor, Hegel considera ser a sociedade

burguesa o fim da história, considerando-a como a concretização completa do

espírito absoluto. Já a posição de Marx apresenta outra postura; evidencia que os

homens fazem sua história de acordo com o que decorre no momento histórico

presente, e o devir não pode ser determinado. A primeira posição, baseada em

Hegel,

[...] mantém no fundamental a estrutura dualista que prevalecia desde a Grécia. Para o filósofo alemão, a história é o desdobramento de uma essência posta desde o início da história, o espírito humano (Geist). Tal

7 Sobre o conceito de transcedência, voltaremos a tratá-lo no item 2.2 deste capítulo.

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como para os iluministas e pensadores modernos, há uma essência insuperável que, uma vez atingida, impossibilita qualquer desenvolvimento significativo futuro. Esta essência, também para Hegel, inclui a propriedade privada, portanto inclui o mercado e o Estado; em suma, a realização plena da essência (o Espírito Absoluto) é a sociedade burguesa. Aqui o limite da história e, daqui, a eternidade do capitalismo (LESSA, 2005, p. 9).

A segunda posição, fundamentada em Marx, propõe que

[...] os homens fazem a sua história de tal forma que nela nada existe que não seja resultado das ações dos homens. Os homens constroem até mesmo sua essência. Por isso, a essência humana apenas determina o que nós somos hoje, mas de modo algum determina o limite ao desenvolvimento futuro dos homens. Tal como deixamos de ser escravistas e medievais, poderemos também deixar de ser capitalistas – tudo depende de como nós, a humanidade, construiremos nossa história a partir das possibilidades e necessidades históricas do presente (LESSA, 2005, p. 9).

Sobre os ideais hegelianos, Marx (2004, p. 122) arremata que não há uma

―consciência abstratamente sensível‖, mas, sim, uma ―consciência humanamente

sensível‖. Conforme Marx,

[...] esta apropriação ou apreensão neste processo aparece para Hegel, por isso, de modo que sensibilidade, religião, poder do estado etc., são seres espirituais -, pois apenas o espírito é a verdadeira essência do homem, e a verdadeira forma do espírito é o espírito pensante, o espírito lógico, especulativo (MARX, 2004, p. 122, grifos do autor).

No entanto, para Marx e Engels (2007, p. 35), a consciência é um produto

social e continuará sendo enquanto existir humanidade. Nas palavras dos autores,

―[...] A consciência é, naturalmente, antes de tudo a mera consciência do meio

sensível mais imediato e consciência do vínculo limitado com outras pessoas e

coisas exteriores ao indivíduo que se torna consciente [...]‖.

Frederico (2005, p. 16) assinala que Marx concebeu a atividade artística como

uma ―manifestação das forças essências do homem‖. Seguindo a mesma linha de

pensamento, Vázquez (1968, p. 64) aponta que Marx conferiu à arte

[...] um degrau superior do processo de humanização da natureza e do próprio homem, uma dimensão essencial de sua existência, dimensão que se dá justamente pela semelhança da arte com aquilo que, para Marx, é a essência mesma do homem: o trabalho criador. Assim, pois, a arte surge para satisfazer uma necessidade especificamente humana; a criação e o gôzo artísticos fazem parte, portanto, do reino das necessidades do homem.

O aparecimento de novas necessidades, criadas pelo homem, se dá de

acordo com o desenvolvimento social do mesmo. Para Marx e Engels (2007, p. 33),

―O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas

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necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato

histórico‖. Em seguida, após tal contentamento, ―[...] a satisfação dessa primeira

necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação já adquirido

conduzem a novas necessidades – e essa produção de novas necessidades

constitui o primeiro ato histórico‖. Quanto mais o gênero humano se torna humano,

mais expande sua necessidade. O homem tem a possibilidade de aprimorar

infinitamente suas capacidades. Conforme Moraes (2007, p. 37),

O movimento carecimento-atividade engendra ad infinitum novas necessidades e possibilidades impulsionando o desenvolvimento das forças produtivas, por um lado, e novas capacidades e habilidades humanas, por outro lado, tornando a realização do ser social potencialmente ilimitada.

Desse modo, a necessidade que tem o homem faz dele um ser que exerce

uma ação, ou seja, é por meio do trabalho que o homem cria objetos, a partir do que

carece em dado momento histórico. Isto posto, Vázquez (1968, p.68) assevera que

O trabalho cria um mundo de objetos, a partir de uma realidade dada, êstes objetos expressam o homem, isto é, são objetos humanos ou humanizados, num duplo sentido: a) na medida em que, como natureza transformada pelo homem, são produzidos para satisfazer suas necessidades e, portanto, como objetos úteis; b) na medida em que objetiva nêles suas finalidades, idéias, imaginação ou vontade, ou seja, enquanto expressam sua essência humana, suas fôrças essenciais como ser humano.

Konder (1967) considera que a atividade criadora do homem não forma

somente o objeto para o ser social, mas forma um sujeito para o objeto. Marx (apud

KONDER, 1967, p. 27), destaca que o objeto ―só faz sentido para um sentido

adequado‖. Portanto, a partir do momento em que o homem consegue desenvolver

potencialmente sua atividade criadora e, conseqüentemente, seus sentidos, ele será

capaz de obter elevadas expressões no processo de humanização.

Reiteramos que a faculdade do sentir só pode ser desenvolvida no processo

de asseveração do homem. De acordo com Vázquez (1968, p. 85), ―o sentido

estético aparece quando a sensibilidade humana se enriqueceu a tal ponto que o

objeto é, primária e essencialmente, realidade humana, ‗realidade das fôrças

essenciais humanas‘‖. Marx (2004) dá a última demão, delineando,

[...] assim como a música desperta primeiramente o sentido musical do homem, assim como para o ouvido não musical a mais bela música não tem nenhum sentido, é nenhum objeto, porque o meu objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas forças essenciais, portanto só pode ser para mim da maneira como a minha força essencial é para si como

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capacidade subjetiva, porque o sentido de um objeto para mim (só tem sentido para um sentido que lhe corresponda) vai precisamente tão longe quanto vai o meu sentido, por causa disso é que os sentidos do homem social são sentidos outros que não os do não social; [...] (MARX, 2004, p. 110).

O homem, ao desenvolver-se potencialmente, tanto objetivamente quanto

subjetivamente, humaniza os sentidos e os objetos, os quais deixam de ser

simplesmente naturais, tornando-se humanos. Frederico (2005, p. 83) afirma que o

trabalho permitiu ao homem ―[...] elevar-se sôbre a natureza objetiva ao criar um

mundo de objetos humanizados, e, ao mesmo tempo, colocar-se acima de sua

própria natureza subjetiva, acima do que tem de ser natural, e assim criar para si

uma subjetividade humana‖.

Destarte, como afirma esse mesmo autor (2005, p. 21), a arte é atividade

prática, criação material no mundo dos homens, ―um momento decisivo do processo

de autoformação do gênero, de apropriação da realidade e doação de sentido‖. Para

Marx (apud FREDERICO, 2005, p.21), a arte ―[...] é forma humana de objetivação‖.

Vázquez (1968, p. 102) ressalta, na esteira da estética marxista, que ―[...] a arte

como trabalho superior é uma manifestação da atividade prática do homem, graças

à qual êste se expressa e se afirma no mundo objetivo como ser social, livre e

criador‖.

No que concerne a esta forma de sociabilidade, que divide os homens de

maneira totalmente desigual, há um impedimento de que o ser humano desenvolva

suas potencialidades de maneira livre, criadora e social. A arte, no sistema

capitalista, compactua, predominantemente, com formas desumanizadoras e

embrutecedoras, de modo a impedir a humanização dos sentidos na perspectiva do

gênero humano. Somente com o rompimento e a superação da forma social do

capital é que o homem poderá desenvolver a arte com um caráter humanizador.

Corroboramos com Frederico (2005) quando o autor reconhece a necessária luta por

uma sociedade comum a todos, de modo que,

A luta pela construção de uma sociedade comunista insere-se, portanto, no processo de emancipação do homem, emancipação que não se restringe à esfera política, já que pretende libertar também os sentidos do homem da deformação e do dilaceramento a ele impostos (FREDERICO, 2005, p. 22).

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30

Isto posto, asseveramos que o desenvolvimento da riqueza espiritual para o

gênero humano só poderá se efetivar a partir do momento em que o homem se

contrapuser radicalmente à sociabilidade de classes, que, por seu turno, impede a

apropriação dos homens às construções historicamente executadas pelo próprio

homem, ficando tal riqueza a mercê de uma minoria. Portanto, para que o mais belo

espetáculo ou a beleza peculiar do mineral não sejam estranhos ao homem, faz-se

necessário que o homem se aproprie da riqueza historicamente acumulada, de

modo que esta se concretize própria do gênero humano.

3.2 Primeiros apontamentos sobre a Estética de Lukács

Iniciamos este ponto relatando um pouco da história deste esteta, que

contribuiu, consideravelmente, no campo da formulação de uma estética marxista.

De acordo com Konder (1967), antes de Lukács ter interesse pela perspectiva

marxista, o pensador húngaro foi um insigne crítico de arte, munido de uma

veemente cultura estética. Teve inspiração em Kant, ao escrever o livro A Alma e as

Formas, e sofreu influência hegeliana, ao redigir A Teoria do Romance. Essa última

obra é colocada pelo próprio autor, no prólogo da mesma, como um processo de

transição de Kant para Hegel.

Lukács (2000) relata no prefácio escrito em julho de 1962, que o livro

esboçado no verão de 1914 – A teoria do romance – teve um caráter utópico de

repúdio à guerra. Foi, segundo ele, um ―produto típico das ciências do espírito‖,

reconhecendo sua inconsistência teórica e as limitações que tinha naquele período

em relação à estética.

O primeiro livro do pensador húngaro, que apresenta uma postura marxista,

de acordo com Konder (1967), foi História e Consciência de Classe, de 1922. No

entanto, logo após sua publicação, e após a derrota do governo Bela Kun8, na

Hungria, do qual participou, Lukács passa a sofrer críticas e, então, renega a obra,

embora neste livro Lukács já chegue à conclusão de que a organização capitalista

de produção

8 Béla Kun nasceu em fevereiro-1886 e falece em agosto de 1938, foi um húngaro comunista político

e revolucionário bolchevique.

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31

[...] resulta da divisão do trabalho, da dilaceração da autêntica comunidade humana e do aparecimento das classes sociais. Sabe que o capitalismo levou a divisão da espécie humana às últimas conseqüências e acentuou a fragmentação do trabalho até o ponto de tornar o trabalhador, na produção industrial, um mero apêndice da máquina. Sabe, também, que a solidão trágica do homem moderno nasce das condições a que chegou o processo da reificação nesses últimos cinqüenta anos (KONDER, 1967, P. 143-144 grifo do autor).

Com relação ao processo de reificação, exposto pelo autor, podemos afirmar

que foi um conceito usado por Lukács para explicar que, na sociabilidade regida pelo

capital, a relação entre os homens se dá de modo estranho, ou seja, ―[...] Na

atividade dos homens, as relações entre êles haviam assumido, sob o capitalismo, a

feição genérica de coisas (coisa em latim é res: daí o têrmo reificação)‖ (KONDER,

1967, p. 143). Marx (2004, p. 83, grifos do autor) já assinalara, sobre esse processo,

que,

[...] A energia espiritual e física própria do trabalhador, a sua vida pessoal – pois o que é vida senão atividade – como uma atividade voltada contra ele mesmo, independente dele, não pertencente a ele. O estranhamento de si (Selbstentfremdung), tal qual acima o estranhamento da coisa.

A obra Estética de Lukács, contida nos dois grandes volumes publicados pela

editora alemã Luchtterhand, em 1963, posteriormente traduzida para o espanhol

pela Ediciones Grijaldo, em 1966, pode ser entendida, segundo Tertulian (2008)

como a produção mais completa do pensamento de maturidade do filósofo húngaro.

Além de destacar o manuscrito da obra Ontologia, publicada após sua morte,

evidencia a Estética como o escrito mais significativo publicado durante sua vida.

No que se refere ao percurso teórico desenvolvido por Lukács, Tertulian

(2008) concede à Estética um caráter peculiar, uma vez que

[...] A importante evolução filosófica de Lukács, desde sua célebre obra História e consciência de classe até a fase, última e definitiva, de seu pensamento da maturidade, encontra sua expressão mais fiel na Estética. Sem dúvida, o grosso manuscrito da Ontologia, destinada a ser uma obra póstuma, é de natureza a lançar novas luzes, do mais alto interesse, na última fase da evolução filosófica de Lukács. Mas a Estética permanece o monumento mais expressivo dos textos publicados durante sua vida (TERTULIAN, 2008, p. 189).

Diante do exposto, traremos, a partir de agora, algumas categorias discutidas

no Prólogo9 do livro Estetica I - La peculiaridad de lo estético: Cuestiones

9 Utilizaremos a partir daqui a tradução do Prólogo da Estetica I- La peculiaridad de lo estetico –

Cuestiones preliminares y de principio de Georg Lukács em nota de rodapé, a mesma foi feita pelo

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32

preliminares y de principio. Lukács (1966) elucida que a vida cotidiana do homem

trará elementos para esclarecer questões sobre o comportamento estético das

atividades humanas, as formações estéticas etc. Para Lukács (1966, p. 11),

[...] Si nos representamos la cotidianidad como un gran río, puede decirse que de él se desprenden, en formas superiores de recepción y reproducción de la realidad, la ciencia y el arte, se diferencian, se constituyen de acuerdo con sus finalidades específicas, alcanzan su forma pura en esa especificidad - que nace de las necessidades de la vida social - para luego, a consecuencia de sus efectos, de su influencia en la vida de los hombres, desembocar de nuevo en la corriente de la vida cotidiana.

10

Dito isso, entendemos que a arte, ou o que viemos a chamar de

comportamento estético, tem sua origem na vida cotidiana do próprio homem. Nasce

a partir da necessidade social, e cria-se, assim, um processo de elevação e volta ao

cotidiano, nas palavras de Lukács (1966, p. 12), como ―formas superiores de

objetivação‖.

Lukács (1966) assevera que a essência do estético não pode ser definida

como um conceito, podendo somente ser comparada a outros complexos como a

ciência, sendo este o mais importante, e também com a religião. Konder (1967), a

partir de estudos sobre Lukács, faz uma relação entre arte e ciência, expondo os

conceitos de antropomorfização e desantropomorfização,

A arte é um modo particular de totalização dos conhecimentos obtidos na vida. Lukács opina no sentido de que a ciência funda a nossa consciência histórica, ao passo que a arte funda a nossa autoconsciência histórica. A arte antropomorfiza o real em sua representação: a ciência o desantropomorfiza. A arte faz com que revivamos as experiências de tôdas as épocas e nos reconheçamos imediatamente nelas. Através da arte, participamos de novas relações humanas, vemo-nos envolvidos em novas situações humanas que nos solicitam reações de tipo especial (KONDER, 1967, p. 150).

Sobre esse aspecto, Tertulian (2008) afirma que o momento do surgimento da

ciência se dá pela ampliação dos conhecimentos alcançados junto à eliminação de

grupo de estudos ―Estética de Lukács: Trabalho, educação, ciência e arte no cotidiano do ser social‖ desenvolvido no Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário da Universidade Estadual do Ceará – IMO/ UECE, sob coordenação dos professores José Deribaldo Gomes dos Santos e Marcos Flávio Alexandre da Silva.

10 ―[...] Se nós representarmos a cotidianidade como um grande rio, pode ser dito que dele se

desprendem em formas superiores de recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, e essas se diferenciam e se constituem de acordo com suas finalidades específicas, e alcançam sua forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para logo, em conseqüência de seus efeitos, de sua influência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza da vida cotidiana.‖

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33

qualquer traço de subjetividade entre esses, o que vai conceder à ciência o caráter

de desantropomorfização. Com relação à arte e à religião, essas apresentam um

cunho de antropomorfização. Quanto a isso, a passagem a seguir é esclarecedora:

Lukács, porém, descobre nas profundezas da ontogênese do espírito um segundo processo, simétrico ao primeiro, ainda que situado num nível diferente: os acontecimentos da história humana têm, constantemente, bases subjetivas; existe no homem, desde as origens, uma irreprimível tendência a restabelecer sua existência no mundo, com suas diversas fases e avatares, para sua própria perturbação ou para seu próprio equilíbrio. Importa seguir atentamente esse último processo, pois em tais formas espontâneas de antropomorfização do mundo descobriremos a célula da

atividade estética do espírito (TERTULIAN, 2008, p. 205-206).

No entanto, a religião abarca um selo de transcedência, que a difere da

ciência e da arte, as quais têm seu caráter de imanência, ou seja, para a religião, de

acordo com Tertulian (2008, p. 206), ―[...] a transcedência exerce sua ação salvadora

sobre o indivíduo como pessoa particular, ser de carne, fazendo-lhe promessas de

paz e de absolvição‖. Já para a ciência e a arte, Lukács (1966, p. 26) assevera que,

[...] el inmannentismo es una exigencia insoslayable del conocimiento científico y de la conformación artística. Un complejo de fenómenos no puede considerarse cientificamente conocido sino cuando aparece, totalmente conceptuado a partir de sus propriedades inmanentes, de las legalidades inmanentes que obran en él.

11

Para Tertulian (2008, p. 207) quando não mais se recorre à transcedência no

que representa a alteração ou a harmonia do ser, temos, junto aos anseios

humanos, ―[...] sob os traços da estrita imanência, como o resultado de uma relação

dialética equilibrada entre objetividade e subjetividade, então o reflexo

antropomorfizante do mundo atinge o nível da arte‖.

Lukács reconhece o universalismo da estética e o modo histórico-sistemático

de sintetizar a arte presente na estética hegeliana, o qual se dá de maneira

exemplar, contudo, questiona a fundamentação e o posicionamento de Hegel,

baseado no idealismo filosófico. Lukács expõe (1966, p. 13) que ―[...] El carácter

histórico-sistemático del arte ha cobrado, como ya hemos dicho, su primera figura

precisa en la estética de Hegel. El marxismo ha corregido las rigideces de la

11

―[...] o imanentismo é uma exigência insolúvel do conhecimento científico e da composição artística. Um complexo de fenômenos não pode ser considerado cientificamente conhecido senão quando aparece totalmente conceituado a partir de suas propriedades imanentes, das legalidades imanentes que existem nele.‖

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34

sistematización hegeliana, debidas al idealismo objetivo‖12. Isso significa, segundo

Lukács (1966), que o idealismo filosófico é como um entrave para a conceituação

ajustada de circunstâncias objetivas estéticas, bem como o caráter de hierarquia que

se apresenta na estética idealista. A consciência, nesse sentido, assume um

patamar elevado. Nesse sentido, Marx e Engels (2007, p. 94 ) elucidam que,

[...] os homens, ao desenvolverem sua produção material e seu intercâmbio materiais, transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência.

Para o materialismo histórico dialético, em última instância, a existência se

sobrepõe a consciência, mas só o ser consciente pode modificar a existência.

Lukács (1966) esclarece essa questão de modo impecável:

[...] Para el materialismo, la prioridad del ser es ante todo una cuestión de hecho: hay ser sin consciencia, pero no hay consciencia sin ser. Pero de eso no se sigue en modo alguno una subordinación jerárquica de la consciência al ser. Al contrario: esa prioridad y su reconocimiento concreto, teorético y práctico, por la consciencia, crean por fin la posibilidad de que la consciencia domine realmente al ser. El simple hecho del trabalho ilustra esto del modo más concluyente. Y cuando el materialismo histórico afirma la prioridad del ser social respecto de la consciência social, se trata simplesmente también del reconocimiento de una facticidad. También la práctica social se orienta al dominio del ser social, y el hecho de que en el curso de la historia sida no haya conseguido realizar esos fines sino muy relativamente no crea tampoco una relación jerárquica entre ser y consciência, sino que determina simplesmente las condiciones concretas en las cuales se hace posible una práctica eficaz, con lo que, ciertamente, determina al mismo tiempo sus límites concretos, aquel ámbito de juego y despliegue que el ser social de cada situación ofrece a la consciencia. En esa relación se manifiesta, pues, una dialéctica histórica, en modo alguno una estructura jerárquica

13 (1966, p. 19-20).

12

―[...] O caráter histórico-sistemático da arte carrega, como já dissemos, sua figura primeira precisamente na estética de Hegel. O marxismo corrige a rigidez da sistematização hegeliana, devido seu idealismo objetivo‖

13 ―[...] Para o materialismo a prioridade do ser é antes de tudo uma questão de fato: existe ser sem

consciência, porém não há consciência sem ser. Porém, isso não quer dizer, em modo algum, que exista uma subordinação hierárquica da consciência ao ser. Ao contrário: essa prioridade e seu reconhecimento concreto, teórico e prático, pela consciência, acreditam finalmente na possibilidade de que a consciência domine realmente ao ser. O simples fato do trabalho ilustra isto de modo mais concludente. E quando o materialismo histórico afirma a prioridade do ser social relativo à consciência social, trata-se simplesmente também do reconhecimento de um fato. Também a prática social orienta-se ao domínio do ser social, e o fato de que tenha sido assim no curso da história não havia conseguido realizar esses fins senão muito relativamente não acreditando, tão pouco, em uma relação hierárquica entre ser e consciência, a não ser que determine simplesmente as condições concretas nas quais é possível uma prática eficaz, como a que, certamente, determina ao mesmo tempo seus limites concretos, aquele ambiente de jogo e desdobramento que o ser social de cada situação oferece à consciência. Nessa relação se manifesta, pois, uma dialética histórica, em modo algum uma estrutura hierárquica.‖

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35

Nessa mesma direção, Leontiev (2004, p. 84-85) afirma que a atividade do

ser consciente transforma-se ―[...] no homem, numa atividade submetida a relações

sociais desde a sua origem. Esta é a causa imediata que dá origem à forma

especificamente humana do reflexo da realidade, a consciência humana‖.

A categoria do reflexo, para Lukács (1966, p. 21) apresenta um rompimento

ainda maior com o idealismo filosófico ao perceber a arte ―[...] como un peculiar

modo de manifestarse el reflejo de la realidad [...]‖14 . Tertulian (2008, p. 199) articula

a essa idéia que ―[...] O conceito do ‗reflexo‘ da realidade na arte em Lukács é

nitidamente distinto do conceito da ‗imitação‘‖. Lessa (1997) deixa ainda mais clara a

compreensão dessa categoria, explicando sua apropriação indevida pelo marxismo

vulgar,

Para nosso autor, do ponto de vista da subjetividade, a atividade de apreensão do real, imprescindível ao pôr teleológico, tem o caráter de reflexo. Como este termo foi apropriado pelo marxismo vulgar e dele se tornou quase sinônimo, a sua mera menção sugere uma tentativa de solução simplista e de baixo nível ao complexo problema da articulação entre objetividade e subjetividade. Isto não significa, no entanto, que esta seja a única concepção possível do reflexo. Lukács, em particular, jamais abandonou esta categoria, ao mesmo tempo que sempre recusou peremptoriamente as formulações que a ela foram dadas pelo marxismo vulgar (LESSA, 1997, p. 5).

O autor prossegue na discussão sobre a impossibilidade da categoria do

reflexo ser classificada como mera cópia do real pela subjetividade, classificando-a

como real obtenção do real através da consciência,

Esta disputa pelo caráter do reflexo é retomada, em Para a Ontologia do Ser Social, através da análise do processo, imprescindível ao trabalho, de apropriação do real pela consciência. Nesta obra, Lukács reafirma a pertinência da teoria do reflexo, e a sua importância fundamental para uma ontologia materialista-dialética do ser social, desde que seja compreendido que o reflexo, por ser uma categoria social, está ontologicamente impossibilitado de ser mera cópia do real pela subjetividade. Antes de ser sinônimo de mecânica submissão da subjetividade ao real, o reflexo é, para Lukács, a forma especificamente social da ativa apropriação do real pela consciência (LESSA, 1997, p. 5, itálico do autor).

Sobre as possibilidades de distinção entre o complexo da ciência e da arte,

Lukács (1996) faz uma diferença entre o reflexo artístico e o reflexo científico,

relatando que,

14

―[...] um modo peculiar de manifestação do reflexo da realidade [...]‖

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36

[...] el reflejo científico de la realidad intenta liberarse de todas las determinaciones antropológicas, tanto las derivadas de la sensibilidad como las de naturaleza intelectual, o sea, que ese reflejo se enfuerza por refigurar los objetos y sus relaciones tal como son en si, indepependientemente de la consciencia. En cambio, el reflejo estético parte del mundo humano y se orienta a él. [...] Esto significa que toda conformación estética incluye en sí y se inserta en el hic nunc histórico de su génesis, como momento esencial de su objetividad decisiva

15 (LUKÀCS, 1966, p. 24).

Vázquez (1968) tomando como fundamento a estética lukácsiana, descreve

que a arte é uma maneira provável que o homem tem para refletir a realidade e,

também, faz uma diferenciação entre o reflexo artístico e o científico ao fazer a

afirmação a seguir:

[...] Por certo, Lukács insiste na necessidade de não confundir o reflexo artístico e o científico. O caráter peculiar do primeiro, segundo Lukács, reside na categoria da particularidade como ponto médio no qual se superam, dentro do processo do reflexo da realidade, tanto o singular quanto o universal. Revela-se claramente, também, nas relações entre o fenômeno e a essência; enquanto no conhecimento científico a essência pode ser separada conceitualmente do fenômeno, na arte não pode conservar sua autonomia fora dêste (VÁZQUEZ, 1968, p. 41).

Sobre a questão do que é ou deixa de ser arte no que tange o

desenvolvimento histórico, Lukács (1966, p. 24) rompe com toda e qualquer

concepção que entenda a arte como algo supra-histórico ao asseverar que, ―[...] Del

mismo modo que el trabajo que la ciencia y que todas las actividades sociales del

hombre, el arte es un producto de la evolución social, del hombre que se hace

hombre mediante su trabajo‖16. Com efeito, tomando a categoria da historicidade,

evidenciamos junto aos estudos de Vázquez (1968) que essa categoria indica o

próprio movimento da arte. De acordo com o autor,

[...] o que permite diferenciar a grande arte da que não o é, bem como o que explica a sobrevivência da verdadeira obra artística, é sua capacidade de refletir a realidade, a fôrça e a profundidade com que capta a essência do real. Disto deduz-se inequivocamente que a verdadeira arte é, para Lukács, a arte realista, bem como que o realismo é o metro, o critério para valorizar tôda realização artística, qualquer que seja o período em que surja ou a concepção do mundo que expresse (VÁZQUEZ, 1968, p. 41).

15

―[...] o reflexo científico da realidade procura se libertar de todas as determinações antropológicas, tanto as derivadas da sensibilidade como nas de natureza intelectual, ou seja, que esse reflexo esforça-se para reinventar os objetos e suas relações da mesma maneira como são em si, independentemente da consciência. Por outro lado, o reflexo estético parte do mundo humano e se orienta para ele. Isto significa que toda conformação estética inclui em si e se insere no aqui agora histórico de seu gênesis, como momento essencial de sua objetividade decisiva‖

16 ―[...] Do mesmo modo que o trabalho, que a ciência e que todas as atividades sociais do homem, a

arte é um produto da evolução social, do homem que se faz homem mediante seu trabalho‖

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37

Marx, já pronunciara a respeito da historicidade, relatando que não se pode

recusar o reconhecimento da durabilidade de uma obra. Para Marx (apud KONDER,

1967, p. 32),

A dificuldade não está em compreender que a arte e a épica gregas se achem ligadas a certas formas do desenvolvimento social e sim no fato de que elas possam, ainda hoje, proporcionar-nos um deleite estético, sendo consideradas, em certos casos, como norma e modêlo insuperáveis.

Lukács (1966) argumenta ainda, sobre a autenticidade de uma obra,

revelando que,

[...] el hecho es que, en la medida en que sus obras son artísticamente auténticas, nacen de las más profundas aspiraciones de la época en que se originan; el contenido y la forma de las creaciones artísticas verdaderas no pueden separarse nunca - estéticamente - de ese suelo de su génesis. La historicidad de la realidad objetiva cobra precisamente en las obras del arte su forma subjetiva y objetiva

17 (LUKÁCS, 1966, p. 25).

Com efeito, se tomamos por base a analogia que Lukács apresenta, expondo

a cotidianidade como um grande rio, de modo que a obra artística parte da

necessidade presente no cotidiano, podendo ter um caráter objetivo e/ou subjetivo, e

conseqüentemente tender ao transcedente, como declara Lukács (1966, p. 28) ―[...]

La estructura categorial objetiva de la obra de arte hace que todo movimiento de la

consciencia hacia lo trascendente, tan natural y frecuente en la historia del género

humano, se transforme de nuevo en inmanencia al obligale a aparecer como lo que

es, como elemento de vida humana, de vida inmanente, como síntoma de su ser-así

de cada momento‖18. Portanto, o elemento artístico ao voltar à vida cotidiana,

assenta-se com suas propriedades imanentes, uma vez que é próprio do gênero

humano.

17

―[...] o fato é que, na medida em que suas obras são artisticamente autênticas, nascida das mais profundas aspirações da época em que se originam; o conteúdo e a forma das criações artísticas verdadeiras não podem separar-se nunca – esteticamente – daquele chão de sua gênesis. A historicidade da realidade objetiva cobra precisamente das obras de arte sua forma subjetiva e objetiva.‖

18 ―[...] A estrutura categorial objetiva da obra de arte faz que todo movimento da consciência na

direção transcendente, tão natural e freqüente na história do gênero humano, transforme-se de novo em imanência ao obrigar-lhe a aparecer como o que é, como elemento da vida humana, de vida imanente, como sintoma de seu ser-assim de cada momento.‖

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4 O ENSINO DA ARTE SOB O CRIVO DA EDUCAÇÃO CONTEMPORANEA

[...] Não pinto, de modo algum, as figuras do capitalista e do proprietário fundiário com cores róseas. (MARX, 1985, Tomo I, p. 13)

Iniciamos este capítulo fazendo uma breve contextualização das diretrizes do

Movimento de Educação para Todos19, tomando por base a Conferência Mundial

ocorrida em Jomtien (1990), destacando o emblemático lema do aprender a

aprender, presente em tais diretrizes. O destaque deste documento faz-se

necessário, uma vez que pretendemos examinar a filiação dos princípios que

norteiam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como documento oficial em

foco.

Como aporte teórico, para este capítulo, nos apoiamos na ontologia marxiano-

lukácsiana, no âmbito internacional: Vásquez e Mészáros e no nacional: Tonet;

Duarte; Jimenez, Rabelo, Mendes Segundo e Gonçalves. Utilizaremos como

documentos: a LDB nº 9.394/96, especificamente o Art. 26, no que tange ao ensino

da arte, bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais, especialmente, o

documento introdutório (volume um) e o documento que trata da arte (volume seis).

Desde já registramos que estas diretrizes abrem portas para o aligeiramento

da educação bem como sua fragmentação, atendendo, desse modo, não às

necessidades humanas, mas à reprodução do capital em crise. Em seguida,

trataremos especificamente do volume seis dos Parâmetros Curriculares Nacionais –

arte para o Ensino Fundamental, aspectos como: mercantilização, pragmatismo,

economicismo, subjetivismo, flexibilidade do ensino da arte na sociedade

contemporânea, aspectos esses que priorizam a acumulação de capital em

detrimento da satisfação das necessidades humanas.

19

O Movimento de Educação para Todos é um compromisso mundial para prover uma educação básica de qualidade a todas as crianças e a todos os jovens e adultos, o qual teve início durante a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, em Jomtien, em 1990. Ver mais em: Declaração Mundial sobre Educação Para Todos (Conferência de Jomtien). Tailândia: Unesco, 1990. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf> Acesso em: 10 de maio de 2009.

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39

4.1 Rebatimentos da crise do capital sobre a educação

Após a Segunda Guerra e com a ascensão dos EUA, são fundadas

organizações internacionais como a Organização das Nações Unidas – ONU;

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO e,

dentre estas, o Banco Mundial – BM, criado em 1945 com o intuito de reconstruir

países destruídos pela guerra, passa a interferir na economia e na política desses

países.20 Com efeito, desde a Conferência Mundial de Educação para Todos,

ocorrida em Jomtien (1990), dezenas de eventos vêm se realizando sob o patrocínio

da UNESCO, do Banco Mundial, entre outros. Tais Conferências têm estabelecido,

repetidamente, como meta o projeto de universalização da educação básica. No

entanto, a partir das diretrizes contidas nos textos da Conferência de Jomtien, dois

grandes problemas vêm repercutindo de maneira gravíssima neste segmento da

educação, quais sejam: a desvalorização dos conhecimentos universais e o

direcionamento da educação para os interesses do mercado. Nesse sentido,

corroboramos com Rabelo, Mendes Segundo e Jimenez (2009a) ao asseverarem

que

O projeto educacional voltado para a reprodução da ordem vem se efetivando, de um modo geral, através da negação do conhecimento que revela as determinações do real em suas múltiplas dimensões, acoplada à manipulação ideológica das consciências, com vistas à naturalização da exploração e de seus desdobramentos no plano da desumanização crescente do próprio homem (2009a, p. 4).

Rabelo, Mendes Segundo e Jimenez (2009b, p. 5) ao examinarem a

Conferência de Jomtien, afirmam com propriedade que no Brasil esta Conferência

―foi decisiva na formulação da legislação educacional, incluindo a LDB 9394/96, os

PCN e as diretrizes curriculares de todas as modalidades e níveis de ensino.‖ De

maneira contundente, a Conferência de Jomtien trouxe o projeto de universalização

da educação básica, o qual deu origem ao documento denominado Relatório Delors,

resultando no texto oficial “Educação: Um tesouro a descobrir”21. Respaldada por

tais documentos, a educação brasileira está associada às políticas pedagógicas

hegemônicas cujas determinações primam por uma educação a serviço do capital,

20

Trecho extraído de aula ministrada na disciplina Pedagogia do Trabalho, no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Ceará, pela professora Helena Araújo Freres.

21 Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI.

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40

patrocinadas pelos órgãos de financiamento já citados, os quais prescrevem como

os países ditos em desenvolvimento devem oferecer políticas mínimas, esquivando-

se de problemas sociais através de promessas ilusórias no campo educacional.

Tais diretrizes contidas em nossos programas educacionais atendem às

necessidades ideológicas que emanam da forma como os homens se relacionam

sob o signo do capital, especialmente, em momentos de crise estrutural, quando se

prioriza o individualismo e o subjetivismo, ostentados pelos quatro pilares da

educação22. Duarte (2003, p. 11) destaca o construtivismo, a pedagogia das

competências, a pedagogia dos projetos, a pedagogia do professor reflexivo, etc.,

como pedagogias inclusas no ideário do aprender a aprender, lema este que

sintetiza uma concepção educacional voltada ―[...] para uma constante e infatigável

adaptação à sociedade regida pelo capital‖.

O ideário das pedagogias do aprender a aprender, segundo Duarte (2003),

torna claro em seus princípios que o aluno pode construir seu próprio conhecimento,

sendo o método de ensino mais importante que os conhecimentos já produzidos

pela humanidade, que toda atividade educativa deve partir do cotidiano e que o bom

processo educativo é aquele pelo qual se desenvolve nos indivíduos uma alta

capacidade adaptativa. Nesse sentido, a educação não se coloca à serviço da

classe trabalhadora em sua formação integra, uma vez que na sociedade do capital,

a educação busca a reprodução do próprio capital, adaptando os trabalhadores á

empregabilidade e às demais imposições desse modo de sociabilidade.

De acordo com o exposto, podemos trazer um dado ilustrativo de nossos

questionamentos à proposta educacional, apresentado no livro um dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, documento introdutório, manifestado da seguinte maneira:

[...] faz-se necessária uma proposta educacional que tenha em vista a qualidade da formação a ser oferecida a todos os estudantes. O ensino de qualidade que a sociedade demanda atualmente expressa-se aqui como a possibilidade de o sistema educacional vir a propor uma prática educativa adequada às necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da realidade brasileira, que considere os interesses e as motivações dos alunos e garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem (BRASIL, 1997b, p. 27).

22

Aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser.

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41

Reiterando o que está determinado nas diretrizes das conferencias mundiais

de educação, o texto da própria LDB (1996), foi alterado recentemente, com relação

ao ensino da arte em seu Art. 26, o qual versa sobre o currículo do ensino

fundamental. Na versão de 1996, o texto referente á parte diversificada, no seu § 2º

defendia que ―O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos

diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural

dos alunos‖. A redação modificada através da Lei nº 12.287, de 201023, estabelece

que ―O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá

componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma

a promover o desenvolvimento cultural dos alunos‖. O texto denota um teor

fragmentário, localizacionista, reducionista no que é proposto para o ensino da arte.

Lukács (1965a, p. 266)24 assevera a degenerescência da arte na sociedade

moderna e como as características próprias desta sociabilidade são deslumbradas,

de modo que se sobressaem ―[...] as piores qualidades das ciências particulares da

decadência ideológica: um empirismo rastejante, um especialismo burocrático, um

desligamento, um alheamento completo do vigente tecido da totalidade‖.

Cada vez mais, torna-se evidente a ênfase dada àquilo que é ―vivido‖ pelo

aluno, o que faz parte de seu entorno. Quanto ás competências, o relatório Delors

(1998, p. 91) ressalta que o pilar aprender a conhecer considera fundamental que

―[...] cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida

em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas

capacidades profissionais, para comunicar‖. Pragmatismo e economicismo

presentes no que prescreve o documento somam-se ao individualismo, impedindo

23

LEI Nº 12.287, DE 13 DE JULHO DE 2010. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, no tocante ao ensino da arte. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA decreta e sanciona a seguinte Lei: Art. 1º O § 2º do art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, passa a vigorar com a seguinte redação: ―Art. 26[...] § 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. [...]‖ (NR). Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 13 de julho de 2010; 189º da Independência e 122º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12287.htm#art1> Acesso em: 07 de agosto de 2010.

24 Trecho extraído do texto Tragédia e tragicomédia do artista no capitalismo, o qual trata de maneira

enfática a arte e a literatura no capitalismo, a questão mercadológica, o prevalecimento da abstração, o alheamento à arte e a vida e a desumanidade do capitalismo.

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42

que as formas de agir, pensar e sentir possam objetivar-se na perspectiva da

emancipação humana.

Isto posto, averiguamos que as determinações das práticas educativas

hegemônicas contribuem, exclusivamente, para a alienação humana, uma vez que

não permitem a compreensão do real na sua totalidade. A educação restrita às

necessidades locais, mantém sua ênfase no cotidiano vivido e, o que é mais sério:

resguarda em seus propósitos uma educação para atender ao mercado de trabalho

explorador. Nesse sentido, Mészáros (2006, p. 184) afirma que

[...] As necessidades que se desenvolvem nessas condições são aquelas que correspondem diretamente ao imediatismo da utilidade privada. O resultado geral é o empobrecimento humano em escala maciça, correndo paralelamente ao enriquecimento material do indivíduo isolado.

A maioria dos homens fica a mercê do conhecimento mínimo e limitado, de

modo a atender as necessidades utilitárias e imediatas do próprio mercado

capitalista. Lukács (1965a, p. 268) destaca ainda, que

[...] A dança macabra da racionalidade da circulação de mercadorias se enriquece agora de um novo matiz. Cria-se um empório de impressões puras e imediatas, um bazar de ―últimas verdades‖, uma liquidação da personalidade humana a preços enormemente rebaixados.

Nesse sentido, apenas uma pequena parte da sociedade, detentora dos bens

materiais, tem efetivamente acesso aos conhecimentos do que de mais importante

foi produzido pelo homem em sua démarche histórica.

4.2 O ensino de Arte nos marcos dos Parâmetros Curriculares Nacionais

De acordo com o que foi sobrescrito, o Relatório para a UNESCO da

Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, mais conhecido como

Relatório Delors25, influenciou a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais,

norteando a Educação Brasileira em várias áreas do conhecimento. Nesse sentido,

o volume seis deste documento, intitulado Arte, considera que ―[...] a área que trata

da educação escolar em artes tem um percurso relativamente recente e coincide

25

Jacques Delors (França) antigo ministro da Economia e das Finanças, antigo presidente da Comissão Européia (1985-1995). Presidente da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, criada, oficialmente, no início de 1993, financiada pela UNESCO. (DELORS, 1998)

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43

com as transformações educacionais que caracterizaram o século XX em várias

partes do mundo.‖ (BRASIL, 1997a, p. 21)

As transformações educacionais referidas no documento coadunam com a

ordem de produção capitalista, com o interesse de atender às necessidades de

mercado em detrimento de uma formação efetivamente integral, própria do gênero

humano. Dessa maneira, corroboramos com Lukács (1965b, p.21), ao assegurar

que

[...] A hostilidade da ordem de produção capitalista à arte se manifesta igualmente na divisão capitalista do trabalho. Um maior desenvolvimento na compreensão deste aspecto do tema nos remeteria, ainda uma vez, ao estudo da economia como uma totalidade. Do ponto de vista do nosso problema, vamos nos contentar em fixar aqui um só princípio, que será, novamente, o princípio do humanismo, o princípio que a luta emancipadora do proletariado herdou dos grandes movimentos democráticos e revolucionários precedentes (herança elevada a um plano qualitativamente superior): a reivindicação de um desenvolvimento harmônico e integral para o homem. A hostilidade à arte e à cultura, própria do sistema capitalista, comporta, ao contrário, o fracionamento da totalidade concreta em especializações abstratas.

O esteta húngaro (1965a) aborda a questão da economia para explicar o

processo de hostilidade do sistema capitalista a respeito da arte, e antes que

possam apontá-lo como determinista, ou que não há lugar para a subjetividade na

ontologia marxiano-lukacsiana, recorremos à Mészáros (2006), ao defender que as

reflexões estéticas ocupam um lugar muito importante na teoria marxista, a qual

revela que para compreender a concepção econômica é imprescindível entender as

questões estéticas e vice-versa. Nas palavras do autor,

[...] assim como não é possível apreciar o pensamento econômico de Marx ignorando suas opiniões sobre a arte, é igualmente impossível compreender o significado de seus enunciados sobre as questões estéticas sem levar em conta as suas interligações econômicas. Trata-se, porém, de interligações e não de determinações mecânicas unilaterais. A estrutura de referência comum é o homem como um ser natural que é ativo a fim de satisfazer suas necessidades, não apenas econômica mas também artisticamente(2006, p. 174).

Ressaltamos que Lukács (1965a) estabelece a constante relação entre

objetividade e subjetividade no campo da ontologia e da estética, diferentemente do

que é posto na contemporaneidade, onde a totalidade é fragmentada e o que

prevalece é o mais profundo subjetivismo. O filósofo húngaro faz uma relação entre

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44

amor e ódio que o artista toma pela vida e como se estabelece tal relação dentro da

sociedade capitalista:

Só o amor pela vida confere à liberta veracidade do artista, em tudo o que acolhe e exprime, horizontes vastos e profundos. Mas quando se apresenta uma situação social em que o artista se vê constrangido a odiar e desprezar a vida, ou começa mesmo a dirigir-lhe um olhar indiferente, então a verdade das melhores observações empobrece; superfície e essência da vida humana divergem uma da outra, porque a primeira se esvazia e sòmente pode ser reavivada mediante adições estranhas à substância, enquanto que a segunda se abstrai da vida e se torna trivial ou se enche de uma falsa profundidade, puramente subjetiva (1965a, p. 271).

Ainda sobre a questão de mercado, retomamos os Parâmetros Curriculares

Nacionais, os quais buscam associar a arte ao desenvolvimento profissional, tendo a

tão decantada cidadania como horizonte último da sociabilidade.

A arte também está presente na sociedade em profissões que são exercidas nos mais diferentes ramos de atividades; o conhecimento em artes é necessário no mundo do trabalho e faz parte do desenvolvimento profissional dos cidadãos (BRASIL, 1997a, p. 20).

Compreendemos, a partir dos pressupostos dados pelo documento, que a

arte aliada ao trabalho na sociabilidade capitalista tende a servir-se da proposta

educacional para empregar os valores do próprio capital. Para tanto, utilizam um

discurso que propõe manter a sociedade com o gozo de seus direitos sociais e

políticos, próprio do que é direito do cidadão. Entretanto, as políticas sociais

empreendidas na sociabilidade do capital encontram seus limites na relação entre

exploradores e explorados, tornando-se estéreis e vazias de sentido. Com efeito, em

sua base, a relação antagônica capital-trabalho que norteia políticas públicas na

sociabilidade do capital atende objetivamente às demandas do mundo do trabalho

capitalista, por conseguinte o conhecimento ou a prática artística que este sistema

torna acessível, embora em dimensões limítrofes, tem como desfecho a reprodução

do próprio capital atendendo prioritariamente ao mercado de trabalho.

Amparados nos estudos marxiano-lukácsianos, acerca da arte e do trabalho,

apresentamos a seguinte contribuição sobre a arte como atividade de criação:

[...] a função criadora do sujeito se manifesta, por conseguinte, no fato de que o homem se cria a si mesmo, se transforma êle mesmo em homem, por intermédio do seu trabalho, cujas características, possibilidades, grau de desenvolvimento, etc., são, certamente, determinados pelas circunstâncias objetivas, naturais ou sociais. Êste modo de conceber a evolução histórica

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45

está presente em tôda a visão marxista da sociedade e, também, na estética marxista (LUKÁCS, 1965b, p. 15).

Reconhecemos com Marx e Lukacs que, em última instância, é a existência

que determina a consciência, não o inverso como está proposto pelos documentos

referidos, cuja ênfase recai no subjetivismo, como se a subjetividade fosse

divorciada da objetividade, ferindo, desse modo, a concepção de totalidade que

integra o ser social. Para Lukács (1965b, p. 29),

A verdadeira arte visa o maior aprofundamento e a máxima compreensão. Visa captar a vida na sua totalidade onicompreensiva. Quer dizer: ela, a verdadeira arte, aprofunda-se sempre na busca daqueles momentos mais essenciais que se acham ocultos sob a capa dos fenômenos; mas não representa êsses momentos essenciais de maneira abstrata, fazendo abstração dos fenômenos e contrapondo-se àqueles, e sim apreende exatamente aquêle processo dialético vital pelo qual a essência se transforma em fenômeno, se revela no fenômeno, fixando, também, aquêle aspecto do mesmo processo segundo o qual o fenômeno manifesta, na sua mobilidade, a sua própria essência.

Para ilustrar a discussão, assinalamos a maneira equivocada pela qual os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte se referem à forma artística, uma vez que

tais documentos consideram que a arte não se constitui pelas leis da lógica objetiva,

mas pelo domínio do imaginário lógico idealisticamente transcendente. Nesse

sentido trazemos a passagem em destaque nas referidas diretrizes curriculares:

[...] conhecimento artístico não tem como objetivo compreender e definir leis gerais que expliquem por que as coisas são como são. [...] O artista faz com que dois e dois possam ser cinco, uma árvore possa ser azul, uma tartaruga possa voar. A arte não representa ou reflete a realidade, ela é realidade

percebida de outro ponto de vista (BRASIL, 1997a, p. 37).

Para tratar da arte como reflexo da realidade, nos apoiamos no pensamento

do filósofo húngaro, o qual discorre sobre a categoria do reflexo como forma objetiva

da realidade. A arte, para Lukács, deve estar decisivamente atrelada ao sensível

humanizado e objetivado e não contraposta a realidade. O autor descreve que

Devemos aqui estudar a forma estética em seu modo genuíno e original de manifestação, tal como podemos encontrá-la sobretudo na obra de arte, enquanto objetivação do reflexo estético da realidade, no processo criador e no comportamento estético-receptivo em face da arte. É evidente que a forma artística - precisamente quando tem importância estética - é a forma específica e peculiar daquela determinada matéria que constitui o conteúdo de uma dada obra. [...], os traços e momentos da realidade artìsticamente refletida que se tornam elementos construtivos da obra e o papel concreto que desempenham nesta construção (LUKÁCS, 1970, p. 170).

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46

Lukács (1965a) ressalta ainda, que a arte travada sob o capitalismo, tende a

degenerar-se cada vez mais. Nas palavras do autor:

[...] desvario e insensibilidade são sintomas psicológicos mais generalizados da adaptação à terrível inumanidade do capitalismo moribundo; é isto o que os interesses de classe da burguesia pedem à arte. A estéril ebriedade não é apenas um fenômeno complementar à obtusidade da adaptação, mas reforça-lhe os aspectos piores (1956a, p. 279).

Vale ressaltar, que as circunstâncias objetivas postas pela sociabilidade

capitalista na contemporaneidade, trazem como pano de fundo a flexibilidade,

determinando que é necessário estar atento às mudanças de acordo com os

ditames vigentes, ―[...] é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível.

Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição

fundamental para aprender‖ (Brasil, 1997a, p. 21). Desse modo, o que temos são

novas decisões impostas pela forma social do capital. Freres (2008, p. 65), traz o

conceito de flexibilidade, além de empregabilidade, criatividade e produtividade,

assinalando que o indivíduo para se manter no mercado de trabalho precisa atender

a essas especificidades. De acordo com a autora,

[...] o conceito de empregabilidade volta à questão das características individuais para a colocação dos trabalhadores no mercado de trabalho. De acordo com esse conceito, o trabalhador deve desenvolver a criatividade e a responsabilidade para conseguir um emprego ou manter-se nele. [...], esse novo tipo de trabalhador deve adquirir capacidade de empregabilidade para vender sua força de trabalho num mercado extremamente competitivo, tornando-se empresário de si mesmo, ou seja, flexível, capaz de colocar-se e recolocar-se num emprego, independente da competição entre indivíduos por uma vaga no mercado de trabalho.

O cenário que temos é uma economia na base da (de) formação humana em

todos os aspectos, tanto objetivos, quanto subjetivos. Freres (2008, p. 87) assevera

ainda, que ―[...] Esse contexto passou a exigir outro tipo de formação para o

trabalhador, que atendesse às necessidades do processo produtivo, atrelando a

educação ao desenvolvimento econômico e social‖.

Outro ponto que destacamos para análise dos Parâmetros Curriculares

Nacionais refere-se a relação entre educação e formação humana. Os documentos

em foco apregoam que ―[...] o ensino e a aprendizagem de conteúdos colaboram

para a formação do cidadão, buscando igualdade de participação e compreensão

sobre a produção nacional e internacional de arte.‖ (Brasil, 1997a, p. 55). A partir

desse ponto, questionamos, baseados em Tonet (2007), o que significa formar para

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47

a cidadania, na sociabilidade do capital, na qual somos apenas formalmente e não

efetivamente livres e iguais?

A idéia de formação humana integral que a sociedade do capital apresenta é

a de que o trabalho é a atividade principal dessa formação. No entanto, no sistema

de produção capitalista, as formas de organização do trabalho e da produção são

como que negadas ao trabalhador, pois elas priorizam a acumulação de capital em

detrimento da satisfação das necessidades humanas. Trata-se, portanto, de um

trabalho nada potencializador das atividades do homem e de uma formação que se

dá de maneira aligeirada e fragmentada. Tonet (2007, p.77) nos afirma que

[...] Como o caráter de mercadoria da força de trabalho não é questionado, antes é tomado como algo natural, então essa parte da preparação ―integral‖ nada mais é do que a transformação do ser humano em mercadoria apta a atender os interesses da reprodução do capital.

Com efeito, a alienação e a exploração dos trabalhadores são intensificadas

na forma social-capital. Para Tonet (2007) quanto menos cada um expressar a sua

formação integral (moral, artística, cultural, intelectual), tanto maior será a sua

alienação. Nessa sociabilidade, o ser humano tende a permanecer reduzido à sua

vida animal, limitando-se à satisfação de suas necessidades básicas de

sobrevivência e aceitando tal fato como natural. Nesse sentido, o homem é incapaz

de possuir uma sensibilidade estética, há um processo de desumanização dos

sentidos.

Na esfera da necessidade imediata, própria do sistema capitalista, o homem

―[...] aprisiona e estreita seus sentidos, fechando-lhes as vias de acesso para a

riqueza humana objetivada‖ (Vázquez, 1968, p. 87). Como bem afirma Mészáros

(2006, p. 182), ―[...] os sentidos humanos não podem ser considerados como

simplesmente dados pela natureza. O que é especificamente humano neles é uma

criação do próprio homem‖. Com efeito, o aprimoramento e a própria humanização

dos sentidos é um processo atribuído à forma social que o indivíduo está inserido.

Para que o homem possa desenvolver plenamente suas potencialidades é

necessário, de acordo com Mészáros (idem, p. 185, grifos do autor), a ―[...]

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48

―emancipação completa de todas as qualidades e sentidos humanos‖ a raizon d’être

do socialismo‖.26

A formação integral deve contemplar elementos da vida cotidiana, no entanto,

para que o homem possa vir a tornar-se homem do homem, é fundamental que as

objetivações humano-genéricas, ou seja, da vida não-cotidiana, sejam elementos

basilares do processo educativo. Ocorre que a concepção de cidadania presente na

sociabilidade contemporânea, uma vez que não é perspectivada na emancipação

humana oriunda da formação humana integral, engendra uma inadequada

articulação entre subjetividade-objetividade intensificando o pragmatismo em

detrimento da práxis. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda, afirmam que

A aprendizagem artística envolve, portanto, um conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, que visam à criação de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibilidade de transformação do ser humano (BRASIL, 1997a, p. 45).

A partir do exposto, analisamos que o desenvolvimento da aprendizagem

artística, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, tem o intuito de promover a

transformação do homem, como se isso fosse possível dentro de um sistema que

exclui a maior parte do gênero humano. O documento ainda afirma que a Arte tem

uma importante função a cumprir, qual seja: situar ―[...] o fazer artístico como fato e

necessidade de humanizar o homem histórico, brasileiro, que conhece suas

características tanto particulares [...]‖ (BRASIL, 1997a, p. 45).

Mais uma vez a arte é considerada como redentora dos problemas sociais,

assim como é apontada, também, a educação. Apresentam-nos a necessidade de

humanizar o homem, contudo, não temos a possibilidade de pensar na superação

de problemas inerentes à sociabilidade do capital, uma vez que a lógica capitalista,

conduzida por avanços tecnológicos, próprio do trabalho humano, possibilita por um

lado elevadas condições de existência, e por outro lado, privam a maioria de tal

benefício. Corroboramos com Lukács, fundamentado em Marx e Engels, sobre o

caráter progressista do capitalismo, ao assinalar que

[...] Marx e Engels jamais negaram o caráter progressista do sistema capitalista de produção, mas, ao mesmo tempo, desmascararam-lhe

26

Para saber mais sobre o que entendemos por sociedade socialista, ler: TONET, Ivo. Sobre o socialismo. Curitiba: HD Livros, 2002.

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49

desapiedadamente os aspectos desumanos. Êles compreenderam claramente, e claramente o exprimiram, que sòmente trilhando tal estrada a humanidade poderia alcançar as condições materiais básicas para a sua libertação real e definitiva, no socialismo (1965b, p. 22).

O que temos, na ordem vigente, é a agudização da mercantilização dos

sentidos e dos significados, e, por conseguinte a agudização da mercantilização da

arte. Para Lukács (1965a, p. 265), ―[...] À medida que a economia mercantil vai se

generalizando, todos os bens de cultura também se tornam mercadorias, e os seus

produtores, especialistas submetidos à divisão capitalista do trabalho‖. Gonçalves

(2009), apoiando-se em Leontiev (2004) denuncia a mercantilização dos sentidos e

significados, candente na sociabilidade do capital, reconhecendo que

A transformação sofrida na estrutura interna da consciência ocorre a partir da divisão social do trabalho em que a maioria dos produtores separa-se dos meios de produção, e as relações entre os homens transformam-se cada vez mais em relações de coisas que se separam, se alienam do próprio homem. Assim, a atividade humana deixa de ser para o homem o que ela é de fato. A alienação passa a determinar a formação do homem e as condições concretas de sua existência que, pautadas na desumanização, acaba por descaracterizar o homem como ser social.

A autora esclarece que a divisão social do trabalho implica na

descaracterização desta atividade como fundamento ontológico do ser social,

confirmando um estranhamento geral: entre o homem e os meios de produção, entre

o homem e a natureza e por fim entre o homem e o próprio homem. Como afirma

Marx (2004, p. 85, grifos do autor) ―o homem estar estranhado do produto de seu

trabalho, de sua atividade vital e de seu ser genérico é o estranhamento do homem

pelo [próprio] homem‖. Contudo, não podemos esquecer, como assegura Gonçalves

(2009),

É oportuno ressaltar que este modo de produção, não é absoluto, nem eterno, mesmo que a relação antagônica entre capital e trabalho produza, por conseguinte, antagonismos entre as significações e os sentidos do trabalho no mundo dos homens; ou ainda que a crise na estrutural do capital atinja frontalmente o ser social provocando rupturas na relação entre subjetividade e objetividade, intensificando a complexidade, a fragmentação e a heterogeneidade da classe trabalhadora. Daí depreendermos que diante do caráter destrutivo e irrefreável do capital, contraditoriamente está posta diante de nós a tarefa de reunirmos todos os esforços com vistas à construção de um novo homem, e de uma nova sociedade, livre da exploração e voltada para finalidades assentes ao gênero humano.

Destarte, como afirma Lukács (1978, p. 16), apenas quando o trabalho de fato

for dominado pela humanidade e quando houver sido eliminado todo e qualquer tipo

de exploração, quando não mais houver a propriedade privada, nas palavras do

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50

autor, ―[...] só então terá sido aberto o caminho social da atividade humana como fim

autônomo‖. O filósofo húngaro elucida que ―abrir o caminho‖ significa criar condições

e possibilidades para o livre emprego de si, frutos da própria atividade humana. Isto

posto, compreendemos que a situação em que nos encontramos pode ser revertida,

de modo que possamos nos encontrar em um outro patamar, o qual rompe

radicalmente com essa forma de sociabilidade.

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51

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa pesquisa teve como objeto o ensino da arte na educação brasileira

contemporânea, evidenciando os rebatimentos da crise estrutural do capital e seus

limites à formação humana integral. As leituras feitas a partir da ontologia marxiano-

lukácsiana nos permitiram uma reflexão consciente da realidade objetiva em torno de

questões como: Qual é a origem e como se dá o desenvolvimento do ser social? Em

que consiste a humanização dos sentidos? Qual é o papel da consciência e do

reflexo na apreensão do real? O que podemos chamar de estética marxista? Quais

são os rebatimentos da crise do capital sobre a educação? O que os Parâmetros

Curriculares Nacionais proferem sobre o ensino da arte? Procuramos responder as

indagações no desenvolvimento deste trabalho organizando nossas elaborações em

três capítulos, o que nos possibilitou uma profícua discussão sobre a arte como

expressão singular da objetividade subjetivada. Diante da riqueza dos dados por nós

encontrados, buscamos destacar a partir de então, alguns resultados, os quais

consideramos de exímia relevância para o objeto em foco.

Ao analisarmos o ensino da arte na educação brasileira contemporânea,

buscando evidenciar os rebatimentos da crise estrutural do capital. Queremos

assinalar que não há possibilidades para a realização de uma formação humana

integral sob a forma capitalista, cuja lógica de exploração nega o acesso da maioria

dominada, à riqueza espiritual e material da sociedade, oferecendo o mínimo que

atende ao próprio benefício do capital. Corroboramos com Lukács (1965a, p. 265) ao

asseverar que ―Adaptação ornada de excitação, mortificação tornada saborosa pelo

desvario: eis o que os interesses de classe da burguesia solicitam à arte e a

literatura‖.

Com efeito, a agudização das relações de exploração tem gerado ao longo da

história, e, como pode ser evidenciado ao longo do decurso humano, um processo

onde a riqueza material e cultural produzida historicamente tem sido negada aqueles

que sempre exerceram uma função de extrema relevância em seu processo de

criação/desenvolvimento: a classe trabalhadora. Para que essa formação se torne

efetiva em todos os aspectos é necessário a construção de uma base material

humana que supere a sociabilidade de classes.

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A exploração de uma classe sobre outra fragmenta a articulação entre

individualidade e universalidade, subjetividade-objetividade. O desenvolvimento

humano, no que diz respeito a seu caráter social, varia de acordo com a classe, o

que provoca um grande abismo entre a vida material e a intelectual, devido à

exploração do homem pelo homem, o que faz com que poucos tenham acesso às

objetivações do gênero humano.

Podemos considerar que o psiquismo humano está intimamente ligado à

cultura, uma vez que ele se estrutura a partir da atividade social e histórica dos

indivíduos; pela apropriação da cultura humana material e simbólica, produzida e

acumulada de maneira objetiva ao longo da história da humanidade, conferindo ao

indivíduo a possibilidade de tornar-se membro do gênero humano.

Nesse sentido, corroboramos com Leontiev (1978, p. 283) ao asseverar que

não é uma questão de competência a apropriação das aquisições produzidas pela

humanidade, nas palavras do autor ―[...] O verdadeiro problema não está, portanto,

na aptidão ou inaptidão das pessoas para se tornarem senhores das aquisições da

cultura humana‖. O que temos na sociabilidade cravada sob o capital são limitações

ao acesso a essas aquisições, Leontiev afirma ainda, que se faz necessário ―[...] a

possibilidade prática de tomar o caminho de um desenvolvimento que nada entrave‖.

Todavia, a maioria das pessoas só tem acesso à apropriação das aquisições

produzidas pela humanidade dentro de limites inferiores, fato decorrente do modo de

produção da vida material próprio de sociedade cindida em classes, na qual uma

minoria tem acesso à riqueza cultural historicamente acumulada pela humanidade,

enquanto a maioria sobrevive à margem desta.

Destacamos também, que o homem pode desenvolver, a partir da

humanização dos sentidos, o enriquecimento do gênero humano, a fim de que tenha

a capacidade de utilização plena dos sentidos no campo tanto subjetivo, quanto

objetivo. Como assegura Marx (2004, p.110)

[...] (é) apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em suma as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém cultivados, em parte recém engendrados.

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53

No entanto, na sociabilidade cindida em classes, na qual o homem é cada vez

mais explorado, o sentido humano torna-se apático, fadado à negação da faculdade

do sentir. A sensibilidade estética tende a esquivar-se perante os homens, devido às

necessidades imediatas impostas por esse sistema de exploração. A trama das

relações, que constitui o modo de ser da sociabilidade do capital, impede que a

maioria dos homens tenha a sensibilidade contemplativa, proposta pelo mais belo

espetáculo, bem como o sentido do mineral para o comerciante é considerado

simplesmente pelo seu valor mercantil, impossibilitando que o homem possa

apreendê-lo na sua totalidade.

Ainda nas palavras de Marx (2004, p.110),

[...] O homem carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais belo espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não a beleza e a natureza peculiar do mineral [...]

Diante do exposto, Lukács (1965b, p. 22) assevera que ―[...] A hostilidade à

arte e à cultura, própria do sistema capitalista, comporta, ao contrário, o

fracionamento da totalidade concreta em especializações abstratas‖. Com efeito,

Marx (apud Konder, 1967, p. 27), destaca que o objeto ―só faz sentido para um

sentido adequado‖. Portanto, a partir do momento em que o homem consegue

apropriar-se do patrimônio historicamente construído pela humanidade e a partir

disso tem a possibilidade de desenvolver-se potencialmente, os sentidos e,

conseqüentemente, sua atividade criadora, serão elevadas às expressões no

processo de humanização.

Para Lukács (1966, p. 12) é na vida cotidiana do homem que se traz

elementos para esclarecer questões sobre o comportamento estético das atividades

humanas, as formações estéticas, etc. Quando o autor faz a analogia, na qual

apresenta a cotidianidade como um grande rio, de modo que a obra artística parte

da necessidade social presente no cotidiano, podendo ter um caráter objetivo e/ou

subjetivo, sofre um processo de elevação, mas em conseqüência desemboca

novamente na cotidianidade como ―formas superiores de objetivação‖.

Todavia, o homem tem sido privado da elevação do conhecimento, uma vez

que as pedagogias hegemônicas defendem a oferta de conhecimentos imediatos,

pragmáticos e aligeirados. Nesse sentido ressaltamos que, as diretrizes contidas em

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nossos programas educacionais atendem às necessidades ideológicas que emanam

da forma como os homens se relacionam sob o signo do capital. Um fato exemplar,

do problema ora em questão, é a mudança na redação modificada da Lei nº 12.287,

de 2010, a qual estabelece que

O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.

A modificação da lei torna ainda mais fragmentados os conhecimentos, diante

da perda da carga de sentido de sua totalidade, destacando um teor fragmentário,

localizacionista, reducionista no que é proposto para o ensino da arte. A formação

encontra-se subordinada pelas forças econômicas, as quais priorizam a acumulação

do capital em detrimento da aquisição do conhecimento histórico cultural produzido

pela humanidade.

Consideramos que o homem é um ser social na medida em que tudo de

humano nele existente resulte da vida em sociedade, ou seja, do contexto cultural

que vem sendo criado pelos homens em sua prática, e de acordo com essa prática é

que os homens poderão abrir caminho para o alcance de outra sociabilidade. Para

isso, é preciso lutar contra o sistema de exploração, o qual não permite a livre

consciência. Isto posto, nos contrapomos aos limites impostos a consecução de uma

formação humana integral, defendendo a objetivação de atividades educativas

revolucionárias, tendo como horizonte um novo homem e uma nova sociabilidade.

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