acordão_stj_contratopromessa

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 03A2088 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: NUNO CAMEIRA Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA INTERPRETAÇÃO DA VONTADE INTERPELAÇÃO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO MORA EXECUÇÃO ESPECÍFICA IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO Nº do Documento: SJ200309230020886 Data do Acordão: 09/23/2003 Votação: UNANIMIDADE Tribunal Recurso: T REL COIMBRA Processo no Tribunal Recurso: 3601/02 Data: 12/17/2002 Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA. Sumário : I - No art.º 830, do CC a referência legal a "não cumprimento" deve ser entendida em sentido amplo; isto porque para efeitos de execução específica é suficiente a simples mora, já que o credor mantém então o interesse na prestação; se não mantivesse, naturalmente que não exerceria o seu direito a ela. II - A execução específica deixa de ser possível a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro. III - Tendo sido estipulado no contrato-promessa que a escritura definitiva se faria logo que estivessem em ordem todos os documentos necessários para a sua efectivação e quando o A, promitente comprador, fizesse a marcação da mesma, isto significa que as partes cometeram ao A. a determinação do momento do cumprimento da obrigação, que é, sem dúvida, uma obrigação pura, ou seja, uma obrigação que não tem prazo estipulado (art.º 777, n.º 1). IV - Neste tipo de obrigações o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido interpelado para cumprir, judicial ou extrajudicialmente (art.º 805, n.º 1). V - Não há interpelação se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer no notário a fim de celebrar o contrato prometido. VI -Provada a falta de interpelação, a mera circunstância de a recorrida ter anuído a que os seus familiares encarregassem uma imobiliária de promover a venda dos prédios prometidos vender não revela de modo inequívoco a sua intenção de recusar a celebração do contrato definitivo, isto é, a sua vontade de incumprir o contrato-promessa. Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório "A" propôs contra B, uma acção ordinária, baseada no artº 830º, nº 1, do CC (1), pedindo que fosse proferida sentença operando a transmissão a seu favor de dois prédios que a ré lhe prometeu vender. Alegou ter celebrado com ela um contrato promessa mediante o qual a ré se comprometeu a vender-lhe uma casa e o respectivo terreno circundante pelo preço de doze milhões de escudos, dos quais logo recebeu a título de sinal dois milhões; que foi de imediato investido na posse dos imóveis; e que a ré tem estado a reter documentos essenciais à marcação da escritura, recusando-se a outorgá-la, a não ser mediante um acréscimo do preço. A ré contestou, dizendo, em suma, que se encontrava incapacitada de entender o sentido da declaração que prestou; que o contrato é ineficaz; que foram omitidas formalidades legais na celebração da promessa; que a casa valia mais do que vinte mil contos; que não deveria ter sido preterida a exibição da licença de utilização; que não existem todos os documentos necessários para a elaboração da escritura; que não foi convocada para nenhuma escritura; que não estão descriminados os preços individuais de todos os bens constantes do contrato; e que o autor se aproveitou de uma chave que lhe não foi entregue pela ré, tendo mudado as fechaduras da casa. Alegou ainda que uma imobiliária já foi encarregada de proceder à respectiva venda, na medida em que a ré nada prometeu, validamente, ceder ao autor . Após o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido. O autor apelou, mas sem êxito, pois a Relação confirmou a sentença. Novamente inconformado, interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

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  • Acrdos STJ Acrdo do Supremo Tribunal de JustiaProcesso: 03A2088N Convencional: JSTJ000Relator: NUNO CAMEIRADescritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA

    INTERPRETAO DA VONTADEINTERPELAOINCUMPRIMENTO DEFINITIVOMORAEXECUO ESPECFICAIMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO

    N do Documento: SJ200309230020886Data do Acordo: 09/23/2003Votao: UNANIMIDADETribunal Recurso: T REL COIMBRAProcesso no Tribunal Recurso: 3601/02Data: 12/17/2002Texto Integral: SPrivacidade: 1Meio Processual: REVISTA.Sumrio : I - No art. 830, do CC a referncia legal a "no cumprimento" deve ser entendida em sentido

    amplo; isto porque para efeitos de execuo especfica suficiente a simples mora, j que ocredor mantm ento o interesse na prestao; se no mantivesse, naturalmente que noexerceria o seu direito a ela.II - A execuo especfica deixa de ser possvel a partir do momento em que se verifique umaimpossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender jter sido alienado a um terceiro.III - Tendo sido estipulado no contrato-promessa que a escritura definitiva se faria logo queestivessem em ordem todos os documentos necessrios para a sua efectivao e quando o A,promitente comprador, fizesse a marcao da mesma, isto significa que as partes cometeram aoA. a determinao do momento do cumprimento da obrigao, que , sem dvida, umaobrigao pura, ou seja, uma obrigao que no tem prazo estipulado (art. 777, n. 1).IV - Neste tipo de obrigaes o devedor s fica constitudo em mora depois de ter sidointerpelado para cumprir, judicial ou extrajudicialmente (art. 805, n. 1).V - No h interpelao se a promitente vendedora nunca foi notificada para comparecer nonotrio a fim de celebrar o contrato prometido.VI -Provada a falta de interpelao, a mera circunstncia de a recorrida ter anudo a que os seusfamiliares encarregassem uma imobiliria de promover a venda dos prdios prometidos venderno revela de modo inequvoco a sua inteno de recusar a celebrao do contrato definitivo,isto , a sua vontade de incumprir o contrato-promessa.

    Deciso Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justia:

    Relatrio"A" props contra B, uma aco ordinria, baseada no art 830, n 1, do CC (1), pedindo quefosse proferida sentena operando a transmisso a seu favor de dois prdios que a r lheprometeu vender. Alegou ter celebrado com ela um contrato promessa mediante o qual a r secomprometeu a vender-lhe uma casa e o respectivo terreno circundante pelo preo de dozemilhes de escudos, dos quais logo recebeu a ttulo de sinal dois milhes; que foi de imediatoinvestido na posse dos imveis; e que a r tem estado a reter documentos essenciais marcaoda escritura, recusando-se a outorg-la, a no ser mediante um acrscimo do preo.A r contestou, dizendo, em suma, que se encontrava incapacitada de entender o sentido dadeclarao que prestou; que o contrato ineficaz; que foram omitidas formalidades legais nacelebrao da promessa; que a casa valia mais do que vinte mil contos; que no deveria ter sidopreterida a exibio da licena de utilizao; que no existem todos os documentos necessriospara a elaborao da escritura; que no foi convocada para nenhuma escritura; que no estodescriminados os preos individuais de todos os bens constantes do contrato; e que o autor seaproveitou de uma chave que lhe no foi entregue pela r, tendo mudado as fechaduras da casa.Alegou ainda que uma imobiliria j foi encarregada de proceder respectiva venda, na medidaem que a r nada prometeu, validamente, ceder ao autor .Aps o julgamento, foi proferida sentena julgando a aco improcedente e absolvendo a r dopedido. O autor apelou, mas sem xito, pois a Relao confirmou a sentena.Novamente inconformado, interps recurso de revista, formulando as seguintes concluses:

  • 1 Atravs da presente aco declarativa pretende o autor que seja proferida sentena queproduza o efeito de transmitir para o autor, pelo preo de doze milhes de escudos, do qual estepagou r j dois milhes de escudos, os imveis inscritos sob os arts 462 (urbano) e 1808(rstico) da freguesia de So Miguel, concelho de Vila Nova de Poiares, contra o pagamentopelo autor r da parte restante do preo, que o autor oferece a esta, atravs de consignao emdepsito, em incidente a deduzir logo que proferida a sentena.2 Atravs de contrato promessa escrito, com as assinaturas reconhecidas na presena de notrio,o autor obrigou-se a adquirir r e esta, por sua vez, obrigou-se a vender ao autor dois prdios,um urbano com o respectivo recheio e outro rstico, respectivamente inscritos sob os arts 462e 1808 da freguesia de So Miguel, concelho de Vila Nova de Poiares, pelo preo global dedoze milhes de escudos, tendo a r recebido como sinal a quantia de dois milhes de escudos.3 De acordo com as condies estipuladas no contrato em apreo o negcio jurdico prometidoseria celebrado "logo que em devida ordem todos os documentos para a sua efectivao equando o segundo fizer a sua marcao".4 Em 4.06.1999 o autor obteve as certides prediais na Conservatria respectiva e que ascertides matriciais estavam j na posse do autor desde 5.05.1999 (alneas E, F e G).5 Contudo, no dia 29 de Junho de 1999 uma imobiliria foi encarregada pelos familiares da rde promover a venda dos imveis objecto do contrato prometido, com o acordo da prpria r.6 A r, ao encarregar uma agncia imobiliria de promover a venda dos imveis, objecto docontrato prometido e celebrado com o autor, manifestou uma inequvoca vontade em nocumprir a obrigao assumida perante o autor.7 O comportamento da r no configura uma simples mora no cumprimento da obrigao, mais do que isso: estando a r na disposio de vender os imveis a terceiros e no ao autor,vontade esta inequivocamente manifestada pela r ao concordar em confiar a uma imobiliria avenda dos imveis, desnecessrio proceder marcao da escritura e notificar a r para oefeito, quando a r j revelou que o no pretende fazer, quando deu o seu acordo para que aimobiliria promovesse a venda dos prdios.8 A matria de facto provada e assente - alnea I) e resposta aos quesitos 54 e 55 - configura porparte da r incumprimento definitivo ipso facto do contrato-promessa celebrado com o autor.9 Ao autor assiste o direito que atravs da presente aco pretende exercer: a prolaco desentena que substitua a declarao do faltoso.10 O contrato em apreo contm o reconhecimento presencial das assinaturas de ambos ospromitentes; o prdio urbano em apreo (actual art 462) provm de um outro artigo matricial(art 157) e porque este foi inscrito na matriz anteriormente a 7.8.51 (data da aprovao doDecreto-Lei n 38382 - Regulamento Geral das Edificaes Urbanas) est o imvel em causadispensado da apresentao da respectiva licena de construo ou de utilizao (interpretaopacfica da doutrina e jurisprudncia e da Direco Geral dos Registos e do Notariado).11 O direito aplicvel aos factos assentes e provados determinam uma s soluo: aprocedncia total da aco e a prolaco de sentena que produza o efeito de transmitir para oru os imveis inscritos sob os arts 462 (urbano) e 1808 (rstico) da freguesia de So Miguelde Poiares, do concelho de Vila Nova de Poiares, mediante o pagamento pelo autor r da parterestante do preo ainda em dvida (dez milhes de escudos), pagamento que o autor se propefazer, logo que profira deciso final.12 O acrdo recorrido, ao decidir que falta um dos requisitos para o autor obter a sentenaconstitutiva, - a notificao prvia da r para outorgar o contrato prometido, - violou as normasdos artigos 442, n 3, 798, 799 ns 1 e 2 e 830 do Cdigo Civil.13 - Deve, assim, conceder-se provimento ao presente recurso e, em sua consequncia revogar-se o acrdo recorrido, proferindo-se acrdo que julgue a aco procedente.A r contra alegou, defendendo a confirmao do julgado.FundamentaoVm provados os seguintes factos:1 - Com data de 25.5.99, autor e r outorgaram o contrato escrito que consta da folha 91 doprocesso, e ambos o assinaram presencialmente, perante notrio, a 26 de Maio do mesmo ano;2 - Na mesma altura, o autor entregou r, a ttulo de sinal e princpio de pagamento, a quantiade 2.000.000$0, e ficou com as chaves da casa;3 - A 4.6.99 o autor obteve na CRP de Poiares as certides prediais dos prdios em causa eaquando da assinatura do contrato havia j obtido a caderneta predial do imvel urbano,actualizada em 3.5.99, e a certido do rstico, passada a 5 de Maio do mesmo ano de 1999;4 - Por escritura de 27.5.99, no Cartrio Notarial de Poiares, a r declarou vender, pelo preo, jrecebido, de 500.000$00, a C, um prdio, nos termos que melhor constam do documento cujoteor o constante das folhas 50 a 53;5 - A 29.6.99 a Imobiliria D foi encarregada de promover a venda dos imveis a que se refere ocontrato agora em apreo;6 - O chefe da repartio de finanas de Poiares fez constar que o imvel urbano a que se aludeno contrato que se encontra na folha 91 provm do imvel inscrito sob o art 157 da freguesia de

  • S. Miguel, por ter sido reconstrudo, e que este ltimo foi inscrito na matriz anteriormente a7.8.51;7 - A r assinou a procurao que se encontra Pro, datada de 12.10.99;8 - O sr. E, merceeiro na povoao onde se situam os imveis a que se alude no contrato queconsta da folha 91, mostrou a casa ao autor ;9 - A partir da celebrao do contrato, e por ter logrado obter uma chave da casa, o autor passoua ser capaz de nela entrar, e algumas vezes f-lo (resp. ponto 1);10 - Desde finais de 1998, e por via da doena de que padecia e padece, bem como por fora damedicao que, para o efeito, cumpre, a r comeou a manifestar diminuio da sua lucidez eperturbaes no seu discernimento, por fora do que diminuram os graus de ateno que, porvezes, prestava s conversas (resp. ponto 13);11 - Por vezes, via-se prejudicada a continuidade das conversas que a r mantinha; por vezes, ar no retinha total e eficazmente, em memria, factos ou actos anteriormente ocorridos oupraticados, especialmente os mais recentes, mesmo com poucas horas passadas sobre os mesmos(resp. pontos 14, 15);12 - Desde finais de 1998, e por vezes, as respostas da r viam-se prejudicadas, na sua coernciae conexo, por virtude do atrs referido quanto ao seu estado de sade (resp. ponto 16);13 - Por vezes, aps o decesso do seu marido, que ocorreu em Agosto de 1999, a r levantoudinheiro da sua conta bancria, e, posteriormente, no se recordou nem de quanto levantou nemsequer de o ter feito (resp. ponto 18); 14 - Aps o decesso do seu marido, a r passou por perodos de exaltao (resp. ponto 19); 15 - A r utiliza para dormir, desde antes de 1998, doses superiores s habitualmenterecomendadas, de comprimidos prprios para o efeito, alguns dos quais psicotrpicos (resp.ponto 20);16 - Por vezes, devido a perturbaes na sua lucidez, no se recordava de ter j tomadocomprimidos, nem sabia diferenciar qual a sua medicao e qual a do seu falecido marido, peloque tomava, tambm, os medicamentos quele receitados (resp.Ponto 21);17 - O uso, nos moldes em que o fazia, dos medicamentos que tomava, colocava a r, por vezes,num estado fsico e mental debilitado (resp.Ponto 24);18 - Em Maro de 1999 a r sofreu traumatismo craneano, com perda de conhecimento, devido auma queda em sua casa; pelo menos desde essa data passou a padecer, por vezes, de sentimentosdepressivos, de alteraes do comportamento, com descontrolo emocional, irritabilidade,insegurana e vulnerabilidade psicolgica (resp. pontos 25, 26, 27 e 28);19 - A r acusava as pessoas de a roubarem, desconfiava de toda a gente, e escondia o dinheirodos familiares (resp. pontos 29, 30 e 31);20 - A partir de Maro de 1999 a r apresentava um quadro psiquitrico de delirium, commanifestaes de cariz paranide, e com alteraes das suas faculdades cognitivas, daconcentrao e do comportamento; tal quadro clnico, do qual so manifestaes os factosanteriormente referidos, veio, progressivamente, a ser atenuado (resp. ponto 32);21- No entretanto, a doena do marido da r agravava-se de dia para dia, o que preocupava a r(resp. pontos 35 e 36);22 - A r passou por um perodo durante o qual se mostrava atabalhoada na sua higiene ecompostura dirias; ento, perdeu o senso crtico, o discernimento e a capacidade de reflexoperante qualquer negcio ou deciso, ainda que de reduzida complexidade; ficou privada dacapacidade para entender e querer, quadro este que, como referido, veio progressivamente, a seratenuado (resp. pontos 37, 38 e 39);23 - Foi o autor quem elaborou o texto do contrato promessa, e foi terceira pessoa quem odactilografou (resp. ponto 41);24 - A casa foi reconstruda, facto que terminou em Agosto de 1958 (resp. pontos 47 e 48);25 - Foram os familiares da r quem encarregou a C da venda dos imveis, obtendo para o efeitoo acordo da prpria r ( resp. pontos 54 e 55).A questo central, e a bem dizer nica que est colocada no recurso traduz-se na seguintepergunta:Como interpretar, juridicamente, o comportamento da r aps a celebrao do contratopromessa, expresso nos factos 5 e 25?Segundo o autor, a r mostrou de forma inequvoca no querer cumprir a obrigao aoencarregar a agncia imobiliria de promover a venda dos dois prdios; a interpelao paracumprir, em tais circunstncias, seria intil, porquanto aquela atitude traduz, por si, oincumprimento definitivo. De resto, argumenta ainda, a jurisprudncia deste Supremo Tribunal nesse preciso sentido: desnecessidade da interpelao sempre que o contraente declare oudemonstre a inteno de no cumprir.Foi diferente o entendimento das instncias.Na sentena, sugestivamente, escreveu-se (fls 320, verso):"H, no entanto, um argumento da r que tem, assim o creio, toda a razo de ser. Efectivamente,a r deslocou-se a Poiares e assinou um contrato; regressou a Lisboa e confessou-se arrependida;

  • confrontada pela filha e neto, permitiu-lhes que encarregassem uma imobiliria de vender osimveis. Como reagiria notificada para comparecer no Cartrio ou para proceder marcao daescritura em prazo razovel, munindo-se, previamente, de eventuais documentos que fossemnecessrios e que estivessem em falta? Ficamos sem o saber. Alega o autor que lhe pediudocumentos, que a intimou a cumprir a promessa, e que a mesma lhe exigiu um acrscimo depreo; nada, a esse respeito, se provou. Neste processo, desde logo, a r invocou razes que, emseu entender, obstariam plena validade e eficcia do contrato. Porm, no declarouexpressamente que se recusa, definitivamente, a cumpri-lo. Nem, como j dito, tal se depreendedos factos provados. Nem o prprio contrato menciona qualquer prazo que tenha j,ostensivamente, decorrido.Dispe o art 830 do cdigo civil, no seu n 1, que a execuo especfica, designadamenteatravs de sentena que supere a falta de declarao negocial, opera "se algum se tiver obrigadoa celebrar certo contrato e no cumprir a promessa". Como pode afirmar-se que est emincumprimento?" A Relao, por seu turno, ao considerar que cabia ao autor provar que interpelou a autora para arealizao do contrato definitivo, prova esta que no fez, e que a execuo especfica "s legalmente possvel desde que uma das partes tenha entrado em mora", no se afastou daposio da 1 instncia.A nosso ver, o entendimento das instncias o correcto.Na hiptese dos autos est em causa a execuo especfica da obrigao de contratar, que o art830, n 1, faz depender, entre outros requisitos que no vm ao caso, do no cumprimento dapromessa por parte de quem se obrigou a realizar o contrato prometido.Como adverte o Prof. Meneses Leito (2), a referncia legal a no cumprimento deve serentendida em sentido amplo; isto porque para efeitos de execuo especfica suficiente asimples mora, j que o credor mantm ento o interesse na prestao; se no mantivesse,naturalmente que no exerceria o seu direito a ela. Alis, a execuo especfica deixa de serpossvel, acrescenta este autor, a partir do momento em que se verifique uma impossibilidadedefinitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender j ter sido alienadoa um terceiro. Nessa hiptese, com efeito, a sentena judicial no poderia produzir os efeitos deum contrato definitivo vlido, mas antes os de uma venda de bens alheios nula (arts 892 esegs), o que no admissvel (3).O Prof. Almeida Costa tambm claro ao defender que a via da execuo especficacorresponde a uma situao de simples mora, enquanto que a da exigncia do sinal (singelo oudobrado), bem como a da indemnizao actualizada do valor da coisa ou do direito correspondea uma situao de incumprimento definitivo (4).Na situao em anlise estipulou-se que a escritura definitiva se faria logo que estivessem emordem todos os documentos necessrios para a sua efectivao, e quando o autor (promitentecomprador) fizesse a sua marcao.Isto significa que as partes cometeram ao autor a determinao do momento do cumprimento daobrigao, que , sem dvida, uma obrigao pura, ou seja, uma obrigao que no tem prazoestipulado (art 777, n 1). Simplesmente, neste tipo de obrigaes o devedor s fica constitudoem mora depois de ter sido interpelado para cumprir, judicial ou extrajudicialmente (art 805, n1); e no caso presente no houve interpelao, como o prprio recorrente aceita, j que arecorrida nunca foi notificada para comparecer no notrio a fim de celebrar o contratoprometido.Mas, poder dizer-se que ocorreu uma situao de mora "objectiva", tal como se encontratipificada no art 805, n 2, situao essa que tornou irrelevante, por desnecessria, ainterpelao da r?A nosso ver, a resposta negativa, no podendo atribuir-se conduta da r descrita nos factosprovados 5 e 25 o significado que o recorrente pretende.Na verdade, e desde logo, a circunstncia de ter anudo a que os seus familiares encarregassemuma imobiliria de promover a venda dos prdios no decisiva, desacompanhada doutroselementos, para se concluir que no cumpriria a promessa, se e quando fosse chamada a faz-lo; um comportamento que, apreciado dentro do restante circunstancialismo demonstrado, norevela de modo inequvoco aquela inteno; revel-la-ia se, porventura, ocorresse j depois deter tido lugar a notificao para comparecer no notrio. Depois, o facto em apreo no representada parte da r uma declarao tcita, mas inequvoca, de no querer cumprir o contrato. Ocumprimento teria que consistir na realizao da prestao na data fixada. Como, porm,nenhuma data foi indicada para tal efeito recorrida, bvio que ficou prejudicado o ensejo de,por qualquer conduta assumida em momento posterior, a visada demonstrar praticamente ainteno de no cumprir. O descrito comportamento da r, insistimos, afigura-se manifestamentecompatvel, por si s, com a vontade de cumprir: no evidencia que quis recusar a celebrao docontrato definitivo - para o qual a autor, alis, contra o estipulado, no a convocou.DecisoNestes termos, nega-se a revista.

  • Custas pelo recorrente.Lisboa, 23 de Setembro de 2003Nuno CameiraFernandes MagalhesAzevedo Ramos (dispensei o visto)-----------------------(1) Salvo indicao em contrrio, pertencem ao Cdigo Civil todos os artigos citados no texto.(2) Direito das Obrigaes, Volume I, 2 edio, pg. 214.(3) O AUJ 4/98, de 5 de Dezembro, baseou-se num entendimento das coisas idntico ao que seexpressa no texto.(4) Cfr. Contrato Promessa, Uma Sntese do seu Regime, 7 edio, pg. 73/75.