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ACESSO INDUSTRIAL IMOBILIRIA E USUCAPIO VERSUS DESTAQUE Mnica Jardim e Dulce Lopes 1

Introduo

A diferenciao entre direito civil e administrativo, que se reflecte no apenas de um ponto de vista substancial mas tambm de uma perspectiva processual, tem recentemente constitudo o palco privilegiado para o debate de um conjunto de questes de fronteira, em especial quando em causa esto domnios to estreitamente conexos como o do direito das coisas e o do direito do urbanismo. Debruamo-nos neste texto sobre uma dessas questes, a da relao entre a acesso industrial imobiliria e a usucapio e a figura do destaque, que, como veremos, nos h-de transportar para a discusso dos prprios pressupostos da aquisio do direito de propriedade e para a compreenso da funo que este instituto do direito do urbanismo desempenha na reconfigurao fundiria do solo2.

I. Colocao da questo

O presente texto encontra-se publicado, em verso de papel, na obra colectiva O Urbanismo, o Ordenamento do Territrio e os Tribunais, sob a coordenao de Fernanda Paula Oliveira, Coimbra, Almedina, 2010, p. 757 a 812. No entanto, cumpre sublinhar que foram acrescentadas referncias bibliogrficas e, em aspectos pontuais, introduzidas algumas alteraes visando tornar mais clara a posio das autoras. 1 Assistentes da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 2 Saliente-se que apenas abordaremos a referida questo a propsito da acesso e da usucapio ocorrida na vigncia do actual Cdigo Civil. Sentimos necessidade de fazer esta ressalva, por um lado, porque o momento da aquisio do direito de propriedade por acesso , inquestionavelmente, o da verificao dos actos materiais de incorporao cfr. a al. d) do art. 1317. do Cdigo Civil e, por outro, porque invocada triunfantemente a usucapio os seus efeitos retrotraem-se data do incio da posse (cfr. art. 1288. do Cdigo Civil). Do mesmo modo, tambm no abordaremos situaes mais complexas que envolvem cenrios de loteamento ou de reas urbanas de gnese ilegal, uma vez que estas implicam um instrumentarium que no pode ter lugar, apenas e s, no mbito da discusso da acesso ou usucapio parcial da coisa.

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Como se sabe, um direito real incide, em regra, sobre a totalidade da coisa que constitui o respectivo objecto3. Por outro lado, conforme decorre do n. 2 do art. 408. do Cdigo Civil, os direitos reais s podem incidir sobre coisas certas, determinadas e autonomizadas juridicamente. E, segundo a melhor doutrina, o conceito de coisa abarca, alm de outros, os seguintes elementos: Objecto com existncia autnoma e; Objecto aproprivel, susceptvel de subordinao jurdica ao poder, aco ou disponibilidade exclusiva de algum. Assim, no cabe na noo jurdica de coisa um objecto que no tenha existncia autnoma, isto , que no tenha uma entidade distinta e separada ou que no esteja individualizado. O que equivale a dizer-se que sobre o que s existe como parte de um todo mais vasto no podem constituir-se relaes jurdico-reais com individualidade prpria. Por outro lado, em relao a coisas que so j, de algum modo, certas e determinadas (mas ainda no separadas ou autonomizadas de outras coisas como o caso das partes componentes e das partes integrantes), h que afirmar que, tratando-se de coisas passveis de identificao na sua individualidade, mas encontrando-se estreitamente conexas com uma coisa diferente, no podem ser objecto de direitos reais diversos dos que incidem sobre a coisa a que se encontram ligadas. S depois de se produzir a desafectao ou separao que podem ser objecto de um direito real distinto. Em resumo, no possvel a constituio de um autnomo ius in re sobre uma parte de um bem, sem que se proceda individualizao ou separao dessa parte. Pelo que respeita a prdios, evidente que so fraccionveis e que, portanto, uma parcela de um prdio pode autonomizar-se e dar origem a

O direito portugus consagra o princpio superfcies solo cedit. No entanto, este princpio, como consabido, conhece excepes no ordenamento jurdico portugus. Lembramos os arts. 1389. a 1391. e 1395. do Cdigo Civil, onde, de forma expressa, se admite que o direito de propriedade sobre as guas existentes num prdio pertena a pessoa diversa do dominus do referido prdio, e o art. 1528., do mesmo diploma legal, que admite a constituio do direito de superfcie mediante a alienao de obra ou rvores j existentes. Mas a excepo ao princpio em apreo, com mais relevncia prtica, indubitavelmente a que resulta do regime da propriedade horizontal, constante dos artigos 1414. a 1438. do Cdigo Civil.

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um novo prdio. Mas a desafectao ou separao s pode ocorrer, obviamente, de acordo com a lei. Podendo conduzir a acesso industrial imobiliria e a usucapio aquisio do direito de propriedade sobre um novo imvel formado a partir de uma rea de terreno que desafectada ou separada daquele a que originariamente pertencia, somos necessariamente confrontados com as limitaes legais a que se criem novos prdios, seja como simples diviso de um prdio rstico em diversos prdios rsticos, seja como formao de um ou mais prdios urbanos a partir de uma rea antes includa num nico prdio rstico. No presente estudo interessam-nos, precisamente, as questes que se suscitam quando a acesso industrial imobiliria e a usucapio podem conduzir autonomizao jurdica de uma nica parcela de terreno do prdio me. De facto, com a acesso e a usucapio parciais surgem novas coisas e novos direitos sobre elas 4, j que no pode haver aquisio originria sem que a coisa sobre o qual incida exista. No entanto, a autonomizao jurdica de uma nica parcela de terreno, quer se localize em solo rstico quer em solo urbano, est subordinada a requisitos legais, por isso, imediatamente, surgem as seguintes questes: Sendo exercido o direito acesso sobre a parcela do prdio onde foi realizada a obra e no sobre a totalidade do prdio ou sendo invocada a usucapio apenas sobre uma parcela de um prdio, o juiz ou quem tenha competncia na matria tem, ou no, de se preocupar com a eventual violao dos requisitos previstos na legislao urbanstica e que condicionam o fraccionamento do solo para fins de edificao urbana? Por outras palavras: a possibilidade de estar a concretizar um destaque5 ilegal impede ou no a aquisio de uma parcela (como coisa autnoma) de um prdio mais vasto por acesso ou por usucapio?

A precedncia entre a coisa e o direito lgica mas, no caso da acesso e da usucapio, no cronolgica, j que aqui a coisa e o direito nascem em simultneo. 5 Colocamos a expresso destaque entre aspas porque a utilizamos aqui de forma no rigorosa do ponto de vista urbanstico, uma vez que nos referimos ao fraccionamento jurdico de um prdio em dois como consequncia directa da acesso ou da usucapio.

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Para facilitar a exposio, analisemos primeiro o problema quando suscitado pela acesso industrial imobiliria e, s depois, aquele que pode surgir aquando da invocao judicial da usucapio.

II. A Acesso Industrial imobiliria6 A acesso industrial imobiliria um modo de adquirir originariamente a propriedade. Segundo o art. 1340., n. 1, do Cdigo Civil, se algum, de boa f, construir obra em terreno alheio e o valor que as obras tiverem trazido totalidade do prdio for maior do que este tinha antes, o autor da incorporao adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prdio tinha antes das obras7. Entende-se que houve boa f se o autor da obra, sementeira ou plantao desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a

D-se a acesso quando com a coisa que propriedade de algum se une e incorpora outra coisa (alheia ou res nullius) que no lhe pertencia (cfr. art. 1325. do Cdigo Civil). Porque no interessam ao nosso estudo, no nos referiremos s hipteses de acesso industrial imobiliria previstas no art. 1339. (obras, sementeiras ou plantaes feitas em terreno do prprio com materiais alheios), no art. 1342. (obras, sementeiras ou plantaes feitas com materiais alheios em terreno alheio) e no art. 1343. (prolongamento de edifcio por terreno alheio), todos, do Cdigo Civil. Acresce que reduziremos a anlise do art. 1340. do Cdigo Civil hiptese de ser feita obra em terreno alheio, assim excluindo, portanto, a de realizao de sementeira ou plantao. 7 O actual Cdigo, ao contrrio do que ocorria na vigncia do Cdigo de Seabra, no reserva o direito de acesso ao possuidor em nome prprio ou seja, no exclui o mero detentor , nem faz depender tal direito de a posse do interventor ser titulada. Assim, se, por exemplo, a obra foi realizada toda no tempo de vigncia do Cdigo de Seabra, por um interventor cuja posse era no titulada ou por um mero detentor, se o litgio for agora apreciado, est afastada a acesso, no obstante a mesma ser vivel em face das regras do actual Cdigo. No entanto, como afirma QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias Colectnea de Jurisprudncia Acrdos do Supremo Tribunal de Justia, Ano IV, T. I, 1996, p. 18: a vida ou os seus sucessos no so to lineares quanto as regras com que os legisladores e os juristas os pretendem enquadrar. E assim que, por vezes, as obras, porque se no podem, por sua prpria natureza, realizar uno acto, tm contacto com mais de um regime legal; outras vezes, embora iniciadas e concludas sob um nico regime, sofrem, mais tarde, desenvolvimentos (alteraes; acrescentos) empreendidos quando uma outra lei j havia substitudo a primeira. A este propsito, refira-se por fim que segundo o nosso entendimento, na esteira de QUIRINO SOARES, na hiptese de ocorrer mudana do regime legal quando as obras esto em curso, deve dar-se prevalncia lei nova, porque alm de ter, relativamente aos actos materiais de incorporao, elementos de conexo no menos relevantes que a lei antiga, leva, sobre esta, a vantagem de constituir a ltima palavra do legislador sobre o assunto, e, por isso, supostamente, conter as mais ajustadas e aperfeioadas regras de soluo do conflito de interesses subjacente. (Cfr. QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias, loc. cit., p. 19).

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incorporao pelo dono do terreno (Cfr. art. 1340., n. 4, do Cdigo Civil)8. O autor da incorporao adquire a propriedade do prdio se o valor acrescentado ou seja, o valor em que o prdio aumentado e no a diferena entre o valor da obra e o valor do terreno, uma vez que a obra pode ter gerado um acrscimo de valor do prdio superior quele que lhe seria atribudo quando avaliada isoladamente for superior ao que o prdio tinha antes da incorporao9. O fundamento econmico do preceito no destruir a obra feita, pelo que deve formar-se, com a acesso, um nico corpo, e, portanto, hde resultar dela uma ligao material, definitiva e permanente, entre a coisa acrescida e o prdio, que torne impossvel a separao sem alterao da substncia da coisa10. Nesta perspectiva, para justificar acesso industrial imobiliria, a obra dever ficar incorporada no terreno de modo tal que os elementos que a compem percam a sua individualidade, formando, com o terreno, uma nova coisa11-12.A autorizao para praticar os actos materiais em que a acesso se traduz tanto pode ser atribuda atravs de uma declarao de vontade expressa, feita pelo proprietrio da coisa, como resultar, por exemplo, de um contrato translativo nulo por falta de forma. Ou seja, a autorizao pode ser tcita. 9 Se o valor acrescentado for igual, haver licitao entre o antigo dono e o autor da incorporao, pela forma estabelecida no n. 2 do artigo 1333. do Cdigo Civil. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantaes pertencem ao dono do terreno, com obrigao de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporao. (cfr. n. os 2 e 3 do art. 1340. do Cdigo Civil). 10 Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, vol. III, 2. ed., 1987, p.164. 11 Ou seja, a acesso pressupe que uma coisa se una ou incorpore de forma inseparvel (definitiva, permanente) a outra. No basta a mera adjuno, justaposio ou um simples nexo de afectao ou destino: necessrio que a coisa se una a outra ou se integre ou incorpore (faa corpo) com a outra, sendo que esta inseparabilidade deve ser entendida em sentido econmico e no meramente material. Consequentemente, duas ou mais coisas encontram-se unidas de modo inseparvel quando a desincorporao, embora fsica e materialmente possvel, destrusse ou danificasse gravemente a coisa principal. 12 Como se sabe, nas hipteses de acesso industrial imobiliria que resultam da interveno em terreno alheio surge, amide, a necessidade de delimitar claramente esta figura em face das benfeitorias. Em abstracto, a distino simples, uma vez que, segundo o art. 216. do Cdigo Civil, as benfeitorias so despesas feitas numa coisa j existente, com vista sua conservao, valorizao ou maior recreio s quais a lei associa direitos do autor, desde que este se encontre em determinada posio jurdica relativamente coisa (posse - arts. 1273. a 1275.; locao - art. 1046., comodato - art. 1138.; usufruto - 1450.) , enquanto a acesso constitui um ttulo de aquisio originria do direito de propriedade imobiliria, ao lado usucapio. Todavia, em concreto, a verdade que nem sempre fcil saber se estamos perante uma benfeitoria ou uma acesso. Tanto assim que a doutrina, desde longa data, se preocupa em distinguir as benfeitorias das acesses. MANUEL RODRIGUES, A Posse: Estudo de Direito Civil Portugus, 2 a ed., Reimpresso, 1996, Coimbra, Almedina, p. 362, grosso modo, defendeu que a distino8

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passava pelo facto de a benfeitoria (impensa) se traduzir numa despesa que beneficiava uma coisa j existente, enquanto a acesso envolvia um acto de inovao que alterava a substncia da coisa. Este entendimento foi acolhido, embora com reticncias, por MANUEL ANDRADE, Teoria Geral da Relao Jurdica, vol. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pag. 274, e em geral pela jurisprudncia. Em resumo, segundo esta posio, o regime da acesso aplicar-se-ia, em detrimento do das benfeitorias, sempre que a interveno em terreno alheio lhe alterasse a substncia. No sendo esse o caso, interviria o regime das benfeitorias, se a relao do autor delas com o prdio fosse das que prev aquele regime. No entanto, como demonstrou CUNHA GONALVES, Tratado de Direito Civil em Comentrio ao Cdigo Civil Portugus, Vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 1931, n. 301, o critrio, j na vigncia do Cdigo de Seabra, revelava-se insuficiente, uma vez que as inovaes realizadas, por exemplo, pelo locatrio ou pelo usufruturio, estavam sujeitas por lei, tal como hoje, ao regime das benfeitorias. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 166 e 167, na vigncia do actual Cdigo Civil, bem como, ANTNIO CARVALHO MARTINS, Acesso, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 17 e 117 e ss. distinguem a benfeitoria da acesso tendo em conta a relao que o interventor tem com a coisa beneficiada. Assim, segundo estes autores, a benfeitoria supe a existncia de uma relao jurdica (por exemplo, a posse, a locao, o comodato, o usufruto); ao invs, na acesso, tal relao no existe, sendo o acto praticado por um estranho, ou seja, por uma pessoa que no tem qualquer contacto jurdico com a coisa. Nesta perspectiva, as intervenes inovadoras praticadas por quem detm uma relao jurdica com a coisa, por muito que alterem a substncia do prdio, s encontram, eventualmente, tutela no regime das benfeitorias. Consideramos que qualquer dos critrios apresentados se revela insuficiente para distinguir benfeitorias em face de acesso e para determinar quando se aplica o regime de uma ou outra das figuras em apreo. Concordamos com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA quando afirmam que devemos aplicar o regime das benfeitorias quer em causa esteja uma despesa, quer um acto de inovao, desde que o mesmo seja praticado por quem tenha uma relao jurdica com a coisa. No entanto, distanciamo-nos destes autores, na medida em que entendemos que quando em causa esteja um acto de inovao praticado por um possuidor formal ocorre a acesso. Explicitando: A benfeitoria supe uma despesa praticada por quem tem uma relao jurdica com a coisa (relao essa que pode ser de posse formal), com vista sua conservao, valorizao ou maior recreio; no obstante, consideramos que o regime das benfeitorias tambm pode ser aplicado s inovaes realizadas por quem tenha uma relao jurdica com a coisa (v.g. um detentor com ttulo jurdico, sempre que a lei consinta que este beneficie do regime das benfeitorias). A acesso envolve necessariamente um acto de inovao, acto esse que pode ser realizado por quem no mantm uma relao jurdica com a coisa (v.g. o mero detentor sem ttulo jurdico), ou por quem mantm com ela relao de posse autnoma, em termos de direito de propriedade ou de propriedade superficiria. Portanto, na nossa perspectiva, pode ocorrer a acesso se em causa estiver um acto de inovao j no uma mera despesa, uma vez que o acto de inovao pressuposto da acesso , praticado por quem no tem uma relao jurdica com a coisa, ou por quem tem com ela uma relao de posse autnoma nos termos dos direitos reais supra identificados. Assim, se em causa estiver uma simples despesa feita na coisa e no um acto de inovao est, naturalmente, afastado o regime da acesso. Por outro lado, se o arrendatrio, comodatrio, usufruturio, etc., realizar uma inovao, prevalece, sempre, o regime das benfeitorias prprio do estatuto legal ou contratual de cada um dos institutos. Por fim, se a inovao for realizada por um estranho (v.g. o mero detentor sem ttulo jurdico) ou por um possuidor em termos de direito de propriedade ou de propriedade superficiria prevalece, sempre, a acesso. Como resulta do acabado de expor, consideramos que pode beneficiar do regime da acesso quer o interventor que no tenha qualquer relao jurdica com a coisa, quer o interventor que seja possuidor em termos de direito de propriedade ou de propriedade superficiria, desde que, obviamente, haja um acto de inovao. De facto, no se nos afigura plausvel que o legislador do actual Cdigo Civil tivesse pretendido afastar-se do

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Os pressupostos substantivos que devem estar verificados para que o autor da obra possa invocar a acesso so, portanto, os seguintes: a) a incorporao consistente no acto voluntrio de realizao da obra; b) a natureza alheia do terreno sobre o qual erguida a construo; c) a pertena inicial dos materiais ao autor da incorporao; d) a formao de um todo nico entre o terreno e a obra; e) o valor acrescentado pela obra ser superior ao valor que o prdio tinha antes da incorporao; f) a boa f, estritamente psicolgica, do autor da incorporao13 e; g) a manifestao de vontade expressa do beneficirio do direito potestativo 14;Cdigo de Seabra que exigia que o beneficirio da acesso fosse possuidor em nome prprio (cfr. art. 2306.) sem o dizer de forma expressa e inequvoca. Por um lado, porque, tal envolveria a inverso do pressuposto (positivo) da posse em nome prprio que o Cdigo anterior exigia, passando-o a negativo (ausncia de posse). Em segundo lugar, porque implicaria uma reduo substancial do campo de aplicao da acesso industrial imobiliria, nos termos do art. 1340. do Cdigo Civil, uma vez que esta ficaria limitada aos meros detentores ou intervenientes ocasionais. Assim, na nossa perspectiva, embora, em abstracto, o possuidor em termos de direito de propriedade ou de propriedade superficiria tanto possa beneficiar do regime das benfeitorias como da acesso, em concreto, beneficiar do primeiro, se realizar uma mera despesa, e do segundo, se praticar um acto de inovao. Quanto aos outros sujeitos de relaes jurdicas com a coisa (usufruturio, arrendatrio, etc.), esses, precisamente em virtude da relao existente, mesmo que pratiquem um acto de inovao apenas podero, se a lei o previr, beneficiar do regime das benfeitorias. Consequentemente, em tais hipteses, a regra superfcies solo cedit no sofre qualquer derrogao. E compreende-se que assim seja, porque, na locao, no comodato, no usufruto, existe um vnculo entre o interventor (locatrio, comodatrio, usufruturio) e o dono da coisa, cuja regulamentao faz expresso apelo ao regime das benfeitorias; assim, e salvo conveno em contrrio, a chamada, ai, do instituto da acesso constituiria injustificada infraco disciplina interna daquelas relaes jurdicas bilaterais, com desprezo pelas expectativas fundadas, precisamente, no regulamento interno das mesmas relaes (QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias, loc. cit., p. 15). 13 Como afirmam P I R E S D E L I M A e A N T U N E S V A R E L A , C d i g o C i v i l A n o t a d o , Vol. III, ob. cit., p. 164, o legislador, ao fixar o s requisitos deste modo de aquisio, no quis desviar-se da ideia de boa f que adoptou em matria possessria (cfr. n. l do art. 1260. do Cdigo Civil). Alis, a uniformizao dos conceitos de boa f em matria de acesso e de posse j vinha do Cdigo anterior, pelo menos desde quando o Assento do Supremo Tribunal de Justia de 28 de Novembro de 1969 interpretou o artigo 2306. (do antigo Cdigo) no sentido de que a boa f, ali referida, tinha o contedo definido no artigo 476.. Saliente-se, por fim, que a boa f, para efeitos de acesso, deve ser contnua, isto , deve manter-se por todo o tempo que dure a execuo das obras, sementeiras ou plantaes, sob pena de no se aplicar ao interventor o regime mais favorvel que a lei estabelece no artigo 1340.. Mas, se a boa f cessar depois de concludos os actos de incorporao nenhum prejuzo sofrer a aplicao do artigo 1340.. 14 Segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 165 e 166, a aquisio ocorre automaticamente, ipso iure, desde o momento da incorporao. De facto, estes autores, apesar de no combaterem, de jure

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condendo, a razoabilidade da tese segundo a qual a aquisio por acesso supe o prvio exerccio de um direito potestativo, consideram que ela no tem cabimento no quadro das solues consagradas na lei. De facto afirmam: quando, no domnio da acesso, o legislador quis introduzir uma soluo inquestionavelmente potestativa, como a hiptese do artigo 1343 ., usou a expresso pode adquirir (que a adequada natureza do direito, a, consagrado), bem diferente da do artigo 1340., em que usa a frmula adquire (uma vez realizados os factos ali previstos); se o legislador no tivesse pensado a aquisio como automtica, ter-se-ia preocupado, a exemplo do que sucede nos artigos 1333., n. 4 e 1335., n. os 1 e 2, com as consequncias de o beneficirio da acesso no pretender adquirir o direito de propriedade que a acesso lhe faculta; em se tratando de obras ou plantaes, a renncia do proprietrio do terreno ao direito potestativo implicaria a constituio do direito de superfcie, e, por isso, a necessidade de dar a tal acto de renncia a forma solene da escritura pblica ou, acrescentamos ns, actualmente, a de documento particular autenticado. (Pela excelncia do resumo, limitamo-nos a citar QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias, loc. cit., p. 21). Em defesa da tese potestativa, perfilam-se argumentos baseados no sentido das expresses usadas pelo legislador (que revelam o carcter facultativo que se quis atribuir acesso) e no faltam, tambm, apelos ao sistema. Assim, o caso de o legislador ter estabelecido uma reciprocidade entre a aquisio por acesso e o pagamento (o titular adquire pagando, segundo os termos dos artigos 1339. e 1340., faz seu ... contanto que indemnize, de acordo com o n .1, do artigo 1333.), reciprocidade que se no conciliaria com a automaticidade e imperatividade da aquisio, pois que, neste caso, a contrapartida resumir-se-ia obrigao de pagar aqueles valor e indemnizao; , tambm, a explcita expresso contida no artigo 1343a, onde se afirma que o construtor pode adquirir... pagando; , finalmente, o contedo de outros artigos que expressam, em especficas regulamentaes, o carcter facultativo que o legislador pretendeu atribuir acesso (1333., n. 2 e 1340., n. 2, que subordinam a aquisio a uma licitao, e 1333., n. 3, 1334., 1335. e 1341., onde se prevem hipteses em que o beneficirio no queira exercer o direito de acesso). A defesa da tese potestativa alimenta-se, por fim, das alegadas melhores virtualidades da aquisio facultativa para satisfazer a maior parte dos interesses envolvidos no fenmeno da acesso. Diz-se, em resumo: a tese da imperatividade da aquisio equivale a impor ao beneficirio o pagamento de uma indemnizao que ele pode no estar em condies de prestar de imediato; equivale, ainda, a sujeitar o dono do terreno perda do domnio (no caso de ser o sacrificado) sem a contrapartida do pagamento simultneo da correspondente indemnizao; a tese potestativa possibilita o arranjo consensual do conflito, o que no sucede com a da imperatividade, pois, segundo esta, a soluo daquele resulta automaticamente da realizao dos factos contidos na previso da lei; com a aquisio automtica, o risco comearia logo a correr por conta do beneficirio da acesso, o que no seria, em muitos casos, justo, pois ele podia desconhecer, ainda, a incorporao. (De novo, pela excelncia do resumo, limitamonos a citar QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias, loc. cit., p. 21. No entanto, por todos, vide: OLIVEIRA ASCENSO, Estudos Sobre a Superfcie e a Acesso, Scientia Iurdica, 1973, Separata, p. 333 e s.; idem, Direito Civil - Reais 4. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1983, p. 401 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, Lisboa, Lex, 1979, pg. 721 e ss.; CARVALHO FERNANDES, Lies de Direitos Reais, Lisboa, Quid Juris, 2007, p. 345 e ss.; JOS ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pg. 708). Ns, como resulta do texto, e na esteira de QUIRINO SOARES, consideramos que os elementos de interpretao gramaticais, lgicos e sistemticos apresentados por cada uma das doutrinas so igualmente slidos e que a alnea d), do artigo 1317.. no desempata a favor da tese da aquisio automtica desde que se estabelea a distino entre momento da aquisio e pressupostos da aquisio. (Cfr. QUIRINO SOARES, Acesso e Benfeitorias, loc. cit., p. 21).

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No presente estudo, interessa-nos particularmente o requisito apresentado em e), ou seja, o valor acrescentado pela obra ser superior ao valor que o prdio tinha antes da incorporao. Valor acrescentado no o mesmo que valor dos materiais, das sementes ou das plantas, nem, sequer, a mesma coisa que valor da obra, da sementeira ou da plantao. Apura-se o valor acrescentado pela diferena entre o valor da nova realidade econmica resultante da incorporao e o valor que o prdio tinha antes. O valor dessa diferena pode, muito bem, ser maior ou menor que o dos materiais, sementes ou plantas, ou, at, que o da obra, sementeira ou plantao. Vejamos com mais pormenor como se apura esse valor.

Acresce que defendemos que a acesso prevista no art. 1340. do Cdigo Civil a favor do interventor tem carcter potestativo. Havendo, por isso, um verdadeiro direito, ou faculdade, de acesso que cabe ao interventor e titular beneficirio. Assim, consideramos que at ao exerccio, por parte do interventor beneficirio da acesso, do correspondente direito potestativo, o dono do terreno pode reivindicar (artigo 1311.) o prdio com os elementos incorporados ou pedir a entrega do prdio e a reconstituio natural da situao; o interventor, em defesa e reconveno, poder, ainda, exercer o direito potestativo para, assim, adquirir o direito de propriedade sobre o prdio cuja restituio lhe exigida e, fazendo-o desde que efectue o pagamento ou o depsito do valor determinado, no prazo fixado pela sentena d-se a acesso que retroage os seus efeitos data da incorporao. Portanto, o momento jurdico da aquisio do direito de propriedade, com fundamento no art. 1340.., , inquestionavelmente, o da verificao dos actos materiais de incorporao, nos termos da al. d) do art. 1317. do Cdigo Civil, mas tal aquisio, nas hipteses dos n.os 1 e 2, no uma consequncia forosa ou automtica da referida incorporao, depende, ao invs, do exerccio do correspondente direito potestativo e do posterior pagamento ou depsito do valor fixado, sendo, por isso, na nossa perspectiva, uma aquisio voluntria que, de um ponto de vista de facto, ocorre aps o momento da incorporao. (Neste sentido, vide ANTNIO CARVALHO MARTINS, Acesso, ob. cit., nota 209, p. 128 e 129). Saliente-se que os nossos Tribunais Superiores tm perfilhado a tese da acesso como forma de aquisio potestativa do direito de propriedade mas, em regra, tm afirmado que o momento da manifestao da vontade em exercer o direito traduz-se, apenas, no momento revelador do direito que, assim, se afirma e j est previamente constitudo, existindo desde o momento da incorporao. (Cfr.: Acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 8 de Julho de 1970, Boletim do Ministrio da Justia, 199, p. 220; Acrdo da Relao de Lisboa, de 17 de Janeiro de 1975, Boletim do Ministrio da Justia, 246, p. 189; Acrdo da Relao de Coimbra, de 2 de Julho de 1991, Colectnea de Jurisprudncia, 1991 T. IV, p. 94; Acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 5 de Maro de 1996, Colectnea de Jurisprudncia Acrdos do Supremo Tribunal de Justia, Ano IV, T. l, p. 131; Acrdos do Supremo Tribunal de Justia, de 6 de Julho de 2006 e de 12 de Setembro de 2006, [on line], disponveis in: http://www.dgsi.pt/jstj.). Por fim, refira-se que, segundo o nosso entendimento, o pagamento ou o depsito do valor determinado funciona como condio suspensiva da transmisso embora com efeito retroactivo ao momento da incorporao e deve ocorrer no prazo determinado pela sentena, sob pena de caducidade do respectivo direito. (Neste sentido, por todos, vide acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 30 de Junho de 2009, [on line], disponveis in: http://www.dgsi.pt/jstj.).

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, obviamente, necessrio apurar o valor que o prdio tinha antes da incorporao15. O prdio deve ser avaliado com base em todos os elementos valorativos que existiam data da incorporao da obra. Ou seja, por um lado, a avaliao deve reconstituir a situao que existia antes da incorporao e tal reconstituio no deve limitar-se configurao do prdio, mas sim abarcar toda a envolvncia fsica e econmica que se repercutia no respectivo valor. Por outro, na avaliao no devem ser levados em conta elementos que s surgiram aps a incorporao (por exemplo, a construo de uma estrada nas imediaes do prdio). Acresce que deve ser apurado o valor da nova unidade predial, constituda pelo conjunto formado pela obra nova e pelo terreno e que pode corresponder, como j o dissemos, a valor diverso daquele que resultaria da mera soma dos elementos do conjunto. O valor acrescentado reside na diferena entre aqueles dois valores (entre o valor da nova unidade predial e o valor que o prdio tinha antes da incorporao)16. De acordo com a letra da lei, para que o interventor adquira o direito de propriedade sobre o terreno necessrio que o valor acrescentado totalidade do prdio seja maior do que o valor que este tinha antes das mesmas obras. Ora, como evidente, para quem siga a letra da lei e atenda totalidade do prdio para o confronto dos valores, e no apenas parte beneficiada do prdio, nunca a acesso industrial imobiliria pode envolver qualquer problema urbanstico relacionado com o fraccionamento do solo17. Uma vez que o autor da obra adquirir a propriedade da totalidade do prdio, pagando o valor correspondente a todo o prdio que existia antes da incorporao (devidamente actualizado), o nico problema urbanstico que se pode vir a colocar prender-se- com a legalidade ou possibilidade de legalizao do edifcio nele construdo.

Na vigncia do Cdigo de Seabra, o momento regra era o da evico. Actualmente, como resulta do exposto, o que conta, para o caso de o valor acrescentado ser maior, o valor (do prdio) antes da incorporao. 16 Neste sentido cfr., entre outros, o acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 10 de Outubro de 2002, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj. 17 No acrdo de 3 de Abril de 2003, o Supremo Tribunal de Justia considerou que a acesso s pode ocorrer em relao totalidade do prdio. ([on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj.).

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No entanto, tal posio tem sido rejeitada pela maioria da jurisprudncia. De facto, esta tem maioritariamente entendido que se, por qualquer motivo, a nova unidade econmica resultante dos actos de incorporao se limitar a parte do prdio (terreno) em que estes foram realizados, ainda assim, pode ocorrer a aquisio parcial. Ser, por exemplo, o caso de doao verbal a um filho de uma parcela de um prdio rstico, seguida da construo de uma casa, por este, na referida parcela; de uma partilha mortis causa que no obedea forma prescrita por lei e subsequente edificao por parte de um dos herdeiros na parcela de terreno que passou a possuir como se fora proprietrio exclusivo; etc. Segundo esta segunda opinio, que no se cinge letra da lei, tudo se reconduz a saber se as obras se integraram na unidade econmica previamente existente no prdio ou se, pelo contrrio, fizeram surgir uma unidade econmica distinta18. Joga, aqui, um importante papel o critrio econmico para a definio dos limites de um prdio, e que se concretiza na ideia de que unidade predial deve corresponder aquela rea contnua que, para o respectivo dono, funciona como uma unidade econmica19.Prdio rstico uma parte delimitada do solo com as construes nele existentes que no tenham autonomia econmica - cfr. art. 204., n. 2. Este critrio, funcionando de acordo com a delimitao que em concreto seja feita, permite que, com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo Civil Anotado, Vol. III, 2. edio, pg. 165, se diga que os limites do prdio sero fixados de acordo com um critrio econmico, designadamente o de saber o que para o seu dono constitui, economicamente, uma unidade. Deste modo poder dizer-se que, havendo um prdio rstico destinado a uma explorao agrcola, a construo, que nele for feita pelo seu proprietrio, de uma casa de habitao dar, pela sua autonomia econmica, lugar a que um novo prdio urbano se destaque daquele. E, da mesma maneira, a construo de um prdio, devidamente autorizada, feita por um terceiro em prdio rstico alheio tender a definir, ou no, uma nova delimitao de um prdio urbano a destacar do primeiro consoante essa construo se destinar a um fim diferente se se tratar, nomeadamente, de uma casa para habitao, economicamente autnoma ou se integrar na actividade econmica que nele vier sendo desenvolvida caso em que, ainda de acordo com a definio legal citada, a construo no ter autonomia econmica. Assim tem entendido este Supremo Tribunal de Justia que, havendo essa autonomia econmica, a acesso industrial imobiliria levar a que o construtor adquira apenas a parcela respeitante ao edifcio cfr. acrdos de 4/3/86, BMJ 355442, de 6/7/89, BMJ 389-583, de 5/3/96, Col. Jur. STJ, 1996-I-129, de 16/4/98, BMJ 476-428, de 10/2/00, BMJ 494-347 e de 17/2/00, Col. Jur. STJ, 2000-I-105. (Cfr. acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 4 de Fevereiro de 2003, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj.). 14 Cfr. QUIRINO SOARES, Acesso Industrial Imobiliria, in AAVV, Comemoraes dos 35 Anos do Cdigo Civil, Vol. IV Direito das Coisas, para publicao. Cfr., ainda, a este respeito, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Cdigo18

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Assim, o artigo 1340., n. 1 do Cdigo Civil deve ser interpretado no sentido de que ... o autor da incorporao adquire a propriedade do terreno onde esto as obras, interpretao compatvel com a expresso adquirir a propriedade dele (empregue na norma), uma vez que a acesso representa no fundo uma limitao imposta ao direito de propriedade do dono do terreno, impondo-se, assim, que ela se confine ao estritamente necessrio para que o dono da obra adquira a parcela de terreno onde elas se situam. Daqui parecer-nos profundamente correcto que a palavra dela se refira apenas ao terreno onde esto as obras, sendo certo que esse sentido se coaduna com a palavra prdio (empregue na norma), dado que se tem em vista a nova unidade econmica surgida com as obras.20-21 Sendo a doutrina da aquisio parcial a actualmente dominante na jurisprudncia, evidente que, a sua aplicao prtica pode, eventualmente, entrar em coliso com as limitaes de interesse e ordem pblica impostas pelo direito do urbanismo, uma vez que o reconhecimento ao autor da obra do direito de acesso imobiliria, ao determinar a autonomizao fsica e jurdica da parcela onde ocorreu a edificao implica o fraccionamento do prdio

Civil Anotado, vol. III, ob. cit., p. 165. Bem como, por todos, os acrdos do Supremo Tribunal de Justia, de 16 de Abril de 1998, de 10 de Fevereiro de 2000, de 17 de Fevereiro de 2000, de 1 de Maro de 2001, de 14 de Fevereiro de 2002, de 4 de Fevereiro de 2003, de 3 de Abril de 2003, [on line], disponveis in: http://www.dgsi.pt/jstj. 20 Cfr. acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 10 de Fevereiro de 2000, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj. 21 Quanto ao montante que deve ser pago pelo autor da obra ao dono do terreno, existe acordo quanto ao facto de em causa estar uma dvida de valor, por isso, no est condicionada ao princpio nominalista (art. 550. do Cdigo Civil). Mas no existe consenso quanto ao valor que deve ser pago. A jurisprudncia tem defendido que o montante a pagar pelo beneficirio da acesso deve ser a expresso pecuniria actualizada do valor que o terreno ou que a parcela de terreno, autonomizada como unidade econmica consoante a posio adoptada -, tinha antes da incorporao e deve ser referido data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, segundo o preceituado no n. 2 do art. 566. do Cdigo Civil, data que, nesta hiptese, s pode ser a da sentena final; a actualizao monetria deve ser feita nos termos do art. 551. do Cdigo Civil, ou seja, com referncia aos ndices dos preos ou inflao. Em sentido contrrio manifestam-se ANTUNES VARELA (cfr. parecer publicado na Colectnea de Jurisprudncia - Acrdos do Supremo Tribunal de Justia, Ano VI, T. II, 1998, p. 11 e ss.) e o Acrdo de 17 de Maro de 1998, Colectnea de Jurisprudncia - Acrdos do Supremo Tribunal de Justia, Ano VI, T. I, 1998, p. 134, considerando no ser de actualizar o valor do prdio a ser pago pelo autor das obras, uma vez que a lei peremptria ao determinar que o Autor da incorporao adquire a propriedade, pagando o valor que o prdio tinha antes das obras (cfr. n. 1 do art. 1340.).

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precisamente para fins de edificao urbana (ou para efeitos de utilizao individualizada do bem edificado). Parte da jurisprudncia, a este propsito, considera que h que respeitar o fraccionamento urbanstico do prdio em que construda a obra. No existindo tal fraccionamento nos termos da legislao urbanstica, no se pode entender que exista uma unidade econmica distinta que permita a acesso apenas sobre a parcela de terreno ocupada. Nomeadamente, antes de se decidir pelo reconhecimento de uma aquisio parcelar por efeito de acesso industrial imobiliria, deve o julgador certificar-se de que no se ir consolidar uma situao desconforme com as regras que condicionam o destaque, uma vez que estas so de interesse e ordem pblica, no podendo ser ignoradas pelos Tribunais. Neste sentido se pronunciou, por exemplo, o Supremo Tribunal de Justia no acrdo de 3 de Abril de 2003, afirmando que os tribunais no podem declarar a aquisio por acesso do direito de propriedade sobre uma parcela de prdio alheio sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos rus por se tratar de elemento constitutivo do direito que estes se arrogam, de a Cmara Municipal competente ter emitido o respectivo alvar de loteamento ou por outra forma autorizado o destaque, como resulta do disposto nos art.s 1 do Dec.-Lei n. 289/73, de 6/6, 1 e 2 do Dec.-Lei n. 400/84, de 31/12, 1, 3, al. a), e 5, do Dec.-Lei n. 448/91, de 29/11, e 2, al. i), 4 e 6 do Dec.-Lei n. 555/99, de 16/12. Entende-se, pois, que o fraccionamento de prdio para efeito de construo no pode ter lugar, nem ser confirmado pelos Tribunais, com violao, ignorncia ou ultrapassagem do direito do urbanismo pelo recurso ao caminho da acesso22.Em idntico sentido vide o acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 4 de Fevereiro de 2003, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj, onde pode ler-se: , sabido que a autonomizao de parcelas de terreno, seja para com elas se constiturem novos prdios rsticos, seja para darem lugar a prdios urbanos, est subordinada a requisitos sem cuja verificao sero invlidos os respectivos actos constitutivos, no pode permitir-se que pela via da acesso industrial imobiliria se obtenha o que por via negocial no seria possvel conseguir. Alis, j em hiptese com algumas semelhanas - a de se querer frustrar o direito de preferncia do confinante com a alegao de que se pretende afectar o terreno comprado construo de uma residncia - se entendeu que a correspondente excepo a esse direito de preferncia - a que prevista no art. 1381, al. a), parte final - s funciona se se demonstrar que se poder construir nesse local em conformidade com os condicionamentos legais doutrina que se abona no parecer de MANUEL HENRIQUE MESQUITA publicado na Col. Jur. 1986-V-51 e tambm na orientao, constante e uniforme, deste STJ em casos desse tipo, evidenciada nos acrdos de 31/1/80, 5/7/88, 22/11/88 e 11/7/91, publicados nos22

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Vide, ainda, o acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 3 de Dezembro de 2009, onde, no respectivo sumrio, se pode ler: Oposta pretenso do reivindicante contra-direito, fundado em invocada acesso industrial imobiliria, o pedido reconvencional deduzido s pode proceder se, para alm do preenchimento dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisio potestativa originria da propriedade, potenciada pelo instituto da acesso, no implicar violao de normas imperativas, reguladoras da edificao e do ordenamento do territrio, as quais, visando proteger interesses de ordem pblica, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, tambm os Tribunais. E em cujo texto afirmado: Na verdade, para alm dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisio potestativa originria da propriedade, por ela [a acesso] potenciada, depende de no implicar violao de normas imperativas, reguladoras da edificao e do ordenamento do territrio, as quais, visando proteger interesses de ordem pblica, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente tambm os Tribunais. No pode, na verdade, olvidar-se que na interpretao e aplicao das normas do CC relativas ao direito de propriedade de imveis o intrprete e aplicador no pode restringir-se estrita considerao dos tradicionais regimes de direito privado, tendo necessariamente, numa perspectiva abrangente e inter-disciplinar, que conferir o indispensvel relevo aos regimes jurdicos atinentes ao direito do urbanismo e da ordenao do territrio e tutela do ambiente, por essa via ponderando, na composio dos litgios, os relevantes interesses pblicos que lhes subjazem: ou seja, a adequada composio dos litgios que se situam no domnio da propriedade imobiliria, conexionando-se com o

fraccionamento, a diviso, o exerccio do jus aedificandi e o prprio aproveitamento e utilizao dos prdios, envolve a simultnea e concomitante ponderao e aplicao cruzada e articulada dos regimes de direito privado que sempre tiveram assento no CC e dos regimes de direito pblico urbanstico e de ordenamento do territrio, constantes de legislao avulsa.BMJ 293-358, 379-578, 381-592 e 409-803, de 21/6/94, publicado na Col. Jur. - STJ, 1994-II-154, e ainda no proferido em 26/11/96 na revista n 293/96().

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Acresce que dentro desta faco da jurisprudncia existe, ainda, uma parte que acentua tambm o facto de a obra feita em terreno alheio ser uma construo ilegal, porque no licenciada. A ttulo de exemplo, vejam-se alguns excertos do acrdo do Supremo Tribunal de Justia, de 22 de Junho de 2005, que a propsito de uma construo clandestina e embargada, feita em prdio alheio, mantendo a deciso proferida na Relao, no reconheceu ao interessado o direito de acesso. No constando que a Cmara Municipal tenha ordenado a demolio da obra embargada em 1987, no menos certo que bem assim no consta ter depois disso concedido a competente licena. No se sabe se esta poder vir efectivamente a ser autorizada ou no. Nenhuma presuno legal existe de que o venha a ser ou a deixar de ser. () Em todo o caso, a Relao no presumiu que a obra no licencivel: limitou-se a considerar () que no lcito presumir que venha a ser emitida licena para a construo ( tal como projectada e, em parte, executada). Em causa, como mencionado na sentena apelada, construo feita sem licena camarria, e que o relatrio pericial () refere ter sido feita sem respeitar os parmetros do PDM. () Est, de todo em todo, por demonstrar a alegada forte probabilidade de licenciamento, atenta a predisposio da Cmara para o mesmo23. Ao invs, outra parte da jurisprudncia considera que o que importa, mais do que verificar se existiu ou no destaque legal, saber se poderia haver lugar ao referido destaque. Ou seja, o que importa determinar para efeitos de aceitar a acesso parcelar saber se o fraccionamento que se vai provocar com a deciso colide, ou no, com as regras legais do ordenamento do territrio. Concretizando, no tem de existir destaque ou loteamento prvio; basta que tal destaque seja possvel nos termos legais. Tendo o juiz elementos no processo que lhe23

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permitam concluir afirmativamente, apesar de no existir prvio destaque, pode decidir-se pelo reconhecimento do direito de acesso. Neste sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justia, no acrdo de 6 de Julho de 2006, afirmando, nas concluses, alm do mais, o seguinte: III Apesar de no resultar dos autos a existncia de qualquer autorizao expressa dos autores para que o Estado construsse a escola nos seus terrenos, a autorizao, com o significado de permisso, no tem de provir de uma manifestao de vontade expressa, podendo ser dada de forma tcita, nomeadamente, pelo comportamento concludente do proprietrio art. 217., n. 1, do CC. IV Decorrendo dos factos provados que existiu um acordo entre os AA e a CMSintra para a aprovao e concesso de alvar para loteamento dos prdios e que no mbito do mesmo estava prevista a cedncia CM de uma parcela de terreno para equipamento de utilizao colectiva, aquando e no pressuposto da concesso do alvar para loteamento dos prdios, esta situao de facto a que verdadeiramente releva para efeitos da boa f a que alude o art. 1340.. V Tendo a boa f persistido durante todo o perodo da incorporao, a falta de preenchimento posterior da condio para a concretizao do negcio entre a CMS e os AA no invalida a existncia do consentimento tcito para a cedncia efectiva do terreno, j que tal consentimento configura precisamente a declarao tcita que pode decorrer de negcio translativo nulo por vcio de forma, (falta da escritura pblica de cedncia CMSintra que, por seu turno, cederia ao Estado). VI Apesar de os terrenos dos autores estarem situados em zona classificada pelo PDM como urbana e de a CMSintra ter licenciado a operao de loteamento, como no emitiu o competente alvar de loteamento ocorreu a caducidade do referido licenciamento. VII O regime aplicvel construo da escola numa parcela de terreno dos autores, no o imposto para o regime dos loteamentos urbanos, pura e simplesmente porque o loteamento no existe, enquadrando-se, ao invs, na excepo prevista no art. 2., n. 1, do DL 400/84, que prev a possibilidade do destaque de uma nica parcela de prdio inscrito na matriz.

17 () XI Se normas de interesse e ordem pblica impem a existncia de uma zona non aedificandi, a qual diminui o valor dos terrenos que se situam volta da Escola impedindo o seu aproveitamento urbanstico, tal diminuio tem que ser indemnizada, uma vez que s assim se obtm a atribuio da justa indemnizao devida pela perda patrimonial sofrida pelos autores.24. Expostos em geral os termos em que a nossa jurisprudncia tem considerado a interseco entre a acesso industrial imobiliria parcial e o cumprimento das disposies urbansticas, cumpre analis-los e tomar posio.

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[On line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jstj. Vide, ainda, o acrdo da Relao de Coimbra, de 16 de Maro de 2010, onde se pode ler: Os destaques podem ser levados a cabo no permetro urbano sem prvio licenciamento ou autorizao desde que as duas parcelas dele resultantes confrontem com arruamentos pblicos e a construo erigida ou a erigir disponha de projecto aprovado pela cmara municipal. Fora do permetro urbano, e cumulativamente, a lei exige que na parcela destacada s seja construdo edifcio destinado exclusivamente a fins habitacionais e no tenha mais de dois fogos e que na parcela restante se respeite a rea da unidade de cultura fixada para a regio (citado art5, n 1, a) e b) e n2, a) e b)). Conforme resulta da matria de facto supra descrita e dos documentos juntos aos autos, no impugnados, os prdios envolvidos na operao esto inscritos na respectiva matriz predial rstica, situando-se na freguesia de So Pedro do Sul e confrontando ambos com arruamento pblico (caminho e estrada). Alm disso, a construo erigida na parcela destacada obedeceu a projecto aprovado pela entidade competente. Entendendo-se por permetro urbano os solos urbanizados ou urbanizveis (segundo Joo Pereira Reis e outros, in Regime Jurdico da Urbanizao e da Edificao, 3 ed., pg 44) no se oferecem dvidas quanto verificao dos requisitos do destaque em apreo, efectuado no permetro urbano da freguesia de So Pedro do Sul. Mas, suscitando-se dvidas quanto localizao de tais prdios nesse mesmo permetro urbano da freguesia de So Pedro do Sul, deve acrescentar-se que aquela matria de facto e os documentos juntos e no impugnados, permitem tambm concluir que aquela construo se destina exclusivamente a fins habitacionais dos AA, no tem mais de dois fogos e que a parcela restante (do destaque) com mais de oito mil metros quadrados respeita a rea de unidade de cultura fixada para a regio 2 hectares, segundo a previso da portaria 202/70 de 21.04 para o distrito de Viseu o que preenche tambm, os requisitos cumulativos para os destaques fora do permetro urbano. Em sntese, dando por certa a suposio da diviso material constante da sentena, o Senhor Juiz tinha sua disposio nos autos suficiente alegao e prova para a apreciar no plano jurdico, como se procurou comprovar. Do todo exposto resulta, portanto, e ao invs da deciso sob recurso, a verificao dos requisitos para a aquisio por acesso, j que da mesma no resulta a diviso ilegal do prdio dos RR, mormente, por violao de normas de carcter imperativo relativas ao loteamento urbano ou ao fraccionamento de prdio rstico. III. Destarte, julga-se procedente a apelao e revoga-se a sentena recorrida e, em consequncia, declara-se que os AA A.. e B.... adquiriram, por via de acesso industrial, o prdio no qual edificaram a sua casa de habitao ()

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Efectivamente, no caso de acesso imobiliria parcial, na medida em que em causa est o fraccionamento fundirio de parte de prdio na qual se implantou j uma construo, as implicaes com o direito do urbanismo so evidentes. Podemos, desde logo, antecipar duas situaes distintas, que podero, de alguma forma, modelar o que dissermos de ora em diante: a) a construo em causa legal, isto , foi construda em conformidade com os ditames jus-urbansticos e de acordo com os procedimentos de controlo prvio dispostos para o efeito. Neste caso incluem-se as situaes em que os edifcios sejam anteriores entrada em vigor do Regime Geral das Edificaes Urbanas ou as situaes em que o titular do prdio autorizou a edificao a terceiro, preenchendo-se, para o efeito, os requisitos de legitimidade no mbito do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao25. b) a construo em causa ilegal, na medida em que foi construda em desconformidade com as regras urbansticas materiais aplicveis ou sem que tenha sido desencadeado o procedimento administrativo disposto para o efeito, seja ele de licenciamento ou de comunicao prvia. Estas situaes sero, de longe, as mais frequentes, na medida em que, ainda que o particular tenha alinhado o seu comportamento pelos ditames urbansticos aplicveis aquando da construo do edifcio, pode no ter dado causa s formas e procedimentos legais dispostas para o reconhecimento jurdico do edificado, o que inviabiliza a considerao da edificao como sendo legalmente preexistente26. Neste mbito, podemos ainda diferenciar duas hipteses: i. a construo pode ser legalizada: os obstculos legalizao prendem-se com a ausncia de procedimentos de licenciamento, comunicao prvia ou respectivas alteraes, ou com a realizao deAprovado pelo Decreto -Lei n. 555/99, de 16 de Dezembro, e alterado pelas Leis n. 13/2000, de 20 de Julho, e 30-A/2000, de 20 de Dezembro, pelo Decreto -Lei n. 177/2001, de 4 de Junho, pelas Leis n.os 15/2002, de 22 de Fevereiro, e 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n. 157/2006, de 8 de Agosto, pela Lei n. 60/2007, de 4 de Setembro, e pelos Decretos-Leis n.os 18/2008, de 29 de Janeiro, 116/2008, de 4 de Julho, e 26/2010, de 30 de Maro. 26 No estando, por isso, esta edificao acoberto da garantia do existente, prevista no artigo 60. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, o que significa que a sua manuteno pode sempre ser colocada em causa (ou no acolhida) por instrumentos legais e regulamentares adoptados em data posterior sua construo. Sobre este artigo, cfr. o comentrio respectivo em FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOS CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAS, Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao Comentado, Coimbra, Almedina, 2009.os 25

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trabalhos de correco da obra, procedimentos estes que o interessado pode/deve desencadear27, eventualmente na sequncia de uma

autonomizao jurdica da parcela na qual se construiu o edifcio a legalizar. ii. a construo no pode ser legalizada, sobretudo por a mesma depender da alterao do quadro normativo vigente, o que no razoavelmente expectvel na pendncia ou na sequncia da concretizao da hiptese de acesso industrial imobiliria28. Quanto admissibilidade desta acesso parcial alguns acrdos dos tribunais judiciais tm promovido, como vimos, uma interseco entre direito civil e direito do urbanismo, assumindo que em causa est, como de facto est, um fraccionamento jurdico para fins de edificao urbana. esta a soluo que pensamos ser mais razovel na maioria das situaes, sobretudo quando a obra em causa for ilegal, mas passvel de legalizao. Isto porque no est apenas em causa a diviso fundiria do prdio para fins outros que no os construtivos agrcolas, silvcolas, regularizao de extremas, ampliao de logradouros , mas a sua diviso de modo a destinar ou afectar definitivamente parte do prdio a construo. Ora, de acordo com as regras urbansticas, a cada prdio deve apenas corresponder uma nica construo principal, podendo admitir-se vrias construes, mas desde que estejam funcional e, por isso, indissociavelmente ligadas entre si, como, alis, o admite o art. 57., n. 5 do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao. Como flui do disposto no Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Outubro deMesmo nestas hipteses, no haver, antes do efectivo licenciamento ou admisso da comunicao prvia ou da realizao dos correspondentes trabalhos de correco, certeza de que a legalizao ter lugar, na medida em que esta depende da iniciativa procedimental do particular, designadamente ao tramitar os respectivos procedimentos no prazo que a Administrao lhe d para o efeito. Referimo-nos sempre, portanto, nestes casos a juzos de probabilidade objectiva de ocorrncia de tal legalizao, que possam fundar a convico do juz na avaliao dos pressupostos de invocao da acesso imobiliria. Sobre estas questes atinentes ao procedimento de legalizao, cfr. DULCE LOPES, Vias procedimentais em matria de legalizao e demolio: Quem, Como, Porqu? Anotao ao Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo (3. Subseco do Contencioso Administrativo), de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n. 0633/04, Cadernos de Justia Administrativa, n. 65, 2007. 28 Tambm aqui h possibilidade de, sobretudo pela aprovao, reviso ou alterao de instrumentos de gesto territorial, tais obras virem a ser passveis de legalizao. No entanto, tratar-se- sempre de uma hiptese excepcional, na medida em que qualquer norma jurdica deve, mais do que santificar o existente, modelar situaes futuras. Assim, deve ser sempre vista como excepcional, e inevitavelmente fundamentada em imperativos de interesse pblico, a alterao do enquadramento normativo aplicvel a uma pretenso urbanstica.27

20 2003, proferido no processo 293/03, No constitui operao de loteamento a construo, num prdio que permanece indiviso, de um edifcio para cobertura da piscina e de outro para cobertura de um campo de tnis e jardim pr-existentes, pois Com efeito, no foi autorizada a diviso do prdio em parcelas destinadas construo, nem esse um efeito da concretizao da operao licenciada. A Quinta dos ... continua a existir como unidade, apenas com mais construes nela erigidas. Nem sequer pode razoavelmente sustentar-se que o

licenciamento em causa implica a diviso do prdio, como efeito indirecto mas necessrio, visto que nenhuma das construes que agora nele foram erguidas se apresenta como uma unidade funcionalmente independente relativamente parte restante do prdio. So edificaes que se integram neste, como antes nele se integravam as zonas de lazer (piscina, campo de tnis, jardim de Inverno) que vieram cobrir29. Nos casos em apreo, o que se pretende precisamente a secesso de um prdio no qual j existe, pelo menos, uma edificao (aquela que constitui o fundamento da acesso industrial imobiliria), mas em que podem existir mais edificaes, sendo que se visa autonomizar juridicamente o destino de uma delas e da parcela de terreno em que se suporta. Nos casos em que estas situaes ocorram, o licenciamento ou admisso de comunicao prvia da edificao ou ainda a emisso da autorizao de utilizao, quando em causa esteja apenas a autonomizao jurdica de edificaes legalmente existentes, devem, em regra, ser precedidos de uma operao de diviso ou reorganizao fundiria para fins urbansticos, seja ela o loteamento, seja ela o destaque. O loteamento consiste numa operao de diviso ou reorganizao fundiria, na qual pelo menos um dos lotes se destine a construo30. De[On line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf. Apesar das dvidas que se levantavam na doutrina sobre a exigncia, em data prvia e luz do Cdigo Administrativo, de um controlo do fraccionamento fundirio para fins urbansticos foi inequivocamente com o Decreto-Lei n. 46 673, de 29 de Novembro de 1965, que o legislador estabeleceu a figura administrativa que viria a ser, em maior medida, mobilizada para o efeito: a realizao de operaes de loteamento. No entanto, esta norma no era considerada suficientemente precisa, j que a venda ou anncio de venda ou promoo de venda de terrenos, com ou sem construo, compreendidos em loteamentos, apesar de s se poderem efectuar aps obteno de licena, no determinavam a nulidade de respectivo contrato. S com o Decreto-Lei n. 289/73, de 6 de Junho, se passou a determinar que nos ttulos de arrematao ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos aos actos ou negcios referidos no nmero anterior, se deveria indicar nmero e data do alvar de loteamento em vigor, sem o que tais actos sero nulos e no podiam ser objecto de registo (artigo 27.).30 29

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acordo com a actual formulao do artigo 2., alnea i) do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, configuram operaes de loteamento As aces que tenham por objecto ou por efeito a constituio de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, edificao urbana e que resulte da diviso de um ou vrios prdios ou do seu reparcelamento. Precisamente por estas operaes serem aquelas que se presume deterem maior impacte urbanstico31, criando ou modificando substancialmente zonas urbanas, encontra-se-lhes aliado o cumprimento de encargos especficos, designadamente a previso de reas destinadas a garantir qualidade de vida, cedncias para o domnio pblico de parcelas de terreno, pagamento de compensaes, obrigatoriedade de fazer obras de urbanizao quando necessrio e de garantir a sua realizao e pagamento de taxas urbansticas. s demais operaes urbansticas, que detenham impacte urbanstico relevante, podem ser impostos encargos similares aos aplicveis no mbito do loteamento, desde que como tal sejam consideradas nos Regulamentos Municipais aplicveis (artigo 44., n. 5 do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao). Tambm por se presumir serem as operaes de loteamento aquelas que, efectivamente, criam cidade, alterando ou inviabilizando outros usos potenciais do solo, encontram-se proibidas em solo rural (artigo 41. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao), embora existam excepes a esta limitao espacial de cariz imperativo32. Mas, no caso que mais directamente nos diz respeito, so os destaques as operaes que permitem um fraccionamento fundirio simples (de duas parcelas), pela atestao da capacidade construtiva da rea da parcela a destacar33. Alm de que permitem que este

O loteamento destina-se a evitar, no s a desagregao da propriedade rstica, mas, sobretudo, a sua desagregao selvagem, que, no controlada, levaria proliferao da construo sem estruturas bsicas mnimas de enquadramento urbanstico. (Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Novembro de 1994, proferido no Rec. 34069, [on line], sumrio disponvel in: http://www.dgsi.pt/jsta). 32 Para alm da excepo expressa para os empreendimentos tursticos (artigo 38.), h quem admita os loteamentos possam ocorrer tanto em solo urbano como em solo rural, salvo em zonas incontroversamente qualificadas como rurais (ANDR FOLQUE, Curso de Direito da Urbanizao, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 80). Esta proibio, porm, nem sempre existiu, j que os primeiros diplomas nesta matria admitiam loteamentos em solo rural. Apenas com o Decreto-Lei n. 448/91, se passou a restringir o uso deste instrumento urbanstico s reas classificadas nos planos municipais de ordenamento do territrio como urbanas, urbanizveis e industriais (artigo 8.). 33 Dizemos por regra j que, apesar de as operaes de loteamento poderem hoje resultar apenas um lote para construo (configurando o demais o prdio sobrante), este

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fraccionamento ocorra sem que se lhe tenha de se aliar o cumprimento de encargos urbansticos especficos, excluindo, portanto, a relevncia das operaes de loteamento do nosso objecto de anlise34. Estas operaes de destaque surgiram, na nossa legislao urbanstica com o Decreto-Lei n. 400/84, de 31 de Dezembro. Este diploma considerava que se encontravam fora da noo de loteamento as situaes de destaque, isto de celebrao de negcio jurdico do qual resulte a diviso de uma nica parcela, desde que o prdio se situe dentro do aglomerado urbano, a parcela confronte com arruamento pblico e o particular detenha projecto aprovado para a construo no mximo de dois fogos (com correspondente nus de no fraccionamento pelo prazo de 10 anos). Com o Decreto-Lei n. 448/91, de 29 de Novembro, passaram a prever-se situaes de destaque nos aglomerados urbanos e nas reas urbanas, desde que do destaque no resultem mais de duas parcelas que confrontem com arruamentos pblicos e a construo a erigir disponha de projecto aprovado pela cmara municipal; fora desses aglomerados e reas urbanas, desde que a parcela a destacar se destine exclusivamente a fins habitacionais e no tenha mais de dois fogos e na parcela restante se cumpra a unidade mnima de cultura. Tambm se admitia que, havendo plano de urbanizao ou plano de pormenor, o destaque passasse a obedecer apenas s condies previstas no plano, sendo documento bastante, para efeitos de registo predial, certido do plano respectivo (artigo 5.). Mais recentemente, com o Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, o artigo 6. passou a diferenciar entre os destaques dentro e fora de permetro urbano, admitindo que a concretizao dos mesmos pudesse ser feita atravs de acto notarial ou directamente no registo

no ser o cenrio normal em situaes de diviso fundiria simples, no s pelas limitaes espaciais que o loteamento conhece, como pelo regime legal mais exigente que se lhe encontra aliado. Para maiores desenvolvimentos sobre a distino entre loteamento e destaque, cfr. DULCE LOPES, Destaque Um Instituto em Vias de Extino?, Direito Regional e Local, n. 10, 2010. 34 Efectivamente, o que dito em texto no vale para situaes mais complexas como as do loteamento e das reas Urbanas de Gnese Ilegal, porque aqui valem as exigncias de previso de parmetros de dimensionamento e de eventuais cedncias e compensaes, que no podem ser aferidas ao nvel meramente civil (acesso e usucapio), o que supe ineliminavelmente uma determinao destes encargos por intermdio de uma actuao administrativa de natureza constitutiva (e no apenas certificativa, co mo sucede no destaque).

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predial, desde que com apresentao de certido de destaque emitida pela Cmara Municipal. Precisamente pela simplicidade deste procedimento, pelo facto de os destaques se poderem realizar normalmente em solo rural e pelo facto de os mesmos no se encontrarem sujeitos a encargos urbansticos, h quem critique a sua considerao como loteamentos simples, destacando que se trata de figuras sui generis de secesso fundiria35. Quanto a ns, apesar de apontarmos as semelhanas evidentes do destaque com a figura do loteamento, no deixamos de considerar que o modus operandi do destaque difere substancialmente dos actos de licenciamento ou admisso de comunicao prvia de uma operao de loteamento, j que no se traduz aquele num acto autorizativo (emitido na sequncia de solicitao do interessado), mas num procedimento complexo em que concorrem um acto certificativo da Administrao Municipal (a certido de destaque)36 e um acto voluntrio do interessado. E a esta manifestao de autonomia privada que se assacam, in fine, os efeitos de fraccionamento fundirios decorrentes do destaque, posto que os interesses urbansticos estejam devidamente salvaguardados pela interveno administrativa que precede aquela manifestao. Ou seja, a certido de destaque representa apenas um primeiro passo no processo de fraccionamento do solo, j que esta secesso fundiria depende, sempre, da manifestao de vontade do interessado, perante a entidade competente, desde que devidamente instruda com aquela certido. Naturalmente que o legislador urbanstico, na regulamentao destas situaes, apenas pensou nas hipteses em que o legtimo proprietrio do prdio o pretende dividir, seja directamente na conservatria, seja por via negocial (por exemplo, com a alienao de parte do seu prdio a terceiros). Ao passo que nas situaes a que fazemos referncia, a vontade no fraccionamento jurdico do prdio manifestada por quem no seu proprietrio, sendo necessrio fazer intervir o instituto da acesso imobiliria parcial (ou o da usucapio parcial) para que aquelaANDR FOLQUE, Curso de Direito da Urbanizao e Edificao, cit., p. 61 e Parecer do Conselho Tcnico da Direco-Geral dos Registos e do Notariado, proferido no processo CP 89/2002 DST-CT. 36 Sobre a caracterizao do destaque como verificao constitutiva, cfr. NUNO MIGUEL MARRAZES DE MELO, As certides de destaque enquanto actos verificativos da legalidade urbanstica de uma operao de reestruturao fundiria, Revista Jurdica do Urbanismo e do Ambiente, N. 29/30, 2008, p. 222. e DULCE LOPES, Destaque Um Instituto em Vias de Extino?, loc. cit.35

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diviso fundiria se concretize e o direito do titular sobre o novo prdio surja. No que se refere aos requisitos destes destaques, o artigo 6., na verso inicial do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, exigia que, em permetro urbano, as parcelas resultantes do destaque confrontassem com arruamentos pblicos e que a construo erigida ou a erigir na parcela a destacar dispusesse de projecto aprovado quando exigvel no momento da construo. No entanto, com a alterao promovida pela Lei n. 60/2007, de 4 de Setembro, ao Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, o legislador deixou de indicar a necessidade de apresentao de projecto aprovado (que era entendido como a aprovao de um projecto de arquitectura). J antes desta alterao, duvidvamos da utilidade da aprovao daquele projecto, uma vez que este servia apenas para efeitos de certificao do destaque, podendo nunca chegar a ser concretizado (designadamente porque a parcela destacada era alienada a outrem que podia no se rever no projecto apresentado). Pelo que agora apenas se exige uma interveno municipal que confirme que o prdio a constituir atravs do destaque permite uma utilizao urbanstica, de acordo com as normas legais e regulamentares em vigor, isto , suficiente a emisso de uma informao camarria confirmativa da referida capacidade edificativa37. Em solo rural, o destaque depende do preenchimento de dois requisitos cumulativos: que na parcela destacada s seja construdo edifcio que se destine exclusivamente a fins habitacionais e no tenha mais de dois fogos (devendo ser registado este condicionamento da construo) e que na parcela restante se respeite a rea mnima fixada no

Efectivamente, estas operaes no esto isentas do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicveis, designadamente as constantes de planos municipais e especiais de ordenamento do territrio e as regras tcnicas de construo (artigo 6., n. 8). Imagine-se, por exemplo, que um particular pretende destacar uma parcela que se encontra abaixo da rea mnima de parcela ou que se localiza numa zona non aedificandi. Nestes casos, a Cmara Municipal deve recusar-se a emitir a correspondente certido, por estar em causa um fraccionamento de prdios no destinados a construo. Do mesmo modo, tratando-se de fraccionamento de um prdio em que j se mostra esgotada a edificabilidade permitida pelos instrumentos de planeamento, deve a emisso da certido de destaque ser recusada, sob pena de se poder permitir a violao destes instrumentos. No sentido do necessrio controlo das disposies legais e regulamentares aquando da emisso da certido de destaque cfr. o Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Maro de 2008, proferido no processo 0442/07, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jsta.

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plano de interveno em espao rural em vigor ou, quando aquele no exista, a rea da unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a respectiva regio. Em qualquer um dos casos, e como forma de compensao ou de limitao do recurso a operaes de destaque consideradas, em solo urbano, uma forma de fuga aos loteamentos e no solo rural como nicas operaes direccionadas para a diviso de terreno para fins de edificao urbana , o artigo 6. impe um nus de no fraccionamento por intermdio de novos destaques tanto da parcela destacada como da parcela da qual ela resultou pelo prazo de 10 anos38. Havendo, portanto, formas legalmente dispostas para que se possa proceder diviso fundiria do solo com vista edificao urbana, os Tribunais, antes de se decidirem pelo reconhecimento de uma aquisio parcelar por efeito de acesso industrial imobiliria, devem certificar-se de que no ir consolidar-se uma situao desconforme com as regras que limitam aquele fraccionamento de prdios. No entanto, consideramos que no pode ser o Tribunal isoladamente, em face das disposies legais, a decidir se se preenchem ou no os requisitos para a verificao de uma situao de fraccionamento fundirio para fins urbansticos. Na nossa perspectiva, o Tribunal no se pode substituir Cmara Municipal e proferir sentena que tenha o valor da certido que Cmara compete emitir em matria de destaque, para assim reconhecer o direito de adquirir por acesso que envolve a autonomizao jurdica da parcela de terreno. O Tribunal deve, isso sim, demandar que o incorporador demonstre que, caso j fosse proprietrio, teria a possibilidade de, luz das prescries urbansticas, proceder, por si

Questo de relevo prende-se com as situaes em que um destaque ocorra simultaneamente em solo urbano e em solo rural, na medida em que o regime aplicvel a cada uma destas situaes diferenciado. Neste caso, algumas solues eram apontadas pela doutrina, fosse a aplicao do regime aplicvel maior rea do prdio me (ou outra regra estipulada atravs de deliberao municipal), fosse a aplicao da aplicao do regime correspondente rea ou maior parte da rea objecto de destaque. Neste ltimo sentido foi o Parecer do Conselho Tcnico da Direco-Geral dos Registos e do Notariado, proferido no processo R.P. 126/2004, segundo o qual quando a parcela se localize em zona mista () tambm a certido emitida pela Cmara Municipal respectiva que propicia ao conservador do registo predial o conhecimento dos pressupostos de facto (), a ele incumbindo a definio do critrio a adoptar na valorao desses elementos factuais. Actualmente, o artigo 6., n. 10 do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao fornece uma resposta para estas situaes, tendo ido, precisamente, no sentido do Parecer referido, isto , no sentido da aplicao das regras do destaque correspondentes ao estatuto da parcela a destacar ou da maior rea da parcela a destacar.

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s, diviso do prdio. Este h-de ser considerado um passo prvio, mas indispensvel, seja para a autonomizao jurdica do prdio (e da construo nele legalmente existente) mediante a acesso, seja para a autonomizao e posterior legalizao do edificado. Afirmada a necessidade de que a possibilidade de fraccionamento para fins de edificao urbana seja apreciada pelo Tribunal como questo prvia concretizao da acesso na medida em que a acesso se apresenta como um meio de obter o referido fraccionamento , e feita a defesa de que esta apreciao deve ser feita pelo rgo com competncia para o efeito: a Cmara Municipal39, cumpre definir ainda qual o instrumento urbanstico que mais se coaduna a este fim. Vimos que, na nossa legislao urbanstica, as operaes de diviso fundiria para fins de edificao urbana so o destaque e o loteamento. No entanto, a concretizao destas operaes depende da prova, perante o Municpio, da legitimidade urbanstica do interessado. Em especial, o art. 9. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao aponta para a necessidade de qualquer requerimento ou comunicao constar a identificao do requerente ou comunicante, com a indicao da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operao urbanstica pretendida, controlo este que, normalmente, feito atravs da apresentao da certido da descrio predial emitida pela conservatria do registo predial. O controlo da legitimidade ainda que feito de forma perfunctria na fase de saneamento do procedimento administrativo , assim, um pressuposto procedimental subjectivo de qualquer procedimento urbanstico, seja ele de licenciamento ou de admisso de comunicao prvia, seja ele, em bom rigor, de certificao de destaque40.

Apesar de o artigo 6., n. 9, do RJUE se referir competncia da Cmara Municipal para a emisso da certido de destaque, o artigo 65. da Lei n. 169/99, de 18 de Setembro, permite genericamente a delegao de competncias desta no presidente da cmara. 40 Como refere o Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Maio de 2002, processo n. 043831, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jsta,Essa prova, de que decorre a legitimidade dos requerentes nos processos de licenciamento, deve-se reportar data do pedido de licenciamento, mas deve manter-se verdadeira, ou seja, actualizada, at prolaco do acto final de licenciamento. O que significa que as alteraes das situaes de facto verificadas aps o incio do processo se apresentam relevantes, pois que o que se visa essencialmente que o acto definidor da situao seja proferido num quadro de situaes reais. Por este motivo se impe que a substituio do requerente ou comunicante seja comunicada ao gestor do procedimento (art. 9., n. 9), sob pena de imposio de uma contraordenao [art. 98., n. 1, alnea o).

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O nico desvio a esta regra de legitimidade prende-se com os pedidos de informao prvia que, nos termos do art. 14. e seguintes do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, so actos prvios de natureza verificativa, mas que conformam constitutivamente os actos de licenciamento ou de admisso da comunicao prvia que se lhe vierem a seguir. Tendo em conta a lgica dos pedidos de informao prvia, os mesmos apenas deveriam, em princpio, ser reconhecidos a quem tivesse legitimidade para requerer um eventual pedido de licenciamento ou apresentar uma comunicao prvia, o que, alis, sucedia antes da entrada em vigor do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao. Este diploma veio, no entanto, alargar a legitimidade nestes procedimentos, desde que, quando o requerente no seja o proprietrio do prdio, o pedido de informao prvia inclua a identificao daquele bem como dos titulares de qualquer outro direito real sobre o prdio, atravs de certido emitida pela conservatria de registo predial, devendo estes ser notificados da abertura do procedimento (cfr. n.os 3 e 4 do art. 14.). Embora este alargamento facilite a possibilidade de um particular interessado na aquisio de um determinado prdio formular um pedido de informao prvia, a verdade que se o proprietrio do prdio no estiver interessado na venda deste (ou na constituio de um qualquer direito que permita a concretizao da operao urbanstica), a informao prvia favorvel de nada serve ao seu titular, visto que, no obstante esta, ele no ter direito ao licenciamento, admisso da comunicao prvia ou autorizao se, entretanto, no tiver adquirido a titularidade de um direito que lhe confira legitimidade para o efeito41.

Como referido no Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Janeiro de 2008, proferido no processo 0549/07, [on line], disponvel in: http://www.dgsi.pt/jsta, A constituio ou no de direitos ou expectativas legtimas, depende da titularidade, pelo Requerente de alguma das posies jurdicas a que se reporta o art 10, n2 do DL. 445/91, pelo que No sendo a Autora proprietria, locatria titular do direito de uso de habitao, superficiria, dos prdios (um rstico e um urbano) respeitantes rea de implantao do projecto a que se reporta o pedido de informao prvia, e no tendo quaisquer poderes de representao, pelo menos em relao proprietria de um dos prdios, nem antes, nem depois, de ter obtido o deferimento do pedido de Informao Prvia que formulou, no se constituiu em relao a ela nenhum direito ou expectativa legtima, por fora do aludido deferimento. Para maiores desenvolvimentos sobre o sentido desta alterao legal, cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOS CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES e FERNANDA MAS, ob. cit., comentrio ao art. 14..

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No caso do destaque, embora admitamos que a certido que atesta a divisibilidade e edificabilidade do prdio possa ser emitida a pedido de quem no proprietrio ou titular de um direito que sobre o mesmo permita edificar por analogia com o regime jurdico aplicvel ao pedido de informao prvia, uma vez que tambm aqui h boas razes para aferir da viabilidade do fraccionamento do uso do solo, caso se venha, mais tarde, a deter legitimidade para o efeito , no despiciendo assinalar que aquela certido nunca , nem nunca foi, suficiente para a concretizao do destaque. Esta concretizao depende ainda do efectivo exerccio da faculdade de diviso do solo que assiste ao proprietrio; portanto, faculdade esta que s pode ocorrer quando reconhecida legitimidade ao particular para o efeito. Esta diviso fundiria ocorre, por isso, no momento da concretizao da acesso, uma vez que nesta sede judicial , confluiro no apenas a atestao da possibilidade de fraccionamento do prdio, como tambm a demonstrao de vontade para o efeito, permitindo-se, assim, de forma simultnea, a constituio de um direito de propriedade novo sobre um novo prdio que corresponde ao que anteriormente era uma parte de outro prdio e a respectiva definio de quem a titularidade. claro, do exposto, que consideramos no dever ser condio para a declarao judicial da acesso industrial imobiliria parcial o prvio destaque do prdio (isto a efectivao do seu fraccionamento jurdico pela concretizao do destaque na conservatria de registo predial), por um lado, porque consideramos que a acesso, por si s, produz o fraccionamento42, por outro, por tal condio ser objectivamente impossvel de concretizar num momento prvio ao da acesso, j que este acto que configura o marco de aquisio da legitimidade, inclusive urbanstica. No entanto, j exigvel que seja comprovado, no mbito do processo judicial em curso, que a parcela do prdio a individualizar por intermdio da acesso, para alm de poder ser autonomizada juridicamente, comporta a construo que nela foi erigida. E isto porque ,

Como resulta do exposto, obviamente, no consideramos que aps a declarao judicial da acesso industrial imobiliria parcial seja necessrio efectuar o destaque; ao invs, este concretiza-se no momento desta declarao judicial.

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como vimos, um pressuposto da acesso a incorporao consistente no acto voluntrio de realizao da obra43. Ora, esta consistncia liga-se elevada probabilidade de manuteno da obra, que ter de ser avaliada no momento da apreciao da acesso pelo Tribunal. Caso contrrio, poder ser decretada a acesso relativamente a prdios, suportada no maior valor acrescentado quando, na realidade e de um ponto de vista urbanstico, a nova unidade predial no subsistente, designadamente por violar normas legais imperativas (servides e restries de utilidade pblica) ou instrumentos de gesto territorial directamente vinculativos dos particulares. Neste caso, firmada a impossibilidade de legalizao, a soluo devida do ponto de vista urbanstica ser salvo em casos excepcionalssimos a demolio da obra realizada a expensas do seu proprietrio44. Ora, o desencadear destas medidas de tutela da legalidade urbanstica, previstas no art. 102. e seguintes do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, pode comprometer irremediavelmente os pressupostos de que dependeu a acesso, designadamente o da consistncia da obra e o do seu valor. Por estes motivos, deve o Municpio ser chamado a apreciar no apenas a divisibilidade do solo (em funo da capacidade edificativa da parcela a separar) como tambm a razovel subsistncia da edificao que motiva a acesso industrial imobiliria parcial, o que impe a aferio da compatibilidade desta com as normas e requisitos urbansticos aplicveis rea em causa45.Este nvel de apreciao apenas no exigvel nas situaes de edificaes legalmente existentes, uma vez que nestas apenas ser relevante determinar a sua separabilidade relativamente ao restante prdio (e eventuais edificaes neste existentes). Com esta nota pensamos ser explcito que estamos num segundo nvel de indagao de questes urbansticas: j no nos referimos certificao da possibilidade de fraccionamento do prdio, mas aferio da possibilidade de legalizao da edificao que naquele se implantou. No entanto, apesar de, do ponto de vista do direito do urbanismo, estas duas questes terem alguma precedncia entre si, do ponto de vista civil, ambas concorrem de forma simultnea para o preenchimento dos requisitos de que depende a acesso. 44 Excepcionalssimos porque convocam a alterao do enquadramento legal ou regulamentar vigente, o que carece de adequada fundamentao. Sobre as medidas de tutela de legalidade, cfr. DULCE LOPES, Medidas de tutela da legalidade urbanstica, Revista do CEDOUA, n. 2, 2004. 45 Note-se que o momento relevante para a definio das regras urbansticas aplicveis o da legalizao e no o da execuo da obra, de acordo com a regra tempus regit actum. Como a legalizao depende da prtica de um acto administrativo de licenciamento ou de admisso de comunicao prvia, os pressupostos de legitimidade deste devem aferir-se no momento da sua prtica (artigo 67. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao), o que aproxima, em termos temporais, esta apreciao43

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O mecanismo mais adequado para o efeito parece ser, precisamente (tal como sucede para a atestao da possibilidade de fraccionamento do solo), a certido que instrui o pedido de destaque. No caso de solo urbano, porm, como deixou de ser exigvel a apresentao e aprovao de um projecto pela certido que instrui o destaque, esta atestar apenas a capacidade edificativa objectiva da parcela. Por exemplo, referir que num prdio com x m2, ao qual se aplica o ndice de y, a rea de construo admitida de z m2, por exemplo. Em face da generalidade de uma certificao desta natureza, nem sempre ser possvel determinar, com a segurana exigvel ou possvel, que a obra em causa passvel de ser legalizada, na medida em que as nuances dos procedimentos de legalizao so de tal ordem que a mera definio de grandes parmetros urbansticos aplicveis pode no ser um elemento suficiente para firmar a apreciao judicial da verificao das condies da legalizao e, por isso tambm, da consistncia da obra para efeitos de acesso. Quer-nos parecer que nestes casos mais complexos verdadeiros hard cases , competir ao interessado lanar mo de um mecanismo mais oneroso mas que, ao mesmo tempo, acautela mais os interesses de segurana jurdica e de equidade que com a acesso industrial imobiliria se pretendem acautelar. este instrumento a informao prvia mediante a qual se aprecia uma operao urbanstica concreta (neste caso de edificao), definindo as suas caractersticas essenciais, designadamente em termos de enquadramento urbanstico e arquitectura, ou, mesmo, antecipando a totalidade da operao urbanstica que ser sujeita a comunicao prvia (art. 14. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao). Esta informao prvia tem, como antevimos, efeitos constitutivos e permite firmar a possibilidade de construo ou de legalizao de uma determinada construo nos precisos termos em que a mesma se encontra edificada. Para alm do mais, no se colocam aqui, como vimos, obstculos atinentes legitimidade, j que o art. 14., n. 3, do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao, admite que o requerente do pedido de informao prvia no seja o proprietrio do prdio, havendo, nestes

municipal do momento em que se aprecia judicialmente a situao de acesso.

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casos, um interesse legtimo manifesto que justifica o alargamento do requisito da legitimidade urbanstica. Assim, quando no tenha sido ainda afirmada a possibilidade, realista e razovel, de legalizao de uma construo, designadamente porque esta, tal como se encontra (sem trabalhos de correco ou de alterao) ultrapassa o ndice da parcela ou porque se trata de uma zona sujeita a condicionantes legais que prevm a pronncia vinculativa de entidades externas46, deve o pedido de informao prvia ser o mecanismo exigvel para que se permita o funcionamento da acesso industrial imobiliria, fazendo-se, assim, surgir um novo prdio.

III. A usucapio Como consabido, a usucapio47 um efeito da posse.Nestes casos, a certido municipal que viabiliza o destaque ter, ela prpria, uma mais-valia limitada, por a ocupao daquela rea estar sujeita a pronncia de outras entidades, que no so ouvidos em sede de destaque, mas que j o so no mbito de um procedimento de informao prvia (art. 15. do Regime Jurdico da Urbanizao e Edificao). 47 A usucapio, vocbulo que deriva de usus + capio (e, por isso, significa etimologicamente tomar atravs do uso) , como se sabe, um instituto muito antigo (anterior Lei das XII Tbuas) que teve e nunca deixou de ter, como ideia-me, a posse (possessio) durante determinado tempo mnimo, de boa f (bona fides) e com justa causa (iusta causa) ou ttulo. Na poca clssica (que decorre entre 130 a.c. e 230) a usucapio dependia dos seguintes pressupostos: cidadania romana; posse ou possessio ad usucapionem, que no se confundia com a deteno, posse precria ou possessio naturalis; res, corprea e in commercio; iusta causa da posse, que traduzia, em regra, uma relao negocial ou disposio judicial ou administrativa; durao da posse (pelo menos, dois anos nos fundi e um ano nas outras coisas); boa f do possuidor que consistia na convico do possuidor, quando adquiria a posse, de que no lesava um direito alheio. Diversa da usucapio era a longi temporis praescriptio (que, provavelmente surgiu, ainda na poca clssica, na Grcia). Este instituto, ao contrrio daquele, quando surgiu no tinha efeito aquisitivo; atribua apenas quele que tinha a possessio com iusta causa a possibilidade de paralisar a actio do proprietrio que no houvesse reagido contra a posse contrria durante dez ou vinte anos, consoante vivessem ou no na mesma cidade. Portanto, funcionava como uma exceptio e fundamentava-se, sobretudo, na tolerncia ou inaco que fazia presumir a falta de direito do demandante. No entanto, a longi temporis praescriptio aproximou-se da usucapio, antes da poca justinianeia, passando ambos os institutos a constituir modos de aquisio da coisa com base na possessio com iusta causa e na bona fides do possuidor. Por isso, Justiniano realizou a sua fuso embora as fontes falem de usucapio em relao a coisas mveis e de longi temporis praescriptio para as coisas imveis. A usucapio justinianeia dependia dos seguintes requisitos: a posse da coisa, com animus de ser possuda como correspondendo ao exerccio de um direito real possessio ad usucapionem;46

32 De acordo com a norma do art. 1251. do Cdigo Civil, posse o poder que se manifesta quando algum actua por forma correspondente ao exerccio do direito de propriedade ou de outro direito real. Posse , assim, segundo a concepo subjectivista que perfilhamos (tal como boa parte da doutrina e a maioria da jurisprudncia nacionais), o exerccio de poderes de facto sobre uma coisa em termos de um direito real (rectius: do direito real correspondente a esse exerccio). Envolve, portanto, um elemento emprico exerccio de poderes de facto e um elemento psicolgico-jurdico em termos de um direito real. Ou por outras palavras, supe: o corpus que consiste no domnio de facto sobre a coisa48. o animus que consiste na inteno de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente quele domnio de facto49. durao da posse: trs anos nas coisas mveis e dez ou vinte anos nas imveis, respectivamente, entre residentes na mesma ou em diferente provncia; o tempo devia ser