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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
MARISTELA KROKOSZ ROSSA
AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E SEUS ASPECTOS SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
CURTIBA 2012
MARISTELA KROKOSZ ROSSA
AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E SEUS ASPECTOS
SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann.
CURITIBA 2012
TERMO DE APROVAÇÃO
MARISTELA KROKOSZ ROSSA
AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE E SEUS ASPECTOS SEGUNDO A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Essa monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _______ de ____________________________________ de 2012.
___________________________________________________
Bacharelado em Direito
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientadora: Professora: Geórgia Sabbag Malucelli Niederheitmann Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas Prof.
Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Faculdade de Ciências Jurídicas
AGRADEÇO
Primeiramente ao Deus, minha luz e força.
À minha família, meu porto seguro, principalmente à minha mãezinha pelas
incansáveis orações e aos amigos que acreditaram em mim.
Ao meu marido André Marcelo, meu grande amigo e companheiro que sempre
esteve do meu lado, e me apoiou como ninguém.
À minha orientadora pela paciência e dedicação dispensadas.
Muito Obrigada!
O valor socioafetivo da família é uma realidade da existência. Ela se qualifica com o
transcorrer dos tempos, não é um dado e sim, um construído. Os filhos, filhos são,
importa menos a origem e sua ascendência.
Luiz Edson Fachin
RESUMO
Dentre as expressivas mudanças que ocorreram no Direito de Família brasileiro, introduzidas pela Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002, destaca-se o surgimento de um dos grandes princípios que hoje norteiam o campo da filiação em nosso ordenamento jurídico. Trata-se do princípio da igualdade entre os filhos, sejam aqueles havidos na constância do casamento ou não, outrora vistos como (legítimos ou ilegítimos), abolindo-se quaisquer atos discriminatórios entre eles. O que ocorreu ao longo da história foi a ampliação do conceito de família, esse processo de transformação e evolução somado ao surgimento de novas tecnologias no campo da medicina que hoje permitem identificar com exatidão a identidade genética de uma pessoa, fizeram surgir para o judiciário uma série de novas discussões e paradigmas, principalmente no que diz respeito filiação e à paternidade. A liberdade concedida aos pais de poderem reconhecer como seus, os filhos nascidos de relações extra-matrimoniais, ou afetivos, e o fato dessa paternidade poder ser contestada a qualquer tempo, se não tratados de maneira coerente, podem acarretar tanto para os pais como para os filhos, sérios prejuízos na preservação dos vínculos de afeto desenvolvidos entre si.
Palavras-chave: filiação, igualdade, negatória, paternidade, verdade real, biológica.
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................7
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA E FILIAÇÃO NO BRASIL.............................................................................................................8
3 ANÁLISES LEGISLATIVAS CONCERNENTE AOS DIREITOS DO FILHO..............................................................................................................12
4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O DIREITO À FILIAÇÃO........................................................................................................14
4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO À
IDENTIDADE GENÉTICA................................................................................14
4.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE...........................................................................16
4.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA...................................16
5 FILIAÇÃO E A POSSE DO ESTADO DE FILHO...........................................18
6 PATERNIDADE BIOLÓGICA X PATERNIDADE AFETIVA...........................21 7 RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE, CARACTERÍSTICAS E EFEITOS .........................................................................................................................26
8 AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.......................................................30
9 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL.......38
10 O DNA COMO PROVA DA PATERNIDADE..................................................43
10.1 DA RECUSA EM CEDER MATERIAL PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA
GENÉTICA.......................................................................................................46
11 O INSTITUTO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES INVESTIGATÓRIAS E NEGATÓRIAS DE PATERNIDADE................................................................51
12 CONCLUSÃO..................................................................................................55
REFERÊNCIAS
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1 INTRODUÇÃO
A ampliação das relações de família na atualidade apresentam múltiplas
vertentes a partir das quais podemos estudar a ação negatória de paternidade e,
conseqüentemente, as posições doutrinárias e jurisprudenciais que vem prevalecendo
nas decisões proferidas atualmente pelos Tribunais Brasileiros.
No seu desenvolvimento, o presente estudo apresenta uma breve análise da
evolução histórica sofrida pela instituição familiar nos últimos anos, principalmente no
que diz respeito à filiação, apresentando os lineamentos históricos que permitem
chegar à compreensão dos fatores sociais, culturais e jurídicos que foram essenciais
para a ocorrência dessas mudanças.
Os fatores históricos, culturais e sociais que colaboraram para as expressivas
mudanças ocorridas, merecem uma atenção especial em função dos inúmeros
problemas que surgiram a partir dos novos rumos que o vínculo parental tomou,
sobretudo, em decorrência de novas técnicas da medicina que possibilitam a
identificação genética dos indivíduos com precisão, podendo influenciar de forma
significativa nas decisões judiciais relacionadas à busca da verdade sobre a
paternidade ou a filiação.
O trabalho que ora se apresenta busca trazer uma pequena contribuição à
discussão e estudo do tema, objetivando oferecer elementos àqueles que consideram
que o ambiente familiar não pode ser palco de violações que vão contra as garantias
constitucionais, principalmente aquelas situações que ferem acima de tudo a dignidade
da pessoa humana, princípio basilar da Constituição Federal pátria.
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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA E FILIAÇÃO NO BRASIL
No decorrer da história, o direito de família brasileiro passou por inúmeras
transformações, dentre as principais, destacam-se duas das que mais marcaram essa
evolução, primeiramente foi o surgimento da igualdade entre os cônjuges e,
posteriormente, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, estendida aos
demais membros do núcleo familiar, mais especificamente aos filhos.
O princípio da igualdade que norteia a Constituição de 1988 promoveu a isonomia de direitos, o que produziu uma revolução no direito de família, pois atribuiu à mãe direitos iguais aos do pai na administração da família, guarda e manutenção da estrutura familiar e extinguiu qualquer ação discriminatória no que diz respeito aos filhos (BARROS, 2001. p. 62).
Antigamente o pai era o centro regulador inquestionável da família, seu chefe,
a ele cabia todo o poder de regular a vida dos membros da família era ele tinha o poder
sobre a vida e a morte não apenas dos filhos e da esposa, mas também dos genros e
noras.
Predominava o modelo de família matrimonializada e patriarcal, com o homem
na qualidade de chefe da família, com um férreo poder marital, ao qual a mulher era
subordinada, “no Brasil Colônia, se valorizava o casamento, como sacramento que
conferia status e segurança para homens e mulheres” (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 66-67).
O Cristianismo impunha a obrigação de fidelidade moral entre casais, e a
condenava o adultério, bem como, as relações sexuais antes do casamento, tudo isso
em nome da inviolabilidade do sacramento do matrimônio que deveria durar a vida
toda, apesar de preponderar nas relações da época o interesse econômico.
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Constata-se que muitos dos casamentos ocorriam por interesses puramente
econômicos, dissociados de qualquer tipo de sentimento, apenas meros contratos entre
famílias que detinham posses.
Foi do direito canônico que decorreu ”a primeira distinção entre filhos provindos
do casamento e fora do casamento, mais tarde sendo rotulados de naturais e espúrios,
adulterinos e incestuosos” (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 73), a sociedade da época era tão
preconceituosa a ponto de acreditar que somente tinham a proteção de Deus e do
Estado aqueles filhos que provinham do casamento, os demais eram totalmente
discriminados.
Fernanda Otoni de Barros (2001, p. 51), pontua que foi em 1916, com a
entrada em vigor no Código Civil que “o poder pátrio sofre seu primeiro golpe, refletindo
uma tendência do Direito em outros países, principalmente a França”.
O que ocorreu, segundo a autora, foi “uma certa ruptura da primazia absoluta
do poder paterno. O pátrio poder continuou sendo exercido pelo pai, mas, na sua falta
ou impedimento, caberia à mãe essa função” (BARROS, 2001. p. 55).
Com o passar dos anos, mais especificamente, “no decurso do século XX,
gradativamente a intervenção do Estado manifestou-se no sentido de estabelecer uma
relação de dependência recíproca com a estrutura da sociedade brasileira, moldando
uma nova legislação“ (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 75).
O grande divisor de águas, responsável por uma das maiores evoluções
ocorridas na história do direito de família brasileiro foi o a criação do artigo 227 § 6º da
Constituição Federal de 1988.
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A maior conseqüência que este dispositivo criou, foi a extinção automática do
vocabulário jurídico brasileiro das expressões filhos legítimos e ilegítimos, destruindo-se
todas as barreiras impostas pelo preconceito, promovendo a igualdade de tratamento e
direitos entre os filhos.
A luta pela igualdade dos filhos, no Brasil, tem uma história marcada por inomináveis injustiças, desigualdades e discriminações, que refletiam o sistema do Código Civil de 1916. Este, por sua vez, era o reflexo da sociedade patriarcal da época, dentro do maior radicalismo legado pela tradição napoleônica (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 19).
Com o surgimento desse novo modelo de família, a autoridade patriarcal que
era absoluta aos poucos foi sendo suprimida e a família que anteriormente era calcada
exclusivamente na proteção da instituição familiar pautada no matrimônio, destinada à
produção e interesses econômicos, cedeu espaço a uma nova forma de família mais
humana, voltada para a igualdade e afetividade de seus membros.
A noção codificada de família, quando da elaboração do Código Civil Brasileiro de 1916, em face de uma sociedade basicamente rural, revelava uma família que funcionava como uma unidade de produção, importando para tanto ser numerosa, representando uma maior força de trabalho e maiores condições de sobrevivência de todo o grupo (BOEIRA, 1999. p. 19-20).
A sociedade em nome da preservação da família matrimonializada e os
costumes da época mantinha seus olhos fechados a uma realidade repleta de
discriminação que pairava sobre aqueles filhos intitulados como ilegítimos, ou seja, os
que eram concebidos e nasciam fora do matrimônio, Caio Mário da Silva Pereira (1997,
p. 146), expõe que: “o estado de legitimidade encontrava na lei muito maior proteção
11
que o de ilegitimidade, sob o fundamento de que a sociedade tinha o maior e principal
interesse em amparar e prestigiar a família legalmente constituída”.
Um das transformações experimentadas pela instituição familiar que mudou os
rumos da relação entre pais e filhos, foi à passagem do pátrio poder, à categoria de
verdadeiro poder-dever, passando-se a preservar o melhor interesse dos filhos.
O casamento, por exemplo, antes prioritariamente fonte de procriação e de afinidade, torna-se um lugar de companheirismo: a filiação, então praticamente tida como um bem, tanto quanto liame necessário entre as gerações e mão - de - obra disponível, passa a informar um novo sentimento familial (FACHIN, 1992. p. 24).
Por conseqüência da ruptura que houve com o sistema anterior, o pátrio poder
deu espaço ao poder familiar, a filiação não é mais fundada em laços de sangue e o
casamento não é mais a fonte exclusiva da família, os laços são estabelecidos pela
afetividade que nos liga aos outros membros da nossa família.
Desse modo, se, por um lado, desapareceu o tratamento discriminatório, por outro, os direitos dos filhos provindos de fora do casamento devem ser obtidos por meio dos instrumentos legais ora postos de forma ampla, à disposição do ordenamento. Esse é o atual desafio no direito de filiação (VENOSA, 2008. p. 213).
A família que hoje conhecemos está se adaptando às novas circunstâncias,
assumindo um papel mais concentrado na qualidade das relações entre as pessoas e
no desejo de cada um na realização felicidade de todos os membros, unida pelos laços
do afeto e companheirismo.
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3 ANÁLISES LEGISLATIVAS CONCERNENTE AOS DIREITOS DO FILHO
A Constituição Federal de 1988, conforme já citado anteriormente, colaborou
expressivamente para a mudança de paradigmas e trouxe à tona uma nova realidade
nunca antes experimentada pelo ordenamento jurídico brasileiro, outorgando proteção
especial à família, por ser a base da sociedade, posicionando os filhos
independentemente de sua origem, em igualdade de direitos.
De forma contundente, a Constituição Federal outorga especial proteção à família (art. 226) e proclama como dever do Estado a garantia da criança a convivência familiar (art. 227). De outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) decanta que o direito personalíssimo de reconhecimento do estado de filiação é indisponível e imprescritível (art. 27) e que as normas e tratados internacionais são pródigos na disseminação de regras protetivas de crianças e adolescentes (NICOLAU JÚNIOR, 2011. p. 25).
A Lei 8.560, de 29 de Dezembro de 1992, por sua vez, reiterou a máxima da
proibição de diferenciação entre os filhos, conferindo a eles maior proteção, ou seja,
trouxe para o direito brasileiro a chamada proteção integral, da criança e do
adolescente, permitindo que através da investigação de paternidade se chegasse à
verdade genética do indivíduo permitindo no “no art. 8º, a retificação por decisão
judicial, ouvido o Ministério Público, dos “registros de nascimento anteriores à data da
presente lei” (GONÇALVES, 2006. p. 106), nesse mesmo sentido manifesta-se Luiz
Roberto de Assumpção, (2004, p. 28-29), in verbis:
Segundo este texto legal, os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos sem qualquer espécie de barreiras, por um ou por ambos os pais, conjunta ou separadamente, garantido ao filho reconhecido exclusivamente pela mãe o direito à averiguação oficiosa da paternidade. Essa lei regula o reconhecimento voluntário (art. 1º), e compulsório (art.2º) da paternidade extramatrimonial, conferindo, ao Ministério Público a possibilidade
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de intentar a ação de investigação de paternidade (art. 2º, §4º). (2004, p. 28-29).
O princípio da “proteção integral da criança e do adolescente também
resguarda estes sujeitos de buscar, mesmo quando adultos tudo aquilo que beneficie,
ou seja, vital ao seu desenvolvimento psíquico e físico” (GOLDHAR, 2010.p. 227).
O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069/90, “surgiu em decorrência
dos postulados constitucionais inerentes ao novo estado de filiação” (ASSUMPÇÃO,
2004. p. 27), o artigo 27 da mencionada lei, assegura que o reconhecimento de estado
de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
O legislador, quando da elaboração do novo Código Civil de 2002, inovou
significativamente na parte relacionada ao direito de Família, várias foram às mudanças
que ocorreram, porém, a que causou maior impacto no ordenamento jurídico brasileiro,
foi a proibição de qualquer forma de discriminação entre filhos nascidos dentro ou fora
do casamento, antes tidos como legítimos e ilegítimos, agora chamados de “filhos
havidos fora do casamento” (art. 1º da Lei 8.560/92; Código Civil artigos 1.607, 1.609 e
1.611).
Em comparação feita entre a legislação vigente com relação à anterior,
percebe-se quão grande foi o passo dado pelo legislador brasileiro em favor de tantos
filhos renegados, na conquista dos seus direitos, seja com relação à descoberta de sua
identidade, quanto na igualdade de direitos sucessórios com os demais, eis que, uma
vez reconhecido, o filho passa a ter também os mesmos direitos de herança assim
como os demais.
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4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O DIREITO À FILIAÇÃO
Com relação aos princípios constitucionais Mauro Nicolau Júnior (2011, p. 46),
pondera que:
Os princípios informam todo o sistema jurídico. Eles são normas, e as normas compreendem as regras e os princípios. Os princípios além de atuarem normativamente, podem ser relevantes, em caso de conflito, para um determinado problema legal, mas não estipulam uma solução particular.
4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO Á IDEN TIDADE
GENÉTICA
O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio que envolve todo o
ordenamento jurídico brasileiro, inserido no artigo 1º inciso III da Constituição Federal,
dele decorrem todos os outros princípios, “pode ser considerado a verdadeira força
normativa da Constituição democrática, comprometida com a realização da justiça”
(ESPOLADOR, 2009. p. 30), a dignidade é algo que é próprio do indivíduo, já nasce
com ele, somos dignos, simplesmente por existirmos.
A dignidade humana é tida “como o princípio norteador do sistema, coloca-se a
pessoa como principal fim de proteção e o desenvolvimento de sua personalidade como
objetivo primordial “(ASSUMPÇÃO, 2004. p. 54-55).
Na ponderação de que todos os princípios devem estar a ele submetidos, esse princípio sobreleva-se a outros, de forma que a existência digna da pessoa como valor indispensável para a pacífica vida em sociedade (contrato social) está a indicar o caminho para que seja preservada a identidade e o direito à personalidade de cada pessoa, sob pena de estar amesquinhando e diminuindo o valor maior sobre o qual se constrói uma sociedade justa e humana, qual seja o próprio direito à vida. [...] Ao incluir o direito à dignidade humana entre os direitos fundamentais, subordinou e condicionou todo o restante das normas legais, pré ou pós-
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existentes à “filtragem”, de forma que a Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do direito (NICOLAU JUNIOR, 2011. p. 110).
Rose de Melo Vencelau, assinala aqui a importância do direito à identidade
inerente à pessoa humana afirmando que, “o direito à identidade tem um sentido
estático, com ênfase no nome, mas, também, um sentido dinâmico, manifestado nas
diversas relações do indivíduo com a sociedade, onde se destaca a filiação” (2004, p.
70).
O direito à identidade genética faz parte dos direitos da personalidade do
indivíduo e está inserido no rol dos direitos fundamentais assegurados pela
Constituição Federal pátria, a esse respeito Mauro Nicolau Júnior (2003), afirma que:
Trata-se do direito ao conhecimento da identidade genética do cidadão, cujo bem jurídico tutelado é a descoberta de sua origem biológica, que se considera como atributo ínsito à personalidade humana, direito essencial ao nome de família, que aponta a sua ascendência genética, o seu status de filiação e que, por via de conseqüência, concede ao investigante determinados direitos de cunho patrimonial.
A identidade da pessoa cumpre funções básicas, dentre as quais pode-se destacar ser o elo de ligação entre ela e a sociedade em geral, permitindo o seu reconhecimento individual e como cidadão, evitando confusão com outra pessoa nos diversos núcleos: familiar, sucessório, negocial, comercial, entre outros.
O conhecimento da origem genética além de ser um direito fundamental,
inerente à pessoa humana, se mostra indispensável para que o indivíduo possa,
através do histórico de saúde de seus parentes, além de prevenir doenças de ordem
psíquica, física e genética, ainda, evitar união de pessoas com mesmo tipo sanguíneo,
“contudo, o mais importante é, indubitavelmente, o pleno direito à informação inerente a
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qualquer ser humano, aliado ao direito à historicidade que é parte integrante do direito
da personalidade do homem” (GOLDHAR, 2010. p. 275).
4.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O princípio da igualdade que está inserido no artigo 277, § 6º da Constituição
Federal, e assegura que não haverá qualquer forma de distinção de tratamento entre os
filhos, conferindo a todos, não importando a origem, o direito de conhecer suas origens
biológicas, quando esta for essencial para o seu pleno desenvolvimento humano e
moral, “revelando o novo suporte fático das relações familiares, qual seja: a afetividade”
(ALBUQUEREQUE, 2010. p.40).
“O princípio da isonomia é herdeiro da Revolução Francesa, ideal presente em
todas as constituições modernas, onde todos, diante da lei, devem ter igualdade de
direitos e deveres, como apregoa a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”
(BARROS, 2001. p. 62).
Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. (Recurso Extraordinário nº 363889/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno. DJe. 16.12.2011).
4.3 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA
Além da Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 5º §2º e o Estatuto da
Criança e do Adolescente, que asseguram o princípio do melhor interesse, dando
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especial proteção, aos direitos das crianças e adolescentes, “o artigo 3º do Decreto nº.
99.710/90, o qual ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança -
ONU/89” (PEREIRA, 2009. p. 323), da mesma forma estabelece que todas as ações
relativas à crianças, devem priorizar sempre o seu melhor interesse.
Qualquer decisão a ser proferida versando sobre direito de filiação, há que ser conectada com o princípio fortemente estabelecido, de que é essencial observar-se o melhor interesse da criança, critério que se universaliza, revelado na expressão the best interest of the child, ou o kindeswohl alemão. Atende, igualmente, ao estatuído na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigência do bem comum” e no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 6º, que condiciona seus dispositivos à observância da condição peculiar da criança e do adolescente, como pessoas em desenvolvimento (NICOLAU JÚNIOR, 2003). [grifo do autor]
O princípio do melhor interesse, foi instituído a fim garantir a aqueles seres que
ainda estão em desenvolvimento a segurança de que irão crescer e se desenvolver
sem sofrer abusos por serem a parte mais vulnerável de uma relação jurídica e o
melhor interesse está aonde a criança possa encontrar, amor, afeto, carinho, segurança
etc.
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5 FILIAÇÃO E A POSSE DE ESTADO DE FILHO
O autor Silvio Rodrigues conceitua filiação como sendo “a relação de
parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa
àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado” (2008, p. 297).
Já o autor Mauro Nicolau Júnior afirma que “filiação é conceito relacional, é a
relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais é
considerada filha da outra (pai ou mãe)” (2011, p. 124).
A posse do estado de filho se configura sempre que alguém age como se fosse o filho e outrem como se fosse o pai, pouco importando a existência de laço biológico entre eles. É a confirmação do parentesco/filiação sócio-afetiva, pois não há nada mais significativo do que ser tratado como filho no seio do núcleo familiar e ser reconhecido como tal pela sociedade, o mesmo acontecendo com aquele que exerce a função de pai. A posse de estado de filho, nada mais é, do que a prática de reiterados atos dos núcleos familiares, diante de uma íntima e longa relação de afeto, cuidado, preocupação e outros sentimentos que surgem com o carinho. A família afetiva — O afeto como formador de família (SIMÕES, 2007).
No ordenamento jurídico “brasileiro, a posse de estado de filho tem discreta
previsão como prova da filiação no caso de falta ou defeito no termo de nascimento”
(VENCELAU, 2004. p. 191) no artigo 1.605, II do Código Civil.
Embora não haja previsão legal expressa, a posse de estado de filho tem como
função essencial, resolver conflitos relativos à paternidade, Eduardo de Oliveira Leite
assegura que é necessária a junção de três elementos essenciais, para que a posse
ocorra, quais sejam; a “tractatus (a criança é tratada ostensivamente como filha),
nomem (a criança a utiliza o nome de família dos pais) e fama (a criança é reconhecida
como filha pela opinião pública)” (2005, p. 215).
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A bem da verdade, o estado de filiação de cada um “é único e de natureza
socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, ainda que derive biologicamente dos
pais, na maioria dos casos (NICOLAU JÚNIOR, 2011. p. 119).
Paulo Lôbo afirma que:
O estado de filiação compreende o conjunto de circunstâncias que solidificam a presunção da existência da relação entre pais, ou pai e mãe, e filho, capaz de suprir a ausência de registro de nascimento. Em outras palavras, a prova da filiação dá-se pela certidão no registro de nascimento ou pela situação de fato (LÔBO, 2009. p. 215).
A posse de estado se verifica no comportamento dos indivíduos no seu dia a
dia revelado pela convivência familiar e o cumprimento dos deveres assumidos como a
guarda e educação etc.
Tratando ainda de posse de estado de filho, não podemos deixar de citar um
fenômeno muito comum e que ocorre com muita freqüência no Brasil, e que é o
fundamento de muitas das ações negatórias de paternidade c/c retificação ou anulação
de registro civil ajuizadas; é a chamada adoção à brasileira, que normalmente se dá
quando a mulher com filho pequeno se une a um novo companheiro, que assume a
criança como filho, efetuando o registro civil, passando a tratá-lo perante a sociedade
como filho biológico, promovendo além do sustento a sua educação.
Temos abaixo um julgado do Superior Tribunal de Justiça que expõem de
forma clara o que vem a ser a adoção à brasileira:
A “adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação sócio-afetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade / paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos cônjuges/companheiros) simplesmente registra a criança como sua filha, sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor.
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(Recurso Especial Cível nº 833712/RS, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel. Nancy Andrighi. DJe 04.06.2007).
A problemática da questão surge quando o relacionamento acaba e o suposto
pai simplesmente decide que não quer mais manter a paternidade anteriormente
assumida de forma livre e voluntária.
E aí nos perguntamos como fica o filho que após anos e convivência tinha
aquele homem como referência para sua vida? Que lhe deu um nome que o tratava
perante a sociedade como se filho fosse? Essas e outras questões serão abordadas a
seguir em tópico próprio.
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6 PATERNIDADE BIOLÓGICA X PATERNIDADE AFETIVA
A paternidade na história do direito de família brasileiro, sempre foi baseada na
chamada presunção pater is est quem justae nuptiae demonstrant, ou seja, presume-se
que o marido é o pai dos filhos concebidos e nascidos na constância do casamento, “no
regime do Código Civil de 1916, essa presunção da paternidade não podia ser elidida”
(RODRIGUES, 2004. p. 301), porém o caráter absoluto da presunção foi sendo
relativizado, o Código Civil de 2002, manteve a regra, porém, admite que se prove o
contrário.
Com a evolução ocorrida na ciência da medicina, mais especificamente com o
surgimento do exame de DNA e a facilidade no “acesso científico à verdade real em
torno da paternidade biológica” (NICOLAU JÚNIOR, 2006. p. 131), a presunção foi
sendo suprimida e deixou de ter tanta influência nas decisões judiciais, tendo em vista a
certeza proporcionada pelo exame de DNA.
Ao tratar sobre o assunto Bernardo Castelo Branco (2006, p. 106-107), aduz
que:
A filiação biológica, antes fundada na presunção legal, ao menos quanto ao pai, e hoje alicerçada na verdade científica do DNA, constituía elemento de segurança no reconhecimento dessa espécie de vínculo jurídico e, conseqüentemente, de todos os desdobramentos dele decorrentes. A relação entre pais e filhos se estabelecia, pois naturalmente, a partir do reconhecimento do vínculo genético preexistente, marcado pelo momento da concepção.
A paternidade biológica é aquela que se origina da junção dos gametas
sexuais femininos e masculinos, sendo que com o agrupamento desses genes surge o
chamado vínculo biológico, embora hoje existam os métodos de reprodução assistida, a
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geração do vínculo biológico, mesmo realizada em laboratório, possui a mesma origem,
embora a união não tenha ocorrido através do ato sexual convencional.
Luiz Roberto de Assumpção explica que “a paternidade biológica foi, durante
muito tempo, a regra geral. Era o vínculo consangüíneo entre uma pessoa e aqueles
que lhe deram a vida que estabelecia o parentesco” (2004, p.51).
A paternidade afetiva, por outro lado, foi uma inovação que ocorreu no direito
de família brasileiro. Cada vez mais os tribunais vêm decidindo a favor dos vínculos
afetivos, já que esta é uma paternidade baseada não apenas em laços de sangue, mas
em laços de afetividade, “caracteriza-se como uma nova forma de determinar a filiação,
baseada não apenas em critérios biológicos ou jurídicos, mas principalmente nas
relações de afeto paterno-filiais” (FACHIN,1996. p. 87).
Mauro Nicolau Júnior conceitua filiação socioafetiva como sendo “o vínculo
jurídico que liga uma pessoa a seus pais, ou seja, o liame jurídico existente entre eles
se fundamenta não exclusivamente na relação biológica, legal ou decorrente da
adoção, mas, fundamentalmente, na afetividade” (2011, p. 170-171).
Em caso de conflito entre a paternidade biológica e a socioafetiva, nem sempre
a verdade sobre a origem genética irá satisfazer o melhor interesse da criança, razão
pela qual, os Tribunais brasileiros na sua grande maioria, tem admitido a paternidade
socioafetiva em detrimento da paternidade biológica, o autor Gustavo Tepedino, adepto
a esta corrente, afirma que:
Muito mais importante que o vínculo genético, a criança necessita de alguém que exerça a função de pai. Pai não será aquele que consta da certidão de nascimento, como entendia a doutrina jurídica tradicional. Cada vez mais forte resta a constatação de que a paternidade não é um fator biológico mas sim cultural e emocional. Esta será, portanto, uma função exercida por determinada
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pessoa, não necessariamente o pai biológico. A função do pai, sem dúvida, não se encerra com a reprodução e sustento material (2012, p. 229).
Uma das conseqüências que essa inovação trouxe para o direito de família
brasileiro foi o surgimento da chamada desbiologização da paternidade, tendo em vista
que o laço afetivo formado entre pai e filho afasta, em alguns casos, o vínculo genético,
já que este tem perdido cada vez mais espaço para outras formas de ligação existentes
entre pais e filhos.
Rose Melo Vencelau também adepta à corrente que defende a paternidade
afetiva, afirma que “às vezes, é melhor ter um pai jurídico que não seja o biológico, que
não ter nenhum” (2004, p. 169).
Dessa forma, a família sociológica é aquela que existe a prevalência dos laços afetivos, em que se verifica a solidariedade entre os membros que a compõem. Nessa família, os responsáveis assumem integralmente a educação e a proteção da criança, que, independentemente de algum vínculo jurídico ou biológico entre eles, criam, amam e defendem, fazendo transparecer a todos que são seus pais. A paternidade, nesse caso, é verificada pela manifestação espontânea dos pais sociológicos, que, por opção, efetivamente mantêm uma relação paterno-filial ao desempenhar um papel protetor, educador e emocional, devendo por isso ser considerados como os verdadeiros pais em caso de conflito de paternidade (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 53-54).
Nesse sentido, vejamos algumas decisões recentemente proferidas por alguns
dos Tribunais brasileiros:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INVETIGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. COMPROVAÇÃO DA VERDADE REGISTRAL E SOCIOAFETIVA QUE PREVALECE SOBRE A BIOLÓGICA. COMPROVAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA POR EXAME DE DNA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA DO PAI REGISTRAL QUE FICOU EVIDENCIADA, A PONTO DE AFASTAR A VERDADE BIOLÓGICA O reconhecimento da paternidade é ato irrevogável, a teor do art. 1º da lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do código civil a retificação do registro civil de nascimento, com supressão do nome do genitor, somente é possível quando há nos autos prova cabal de ocorrência de vício de consentimento no ato registral ou, em situação excepcional, demonstração de cabal ausência de qualquer relação socioafetiva entre pai e filho ainda que exista a filiação
24
biológica, confirmada no feito, estando demonstrada nos autos a filiação socioafetiva que se estabeleceu entre a autora e o pai registral, a paternidade socioafetiva impera sobre a verdade biológica. Apelação Desprovida. Apelação Cível nº 70044880854, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Roberto Carvalho Fraga. DJe. 13.04.2012. [...] no confronto entre a verdade biológica e sócio-efetiva, há de prevalecer aquela que tutela adequadamente a dignidade da pessoa humana, restando consignado que: "Firme é o entendimento de que o estado de filiação, como dito alhures, é um direito personalíssimo, indispensável e imprescritível, possibilitando, assim que a pessoa possa investigar a sua verdadeira filiação biológica, podendo exercer o seu direito contra os pais e seus herdeiros, sem qualquer restrição. (Embargos de Declaração nº 567609-9/01, 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Rel. Antonio Loyola Vieira. DJe. 05.08.2011).
APELAÇÃO CÍVEL COM PEDIDO DE ANÁLISE PRELIMINAR DE AGRAVO RETIDO E AGRAVO DE INSTRUMENTO, AMBOS EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C. ANULAÇÃO/RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS. Se os elementos de convicção constantes dos autos não evidenciam o suposto vício de consentimento por erro quanto ao reconhecimento da paternidade, estando demonstrado, ademais, que tal ato se fez seguir e acompanhar de afetividade verdadeira, mantida a posse do estado de filho desde o nascimento da registrada, e que, passadas quase 3 (três) décadas, todos os indicativos existentes apontam para a irreversibilidade dessa situação, deve prevalecer a paternidade sócio-afetiva, baseada na convivência duradoura, no cultivo do afeto e na plena assistência, elementos que melhor identificam uma relação parental entre pais e filhos do que o mero vínculo genético. (Apelação Cível nº. 2011.027498-4, 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Rel. Luiz Fernando Boller. DJe. 30.01. 2012).
[...] A sorte dos filhos não pode ficar ao livre arbítrio dos pais. O ato de reconhecimento é de extrema importância e, uma vez estabelecido o vínculo, não pode ser revogado, como se está pretendendo fazer neste processo. A assunção do vínculo parental não pode ser afastada simplesmente. Se alguém assume o papel de pai, não pode, mais tarde, dele desistir sob a alegação de que não o é biologicamente. Nem sempre a paternidade jurídica está respaldada por uma paternidade biológica. "O estado de filiação desligou-se da origem biológica e de seu consectário, a legitimidade, para assumir dimensão mais ampla que abranja aquela e qualquer outra origem. Em outras palavras, o estado de filiação é gênero do qual são espécies a filiação biológica e a filiação não biológica. Daí é de se repelir o entendimento que toma corpo nos tribunais brasileiros de se confundir estado de filiação com origem biológica, em grande medida em virtude do fascínio enganador exercido pelos avanços científicos em torno do DNA. Não há qualquer fundamento jurídico para tal desvio hermenêutico restritivo, pois a Constituição estabelece exatamente o contrário, abrigando generosamente o estado de filiação de qualquer natureza, sem primazia de um sobre outro." (Paulo Luiz Netto Lobo, Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: uma distância necessária"; in http://www.ibdfan.com.br/inf_geral.asp?dodInf=294&CodTem =42&Tipo=l) Mas não poderia o autor, cansando-se de sua condição de pai, depois de, inclusive, ter ficado um tempo com a guarda do menor, quando da separação do casal, desistir da relação parental que acabou assumindo. Nesse sentido são
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expressos os artigos 1609 e 1610 do CC/02. Aliás, outra não parece ser a intenção do legislador ao estabelecer a desconstituição do registro apenas em caso de erro ou falsidade (artigos 1604 e 1608 do CC/02). Igual situação acontece na adoção. O pai adotivo não é pai de sangue. Mas praticando ato que cria o relacionamento de paternidade civil, não mais o pode revogar (artigo 1621 § 2 o do CC/02). A solução da desvinculação da paternidade biológica da jurídica, para proteção dos filhos, ou melhor, da relação sócio afetiva, já vem sendo adotada em outros países, onde se impede a negatória de paternidade se a paternidade de relacionamento já estiver consolidada De qualquer sorte, sem comprovação efetiva de que a filiação que se quer afastar veio de erro ou falsidade, precisa ela ser mantida, não sendo relevante a simples demonstração de inexistência de relação biológica entre as partes, pois esta não é suficiente para estabelecer a paternidade jurídica. (Apelação Cível nº 9061485-33.2009.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Rel. José Luiz Gavião de Almeida. DJe. 10.01.2012).
Assim, sempre que existir um conflito entre a paternidade biológica e não-
biológica, deverá se decidir por aquela que melhor atenda as necessidades e interesses
das crianças e adolescentes.
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7 RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE, CARACTERÍSTICAS E EFEITOS
Para o direito de família atual, a figura do pai vai muito além do que o dicionário
da língua portuguesa nos apresenta que é o “genitor, gerador” (BUENO, 2000. p. 565).
O pai, hoje, não é mais apenas aquele que cede material genético, ou aquele a quem a
lei de forma presuntiva atribui à paternidade; pai é aquele que cuida, que dá um nome,
carinho, que acompanha os filhos no decorrer de seu desenvolvimento,
independentemente da ligação biológica que o dicionário ou a legislação impõem a
essa relação.
O verdadeiro “pai, com todas as dimensões sociais, afetivas e jurídicas que o
envolvem, não se confunde com o genitor biológico; é mais que este.” (Pereira, 2010. p.
23).
A verdadeira paternidade pode também não se explicar apenas na autoria genética da descendência. Pai é também aquele que se revela no comportamento cotidiano de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psico-afetiva; aquele, enfim, que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, trata-o como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social (FACHIN, 1996. p. 32).
Mauro Nicolau Júnior ressalta a importância do reconhecimento da
paternidade, tanto para o pai quanto para o filho.
O conhecimento da paternidade é relevante não só para o filho, mas também para o pai, ao qual eventualmente possa ter sido imputada, de forma equívoca, a paternidade da criança. O nome, a identidade, os traços fisionômicos, o caráter e as características transmitidas biologicamente são fundamentais para o exercício pleno da dignidade humana (2011, p.21).
No reconhecimento voluntário, “o pai ou a mãe, ou ambos, espontaneamente,
revelam o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe este estado” (SIMAS FILHO,
27
2006. p. 17). Segundo o artigo 1.609 do Código Civil, o reconhecimento será feito, no
registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular a ser arquivado em
cartório, por testamento, ainda que incidentalmente manifestado, e por manifestação
direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido objeto único
e principal do ato que o contém.
O reconhecimento voluntário “é o ato solene e público, pelo qual alguém, de
acordo com a lei, declara que determinada pessoa é seu filho” (RODRIGUES, 2008.p.
318), o reconhecimento produz efeitos ex tunc, ou seja, retroage da data do nascimento
e não do ato.
De acordo com o que dispõe o parágrafo único, do artigo 1.609, do Código
Civil, o reconhecimento dos filhos extramatrimoniais pode ser feito antes seu
nascimento e após o seu falecimento, se deixar descendentes, “é o ato jurídico
unilateral, pois gera efeitos pela mera manifestação de vontade de quem reconhece”
(RODRIGUES, 2004.p. 319).
O reconhecimento da paternidade de filho maior depende de seu
consentimento, já do filho menor não, porém, este pode vir a contestá-la nos quatro
anos após a maioridade ou à emancipação.
O consentimento - no caso de filho maior - reafirma a natureza de direito subjetivo ao atestado de filiação, determinado pela soberana manifestação de vontade do perfilhado. [...] “No caso do filho menor, a possibilidade de impugnação, depois da maioridade, também ressalta o invocado direito subjetivo ao estado de filiação, embora manifestável, anos após o reconhecimento” (LEITE, 2005. p. 238).
O reconhecimento voluntário “é, na realidade, uma confissão voluntária da mãe
ou do pai, através da qual vêm a declarar ser seu filho determinada pessoa,
28
dispensando-se qualquer outra prova de filiação, em razão da importância de tal ato,
que entende-se ser ele irrevogável ”(SIMAS FILHO, 2006.p.19).
O reconhecimento é um ato pessoal já que somente os pais ou representantes
seus, com poderes especiais poderão reconhecer voluntariamente seus filhos, segundo
Rose Melo Vencelau, “desta característica decorre outra: a intransmissibilidade. Se os
pais não reconhecerem seus filhos, não poderão fazê-lo os avós ou qualquer outra
pessoa que possa conhecer a existência da relação biológica” (2004, p. 180).
O reconhecimento também é um ato formal, já que deve obedecer a forma
prevista na lei.
Outra característica da perfilhação é a irrevogabilidade. Isso significa que, uma vez declarada a paternidade por quaisquer das formas prescritas em lei, não pode ser desfeito o reconhecimento pelo arrependimento do declarante. O ato irrevogável não se apaga simplesmente com uma ulterior declaração contrária. O testamento é um caso ímpar. Por ser um ato de eficácia post mortem, admite-se que possa ser revogado a qualquer tempo antes da morte do declarante, desde que esteja gozando de plena saúde mental. [...] A perfilhação é, ainda, um ato puro e simples. Ou seja, não se admite que sobre o reconhecimento seja aposta cláusula acessória que imponha condição ou termo (VENCELAU, 2004. p. 186).
Caio Mário da Silva Pereira afirma que “é o reconhecimento que torna
conhecido o vínculo da paternidade, que transforma aquela situação de fato em relação
de direito, que torna objetiva no mundo jurídico uma tessitura até então meramente
potencial. (1997.p. 136).
O reconhecimento tem natureza declaratória e produz efeitos ex tunc, a
retroage a partir do momento de sua realização.
Outra forma de reconhecimento da filiação é a judicial, obtido “por meio da ação
de investigação de paternidade, de natureza declaratória e imprescritível (ação de
estado). Trata-se de direito personalíssimo e indisponível (ECA, art. 27)”
29
(GONÇALVES, 2007. p. 113), com efeitos ex tunc, assim como no reconhecimento
voluntário.
Como todo ato gera uma conseqüência no reconhecimento da paternidade,
não poderia der diferente “no campo moral o reconhecimento vai estabelecer relação de
parentesco entre quem reconhece e quem é reconhecido e no campo material vai se
criar obrigações sucessórias e obrigações alimentares recíprocas” (RODRIGUES, 2004.
p. 320).
Segundo Caio Mário da Silva Pereira “o ato de reconhecimento é declaratório,
não cria a paternidade, apenas declara uma situação fática, da qual o direito tira
conseqüências” (2002, p. 206).
O reconhecimento de paternidade gera para filho o estado de filiação, e
para o pai os deveres a ele inerentes, como por exemplo, a obrigação de prestar
alimentos, bem como de incluir o filho reconhecido na sucessão legítima.
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8 AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE
Através da ação negatória de paternidade “o homem, até então considerado o
verdadeiro pai, procura desvencilhar-se do vínculo de parentesco” (CAMBI, 2003 p. 85),
ela está inserida no rol das ações declaratórias negatórias como sua nomenclatura
indica, mesmo sem tal terminologia estar expressa no Código Civil.
Fernando Simas Filho ao, tratar da ação negatória de paternidade afirma que
“igualmente de estado é a ação negatória de paternidade, cuja sentença declaratória
afirma não ser o réu, filho do autor...!” (2007, p. 39).
As ações negatórias de paternidade têm como objeto, desconstituir o estado de
filiação, acarretando com isso, o fim do status, da posse de estado.
Não foi com o intuito de provocar desavenças familiares e/ou afetivas entre pais e filhos, que se instituíram as ações de paternidade (investigatória e negatória), mas sim, para que, desejando, filho ou pai estabelecerem as bases biológicas de suas origens, possam vir a fazê-lo, em parâmetros e procedimentos processuais bem definidos. Todavia um processo de paternidade não é fácil de se enfrentar...! Os especialistas são unânimes em afirmar que os filhos investigantes terão seqüelas emocionais! Mesmo com resultado positivo, o pai que rejeita esse filho “forçado”, pode desencadear como tal proceder, na criança ou adulto, graves conseqüências psicológicas (SIMAS, 2007. p. 28).
O artigo 1.601 do Código Civil legitima privativamente ao marido o direito de
contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação
imprescritível, porém, uma vez iniciada, passa a seus herdeiros, caso venha falecer no
curso da ação.
“Com efeito, a relação paterno-filial não pode ser reduzida ao vínculo biológico,
logo, a ação negatória da paternidade não deve ter como legitimado ativo qualquer
31
pessoa, mas, tão-somente o pai presumido” (VENCELAU, 2004. p. 152), esse também
é o entendimento da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NOMINADA DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDA- DE COM NÍTIDO CARÁTER DE NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. GENITOR FALECIDO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA FILHA. A ação que visa negar a paternidade é ação de estado, sendo direito personalíssimo do genitor. A filha não possui legitimidade para questionar a paternidade do seu irmão, mormente quando não aponta nenhum vício baseando-se em mera dúvida sua. APELO NÃO PROVIDO. (SEGREDO DE JUSTIÇA). (Apelação Cível nº 70033396417, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Claudir Fidelis Faccenda. DJe. 11.01.2010.
A Quarta Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
decidiu da mesma forma:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM NULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO E DE AÇÃO DE ALIMENTOS. GENITOR FALECIDO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA AVÓ PATERNA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. A ação de anulação de registro civil é privativa de quem registrou, tratando-se de um direito personalíssimo do pai registral, de sorte que a avó paterna não possui legitimidade para propor a ação negatória. (Apelação Cível nº 2010.037232-8, 4ª Câmara de Direito Civil. Rel. Victor Ferreira. DJe. 24.09.2010.
Orlando Gomes, ao tratar do caráter personalíssimo atribuído ao marido para
propor a ação negatória de paternidade, preconiza que:
Somente ele pode propô-la, pois, do contrário, estaria a família ameaçada em seus próprios fundamentos, ninguém, senão ele, tendo legítimo interesse moral em intentá-la. Seu caráter personalíssimo é interpretado rigorosamente mas, se a iniciou e não pôde concluí-la, pela morte intercorrente, podem prossegui-la os herdeiros. A expressão herdeiros designa os sucessores a título universal, bastando que tenham interesse econômico. Entendem alguns que a ação pode ser proposta pelo curador do marido. Permiti-la seria atribuir a outrem o exercício de direito estritamente pessoal (2002, p. 327-328).
32
Com entendimento contrário a este, Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 297)
afirma “assim entende a doutrina que nem mesmo o curador do marido interdito poderia
ajuizar tal ação” e mais adiante o autor cita Pontes de Miranda e Arnaldo Rizzardo, que
são adeptos da corrente que sustenta “que a iniciativa do curador deve ser acolhida
quando as circunstâncias evidenciam de forma ostensiva que o marido não é o pai”
quando, por exemplo, o marido esteja internado num hospício sem ter relações com a
mulher, ou que esta mora longe e não se visitem.
Maria Helena Diniz levanta a questão da superveniência da incapacidade do
marido na pendência da ação alegando que “há quem entenda que a ação prosseguirá
mediante a nomeação de um curador, ou se ainda não se deu sua interdição, ter-se á
um curador à lide” (2007, p. 436-437).
“A restrição à iniciativa da ação incide, porém, somente sobre a negatória de
paternidade, não impedindo que a filiação venha a ser discutida em outras ações, de
natureza diversa (GONÇALVES, 2009. p. 299), é o que confirma o julgado que segue,
proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
AGRAVO INTERNO. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA. Cuidando-se, a ação negatória de paternidade, de ação de estado personalíssima, em que se impugna a paternidade de filhos havidos no casamento é de exclusiva iniciativa do pai. Inteligência do art. 1601 do Código Civil. Por outro lado, a ação declaratória de inexistência de filiação por falsidade ideológica no registro de nascimento pode ser proposta por quem tenha legítimo interesse econômico ou moral. Inteligência do art. 1.604 do CC e entendimento jurisprudencial do E. STJ. Já tendo falecido o pai, o filho não possui legitimidade para promover pedido em face dos irmãos, quando inexiste alegação de falsidade ideológica no registro. Agravo interno desprovido. (Agravo Interno nº 70041450255, 07ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Jorge Luís Dall´Agnol. DJe. 07.04.2011).
33
A seguir temos uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que se
posicionou nesse mesmo sentido, admitindo a propositura da ação em comento, por
legítimos interessados:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. LEGITIMIDADE ATIVA. SUPOSTOS IRMÃOS. RAZÕES DO REGIMENTAL INSUFICIENTES PARA ALTERAR O JULGADO. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A ação declaratória de inexistência de filiação, cumulada com anulação de registro, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por quem tenha legítimo interesse econômico e moral na demanda, dentre eles, os supostos irmãos do réu. Precedentes específicos. 2. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reconhecer a legitimidade ativa dos recorrentes para a propositura da ação negatória de paternidade, determinando o retorno dos autos à origem para que se prossiga no processamento e julgamento do feito. Intimem-se. Agravo Regimental no (Recurso Especial Cível nº 1.170.148/RS, 03ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino. DJe. 21.03.2012).
Paulo Lôbo nos remete a outra questão importante, “não há alusão expressa à
morte do marido impugnante [...]. Se o processo tiver sido extinto por inércia do
impugnante, antes de sua morte, não poderá ser reativado (2009, p. 223).
O Código Civil de 2002 extinguiu todas as limitações relacionadas à
contestação da paternidade, denominada também, de ação de contestação de
paternidade, declarando imprescritível o prazo para sua propositura, haja vista que ela
“destina-se a excluir a presunção legal de paternidade” (GONÇALVES, 2007. p. 105).
Com o surgimento de novas tecnologias no campo da medicina, como o exame
de DNA, passou-se a dar maior importância às ações dessa natureza, principalmente
por tratar-se de um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assegurado
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 27.
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Mauro Nicolau Júnior entende que “também a negatória assim deve ser
entendida em razão de o direito de reconhecimento da paternidade ser direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível” (2006, p. 88).
A Súmula 149 do Supremo Tribunal Federal assegura que a ação para a
investigação de paternidade é imprescritível, “já que a demanda versa sobre o estado
de pessoa, que é a emanação do direito da personalidade” (Apelação Cível nº 108.417-
9, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Rel. Accácio Cambi.
Julgado em 12.12.2001).
Conforme já mencionado anteriormente, se por um lado o Código Civil de 1916
dispensava um tratamento rigoroso às ações negatórias de paternidade, não pode
agora o operador do direito aplicar de forma liberalizada o mesmo instituto, os rigores
da lei mudaram, porém os bens a serem tutelados continuam sendo os mesmos.
A cautela que agora se espera é por parte do julgador “em evidente, conflito
entre os direitos do pai e os interesses do filho. Temos de buscar um equilíbrio nas
respectivas posições” (RODRIGUES, 2004. p. 311).
O Código Civil de 1916, no artigo 178, § 3º, previa um prazo prescricional
curtíssimo para que o marido pudesse contestar a legitimidade dos filhos nascidos de
sua mulher.
A modernização do direito de família e a inovação trazida pelo artigo 1.601 do
Código Civil, que tornou imprescritível o prazo para o marido contestar a paternidade
dos filhos nascidos de sua mulher, despertou certa polêmica junto à doutrina e a
jurisprudência à época da transição do antigo para o novo Código, tendo em vista a
nuvem de insegurança que passou a pairar sobre a cabeça de todos os filhos
35
brasileiros que podem até mesmo na idade adulta serem surpreendidos com uma ação
negatória de paternidade contra si.
A esse respeito o Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite manifestou-se,
alegando que:
O novo Código, em reviravolta geradora de perplexidade, assume orientação totalmente oposta e problemática, já que optando pela imprescritibilidade (art. 1.601) cria uma situação de insegurança que poderá gerar situações de mais veemente injustiça e comprometimento do interesse maior do menor. Imagine-se a situação de um filho que, depois de uma vida em comum com o pai e com inquestionável vínculo afetivo estabelecido, vê a relação paterno-filial desmoronar face à imprescritibilidade da ação de contestação de paternidade movida por um pai questionador da paternidade. Se, como se sabe, a Constituição rompeu com os fundamentos da filiação biológica priorizando a filiação sócio-afetiva, não é justificável uma guinada de tal monta capaz de comprometer todo um histórico de afeição tecida ao longo dos anos em projeto bilateral de relacionamento paterno-filial. Ainda que se tente justificar tal postura, com o argumento de que a atitude do legislador foi a orientação adotada no direito brasileiro de serem imprescritíveis as pretensões relativas ao estado das pessoas, em matéria de filiação o argumento é insustentável porque comprometedor e destruidor daquele vínculo sócio–afetivo que se resgatou a duras e infinitas penas, ao longo da tormentosa evolução da história da filiação brasileira (LEITE, 2005, p. 212-213). [grifo do autor]
Comungando do mesmo entendimento, Leila Maria Torraca de Brito, afirma
que “a possibilidade da paternidade poder ser desconstituída a qualquer tempo paira
como uma ameaça permanente a pais e filhos” (2008, p. 4).
Considerar a ação negatória de paternidade imprescritível é afirmar que o vínculo paterno filial é exclusivamente biológico. Aceitar a imprescritibilidade é aceitar o determinismo biológico da filiação. Recusa-la é considerar que não só o laço biológico, mas, também, o sócio-afetivo funda o vínculo paterno filial. Contudo, se por um lado, a defesa de um prazo para a negatória de paternidade valoriza a segurança nas relações jurídicas, por outro, pode não favorecer a justiça (VENCELAU, 2004. p. 162).
Porém, há aqueles autores como Fernando Simas Filho que não vêem a
imprescritibilidade como uma ameaça, muito pelo contrário, o posicionamento do autor
“é com a corrente que defende a imprescritibilidade, pois entendemos ser a
36
investigatória uma ação de estado, sendo este imprescritível, a negatória de
paternidade por envolver aspectos do status do réu igualmente é imprescritível” (2007,
p. 77-78).
O mesmo autor ainda nos apresenta o rol de alguns dos juristas brasileiros
que opinaram a favor e contra a imprescritibilidade de tais ações.
Com efeito, pela prescrição opinaram favoravelmente, Bevilacqua, Rezende, Carlos Maximiliano, Filadelfo Azevedo, Medeiros da Fonseca, entre outros... Enquanto pela imprescritibilidade manifestam-se, Pontes de Miranda, Câmara Leal, Carvalho Santos, Orlando Gomes, Nelson Carneiro e Caio Mário, dentre outros! (2007, p.77).
“A imprescritibilidade, ganhou consagração legislativa, com a edição do
Estatuto da Criança e do Adolescente” (SIMAS FILHO, 2007. p. 77), uma vez que no
artigo 27 também a prevê.
Hoje a questão já está pacificada pela Súmula 149 do Supremo Tribunal
Federal, e não mais se discute a respeito do tema, como se pode verificar das decisões
proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que seguem abaixo:
CIVIL AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE PRAZO PARA PROPOSITURA. Modernamente, não mais se impõe prazo para a investigação do estado de filiação. Assim, o marido pode propor a ação negatória de paternidade mesmo já ultrapassado o prazo estabelecido pelo § 3º do artigo 178 do Código Civil. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Com ressalvas quanto à terminologia, recurso a que se nega conhecimento. (Recurso Especial Cível nº 155.681/PR, 3ª Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Rel. Castro Filho. DJe. 04.11.2002).
CIVIL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. AÇÃO DE ESTADO IMPRESCRITIBILIDADE. ECA, ART. 27. APLICAÇÃO. I. Firmou-se no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, por se cuidar de ação de estado, é imprescritível a demanda negatória de paternidade, consoante a extensão, por simetria, do princípio contido no art. 27 da Lei n. 8.069/1990, não mais prevalecendo o lapso previsto no art. 178, parágrafo 2º, do antigo Código Civil, também agora superado pelo art. 1.061 na novel lei substantiva civil. II.
37
Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial Cível nº 576185/SP, 4ª Turma. Rel. Min. Aldir Passarinho Junior. DJe 08.06.2009).
38
9 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL
Segundo a previsão legal contida no artigo 1.603 do Código Civil de 2002, é
através da certidão do termo de nascimento que se prova a filiação, “o registro civil gera
a presunção de veracidade do estado de filiação, suplantando a paternidade biológica”
(PEREIRA, 2009. p. 334).
Quando este não existir ou não for possível encontrá-lo, é possível provar a
paternidade por outros meios, a posse de estado de filiação, como já mencionado
anteriormente, é uma delas.
Independentemente da forma com que é feito, o reconhecimento voluntário é
sempre irrevogável, preceito do artigo 1º da Lei 8.560/92 e o art. 1.604 do Código Civil,
porém, apesar de irrevogável pode ser impugnado quando o reconhecimento se deu
por erro ou falsidade do registro.
A presunção gerada pelo registro do termo de nascimento não é mais absoluta
como antes, ela é “juris tantum, ou seja, pode sucumbir diante de prova contrária, que
conforme a evidência de falsidade (ideológica ou material) ou de erro cometido pelo
Oficial ou pelo declarante” (PEREIRA, 2009. p. 336), isso se tornou possível com o
surgimento do exame de DNA, que pode identificar com precisão a origem genética do
indivíduo.
O artigo 1º da Lei 8.560/1992, não permite que o simples arrependimento por
parte de quem haja efetivado o reconhecimento, seja motivo para que o juiz declare
nula a paternidade e posterior retificação no registro civil, é o que se verifica de um
trecho do julgado extraído do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul “procedido o
registro voluntário do filho de sua companheira no ofício competente, o mero
39
arrependimento, porque desfeita a união, não extingue a condição de filho,
prevalecendo à filiação afetiva sobre a biológica.” (Apelação Cível nº. 70016287252, 7ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Rel. Ricardo Raupp
Ruschel. DJe. 14.03.2007.
O arrependimento ocorre normalmente quando o atual companheiro da mãe
registra o filho dela como se fosse seu, e com o fim do relacionamento, tenta
desconstituir a paternidade, Caio Mário da Silva Pereira afirma que “irrevogável ou
irretratável significa que, uma vez pronunciada a declaração volitiva da filiação, o pai
não poderá revogá-la” (PEREIRA, 2009. p. 364).
Fernando Simas Filho, por sua vez, assegura que o reconhecimento da
paternidade é um ato “perpétuo e irrevogável; somente poderá vir a ser anulado, em
caso de conter erro forma, isto é, não terem sido observadas as formalidades legais ou
se contiver em sua forma qualquer um dos efeitos dos atos jurídicos” (2007, p. 37).
Ressalte-se ainda, “que a desconstituição do registro civil colide frontalmente
com a tábua axiológica e principiológica do melhor interesse da criança, da convivência
familiar, do direito a um ninho (lar)” (PEREIRA, 2010. p. 268).
Essa resistência do judiciário com relação à desconstituição da paternidade se
dá principalmente nos casos concretos em que existiu uma convivência muitas vezes
que perdurou por anos, entre pai e filho, sem jamais haver qualquer desconfiança a
respeito da paternidade, ao contrário, ocorre, por exemplo, quando, através de exame
de DNA se comprova que, além de não haver ligação biológica e afetiva entre ambos,
nunca houve uma aproximação.
Apenas o registro do termo de nascimento, não supre a falta do pai, na vida de
uma criança, o judiciário, não pode impor a alguém o dever de amar mesmo que seja
40
um filho, “o próprio desejo de desconstituir a paternidade prova que o laço de afeto não
era tão forte assim, tornando-se a manutenção da paternidade algo ofensivo aos
próprios interesses da criança” (FURTADO, 2002. p.19), nesta esteira, Mauro Nicolau
Júnior também afirma que:
Se o sujeito não é o pai biológico e nunca assumiu essa condição, não se criando a situação de “estado de filiação”, não se experimentando a mínima aproximação e vínculo afetivo entre pai e filho, absolutamente nada há de se preservado nem a relação biológica, eventualmente inexistente, nem a afetiva, que não chegou a ser formada.
Da mesma forma que para um pai é importante saber a origem genética do seu
filho, não se pode negar a um filho o direito de conhecer seu pai biológico, mesmo que
descubra que aquele que sempre o tratou como se pai fosse, não o é. O mais
importante é deixar bem claro para a criança que mesmo não sendo o pai biológico
este, assumiu para si a posição e cumpriu com todas as obrigações de um pai
verdadeiro e presente, caberá então a ele decidir ir em busca do pai biológico ou não.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente ao decidir acerca de uma ação
negatória de paternidade, pautou-se em dois fatores como sendo os preponderantes, a
serem observados, quando do julgamento de ações dessa natureza, senão vejamos:
DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA NEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas.
41
Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 3. Recurso especial não provido. (Recurso Especial Cível nº 1059214/RS, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Luiz Felipe Salomão. DJe. 12.03.2012).
Essa mesma posição vem sendo adotada pelos Tribunais brasileiros, conforme
se verifica dos julgados abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXISTÊNCIA DE PAI REGISTRAL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. O reconhecimento da paternidade é ato irrevogável, a teor do art. 1º da Lei nº. 8.560/92 e art. 1.609 do Código Civil. A retificação do registro civil de nascimento, com supressão do nome do genitor, somente é possível quando há nos autos prova cabal de ocorrência de vício de consentimento no ato registral ou, em situação excepcional, demonstração de cabal ausência de qualquer relação socioafetiva entre pai e filho. Estando demonstrada nos autos a filiação socioafetiva, a paternidade impera sobre a verdade biológica. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível nº 70045006293, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Rel. Liselena Schifino Robles Ribeiro. DJe. 13.04.2012).
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. CRIANÇA E ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C.C. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL. INTERESSE MAIOR DA CRIANÇA. AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. [...] Existem, pois, ex-cônjuges e ex-companheiros; não podem existir, contudo, ex-pais. O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o “pai registral” foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto. Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade são particularmente mutilantes para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento. A fragilidade e a fluidez dos relacionamentos entre os adultos não deve perpassar as relações entre pais e filhos, as quais precisam ser perpetuadas e solidificadas. Em contraponto à instabilidade dos vínculos advindos das uniões matrimoniais, estáveis ou concubinárias, os laços de filiação devem estar fortemente assegurados, com vistas no interesse maior da criança, que não deve ser vítima de mais um fenômeno comportamental do mundo adulto. Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial Cível nº 1003628/DF. 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel. Ministra Nancy Andrighi. DJe 10.12.2008).
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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO SÓCIO-AFETIVA. I - O reconhecimento espontâneo da paternidade, ultimado por quem tem ciência quanto à inexistência de vínculo biológico, é ato irrevogável. A anulação do registro só é admitida em casos excepcionais quando comprovado vício a macular a manifestação da vontade daquele que assumiu o filho de outrem. 2 - Ausente demonstração quanto à existência de erro, dolo ou fraude, não há falar em desconstituição do assentamento, mormente em atenção aos interesses maiores do infante. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. (Apelação Cível nº.406720-61.2008.8.09.0146, 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás. Rel. Sandra Regina Teodoro Reis. DJe. 28.03.2012).
Ou seja, para que a paternidade possa ser impugnada, não importando o
tempo que prevaleceu, o suposto pai deverá primeiramente, demonstrar através do
exame de DNA que não é o genitor biológico, bem como, que não foi construído estado
de filiação de caráter socioafetivo entre ele e o suposto filho e, se ele foi o próprio
declarante perante o registro de nascimento deverá comprovar que teria agido induzido
em erro ou em razão de dolo ou coação, do contrário em nome do princípio do melhor
interesse da criança, /não será desconstituída a paternidade.
Paulo Luiz Netto Lôbo (2004) defende a exigência de outras provas, além do
exame de DNA, para que a paternidade possa ser desconstituída.
Se a exclusividade da prova de inexistência de origem biológica pudesse ser considerada suficiente para o exercício da impugnação da paternidade, anos ou décadas depois de esta ser realizada e não questionada, na consolidação dos recíprocos laços de afetividade, com a inevitável implosão da família assim constituída, estar-se-ia negando a norma constitucional de proteção da família, para atender impulsos, alterações de sentimentos ou decisões arbitrárias do pai. Não pode o autor da declaração falsa vindicar a invalidade do registro do nascimento, conscientemente assumida, porque violaria o princípio assentado em nosso sistema jurídico de venire contra factum proprium nulli conceditur. [...] A contestação, nesse caso, terá de estar fundada em hipótese de invalidade dos atos jurídicos, que o direito acolhe, tais como erro, dolo, coação. Na dúvida deve prevalecer o estado de filiação socioafetiva, consolidada na convivência familiar, considerada prioridade absoluta em favor da criança pelo art. 227 da Constituição Federal.
43
10 O DNA COMO PROVA DA PATERNIDADE
Atualmente no Brasil a filiação é provada através da certidão no registro do
nascimento, regra esta que foi mantida da legislação anterior, não sendo necessário
apresentar prova da origem genética, “bastando apenas a declaração perante o oficial
do registro público” (LÔBO, 2009. p.211), porém não constitui prova definitiva, podendo
ser elidida por outros meios.
Dentre os avanços ocorridos na ciência da medicina, sem sombras de dúvidas,
foi a descoberta do DNA que revolucionou e inovou o campo da instrução probatória
nas ações judiciais relacionadas à investigação ou negatória de paternidade, “o advento
da tipagem de DNA (DNA Fingerprinting ou Impressões Digitais de DNA) ocasionou
uma evolução inequívoca, sem precedentes históricos, na descoberta do pai biológico”
(ASSUMPÇÃO, 2004. p. 99).
A prova genética do DNA, com seus resultados diretos e categóricos de inclusão ou exclusão da paternidade, passou a ter valor superior e incontestável e tornou, pelo consenso de muitos, praticamente inútil e obsoleta qualquer outra pesquisa probatória processual (NICOLAU JÙNIOR, 2006. p. 28-29).
A possibilidade de determinação científica da paternidade é a evolução do estado atual da legislação brasileira, visto que o Código Civil de 1916 não se referiu a essa modalidade de evidência, predominando nele a idéia da paternidade baseada nas presunções juris tantum assinaladas pelo texto codificado (ASSUMPÇÃO. 2004, p 86).
Através do exame de DNA, muitos casos relacionados à paternidade foram e
continuam sendo resolvidos “isso porque, com ele, tornou-se possível, não só
estabelecer, com alto grau de precisão, a identidade de indivíduos, como também
determinar sua genealogia” (ASSUMPÇÃO, 2004, p.99).
44
Muitos foram os posicionamentos doutrinários que aceitaram a soberania da
prova da paternidade através do referido exame, posicionamento este, que mudou ao
longo dos tempos, “pois o que se busca é muito mais que a certeza quanto ao fato de
quem tenha sido o homem que copulou com a mãe e gerou o filho” (NICOLAU JÚNIOR,
2006. p. 29).
[...] a prova técnico-científica do DNA, que, a despeito de se constituir em notável avanço na busca do estabelecimento de vínculos sanguíneos e biológicos, não pode ser considerada como única, ou mesmo como principal demonstração probatória de paternidade, notadamente, quando se tiver em mira situação em que não tenha desenvolvido qualquer relacionamento afetivo entre filho a pai “carnais”. Nesse momento a sensibilidade do magistrado há de falar mais alto (NICOLAU JÚNIOR, 2006. p. 28).
Ainda, segundo o entendimento do mesmo autor, “busca-se, sim, um pai, na
verdadeira acepção da palavra, com todos os predicados necessários, para iluminar a
vida de seu filho e pavimentar seu caminho em busca da plena realização e formação”
(2006, p. 29).
Após a descoberta do exame de DNA, passou-se a valorá-lo excessivamente o
como único e soberano meio de prova, “o juiz tornou-se mero homologador de laudos
periciais” (ASSUMPÇÃO, 2004, p.132), deixando parcialmente de lado, outros meios de
prova anteriormente produzidos.
O exame de DNA é muito importante “e é recomendável que seja realizado.
Porém, nem sempre é a existência ou não do laço biológico que deve nortear a
decisão” (VENCELAU, 2004. p. 95), após o seu surgimento a verdade sobre a
paternidade “passou a ser concebida como real, e não mais jurídica ou presumida”
(ASSUMPÇÃO, 2004. p. 112).
45
Como tudo está sempre em movimento, o direito também está em constante
transformação dessa forma, “reflexões começaram a surgir no sentido de redimensionar
o critério de valoração das provas na busca judicial da paternidade” (ASSUNPÇÃO,
2004. p. 133), o juiz não pode ser um prisioneiro dos resultados que lhe são impostos.
Recentemente, foi publicada a Lei nº 12.004, de julho de 2009. Em princípio podemos afirmar que esta encontra base naquela, entretanto há uma diferença residual entre elas, qual seja: enquanto na súmula a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade, esta relativizou o valor probante do DNA, atribuído pela súmula e corrigiu os seus excessos, vez que determinou sua apreciação em conjunto com o contexto probatório (PEREIRA, 2010.p. 268).
Apesar da popularidade que o exame DNA ganhou com o passar dos anos “é,
ao mesmo tempo, oneroso e inacessível a grande parte da população brasileira”
(NICOLAU JÚNIOR, 2011, p. 193).
Diante disto, para que o aplicador do direito possa proferir uma decisão
coerente e segura, deve fazer uma análise cautelosa de todo o conjunto probatório
produzido nos autos, a fim de que se chegue mais próximo possível da verdade que se
busca, com a produção de todos os meios de prova em direito admitidos.
Se é certo que o avanço da ciência permite um grau elevado de certeza da paternidade, entretanto não pode ser transformado em arrogância e supremacia do DNA para resolver todas as ações pertinentes à relação paterno-filial. É incompatível com a tábua axiológica perlustrada pela CF/88 apagar todo um histórico de vida e o conjunto valorativo realizador da dignidade da pessoa humana. A CF/88, ao rechaçar qualquer discriminação imposta aos filhos, independentemente da origem, elegeu como paradigma e base fundante da relação paterno/filial a afetividade, por conseguinte é incompatível com toda a sistemática constitucional atribuir primazia à filiação biológica em detrimento à paternidade socioafetiva (PEREIRA, 2010. p. 269).
46
10.1 DA RECUSA EM CEDER MATERIAL PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA
GENÉTICA
Um dos problemas que surge durante um processo investigatório hoje, é a
negativa do investigado em ceder material para realização de exame de DNA, e como
não existe no ordenamento jurídico brasileiro vigente, uma norma que de forma
coercitiva o obrigue, a discussão ganha corpo a partir do momento que o suposto pai
encontra respaldo para sua recusa nos preceitos constitucionais “as matrizes mais
eficientes contra a compulsoriedade na realização da prova científica estão postas nos
arts. 1º, II e III, e 5º, caput, II e X, da Constituição Federal” (ASSUMPÇÃO, 2004. p.
154).
Ainda, segundo o entendimento do mesmo autor:
A recusa do investigado está amparada nos direitos e garantias fundamentais de cidadania e dignidade da pessoa humana consagrados pela Constituição Federal, assentado a proteção ao direito e á liberdade, à intimidade, à vida privada, á integridade física, à imagem científica, que é o DNA, e ao princípio da legalidade, os quais asseguram à pessoa humana o direito de obstar a intromissão em sua vida privada e garantir-lhe o direito à intangibilidade corporal (2004, p.160).
Do outro lado da relação, porém, “visualiza-se a proteção do direito
personalíssimo do filho ao reconhecimento de sua ascendência biológica e
conseqüente declaração de paternidade” (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 163), eis que com o
surgimento do DNA, surgiu então a grande oportunidade de substituir a verdade ficta
pela real, que acaba por esbarrar num conflito de direitos, de um lado os direitos do
investigado, suposto pai à intimidade, integridade, dignidade da pessoa humana, etc, e
47
do outro, os direitos do suposto filho, investigante, à igualdade dignidade, respeito,
convivência familiar, conhecimento da origem genética.
Nessa seara emanam correntes que divergem a respeito do assunto, de acordo
com Mauro Nicolau Júnior, “a corrente majoritária informa que, havendo a comprovação
da ocorrência das relações sexuais, conforme a ação, o réu que se recusa a realizar o
exame deverá ser declarado pai, por sentença, em razão da presunção da paternidade”
(2011, p.194).
Outras correntes jurídicas, no entanto “professam pela obrigatoriedade na
realização do exame de DNA, no investigado, principalmente quando este seria o único
elemento de prova” (MARTINS, 2007.p.55).
Luiz Roberto de Assumpção posiciona-se a favor da imposição da realização
do exame.
Entende-se deve prevalecer o direito do filho, assim atribuído à descoberta real da ascendência genética uma relevância maior do que o atentado à integridade física evitado pelo suposto pai, estabelecendo uma hierarquia entre os valores em jogo, de forma a proteger aquela das partes que não pode ser responsabilizada pelo fato de ter nascido (2004.p.214).
Mesmo diante da indiscutível importância da prova para o deslinde do
processo, ainda assim, prevalece o entendimento de que “a anuência do investigado é
pressuposto imprescindível para que o exame seja efetivado” (MARTINS, 2007. p. 55),
não podendo este ser conduzido debaixo de vara, tendo em vista a não obrigatoriedade
que protege a sua decisão.
Apesar do DNA ser uma prova de extrema importância, nem sempre ela será
suficiente para produzir mais satisfatórios e melhores resultados no campo do direito de
família, em caso de dúvida deve sempre acolhida a solução que melhor tutele a
48
dignidade da pessoa humana, levando-se em consideração a o melhor interesse da
parte mais vulnerável das relações.
O Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Habeas Corpus nº 71.373/RS, firmou
orientação polêmica, fundada, acima de tudo no princípio da dignidade da pessoa
humana, garantindo ao réu o direito de recusa ao exame de DNA, e por outro lado
negando suposto filho o direito de conhecer sua origem genética, assim decidiu:
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU "DEBAIXO DE VARA". Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, "debaixo de vara", para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos. (Habeas Corpus nº 71.373/RS. 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Francisco Rezek. DJe. 22.11.1996).
Antonio Darienso Martins nos apresenta uma decisão com entendimento
contrário a este, demonstrando a divergência de entendimento que pairava há muito
pouco tempo atrás entre os julgados do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal
de Justiça, senão vejamos a decisão do Recurso Especial proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça, in verbis:
“4ª Turma, a qual, por unanimidade de votos, e tendo como o ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, decidiu que “na fase atual da evolução do Direto de Família, não se justifica inacolher a produção de prova genética pelo DNA, que a Ciência tem proclamado idônea e eficaz”, em caso envolvendo reconhecimento judicial de paternidade. A divergência jurisprudencial reflete a confusão que se faz entre direito da personalidade, inerente e inato à pessoa, em seu âmbito individual e personalíssimo, e o reconhecimento ou contestação do estado de filiação, que pode ou não ter origem biológica. O STF fundamentou-se em garantias constitucionais do indivíduo (princípios e direitos da personalidade), para
49
imunizá-lo do exame de DNA, determinado por ordem judicial. Porém, seria lesivo à dignidade da pessoa humana e invasivo da intimidade, submeter alguém ao exame, extraindo-lhe uma gota de sangue, um cabelo ou um fragmento de unha? A orientação do STF é correta quanto ao impedimento que provoca da utilização equivocada da origem genética para negar o estado de filiação já constituído. Todavia, seu amplo alcance pode comprometer o conhecimento da origem genética com intuito exclusivo de tutela do direito da personalidade do interessado, fundado no mesmo princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que não produza efeitos de negar o estado de filiação de origem não biológica comprovadamente constituído na convivência familiar duradoura. Se houver colisão de direitos, com base no mesmo princípio constitucional, os critérios hermenêuticos do balanceamento ou ponderação dos interesses não recomendam que um seja previamente sacrificado em benefício do outro. Em tese, negar o direito ao conhecimento da origem genética é tão lesivo ao princípio da dignidade da pessoa humana quanto a submissão compulsória a exame. Apenas o caso concreto indicará quando um deverá prevalecer sobre o outro (MARTINS, 2007.p. 56).
Diante do conflito que se vê instalado em ações dessa natureza, Luiz Roberto
de Assumpção sugere que “a aplicação dos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade na colisão de direitos fundamentais é eficaz e necessária para
salvaguardar o equilíbrio entre os valores fundamentais conflitantes” (2004, p. 171).
Mauro Nicolau Júnior pondera que, “vem se pacificando assim, a jurisprudência
em nossos tribunais no sentido de que a recusa injustificada evidencia a “presunção
hominis” de ser o réu o pai da criança” (2011, p.202), porém essa presunção não é
absoluta, deverá vir acompanhada de todo um contexto probatório capaz de levar o
julgador à uma decisão, se não certa, ao menos razoável sobre a paternidade
imputada.
Por fim, o mesmo doutrinador ainda diz que “arrematando toda essa evolução
jurisprudencial o Superior Tribunal de Justiça emitiu a Súmula 301, aprovada em 18 de
outubro de 2004” (NICOLAU JÚNIOR, 2011.p.205), assegurando que a negativa do
suposto pai em realizar exame de DNA em ações investigatória induz a presunção júris
tantum de paternidade, e não pode ser aplicado de forma absoluta, mas sim como “um
50
reforço às provas que o investigante tem o encargo de produzir no processo”
(ASSUMPÇÃO, 2004. p. 177).
Paulo Lôbo, também se manifesta a respeito da súmula 301 afirmando que:
[...] essa presunção não é legal, mas judicial, que não pode ser relativa, ou absoluta. A súmula 301 apenas pode ser aplicada se não tiver havido constituição de estado de filiação (verdade socioafetiva), ou seja, quando o registro de nascimento não constar paternidade de qualquer origem; mesmo nesta hipótese, o juiz deve conjugar os efeitos da recusa com as demais provas existentes nos autos, que permitam consolidar seu convencimento (2009, p. 209).
Assim, então, deverão ser analisados e considerados juntamente com a recusa
do suposto pai todos os demais elementos existentes que podem ser usados como
meios de prova.
51
11 O INSTITUTO DA COISA JULGADA NAS AÇÕES INVESTIGATÓRIAS E NEGATÓRIAS DE PATERNIDADE
Outra questão geradora de discussão e contradição no campo da filiação é a
questão da possibilidade de rever através de ação rescisória, as sentenças que
declararam a paternidade sem a realização do exame de DNA, hoje considerado como
uma prova essencial para se determinar a origem genética do indivíduo.
O instituto da coisa julgada está conceituado no artigo no § 3º do artigo 6º da
Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro como sendo a decisão judicial de que
já não caiba recurso.
Há pouco tempo atrás não se discutia a autoridade da coisa julgada material
nas ações relativas à filiação, a discussão passou a se intensificar a partir do
surgimento do DNA e a possibilidade de conhecer a origem genética com exatidão.
Alguns doutrinadores mais conservadores acreditam que a sentença não pode
ser revista, pois estaria sendo destruída a segurança jurídica prevista na Constituição
Federal, por outro lado, existe a corrente mais moderna da qual faz parte o doutrinador
Mauro Nicolau Júnior que nos põem a refletir a respeito do tema através do seguinte
questionamento:
Seria correto, em prol da propalada “segurança jurídica” das decisões jurisdicionais acobertadas com o manto da coisa julgada, manter-se uma situação inverídica, qual seja a relação filial entre autor e réu que, agora se sabe, inexistente? Seria justo, tanto ao autor, quanto ao réu, principalmente a este, impossibilita-lo da busca quanto a seu verdadeiro e biológico pai? Seria humano, impor-se ao infante a figura de um pai irreal, criado pela ficção legal? (2005) [...] grifo autor.
52
Atualmente no direito brasileiro, “o instituto da coisa julgada vive um momento
de reflexão na seara do direito de família, especialmente no que se refere aos efeitos
que opera na ação de investigação de paternidade” (ASSUMPÇÃO, 2004, p 135).
A coisa julgada, em nosso ordenamento jurídico é uma importante garantia
processual que traz segurança, garantindo a eficácia das decisões, “a segurança
jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de direito deve oferecer
a todo o cidadão (NICOLAU JÚNIOR, 2011. p. 256), porém, pelo sistema que hoje
opera o nosso Código de Processo Civil, mesmo que o juiz esteja ciente da injustiça
que cometeu na prolação de uma sentença, esta, após o trânsito em julgado restará
imutável e indiscutível, porque produziu coisa julgada material e mesmo contra os
preceitos constitucionais prevalecerá.
Nessa linha de pensamento, a autora Rose Melo Vencelau defende a
manutenção da coisa julgada, em defesa da segurança jurídica,
Todavia, embora o dado biológico esteja sendo considerado a verdade real sobre a filiação, nem sempre é possível o ajuizamento de nova ação, em virtude de a primeira não ter sido decidida com base em exame de DNA. Se a primeira ação decidiu pela paternidade, mesmo sem a realização do exame de DNA, não é admissível uma nova ação com o objetivo de destituir essa paternidade, em face do teste de DNA negativo. Mais importante é o resguardo da segurança jurídica. E, ainda, assegurar a dignidade da pessoa humana, a qual ficaria fragilizada ao se afirmar em dado instante a paternidade, e, em outro, nega-la à revelia da vontade do filho. Prepondera a estabilidade das relações familiares, tendo em vista a realização da dignidade humana dos seus partícipes (2004, p. 104-105).
A ação rescisória é o instituto pelo qual podem socorrer-se aqueles que
buscam “a desconstituição de uma sentença já transitada em julgado, mas cujo mérito
está, provavelmente, impregnado de vícios” (ASSUMPÇÃO, 2004. p. 139).
53
Pais e filhos que já enfrentaram um processo dessa natureza vivem hoje, uma
realidade de incerteza e insegurança, por desconhecerem a verdade sobre o vínculo
que os une, tendo em vista que a sentença proferida sem o exame de DNA não possui
estabilidade jurídica por ter sido pautada em meros indícios e na persuasão íntima do
julgador, não em prova científica.
Com uma visão otimista em relação à relativização da coisa julgada no
ordenamento jurídico brasileiro, Luiz Roberto de Assumpção, afirma que “entre a
segurança social e a descoberta da paternidade real, parece que o direito de família
brasileiro caminha, a passos ousados, para a quebra da coisa julgada” (2004, p.143).
Veja-se agora um recente julgado do Supremo Tribunal Federal que, por
unanimidade, reconheceu a presença de repercussão geral na discussão acerca da
incidência dos artigos 5º, incisos XXXVI e LXXIV e 227, § 6º, ambos da Constituição
Federal, aos casos de ação de paternidade julgada improcedente por falta de condições
materiais para a realização da prova.
1. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade, quando anterior demanda idêntica, entre as mesmas partes, foi julgada improcedente, por falta de provas, em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. 2. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. 3. Não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável. 4. Hipótese em que não há disputa de paternidade de cunho biológico, em confronto com outra, de cunho afetivo. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identificada. 5. Recursos extraordinários conhecidos e providos. (Recurso Extraordinário nº 363889/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Tribunal Pleno. DJe. 16.12.2011).
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Diante das evoluções que estão ocorrendo diariamente, o direito de família
brasileiro não pode ficar estático e preso a antigos conceitos, devendo buscar oferecer
segurança jurídica das suas decisões sim, porém pautada em outros preceitos
constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e pelo que parece a incerteza
não é um princípio arraigado pela Constituição Federal pátria.
Nas palavras do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, extraídas Recurso
Especial Cível nº. 4.987/RJ, 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. DJe. 28.10.1991,
“na fase atual do Direito de Família, é injustificável o fetichismo de normas
ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de
legítimos interesses de menor”.
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12 CONCLUSÃO
Diante do estudo realizado a respeito do tema e suas diversas correntes,
conclui-se que o direito de família brasileiro, mesmo que a passos curtos, caminha para
a modernização e, com base nos princípios e garantias constitucionais passa a aplicar
o direito da forma mais humana, baseando-se nas relações de afeto, adequando-o às
transformações sociais que surgem, primando sempre pela proteção efetiva dos direitos
do indivíduo.
Sobre a necessidade dessa evolução Mauro Nicolau Júnior pondera que “o
direito civil, portanto, há de ser mutável, flexível poroso, permitindo que seja oxigenado
e atualizado pelas mutações sociais resultantes da própria natureza humana de buscar,
inovar e descobrir” (2006, p. 92).
Os laços que hoje unem pais e filhos são laços socioafetivos, não mais aqueles
construídos com base na consangüinidade, a família é uma família mais aberta e
dinâmica, onde se busca não mais a produção de bens, mas a construção da felicidade
em conjunto.
A coisa julgada embora tida como a segurança que emanada das decisões
judiciais, deverá ceder sempre que afrontar os direitos da identidade e personalidade,
para que não se produza apenas uma aparente justiça, mas a justiça de verdade
àquela esperada pelas partes que apelam ao nosso judiciário.
Os operadores do direito não podem fechar os olhos ás mudanças sociais que
estão ocorrendo, se assim o fizerem estarão transformando “o sonho da democracia
social em pomposa inutilidade” (NICOLAU JÚNIOR, 2011. p. 351).
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Para finalizar, pertinente a citação de uma frase extraída da Obra do Professor
Doutor Eduardo de Oliveira Leite (2005, p. 195) que exprime claramente a tendência
que deve acompanhar toda essa evolução pela qual o Direito de Família passou e vem
passando, o autor deixa claro que estamos diante do “cenário de um novo Direito de
Família que surge, pujante, viril e livre, não mais atrelado ao estéril formalismo,
reprodutor de fórmulas ultrapassadas, mas vinculado às novas conquistas de um ser
humano preocupado com a supremacia do afeto, da sensibilidade e do Amor”.
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