abílio wolney aires neto - dno.com.br · a luiza, minha esposa, com todo amor. ... primo josé...

455
Abílio Wolney Aires Neto O DIÁRIO DE ABÍLIO WOLNEY Editora Kelps Goiânia 2006

Upload: truongkien

Post on 09-Nov-2018

229 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Ablio Wolney Aires Neto

    O DIRIO DE ABLIO WOLNEY

    Editora Kelps Goinia

    2006

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    2

    Copyright 2006 by Ablio Wolney Aires Neto

    Capa: Weslley Rodrigues Coordenao Grfica: Editora Kelps Rua 19 n 100 - St. Marechal Rondon CEP 74.560-460 - Goinia - GO Fone: (62) 3211-1616 Fax: (62) 3211-1075 E-mail: [email protected] homepage: www.kelps.com.br

    CIP. Brasil. Catalogao na Fonte BIBLIOTECA MUNICIPAL MARIETTA TELLES MACHADO __________________________________________________________________________________

    A255d Aires Neto, Ablio Wolney. O dirio de Ablio Wolney / Ablio Wolney Aires Neto -- Goinia: Kelps, 2006. 344p. ISBN: 85-7690-087-5 1. Wolney, Ablio - biografia. I. Ttulo

    2006 - 012 CDU: 929WOLNEY __________________________________________________________________________________

    DIREITOS RESERVADOS

    proibida a reproduo total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorizao prvia e por escrito do autor. A violao dos Direitos Autorais (Lei n 9610/98) crime estabelecido pelo artigo 48 do Cdigo Penal.

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

    2006

    http://www.kelps.com.br/

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    3

    Projeto Grfico e Capa: (A capa ser a fotografia de Ablio Wolney de p, sobre a qual viro o nome do livro, do autor etc. Reviso Lingstica: (a ser feita) 2002(ou 2005?) FICHA CATALOGRFICA

    Constar o seguinte, se for possvel:

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    4

    Agradeo Agncia Goiana de Cultura Pedro Ludovico

    Teixeira - AGEPEL, na pessoa do Exm. Sr. Governador do Estado de Gois, Marconi Ferreira Perillo Jnior, ao Presidente da Agncia, Nasr Fayad Chaul e ao Diretor de Ao Cultural Jos Eduardo Siqueira de Morais.

    Agradeo ao jornalista e historiador Euler Belm pelo

    valoroso empenho na publicao desta obra.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    5

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    6

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    7

    Dedico este modesto trabalho aos meus pais

    Zilmar Pvoa Aires e Irany Wolney Aires e memria de Maria Margareth Wolney Aires, irm que nos deixou na metade do caminho desta existncia.

    Ao meu irmo Voltaire Wolney Aires, escritor e

    acadmico, autor, dentre outras, da destacada obra Ablio Wolney, Suas Glrias, Suas Dores. Ele que me passou as cpias do Primeiro Dirio de Ablio Wolney, intitulado Razo e Lembranas, franqueado pela minha querida tia-madrinha Doralina Wolney Valente.

    Agradeo estimada prima Maria Pvoa Leal,

    neta do protagonista, que me deu os prprios originais do Segundo Dirio de Ablio Wolney, hoje em meu acervo.

    Agradeo ao escritor, Prof. Jacy Siqueira, pelo

    livro Expedio Histrica nos Sertes de Gois, na reedio que fez da obra do Escrivo da Comisso do Duro, Guilherme Ferreira Coelho, com atualizao ortogrfica, do qual fao transcries neste Dirio.

    A Luiza, minha esposa, com todo amor.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    8

    Prefcio de Irany Wolney Aires (Fotografia aos 43 anos).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    9

    SUMRIO Dedicatria.....................................................................................05 Sumrio..........................................................................................07 Prefcio..........................................................................................09 Introduo......................................................................................13 I Mina dos Tapuias e Mata Grande.............................................21 II Surge Ablio Wolney O Primeiro Mandato de Deputado.......37 III O Dirio em Biografia..............................................................55 IV Eleito Deputado Federal e Depurado.....................................65 V O Segundo Mandato de Deputado Estadual...........................85 VI O Terceiro Mandato de Deputado Estadual...........................95 VII Na Presidncia da Assemblia............................................107 VIII Fim do Mandato. Quarta Eleio e Depurao. A Volta e os Problemas ...................................................................................113 IX O Dirio da Vida Real...........................................................141 X O Assassinato de Vicente Belm..........................................153 XI A Audincia no Inventrio O Barulho................................171 XII A Comisso de Inqurito Nomeada..................................199 XIII A Expedio Sai da Capital A Viagem............................209 XIV A Expedio Chega a Arraias............................................223 XV A Chegada da Comisso no Duro......................................233 XVI Abilio Wolney Narra a Chacina de 1918/1919 e Faz Outros Registros Histricos.....................................................................251 XVII Ablio Wolney e o Combate Coluna Prestes. A Coluna

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    10

    Caiado e a Coluna Abilio Wolney...................... XVIII At a Revoluo de 1930. O Amigo Pedro Ludovico Teixeira........................................................................................287 XVIII - A 4 CIA. DE POLCIA TRANSFERIDA PARA SO JOS DO DURO........... XIX A Origem do Nome Dianpolis...........................................301 XX O Longo Mandato de Prefeito em BarreirasBa-hia................................................................................................. XXI Prefeito em Dianpolis......................................................... Homenagens................................................................................281 Bibliografia...................................................................................291 Sntese Biogrfica do Autor.........................................................295

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    11

    PREFCIO Prefaciar o Dirio do meu pai uma oportuni-

    dade maravilhosa, que me vem justamente do meu filho dele homnimo, redobrando-me a satisfao em poder contextualizar esse momento, ainda a caminho.

    No vivi os dias mais difceis da primeira quadra

    da vida dele, j que passei ao seu convvio efetivo em 1946, quando ele j se aproximava dos 70 anos de idade, ainda bastante lcido e determinado. At ento eu morava com minha me Filomena Teles Fernandes de Miranda, natural de Conceio do Norte, que tambm era parenta dele por parte de sua me Mariazinha, filha de Custdio Jos de Almeida Leal e de Ana Benedita Teles Fernandes Leal, meus bisavs paternos.

    Me recordo que naquele ano ele estava prefeito

    em Dianpolis, e, findo o mandato, retomou suas atividades de far-macutico licenciado, sempre trabalhando, inclusive advogando para quantos o procuravam, alguns vindos de cidades vizinhas.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    12

    Antes, em 1934, estivemos muito prximos em

    Barreiras-BA, quando ele era o prefeito daquela cidade, local onde nasci naquele ano, gozando da companhia de minha av materna, j viva, que tambm morava em Barreiras com seus dois filhos, Filomena e Herculino.

    Ele me queria desde logo, todavia o amor de

    minha me foi maior, alm de que, estando ele recm-casado com Eufrosina Santos (D. Goiana), minha me no a conhecia para me confiar.

    Com o falecimento de minha av Josina Teles

    Fernandes de Miranda em 1937, minha me viajou para a Cidade da Barra-BA me levando aos quatro anos de idade, e ali fui alfabetizada por ela mesma, que me ensinou a ler e escrever.

    Mas o tempo se incumbiu de tudo. Meu pai se

    preocupou com a distncia que nos separava e foi at a casa de seu primo Jos Ansio, sabendo que ele estava de viagem para Salvador-BA e que na volta passaria na Cidade da Barra em barco vapor. Entraram em combinao, ficando acertado que tio Zuza me traria com minha me e meu irmo para morarmos em Dianpolis.

    No municpio de Dianpolis, distante 18 quilme-

    tros da Cidade, me pai fez a sede da Fazenda Poo Verde, com muito gado e plantaes de cana, mandioca, milho e feijo. L crsci ajudando na fbrica de queijos e oficina de fazer farinha, sempre lembrando de minha me, a quem um dia o destino me uniu de volta, pois, sabendo-a doente, meu pai mandou busc-la para morar conosco na Fazenda, onde faleceu em 1949, deixando-me a saudade como um elo que nos unir at o reencontro.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    13

    Lembrana viva tambm dele. como se o visse

    lendo os seus livros de medicina nas horas vagas e viajando para as outras fazendas. Na garupa da sua mula, muitas vezes fui ao Aude e ao Jardim.

    Na poca dos festejos do padroeiro So Jos, ele

    procurava ficar informado do dia que a procisso ia passar na sua porta, pois acompanhado de sua cadeira, ajoelhava-se ao lado desta em reverncia ao padroeiro da Cidade das Dianas.

    No me lembro de t-lo visto deitado numa rede a

    balanar. Apesar de sua idade avanada, ele estava sempre envolvido em qualquer tipo de atividade. Era um poltico apaixonado, a relembrar o seu currculo na vida pblica parla-mentar, no obstante as peas e peripcias que a vida lhe aprontou. Nada o fazia abaixar a cabea.

    Nossa casa vivia repleta de visitas de parentes e

    amigos. Suas palestras agradavam muito s pessoas inteligentes, principalmente quando se tratava de minerao.

    Ele no gostava de relembrar os fatos da Chacina

    de 1919, pois se emocionava e por uma vez me disse que ainda ouvia a voz do seu pai gritando por socorro no canavial da Fazenda Buraco.

    Tive seis filhos com o meu querido esposo Zilmar

    Pvoa Aires, com quem estou casada h quase 45 anos. So eles: Voltaire, Pery, Ablio, Zilmar, Norman e Maria Margareth. Assim que o terceiro nasceu, meu pai pegou nas mos da criana e, fitando-a, disse-me:

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    14

    Este dos troncos velhos. Que bom que voc se lembrou de mim! Espero que o meu nome no traga para este menino a mesma sina, com a sorte dos sofrimentos que j padeci.

    Entendi, desde ento, em ensinar aos filhos um caminho que no fosse o da poltica, mas ensinando-os a cultuar a memria do av e os seus feitos honradamente.

    Embora sem ensino superior, meu pai sabia se

    portar como uma pessoa de cultura avanada. Vo nesse livro registros importantes de sua existncia, relatados de prprio punho do protagonista, e assim o leitor ter um panorama da histria dele.

    Em Gois Velho, comovi-me ao caminhar pelas

    ruas de pedra da poca da escravido e ali defrontar com o palcio Conde dos Arcos, a Assemblia Legislativa, vivendo a retrospectiva de todos os anos do percurso do meu pai na vida pblica at o compasso de espera em 1918, no Barulho da vetusta So Jos do Duro.

    Dianpolis, dezembro de 2002. Irany Wolney Aires1

    1Irany Wolney autora e compositora das canes religiosas No Horto das Oliveiras, A Vinda de Jesus, Trs canes a Nossa Senhora e da poesia A Nature-za em Festa, esta musicada e interpretada no CD Meu Deus Rei, gravado por Mnica Pvoa. Tem dezoito composies em estilos que variam de valsa e bole-ro, todas no seu livro Meus Versos e Canes.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    15

    INTRODUO Na histria, aquilo que foi escrito de prprio

    punho por Ablio Wolney veio a livro, selecionados nos seus Di-rios, apontamentos e cartas, os trechos mais pertinentes com os fatos de que cuida, tendo sido feita, tanto quanto possvel, a atualizao ortogrfica.

    Propus-me a deixar que os participantes dos

    episdios que adiante desencadeariam as ocorrncias de 1918/1919 contassem, eles prprios, os fatos pertinentes proposta do livro, na pretenso de ser um trabalho narrado por quem viveu os acontecimentos, como o caso do Escrivo Guilherme Ferreira Coelho, do Escrivo Aristteles Leal, do Coletor Sebastio de Brito, da viva Rosa Belm e de outros personagens, alguns com depoimentos trazidos do processo judicial, cujos autos esto transcritos na ntegra em nosso livro O Barulho e os Mrtires, ainda no prelo.

    A crtica no me perdoar, se no me preten-

    so supor despert-la. Comeo a escrever na certeza de que minhas palavras sero recobertas de preconceito, por ser neto do

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    16

    protagonista, a quem devoto amor e admirao profunda, como se tivssemos vivido juntos, se que no estivemos na esteira dos tempos que constroem o esprito da conscincia humana.

    Todavia, a par dos dirios do protagonista, trago

    colao documentos oficiais e textos de autores respeitveis, que se aprofundaram no estudo dos movimentos polticos ocorridos em Gois, principalmente entre 1894 e 1930, com o crivo acadmico que a pesquisa lhes exigiu.

    Aos que virem em nosso estudo uma mera

    justificativa da atuao de Ablio Wolney (antes e depois da vida pblica) lano o repto para que apresentem argumentos fundamentados em fontes fidedignas, com o condo de demonstrarem a propalada acusao de que os Wolney no Duro eram mandes, acostumados a ver suas ordens acatadas, a ter privilgios e a cometer arbitrariedades a no ser que os acusadores se baseiem no fato isolado de 1919 e nos recontros decorrentes, quando a fora da Polcia dos Caiados geraram o desforo, que culminou numa chacina oficial e na seqente reao dos atores da lei de sobrevivncia, diante da 4 Companhia de Polcia, sob o esbirro do Capito Siqueira, achacador e comissionado pela oligarquia Caiado para matar Ablio Wolney e despoja-lo de todos os seus bens.

    Reconheo que no posso esculpir Ablio Wolney

    num monumento aos heris sem jaa. Da mesma forma, todavia, no posso soneg-lo histria, deixando-o alhures, merc da parafraseada crnica dos vencedores na arena poltica da poca, que a rigor no sobrepe-se ao que h de verdadeiro na maior parte da literatura a respeito. Apenas quero mostr-lo como Godoy Garcia: uma voz, uma nica voz se levantou, de forma aberta contra os impulsivos strapas, a do Deputado do norte de Gois, Ablio Wolney, o que foi, nesse dia, um ato herico(...).

    Suponho no esteja ele nas esferas dos cus

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    17

    imarcessveis da Divina Comdia2, nem no inferno territrios mitolgicos dos maniquestas. Sua alma firme e magnnima no estacionaria nas trincheiras do cio contemplativo, nem do mal pelo mal ou da covardia. Acho tambm que no habita o Purgatrio, alegoria medieval das antigas crenas, na lentido dos que trafegam a encosta da montanha almejando o Paraso.

    Vejo-o vivo no bronze, nos logradouros, querendo

    me dizer que o tempo no o corri. Mas tambm a no o vejo vitorioso. O tempo danifica as glrias e enxota as notoriedades, nas palavras de Pedro Ivo. As honrarias do plano dos homens so to provisrias como eles prprios.

    Melhor enxerg-lo ento em reflexos luminosos a

    me seguirem os passos, na existncia de agora, mas os nossos espritos se encontram unidos pelos laos mais fortes da vida maior e o sentimento afetivo que me impele para ele tem suas razes na noite profunda dos sculos.3

    E nossa frente desdobra-se a eternidade ... Apesar da sua trajetria magnfica no Parlamento

    e dos seus anos no Executivo em Barreiras, depois em Dianpolis, sofreu em conseqncia toda sorte de revezes nos embates de poder do mundo, onde vigoram as grandezas efmeras, que duram por um dia fugaz! Com algumas glrias, a histria no registra um s ato seu de violncia durante a sua atuao na vida pblica. Os que o viram em pessoa recordam-lhe os passos lpidos, uma certa benemerncia e bondade at o apagar em 1965. Olhar curto sob os culos nos janeles do Casaro, no mesmo ngulo da praa do largo, onde plasmava-se o retrato assombroso da Chacina de 1919. Do mesmo Duro onde viveu

    2 Obra de Dante Alighieri. 3 Emmanuel.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    18

    tanto, sofreu mais ainda, onde amou, foi trado e amou novamente.4

    A verdade que Ablio Wolney veio de tempos

    que no chegaram ainda e viveu como uma histria que se entendesse sobre a vida...

    Grande orador de sua poca, soube exercer a

    poltica como um apostolado. Na Tribuna e na Imprensa, arrostou o imprio de

    sangue e impunidade que reinou no incio do sculo XX, fazendo-se a vibrao sagrada de resistncia aos desmandos da ditadura oficial instalada em Gois, cujo ocaso se deu com a subida de Pedro Ludovico ao Poder na Revoluo de 1930. O mesmo Ludovico, que tambm se viu obrigado a armar-se com homens contra aquela gente que veio da aristocracia ancestral e encarnava as elites em Gois.

    Justo, honrado e destemido, Ablio Wolney

    dignificou Gois e o sempre Tocantins numa legenda de lutas oposicionistas s oligarquias, gravando-se na memria dos justos como o grande defensor da sua regio esquecida.

    O perdemos para a histria aos 89 anos de idade,

    no em face das baionetas da chacina oficial. Morreu naturalmente no Casaro. como se ouvisse o povo contar: L ia o cortejo no seu ltimo itinerrio... Coberto de flores, desceram-lhe tumba molhada com o pranto dos que o amaram5.

    Em Anpolis, cidade qual deu o nome em 1900,

    reponta o seu crnio num busto, entre as flores do pao municipal, por onde passo ao cair da tarde, quando deixo o prdio anexo do

    4 Trecho da carta do jornalista Jos Leal a Nertan Macedo. 5 Parfrase de Shakspeare.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    19

    Frum, na certeza de que ele continua tambm aqui, distribudo na praa pblica, como semente de multides...6

    Anpolis, dezembro de 2002. O autor.

    6 Praa Deputado Ablio Wolney, no cruzamento das Avenidas Brasil e Gois em Anpolis-GO. O Pao Municipal de Barreiras-BA ostenta destacada a sua fotografia na galeria dos ex-Prefeitos. Em Dianpolis h o Grupo Escolar Cel. Ablio Wolney e a Rua Cel. Ablio Wolney. A praa principal de Novo Jardim-TO leva o seu nome. Em guas Lindas de Gois temos a biblioteca pblica Dep. Ablio Wolney, com destacada fotografia do seu patrono. Em Palmas-TO, o Museu Histrico do Estado do Tocantins, conhecido como O Palacinho, registra com grande destaque em uma de suas paredes internas a seguinte inscrio, ao lado da fotografia de Ablio Wolney e dos Nove mrtires no tronco: No abandonado nordeste goiano, hoje sudeste do Tocantins, mais precisamente em So Jos do Duro, surge no comeo do sculo a liderana de Ablio Wolney, jovem Deputado que fez tremer o cho de Vila Boa com seus discursos em defesa do povo dessa regio. Temendo o poder poltico dos nortenses, os velhos coronis de Vila Boa apelaram para a violncia, enviando a So Jos do Duro uma tropa fortemente armada para subjugar as famlias Aires, Pvoa, Rodrigues, Costa e Leal, culminando com uma chacina oficial de nove nortenses, filhos dessas ilustres famlias que apoiavam Ablio Wolney. (Acredita-se que a iniciativa foi do Des. Jos Liberato Costa Pvoa e do Des. Marco Villas Boas) Na entrada do Tribunal de Justia do Estado do Tocantins, em Palmas, estampa-se, num grande painel cermico, o drama vivido pelos nove refns na Chacina Oficial de 1919. Nele se vem os ps dos mrtires na presilha de madeira do tronco e a cavalaria da milcia goiana. A construo do painel foi por ordem e na gesto do ento Presidente do Tribunal de Justia, Des. Marco Villas Boas (Veja fotografias livro O Duro e a Interveno Federal, do autor).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    20

    Para Carlyle, a histria do mundo no seno a

    biografia dos grandes homens. Pois h homens que j nascem pstumos...

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    21

    Praa Dep. Ablio Wolney, no pao municipal, Av. Gois, esquina com a Av. Brasil, Anpolis-GO.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    22

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    23

    I

    MINA DOS TAPUIAS E MATA GRANDE

    So Jos do Duro veio de um passado remoto.

    Teve o seu comeo num arraial que repontava a nordeste da provncia de Goyas, distante 906 quilmetros da cidade de Vila Boa, a vetusta Capital goiana, fundada por Anhanguera. Na cartografia da poca, o minsculo povoado das lavras prximas falda da Serra do Duro, teve sua origem na descoberta de ricas minas de ouro pelos ndios Acros e Xacriabs.

    O ponto, infiltrado de veeiros fartos, seria

    nominado Mina dos Tapuias, dentro da Mata Grande ou Grande Mata, local de caa dos nativos, onde uma ndia fazia as necessidades fisiolgicas, com tempo para prestar ateno numa pedra de tnues fagulhas douradas, cintilando ao reflexo dos raios do sol, a mostrar ignota riqueza nela incrustrada. Da surgem as lavras do ouro e passa a se chamar So Jos do Ouro.

    O lugar chamou a ateno e o Governador da

    Capitania de Gois, Dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos, anuindo reclames da nascente populao, enviou ao serto uma Comitiva composta de padres jesutas e homens experientes em

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    24

    catequizar ndios bravios.7 Em razo disso, foram fundados dois aldeamentos, separados 12 quilmetros um do outro: O primeiro, destinado aos Acros, com mais ou menos seiscentas criaturas, foi erigido nas proximidades do sop da Serra do Duro, trecho ocidental da Serra Geral, nas margens do riacho Sucuri, nominado Aldeamento do Duro ou Misses, onde hoje est o povoado Misso. O segundo foi localizado nas margens do crrego Formiga, com uma populao de Xacriabs em torno de 250 tapuias. Nesses locais o homem branco aglomerava os aborgines, com a finalidade de serem educados, evangelizados e servirem de mo-de-obra na explorao da Mina.

    Os padres jesutas resolveram construir uma

    capela, entronizando num nicho a imagem de So Jos, razo porque o Aldeamento do Duro passou a ser tambm chamado Aldeamento de So Jos do Duro. Como a finalidade dos aldeamentos era evitar que os ndios continuassem atacando os arraiais de minerao do norte da Capitania, buscou-se evitar o confronto com a mediao dos chefes das tribos. Todavia, os aldeamentos restaram inexitosos, porquanto entre os prprios missionrios havia dissenses, alm das desinteligncias entre eles e o tenente-coronel Venceslau Gomes da Silva, a despeito da interveno do Governo.

    7 Palacin, 1995.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    25

    Misses em poca ignorada (Fotos Voltaire Wolney) .

    Igreja das Misses reestruturada. Acredita-se que dentro dela esteja sepultado um padre.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    26

    Os jesutas tentavam assumir o controle total dos aldeamentos, obrigando o conde D. Marcos de Noronha a intervir, inclusive pelos prejuzos com as despesas das misses que vinha causando ao Tesouro Real. Para agravar a situao, uma epidemia de sarampo ocorrida em 1753 fez esvaziar o Aldeamento dos Acros, que ficou reduzido a quase nada com a morte de alguns ndios e a fuga da maioria para as matas, alm de lanarem a culpa das mortes nos brancos.

    Quando esteve na Provncia de Gois, em 1840,

    a caminho de Natividade, George Gardner, botnico ingls que esteve no Brasil estudante a flora nativa, passou pela Aldeia do Duro, que ainda mantinha alguns ndios descendentes do primeiros habitantes da aldeia primitiva jesutica, fundada em 1751. Assim a aldeia foi descrita: (...) tem cerca de vinte casas, todas do mais msero tipo. A maior parte feita com armao de estacas cobertas de palmas e muitas se acham de tal maneira avariadas pelos efeitos unidos de anos e intempries, que j nem sequer servem de abrigo contra o vento; outras, construdas de varas barreadas (pau-a-pique), esto ainda em piores condies. So dispostas de modo a formar um quadrado irregular, mas dois lados ainda permanecem quase abertos; do lado oeste h uma pequena igreja quase em runas (...). O total da populao, no tempo de minha visita, montava a umas duzentas e cinqenta almas. Conquanto a maior parte dos habitantes seja de puro sangue ndio, h alguns mestios de pretos, geralmente escravos fugidos, que de tempos em tempos ali se vieram estabelecer entre os primeiros (...) A parte principal do alimento desta gente de natureza vegetal: frutas silvestres que buscam nas matas. O pouco de sua alimentao animal obtida pela caa, ocupao em que os moos se comprazem muito mais que no trabalho das plantaes.8

    8 Texto exibido em parede interna do Palacinho, O Museu Histrico do Tocan-tins, em Palmas-TO.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    27

    Aldeia do Duro desenho exposto no Palacinho em Palmas-TO.

    Muito ouro encantado nessas cercanias. Os

    ndios, quase todos afugentados, de longe davam conta de sua riqueza ao perceberem o interesse do colonizadores do lugar. Ento comearam a fazer cerco, querendo guerra! E ela foi feita, proveniente de muito dio, pois embora no soubessem explorar as riquezas do seu cho, eram os donos do lugar, vendo-se acotovelados pelos brancos, pela peste que os espalhou. Vendo o tempo passar, surgir a criao de gado, as plantaes, os seus terrenos sendo cercados.9

    9 Informaes constantes de mensagem do livro Mensagens e Poemas do Alm, de Voltaire Wolney Aires.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    28

    Sob o titulo Conflitos, em texto datilografado,

    narra Ablio Wolney:

    A parte dos ndios Xerentes que retirou-se do aldeamento de Misso, alguns anos depois, munidas a seu modo, voltou e atacou os aldeados, os quais tinham como Cap. o possante Lzaro e j possuam armas de fogo. Sob seu comando entrincheiraram-se na Igrejinha e mais numas casinhas cobertas de telhas, donde se defendiam a tiros, mas os atacantes eram numerosos; o cerco j demorava trs dias, os viveres e gua j esgotavam, quando Lzaro se lembrou de subir a torre da Igreja, donde avistou o Cap. dos atacantes com suas vestes de comando, dando ordem de avanar. Dali do alto, com um tiro certeiro prostrou-o, e bastou. Os atacantes correrem conduzindo o cadver do chefe e nunca mais voltaram. Lzaro, que ainda conheci, veio a falecer em 1888 deixando sua aldeia incorporada nossa civilizao no teve mais sucessor. 10

    Com os jesutas, os ndios aprenderam a adorar

    a imagem de So Jos no aldeamento Misses. A uma outra imagem da Igrejinha deram o nome de So Lalau11, que passou a ser o deus das suas tribos.

    10 Parte do documento redigido por Ablio Wolney em 1940, transcrito na ntegra no Captulo XVI. 11 A imagem do So Lalau foi vendida por volta de 1952/3 a algum que a levaria para um museu em Florianpolis-SC. Um sacerdote a teria negociado por um valor de Cr$ 3.000,00, conforme me informou o primo Napoleo Ribeiro Pvoa. Tem ela quase o tamanho um homem, talvez um dos Santos da Igreja Catlica (So Nicolau?). Talhada em madeira, traz nas mos uma pia batismal, naturalmente para o batistrio dos fiis e ndios catequizados em Misses (Duro).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    29

    Como visto, j armados pelos brancos, que os ensinaram para suas defesas, agora os tapuias empunhavam as armas de fogo contra os seus prprios catequizadores, e porque no eram bem compreendidos na traduo de sua linguagem, pertencente famlia j, tronco macro j, no tupi-guarani,12 foi fcil se porem em guerra tambm contra os jesutas e outros exploradores de ouro.

    Assim, em 1757, novamente, os ndios se

    rebelaram provocando um grande morticnio, matando os soldados e o missionrio Jos Nr. (Nogueira?). As hostilidades se prolongaram por alguns anos causando a morte de duzentas pessoas, ficando muitas feridas, trazendo srios prejuzos Capitania.13

    A rigor, e no final das contas, queriam mesmo

    eram as imagens dos seus Deuses e baterem em retirada, quase extintos, cheios de rancor e em busca de outras terras...

    Os ndios Xerentes e Guegus14 so tambm

    confluentes na origem histrica do Duro. Os documentos se referem a eles noutra parte do embrionrio Vilarejo. Com efeito, em meados do sculo XIX esses silvcolas aterrorizavam a regio dos gerais de Gois, nos limites com a Bahia.

    12 Em Gois, os acros eram oriundos das margens do Rio Balsas. 13 Marivone de Matos Chain, em Os Aldeamentos Indgenas da Capitania de Gois, pg. 116. 14 Povo indgena extinto, tambm de filiao lingstica j, tronco macro-j, que habitava originariamente a regio do rio Itaim e a nascente do Rio Parnaba -PI).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    30

    Foto de ndios Xerentes de outra regio, para se ter um idia do biotipo deles.

    Grupo de indgenas da regio em frente Igreja Sagrada Famlia, aps o ano de 1900 (Fotografia e anotao constantes do livro Colgio Joo dAbreu, Amor Histria Educao, de Voltaire Wolney

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    31

    Aires). O povoado nascente a umas duas lguas para o

    outro lado das Misses, que muito depois seria chamado de So Jos do Duro, nome emprestado do aldeamento, adotaria o santo como padroeiro, formando-se distncia dos aldeamentos e ao lado de um garimpo, onde a tapuia encontrou a pedra tauxiada de ouro pela natureza.

    Mina dos Tapuias, na parte leste da Cidade. Est abandonada (Foto de Voltaire Wolney

    Aires)

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    32

    Ento, o futuro nome Duro15 seria em razo da localizao, primeiro do aldeamento Misso e depois da Vila, em territrio prximo Serra do Duro, parte da Serra Geral, encosta da Serra da Mangabeira, que mais no que uma das muitas denominaes do Sistema Central ou Goiano, constitudo por uma cadeia de montanhas que centraliza um horizonte vasto de serranias fracionadas em morros de encostas indistintas que se amplia, at que em plena faixa costeira do alcantil baiano, o olhar, livre dos anteparos de serras que at l o repulsam e abreviam, se dilata em cheio para o ocidente, mergulhando no mago da terra ampla lentamente emergindo num ondear longnquo de chapadas esplndidas, imitando cordilheiras16 at o andar onde comea o Estado da Bahia, soerguendo dali em altiplanos e perdendo-se no horizonte azul at os contrafortes do macio central do Brasil. A Serra Geral afigura-se cortina de muralha monumental que termina em crista altssima, com sulcos de eroso que as retalham em cortes expressivos. Pncaros centralizados, que originam quadros naturais imponentes em regio alpestre num tumultuar de morros. H sculos as fortes enxurradas fizeram vales em declive, muramentos desmantelados de coliseus em runa, desabando-se, que desaparecem de todo em vrios pontos.17 Voltando as vistas, caindo para os lados de c, o paredo desdobra-se em cavernas, abrindo-se em ravinas e falhas geolgicas para em seguida formar grande depresso estendida dos penhascos, descendo em plancies vastas pelos vrtices dos albardes, que se distanciam em paisagem expandida nos chapades ondulantes grandes tablados cheios de brejos, onde o gado pasta na seca. O observador pode se deleitar com o

    15 Cf. Quinta-Feira Sangrenta, obra citada. 16 Parfrase de Euclides da Cunha em Os Sertes. 17 Idem.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    33

    contraste belssimo, a amplitude dos gerais e o fastgio das montanhas.

    Muralhas outras, em blocos de pedras, aformo-seiam o cenrio ecolgico nos seus baixios, lembrando runas ncas, que se alteiam dominando, majestosas, toda a regio em torno e convergindo em largo anfiteatro, entre outras muralhas a pique. As esculturas geolgicas espetaculares so a herana dos fenmenos fsicos, balizas fincadas nos prdromos da vida na matria em ignio e que ainda presidem ao ciclo e performance do nosso planeta.

    Depois vo-se esboando as paisagens que se aclaram a leste, fixando a luz solar despejada num prspero teatro de evoluo e vida at o retorno Terra das Dianas.

    Por ali a luz da lua beija, em silncio, a beleza melanclica das amplides naquelas crostas solidificadas em espaos ilimitados que se miram. Faz o homem viajar na intuio de uma realidade de milnios, plasmada num laboratrio de crateras, talvez de vulces irrompidos na origem da criao planetria.

    Geograficamente, o futuro municpio englobava a regio montanhosa, com economia baseada na agricultura e a regio do vale do Maranho, onde predominava a pecuria, maior destaque na poca.

    No ano de 1839, Manoel Loureno Cavalcante,

    ascendente da famlia Ayres Cavalcante, arrematou em hasta pblica a Fazenda Nova Colnia18, vizinha ao local, que j era

    18 A Fazenda Nova Colnia ficava no municpio de Santa Maria de Taguatinga e hoje as suas terras so sede do municpio de Novo Jartim-TO.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    34

    conhecido como Duro, depois Lavras do Duro, com o qual mantinha intercmbio direto.

    Em 1852, a vizinha vila de Conceio do Norte19

    foi emancipada e a partir da o arraial do Duro passou a seu Distrito com o nome de So Jos do Duro.

    Coube ao Major Joo Nepomuceno de Sousa

    minerador no local desde 1840 a honra da fundao da localidade, bem como a organizao do Distrito de Paz e ainda, por sua influncia, a emancipao poltica ocorrida em 24 de agosto de 1884, pela Resoluo n 723, da Cmara Provincial de Gois, tendo sido instalado o municpio de So Jos do Duro em 1890, sendo o fundador o seu primeiro Intendente.

    Banhada pelos rios Palmeiras, Duas Pontes,

    Gameleira, Manuel Alvinho, Manuel Alves e Peixe, que tm suas nascentes na Serra das Vertentes e pertencem bacia do Tocantins, geograficamente a regio englobava a parte montanho-sa, com economia baseada na agricultura e a parte do vale do Maranho, onde predominava a pecuria, maior destaque da poca.

    Adiante seria a sede da mesa de Rendas do

    Norte e da Comarca do Rio Palmeiras. Colocada ali, na fronteira oriental da antiga Provncia de Goyas, fazia comrcio de importao e exportao com os portos de Barreiras e So Marcelo no Estado da Bahia, distando 252 quilmetros do primeiro e 192 quilmetros do segundo.

    Na sociedade da poca, podia-se distinguir dois

    grupos, que se diferenciavam no modo de se relacionar com a poltica e que exerciam grande importncia no quadro social: os que estavam com o Governo e os que no estavam.

    19 Hoje Conceio do Tocantins.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    35

    Serra Geral vista do Setor Cavalcante em Dianpolis. Na primeira fotografia temos a parte consignada nos mapas

    medievais como Serra do Duro (Fotografias do Des. Marco Villas Boas, em site de Antnio Costa Aires).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    36

    II SURGE ABLIO WOLNEY

    O PRIMEIRO MANDATO DE DEPUTADO Em agosto de 1876, surgiu Ablio Wolney20, nas-

    cido na Fazenda Taipas, municpio de Conceio do Norte, vindo nos primeiros dias da infncia para So Jos do Duro, onde atingiu a adolescncia nas fazendas do pai Joaquim Ayres Cavalcante Wolney.

    O Cel. Joaquim Ayres Cavalcante Wolney nasceu

    em 07 de abril de 1854 na Fazenda Colnia, do distrito de Santa Maria de Taguatinga, ento pertencente ao municpio de Arraias. Filho de Alexandre Jos Ayres e Maria Veneranda da Conceio, tinha como avs, Manoel Loureno Cavalcante e Izabel Maria de Moura, que inicialmente vieram de Pernambuco para o Piau, onde se fixaram por alguns anos em Parnaba indo depois para o Corrente. Com eles vieram a me de Manoel Loureno Cavalcante e os filhos do casal, parecendo que a filha Maria Veneranda da Conceio nasceu em Pernambuco.

    20 O seu nome original seria Ablio Ayres Leal Cavalcante, conforme um Documento Escolar Primrio e informal. (Contou-me isso o Prof. Osvaldo Rodrigues Pvoa). Ablio teria passado a usar o nome Ablio Wolney ainda adolescente e prosseguiria utilizando-o na vida pblica, no exerccio da advocacia provisionada, em Escrituras, documentos oficiais e nos atos civis.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    37

    A famlia, por razes de natureza poltica, veio para a fazenda Registro, no municpio de Campo Largo, da provncia da Bahia. Conta-nos Osvaldo Pvoa que o sobrenome Wolney foi adotado a pedido do av Manoel Loureno, que tendo lido o livro As Runas de Francisco Constantino Chassebauf de Volney, que foi um homem de origem nobre, par de Frana, membro da Academia, nascido em Craon, sede do Condado de Mayenne, em 1757, gostou muito, tais as especulaes filosfico-religiosas. Outro filho de Maria Veneranda tambm teria adotado o sobrenome Wolney. Tratava-se de Salustiano Ayres Cavalcante Wolney, que morreu sem deixar descendentes.

    Os Cavalcanti tm sua histria desde Guido

    Cavalcanti, chefe-de-escola de Florena (1265-1300), protegido de Dante Alighieri, contra quem se insurgiu quando galgou posio de mando. Sculos depois, foi Felipe Cavalcanti, filho do nobre Joo Cavalcanti e Genebra Magnelli, que se envolveu numa conspi-rao contra o poderoso Conde de Florena, cujo poder e prestgio obrigaram-no a fugir para Portugal e ainda, receoso de ser alcanado pelo brao do Conde, veio para Pernambuco, no ano de 1558. desse florentino que descedem os Cavalcanti de Pernam-buco, que vieram para o Duro.

    Em 1801, os irmos Francisco de Paula

    Cavalcanti de Albuquerque, depois Baro e Visconde de Suauna, Jos Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque e Luis Fran-cisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque foram presos por conspirar contra o governo e tentaram a instaurao de uma repblica com o possvel apoio de Napoleo Bonaparte. Eles foram presos. Em Olinda, onde est Manoel Loureno Cavalcante, estava um dos focos da conspirao. Temeroso de ser preso, Manoel Loureno fugiu para o corrente do Piau, j casado com Isabel Maria de Moura, onde devem ter nascido seus filhos. Em 1839 ele entrou em ligaes conspiratrias com os Balaios do Maranho, sendo por isso denunciado ao governo do Piau. Fugiu para Campo Largo, na Bahia, onde fixou residncia. Nessa

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    38

    ocasio veio at esta regio para arrematar a Fazenda Colnia21. Regressando a Campo Largo, doou parte da fazenda a Maria Veneranda da Conceio, sua filha, casada com Alexandre Jos Ayres. O casal veio morar na Fazenda Colnia onde nasceram todos os seus filhos.

    Por volta de 1853/1854, j na Fazenda Colnia,

    Manoel Loureno Cavalcante esteve em constantes atritos com religiosos da Misso do Duro, por questes de terra. Sua mulher Izabel Maria de Moura Cavalcante morreu em seus braos no dia 15 de abril de 1854 em So Jos do Duro. Ainda na dcada de 1850, Manoel Loureno voltou para o Corrente do Piau, onde morreu. 22

    21 Hoje, cidade de Novo Jardim-TO. 22 Veja o prefcio do prof. Osvaldo Pvoa no livro Ablio Wolney, Suas Glrias, Suas Dores, de Voltaire Wolney.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    39

    Manoel Loureno Cavalcante - 183723

    23 Pintura extrada do livro Os Cavalcante do Corrente, de Socorro Rocha Cavalcanti Barros, Grafiset, Teresina, 2003, pg. 14v.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    40

    O Cel. Joaquim Wolney carregava no sangue aquela inquietude, aquele esprito do bom aventureiro em busca de novas emoes, de novos horizontes, que sempre foi o estigma dos Cavalcante. Herdou boas extenses de terra a nordeste da provncia de Gois, deixadas pelo seu av Manoel Loureno Cavalcante para os seus pais, e adquiriu outras durante a sua vida de homem muito trabalhador, pontuando as fazendas com casas-sede. Deu a elas, em nmero de quinze, os nomes de Sucupira, Porto Franco, Caetana, Buraco, Aude e Duro, no municpio de So Jos do Duro; Morro Branco, Jardim Colnia, Monte Alegre, Cabeceira Verde, Barreiros dos Timbs, Caraibal, Fundo, Jardim e Terezina, no municpio de Santa Maria de Taguatinga, nas largas extenses fronteirias com os gerais da Bahia. Registros do conta de que as fazendas ocupavam uma rea de 124 quilmetros quadrados.

    Nelas, relata lvaro Mariante que, a par da

    agricultura, explorada na regio, fazia-se grande criao de gado bovino, que abastecia prpria zona e parcialmente o Estado da Bahia. Era avaliado em 16.000 (dezesseis mil) o nmero de reses de propriedade de Joaquim Ayres Cavalcante Wolney. Traos da operosidade deste velho sertanejo faziam-se notar no apenas em suas propriedades como tambm ao longo dos caminhos que o viajante percorriam. Em suas fazendas a indstria agrcola da regio tinha j um certo cunho de adiantamento que no se encontrava nas outras. Nelas se produzia tudo que os hbitos e necessidades do serto exigiam, de sorte que seu proprietrio, alm de dispensar o concurso dos outros produtores da zona tornou-se-lhes grande fornecedor. Valados limitando propriedades, grandes e slidos currais, encanamentos de gua para labores agrcolas e domsticos encontravam-se exclusivamente em suas fazendas.24 24 Relatrio Federal do Major Ajunto do Estado-Maior, lvaro Guilherme Mariante, com pequenas alteraes pelo autor na conjugao dos verbos para o pretrito. A respeito, temos no prelo o livro O Duro e a Interveno Federal Relatrio ao Ministro da Guerra.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    41

    Alma de bandeirante, o velho Wolney era semeador de fazendas, vivia na montaria tocando o gado, fincando currais em suas terras naquele obscuro serto, que pouco interesse despertava aos latifundirios goianos, fosse pela distncia e pela falta de estradas, fosse porque em razo disso as terras eram praticamente doadas pelo Imprio, bastando para adquiri-las formular requerimento ao setor da Provncia de Gois, que de resto procurava algum suficiente para representante na regio, assegurando o domnio do decadente imprio portugus- brasileiro.

    Instalado o municpio de So Jos do Duro em

    1890, em virtude da morte de Joo Nepomuceno de Sousa, o Cel. Joaquim Ayres Cavalcante Wolney ocupou a chefia da administrao como segundo Intendente (Prefeito) do recm-criado municpio.

    Teve os seguintes filhos: Ablio Wolney, as g-

    meas Josina e Josiniana, Ana Custdia e Joaquim Ayres Caval-cante Wolney Filho, o Wolneyzinho.

    Historiadores atriburam-lhe o mito de um senhor

    dono de feudo, com restolhos escravocratas, um suserano, enrgico senhor de muitas terras e gados, um capito-mor que gostava de andar encourado como um vaqueiro qualquer. Tinha sala de armas e um velho canho de bronze para sua defesa na Fazenda Buraco, sua muralha, sua torre de domnio e de comando. Nos tempos do Imprio, era liberal, de Partido. Seguiu sempre a direo poltica do coronel Joaquim Fernandes de Carvalho. Na Repblica, fez parte da dissidncia de 1895 e lutou contra o domnio bulhnico at 1909. Gostava da caa. Tinha uma sade de ferro, s mais tarde abalada por uma lcera.

    Apesar de suas ligaes polticas, por nada

    deixava o torro onde vivia, onde projetou-se e onde se fez criador de gado apascentado nas vastides nativas dos sertes, das

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    42

    gerais. Mantinha, por outro lado, forte vnculo com a Bahia, onde tinha amigos e muito prestgio.

    Prova disso que ele mesmo, e por conta prpria, construiu em 1891, 300 quilmetros de estrada, ligando a Vila do Duro a Barreiras-BA, por onde os homens da regio trafegavam com seus carros de boi, levando mercadoria para venda e comprando outras e gneros para a subsistncia. O Cel. Wolney era mesmo um apaixonado pelo trabalho. No respeitava nem mesmo os dias santificados. Quando lhe diziam: Coronel, hoje Quinta-Feira Maior ele respondia: - Melhor. Pode-se trabalhar mais.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    43

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    44

    Casaro dos Wolney. Foi construdo pelo Cel. Wolney e seu filho Cel. Ablio Wolney.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    45

    Perspectiva lateral direita do Casaro, na Rua Cel. Ablio Wolney em Dianpolis-TO. A sua

    frente est para a atual Praa Cel. Wolney, antigo largo da Vila do Duro.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    46

    Por suas qualidades morais, longamente apura-das na existncia patriarcal do serto, o velho j havia sido Juiz Municipal, Delegado de Polcia e em 1890 exerceu o cargo de Conselheiro Municipal25 em So Jos do Duro. Em 1894 foi efetivamente eleito Intendente26 do municpio, cuja sede no passava de uma Vila com aproximadamente 30 casas. Nessa gesto, promulgou a Lei Orgnica n. 1, de 15 de setembro de 1894, e outras revolucionrias para a poca.

    Casado com Maria Jovita Leal Wolney, filha do

    Cel. Custdio Jos de Almeida Leal e Ana Benedita Teles Fernan-des, foi morar na fazenda Taipas, do municpio de Conceio do Norte, de onde mudou sua residncia para o distrito do Duro, ainda pertencente ao citado municpio, tornando-se rico fazendeiro. O Cel. Joaquim Wolney era ligado aos Teles Fernandes de Concei-o do Norte e um cidado srio, inteligente, dinmico, coman-dante, consultor, de uma viso extraordinria, o que fez dele um homem rico, algo venervel nas barbas brancas que lhe davam um ar paternal, sempre cercado de familiares e homens tambm muito ricos.

    Basta dizer que em Conceio o Coronel Jos de

    Almeida Leal, irmo de sua esposa, era um homem rico e poltico de prestgio, assim com seu cunhado Joo Batista Leal, tambm grande fazendeiro, que adiante vai se casar com sua neta Anna Custdia Wolney. No distrito de S. Jos do Duro, para onde mudara sua residncia, tinha como amigos e confidentes, alm de parentes mais prximos, Benedito Pinto de Cerqueira Pvoa e Joo Rodrigues de Santana, igualmente ricos fazendeiros.

    De sociedade com o filho Ablio Wolney e s suas prprias custas, construiriam depois em 1897 um conduto de gua com bicas de coqueiro, numa extenso de 1.400 metros,

    25 Hoje, vereador. 26 Prefeito.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    47

    tendo utilizado postes de at dezesseis metros de altura, posteriormente substituindo as bicas por encana-mento de metal, com o que os postes perderam sua utilidade, mas permaneceram durante meio sculo como testemunhas da fibra do seu construtor.27

    A sua patente de Coronel veio com o Decreto

    4.527, de 30 de agosto de 1902, do Presidente da Repblica Campos Sales, que o nomeava Coronel Comandante da 4 Briga-da de Cavalaria da Comarca da Palma, com sede em So Jos do Duro. A patente respectiva foi expedida e assinada pelo Presidente Rodrigues Alves no ano seguinte.

    A fazenda Buraco, situada a 02 lguas da Vila, um vale cercado por morros, verdadeira fortaleza do Coronel, o dono do Casaro, uma das principais edificaes da Vila.

    Para o Duro veio na companhia dos irmos

    Eliseu, Manoel Ayres Cavalcante e Alexandre Jos Ayres Jnior, tendo o segundo construdo outro Casaro no lado oposto do largo da Vila. Tinha outros irmos, Salustiano, Belina, Orminda e Isabel Ayres Cavalcante, que tudo indica ficaram na companhia do seu pai, que morreu na Fazenda Colnia28 em 14 de julho de 1887.

    27 Quinta-Feira Sangrenta, edio comemorativa do Centenrio de Dianpolis. 28 A antiga Fazenda Colnia passou a Fazenda Jardim, onde Ablio Wolney tinha parte e herdou outro tanto do pai. Hoje aquele territrio o municpio de Novo Jardim-TO, como j anotamos. Outra curiosidade que Fazenda Taipas, que tambm pertenceu a Ablio Wolney hoje a cidade de Taipas-TO e as terras do municpio de Porto Alegre-TO, de igual modo foram de Ablio Wolney.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    48

    Cel. Joaquim Ayres Cavalcante Wolney, pai de Ablio Wolney (Acervo da Dr. Maria Jovita

    Wolney Valente).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    49

    Joaquim Ayres Cavalcante Wolney (Fotografia do acervo de Frederico Garcia Wolney,

    cedida pela neta Mariazinha Wolney Cavalcante).

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    50

    E se o velho Wolney vivia naqueles cafunds, no deleite da paz, tranqilo na felicidade de um serto quase virgem, absorto da problemtica da civilizao, o seu filho comeava a dar sinais dos pendores para a poltica. Aos 16 anos de idade, Ablio Wolney inscreveu-se eleitor e se faz um articulador nato, com um discurso fcil, carismtico e pedindo ao pai que o levasse a conhe-cer a capital do Estado.

    Repontava um autntico autodidata, de uma

    voracidade sem limites quando se tratava de leitura. Mandava buscar livros em toda parte civilizada, e ainda tinha tempo de corresponder-se com o poeta Augusto dos Anjos. Lia muito, diariamente, at alga madrugada. Carpinteiro, veterinrio, filsofo, gostava muito de agronomia e veterinria e dos clculos matemticos. Era seleiro, sapateiro e requintado faze-dor de gibes e perneiras. Tudo ele sabia fazer e fazer bem, embora jamais houvesse alisado bancos de escola ou de academia. 29

    Estava evidente que o menino era precoce, um

    homenzinho conversador, loquaz, que vocacionado e embalado pelo pai, aos 18 anos de idade, candidatou-se e foi eleito para o primeiro mandato de Deputado Estadual em 1894, rumando para a Capital de Gois, a fim de assumir e exercer as funes inerentes ao cargo.30

    O danado do menino foi mesmo e foi contando

    vantagem, agora sonhando com uma carreira, que lhe acenava com os albores de Chefe do Poder Executivo no novel Estado, todos vendo que no passavam de arroubos do jovem Deputado, que tinha o pai pasmado de admirao e orgulho. Era mesmo muita pretenso para um pequeno sertanejo empolgado, mas no

    29 Ablio Wolney, Um Coronel da Serra-Geral, de Nertan Macdo. 30 Em 1894 nasceu o seu irmo Joaquim Ayres Cavalcante Wolney Filho, o Wolneyzinho, que em 1918 aparecer na arena de um grande fatdico.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    51

    seria dos temperamentos da sua ordem que se formavam os diretores de povos, os lderes polticos?

    Ablio Wolney no tinha formao escolar alm

    da primria e tudo o que aprendeu a mais foi como autoditada. Contudo, ousaria. Ouvia do povo que era poltico, que nasceu feito.31

    Construiria ao longo da vida uma biblioteca de

    mais ou menos 20 metros de armrios e estantes de livros, com cerca de 3.000 ttulos, em idiomas como ingls, francs e espanhol. Teve que aprender sozinho pelo menos o bsico desses idiomas para ler os livros de Histria, Direito Comparado, Medicina, Agrimensura, Farmcia, Poesias e Romances que no estavam no vernculo32

    E l se foi caminho afora, arrebatado por aquela

    idia, impressionando pela firmeza, nunca abalada, e seguindo para um objetivo fixo, com finalidade irresistvel. 31 Colocaes de Coquelin Leal Costa (Coque). 32 Conforme noticia Nertan Macedo em texto avulso de 1975.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    52

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    53

    Fachada do prdio onde funcionou o Congresso Legislativo do Estado de Gois de 1891 at 1930, na Cidade de Gois, antiga continuao da Rua da Abadia. Aqui Ablio Wolney exerceu os seus mandatos de Deputado. (Foto do acervo do autor)

    No demora e vamos v-lo um homem de

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    54

    palavra, que seria muita coisa na vida, capaz de morrer por um parente ou um amigo, pois era leal e incapaz de traies.

    Deixava o Duro, onde ele e o pai Joaquim

    Wolney eram os conselheiros consultados por todos que os procuravam, cujas opinies eram regra seguidas ao p da letra.

    Debutava no parlamento. Ao chegar na Capital, fez prova

    na Ordem dos Advogados do Brasil, tornando-se advogado sob o n. 33 de inscrio. Como Evaristo de Morais e outros grandes, foi um dos poucos advogados provisionados pela Ordem que no eram formados. Suas peas jurdicas seriam, como o foram, de redao escorreita, profundas no contedo jurdico de base doutrinria e jurisprudencial, embaladas na eloqncia do seu patrono, que advogaria por toda a vida.

    Dizia sonhar com a Faculdade de Direito em So

    Paulo ou Medicina no Rio. No se divertia. Gostava de caar e no tinha

    tempo para isso. Gostava de pescar, mas no pescava. Adorava os seres humanos, os animais, os ces, principalmente, e tinha verdadeira devoo pelas crianas. Com os seus pendores de polmata, atuava com brilho nas diversas reas do conhecimento, reunindo diversas qualidades, como se colocasse para trabalhar em harmonia reas distintas do crebro, que a melhor psicanlise hoje explica. Foi assim que obteve licena dos Conselhos de Medicina e Farmcia para atuar nas reas, depois de fazer cursos prticos na Bahia, inclusive para pequenas cirurgias, montando uma farmcia na Vila, onde dava consultas e passava remdios manipulados na farmcia que fez com aquisies em Barreiras, Salvador e no Rio de Janeiro, sendo o nico mdico e parteiro naquele ponto esquecido do Estado, cujos ofcios deixou em razo

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    55

    da eleio, ficando a farmcia com o primo Sebastio de Brito Guimares.

    A poltica era a sua paixo maior, e seria tambm o seu calvrio. O nordeste goiano no tinha um representante no plano da poltica estadual, composta que em tese seria pelos chefes polticos regionais, elo entre o municpio e o Executivo Estadual. Era clara a inexpressividade do norte, o seu abandono pelos poderes pblicos, vocacionados ao domnio poltico da Capital.

    Emergido de uma regio esquecida, ligada

    economicamente ao serto baiano, tambm pobre, Ablio Wolney exercer dois ou trs mandatos de Deputado Estadual na Cidade de Gois Gois Velho na sua antiguidade bandeirante, a Vila Boa imperial, fundada por Anhanguera, irreverente cidade, impostora e sempre vivente sombra do poder.

    Pagaria caro por ter chegado to longe... O primeiro golpe veio em 1900, no intercurso da

    sua vida pblica, quando foi eleito Deputado Federal, por Gois e pela Bahia33, todavia depurado numa conspirao de inimigos pol-ticos.

    Depois, em 1913, teria sido eleito para um quarto

    mandato de Deputado Estadual em Gois, mas tambm depurado por fazer oposio ao grupo de Tot Caiado e seu cunhado Eug-nio Jardim, encerrando a faina poltico-parlamentar, aps escor-chado pelos donos do novo regime.

    De volta sua Terra, vamos v-lo em 1918 nas

    trincheiras da resistncia oligarquia Caiado, no meio do Barulho

    33 A eleio pela Bahia uma informao obtida por tradio oral.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    56

    com as autoridades prepostas do Governo em So Jos da Serra do Duro.34

    Em junho de 1919 ingressa na Ordem da Estrela

    do Oriente, loja manica na cidade do Rio de Janeiro, onde frequentava nas viagens que fazia Capital Federal.

    assim que viaja o nosso personagem embalsa-

    mado em livro, nos seus lances hericos, entre esplendores e tribulaes, certo que as coisas assumem maior relevncia quando relacionadas com acontecimentos de destinos humanos.

    E o tempo, esse escritor intempestivo, gravou, no

    decorrer da sua estrada, o registro da sua histria... Da ser preciso reescrever a histria do legen-

    drio Ablio Wolney, dando-lhe a grandeza que reclamava e merecia, convertendo em obra de arte a existncia desse monstro sagrado; obra lrica, humana e pica, como pica, humana e lrica foi a sua passagem pelo dorso terrestre.35

    34 Em nosso livro O Barulho e Os Mrtires, ainda no prelo, constar a explicao das expresses ali tem barulho usadas pelas testemunhas nos autos do processo e demais pessoas, que das janelas e das portas de suas casas viram ou ouviram a alterao de vozes e a movimentao na porta da Casa de Audincias, no dia 16 de maio de 1918, no caso do inventrio de Vicente Pedro Belm, conforme narrativa frente. 35 Metfrase da carta do jornalista Jos Leal no prefcio do livro Ablio Wolney, Um Coronel da Serra Geral, de Nertan Macdo.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    57

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    58

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    59

    III O DIRIO EM BIOGRAFIA Estamos por volta dos anos de 1896 a 1900,

    quando Ablio Wolney, mal sado da adolescncia, toma o seu Livro de Lembranas, o primeiro Dirio.

    Ei-lo, pela sua prpria mo: Sou filho legtimo de Joaquim Ayres Cavalcante

    Wolney e Maria Jovita Leal Wolney. Nasci na fazenda Taipas do Termo da Vila da Conceio do Norte, numa tera-feira de 22 de agosto de 1876.

    Fui batizado na Vila de Conceio do Norte pelo

    padre Joo de Deus Gusmo, sendo testemunhas do batismo meu tio Coronel Jos dAlmeida Leal e minha prima Joaquina Fernandes dOliveira.

    Aprendi a ler e escrever em casa com meus

    carinhosos pais; fui escola quando j escrevia bem, lia e fazia as quatro operaes fundamentais da aritmtica. Foi o professor

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    60

    Anselmo Ceclio Ceciliano36 que me ensinou outras regras e por mim mesmo aprendi o Sistema Mtrico Decimal. Com este estive quatro meses, que aproveitei bem. Foi ele substitudo por meu tio Salviano de Mello que me encontrou decorando a gramtica do Dr. Ablio. Por esse tempo aqui chegou de muda procedente de Santa Rita do Rio Preto, o hbil advogado Francisco Liberato da Silva Costa, que me aplicou alguma cousa na parte de lexicologia. Infelizmente faleceu logo e com isso retirei-me da escola e devo gravar neste meu livro de lembranas que o muito pouco que conheo de gramtica e de aperfeioamento e minha instruo de-vo quele bom homem e por esse respeito presto-me no que pu-der sua famlia.

    Entreguei-me ento a toda sorte de servios de

    meu pai. Trabalhei a princpio na manga que ele fez e tomei por costume toda noite ler um dicionrio de medicina do Dr. Cherneviz, nico livro de cincias que encontrei e afoito fiquei que j era uma das minhas ocupaes imprescindveis.

    Em falta de prticas, tive necessidade de fazer

    algumas aplicaes e demonstraes, nelas alguma curiosidade. Meu pai mandou vir para mim algumas drogas simples cujas recei-tas importou em 400 e muitos mil ris.

    Fui qualificado eleitor deste municpio dia 5 de

    maio de 1893. Eu tinha apenas 16 anos, mas os amigos entende-ram de assim fazer, fizeram. Fui nomeado secretrio do Conselho Municipal desta vila por portaria do presidente do Conselho em data de 7 de julho do mesmo ano. Fui nomeado Agente do Correio desta localidade por portaria do administrador dos correios deste Estado, em 18 de setembro de 1893, a 27 de outubro do mesmo ano prestei compromisso e entrei em exerccio do referido cargo.

    36 H quem diga que os primeirssimos estudos ele fez com o Ce. Jos Estanislau, que lhe teria ensinado a carta de ABC)

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    61

    Fui qualificado jurado deste Termo a 2 de de-zembro de 1893.

    Fui eleito Deputado Estadual pelo 12 crculo

    eleitoral em 31 de dezembro de 1894, tendo obtido nessa eleio 1.160 votos. Em cumprimento desse mandato, tive de partir para a Capital de Gois dia 24 de maro de 1895, tendo deixado o emprego de Agente do correio a 1 do mesmo ms de maro.37

    Cheguei capital de Gois dia 1 de maio de

    1895 e dia 8 tomei parte nas sesses preparatrias. Fui reconheci-do e proclamado Deputado em Cmara Plena dia 14 do mesmo ms e, sem falta de um dia de sesso, l estive at o encerramento dia 20 de julho. Dia 21 parti em demanda de meus ptrios lares, onde com sade cheguei dia 20 de agosto de 1895.38

    Dia 14 de abril de 1896, tive de partir 2 vez para

    a capital l chegando a 8 de maio s 8 horas do dia e nesse mesmo dia fui cmara e tomei parte na 1 sesso preparatria. Como da primeira vez, hospedei-me com meu velho amigo Coronel Joaquim Fernandes de Carvalho, que tratou-me como filho.

    02 de maio de 1896. Meia noite: Oh! J no existe Manoel Ayres que me

    compreenderia tambm!... Uma lgrima de saudade por ti amigo leal, eu no te esqueo. Por tua memria adoro tua filha e amparo teus filhos, teu esprito seja meu guia.39

    37 Incio da vida parlamentar aos 18 anos, na 2 Legislatura do Estado de Gois (1895-1897). 39 O tio Manoel Ayres, esposo de Joaquina Fernandes (que ser no futuro sogra tambm de Sebastio de Brito), havia morrido deixando um desejo em testamento oral o de que Ablio Wolney se casasse com sua filha Josepha Ayres, mormente

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    62

    Morreu deixando 8 filhos que tm a infelicidade de serem alistados no rol da orfandade. Amigo leal, cujo retrato tenho em meu corao e cujos rostos (filhos) sero por mim sempre adorados. As lgrimas jamais secaro em meus olhos sempre que tiver essa recordao; e a dor penetrante que sofro em registrar semelhante notcia me impede de faz-la mais longa.

    Dia 25 de julho do mesmo ano parti s 11 horas

    do dia, da capital de Gois, sendo acompanhado at a chcara do Perillo por meus dois especiais amigos, Coronel Fernandes e Desembargador Jayme e mais o Major Augusto Alves, e Major Scrates e o ourives Joaquim Xavier dos Santos Guimares. Ao despedir-me desses amigos no pude conter algumas lgrimas de saudades.

    Enfim, dia 27 de agosto, s 6 horas da tarde,

    cheguei em casa de meus queridos pais. Dia 23 de abril de 1896 fui eleito Juiz adjunto

    deste Termo. Dia 14 de fevereiro de 1897 casei-me com minha prima Josepha Ayres Wolney, sendo testemunhas desse ato meus tios Alexandre e Ana Francisca. Dia 22 de agosto de 1897 mudei-me para minha casinha.40

    porque ele estava doente e temia deixar a numerosa famlia desamparada. Viveu os ltimos dias sob os cuidados e remdios receitados pelo sobrinho, at que este fosse para Gois Velho, conforme este trecho de uma carta: Ablio, continuo toa, pois os sintomas que de quando em vez sofro faz-me acautelar de tudo. Ainda continuo tomando as plulas que voc me deu. Deixei o uso do cigarro e bem inclinado a deixar tambm o caf; tudo isso so preocupaes que vou tomando a ver se to depressa no sobrecarrego algum de enorme peso de minha famlia. Nove meses depois casaram-se Ablio Wolney e Josepha Ayres. 40 H referncia histrica da nomeao de Ablio Wolney para Juiz Municipal, que por sua vez teria nomeado o primo Sebastio de Brito para o cargo de Escrivo do Judicial e Notas.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    63

    Aqui um breve hiato para inserir o fragmento de um texto escrito por Ablio Wolney em 1898, onde ele expressa num voto o seu desejo de edificar na Vila uma igreja para o padroeiro So Jos, nestes termos:

    Meu Senhor Jesus Cristo! Sou ainda bem jovem,

    pois conto apenas 25 anos e meses de idade41e esta a vez primeira que fao um voto, e o fao de corao. Jamais o faria a no ser impelido por um poder oculto como julgo-me achar, cujo poder d-me fora para conhecer que eu, meus parentes e enfim todos os durenses desprezamos completamente o que mais sagrado; desprezamos a religio, a base slida de todas as coisas. Assim, Senhor, o meu voto, o meu rogo para que me concedais as faculdades necessrias para bem me haver neste mundo com meus irmos. Tenho grande desejo, Senhor, de construir um templo a S. Jos, Patriarca deste lugar, em cuja obra de j no ponho mos por falta de recursos e de companheiros que me auxiliem; assim, humildemente rogo-vos que conserveis os que me destes neste mundo como Pai e Me e que guie-me procura de bons maridos para minhas irms, guiai-me a procurar homens justos e tementes a Deus, que me auxiliem nesta grande obra, junto com meus primos Confcio, Nicsio e Manoel. Confiado, pois, Senhor, em vossa infinita bondade, designo o dia 1 de janeiro de 1902 para por mos obra. Segunda vez rogo-vos que me d o tino necessrio para bem desempenhar-me, conservando-me na vossa graa. Vila de So Jos do Duro, 5 de maro de 1898. 42

    41 Como ele nasceu em 22 de agosto de 1876, parece que a idade indicada est errada. 42 Cpia dos originais em nosso arquivo. -Os primos mencionados por Ablio Wolney no texto so Confcio, Nicsio e Ma-noel Ayres Cavalcante, todos filhos de Manoel Ayres Cavalcante Wolney, irmo do Cel. Joaquim Ayres Cavalcante Wolney, pai de Ablio.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    64

    O prprio Ablio Wolney assegurava em vida que

    Joo Nepomuceno de Sousa havia construdo em 1830 uma capela a So Jos, parecendo ser essa a Igreja da Povoao de So Jos do Duro a que se refere o seu bisav paterno Manoel Loureno Cavalcante em 1854, quando menciona que sua esposa Isabel de Moura Cavalcante teria sido sepultada na Capela-Mor do pequeno templo43.

    J passados mais de 60 anos da primeira

    construo, desaparecida no tempo, estavam os planos para a edificao de uma nova, que segundo o prprio Ablio Wolney terminou sendo feita por ele com recursos prprios e em parceria com seu pai Joaquim Ayres Cavalcante Wolney no ano de 1900 doando-a parquia do municpio. E l est ainda a igreja, hoje nomeada como da Sagrada Famlia, no antigo largo da Vila, atual Praa Cel. Wolney.

    43 Idem.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    65

    Antiga Igreja So Jos, construda pelo Cel. Wolney. Atualmente Igreja da Sagrada Famlia, na Praa Cel. Wolney.

    Voltemos ao Dirio: 03 de outubro de 1898 s 3 horas da tarde

    faleceu, vtima de uma sncope cardaca, meu sempre lembrado tio e amigo Elizeu Ayres Cavalcante. Deixou testamento feito em notas instituindo sua universal herdeira, sua mulher Mariana Alves Cavalcante. Seu enterro teve lugar no dia 4, s 3 horas da tarde. Segurei na ala de seu caixo, lado esquerdo, at o cemitrio. L depositei-o na sepultura, onde desci, consertei o caixo, coloquei um pedao de tbua sobre o caixo de modo a privar a terra de cobrir-lhe o rosto. Disse-lhe o ltimo Adeus, pela ltima vez vi seu rosto que conservava os traos naturais. Sa e deitei-lhe as primeiras enxadadas de terra. Fao votos para que Deus o tenha

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    66

    como servo e quanto a mim desejo honrar sua memria. 14 de fevereiro de 1899, Tera, s 10 horas e 8

    minutos da manh. Casou-se minha irm gmea Anna Custdia Wolney com nosso primo Joo Batista Leal. Presidiu o ato o 2 suplente de Juiz adjunto Manoel Felipe dAlmeida, foi escrivo Anselmo Ceclio Ceciliano e testemunhas Tenente-Coronel Fulgncio da Silva Guedes e Elsane Olmpio de Souza, residentes em Conceio. Considero, pois, ter hoje mais um irmo e peo a Deus que o mesmo seja um bom marido, conservando os seus santos mandamentos.

    Quarta-feira, 5 de maro de 1899. s duas horas

    e trs quartos da madrugada, nasceu minha filha Alzira Wolney. a primeira filha que tenho a qual entrego a Deus confiando que dela far uma boa filha, boa esposa e boa me. Registrei-a dia 10 do mesmo ms. Foram testemunhas do registro Joo Batista Leal e Rosendo Archias Leite. Escrivo que tomou o registro Anselmo Cecilio Ceciliano.

    O casamento de Anna Custdia Wolney, aos 13

    anos, com o fazendeiro e parente Joo Batista Leal, gerou alguma desiluso no primo Sebastio de Brito Guimares, que desejava esposar a bela moa rica, filha do Cel. Wolney com sua tia Maria Jovita Leal Wolney D. Mariazinha. Mas Anna Custdia o recusou, porquanto Brito veio para o Duro expulso de Conceio do Norte, encaminhado por uma carta do irmo de D. Mariazinha, onde contava ter ele deflorado a prima Serafina, querendo a famlia a desforra diante do caso escandaloso em que a lubricidade de um devasso maculara ingnua donzela, deixando-a...

    Apesar das escorralhas e dos antecedentes,

    Sebastio de Brito havia sido recebido pelos parentes na Vila, onde continuava empregado da Farmcia do primo Ablio Wolney, agora Deputado na Capital.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    67

    E na Capital estava o Governo da Capitania

    Provncia de Goys, passando por Vila Boa, depois Cidade de Gois, a Gois Velho do Poder das dinastias.

    Ali, no crepsculo do sculo XIX e ao longo do

    sculo XX, destacaram-se, pela manuteno do poder poltico, trs grupos os Bulhes, os Ludovico de Almeida e aquele que para a histria passaria como a oligarquia Caiado, notvel pela presena alongada no Poder, e pelo que fez dele.

    Desde o antigo perodo da minerao, o casal

    Manoel Caiado, egresso de Portugal, e Brgida Almeida instalou-se nas matas da Pacincia e l construiu a Fazenda Europa, em 1776.

    Durante a fase colonial, que foi at a

    proclamao da independncia do Brasil em 1822 e entrando pelo Imprio (1822-1899) eles prosperam, mais ligados pecuria e agricultura, dando-se o mesmo na poltica, desde o final do Imprio.44

    J em 1883, a 1 vice-presidncia da Provncia

    de Goys estava com Antnio Jos Caiado, que assumiu a presidncia em outubro de 1883 a fevereiro de 1884. Retornou ao governo do Estado em outubro de 1884, tendo sido exonerado em novembro deste mesmo ano, quando os conservadores assumiram a direo da poltica nacional e, consequentemente, da provincial. Membro da terceira gerao, integrante da elite local, foi tambm Tenente-Coronel pela Guarda Nacional.

    44 Da obra Famlia e Poder em Gois, Vol. 6, de Mirian Bianca. Veja tambm o livro Caminhos de Gois, de Nasr Fayad Chaul.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    68

    Como observa Miriam Bianca45, ao longo de toda sua histria, os Caiado representaram os interesses polticos, econmicos e sociais das elites agrrias. O carter conservador de sua prtica poltica fundamentava-se na defesa de suas posies como grandes proprietrios de terra, vinculados, especialmente, pecuria. Como elite dominante, ao longo do tempo articulou-se politicamente para se fazer representar nas sucessivas conjunturas, consideradas as bases materiais e classistas desta sua interveno, de acordo com os interesses de uma parcela minoritria da sociedade, como proprietrios dos meios de produo.

    No final da dcada de 1880, j faziam parte da

    poltica goiana trs geraes da famlia Caiado, do tronco citado: o Tenente-Coronel Antnio Jos Caiado, seu filho Torquato Ramos Caiado e os filhos deste, liderados por Antnio Ramos Caiado (Tot Caiado).

    Egressos do perodo colonial, atravessaram a

    fase imperial e se fortaleceram muito mais durante a Repblica. Antnio Jos Caiado comps a diretoria do Centro Republicano, sendo o terceiro mais votado, mantendo-se articulado a Leopoldo de Bulhes nas disputas pela direo poltica travada em Gois.

    Veremos que na fase adiante de 1909 a 1912 o

    quadro se fez mais favorvel aos Caiado, com o declnio dos Bulhes, que na mesma fase se viam nos estertores como frente de liderana em Gois, ao tempo em que os Caiado se firmavam como hegemonia poltica. O governo estadual estava com Urbano de Gouveia, bulhonista, mas enfraquecido com o afastamento dos Bulhes, que tinham uma tradio de bacharis, desafiada pelo poderio econmico dos Caiado, que no exerciam os cursos feitos no Rio e em So Paulo para dedicarem-se s fazendas, como latifundirios e tropeiros.

    45 Idem.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    69

    Os Caiado prosperaram muito custa do

    trabalho escravo da poca colonial-imperial e depois dos trabalhadores braais que, por no possurem os meios de produo, alugam, ainda hoje, sua capacidade de trabalho, ou melhor, sua fora de labor em troca de salrio ou menos que isso.

    Com firme base material a garantir-lhes os pleitos

    e arranjos polticos, os sucessivos governos do Estado, a integrao do Legislativo na Capital e a representao federal no Congresso Nacional foram sedimentando-se sob a gide e depois o taco de Tot Caiado, que, entre 1912 e 1930 se fez o chefe maior do Partido Democrata, fundado em 1909, do qual seria o Chefe da Comisso Executiva, juntamente com o cunhado, Cel. Eugnio Rodrigues Jardim, que adiante ser eleito Presidente do Estado e depois Senador da Repblica.

    Nessa quadra, as facilidades do Poder e os

    casamentos programados de familiares com pessoas de destaque poltico ou financeiro, somados herana dos ancestrais e a inteligncia de Tot Caiado, ajudaram-no na aquisio de muito mais riquezas.

    Depois da reviravolta no Movimento de 1909,

    jornal O Democrata foi a imprensa a seu servio. Os colunistas insistentemente o aclamam como nosso grande lder, lder mximo e chefe maior.46

    Nesse perodo esto em palco os seus quatro

    irmos Antnio Ramos Caiado, Arnulfo Ramos Caiado, Leo di Ramos Caiado e Brasil di Ramos Caiado , filhos de Torquato Ramos Caiado e netos do Tenente-Coronel e Senador da Republica Antnio Jos Caiado. A esse tronco familiar estavam unificados pelo casamento, quatro irmos da famlia Alves de

    46 Idem, ibidem.

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    70

    Castro com quatro irms Caiado o Des. Joo Alves de Castro, Ablio Alves de Castro, Joviano Alves de Castro e Agenor Alves de Castro.

    Foram intendentes da Capital a partir de 1914:

    Ablio Alves de Castro, Dr. Lincoln Caiado de Castro, Dr. Agenor Alves de Castro e Dr. Arnulpho Ramos Caiado.

    Os componentes das sucessivas legislaturas

    estaduais e federais, quando no ligados por laos de parentesco aos Caiado, eram submetidos s alianas que os tornavam componentes do grupo hegemnico, no mbito do Partido Democrata.

    Ao longo de quase 30 anos, durante a chamada

    Repblica Velha (1889-1930), os Caiado dirigiram o Estado de Gois apoiados na prtica poltica conhecida como coronelismo, como forma de concentrar o poder poltico regional.

    O coronelismo propriamente era marcado pela

    fora poltica e econmica de um chefe local, que se articulava a um chefe regional, que, por sua vez, se articulava com o poder central. Assim, um processo eleitoral, por exemplo, era decidido antes mesmo de as eleies acontecerem. Isso porque, em mbito nacional, predominava a fora das oligarquias mineiras e paulistas que se revezavam na presidncia da Repblica, atravs do acordo das elites brasileiras que ficou conhecido como poltica do caf com leite.

    O poder central na esfera nacional trocava

    favores e cargos com o chefe poltico regional, que por sua vez comandava o voto de cabresto em cada curral eleitoral de sua regio. Em Gois, a fora poltica dos Caiado aglutinava as elites agrrias.

    Para manter esse poder montou-se uma

  • O Dirio de Ablio Wolney Ablio Wolney Aires Neto ______________________________________________________________

    71

    engrenagem poltica formada pela Comisso Executiva do Partido Democrata, sob domnio dos Caiado, pelo poder Executivo (presidncia do Estado) e pelos deputados estaduais e federais do Partido Democrata.

    Como chefe maior do Partido Democrata, Tot

    Caiado e a Comisso Executiva do Partido praticamente dirigiam o Estado, posto que o Congresso s funcionava dois meses por ano. Esse foi o perodo de maior poder concentrado pelo grupo poltico-familiar Caiado.47

    Foi assim at a Revoluo de 1930, quando

    Getlio Vargas retira os Caiado do poder em Gois e surge o vulto inquebrantvel de Pedro Ludovico Teixeira, do qual tratamos no Captulo XVIII.

    47 BIANCA, Miriam. Histrias de Gois, Vol 6., p. 13 a 17. (O texto em itlico) Veja tambm a obra Coronelismo em Gois: