abcp paper celso roma 2000
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2o ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA
TEMA “DEMOCRACIA, DEMOCRACIAS”
NOVEMBRO DE 2000
ORGANIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS NA DEMOCRACIA:
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PSDB ENTRE 1988 E 1998
CELSO RICARDO ROMA
MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA – USP
FINANCIAMENTO FAPESP
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Resumo
Nos últimos anos, uma parte da literatura especializada em partidos políticos retomou a dimensão
organizacional como uma categoria fundamental para a explicação do seu desempenho nas
democracias. Assim sendo, esse trabalho pretende descrever os aspectos marcantes da organização do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de 1988 a 1998, tais como a origem, a estrutura
interna de poder, o programa e as opiniões e atitudes políticas dos representantes eleitos. Essa
radiografia do partido revela qual é a relação de poder entre as lideranças e os filiados e a ambigüidade
entre o programa e a ideologia proferida. Em seguida, a análise mostra a associação entre a
modalidade de organização adotada pelo partido e suas conseqüências para a definição das suas
estratégias de competição eleitoral e de participação na esfera de governo. Na atual experiência
democrática, o partido sofreu um processo de adaptação frente às exigências de sua sobrevivência no
ambiente político onde se insere. Portanto, um partido político escolhe, entre os caminhos que
permitem alcançar seus objetivos, aqueles compatíveis com a estabilidade da organização.
Palavras-chaves: partido político; organização; ideologia; estratégia; institucionalização
1. Introdução1
Nos últimos vinte anos, a análise da trajetória dos partidos políticos tendeu a abordá-
los a partir de sua atuação no sistema partidário. Essa abordagem desconsidera que um partido
político, antes de competir em eleições ou de participar de governo, constrói uma determinada
organização. A modalidade de organização estipula a estrutura interna de poder; delimita as
regras de filiação e o código de disciplina partidária; e define o programa e as diretrizes
políticas. Explorar a dinâmica interna do partido permite compreender como eles realmente
atuam e como o poder é exercido dentro e por meio do partido.
Esse artigo trata dos aspectos marcantes da dimensão organizacional do PSDB. As
evidências empíricas são apresentadas de forma a verificar uma hipótese de pesquisa, qual
seja, a de que o crescimento eleitoral do PSDB estaria associado à adoção de uma modalidade
de organização fraca, isto é, descentralizada na estrutura interna de poder e politicamente
pragmática. De acordo com esta hipótese, quanto mais descentralizado for um partido, maior
a liberdade da liderança partidária de escolha de aliados para competir nas eleições, isto é,
mais pragmático será o partido e maior será a capacidade de alterar seu programa partidário
para o exercício do governo.
Com esta pesquisa, pretendo contribuir para o avanço do conhecimento sobre um dos
partidos políticos mais importantes do país e, com isto, ajudar a entender a atual evolução das
organizações partidárias, destacando a necessidade de explicações menos normativas e mais
centradas no que é, de fato, um partido e como ele, de fato, funciona em uma democracia.
1 Este artigo é uma versão do primeiro capítulo da minha dissertação de mestrado cuja orientação coube a
Fernando Limongi. Maria D’Alva Kinzo e Rachel Meneguello contribuíram com críticas ao texto original. Paulo
Peres colaborou com a revisão desse artigo. No entanto, os erros remanescentes são de minha responsabilidade.
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2. Tipos de Organização e Institucionalização dos Partidos Políticos
Um estudo sobre partido político específico deve iniciar-se por uma revisão da
literatura sobre essa organização peculiar que funciona como um elo de ligação entre
sociedade e governo. A literatura especializada registra a existência de concepções diversas.
A evolução do conceito ao longo do tempo é devida à incorporação simultânea de elementos
ora normativos ora descritivos. Quer dizer, as concepções de partido político podem ser
resumidas num dilema entre um aspecto normativo, tratando do que deveria fazer o partido e
um aspecto empírico, enfatizando as atividades de seleção de candidatos, na competição em
eleições e na participação do governo.
Nos estudos sobre partidos, Ostrogorsky(1968), Duverger(1970) e Michels(1977)
foram pioneiros na abordagem organizacional. O primeiro trabalho é de Ostrogorski(1968)
que analisou a emergência do partido moderno na Inglaterra e nos Estados Unidos. Para o
autor, o sufrágio universal e a industrialização resultaram na criação de máquinas partidárias
que mobilizavam as massas de modo quase militar. Mas a organização partidária constituiu-se
num problema de pesquisa a partir do paradigma elaborado por Duverger(1970). A oposição
entre partidos de quadros e de massa continua como uma referência para o estudo das
organizações partidárias. Michels(1977), ao identificar a “lei de ferro” da ascensão das
oligarquias, denunciou a existência de estruturas de poder no interior dos partidos
caracterizadas pela aparência democrática e pela realidade autoritária. O controle oligárquico
e a manipulação da massa seriam resultados inevitáveis da formação partidária moderna.
O modelo teórico desses autores revela dois problemas de ordem teórica. O primeiro é
sociológico, que consiste em acreditar que os partido devem apenas realizar apenas a
demandas de determinados grupos sociais desconsiderando as próprias necessidades do
partido no sentido de manter a estabilidade da sua organização. O segundo é teleológico, que
se refere a atribuir previamente a realização de determinadas ideologias a partidos
desconsiderando que não há consenso dentro do partido sobre elas(Panebianco,1988).
Além disso, a tipologia elaborada por esses autores corresponde a tipos ideais de
partidos mais adequada para análise da trajetória dos partidos europeus. Ela dificulta a
compreensão das organizações partidárias observadas nos Estados Unidos e na América
Latina. A clivagem de classes e o sistema parlamentar, por exemplo, não fazem parte das
características dessas democracias. Além disso, esse modelo teórico não permite apreender a
especificidade dos atuais partidos políticos existentes(Seiler,1993).
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Na recente literatura sobre os tipos de organização partidária, partidos burocráticos de
massa são tidos como ineficientes para atender às novas aspirações dos eleitores e para adotar
estratégias eficientes na competição partidária. Por que as organizações partidárias
burocráticas e de massa estariam condenadas ao fracasso eleitoral?
Em primeiro lugar, o ambiente político onde os partidos políticos estão inseridos
mudou. Ao longo dos anos, as mudanças tecnológicas no campo da comunicação e o impacto
da mass media alteraram a configuração das organizações partidárias. As técnicas de
propaganda contribuem para diluir as tradicionais bases de disputas no interior das
organizações. As figuras profissionais estão tornando-se cada vez mais essenciais para os
partidos. A televisão tornou-se os meios de ligação mais importante que os militantes
partidários para mediação entre partido e eleitor(Kichheimer,1966; Panebianco,1988).
Em segundo lugar, o número de membros adeptos aos partidos está em declínio. O
recrutamento de filiados está em crise. O militante tende a desaparecer do partido e, no seu
lugar, aparecem os políticos profissionais que recebem salários. Os partidos estão perdendo a
capacidade de captar recursos dos próprios membros para financiar as suas atividades
(Seiler,1993). Esse fenômeno se traduz no crescente interesse do partido em privilegiar a
conquista de posições de poder no governo para extrair recursos necessários ao
desenvolvimento de suas atividades. Em outros casos, o financiamento mudou devido à nova
legislação eleitoral. Os partidos passaram a depender mais dos fundos partidários repassados
pelo Estado e menos da contribuição de militantes(Blondel & Cotta,1996).
Consequentemente, a persistência de uma organização partidária centralizada e
vinculada a outras organizações sociais como sindicatos tende a se traduzir em um forte
declínio eleitoral. Nesse raciocínio, os partidos social-democratas organizados
burocraticamente, centralizados e voltados às classes trabalhadoras estariam impedidos de se
beneficiar dessas mudanças no ambiente político. A autonomia da liderança partidária seria
restringida e a escolha de novas estratégias, impedida(Kitschelt,1994;Wilson,1994).
Portanto, a tendência é de uma posição mais autônoma do partido político em relação
àquela organização burocrática de massas. Os estatutos partidários estão permitindo aos
membros que ocupam cargos no governo manter postos na direção partidária. A atuação de
profissionais torna-se mais necessária. Portanto, os militantes dos partidos serão
marginalizados porque os partidos estão tendo à disposição técnicas e tecnologia de trabalho
alternativas para comunicação com o eleitorado(Katz & Mair,1994).
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A estrutura organizacional de um partido influencia o conteúdo substantivo de suas
estratégias. Quando mais os líderes estiverem no controle do seu partido, mais o partido
adotaria a estratégia de vote-seeking ou office-seeking. Quanto maior o poder for exercido por
adeptos, mais radical e ideológica será a estratégia partidária. Por conseqüência, partidos com
uma estrutura altamente fluída e descentralizada sempre são mais motivados por conquista de
votos e cargos. Isto porque os indivíduos na liderança partidária agem mais pelo próprio
interesse do que pelo altruísmo. Indivíduos tornam-se líderes partidários esperando benefícios
imediatos dessa atividade. Como empresários políticos, líderes partidários apresentam
expectativas de benefícios decorrentes do sucesso eleitoral e da ocupação de cargos
governamentais. Por outro lado, ativistas partidários são dirigidos mais pela ideologia e
menos por interesses seletivos como votos e cargos no governo(Strom,1990). Portanto, a
modalidade de organização partidária não é neutra do ponto de vista do resultado político. Ela
pode revelar a capacidade do partido em assumir e manter seu poder.
Nas experiências democráticas, os partidos políticos tendem a sofrer um processo de
adaptação como resultado da interação com seu ambiente político, a esse processo denomina-
se institucionalização. A institucionalização do partido inicia-se no momento de sua fundação;
percorre os procedimentos adotados nas eleições para mobilizar suporte visando a eleição de
seus candidatos e a sua participação no governo; e encerra-se na recorrência dos padrões de
comportamento. Duverger(1980) foi um dos primeiros a destacar o fenômeno da
institucionalização partidária. Segundo o autor, os partidos são profundamente influenciados
pela sua origem: criação interna - origem no interior do Parlamento - ou criação externa.
Os partidos também podem ser distinguidos de acordo com o grau de
institucionalização atingido. A institucionalização de uma organização partidária envolve dois
processos: primeiro, a definição dos interesses privilegiados pela organização; segundo, a
difusão de lealdade no interior da organização. Esses processos percorrem a distribuição dos
interesses coletivos (ideologia) e interesses seletivos (votos e postos no governo) entre os
membros da organização. A institucionalização de um partido político é fundamentalmente
uma fase em que a organização incorpora os valores de sua liderança(Panebianco,1990).
A partir desse quadro teórico, a proposta é descrever as principais características da
organização do PSDB, tentando visualizar o partido por dentro. Em seguida, a análise tenta
associar o tipo de organização adotado pelo partido e suas conseqüências para a definição das
suas estratégias de competição eleitoral e de participação na esfera de governo.
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3. Radiografia da Organização do PSDB
3.1. Origem
A literatura registra dois fatores importantes para a criação do PSDB. Primeiro, as
distensões internas na bancada parlamentar do PMDB durante os trabalhos na Assembléia
Nacional Constituinte entre 1987 e 1988, principalmente nas questões sobre sistema de
governo (presidencialismo versus parlamentarismo) e da duração do mandato do presidente
José Sarney (quatro ou cinco anos de mandato). Outro fator citado é a viabilização da
candidatura do senador Mário Covas à presidência da República nas eleições de 1989,
dificultada pelo predomínio do grupo quercista em São Paulo e pela aspiração de Ulisses
Guimarães em candidatar-se à presidência pelo PMDB.
No cenário nacional, a crise de identidade do PMDB refere-se a dois problemas
enfrentados pelo partido com a democratização do país. O primeiro é relativo à dificuldade de
ser governo após 20 anos na oposição e de assumir as responsabilidades para a construção da
nova ordem política. A principal fonte de desgaste sofrido pelo partido foi o governo Sarney.
A dissociação do PMDB com esse governo somente ocorre após a queda do ministro da
Fazenda Luiz Carlos Bresser Pereira. O segundo problema decorria da própria história do
partido: a indefinição de seu perfil político, que repercutia negativamente no eleitorado e nos
próprios membros(Kinzo,1993).
Melhen(1996) reconstituiu a história do PMDB paulista, permitindo compreender a
dinâmica das disputas internas entre suas lideranças. O incentivo para a criação do PSDB no
Estado de São Paulo esteve relacionado ao controle exercido por Orestes Quércia no interior
do PMDB. Sua ascensão foi resultado do aproveitamento das oportunidades eleitorais abertas
pelo regime militar. Eram estas as oportunidades abertas à oposição ao longo do regime
autoritário. A disputa eleitoral se deslocava para o legislativo e prefeituras do interior.
Quércia, então, ocupou esses espaços no cenário político e venceu políticos com prestígio no
cenário nacional. Com um mandato de senador, mas sem muito espaço no partido e
historicamente com poucos vínculos com a organização partidária peemedebista, Fernando
Henrique Cardoso se torna o grande impulsionador da fundação de um novo partido. Franco
Montoro, sem mandato depois de 87 e colocado no segundo plano da política estadual e
nacional, parte para a articulação de um novo partido. O motivo de Mário Covas foi a questão
nacional, principalmente contrário à atuação do governo José Sarney, apoiado pelo Centrão:
um grupo suprapartidário conservador de adesões oportunistas de apoio ao executivo.
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No interior do PMDB paulista, a apresentação da candidatura de João Leiva para a
prefeitura de São Paulo foi considerado o motivo final que impulsionou a ruptura desses
parlamentares com o partido em direção à fundação do PSDB. Curiosamente, o apoio à
candidatura de Leiva por políticos conservadores como o prefeito de São Paulo Jânio Quadros
e a possibilidade de aliança eleitoral com o PFL eram inaceitáveis pela ala mais progressista
do PMDB(Lamounier,1989).
Nos documentos consultados, a ata de criação do PSDB foi aprovada, no dia 25 de
junho de 1988, por quarenta deputados federais e oito senadores, um ex-governador, dois
deputados federais (sem mandato) e dois ex-ministros. Diferentemente dos partidos social-
democratas clássicos que se originaram articulados às massas trabalhadoras e aos sindicatos, o
PSDB teve origem exclusivamente no interior do parlamento. As articulações para a fundação
do partido envolveram lideranças expressivas do PMDB, como Mário Covas, Fernando
Henrique Cardoso, José Richa e Franco Montoro, os deputados federais José Serra, Euclides
Scalco e Pimenta da Veiga e mesmo parlamentares de outro partido, como senador Afonso
Arinos e os deputados Jaime Santana e Saulo Queiroz, do PFL. As outras adesões partiram de
eleitores localizados nas diversas unidades da federação. Portanto, o PSDB como resultado de
uma dissensão coletiva de parlamentares do PMDB que se autodenominavam a ala mais
progressista e à esquerda.
A primeira composição de parlamentares do PSDB no Senado e na Câmara de
Deputados em 1988 revela que a maioria dos parlamentares estava filiada ao PMDB.
Dezessete Comissões Provisórias foram criadas em Amapá, Bahia, Distrito Federal, Espírito
Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro,
Santa Catarina, São Paulo, Sergipe Roraima, Rondônia e Tocantins. A resolução n. 15.494/89
do TSE concedeu o registro definitivo no nível nacional em 24 de agosto de 1989. Somente
em 1990 as Comissões Provisórias se estruturaram nos outros Estados da federação.
Publicado no Diário Oficial, no dia 6 de julho de 1988, um manifesto anunciou a
fundação do Partido da Social Democracia Brasileira e os principais princípios programáticos
da organização partidária. O partido procurou ocupar uma posição de centro-esquerda no
espaço político apresentando um programa com bandeira de luta compartilhada por outros
partidos situados à esquerda: justiça social, distribuição de renda, soberania nacional,
emprego e reforma agrária. Procurou-se mostrar como um partido social-democrata, filiando-
se como membro observador da Internacional Socialista.
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As explicações apresentadas até o momento enfatizam a dimensão ideológica para a
fundação do PSDB. No entanto, outras razões também contaram na decisão desse grupo
dissidente do PMDB. As explicações anteriores desconsideram a estratégia eleitoral
envolvida: aproveitar a identificação dos eleitores com um partido político de centro, o
PMDB, e, ao mesmo tempo, dissociar-se da administração do governo José Sarney.
Em primeiro lugar, questões propriamente eleitorais de cunho pragmático
influenciaram a decisão de fundar outro partido.2 O PMDB, pela sua atuação no processo de
democratização, era o partido com maior preferência partidária (25.3%) entre os eleitores e,
em segundo lugar, vinha o PT com 13.4% das preferências. Esses dois partidos também eram
preferidos como alternativas de voto caso fosse realizada uma eleição em 1987. O PMDB
liderava as intenções de votos, com 23.5%, e, em seguida, pelo PT, com 19.1%.
Contraditoriamente, a avaliação da atuação PMDB no Congresso Nacional e no
governo federal eram negativas. O partido era o preferido pelos eleitores e estes estavam
dispostos inclusive a votar em seus candidatos numa possível eleição. No entanto, os mesmos
eleitores reprovavam sua atuação no Executivo federal. Aproximadamente 43% do eleitorado
considerava a atuação do PMDB no Congresso Nacional como ruim ou péssima, 37.7% como
regular e, em contraposição aos 13% que a consideravam ótima ou boa. A avaliação do
PMDB era mais negativa em relação a sua atuação no governo federal. Do total de eleitores,
49% consideravam a atuação ruim ou péssima.
Como conseqüência da desaprovação da atuação do PMDB no governo e no
Congresso Nacional, em 1987, a maioria dos eleitores estava convencida de que o PMDB, em
sua Convenção Nacional, deveria aprovar um mandato de 4 anos para o presidente José
Sarney e a promoção de eleições diretas para presidente em 1988. Cerca de 57% dos eleitores
opinaram para um mandato de 4 anos, com eleições em 1988, e apenas 18% defendiam um
mandato de 5 anos, com eleições em 1989.
A insatisfação dos eleitores quanto a atuação do PMDB no governo e no Congresso
Nacional, agravada com a atitude do partido na aprovação de um mandato de 5 anos para o
presidente José Sarney, abria uma oportunidade eleitoral para a criação de um novo partido
que congregasse a ala mais progressista do PMDB e que compartilhasse o descontentamento
dos eleitores para com sua atuação no governo, ao mesmo tempo que buscava preservar a
identificação dos eleitores com o partido e sua inclinação a votar nos seus candidatos.
2 Essas informações referem-se às pesquisas realizadas pelo Instituto DataFolha, em 14/07/1987, depositadas na
Coleção do Banco Nacional de Dados do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade de Campinas.
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O segundo aspecto omitido nas justificativas para a fundação do PSDB é a
oportunidade política criada pela configuração do sistema partidário brasileiro, a partir da
gênese do sistema partidário brasileiro de 1966 a 1998. É possível desvendar o vínculo
original dos partidos criados após a formação bipartidária imposta no regime autoritário e
descrever o sistema multipartidário nos momentos que antecederam a fundação do PSDB.
O sistema bipartidário vigorou de 1966 a 1979 com a atuação do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança de Renovação Nacional (ARENA). Com a
implantação do multipartidarismo no Brasil em 1980, o sistema partidário começou a se
configurar inicialmente com seis legendas: PDS, PTB, PP, PMDB, PDT e PT. Em 1982, o PP
é dissolvido e seus integrantes se incorporam ao PMDB. Em 1985, a direita e a esquerda se
fragmentam. Dois partidos procuram disputar o espaço ao centro e à direita, o PFL e o PL.
Ambos os partidos representam cisão do PDS. As forças de esquerda se dividem com a
criação do PC do B, PCB e PSB.
Em 1987, o posicionamento dessas agremiações partidárias no espaço político revela a
estruturação das forças de direita, centro-direita, centro e esquerda. Os partidos de direita
estavam se consolidando no sistema partidário em virtude dos resultados eleitorais obtidos nas
urnas. Ao longo dos anos, as forças de direita e centro-direita se reagruparam em torno de
cinco legendas. Em quinze anos, a esquerda acirrou o seu processo de fragmentação,
principalmente das facções oriundas do PT. No entanto, PCB e PCdoB saem do PMDB. Não
há partidos que se desloquem do centro para a esquerda e nem da esquerda para o centro.
Somente o PMDB ocupava o centro no espaço político.
Nessa perspectiva, a fundação do PSDB em 1988 representou o preenchimento de um
espaço político vago de centro-esquerda no sistema partidário brasileiro. No momento de sua
fundação, o partido se distanciou do centro e se inclinou levemente em direção à esquerda. O
partido se situou no sistema partidário entre o PMDB e o PDT e PT.
Essa análise permitirá maior compreensão do comportamento das lideranças do PSDB
no sentido (i) de se distanciar dos partidos de esquerda e de direita tanto na sua forma de se
organizar internamente quanto no conteúdo programático; (ii) e na permanência em relação ao
centro. Essas estratégias já estavam definidas antes da fundação do PSDB. Os integrantes do
grupo estava no PMDB quando os principais partidos de esquerda (PT e PDT) e de direita
(PPR e PFL) estavam fundados e, se não foram para eles naquele momento, se deve ao fato de
que eles já eram centristas.
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3.2. Estrutura Interna de Poder
A articulação geral do partido se refere às regras de convivência entre as unidades que
constituem o partido. Envolve um problema importante para a organização partidária: as
relações entre os grupos do partido que tratam da atuação dos militantes, da ideologia e da
ação partidária. Os trechos transcritos nesse tópico mostram como formalmente está definida
a estrutura interna de poder do PSDB. Como será visto adiante, a vida interna no partido é
diferente daquela prevista no estatuto.
Do ponto de vista formal, a estrutura organizacional aponta para um partido
centralizado, isto é, com grande poder alocado aos órgãos centrais do partido. Essas
informações constam das referências legais do partido. Estrutura, organização e modo de
funcionamento do PSDB estão definidos pelo seu Estatuto, de acordo com a legislação
federal. A nova lei orgânica dos partidos políticos de número 9096, aprovada em 19 de
setembro de 1995, fez com que o PSDB revisse o antigo estatuto partidário. No dia 8 de
março de 1996, houve uma reformulação do antigo estatuto sem alteração das principais
normas de funcionamento, de acordo com o documento legal.
Art.16. A organização e o funcionamento do PSDB baseia-se na integração e
adequada coordenação de duas linhas fundamentais de estrutura e ação, compreendendo:
I - a estrutura vertical dos órgãos integrantes da hierarquia partidária, nos três
níveis da federação, especificados neste Estatuto, através dos quais se exercem o processo
decisório e os atos da vida partidária; II - a estrutura de articulação com a sociedade e
seus movimentos sociais, abrangendo as relações, no âmbito geográfico, com as
organizações populares, de moradores e comunitárias e, no âmbito funcional, com os
movimentos trabalhista e sindical, da juventude, da mulher, de minorias éticas, de
profissionais liberais, de artistas, rural e outros, exercendo esta atuação através de
Núcleos de Base e Secretariados.
FONTE: PSDB – Estatuto Da organização Partidária. 1988. cap. I p.40
Os órgãos do partido cumpririam as funções de deliberação, de direção, de ação
parlamentar, de atuação partidária na sociedade, de disciplina e fidelidade partidárias, de
fiscalização financeira e de cooperação. Os princípios para a organização, funcionamento e
atuação do PSDB seriam definidos no artigo 3º que estabelece, em linhas gerais, uma
estrutura interna democrática e participativa para os membros do partido. A articulação do
partido com as associações e organizações da sociedade civil está prevista no estatuto. Os
núcleos de base do partido, bem como sua regulamentação, estão previstos no estatuto como
uma forma de viabilizar os vínculos partidários com a sociedade civil e os movimentos sociais
organizados. A área de atuação dos núcleos de base deveria ser necessariamente municipal.
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Os órgãos do partido estariam dispostos hierarquicamente no plano nacional, estadual
e municipal. A cada plano correspondem o Diretório e a respectiva Convenção cujas
competências são a de eleger os membros do Diretório, escolher candidatos às eleições e
deliberar sobre propostas de programa partidário. As interferências nos Diretórios estaduais e
municipais podem ser realizadas, respeitando-se a hierarquia e os termos dispostos no
estatuto. A disciplina partidária e o cumprimento do programa estabelecido pelo partido
também estão previstas no estatuto.
O PSDB possui um órgão de cooperação para a educação política e doutrinária dos
membros do partido: o Instituto de Formação Política Teotônio Vilela (ITV). O ITV foi
criado em 1996 com o objetivo de servir como centro de debates e discussões sobre ideologia
do partido e de divulgar a ideologia social-democrata. É uma fundação ligado ao PSDB com
autonomia financeira e administrativa.
A análise do estatuto do PSDB revela, na teoria, uma organização forte. Existem
regras claras sobre a estrutura interna de poder, a divisão dos órgãos e suas devidas
competências. O partido, mesmo sendo formado por comitês, não poderia sobreviver
simplesmente pela luta de personalidades. A ligação entre os órgãos do partido seria vertical,
isto é, os organismos ligados em níveis hierárquicos. A divisão de poderes entre os escalões
do partido seria centralizada, ou seja, decisões de instâncias partidárias superiores deveriam
ser obedecidas pelas instâncias inferiores. Em estrutura centralizada, as decisões no interior
do partido não tenderia à orientação de acordo com os interesses regionais, mas pelos
interesses nacionais.
No entanto, a organização interna do PSDB é radicalmente distinta daquela prevista no
seu estatuto. A pesquisa constatou a falta de controle da organização sobre o número de
filiados e de diretórios municipais. O diretório nacional do PSDB sequer tem controle sobre o
número de filiados e diretórios.
Embora previsto no estatuto, os diretórios municipais não enviaram ao diretórios
estaduais as atas de registro das decisões tomadas pela respectiva Comissão Executiva e as
listas de controle sobre os políticos que se filiam ao partido. Por sua vez, os diretórios
estaduais também não se comunicam com o Diretório Nacional. A única informação fornecida
foi quem são os dirigentes do diretórios estaduais. Essa informação somente estava disponível
porque aqueles diretórios que deixassem de enviar as listas informando os nomes e os
endereços de seus dirigentes não teriam acesso ao fundo partidário distribuído pelo PSDB.
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Preocupado com a falta de informação sobre quem são os filiados no PSDB, o ITV e a
Executiva Nacional realizaram uma pesquisa para obter informações sobre as bases do
partido, visando melhorar a comunicação entre os diversos níveis de decisão da instituição. A
pesquisa alcançou somente os quadros eleitos e dirigentes do partido em todo território
nacional, a partir dos dados fornecidos pelo TSE em relação às eleições de 1994 e 1996. Não
houve interesse de conhecer quem são os filiados que não exerciam mandato na arena
executiva ou legislativa. A baixa taxa de retorno da pesquisa indica uma deficiência de
comunicação entre a direção partidária e as bases eleitas em cargos representativos.
As características da organização interna do PSDB não correspondem àquela
declarada formalmente no estatuto partidário. A liderança percebeu a necessidade de mudança
na modalidade de organização. Os líderes partidários estão atuando internamente para
implementar essas reformas no interior do partido.
Nos últimos anos, a liderança do PSDB vem procurando implantar uma estrutura
interna profissional para atender às demandas de informação dos candidatos para as eleições.
Com ampla margem de manobra, os líderes do PSDB estão introduzindo alterações no
estatuto partidário para fazer com que a organização partidária se torne mais adequada para
atender aos imperativos impostos pelo mercado eleitoral e pelo exercício do governo. As
passagens transcritas abaixo ilustram este processo:
A profissionalização é fundamental para um partido moderno e ágil como o PSDB.
(Arthur Virgílio, secretário-geral do PSDB, O Tucano, dezembro de 1998)
(...) Precisávamos reforçar a estrutura interna do PSDB para atender melhor à base
partidária, diretórios estaduais e à direção nacional, e também recuperarmos a
capacidade de fornecer informações do partido. (Paulo Pedrosa, secretário-executivo do
PSDB, O Tucano dezembro de 1998)
A reformulação partidária é necessária para adaptar o partido a uma nova realidade, a
de também ser governo. (Teotonio Vilela Filho, presidente do PSDB, O Tucano,
dezembro de 1998)
O partido precisa se voltar mais para si mesmo e tocar suas campanhas eleitorais, como
está fazendo. Nos Estados onde os nossos companheiros entenderam ser necessário uma
candidatura ou a formação de uma coligação específica, a direção nacional
compreendeu e lhes deu apoio. Em alguns Estados, as divergências internas no partido
levaram a disputas judiciais que a direção nacional não vai interferir. (Sérgio Machado,
senador do PSDB. O Tucano. Maio de 1998)
[...] nos dias de hoje, pensamos como dirigentes nacionais. [...] O que houve, nos últimos
meses, foi a entrada de companheiros, convidados pelas bases estaduais cuja vontade a
direção nacional respeitou. Não pedimos atestado ideológico de ninguém. Pedimos, sim,
total adesão ao projeto do PSDB, e com isso eles se comprometeram. (Arthur Virgílio
secretário-geral do PSDB. O Tucano. Maio de 1998)
Vamos começar a mudá-lo. [o programa] Ninguém pode esquecer que o programa foi
escrito antes da nossa experiência nos governos, antes da promulgação da Carta de 1988
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e antes da queda do Muro de Berlim. O partido era outro. O Brasil era outro. O mundo
era outro também. (Arthur Virgílio,secretário geral, O Tucano. Maio de 1998)
Assim como é importante a ligação com os outros partidos, que tornou possível a eleição
de Fernando Henrique em 1994 e certamente levará a sua reeleição. As alianças
políticas, em nível federal, são essenciais para a continuidade desse processo [de
governo], que começou em 1994. Evidentemente que uma maior votação nos candidatos
tucanos dará ao governo mais independência e força para levar à frente seu projeto
social-democrata[...] (Aécio Neves, líder do PSDB – Câmara dos Deputados, entrevista
O Tucano Maio de 1998)
Não temos medo e nem vergonha de nossas alianças. Elas são fundamentais para o
Brasil avançar. (Arthur Virgílio Neto, senador, O Tucano Maio de 1998)
Mesmo coligados nacionalmente em torno do presidente, os partidos aliados vão lançar,
sempre que assim o entenderem necessário, seus próprios candidatos. Se houver
possibilidade de coligação, melhor. (José Anibal, deputado federal, PSDB)
Cabe a nós, no Partido, continuarmos a consolidar cada vez mais a posição do Governo,
defendendo-o e cobrando dele ações social-democratas. A equação não é simples:
garantir no Governo a linha programática do PSDB [...], tratando-se de um governo de
coligação. (Márcio Fortes, secretário-geral do PSDB, O Tucano Julho de 1999)
A reestruturação da organização do PSDB se iniciou com a criação dos Conselhos de
Comunicação e de Planejamento Estratégico que auxiliam a Executiva Nacional na busca de
soluções para as questões políticas de interesse do partido. Esse trabalho está sendo realizado
pelo publicitário Marlo Litwinski que, com base em um questionário respondido por diversos
filiados, identificou as expectativas quanto ao desempenho das lideranças partidárias, à função
do ITV e ao papel da Juventude do PSDB.
A estratégia desse projeto é prover um fluxo de informações entre as diversas
instâncias do partido para habilitar melhor os candidatos a competir nas eleições. Serão
identificadas as oportunidades para o partido reagir aos fatos políticos abordados pela mídia,
para o partido divulgar na imprensa as ações partidárias e de administração dos filiados. Um
banco de dados está sendo criado para fornecer informações eleitorais e sócio-econômicas
sobre os estados do país para auxiliar os candidatos do PSDB nas disputas eleitorais. Essas
informações devem guiar a estratégia e o discurso dos candidatos.
Em 1999, o PSDB aprovou um novo Estatuto. Entre as principais mudanças, estão o
aumento do número de integrantes a compor a Comissão Executiva Nacional e o
estabelecimento de novas regras de convivência partidária. O número de integrantes do
Diretório Nacional subiu de 177 para 236 e 59 suplentes. Os presidentes dos 27 diretórios
estaduais foram transformados em membros natos. A Comissão Executiva Nacional (CEN)
cresceu de 19 para 23 integrantes com a criação de mais 2 vice-presidências e mais 4 vogais e
a inclusão do presidente do Instituto Teotônio Vilela como membro nato.
13
Além disso, os ocupantes de cargos executivos, como Presidente da República,
governadores, prefeitos e vices poderão assumir funções na CEN e nas demais executivas O
Diretório Nacional terá que, obrigatoriamente, se reunir pelo menos duas vezes no seu
mandato. O recém criado Conselho Político Nacional será integrando pelo presidente do
Partido, por ex-presidentes da República e ex-governadores eleitos pelo PSDB, pelos líderes
do Congresso Nacional e mais 5 filiados escolhidos pela Direção Nacional. O PSDB passa a
ter quatro Secretariados Nacionais: o da Mulher, o da Juventude, de Relações Trabalhistas e
Sindicais e de Relações Internacionais.
As regras de filiação também foram alteradas. Com o novo Estatuto, o dirigente terá
um prazo para se pronunciar sobre o pedido de filiação. A falta de manifestação se traduzirá
na aceitação do filiado. As direções partidárias estão obrigadas a encaminhar regularmente à
Comissão Executiva Nacional a lista dos filiados, sob pena de não receberem o repasse do
Fundo Partidário. Os diretórios estaduais e municipais ganharam autonomia para decidir
como eleger sua própria Comissão Executiva.
O partido definiu que somente poderá votar e ser votado o filiado que contar no
mínimo seis meses de filiação. Esse prazo de filiação partidária proposto pelo PSDB é inferior
ao estabelecido na legislação eleitoral que, no seu artigo Domicílio Eleitoral e Filiação
Partidária nº 9, considera válida a filiação partidária deferida após um ano após o prazo da
solicitação formal.
Em poucas palavras, as recentes alterações no Estatuto do PSDB tiveram por objetivo:
(i) o aumento da influência da liderança no partido; (ii) a autorização para os filiados com
experiência em cargos legislativos e executivo para ocupar postos essenciais para direção do
partido; e (iii) o estabelecimento de um controle mínimo sobre os filiados ao partido, embora
o processo de filiação tenha se tornado mais rápido. No interior do partido, o poder não é
centralizado na oligarquia, nem diluído, mas dirigido por estratos que operam com
considerável nível de independência. A expressão de poder na organização partidária é difuso
e se expressa em vários níveis de direção do partido.
A explicação para o comportamento da liderança do PSDB poderia ser buscada no fato
do partido procurar se tornar mais competitivo nas eleições e de garantir governabilidade aos
membros que ocupam postos no governo. Os fins democráticos declarados no estatuto seriam
abandonados pelo desejo de liderança em alcançar e conservar o poder. As regras de
convivência no interior do PSDB se alteram para o partido se adaptar melhor às necessidades
da organização para competir no sistema partidário.
14
3.3. Ideologia e Diretrizes Políticas
Os partidos são grupos de políticos que possuem projetos para a sociedade, sendo a
ideologia seu melhor indicador. Um partido político se articula entre uma organização e um
programa político estruturado(Cerroni,1982). O processo de mobilização partidária relaciona-
se com a lógica da afirmação ideológica da organização partidária. Um partido organiza-se
em torno de uma concepção particular de interesse geral e mobiliza-se a fim de ascender ao
governo e, assim, traduzir esta concepção em política concreta(Seiler,1993). Na origem do
partido, a liderança desempenha um papel fundamental na elaboração da ideologia, ou seja, na
construção da identidade coletiva do partido(Panebianco,1990). Portanto, a ideologia e o
programa partidário devem ser levados em consideração na análise de qualquer partido.
Contrariando o senso comum sobre a ideologia manifestada pelo PSDB, serão
apresentados, a seguir, argumentos fundamentando a social democracia como a identidade
coletiva da organização partidária. A sigla social-democrata, antes de ser um mero rótulo,
reflete o ideário da organização partidária. O programa partidário, por outro lado, está
orientado por uma agenda política com teor claramente liberal como desregulamentação da
economia, abertura econômica ao capital estrangeiro, privatização das empresas estatais. No
governo, a intenção é a de romper com o caráter nacionalista e estatista que caracterizava a
feição do Estado brasileiro modelado desde o governo Vargas na década de 30.
O interesse é saber como essas questões são tratadas no interior do PSDB que, desde a
sua fundação, tenta se apresentar ideologicamente como social-democrata, enquanto elabora
um programa de governo de cunho liberal. Esse deslocamento do discurso da social
democracia tradicional para do discurso liberal é o principal dilema enfrentado pelos social-
democratas, a partir da década de 80, quando aspiram ao poder: resistir ao jogo ou disputá-lo
aceitando as regras.
Assim sendo, uma vez iniciado o processo de institucionalização do PSDB, a liderança
se deparou com o problema da construção do projeto de social democracia no Brasil e da
identidade política dos peessedebistas. No momento de sua fundação em 1988, lideranças
expressivas do PSDB discutiram intensamente essas questões. Sendo assim, essa apresentação
da ideologia do PSDB privilegia a reprodução de parte dos discursos proferidos pelos
próprios atores políticos.
15
Os argumentos das lideranças do PSDB apresentam as bases para a construção da sua
ideologia. Torna-se oportuno conhecer como o partido define a social democracia e quais são
os novos atributos incorporados a esse conceito para o caso brasileiro. É possível reconhecer
os problemas envolvendo uma organização partidária que pretende se apresentar num
ambiente político, social e econômico desfavorável à implantação de um governo social-
democrata segundo o modelo tradicional europeu.
A social democracia é a síntese teórica e histórica que superou as limitações do
capitalismo do século XIX e os aspectos inaceitáveis do socialismo estatizante. A essência
do modelo social-democrático consiste na preservação de uma economia de mercado,
com todo o dinamismo e a criatividade da iniciativa privada, submetendo-a, através de
um Estado democrático, a um controle social. (p.104) É essa grande síntese, que reúne o
legado positivo das experiências e idéias da economia de mercado com o da justiça
social, que o PSDB se propõe a realizar, nas condições brasileiras. (p.105) (Hélio
Jaguaribe. PSDB. Social Democracia Hoje,1990)
O contexto ideológico em que se insere a discussão sobre a social democracia na
América Latina na década de 80 deve ser entendido como um dilema entre um liberalismo
triunfante nos Estados Unidos e um socialismo fracassado na Rússia e no Leste Europeu.
A década de 80, com Tatcher e Reagan, constitui o apogeu da desregulamentação, da
crença inamovível no ‘evangelho do mercado’, na supremacia do interesse privado como
móvel do progresso. E até certo ponto o individualismo possessivo volta a ocupar o
centro da cena. É neste contexto ideológico que se apresenta hoje o desafio social-
democrático latino-americano, assediado pelo neoliberalismo aparentemente triunfante e
corroído pelo que sobra sobre seus ombros da crítica à falência do socialismo real.
Ocorre que na situação concreta da América Latina, além dos desafios dessa batalha
ideológica, a social-democracia precisa ajustar contas com uma tradição política que lhe
é desfavorável e com a emergência de uma prática democrática nova que,
freqüentemente, confunde-se com o êxito do liberalismo. Tudo isso no contexto de uma
situação de estagnação econômica e da desigualdade social crescente(Cardoso,1990:31).
Além das disputas ideológicas em torno do liberalismo e socialismo, essa proposta de
social democracia contemporânea deveria ser circunscrita aos problemas específicos da
América Latina, mais especificamente, à tradição nacional-populista de desenvolvimento. Os
dois aspectos mais criticados em relação à esquerda são desenvolvimentismo e estatismo
econômico. Essa fase corresponde à crise das esquerdas na América Latina, identificada pela
falta de um projeto de desenvolvimento. Bresser Pereira propõe ser o PSDB a expressão de
uma nova esquerda na década de 90, distintas daquelas baseadas nas estratégias de
intervenção no desenvolvimento nacional e populista.
Todas essas novas idéias e tendências, vindas de muito lados, se incorporam à nova
esquerda. Em conseqüência surge uma nova esquerda no mundo e na América Latina. Uma
esquerda moderna, em oposição à esquerda arcaica, à esquerda latino-americana dos anos
cinqüenta. No Brasil o PSDB é o partido político novo, fundado em 1988, que procura
formular um novo diagnóstico e propor uma nova estratégia de desenvolvimento para o
Brasil. Esse diagnóstico e essa estratégia estão no seu programa do partido para a
campanha presidencial de 1989, Desafios do Brasil e do PSDB(Luiz Carlos Bresser
Pereira. PSDB. Social Democracia Hoje,1990:43-44).
16
Em outro momento, há uma tendência em diferenciar a social democracia européia,
que até então vinha sofrendo derrotas eleitorais e a latino-americana, que estava sendo exigida
com a democratização. Membros do PSDB reconheceram os desafios impostos a partidos
social-democratas em relação à sua base de sustentação e organização partidária. A
impossibilidade de um partido monoclassista e a viabilidade eleitoral foram os argumentos
mais destacados pela liderança.
[...] enquanto parecem experimentar sérios revezes eleitorais, na Europa, os partidos
de inclinação social democrata, é manifesta a demanda, na América Latina, em geral e,
certamente, no caso do Brasil, de um projeto social-democrata. Os movimentos e
partidos dotados de alguma significação programática e ideológica tendem, cada vez
mais, na América Latina, a incorporar elementos social democratas a seus projetos de
governo e já se delineia um expresso interesse, de parte dessas forças políticas, de
assumir, formalmente, um compromisso com a social democracia. A recente criação, no
Brasil, do Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB, veio ao encontro dessa
exigência(Hélio Jaguaribe. PSDB. Social Democracia Hoje,1990: 51).
[...] se mesmo no passado e na Europa, a aceitação das regras eleitorais e do sufrágio
universal, somada ao encolhimento número relativo da classe operária em sentido
estrito, mudaram o caráter monoclassista e revolucionário dos partidos social-
democratas, com mais forte razão isso ocorre na América Latina(Fernando Henrique
Cardoso. PSDB. Social Democracia Hoje,1990: 31).
As dificuldades para a implantação do projeto social-democrata são identificadas. Os
principais pontos deveriam ser o crescimento econômico e a estabilidade monetária, mesmo
tendo que reprimir, a curto prazo, demandas sociais.
A verdadeira questão para o social-democrata contemporâneo reside em saber como
aumentar a competitividade (que leva ao incremento da produtividade e à
racionalização das atividades econômicas) e como tornar cada vez mais públicas as
decisões de investimento e as que afetam o consumo. Isto é, como torná-las
transparentes e controláveis pela sociedade – pelos consumidores, produtores,
gestores, trabalhadores, opinião em geral – e não somente pelas burocracias (do
Estado ou das empresas)(Fernando Henrique Cardoso. PSDB. Social Democracia
Hoje,1990: 24). A social democracia[...]precisa opor-se, em nome do crescimento
econômico e da racionalidade a médio prazo, a demandas [sociais] que, por justas que
sejam, criam situações que impeçam no futuro a continuidade dos benefícios que
desejam(p.41).
A construção de uma identidade pelo PSDB é marcada pela ambigüidade política
devido à perspectiva da liderança em vencer eleições e assumir o governo. O discurso da
liderança já antecipa a conduta de um futuro governo orientado por reformas liberais. Um
programa de governo do PSDB deveria incluir uma liberalização e abertura da economia
nacional. Na década de 80, os novos desafios seriam o ajuste da América Latina à
internacionalização da produção, o que corresponde a adotar o mercado e a
desregulamentação como os pivôs do desenvolvimento econômico e social.
17
As perspectivas da social democracia na América Latina só ficarão mais nítidas se
situarmos o quadro no qual se dá hoje a pugna político doutrinária. É preciso reconhecer
que a tradição social-democrática de basear sua força na crítica das desigualdades
provocadas pelo mercado (isto é, pela livre exploração da força de trabalho e pela
acumulação de capitais), que devem ser corrigidas por políticas sociais e fiscais, esbarra
com a vaga do liberalismo triunfante. Para defender o ponto de vista dos trabalhadores e
dos assalariados é preciso dois cuidados iniciais: restringir o corporativismo e não
descuidar da produção (da eficiência, da produtividade, da necessária ligação entre
distribuição e produção). Essa preocupação diferencia a social democracia nas
condições latino-americanas tanto da européia quanto do populismo pré-
existente(Fernando Henrique Cardoso. PSDB. Social Democracia Hoje,1990: 39).
No governo, os principais desafios da social democracia seriam, contraditoriamente, a
competitividade e a racionalização das atividades econômicas. As decisões de investimento e
consumo deveriam ser cada vez mais públicas, ou seja, torná-las transparente e controláveis
pela sociedade e não somente pelos burocratas do Estado. Para isso, a social democracia deve
defender um programa de privatizações combinando critérios de mercado e interesse público.
A social democracia desloca, portanto, o eixo da opção entre estatal ou privado do
plano ideológico para um plano objetivo: importantes são as condições que devem ser
criadas para o funcionamento da economia. A gestão predadora, patrimonialista, e a
corrupção podem existir no setor estatal ou privado. Ambos são condenáveis. O mercado
competitivo é o antídoto para esses males(Cardoso,1990: 43).
Em relação à ideologia do PSDB, esses seriam os desafios da social democracia
contemporânea e as principais condutas a serem adotadas em uma futura conquista do
governo no Brasil. O partido seria contemporâneo pretende tratar de problemas concretos,
sem perder as suas referências abstratas.
Contemporâneo porque inserido na história. Contemporâneo porque comprometido com a
resolução da problemas concretos que a nação brasileira enfrenta neste final de século.
Contemporâneo porque apoiado em sua concepção moderna, adequada aos nossos dias,
do que seja a esquerda, do que seja lutar pela democracia e por uma distribuição de renda
mais igual(Bresser Pereira,1997:60).
No programa partidário publicado no Diário Oficial da União de 6 de julho de 1988,
foram estabelecidas as doze diretrizes políticas a serem seguidas pelo PSDB, nesta ordem de
apresentação: democracia; parlamentarismo; justiça social; educação e cultura; seguridade
social; crescimento com distribuição econômica; desafios da inflação e da dívida externa;
reforma do Estado; reforma agrária; reforma do sistema financeiro; preservação dos recursos
naturais; e presença ativa no cenário nacional.
Convém destacar aqueles pontos cruciais nas diretrizes políticas assumidas pelo PSDB
e que antecipam a sua posição em relação a temas polêmicos, entre eles, concepção de
democracia, intermediação de interesses entre Estado e sociedade.
18
O conceito de democracia manifestado no programa partidário diz respeito a uma
participação sem vínculos corporativos entre Estado e sociedade. A descentralização do poder
político aparece como requisito essencial para o exercício da democracia. Por sua vez, as
organizações da sociedade civil deveriam se manifestar de forma autônoma e sem a
interferência do Estado. Quanto aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, o PSDB diz
não pretender conduzi-las, mas sim incentivar a livre negociação entre patrões e empregados,
privilegiando a autonomia sindical. No processo de organização dos direitos trabalhistas, o
Estado não deveria intervir nas reivindicações, nem sequer no processo de filiação de
sindicatos.
O parlamentarismo é apresentado, segundo o programa do PSDB, como um meio para
o aperfeiçoamento da democracia. É um instrumento para fortalecer os partidos políticos,
aumentar a responsabilidade do Poder Legislativo nas grandes questões nacionais e permitir
mudança de governo sem provocar crises institucionais. O presidencialismo, como forma de
governo, é apresentado como um regime do poder unipessoal e das decisões a portas
fechadas, num convite permanente ao fisiologismo político.
Crescimento econômico sustentável, eficiência administrativa para o Estado,
descentralização das decisões e estabilidade monetária aparecem como as condições
essenciais para a resolução dos problemas sociais no Brasil, principalmente para o combate às
desigualdades sociais e à pobreza.
Os problemas da inflação e da dívida externa deveriam ser resolvidos por um governo
com legitimidade e autoridade para implantar medidas em três níveis: o equilíbrio das
condições de financiamento do setor público, uma reforma do sistema financeiro e uma
administração dos preços da economia.
A reforma do Estado é formalmente proposta pelo programa do PSDB. O desafio seria
ultrapassar o clientelismo e o corporativismo, marcas do regime autoritário brasileiro. Como
medidas de reforma, estão previstas a descentralização dos recursos, funções e encargos da
União para os estados e municípios. A máquina do Estado deveria abranger uma
administração verdadeiramente pública, sendo submetida ao controle da sociedade. As
empresas públicas deveriam obedecer aos critérios da eficiência e do interesse público.
Outra maneira de mensurar a ideologia dos integrantes do PSDB no momento de sua
fundação é conhecer as opiniões dos membros eleitos para o Congresso Nacional e
Assembléias Legislativas sobre temas relevantes da política nacional.
19
No Congresso Nacional3, os peessedebistas assumem inicialmente uma posição de
centro-esquerda, segundo a opinião deles sobre desestatização, liberalização e políticas
sociais. O PSDB mantém uma distância ideológica maior em relação ao PDT e PT e uma
proximidade maior com o PMDB. Os temas que mais aproximam o PSDB da esquerda dizem
respeito à discordância quanto a uma maior aproximação forçada com os Estados Unidos. Por
outro lado, as opiniões dos parlamentares sobre uma reforma agrária mais ampla de
distribuição de terras a particulares e uma indexação acima da inflação para baixos salários
aproximam o PSDB de partidos localizados mais ao centro. O PSDB se aproxima mais dos
partidos de direita em relação à seguinte opinião: o Brasil vai ter que reduzir as restrições aos
investimentos estrangeiros e aos fluxos de capital.
Esses resultados indicam uma divergência entre o conteúdo do programa partidário e
as opiniões dos peessedebistas sobre temas políticos relevantes. Dos deputados federais
filiados ao PSDB, somente 60% responderam ser favoráveis à diminuição da intervenção do
Estado na economia. Apenas 54% dos parlamentares do PSDB se declararam muito
favoráveis à reforma agrária com redistribuição de terra e à indexação dos baixos salários
acima da inflação. Essa proporção é muito inferior comparada àquelas observadas entre os
deputados federais filiados a partidos de esquerda como o PDT e o PT.
TABELA 1 - Opinião dos principais partidos políticos sobre desestatização, liberalização e políticas
sociais, Congresso Nacional, 1990 (%)
Temas PFL PDS PTB PMDB PSDB PDT PT Total
O Brasil vai ter que reduzir a
intervenção do Estado na
economia
89 86 76 73 60 30 17 67
A ação do Estado deve se restringir
às áreas clássicas
71 69 55 49 42 17 0 46
O Brasil vai ter que reduzir as
restrições aos investimentos
estrangeiros e aos fluxos de capital
72 52 62 45 48 19 10 48
O Brasil vai ser forçado a maior
aproximação com os EUA
53 42 55 30 36 16 20 36
muito favorável à reforma agrária
com redistribuição de terra
39 15 34 55 54 78 100 51
muito favorável à indexação acima
da inflação para salários baixos
47 32 38 48 54 78 83 49
FONTE: IDESP. “O Congresso Nacional e a Crise Brasileira”, Relatório de Pesquisa citada em KINZO, Maria D’Alva Gil. Radiografia do
Quadro Partidário Brasileiro. SP: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1993
3 Os dados utilizados são provenientes das pesquisas originalmente desenvolvidas por Kinzo(1994) sobre o
perfil, as opiniões e atitudes políticas dos parlamentares no Congresso Nacional brasileiro. A pesquisa se baseou
em três critérios de classificação dos parlamentares: autoclassificação dos parlamentares, a nota dada aos
partidos por seus representantes e a nota média atribuída ao partido pelos parlamentares de outros partidos; e as
33 votações no Congresso Constituinte e uma escala de governismo e conservadorismo. A distribuição dos
partidos no contínuo é feita a partir das notas obtidas. Os valores da posição no espaço político variam entre um,
valor máximo à esquerda e dez, à direita.
20
Os deputados estaduais do PSDB situam-se ideologicamente na posição centro-
esquerda, segundo o critério de autoclassificação dos próprios parlamentares, a nota média
atribuída por seus próprios representantes e a nota média concedida pelo restante do conjunto
dos deputados. Os deputados estaduais do PSDB se classificam mais à esquerda (3.4) do que
o restante do conjunto de deputados (4.0). No Brasil, os partidos políticos se diferenciam
quanto às opiniões sobre temas políticos relevantes e quanto à percepção do posicionamento
do seu partido e dos outros no espectro político-ideológico. Nesses termos, o PSDB se situa à
esquerda do PMDB e à direita do PDT e PT.
TABELA 2 - Média de posicionamento dos partidos na escala esquerda-direita. Deputados Estaduais.
Legislatura 1990 (Escala de 1 a 10)
Critérios PT PDT PSDB PMDB PTB PL PDC PFL PDS
Auto-Classificação
1.8
3.0
3.4
4.2
5.1
5.0
4.8
5.3
5.2
Nota média dada aos
partidos por seus
representantes
1.7 3.0 3.5 4.7 5.1 5.9 5.3 6.1 6.1
Nota média dada aos
partidos pelo conjunto
de deputados
1.6 3.6 4.0 5.4 6.2 6.9 7.2 7.5 8.3
FONTE: KINZO, Maria D’Alva Gil. Radiografia do Quadro Partidário Brasileiro. SP: Konrad-Adenauer-Stiftung, 1993
Essas informações revelam a posição política e as opiniões dos parlamentares filiados
ao PSDB. Resta saber quais são a trajetória política, as opiniões e as atitudes dos quadros
eleitos pelo partido em todo território nacional. As características dos quadros eleitos pelo
partido descreveriam uma radiografia do partido visto de dentro. É uma oportunidade de se
conhecer qual é o efeito da modalidade de organização partidária – origem histórica, estrutura
interna de poder, ideologia e programa partidário – sobre o perfil político, opiniões e atitudes
dos quadros eleitos que se filiaram ou ingressaram no PSDB nos últimos dez anos.
21
3.4. Trajetória, Opiniões e Atitudes Políticas dos Filiados Eleitos
Uma recente pesquisa realizada pela Universidade de Brasília, no segundo semestre de
1997, descreve as principais características dos quadros eleitos e dirigentes do PSDB no
território nacional.4
O baixo retorno dos questionários impossibilita a afirmação de que os dados
correspondam efetivamente a uma amostra do PSDB em todo Brasil. Não é possível saber a
diferença entre os que responderam e os que não responderam ao questionário. Assim sendo,
os dados foram tomados em relação àqueles que responderam. Para análise, os investigados
foram agrupados em três categorias: vereadores, prefeitos/vice-prefeitos e outros (deputados
estaduais, deputados federais, senadores e presidentes de diretórios).
TABELA 3 - Distribuição dos questionários enviados e dos questionários recebidos,
segundo a categoria dos respondentes. Brasil. 1997
Categoria dos
respondentes
Questionários
enviados
Questionários
recebidos
Taxa de Resposta
(em porcentagem)
Senador 14 2 14
Deputado Federal 95 24 25
Deputado Estadual 99 10 10
Prefeito 921 85 9
Vice-Prefeito 257 13 5
Vereador 8428 855 10
Presidente de Diretório 27 1 4
Brasil 9841 990 10
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
A trajetória política dos quadros eleitos e filiados ao partido não representa um
rompimento dos políticos padrões conhecidos, mas sim a continuidade da tradição do
processo político brasileiro. A maioria dos entrevistados tem antecedentes político-
profissionais na família. Entre aqueles que responderam ter parentes que já foram políticos,
aproximadamente 50% apresentam dois ou mais parentes na vida pública. A trajetória política
na família é uma característica de quase todos os filiados eleitos.
4 A pesquisa O Perfil do PSDB 1997 foi realizada sob a direção de Benício V. Schmidt, Maria das Graças Rua e
Maria Silvia Todorov, um projeto realizado em conjunto pela DATAUnB e pelo Instituto Teotônio Vilela.
Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa se baseou numa amostra composta dos quadros eleitos e
dirigentes do partido em todo território nacional, a partir dos dados fornecidos pelo TSE em relação às eleições
de 1994 e 1996. O levantamento abordou as seguintes características: demográficas e sócio-econômicas (idade,
sexo, local de residência, nível de escolaridade do investigado e do seu pai); exercício da atividade política
(antecedentes políticos e pretensões na carreira política); e opiniões e atitudes (posição ideológica).
22
TABELA 4 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função
exercida, segundo a existência de familiares com antecedentes políticos e número de
parentes que já foram políticos. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Familiares com
antecedentes políticos
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Sim 53 53 57
Não 47 47 43
Total 100 (851) 100 (96) 100 (37)
Número de parentes
que já foram políticos
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Um 50 52 50
Dois 30 23 30
Três 14 21 15
Quatro ou mais 6 4 5
Total 100 (438) 100 (48) 100 (20)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
De 1988 a 1997, o ingresso de filiados ao PSDB varia ao longo do tempo.
Aproximadamente 50% dos eleitos pelo PSDB se filiaram nos últimos três anos. A maioria
dos filiados não participou da vida partidária desde a sua origem em 1988. As maiores taxas
de entrada de filiados ao partido são verificadas, respectivamente, em 1995 e 1996. Essa
porcentagem de filiados ao PSDB pode ser atribuída ao seu desempenho nas eleições de 1994
e a ocupação da presidência da República e do governo dos principais Estados. Comparados
aos outros filiados, os vereadores são os filiados com menos anos de vivência no interior do
organização partidária. Os deputados federais, senadores e dirigentes declararam estar mais
tempo filiado ao partido.
TABELA 5 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo o
ano de filiação. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Ano de Filiação
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
1988 3 7 17
1989 5 10 11
1990 7 13 8
1991 7 7 -
1992 12 8 8
1993 7 5 6
1994 6 7 3
1995 32 26 31
1996 21 18 14
1997 1 - 3
Total 100 (796) 100 (92) 100 (36)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
23
Praticamente todos os filiados eleitos pelo PSDB se envolveram em militância política
antes do ingresso ao PSDB. O tipo de atividade política é, em ordem de preferência, em
movimentos sociais, política estudantil, movimentos religiosos, representação em interesses
específicos, militância partidária e outros tipos de militância. Os vereadores do PSDB se
diferenciam pela maior porcentagem de militância política anterior nos movimentos sociais.
TABELA 6 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo a
militância política anterior ao ingresso do PSDB. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Militância política anterior ao
ingresso no PSDB
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Sim 93 93 92
Não 7 7 8
Total 100 (855) 100 (98) 100 (37)
Tipo de atividade de militância Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Movimentos sociais 40 30 28
Política estudantil 21 21 38
Movimentos religiosos 20 25 8
Representação de outros interesses 10 9 13
Militância partidária 3 9 8
Outros tipos de militância 7 7 5
Total 100 (1355) 100 (151) 100 (61)
FONTE DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
Do total de filiados eleitos, cerca de 70% declararam que foram filiados a um ou mais
partido antes do ingresso no PSDB. Aproximadamente 40% dos filiados eleitos já tiveram
militância em dois ou mais partidos. Os dirigentes, deputados e senadores apresentam o maior
percentual entre aqueles que tiveram participação em três, quatro ou mais partidos. Tratam-se
de políticos com experiência em outras agremiações partidárias. Essa característica do quadro
filiado eleito do PSDB pode ser explicada pela recente formação do sistema partidário
brasileiro. A própria criação do PSDB em 1988 foi conseqüência de uma ruptura do PMDB.
TABELA 7 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo o
número de partidos a quem foram filiados antes do PSDB. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Número de partido a quem foi
filiado antes do ingresso no PSDB
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Nenhum 25 13 19
Um partido 41 38 24
Dois partidos 23 28 27
Três partidos 9 17 22
Quatro ou mais partidos 3 4 8
Total 100 (855) 100 (98) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
24
Entre os militantes eleitos com trajetória política anterior à filiação no PSDB, destaca-
se a pequena participação no recente bipartidarismo imposto pelo regime autoritário entre
1964 e 1984. A participação política, na sua maioria, ocorreu no MDB entre os deputados
federais, senadores e dirigentes do partido. Prefeitos e vice-prefeitos tiveram a mesma
proporção de participação tanto na ARENA quanto no MDB.
TABELA 8 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
filiação à Arena ou MDB. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Filiação política anterior
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
ARENA 47 50 21
MDB 53 50 79
Total 100 (146) 100 (36) 100 (14)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
Quanto à ideologia, a maioria dos filiados eleitos pelo PSDB declarou ser identificado
com posições políticas ao centro e à esquerda. Em última instância, os quadros eleitos
preferem o valor liberdade em vez de igualdade. Do total de prefeitos e vice-prefeitos, 67%
preferem liberdade; do total de deputados, senadores e dirigentes, a porcentagem que prefere
liberdade sobe para 76%. Os vereadores do PSDB apresentam maior dispersão no espectro
ideológico.
É interessante notar a falta de correspondência entre a autodefinição ideológica e a
respectiva adesão aos valores igualdade e liberdade, principalmente em se tratando dos
prefeitos, vice-prefeitos, deputados federais, senadores e dirigentes. Esses filiados se declaram
como de centro-esquerda e esquerda e, contraditoriamente, optam pela liberdade como último
valor preferido.
A postura política pragmática do PSDB manifestada no programa partidário e a falta
de mecanismos que dificultem o processo de filiação podem estar incentivando a entrada de
filiados de posição política mais à direita no espaço político. Os vereadores, prefeitos e vice-
prefeitos são os filiados mais recentes no partido e também são aqueles em maior proporção
que se identificam como de centro-direita e direita.
25
TABELA 9 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo a
auto definição ideológica e valor político preferido. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Definição Ideológica
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Esquerda 11 1 3
Centro-esquerda 36 54 68
Centro 19 25 24
Centro-direita 18 12 5
Direita 17 9 -
Total 100 (831) 100 (93) 100 (37)
Valor Político Preferido
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Liberdade 53 67 76
Igualdade 47 33 24
Total 100 (835) 100 (96) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
Diante dos valores políticos, prefeitos e vice-prefeitos apresentam uma posição
tipicamente conservadora. Os vereadores, embora menos consistentes, apresentam atitudes
mais positivas em relação a valores conservadores. O conservadorismo pode ser mensurado
pela adesão às seguintes convicções: a melhor sociedade é aquela onde cada um conhece seu
lugar; a propriedade privada é essencial ao progresso econômico; os fatores técnicos devem
pesar mais que os fatores políticos na solução dos problemas; sem interferência do Estado o
setor privado investiria mais e seria produtivo; e os conflitos trazem prejuízo à sociedade.
TABELA 10 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo suas
convicções. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Convicções Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Prisão especial para criminoso com educação superior 45
(839)
70
(98)
68
(37)
A melhor sociedade é aquela onde cada um conhece seu
lugar
85
(839)
86
(97)
73
(37)
A propriedade privada é essencial ao progresso econômico 87
(827)
89
(98)
92
(37)
Fatores técnicos devem pesar mais que fatores
políticos na solução dos problemas
78
(833)
79
(96)
53
(36)
Sem interferência do Estado, o setor privado investiria mais
e seria mais produtivo
76
(828)
82
(98)
73
(37)
As políticas de distribuição de renda
prejudicam os mais competentes
45
(846)
42
(97)
22
(37)
Os conflitos políticos trazem prejuízos para a sociedade 85
(846)
84
(97)
46
(37)
Os direitos humanos são pretexto para a impunidade 73
(849)
68
(97)
35
(37)
Todos devem ter a mesma oportunidade de
influenciar as decisões do governo
73
(842)
33
(92)
84
(37)
É melhor ter um criminoso solto do que punir um inocente 63
(827)
30
(98)
72
(36)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
(2) Cada percentual corresponde à categoria “concorda”, cabendo a diferença em relação à 100% dos que discordam.
26
Os filiados eleitos pelo PSDB identificam o Brasil como uma democracia. No entanto,
o percentual de concordância da caracterização do Brasil com o regime democrático varia
entre os respondentes. Os deputados federais, senadores e dirigentes apresentam o maior
percentual de concordância e a categoria de vereadores, a menor.
TABELA 11 – Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
a identificação do Brasil como democracia. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Brasil é uma democracia
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Sim 57 67 84
Não 43 33 16
Total 100 (839) 100 (96) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
Os filiados eleitos do PSDB apontaram os obstáculos à democracia brasileira.
Avaliações e diagnósticos sobre a democracia indicam diferenças entre deputados, senadores
e dirigentes, de um lado, e prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, de outro. Os vereadores
indicam altos níveis de pobreza e desigualdade como os principais obstáculos à democracia
no Brasil. Prefeitos e vice-prefeitos e outros respondentes indicam, em maior proporção, o
baixo nível educacional da população como obstáculo à democracia. Na opinião dos quadros
eleitos e filiados no PSDB, os problemas da democracia brasileira estariam relacionados aos
problemas sociais e econômicos. Falta de tradição partidária, clientelismo e falta de
autonomia dos Estados e municípios são apresentados como obstáculos menores à
consolidação da democracia.
TABELA 12 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
a identificação dos obstáculos à democracia brasileira. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Obstáculos à democracia brasileira Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Altos níveis de pobreza e desigualdade 22 11 23
Baixo nível educacional da população 19 28 29
Incompetência e despreparo dos governantes 12 10 3
Clientelismo e fisiologismo político 10 14 9
Poder do Executivo e baixa autonomia do legislativo 10 - 9
Falta de tradição partidária 6 11 18
Falta de organização política do povo 6 9 6
Atitudes antiéticas dos parlamentares 5 3 -
Egoísmo das elites 5 3 9
Falta de autonomia dos estados e municípios 3 7 3
Dificuldades de crescimento econômico 2 3 3
Total 100 (751) 100 (89) 100 (34)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
(2) Cada percentual corresponde à alternativa considerada o principal obstáculo à democracia.
27
A maioria dos quadros eleitos e filiados ao PSDB aponta os principais problemas
enfrentados pelos políticos de natureza social e econômica: emprego, saúde e educação. Os
principais responsáveis por esses problemas seriam os próprios governantes. Quanto às causas
da desigualdade e da pobreza brasileira, os filiados eleitos pelo PSDB identificam as duas
principais: a deficiência dos governantes, dos políticos e do Poder Executivo federal, mais
especificamente, o presidente da República.
A identificação pelos quadros eleitos e filiados ao PSDB das causas da desigualdade e
da pobreza brasileira se contrapõe ao fato do partido estar incluído entre aqueles que
governam o Brasil. Em 1997, o presidente da República e os governadores dos principais
Estados eram filiados ao próprio partido.
TABELA 13 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
a identificação dos responsáveis pelos problemas mais importantes do Brasil. Brasil. 1997
(em porcentagem)
Causas da desigualdade e da pobreza brasileira Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Deficiências dos governantes e dos políticos 30 29 16
Poder Executivo – presidente da República 19 14 16
Sociedade e baixa educação 8 8 8
Congresso Nacional 8 6 -
Sistema político, sistema partidário 6 5 11
Desenvolvimento político econômico 5 9 16
Corrupção, desvio de recursos, falta de fiscalização 4 6 5
Causas históricas 4 2 5
Falta de políticas públicas e de programas 3 5 -
Elites econômicas 3 3 11
Capitalismo 3 1 3
Poder Judiciário 1 3 -
Governos estaduais e municípios 1 - -
Outras causas 5 7 8
Total 100 (837) 100 (96) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela (1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
(2) Cada percentual corresponde à alternativa considerada o principal obstáculo à democracia.
(3) Os problemas mais importantes foram, em ordem, emprego, educação, cultura e saúde.
Para os quadros eleitos e filiados no PSDB, as duas principais causas da ineficácia das
políticas sociais no Brasil seriam a falta de vontade política dos governantes e outros
problemas políticos como clientelismo, fisiologismo e corrupção. Ao contrário do esperado,
os prefeitos, vereadores e vice-prefeitos que exercem cargos eletivos desconsideraram os
seguintes problemas: falta de autonomia dos Estados e municípios, desvios de recursos, falta
de recursos e crise social. Por outro lado, os deputados federais, senadores e dirigentes
indicaram a falta de recursos e a crise social como um dos problemas essenciais das causas da
ineficácia das políticas sociais.
28
TABELA 14 – Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
a identificação das causas da ineficácia das políticas sociais. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Causas da ineficácia das políticas sociais Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Total 100 (938) 100 (109) 100 (39)
Falta de vontade política dos governantes 36 26 33
O clientelismo, o fisiologismo e a corrupção 24 25 26
Incompetência, despreparo e mau gerenciamento 15 11 8
Falta de recursos e a crise social 13 17 26
Falta de autonomia dos estados e municípios 10 18 3
Desvio de recursos 1 - -
Outras causas 2 3 5
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
Para resolver esses problemas, as mudanças deveriam ser mais radicais para os
vereadores mediante políticas redistributivas de alto impacto e reformistas pelos prefeitos,
deputados e senadores mediante aumento da oferta e eficácia dos serviços sociais pelo poder
público. Na maioria dos entrevistados, os problemas sociais e políticas serão resolvidos por
reformas, sem a necessidade de mudanças revolucionárias. Essa questão permitia aos filiados
responder, entre as alternativas propostas, sobre quais medidas deveriam ser adotadas para o
desenvolvimento do Brasil. Segundo os filiados eleitos, o desenvolvimento poderia ser
alcançado pela adoção de certas medidas como a participação popular nas decisões
econômicas e reforma agrária. Prefeitos e vice-prefeitos enfatizam a política de renda mínima
e reforma agrária. Deputados e senadores preferem a reforma agrária, a estabilidade política, a
privatização das estatais e aumento da participação popular nas decisões econômicas.
TABELA 15 – Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
o escopo da mudança na política e na vida em sociedade. Brasil. 1997 (em porcentagem)
Escopo da mudança na política
e na vida em sociedade
Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
É preciso uma mudança revolucionária 30 27 22
Bastam algumas reformas 62 61 73
Não precisa mudar, somente esperar os resultados 8 12 5
Total 100 (818) 100 (95) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1) Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
As medidas de reforma do Estado são apoiadas pela maioria dos peessedebistas, desde
que envolva alto potencial de conflito político. A privatização de empresas estatais, o fim da
estabilidade do servidor público e a demissão de funcionários obtém maior apoio dos prefeitos
e vice-prefeitos e menos dos vereadores e outros respondentes. As medidas prioritárias a
serem adotadas pelo governo são aumentar o nível educacional da população, reduzir a
desigualdade social e privilegiar o crescimento econômico.
29
TABELA 16 - Distribuição dos filiados eleitos pelo PSDB, por tipo de função exercida, segundo
o apoio às medidas para reforma do Estado . Brasil. 1997 (em porcentagem)
Medidas para Reforma do Estado Vereadores Prefeitos e
Vice-Prefeitos
Outros
Privatização de empresas e serviços, fim da
estabilidade e redução do número de funcionários
70 84 69
Desburocratização, descentralização e
reciclagem dos funcionários
88 95 90
Mudanças das regras da aposentadoria 67 69 81
Total 100 (818) 100 (95) 100 (37)
FONTE: DATAUnB/Instituto Teotônio Vilela
(1)Os números entre parênteses correspondem à freqüência absoluta.
(2)O percentual se refere à prioridade considerada alta.
Enfim, é possível descrever um perfil dos quadros eleitos e dirigentes do PSDB no
território nacional a partir das informações constantes nesse levantamento de dados. Os três
grupos investigados - vereadores, prefeitos e vice-prefeitos, deputados federais, senadores e
dirigentes - apresentam características semelhantes.
Os filiados eleitos pelo PSDB são políticos oriundos de famílias com antecedentes na
vida pública. Além da atividade política, exercem outra ocupação profissional. A maioria dos
tucanos ingressou recentemente no PSDB, mais precisamente nos últimos três anos. O início
da militância política ocorre na juventude. Praticamente todos os filiados eleitos pelo PSDB
se envolveram com a militância política antes do ingresso ao partido, principalmente em
movimentos sociais, política estudantil e movimentos religiosos. Cerca de 50% dos filiados já
foram filiados a dois ou mais partidos. Entre os que desempenhavam atividade política
partidária no período do regime militar. O PSDB recebeu quadros na mesma proporção da
ARENA e do MDB.
Os filiados eleitos se definem politicamente como de centro-esquerda e preferem
liberdade à igualdade. No entanto, suas convicções políticas podem ser consideradas
conservadoras. Acreditam que o Brasil é uma democracia, identificando a desigualdade social
e o baixo nível de educação como os obstáculos para sua efetiva consolidação. Atribuem as
causas da desigualdade social no Brasil à falta de vontade política e à falta cumprimento da
funções sociais do Estado. Mas, para mudar a situação social e econômica do Brasil,
bastariam reformas como privatização, fim da estabilidade do funcionário público,
descentralização administrativa e mudanças das regras de aposentadoria.
30
Em poucas palavras, a origem histórica do PSDB pode ser considerada pragmática e
eleitoral. Tratou-se da cisão de um grupo de deputados federais e senadores que acreditavam
ter possibilidade de conquistar cargos eletivos, principalmente a presidência da República,
aproveitando-se do capital político acumulado pelo e no PMDB.
Na dimensão organizacional, o PSDB pode ser considerado fraco. O partido mantém
fracos vínculos com a sociedade civil, demonstrada pela origem exclusivamente parlamentar e
pela falta de articulação e organização dos interesses de associações representativas. Pelo
contrário, a prioridade das lideranças partidárias é a atuação na arena governamental. Do
ponto de vista da estruturação interna de poder, o PSDB é descentralizado. A descentralização
é evidente na ausência de uma linha partidária única para a política de alianças. No interior do
partido, falta controle sobre a entrada de filiados. As reuniões e demais atividades partidárias
se realizam em períodos próximos às eleições, com participação inexpressiva dos militantes.
A ideologia e o programa do partido são politicamente ambíguos. A construção da identidade
partidária está num dilema entre se declarar ideologicamente social-democrata, de um lado, e
apresentar um programa de governo orientado por teses liberais.
Esse tipo de organização do PSDB se aproxima do modelo de partido catch-all
elaborado por Kircheimmer(1966). Esse tipo de partido fortaleceria os líderes partidários e, ao
mesmo tempo, diminuiria a importância dos demais membros no processo de tomada de
decisão. A seleção dos líderes se basearia na capacidade deles em obter votos nas eleições. O
financiamento pelos militantes do partido praticamente não existe. A subvenção estatal e os
fundos arrecadados exclusivamente para as campanhas passariam a ser essencial para o
partido. As campanhas eleitorais envolveriam um estilo de maior uso de capital intensivo
(tecnologia) e com menor uso de trabalho intensivo (atividades de militantes).
Esse tipo de partido deveria se adaptar facilmente à volatilidade do comportamento
eleitoral. Como os eleitores tendem a se concentrar no centro do espectro político, o padrão de
competição deveria ser voltado para o centro ou para o espaço do espectro político de maior
concentração dos eleitores. O partido revisaria, sempre quando julgado necessário, suas
diretrizes políticas. A tendência da liderança partidária seria a de diminuir o aparato
ideológico. As coligações tenderiam a ser formalizadas de acordo com sua viabilidade
eleitoral e menos por disputas ideológicas com outros partidos. Durante a campanha eleitoral,
o partido enfatizaria a competência de sua liderança e a experiência de governo passado. As
coligações para as eleições deveriam ser ideologicamente inconsistentes devido às constantes
mudanças nas orientações partidárias visando a conquistar o governo.
31
4. Conclusão
A trajetória de qualquer partido político é dinâmica. Desde a sua origem até a sua
consolidação, uma organização partidária modifica de forma considerável sua fisionomia.
Esse processo é conhecido por institucionalização partidária. No modelo teórico proposto por
Panebianco(1990), dois conceitos são pertinentes para a análise da institucionalização de um
partido político: o tipo de origem e a forma de consolidação no ambiente político.
O tipo de origem diz respeito à peculiaridade da sua formação e das decisões políticas
mais importantes adotadas por seus fundadores. Três fatores permitem distinguir a origem de
um partido político: primeiro, penetração territorial versus difusão territorial; segundo,
presença versus ausência de uma instituição externa que patrocine o nascimento do partido;
terceiro, caráter carismático versus ausência dele no nascimento do partido.
Quanto ao primeiro fator, a origem do PSDB pode ser considerada como difusão
territorial porque o centro não controlou nem dirigiu o desenvolvimento da periferia. A
periferia partidária reúne os agrupamentos locais e intermediários do partido. Pelo contrário,
as elites locais se integraram à organização nacional sem o controle dos diretórios estaduais
ou do Diretório Nacional. No momento da sua fundação, as lideranças nacionais foram as
responsáveis pela origem e identidade do partido. O resultado é uma estrutura interna de
poder descentralizada, ampla margem de manobra para a liderança e autonomia para as
instâncias decisórias dos diretórios estaduais e municipais. Em relação ao segundo fator, o
PSDB caracteriza-se pela ausência de uma instituição externa que seja responsável por sua
existência. Desde a sua fundação, o partido recusou-se a manter vínculos com outras
organizações, em especial, com os sindicatos. No terceiro fator, a origem do PSDB não
representou a emergência de nenhum líder carismático no cenário político brasileiro. No
interior do partido, não havia aparecido um único líder responsável pelas metas ideológicas do
partido ou que estas fossem inseparáveis de sua pessoa. A liderança nacional do partido
construiu a identidade coletiva do partido em torno da sua concepção de social democracia e
definiu as diretrizes políticas de orientação liberal no seu programa partidário.
As organizações partidárias diferenciam-se pelo modo e pela intensidade do processo
de institucionalização. Elas podem ser distinguidas de acordo com o grau de
institucionalização variando entre forte ou fraco. Existem duas escalas para distinguir os graus
de institucionalização partidária.
32
A primeira escala, denominada grau de autonomia em relação ao seu ambiente, refere-
se à capacidade da organização partidária em obter recursos para manter seu funcionamento.
O maior grau de autonomia deveria ser atribuído ao partido que sobrevivesse apenas com os
seus próprios recursos, provenientes da contribuição dos filiados, sem depender do Estado ou
de outras organizações como igreja, sindicatos.
O financiamento da organização do PSDB é proveniente da sua participação no fundo
partidário e de doações de pessoas físicas e jurídicas. Os militantes não contribuem com
recursos financeiros para o funcionamento do partido. Um grupo de profissionais
remunerados desenvolvem as atividades básicas da sua organização como marketing,
levantamento de informações, promoção de cursos de formação política. O PSDB conquistou
o governo nacional depois de seis anos de fundação. O controle da organização sobre o
governo na fase de consolidação favoreceu a sua fraca institucionalização. A disponibilidade
de postos no governo não estimula a implantação de uma organização partidária forte como
nos partidos de massa. Os líderes estão interessados em profissionalizar a organização. Os
interesses seletivos, definidos como votos e cargos, tornam-se as principais motivações dos
líderes partidários. Nesse caso, a coalizão dominante no interior do partido são aqueles que
ocupam os principais postos no governo.
A segunda escala, grau de sistematização, diz respeito à coerência estrutural interna da
organização. O grau de sistematização é baixo quando os sub-sistemas internos são
autônomos e independentes do centro no seu financiamento e na tomada de decisão. Nesse
tipo de organização, os partidários têm grande margem de manobra no interior do partido.
No PSDB, o Diretório Nacional concede autonomia para os diretórios estaduais e estes
para os diretórios municipais. Não há controle do partido sobre o número de filiados e de
diretórios municipais. A coligação eleitoral formalizada para as eleições presidenciais difere
das coligações para governador de Estado e para Câmara de Deputados. Não há uma política
de coligações ideologicamente consistente. A entrada de filiados no partido está fortemente
associada ao fato de obter vantagens por estarem filiados ao partido que conquistou a
presidência da República e o governo dos principais estados da federação.
Segundo os critérios anteriormente definidos, o grau de autonomia desse partido em
relação ao seu ambiente político e o grau de sistematização da sua organização interna são
considerados baixos. Por conseqüência, a institucionalização do PSDB pode ser considerada
fraca entre 1988 e 1998.
33
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