a vida ainda breve da etnocenologia

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Cátedra de Artes N° 10 (2011): 106-123 • ISSN 0718-2759 © Facultad de Artes • Pontificia Universidad Católica de Chile A vida ainda breve da etnocenologia: uma nova perspectiva transdisciplinar para as artes do espetáculo 1 La aún breve vida de la estnoescenología: Una nueva perspectiva transdisciplinaria para las artes del espectáculo The yet short life of ethnoscenology: a new transdisciplinary perspective to the performing arts Armindo Bião CNPq e Universidade Federal da Bahia, Brasil [email protected] Resumo Trata-se de um informe sobre o atual estado da etnocenologia, uma perspectiva transdisciplinar lançada através de um colóquio internacional e um manifesto na UNESCO, em Paris, em 1995,interessada pela diversidade cultural dos fenômenos humanos espetaculares: as artes (teatro, dança, circo, ópera, performance etc), festas e ritos (religiosos ou não), que tem se desenvolvido em programas de pós-graduação, grupos de pesquisa e publicações, sobretudo, no Brasil e na França. PALAVRAS-CHAVE: Etnocenologia, teatro, festa e diversidade cultural. Resumen Este es un informe sobre el estado actual de la etnoescenología, una pers- pectiva transdisciplinaria lanzada con un coloquio internacional y un manifiesto en la UNESCO, en Paris, en 1995, interesada por la diversi- dad cultural de los fenómenos humanos espectaculares: de las artes (teatro, danza, circo, ópera, performance, etc.) de las fiestas y ritos (religiosos o no), se ha desarrollado en programas de posgrado, grupos de investigación y publicaciones, principalmente en Brasil y Francia. PALABRAS CLAVE: Etnoescenología, teatro, festivales y diversidad cultural. Abstract is is a report on the current state of ethnoscenology, an interdisciplinary- perspective launched with aninternational colloquium and a manifesto and at UNESCO in Parisin 1995, concerned by the cultural diversity of human spectacular phenomena(the arts: theater, dance, circus,opera, performance, etc; the festivals and rituals, religious or not), that has being developed in post- graduate studies, research groups and publications, mostly in Brazil and France. KEYWORDS: Ethnoscenology, theater, festivals and cultural diversity. 1 Artigo escrito para a revista Cátedra de Artes, à guisa de contribuição para o co- nhecimento da etnocenologia entre um número maior de leitores latino-americanos, revendo, ampliando e atualizando reflexões anteriores e acrescentando dados inéditos de caráter histórico e informativo.

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Cátedra de Artes N° 10 (2011): 106-123 • ISSN 0718-2759© Facultad de Artes • Pontificia Universidad Católica de Chile

A vida ainda breve da etnocenologia:uma nova perspectiva transdisciplinar para as

artes do espetáculo1

La aún breve vida de la estnoescenología: Una nueva perspectiva transdisciplinaria para las artes del espectáculo

The yet short life of ethnoscenology:a new transdisciplinary perspective to the performing arts

Armindo BiãoCNPq e Universidade Federal da Bahia, Brasil

[email protected]

ResumoTrata-se de um informe sobre o atual estado da etnocenologia, uma perspectiva transdisciplinar lançada através de um colóquio internacional e um manifesto na UNESCO, em Paris, em 1995,interessada pela diversidade cultural dos fenômenos humanos espetaculares: as artes (teatro, dança, circo, ópera, performance etc), festas e ritos (religiosos ou não), que tem se desenvolvido em programas de pós-graduação, grupos de pesquisa e publicações, sobretudo, no Brasil e na França.Palavras-chave: Etnocenologia, teatro, festa e diversidade cultural.

ResumenEste es un informe sobre el estado actual de la etnoescenología, una pers-pectiva transdisciplinaria lanzada con un coloquio internacional y un manifiesto en la UNESCO, en Paris, en 1995, interesada por la diversi-dad cultural de los fenómenos humanos espectaculares: de las artes (teatro, danza, circo, ópera, performance, etc.) de las fiestas y ritos (religiosos o no), se ha desarrollado en programas de posgrado, grupos de investigación y publicaciones, principalmente en Brasil y Francia.Palabras clave: Etnoescenología, teatro, festivales y diversidad cultural.

AbstractThis is a report on the current state of ethnoscenology, an interdisciplinary-perspective launched with aninternational colloquium and a manifesto and at UNESCO in Parisin 1995, concerned by the cultural diversity of human spectacular phenomena(the arts: theater, dance, circus,opera, performance, etc; the festivals and rituals, religious or not), that has being developed in post-graduate studies, research groups and publications, mostly in Brazil and France.Keywords: Ethnoscenology, theater, festivals and cultural diversity.

1 Artigo escrito para a revista Cátedra de Artes, à guisa de contribuição para o co-nhecimento da etnocenologia entre um número maior de leitores latino-americanos, revendo, ampliando e atualizando reflexões anteriores e acrescentando dados inéditos de caráter histórico e informativo.

Armindo Bião • A vida ainda breve da etnocenologia 107

Este artigo, de caráter preliminar e introdutório à problemática da etnoce-nologia, encontra-se organizado em três partes. A primeira, curtíssima, porém essencial, possui caráter histórico, mais contextual e descritivo. A segunda, mais longa e reflexiva, ainda que marcada por muitas enumerações, possui um cará-ter teórico-metodológico, uma abordagem mais compreensiva que explicativa, ancorado em uma discussão ainda bastante preliminar e pré-paradigmática, que vem tendo umnecessário, urgente e oportuno desenvolvimento2.Finalmente, a terceira parte, brevíssimaassim como a primeira, tenta resumira problemática em tela com referências teóricas mais específicas da área de estudos teatrais,por sua vez mais abrangentes ainda que, ratifico, muito breves.

Contextualização histórica

A Maison desCulturesdu Monde e a Universidade de Paris 8 Saint-Denis rea-lizaram, na UNESCO, em Paris, nos dias 3 e 4 de maio de 1995, o Colloque de Fondationdu Centre International d’Ethnoscénologie,com a participação de cerca de 50 artistas e pesquisadores das artes do espetáculo da França, Inglaterra, Uruguai, Brasil, México, Estados Unidos, República de Camarões, Líbano, Bangladesh, Filipinas e Japão.Seusanais foram integralmente publicados apenas em francês (Internationale de l’Imaginaire, 1995) e, parcialmente, em português (Greiner, Bião). Seu manifesto de lançamento, inspirado nos manifestos dos movimentos artísticos do início do século XX,também foi publicado na íntegra apenas em francês, (Pradier, Manifiesto46-48) ede modo fragmentado, em português (21-22). Talvez, em boa parte por isso, sua difusão seja ainda restrita à França e ao Brasil.

É fato que, logo após seu lançamento, já em 1996, a etnocenologia foi motivo de um segundo colóquio internacional, realizado na cidade de Cuernavaca, no estado de Morelos, no México, antes do terceiro, em 1997 (de uma série anual ininterrupta), realizado no Brasil, na cidade de Salvador, estado da Bahia. Em seguida, após longo intervalo, de quase oito anos, só em 2005 aconteceu um quarto colóquio, mais uma vez em Paris, abrindo uma nova série de eventos, agora bie-nais. Em 2007, Salvador voltou a realizar um colóquio internacional, o quinto, e, em 2009, o Brasil sediaria mais um, o sexto, agora na cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais (ambos com seus anais publicados, 2007; 2009).

Também no Brasil, no âmbito da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas – ABRACE, surgiria em 2007 um Grupo de Trabalho dedicado à Etnocenologia. Já na França, em 2010, se constituiria a SociétéFrançaise d’Ethnoscénologie – SOFETH, que, em parceria com a Maison desSciences de l ’Homme Paris Nord, em Saint Denis, prepara um novo colóquio, o

2 Ao longo de todo este texto, usei a primeira pessoa do singular para exprimir idéias pessoais, a primeira pessoa do plural para dar conta das comunidades de que participo, dos artistas e pesquisadores de etnocenologia e, enfim, a terceira pessoa para expressar afirmações genéricas e impessoais.

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sétimo, a ser realizado em Paris, de 28 a 31 de outubro de 2012, com a temática “Estética e corporeidade das crenças”, conforme decidido no colóquio anterior.

A oferta de disciplinas em programas de pós-graduação é igualmente con-centrada no Brasil e na França, o que gera certa preocupação. Em Salvador, desde 1997, o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia iniciou e difundiu sua oferta através da intensa atividade de seus grupos de pesquisa e da formação em nível de pós-graduação de docentes, artistas e pesquisadores de universidades brasileiras do Centro-Oeste (Brasília), Norte (Pará) e Nordeste (Rio Grande do Norte), onde novos grupos de pesquisa foram constituídos. Mais recentemente, no Brasil, essa oferta foi ampliada, por conta dos dois colóquios internacionais de 2007 e 2009 (em Salvador e Belo Horizonte) e dos eventos nacionais anuais promovidos desde 2008 no âmbito da ABRACE, pelo GT de Etnocenologiaatingindotambém as regiões Sul (Rio Grande do Sul e Paraná) e Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo)3.

Na França, a partir da Universidade de Paris 8 Saint Denis, formaram-se novos grupos de pesquisa, particularmente, na Universidade de Nice Sophia Antipolis e nos laboratórios da Maison desSciences de l’Homme Paris Nord, também em Saint Denis. Em rede, através do programa europeu Erasmus Mundus, essa malha de oferta de cursos, grupos de pesquisa e produção de teses e publicações se estendeu aindamais, chegando à Bélgica, Espanha, Portugal e Alemanha.

A nebulosa lexical no horizonte teórico-metodológico

A proposição da etnocenologia aparece no horizonte teórico-metodológico de nosso tempo, na transição do século XX para o século XXI. Este Zeitgeist, anunciado pelas revoluções juvenis, artísticas, políticas, étnicas e de costumes dos anos 1960 (BANES, 1999), e mesmo anteriormente, esboçado pela nova configuração cultural definida internacionalmente no pós-guerra durante as duas décadas anteriores, caracteriza-se pela explosão, em múltiplos níveis, de todo tipo de fronteiras. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o advento, mais ou menos simultâneo, e mais ou menos violento, de múltiplas proposições interdisciplinares, multidisciplinares e trans-disciplinares, fragmentando os limites entre as diversas áreas de conhecimento, como, por exemplo, as ciências da natureza e as ciências do espírito, e mesmo entre as ciências e as artes e, inclusive, especificamente no âmbito artístico, entre as artes visuais e as artes do espetáculo.

Esse mesmo Zeitgeistcontempla outras perspectivas aparentadas. Assim, aí tam-bém se conformam o interesse dos estudiosos das ciências humanas pelo espetáculo (Debord, La société Du spectacley Commentaries) e pela teatralidade na vida cotidiana

3 Os anais desses eventos da ABRACE, assim como os anais dos Colóquios Interna-cionais de Etnocenologia de 2007 e 2009, estão disponíveis para download gratuito em <www.etnocenologia.org>, que divulga, ainda, uma biblioteca de textos de referência e eventos de interesse para os pesquisadores e curiosos da etnocenologia.

Armindo Bião • A vida ainda breve da etnocenologia 109

(Goffman; Maffesoli, La conqûetedupresent; Geertz, Negara...), pelas etnociências, etnometodologia (Garfinkel), estudos da performance (Schechner, Performance studiesy “O que é performance”) e pela antropologia teatral (Barba e Savarese).

Nesse contexto, a etnocenologia tem contribuído de um modo geral para a ampliação dos horizontes teóricos da pesquisa científica e artística, mais específi-camenteo trabalho dos pesquisadores dedicados às artes do espetáculo. Nessas artes, não estão considerados somente o teatro, a dança, o circo, a ópera, o happening e a performance4. Inclui-se também outras práticas e comportamentos humanos espeta-culares organizados, dentre os quais alguns rituais, fenômenos sociais extraordinários e, até, formas de vida cotidiana, quando pensadas enquanto fenômenos espetaculares.

No entanto, assim como as demais proposições congêneres já citadas, a etno-cenologia também tem contribuído para a confusão conceitual que caracteriza o campo das ciências do homem e das artes contemporâneas, inclusive, de modo ainda mais contundente, as pesquisas relativas aos objetos mencionados acima, tanto em seus aspectos teóricos quanto práticos e pragmáticos. Essas ambíguas contribuições possuem, assim, aspectos contraditórios, tanto positivos (o cres-cimento das possibilidades e perspectivas para a pesquisa) quanto negativos (o mal-entendido generalizado), que devem ser sempre levados em conta.

Por isso, e particularmente para tentar reduzir os aspectos negativos desse emaranhado conceitual, acredito necessário e útil tentar identificar semelhanças e disparidades entreessas proposições, sugerindo a organização da tabela abaixo:

Campos de saber que se relacionam com a

etnocenologia

Semelhanças Disparidades

As ciências humanas in-teressadas na teatralidade cotidiana e na metáfora do espetáculo

O reconhecimento da tea-tralidade cotidiana e da existência de fenômenos espetaculares não necessa-riamente artísticos!

O caráter teórico das ciências do homem que buscam, sobretudo, ex-plicar e compreender as estruturas e modos da vida social, distanciando-se do caráter teórico-prático da et-nocenologia que busca reconhecer e promover as diferentes formas de espetáculo!

As etnociências O caráter de pesquisa cien-tífica que reconhece e valo-riza a diversidade cultural humana!

Os campos de investigação, distin-tos em cada etnociência, mesmo na etnomusicologia e na etnolin-güística, apesar dessas possuírem intersecções com a etnocenologia, ao tratarem do corpo humano e de sua apresentação e representação coletivas!

4 No sentido de prática artística situada na interface das artes cênicas e visuais, apa-rentada ao happening, e não no sentido mais amplo que lhe é atribuído pelos estudos da performance.

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Campos de saber que se relacionam com a

etnocenologia

Semelhanças Disparidades

A etnometodologia O reconhecimento e a va-lorização da necessidade de inserção (imersão) do sujei-to no objeto da pesquisa, o que possibilita uma melhor compreensão interna desse objeto, de como os sujeitos nele envolvidos o pensam e conformam!

A proposição da etnometodologia, de caráter claramente metodoló-gico para o âmbito exclusivo da sociologia, distante da perspectiva claramente estética - e teórico-metodológica - da etnocenologia, que se situa no campo das diversas artes e formas de espetáculo!

A antropologia teatral O interesse pela diversida-de de práticas espetaculares, a dedicação à prática artís-tica e à articulação entre teoria e prática!

A ênfase da antropologia teatral na busca de princípios espetacu-lares universais, simultaneamente reafirmando o étimo teatro como referência universal, distanciando-se da ênfase da etnocenologia nas semelhanças e distinções das di-versas artes e formas de espetáculo, com uma amplitude de referência etimológica (cena, corpo, espetácu-lo) simultaneamente maior e crítica do “teatrocentrismo”!

Os estudos da performance A articulação entre antro-pologia, estudos teatrais, teoria e prática, interesse pela diversidade cultural e, parcialmente, a aceitação de uma perspectiva epis-temológica que permite a conformação do objeto a partir do olhar do sujeito!

Os estudos da performance vão do âmbito estético ao fenomenológico e aos aspectos antropológicos, sociais e culturais, enquanto a et-nocenologia se situa claramente no campo estético, da sensorialidade e dos padrões compartilhados de beleza!5

A etnocenologia teria então muitos pontos de contato com algumas propo-sições das ciências do homem, como a etnometodologia e as etnociências em geral, particularmente a etnomusicologia e a etnolingüística, além da sociologia e antropologia interessadas na teatralidade cotidiana e na metáfora do espetáculo. Além disso, e de um modo ainda mais claro (e do ponto de vista teórico-prático, talvez também mais confuso), a etnocenologia se aproximaria da antropologia teatral e dos estudos da performance. 5

No entanto, a etnocenologia, visivelmente distanciada das ciências do homem, também difere da antropologia teatral ao valorizar os princípios característicos de cada forma, prática e comportamento espetacular, sem visar a identificação de

5 Segundo Renato Cohen, “o estudo da performance desloca-se do campo estético para o da fenomenologia e dos aspectos culturais, antropológicos e sociais...”, na rubrica “Performance” do Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos(242).

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um conjunto de princípios universais. Se distingue também por seu interesse e abertura à criação e crítica de modo integrado, mas não concomitante. A etnoce-nologia também se diferencia dos estudos da performancepor sua clara opção pelo campo estético, compreendido simultaneamente como o âmbito da experiência e da expressão sensorial, assim como dos ideais de beleza compartilhados e sua perspectiva transdisciplinar bastante ampla, que vai, por exemplo, das ciências da educação e da vida, como a pedagogia e a biologia, até as chamadas ciências exatas, como a etnomatemática. Enquanto isso, os estudos da performance constituem um campo transdisciplinarmais restrito às ciências sociais, uma perspectivamenos ampla cujo campo não éo estético, comonaetnocenologia.

Visando a maior clareza possívelneste esforço de esclarecimento epistemoló-gico, vale reafirmar o desejado caráter provisório (Bião, Aspectos 364-367) desta nova transdisciplina, desde seu nascimento, e tentar situar a etnocenologiacomo grande área de conhecimento no quadro institucional brasileiro contemporâ-neo. Aqui, em termos estratégicos, sócio-econômicos, geopolíticos e, sobretudo, conceituais, a etnocenologia se inscreve na área das “Artes”, e não, por exemplo, na área das “Ciências”. Assim, de acordo com a atual classificação de referência da principal agência brasileira de fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia6, estamos no âmbito da grande área denominada “Lingüís-tica, Letras e Artes” que, obviamente, compreende a área propriamente chamada “Artes”. É certo que a etnocenologiatambém poderia, de acordo com essa mesma classificação, se inscrever nas grandes áreas das “Ciências Humanas” e das “Ciências Sociais Aplicadas”. No entanto, a primeira opção fortalece nossa área, as Artes, e, nela, os cursos de graduação e pós-graduação, grupos de pesquisa e a produção artística, contribuindo para a legitimação dessa área de conhecimento, merecedora de financiamento e de reconhecimento institucional. Um campo epistemológico-metodológico autônomo, embora certamente não independente e isolado, mas integrado e transdisciplinar.

A concretude ontológica

Buscando enfrentar a problemática da definição dos objetos da etnocenolo-gia, originalmente descritos como as “práticas e os comportamentos humanos espetaculares organizados” (Pradier, Manifesto 21-22), eu próprio sugeri, pos-teriormente, organizá-los em três subgrupos: artes do espetáculo, ritos espeta-culares e formas cotidianasespetacularizadas pelo olhar do pesquisador. Mais recentemente, eu atribuiria a esses três conjuntos ou subgrupos, a condição de serem, respectivamente, objetos substantivos, adjetivos e adverbiais. Uso aqui, por minha própria conta, três classes gramaticais: substantivo, adjetivo e advérbio.

6 Consultar, a esse respeito, para maiores detalhes, a Tabela de Área do Conhecimento do CNPq, em <http://www.cnpq.br/areas/tabconhecimento/index.htm>.

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Assim, substantivamente, seriam objetos da etnocenologia, no âmbito do primeiro conjunto de objetos, o que se compreende, em língua portuguesa (tam-bém em outras línguas, mas provavelmente de modo mais explícito, sobretudo, naquelas lingüisticamente aparentadas ao português), como as diversas “artes do espetáculo”. Como não poderia deixar de ser, em nosso quadro cultural, dito ocidental, de matriz greco-romana (em um contexto tanto profissional quanto amador), essas artes do espetáculo compreendem o teatro, a dança, a ópera, o circo, a música cênica, o happening, a performance e o folguedo popular, este último correspondente ao que Mário de Andrade denominou, no Brasil, de danças dramáticas7. Seriam esses objetos aqueles criados, produzidos e pensados pelas comunidades nas quais ocorrem, como atos explicitamente voltados para o gozo público e coletivo enquanto atos concretos de realização reconhecível por todos como “arte”, em seu sentido mais gratuito e simplificado. Sua função precípua seria o divertimento, o prazer e a fruição estética (no sentido senso-rial e de padrão compartilhado de beleza) e, em última instância, o conforto comunitário menos compromissado com outras esferas da vida social, ainda que contemple práticas profissionais e amadoras remuneradas de seus artistas8.

Também seriam objetos de interesse da etnocenologia o que denominei de ritos espetaculares, ou, dito de outra forma, aqueles fenômenos apenas ad-jetivamente espetaculares. Esses fenômenos, sem possuírem todas as mesmas características acima descritas de modo explícito e cabal, mormente no que tange à gratuidade, ainda assim envolvem em sua realização, também concreta e coletiva, formas sociais de representação aparentadas às do teatro e da ópera, por exemplo, formas de padrões corporais ritmados, como os compartilhados com a dança e a música cênica, formas de brincadeira comunitária, assim como certos folguedos, e formas de ações coletivas envolvendo o prazer do testemunho do risco físico, como as artes circenses. É o campo dos rituais religiosos e polí-ticos, dos festejos públicos, enfim, dos ritos representativos ou comemorativos, na terminologia de Émile Dürkheim (1985, 542-546). Nesse grupo de objetos,

7 Concordando com as considerações críticas de Edison Carneiro (1961; 1982), a propósito da opção de Mário de Andrade, prefiro a designação de folguedo à de danças dramáticas, esta sendo mais restrita que aquela. 8 Vale considerar que, em português, no âmbito das artes do espetáculo estritamente profissionais, no qual se encontram os artistas que vivem de sua arte, ganhando sua vida com suas atividades nesse mesmo âmbito, o léxico habitualmente utilizado remete a trabalho, enquanto que no campo das práticas amadorísticas, nas quais seus participantes (artistas) também podem ser remunerados, mas ganham sua vida no exercício de outras profissões, fora do âmbito das artes do espetáculo, o léxico habitual inclui palavras como brincar, brincadeira, brinquedo, brincante e brincador. Essa é mais uma razão por nossa preferência pela designação de folguedo para esse subconjunto de objetos substantivos da etnocenologia. Curiosamente, em outras línguas, o léxico relativo ao lúdico se encontra mesmo no âmbito do exercício profissional, por exemplo, do teatro: em inglês to play, em francês jouer, em alemão spiell.

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ser espetacular seria uma qualidade complementar, imprescindível decerto para sua conformação, mas não substantivamente essencial.

É certo que distinguir, de modo perfeito, esses dois primeiros grupos, um de objetos substantivamente espetaculares e outro de objetos adjetivamente espetaculares, é um exercício teórico-conceitual complexo e delicado. No en-tanto, consideremos, como é hábito na construção epistemológica e mesmo na comunicação humana mais comezinha, poder distinguir desde um ponto de vista apenas teórico esses dois grandes grupos e considerar a possibilidade de interfaces, de cruzamentos e de transgressões de fronteira e, sempre que assim for o caso, nomear e descrever esse pertencimento talvez duplo.

Finalmente, objetos espetaculares adverbiais seriam aqueles pertencentes ao terceiro grupo de objetos da etnocenologia: os fenômenos da rotina social que podem se constituir em eventos, consideráveis, a depender do ponto de vista de um espectador, como espetaculares, a partir de uma espécie de atitude de estranhamento que os tornaria extraordinários para um estudante, um estudioso, um curioso, um pesquisador, enfim, um grupo de interessados em pesquisá-los. Isto nos diferencia da perspectiva de Jean-Marie Pradier, exposta em nosso manifesto fundador, por exemplo, bem como da perspectiva de ChérifKhaznadar (1999, 55-59), exposta em sua comunicação ao III Colóquio Internacional de Etnocenolgia, realizado em Salvador em 1997, que excluem esse terceiro grupo de objetos do campo da etnocenologia.

Alternativas lexicais

Desde a proposição da etnocenologia, em 1995, os preconceitos lingüísticos e a necessidade de um vocabulário epistemológico específico têm sido questões centrais na construção dessa nova disciplina (Pradier, Ethnoscénologie) ou, talvez, melhor dizendo, dessa nova perspectiva transdisciplinar, conforme registra o documento final do V Colóquio Internacional de Etnocenologia, realizado em Salvador, Bahia, Brasil, de 25 a 29 de agosto de 2007.

O esforço de se conhecer o diferente e o diverso passa pelo desafio de se compreender o discurso em volta do novo objeto que se quer conhecer, bem como conhecê-lo desde seu próprio interior, inclusive seu léxico e sua língua nativa. A nova forma de se referir, por exemplo, ao que se chamava há alguns anos na Europa ocidental de “ópera de Pequim”, agora denominada, a partir da França, de “Jing-Ju”, revela essa busca e a complexidade de nosso desafio. Pois aqui se trata de uma transcrição fonética do chinês original para a língua francesa. Como se poderá transcrever Jing-Ju para o português, por exemplo, admitindo-se que todos, entre o Brasil e a França, compreendam o Jing-Ju como uma forma, uma arte espetacular autônoma e não uma ópera, um teatro, ou uma dança da China? É fato que o que se chamava anteriormente de Pequim em português, e Pékin em francês, passou-se a chamar mais recentemente no Ocidente de Beijing. O peso crescente da China no panorama mundial sugere muitas novas

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mudanças, como, por exemplo, a do antigo Cantão, no contemporâneo Cuan-dong ou Guangdong,em inglês e português ou ainda Kouang-Tong,em francês.

A complexidade desse desafio é tão maior quão se pode facilmente perceber tratar-se de uma busca sem fim e extremamente pretensiosa:a de se conhecer tudo como cada um que vive e faz cada coisa o conhece. Talvez tão pretensiosa seja essa idéia quanto o próprio desejo humano de se construir um edifício até o céu, que, segundo a bíblia cristã, teria resultado na aparição da multiplicidade de línguas diferentes, no mito da Torre de Babel. Talvez seja menos pretensiosa ao se pensar em um só objeto. Mas como comunicar seu conhecimento ao mundo?

Conhecer o que não se conhece é se reconhecer no novo que se busca con-hecer, algo que já existe no velho e, paulatinamente, ir transformando o velho ao mesmo tempo em que, inevitavelmente, também se transforma o que se passa a conhecer, o novo. É nascer de novo, a cada passo, junto com o próprio caminho que se percorre, transformando-o continuamente.

Na tentativa – vã? – de contribuir para a construção de um léxico para a etno-cenologia, e a partir de meu próprio trajeto e de meus colegas e alunos mais próxi-mos (Biao, Um Trajeto, muitos Projetos), proponho o que se segue, na esperança de que eventualmente possa ser útil.Do ponto de vista epistemológico, além de um conjunto de noções de referência conceitual, que nomearei a seguir, vale considerar quatro condições desejáveis para o bom, belo e útil desenvolvimento da pesquisa: a serenidade, a humildade, o humor e o amor. Vale também assumir a necessária implicação do sujeito, responsável pela generosa construção de um discurso sobre o trajeto que liga objetos a sujeitos, em uma busca poética, comprometida e libertária.

A experiência e a expressão dos artistas, provenientes das mais diversas for-mas de espetáculo, singulares e distintas nas mais diversas culturas, somadas à experiência de sistematização de processos de trabalho, dos encenadores, atores, coreógrafos, dançarinos e outros artistas do espetáculo que convivem cotidia-namente com o ambiente acadêmico, servem de suporte para a constituição do horizonte teórico da etnocenologia. Esse horizonte pode também, conforme já sugeri, se beneficiar das contribuições da antropologia teatral, dos estudos da performance e das ciências humanas e sociais aplicadas, particularmente suas vertentes dedicadas à antropologia do imaginário (Durand), à sociologia compreensiva do atual e do cotidiano (Maffesoli,La connaissance ordinaire…), à descrição etnográfica densa (Geertz, A interpretação), à história de vida (Fe-rrarotti; Queiroz et al.), à história oral e à história das mentalidades ( Joutard; Duby937-966) e, finalmente, aos estudos da literatura oral (Zumthor; Santos).

Vale, assim, então, nomear as noções epistemológicas de referência para a pesquisa em etnocenologia:

·Alteridade, identidade, identificações, diversidade, pluralidade e reflexividade – conjunto de noções que remete à consciência das semelhanças e diferenças entre indivíduos, grupos sociais e sociedades, por um lado e, por outro, à capacidade humana de refletir a realidade e sobre ela, de modo consciente, experimentando e exprimindo sensibilidade, sensorialidade, opções de prazer, beleza, desejo e

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conforto. Nesse primeiro conjunto de noções, vale ressaltar a emergência da noção de “identificação”, como uma construção temporária, existencialista e dinâmica, contraposta à de “identidade”, como uma categoria definitiva, essencialista e estática, que se encontraria em crise na contemporaneidade9;

·Teatralidade e espetacularidade – o par de categorias ideal-típicas referente à convivência em sociedade.A primeira se aplica às pequenas interações rotineiras, nas quais os indivíduos agem em função do interlocutor (para o olhar do outro, como no sentido etimológico do teatro), de modo mais ou menos consciente e confuso, sem distinção clara entre “atores e espectadores”, por desempenharem aí, todos simultanemente, os dois “papeis”; e a segunda aplicada às maiores interações extraordinárias, quando coletivamente a so-ciedade cria fenômenos organizados para o olhar de muitos outros, que dele têm consciência clara como “atores” ou “espectadores”10;

·Estados de corpo e estados de consciência (Bourguignon; deLapassade; Biao, Théâtralité et spectacularité132-142) - o interesse pelos estados “alterados” de consciência nos rituais de possessão e cultos religiosos é uma constante no âmbito da antropologia, que eventualmente alude ao teatro, como o faz, por exemplo, Michel de Leiris (1958). Mais contemporaneamente, a relação entre artes e formas de espetáculo e estados modificados de consciência tem sido ressaltada11, levando-nos a sugerir que o treinamento corporal e mental de dançarinos e atores, por exemplo, gera não apenas estados modificados de corpo, relembrando as reflexões de Marcel Mauss (1985) sobre as técnicas de corpo, mas também estados modificados de consciência;

·Transculturação e Matrizes Estéticas12 - o conceito sugerido por Fernando Ortiz se aproxima decerto de algumas possíveis leituras de outros conceitos

9 Sobre identidade e identificação, ver, de Michel Maffesoli, Le temps des tribus – déclin de l ’individualisme dans les sociétés de masse (1988) e, sobre reflexividade, de Harold Garfinkel, Studies in ethnonmethodology (1967), de Victor Turner, Process, performance and pilgrimage (A study on Comparative Symbology) (1979, 65) e, de Alfred Schütz, Le chercheur et le quotidien (1987,114-).10 Propus essas categorias em minha tese de doutorado (1990); ver, também de minha autoria, “A metáfora teatral e a arte de viver em sociedade” (1991, 104-110).11 Ver, entre outras contribuiçõ espublicadas nessa obra, a de Jacques Pimpaneau, “Les liens entre les cultes médiumniques et lê théâtre, entre les chamans et les acteurs”, in Actes des Rencontres Internationales sur la fête et la communication (1986).12 Sobre transculturação ver, de Fernando Ortiz, “Contra punteo cubano del tabaco y del azú-car”, in Taller de Letras (2003) e, de Rafael Mandressi, Transculturation et Spectacles Vivants en Uruguay 1870 - 1930 - Une Approche Ethnoscénologique (1999); sobre matrizesculturais, ver, de Armindo Bião “Matrizesestéticas: o espetáculo da baianidade” (2000, 15-30).

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correlatos mais antigos, como, por exemplo, o de aculturação. Porém, sua proposição, cunhando um novo termo, reafirma o fenômeno do contato cul-tural como gerador de novas formas de cultura, distintas das que lhes deram origem, o que remete ao desejo de identificação de suas matrizes culturais, o que, reafirmamos, só é válido como objeto de pesquisa, considerando-se a reconstrução constante e dinâmica da tradição.

O horizonte teórico-metodológico aqui esboçado é apenas um dentre muitos possíveis. E é exatamente assim que aqui se compreende a noção de trajeto, retomada na última parte deste trabalho, como a necessária e imprescindível articulação entre o sujeito e o objeto, retomando, por minha própria conta, as idéias de “objetivação do subjetivo” de Erwin Panofsky, de “trajeto antropológico” de Gilbert Durand e de “trajetividade” de Augustin Berque13.

Um projeto metodológico

Na perspectiva do trajeto aqui tratado, começou a se esboçar uma estrutura para futuros projetos de pesquisa, inicialmente com base na escolha e descrição de um objeto de estudo, a partir de uma reflexão pessoal sobre as apetências e competências do sujeito, seguida da definição e experimentação de um possível trajeto teórico-metodológico e da definição, a partir desse ponto de vista, do sujeito da pesquisa, concluindo-se, por fim, pela elaboração do projeto. Nele, o pesquisador deverá indicar as técnicas que presume úteis para o pleno desenvolvi-mento do trabalho. Haveria aí dois conjuntos principais de técnicas a considerar.

Há técnicas, ou instrumentos, de pesquisa, que podem ser tomados de empréstimo às ciências do homem, aqui brevemente citadas. Encontram-se aí as entrevistas (abertas, fechadas, com e sem roteiro estruturado etc), as obser-vações participantes, as descrições etnográficas densas, os cadernos de pesquisa de campo, as histórias de vida, as coletas e transcrições de textos da literatura oral, os registros fonográficos e audiovisuais. Nesse âmbito, o pesquisador artista, proveniente do campo das artes do espetáculo, muito dificilmente e excepcionalmente poderá se equiparar aos profissionais da antropologia e suas perspectivas teóricas e teórico-metodológicas de referência14, posto que esses praticam por mais tempo. Também recebem maior preparação teórica, prática e pragmática específica, por exemplo, técnicas como as das descrições etnológicas

13 Ver, de Erwin Panofsky, La perspective comme forme symbolique (1975, 158-170; Gilbert Durand (1969, 38-); e, de Augustin Berque, Le sauvage et l ’artifice – les japonais devant la nature(1986, 147-153).

14 Um caso exemplar é a obra de Leda Martins Afrografias da Memória – O Rei-nado do Rosário no Jatobá (Perspectiva/ Mazza, 1997), que, sem se inserir explicitamente no âmbito da etnocenologia (da qual não há menção na obra), pode inspirar muitas pesquisas nessa perspectiva.

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densas. Já o pesquisador das artes cênicas, para quem essas técnicas são apenas complementares às específicas de sua própria área de conhecimento e atuação, compensa seu menor tempo de prática e de formação específica com sua “com-petência única” (voltando a usar um jargão da etnometodologia) de observar detalhes relativos à expressão corporal e vocal, movimentação e caracterização dos integrantes de seu objeto de estudo. Tais observações, identificadas por diversos examinadores de suas teses e dissertações, tornam-se invisíveis para pesquisadores com experiência restrita às ciências humanas.

O outro conjunto de técnicas e instrumentos de pesquisa resulta da adaptação e construção de novas técnicas, no mesmo âmbito das artes do espetáculo, informadas principalmente pela experiência dos artistas e o registro de seus processos e projetos de criação, ou seja, a expressão sistemática de sua própria experiência. Nesse âmbito encontram-se, por exemplo, os cadernos de direção, os diários de ator e as anotações para caracterização de personagens, para construção de cenários e para confecção de adereços. Além disso, pode-se pensar em buscar inspiração para a constituição desse conjunto de técnicas e instrumentos de pesquisa das artes do espetáculo nos relatórios de pesquisa e em seus respectivos anexos, particularmente teses e dis-sertações de pós-graduação de etnocenologia e os próprios resultados publicados de trabalhos que reclamem pertencer ao espectro de pesquisas em etnocenologia.

No âmbito desse segundo conjunto de técnicas e instrumentos de pesquisa, é de se destacar a importância dos trabalhos similares já realizados, principalmente para projetos futuros que contenham criações artísticas em seu trajeto e/ou que prevejam criações artísticas em seus resultados. É fato que projetos de pesqui-sa envolvendo criação artística demandam um planejamento extremamente meticuloso, incluindo variantes de difícil controle, pois implicam sempre um maior volume de recursos humanos, financeiros e materiais do que projetos de pesquisa, digamos, mais tradicionais nos cursos de pós-graduação brasileiros, mesmo nas áreas das artes do espetáculo dedicadas exclusivamente aos aspectos crítico-teóricos. Essa outra vertente, crítico-criativa, ainda que já algo expressiva do ponto de vista estatístico, ainda permanece menos representativa em termos quantitativos, quando comparadas à tendência predominante de projetos que não abrigam em seu trajeto, nem em seu conjunto de resultados, qualquer no-vaencenação ou outra forma de espetáculo. Assim, o caráter de fenômeno vivo, ou “ao vivo”, das artes do espetáculo só se afirma nesse trajeto ainda minoritário por seus resultados como prática artística usufruída ao vivo – e devidamente registrada - e de prática artística registrada ao vivo e usufruída através de um produto audiovisual, também devidamente registrado.

Antes de avançar para a conclusão, vale uma reflexão, ainda que extremamente breve e arriscada, sobre a expressão francesa “spectaclevivant”15, em minha opi-nião, mal traduzida como “espetáculo vivo”. Na verdade, uma melhor tradução

15 Ver, a esse propósito, de Jean-Marie Pradier, “Os estudos teatrais ou o deserto científico” (2000, 38-55).

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talvez fosse a expressão “espetáculo ao vivo”, para designar aquele fenômeno que ocorre em um mesmo tempo/espaço, compartilhado por artistas e público e que se constitui no cerne dos objetos de estudo da etnocenologia. O fato eventual dele também ser compartilhado por outros artistas ou espectadores, ao mesmo tempo, mas em espaços distintos, é efetivamente apenas acessório. No entanto, aí se insere a problemática da relação das artes do “espetáculo ao vivo” com os meios audiovisuais, mais um campo arriscado, repleto de mal-entendidos e po-lêmicas e também merecedor de reflexões. Em minha perspectiva, esses meios interessam sim à etnocenologia, sempre que registrem “espetáculos ao vivo” ou sempre que, de algum modo, se articulem com eles.

Atualidade da problemática: ser ou estar, eis a questão!

O panorama contemporâneo das artes do espetáculo confirma um século de renovação dos estudos teatrais, a partir dos fenômenos de transculturação, bem como sua vocação histórica e tradicional de arte da encruzilhada, local de encontros e mal-entendidos. De fato, a profissionalização das artes do espe-táculo está intimamente associada aos espaços e tempos das encruzilhadas, de encontros, de passagem, comunicação e mal-entendidos, de origem das feiras, dos mercados e das cidades.

Foi aí que a Commediadell ’Arte, a própria ideia de alteridade (consciência de si e de suas diferenças em relação ao outro), bem como a de transculturação (encontro de culturas que gera outra) se foram construindo. Encontra-se pre-cisamente aí a base dos grandes eventos nas artes do espetáculo, seja quando o estrangeiro é concebido como bárbaro (no teatro grego antigo, onde Aristóteles recomendava evitar personagens estrangeiros na tragédia por seu intrínseco poder cômico, já que seu sotaque e parco domínio linguístico do grego seriam motivos de riso), seja quando o estrangeiro é concebido como selvagem sujeito à catequização, como no teatro jesuítico transcontinental (do Brasil e da China, por exemplo). Seja, também, quando o estrangeiro é simplesmente inspiração temática, como na ópera barroca européia (com ações no Egito, por exemplo), ou, ainda, quando o estrangeiro é apenas inspiração arquitetônica, como no Kabuki japonês (com seu espaço influenciado pelo teatro europeu), ou, bem mais contemporaneamente, quando o estrangeiro é até inspiração estruturante.

De fato, mais uma vez, isso fica evidente a partir de uma simples e breve enumeração de artistas e de suas inspirações transculturais. Na dança moderna, Isadora Duncan buscou inspiração no que acreditava ser a contribuição da Grécia Antiga para sua arte. Ruth Saint Denis e Ted Shawn renovaram a dança com sua inspiração nas artes do espetáculo do Oriente. LouieFüller buscou nas novas tecnologias da iluminação e da imagem, bem como na movimentação de pequenos seres vivos revelada pela nova biologia, material para sua dança. Stanislavski viu nos cantores italianos de opéra e na gente simples do campo a inspiração para propor sua metodologia de preparação de atores. Bertolt Brecht se inspirou no

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que vislumbrou nas parcas apresentações da Ópera de Pequim que presenciou. AntoninArtaud motivou seu discurso no que conheceu, ainda que de segunda mão, das danças de Bali (em feiras mundiais em Paris) e, mais diretamente, de suas experiências alucinógenas e metafísicas com ameríndios do México. Augusto Boal propôs seu theatre in the round, inspirado no que conheceu em sua rápida vivência norte-americana e, depois, de modo mais amplo, desenvolveu suas proposições de teatro do oprimido, com base em duras vivências durante seu exílio pela América Latina. JerzyGrotowski buscou em suas vivências místicas na Europa do Leste, na Índia e no Haiti, material para seu trabalho. Peter Brook também se inspirou em viagens pela Índia e pelas Áfricas, eventualmente angariando críticas ferozes de nativos que se sentiram traídos por ele. Eugenio Barba criou sua antropologia teatral em circuito de transculturação, assim como KazuoOhno buscou inspiração na Espanha, Pina Bausch em múltiplas vivências de outras culturas (norte-americanas, latinas e euro-mediterrâneas) e ArianneMnouchkine foi da Grécia Antiga e da França moderna ao Tibet, à China e ao Vietnam contemporâneos.

Em termos teóricos, ainda que circunscritos à Europa ocidental contem-porânea, vale lembrar que cinco dos mais reconhecidos intelectuais de nossa área têm mantido algum tipo de diálogo com a etnocenologia e demonstrado profundo interesse na transculturação: Patrice Pavis (Dictionnaire du théâtre 125; L’analyse des spectcales 264-265), Marco de Marinis (102), Hans-ThiesLehmann (275-278), André Helbo (5) e Michel Corvin (524-525)16.

Retomando as breves considerações aqui esboçadas sobre os problemas de tradução e confusão lingüística e pretendendo aportar nova contribuição à famosa tirada da personagem shakespeareana, eu ousaria afirmar que a melhor tradução para as línguas ibéricas (portuguesa e espanhola) do “to beornot to be, that is thequestion” seria “ser ou estar, eis a questão”! Isto porque é o contingente (de “estar”) que determina as artes do espetáculo e não o essencial (de “ser”), o que é quase intraduzível em muitos outros idiomas, além do espanhol e do português.

De fato, a pretensão teórica de definir o que seria seu alvo central, inclusive em boa parte dos estudos teatrais, falhou sempre quando buscou a universali-

16 Em diversas ocasiões, tive a oportunidade de estar com todos esses pesquisadores, inclusive recebendo em Salvador a visita de Patrice Pavis, Marco de Marinis e Hans-Thies Lehmann. Em Paris, convivi com Patrice Pavis (na Universidade de Paris 8, de 1997 a 2000). Em Bruxelas, em diversas ocasiões, em 2009, trabalhei com André Helbo no Pro-grama Erasmus Mundus. Também, em Bruxelas, em 2009, estive no júri de doutorado da orientanda de André Helbo, Catherine Bouko (La réception spectatorielle et les formes postdramatiques du spectacle vivant), com Marco de Marinis. No mesmo ano, participei de seminários de Hans-ThiesLehmann, pelo Programa Erasmus Mundus, na Universidade Goethe em Frankfurt amMain. Em 1986, colaborei com Michel Corvin, no verbete sobre o Brasil de seu Dictionnaire encyclopédique du théâtre à travers le monde, cujas mais recentes edições passaram a incorporar o verbete ethnoscénologie. Marinis, Lehmann e Helbo colaboram com a revista Repertório teatro & dança, da qual sou editor responsável.

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dade. Mesmo os teóricos que, como Pavis, buscaram nas semiologias a base de suas especulações, acabaram se rendendo ao interesse intercultural e relativista (L’analyse des spectcales), assim como Lehmann, em sua busca por definir a abrangência contemporânea do que seria pós-dramático (Le théâtre postdrama-tique). De Marinis, tentando enriquecer sua teatrologia experimental, buscaria nas neurociências (“Nova teatrologia...”), assim como a etnocenologia, novas fontes para a compreensão dos estados humanos de consciência e corpo, fora de uma inatingível essência do ser. Helbo se associaria a Lehmann, Schechner, Pradier e até a este autor para sua primeira grande experiência de um consórcio trasncontinental para o Master Erasmus Mundus Artes do Espetáculo (2009/ 2010). Corvin recorreria a ChérifKhaznadar e a Pradier para definir a etnoce-nologia em seu hoje referencial dicionário enciclopédico (2008). De fato, é no “estar” do efêmero, circunstancial e vivant, que existem as artes do espetáculo e não em uma identidade imutável e essencial do “ser”. Eis a questão, que, entre outras tentativas teóricas contemporâneas, a etnocenologia busca compreender.

Conclusão

O presente artigo revela um momento de um trajeto, de apenas um dos inúmeros possíveis e reais trajetos da etnocenologia, que poderão, talvez, ao longo de mais algumas décadas, contribuir para a construção de um paradigma científico internacionalmente compartilhado por um grupo maior de pesquisa-dores e artistas. Trata-se, sem dúvida, de uma contribuição humilde e ao mesmo tempo, pretensiosa. Porém, também se trata de uma proposição sincera e otimista quanto à possibilidade de convivência das coincidências, diferenças, contradições e debates perante esse novo paradigma, condição indispensável para o exercício profícuo da criatividade científica e da criação artística.

Considerou-se aqui o poder abstrato e mágico da palavra, bem como suas possíveis implicações ideológicas, ainda que – admito – a partir de meus próprios preconceitos. O léxico, apenas entrevisto (Biao, “Um Léxico para a Etnoceno-logia”), não levou em conta, por exemplo, a palavra performance, utilizada por muitos colegas na etnocenologia. De fato, considero que essa palavra só contribui para a confusão epistemológica e metodológica na etnocenologia17.

Prefiro também denominar o artista do espetáculo, ou o participante ativo da forma, ou arte espetacular, com as palavras usadas pelos próprios praticantes dos objetos de nossos estudos, quando se autodenominam atores, dançarinos, músicos, brincantes, brincadores, sambadores e outros. Prefiro sinceramente

17 Eu próprio, ainda em 1995/ 1996, usei e justifiquei essa palavra (1996, 12-20), que se encontra na denominação de uma outra perspectiva aparentada à etnocenologia, os performance studies (Schechner, 2002), que com ela não se identifica plenamente, mas que com ela pode eventualmente se confundir (Bião, “Um trajeto...” 24), o que temos a pretensão de vir a evitar.

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isso a usar outras palavras já sugeridas: performer, actante, ator-dançarino ou ator-bailarino-intérprete, por exemplo.

E à palavra performance, tão polissêmica (Cohen 240-243), prefiro, sempre, usar espetáculo, função, brincadeira, jogo ou festa, conforme quem vive e faz chama aquilo que faz e vive.

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Recepción: Junio de 2011Aceptación: Octubre de 2011