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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ – REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “ A VEZ DO MESTRE ”
A UTILIZAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOMOTORAS NA
AQUISIÇÃO DA ESCRITA EM CRIANÇAS DE 6 A 8 ANOS
Autora:
CARMEN PARANHOS DE GUSMÃO
RIO DE JANEIRO
JUNHO/2003
RESUMO O desenvolvimento das funções psicomotoras em crianças de 6 a 8 anos
é de fundamental importância na aquisição da escrita, haja vista ser a
psicomotricidade, segundo Bastos (2001):
“Uma ciência que procura educar o movimento ao mesmo tempo em que desenvolve as funções da inteligência considerando todos os aspectos emocionais” (Bastos,2001:30)
Sendo assim, somente com o trabalho lúdico e com o suporte motor, o
pensamento poderá ter acesso aos símbolos e à abstração, fato este que é
essencial para a aquisição da escrita.
Desta forma, este trabalho procurou destacar a importância das funções
psicomotoras relacionando-as com a aprendizagem.
Objetivou-se evidenciar que a função motora, o desenvolvimento
intelectual e o desenvolvimento afetivo, tripé que consiste a essência da
psicomotricidade, estão intrinsicamente ligados à aquisição da escrita em
crianças de 6 a 8 anos no período de alfabetização.
METODOLOGIA
Na presente dissertação, utilizou-se como metodologia a consulta a
literatura pertinente ao assunto, as discussões de professores de uma escola
da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, através da observação de
seus Centros de Estudos e também a observação e participação na rotina das
aulas das turmas do 1º Ciclo de Formação da mesma rede.
Esta pesquisa foi realizada na Escola Municipal Baptista Pereira,
localizada no Andaraí, onde a pesquisadora já atuava como professora e no
momento atua como diretora adjunta.
No cotidiano do trabalho de investigação, as observações tinham por
objetivo principal perceber de que forma a psicomotricidade e o
desenvolvimento psicomotor se fazia presente, nas turmas de alfabetização
naquela escola e também de verificar a contribuição da mesma no processo de
aquisição da escrita.
ÍNDICE Introdução............................................................................................................1
I. Pressuposto Teórico..............................................................................3 II. A importância da Psicomotricidade
2.1. História e Definição........................................................................6
2.2. A psicomotricidade e o desenvolvimento da aprendizagem........11
III. A Aquisição da escrita 3.1 Evolução Histórica........................................................................17 3.2 A evolução da escrita na criança.................................................19
IV. O desenvolvimento psicomotor na criança de 6 a 8 anos
4.1 O que é o desenvolvimento psicomotor........................................21 V. A influência do desenvolvimento psicomotor no processo de aquisição da escrita na criança de 6 a 8anos...............................................23 VI. Conclusão..............................................................................................32 VII. Referências Bibliográficas..................................................................35
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa evidenciar a importância do desenvolvimento
psicomotor, da afetividade, do lúdico, enfim da psicomoticidade em todos os
processos que envolvem a aquisição da escrita.
A escrita é um produto da evolução histórico-cultural da humanidade.
Por ser um sistema ordenado, a criança precisa compreender sua organização
para ter domínio sobre ela. Muitos fatores de ordem sociocultural fazem parte
do processo de aprendizagem da escrita e os períodos do desenvolvimento
humano determinam diferentes formas de abordar o ensino da mesma. A
escrita sendo um produto cultural, é facilitada através do ensino intencional e
organizado, pois não se realiza pela herança genética, como acontece com a
fala. Abarca dois tipos principais de atividade: escrever e ler , que por sua vez ,
envolvem aspectos distintos, tanto que é possível ler uma língua e não saber
escrevê-la.
A aprendizagem não se dá no vazio. É uma realização individual, por
meio de uma construção que é histórica e social e que supõe , portanto a
interação com o outro e com a produção simbólica da humanidade. As
condições para que uma criança aprenda vão variar de acordo com o seu
período de formação. Assim, o ensino da escrita deve ser adequado para cada
período de formação humana .
Todo processo de aprendizagem está articulado com a história de cada
indivíduo, e o ser humano aprende mais facilmente quando o novo pode ser
relacionado com algum aspecto da sua experiência anterior, com imagens,
fatos que estão na sua memória, com vivências culturais.
A aprendizagem como processo precisa se adequar ao processo do
desenvolvimento das formas de pensamentos e das formas culturais de ação e
uso de instrumentos culturais da criança.
É importante lembrar que a criança não é só uma cabeça que aprende,
mas um corpo todo. Toda criança é um ser de cultura, um ser com emoções e
com uma história. Sendo um ser com experiência simbólica, a aprendizagem
da escrita se insere neste “caminho” do desenvolvimento da função simbólica
no ser humano e neste campo a atuação da psicomotricidade se faz presente.
É de suma importância o desenvolvimento psicomotor nos processos
que envolvem o aprendizado. Já é comprovado que existe uma relação estreita
entre o esquema corporal e a alfabetização e segundo Oliveira (1997):
“a escrita pressupõe, também, um desenvolvimento motor adequado, através de habilidades que são essenciais para seu desenvolvimento. Podemos citar a coordenação fina que irá auxiliar numa melhor precisão dos traçados, preensão correta do lápis ou caneta, bom esquema corporal, boa coordenação óculo-manual . Além disso a criança deve possuir uma tonicidade adequada que irá determinar um maior controle neuromuscular e conseqüentemente determinará uma maior capacidade de inibição voluntária . A inibição voluntária é a capacidade de parar o gesto no momento em que se quer ou se precisa. A rotação do pulso ao escrever e a posição da folha também devem ser considerados, para não haver um maior dispêndio de energia e não provocar dores musculares no braço. Além disso , a criança necessita de uma organização no espaço gráfico, em termos de orientação espacial e temporal” ( Oliveira, 1997:114 ).
No capítulo I dessa pesquisa, foram apresentadas informações relativas
aos estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano, o aprendizado e
as relações entre desenvolvimento e aprendizagem que nos deu suporte para
nossa pesquisa.
No capítulo II abordou-se a história da psicomotricidade, sua definição e
sua atuação no processo do desenvolvimento da aprendizagem.
No capítulo III investigou-se a evolução histórica da escrita enquanto
produção social e os caminhos percorridos pelas crianças no seu processo de
aquisição.
No capítulo IV analisou-se o que é o desenvolvimento psicomotor e
algumas características psicomotoras padrão em crianças de 6 a 8 anos.
No capítulo V pesquisou-se a influência do desenvolvimento psicomotor
no processo de aquisição da escrita, ressaltando também um distúrbio da
escrita, a disgrafia e suas causas.
No capítulo VI concluiu-se este trabalho reafirmando-se a importância da
psicomotricidade e das funções psicomotoras na aprendizagem da escrita em
turmas de alfabetização.
I PRESSUPOSTO TEÓRICO
O corpo teórico trazido por Lev Vygotsky permitiu analisar o processo
da aquisição da escrita em crianças de 6 a 8 anos tendo como base de
discussão a utilização da psicomotricidade e das funções psicomotoras como
elementos essenciais de sua prática.
O desenvolvimento humano, o aprendizado e as relações entre o
desenvolvimento e aprendizado são temas centrais nos trabalhos de
Vygotsky(1987).
A visão vygotskyana nos mostra que o desenvolvimento é fruto de uma
grande influência das experiências do indivíduo. Para ele, desenvolvimento e
aprendizagem estão intimamente ligados: nós só nos desenvolvemos se(e
quando) aprendemos. Além disso o desenvolvimento não depende apenas da
maturação, como acreditavam os inatistas. O ser humano tem o potencial de
andar ereto, articular sons, conquistar modos de pensar baseado em conceitos.
Mas isso resulta dos aprendizados que tiver ao longo da vida dentro do seu
grupo cultural. Apesar de ter condições biológicas de falar uma criança só
falará se estiver em contato com uma comunidade de falantes.
O modo de avaliarmos o desenvolvimento de uma criança normalmente
parte das tarefas que ela já sabe fazer, Vygotsky(1987), denomina essa
capacidade de realizar tarefas de forma sozinha de nível de desenvolvimento
real porém nos alerta que para haver uma compreensão adequada de seu
desenvolvimento devemos também considerar seu nível de desenvolvimento
potencial, que é a sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de
alguém mais capaz.
Essa possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela
interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky(1987), porque de
fato reflete um momento do desenvolvimento que caracteriza não as etapas já
alcançadas, mas etapas posteriores.
A partir dessas postulações define a zona de desenvolvimento proximal
como um caminho a ser percorrido para desenvolver funções que estão em
processo de amadurecimento.
Vygotsgy(1987), ainda nos ressalta a importância da escola pois se o
aprendizado impulsiona o desenvolvimento a escola tem o papel de fazer a
criança avançar em sua compreensão do mundo a partir de seu
desenvolvimento já consolidado e tendo como metas etapas posteriores ainda
não alcançadas.
No contexto escolar, mas não restrito a ele, destaca Vygotsky(1987) o
mecanismo de imitação não como mera cópia de um modelo, mas como
reconstrução individual daquilo que é observado nos outros. Assim não toma a
atividade imitativa, portanto, como um processo mecânico, mas sim como uma
oportunidade da criança realizar ações que estão além de suas próprias
capacidades, o que contribuiria para seu desenvolvimento.
Ao imitar a escrita do adulto, por exemplo, a criança está promovendo o
amadurecimento de processos de desenvolvimento que a levarão ao
aprendizado da escrita. Só é possível a imitação de ações que estão dentro da
zona de desenvolvimento proximal do sujeito.
Em relação à atividade escolar é interessante destacar que a mediação
do professor e das próprias crianças no desenvolvimento de cada indivíduo
podem ser consideradas legítimas promotoras de aprendizado pois podem
tornar a tarefa um projeto coletivo produtivo para cada criança.
Vygotsky(1987) trabalha também com um outro domínio da atividade infantil
que tem claras relações com o desenvolvimento: o brinquedo. Quando discute
o papel do brinquedo, privilegia a brincadeira de “faz-de-conta”, o brinquedo
simbólico. Esta brincadeira cria uma zona de desenvolvimento proximal na
criança.
O comportamento das crianças pequenas é fortemente determinado pelo
concretismo em que elas se encontram. Numa situação imaginária como a
brincadeira de “faz-de-conta” ao contrário, a criança é levada a agir num mundo
imaginário, onde a situação é definida pelo significado estabelecido pela
brincadeira e não pelos elementos reais presentes.
Tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras
específicas, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na
criança.
A escola poderia se utilizar deliberadamente desse tipo de situação para
atuar no processo de desenvolvimento das crianças.
É importante mencionar que como a aquisição da língua escrita é, a
aquisição de um sistema simbólico de representação da realidade, o brinquedo
simbólico é pois uma atividade de caráter representativo, isto é, utiliza-se de
signos para representar significados. Vygotsky(1987) nos alerta que:
“... desenhar e brincar deveriam ser estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças. Os educadores devem organizar todas essas ações e todo o complexo processo de transição de um tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo através de seus momentos críticos, até o ponto da descoberta de que se pode desenhar não somente objetos, mas também a fala. Se quiséssemos resumir todas essas demandas práticas e expressá-las de uma forma unificada, poderíamos dizer que o que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita e não apenas a escrita das letras.”
(Vygotsky,1987:134)
Na concepção de Vygotsky(1987), para desenvolver-se plenamente
como ser humano, o homem necessita, assim dos mecanismos de aprendizado
que movimentarão seus processos de desenvolvimento.
Seguindo esta fundamentação teórica e transportando tais estudos
para a Psicomotricidade, fez-nos ver o quanto o movimento é facilitador de
outros desenvolvimentos(cognitivo, afetivo, social e relacional) e como tal
proposição está inserida na aquisição da escrita em crianças de 6 a 8 anos de
idade.
II A IMPORTÂNCIA DA PSICOMOTRICIDADE
2.1 História e definição
Historicamente o termo Psicomotricidade aparece a partir do século XIX,
na França. Surge na literatura médica ligado a área neurológica, quando os
especialistas passaram a estudar o corpo com objetivo da compreensão das
estruturas cerebrais. Logo, os primeiros estudos que dão origem ao campo
psicomotor correspondem a um enfoque neurológico, como nos afirma
Bueno(1988).
Com o desenvolvimento das pesquisas, pelo neuropsiquiatra Ernest
Dupré, em 1907, há a descrição da debilidade motora e o relacionamento desta
com a debilidade mental, isolando perturbações como tiques, as sincinesias e
as paratonias. Sendo assim, a neuropsiquiatria passa a estudar o corpo para o
conhecimento das patologias mentais.
As pesquisas evoluíram do eixo neurológico e psiquiátrico para o
fisiológico onde temos as abordagens de Head sobre o esquema postural, de
Schilder sobre a imagem do corpo e o eixo psicológico, de Wallon sobre a
correlação entre caráter e motricidade.
Segundo Bueno(1988), posteriormente surge os estudos de Guilmain
“Pai da Reeducação Psicomotora” que no convívio com algumas crianças
portadoras de distúrbios de caráter, ressalta a importância de não somente
exames mensuráveis mas de também se fazer um diagnóstico, uma indicação
terapêutica e um prognóstico na avaliação das mesmas. Determinando assim
um método que foi seguido como modelo durante bastante tempo. Nesta
época, por volta de 1930 surgiram vários testes motores, que podemos
destacar entre eles: os de Gourevitch e Ozeretski, Ozeretski-Vayer(idade
motora), testes de performance-bateria de Walter, testes de Heuyer Bailler,
testes de imitação de gestos de Bergès e Lèzine, perfil psicomotor de Picq e
Vayer. Estes testes objetivavam reeducar a atividade tônica com exercícios de
atitude e equilíbrio, desenvolver atividades de relaxamento com exercícios de
dissociação e coordenação motora associados.
No decorrer da cadeia histórica, a influência de psicólogos gestaltistas
como Lewin, dos fenomenólogos como Merleau-Ponty e dos
desenvolvimentistas Gesell, Wallon, Piaget que em aliança com neurobiólogos
como Diatkine e Ajuriaguerra mudam o enfoque principal do estudo do corpo,
pois a partir daí a emoção passa a entrar no movimento, percebe-se que o
corpo não pode nem deve ser estudado tão somente pelo aspecto motor pois
constata-se que um corpo possui afeto.
Ao término da 2º Guerra Mundial até meados da década de 70
”A psicomotricidade passa a tomar um novo rumo na qual as práticas aproximam-se da visão global do indivíduo e se organizam, com a utilização do exame psicomotor e da reeducação psicomotora aplicadas por profissionais como Ajuriaguerra, Diatkine, Lebovici, Jolivet, Bèrges e Desobeau. Surgem os sindicatos de reeducação psicomotoras e algumas instituições como o Instituto Superior de Reeducação Psicomotora fundado em 1967 por Gisele Soubiran”
( Bueno,1988:22)
Vale ressaltar o nome de Jean Le Boulch, que defendeu a educação
psicomotora em todas as idades e conseguiu junto com outros adeptos, que se
verifica-se a importância e se introduzisse a educação psicomotora na prática
escolar nas instituições de ensino franceses.
Na evolução histórica da psicomotricidade é enfatizado neste momento,
os estudos da psicanálise através das contribuições de autores como Dolfo,
Reich, Lowen, Peris e dos etiólogos infantis como Zazzo, Lèzine e Brunele, nos
mostra Bueno(1988) que:
“Passa-se a investir num expressivo, que fala, emite significado, dando-lhe espaço para a harmonia entre a expressão do corpo e a afetividade. Sua prática envolve técnicas corporais diversificadas como a eutonia, a antiginástica, a psicomotricidade relacional, a expressão corporal”
( Idem,1988:22)
O que pode ser expresso e corroborado nas palavras de Alves:
“Cada elemento da motricidade deve ser considerado no conjunto e na história que lhe dá significação. Por isso mesmo, a psicomotricidade deve ser compreendida em sua integridade, partindo de fenômenos que envolvem o desejar e o querer”
(Alves, 2003:16)
Ainda nos confirma isso Bastos quando nos afirma que
“psicomotricidade é a relação entre o pensamento e a ação, envolvendo a emoção”
(Bastos, 2001:36)
Neste período da evolução há um destaque maior de Jolivet, Gerda
Alexander, Aucouturier, Lapierre, Sami-Ali entre outros que têm uma
abordagem baseada nos conceitos relacionais que só pode ser desenvolvida
por meio do corpo que se expressa, e dialoga e que se comunica com outros
corpos, que revela sua personalidade mais agressiva ou mais afetiva, que se
entrelaça na personalidade dos outros, pelo movimento. Segundo Lapierre
(1986):
“Não podemos existir no desejo do outro a não ser na medida que o outro existe” ( Lapierre,1986:20)
Assim muda o foco do reducionismo da lógica formal para uma visão
mais holística em que os corpos são vistos em interação com o meio, com o
espaço, com os objetos e consigo mesmo. Conforme Capra (1982):
“Precisamos, pois, de um novo ‘paradígma’, uma nova visão da realidade, uma mudança fundamental em nossos pensamentos, percepções e valores. Os primórdios dessa mudança, da transferência da concepção mecanicista para a holística da realidade, já são visíveis em todos os campos e susceptíveis de dominar a época atual” (Capra,1982:50)
O processo evolutivo da Psicomotricidade no Brasil acompanha, de
forma geral o seu crescimento no mundo.
Bueno(1988) nos salienta que seu “nascimento” acontece na década de
1950, onde alguns profissionais que trabalham com as áreas de deficiência
começam a valorizar o corpo e o movimento como elementos interligados,
mesmo sem referí-los ao termo psicomotricidade. No final desta década já
aparecem atividades psicomotoras auxiliando no tratamento de distúrbios de
aprendizagem por lesão cerebral mínima com intuito de atuar sobre as vias de
integração.
Por volta da década de 1960 aparece em nosso país as primeiras
técnicas reeducativas, surgindo ainda nessa época, o questionamento sobre
qual era a área profissional da psicomotricidade: A psicologia, a educação
física, o ensino especial, a fonoaudiologia, etc. Os pontos de vista a cerca da
psicomotricidade se diversificavam e por vezes até se tornavam opostos.
Somente em 1970 que a psicomotricidade aparece realmente com força
no Brasil, através de duas correntes antagônicas conforme citação de Bueno
(1988) :
“ A dos profissionais que aplicavam os métodos vindos do exterior, ou pelas bibliografias estrangeiras existentes, de forma rígida e copiada (Quirós, Ramain, Picq e Vayer, Le Boulch, Costallat e Khèpart, H. Bucher, Orlic, Le Bom Départ, avaliações de Ozeretski, Bucher, Berges e Lèzine) e a dos profissionais que, por meio da prática corporal na reeducação e educação generalizavam tudo como psicomotricidade”.
( Bueno, 1988:23 )
Mesmo sob esta panorâmica, paulatinamente foram aparecendo
profissionais que se utilizavam das contribuições de vários métodos,
entremeando-os com a prática corporal, objetivando criar uma maneira de
trabalho mais próxima da nossa realidade. Embora, ainda neste período, fosse
natural ligar a psicomotricidade a distúrbios neurológicos.
Com a chegada de Françoise Desobeau no Brasil em 1977 é que se
visualiza a psicomotricidade também como terapia, apontando para novos
rumos que incluíam o jogo, a espontaneidade e o simbolismo corporal do
indivíduo. Com isso, torna-se necessário unificar e fundamentar a formação do
psicomotricista para dar maior força a nova tendência de atuação. Por estas
causas cria-se a Sociedade Brasileira de Terapia Psicomotora em abril de
1980, mudando posteriormente seu nome para Sociedade Brasileira de
Psicomotricidade (SBP)
Por volta da década de 1980 a psicomotricidade amplia-se em diversos
pontos do nosso país com mostras de trabalhos, palestras e seminários.
Dentre os diversos caminhos percorridos que se vêm desenvolvendo no
decorrer dos tempos, Bueno (1988), nos cita a realização do I Congresso
Brasileiro de Psicomotricidade em 1982, promovido pela Sociedade Brasileira
de Psicomotricidade que entre os convidados internacionais destaca-se
Lapierre trazendo sua linha de trabalho
“ A psicomotricidade relacional - o qual vem inovar e revolucionar os métodos até então trazidos ao nosso conhecimento, sendo iniciado naquele ano o primeiro curso de formação em psicomotricidade no Rio de Janeiro. É uma nova etapa na história da psicomotricidade, com a integração de profissionais de várias áreas pensando da mesma forma e buscando o mesmo objetivo”
( Idem, 1988:23)
Em 1989 Lapierre publica a ramificação de seus estudos em duas
vertentes: a terapêutica(análise corporal da relação) e a educativa e profilática
(psicomotricidade relacional).
Muito se avançou nas últimas décadas, no que diz respeito a formação
teórico-científica dos psicomotricistas, já existindo a formação universitária
específica a nível de graduação e pós-graduação.
Sabemos que a Psicomotricidade no Brasil e no mundo evoluiu
passando primeiro por correntes de tendência organicistas e depois afetivas e
sociais. A este respeito nos declara Bueno(1988) :
“ A Psicomotricidade, assim, precisa ser vista com bons olhos por todos os profissionais das áreas de educação e saúde e, para sua efetivação como profissão, precisa ser reconhecida como ciência do movimento, cabendo apenas a nós profissionais dessas áreas, lutar para seu fortalecimento com visão multidisciplinar, em que ela possa continuar fazendo parte do currículo de outras ciências como a Psicologia, a Fonoaudiologia, a Educação Física, a Fisioterapia, a fim de que os profissionais possam utilizar-se dessa importantíssima ferramenta nos seus tratamentos e atendimentos, tornando-se também psicomotricistas.”
(Ibidem,1988: 24)
Alves (2003) em seu livro “ Psicomotricidade : Corpo, Ação e Emoção”
nos salienta as seguintes definições para Psicimotricidade:
“ É uma ciência que tem por objeto o estudo do homem através de seu corpo em movimento nas suas relações com seu mundo interno e externo”
(SBP, 1984)
“A psicomotricidade consiste na unidade dinâmica das atividades dos gestos, das atitudes e posturas enquanto
sistema expressivo, realizador e representativo do ‘ ser-em- ação’ e da ‘ coexistência’ com outrem.”
(Jacques Chazaud,1976)
Portanto, o estudo do desenvolvimento do ser humano, se faz muito
importante no momento em que evidenciamos que a psicomotricidade tem
como atuação desenvolver como um todo o ser humano. A medida que cada
pessoa reconhece melhor o seu corpo, suas emoções, aos poucos irá refletir e
reagir com o meio ambiente onde está inserido, podendo interagir dentro de
todo um processo educativo e social, reelaborando e reavaliando o seu espaço
e as relações afetivas com o outro.
2.2 A Psicomotricidade e o desenvolvimento da aprendizagem
A Psicomotricidade é uma ciência que, por ter o homem como objeto de
seu estudo engloba várias outras áreas: Educacionais, Pedagógicas e de
Saúde. O desenvolvimento da consciência corporal, da reflexão e da
criatividade, além do pleno desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor, constitui
alguns dos objetivos da psicomotricidade que, se alcançados, possibilitarão
adultos sadios e felizes.
Portanto, proporcionar o trabalho psicomotor irá ajudar na estruturação da
personalidade da criança, já que ela pode expressar melhor seus desejos,
elaborar seus medos , desenvolver suas necessidades e trabalhar suas
dificuldades. Segundo Alves ( 2003):
“A educação deve ser pensada em função da criança de sua idade, necessidades e interesses e não tendo em vista apenas um objetivo particular, por exemplo, a aprendizagem da leitura e da escrita, ou em função de uma filosofia e ainda menos em função de uma tradição.”
( Alves,2003: 18)
“ É muito importante saber que a escola irá recebê-la para implantar e reforçar a sabedoria, mas que o bom desempenho da criança dependerá como ela foi preparada anteriormente no meio familiar. Nos primeiros anos de vida, os principais educadores são os pais, ou aqueles que, às vezes, os substituem . Os pais devem estar conscientes da importância da influência do meio sobre a evolução de seus filhos”
(Idem, 2003: 19)
Logo, concluímos que família e escola caminham lado a lado em todo
desenvolvimento da aprendizagem. Não dando menos importância a função
dos pais, destacaremos o papel da psicomotricidade na escola por ser este um
dos objetivos do nosso trabalho.
Le Boulch (1984) apresenta como objetivo da educação psicomotora:
“A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares, leva a criança a tomar consciência do seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde de a mais tenra idade, conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações difíceis de corrigir quando já estruturadas ...”
( Le Boulch, 1984: 24)
A importância que a educação psicomotora como uma formação de base
indispensável a toda criança nos é reafirmada por Oliveira (1997):
“A nosso ver, a psicomotricidade se propõe a permitir ao homem ‘ sentir-se bem na sua pele’, permitir que se assuma como realidade corporal, possibilitando-lhe a livre expressão de seu ser. Não se pretende aqui considerá-la como uma ‘panacéia’ que vá resolver todos os problemas encontrados em sala de aula. Ela é apenas um meio de auxiliar a criança a superar suas dificuldades e prevenir possíveis inadaptações. Ela procura proporcionar ao aluno algumas condições mínimas a um bom desempenho escolar. Pretende aumentar seu potencial motor dando-lhe recursos para que se saia bem na escola.”
(Oliveira 1997: 36)
A abordagem psicomotora tem como objetivo a tomada de consciência
corporal como lugar de sensação, expressão e criação pois toda a relação
corporal implica numa relação psicológica, pois o movimento não acontece de
forma isolada e está em estreita relação com a conduta e a personalidade.
A educação psicomotora se insere como parte integrante da
aprendizagem escolar na medida em que faz com que a criança participe
ativamente onde ela deve falar, compreender, corrigir, atuar e descobrir. Como
nos diz Alves(2003):
“ O ideal seria que todos os educadores tivessem como respaldo para as suas atividades a psicomotricidade, pois
fariam com que nossas crianças realizassem experiência com o corpo, sendo indispensável no desenvolvimento das funções mentais e sociais.” (Alves,2003:135)
Visando o comportamento geral da criança a psicomotricidade na escola
desenvolve também um trabalho constante sobre suas condutas motoras,
neuro-motoras e perceptomotoras levando o educando a se conscientizar de
seu próprio corpo, desenvolvendo seu equilíbrio, o controle de sua
coordenação global e fina, de sua respiração e orientando-o no espaço e no
tempo. Como nos mostra Alves(2003):
“O movimento e sua aprendizagem abrem um espaço para desenvolver: . Habilidades motoras que levam a criança a aprender a conhecer seu próprio corpo e a se movimentar expressivamente; . Um saber corporal que deve incluir as dimensões do movimento, que indiquem estados afetivos até representações de movimentos mais elaborados de sentidos e idéias, oferecendo um caminho para trocar afetividades; . Facilitar a comunicação e expressão das idéias; . Possibilitar a exploração do mundo físico e o conhecimento do espaço; . Apropriação da imagem corporal; . Percepção rítmica, através de jogos corporais e danças; . Habilidades motoras finas, através de diversas atividades que facilitem a escrita.”
(Idem,2003:131) A psicomotricidade leva em conta o aspecto comunicativo do ser
humano, do corpo e da gestualidade.
Podemos dividí-la em dois conceitos básicos: os funcionais e os
relacionais.
Os conceitos funcionais são referentes à integralização motora do
indivíduo em um determinado espaço e tempo cuja a ação e qualidade podem
ser percebidas e mensuradas. São eles:
* Coordenação motora global - é considerada como a possibilidade de
controle dos movimentos amplos de nosso corpo, para que essa coordenação
ocorra, é necessário uma perfeita harmonia de grupos musculares colocados
em movimento ou em repouso.
* Coordenação motora fina e óculo manual - é considerada como a
capacidade de controlar os pequenos músculos para exercícios refinados e
envolve a coordenação óculo manual que é a coordenação entre visão e tato,
os segmentos da cabeça e das mãos, que juntamente permitem à criança
poder segurar e controlar o movimento para o objeto, por meio do instrumento
de apoio ou não, do que os olhos vêm, ela é usada para efetuarmos a escrita .
* Lateralidade - é a capacidade motora de percepção integrada dos dois
lados do corpo: direito e esquerdo, é o elemento fundamental de relação e
orientação com o mundo exterior, liga-se ao desenvolvimento do esquema
corporal.
* Estrutura Espacial - é a tomada de consciência da situação das coisas
entre si, é a possibilidade, para a pessoa, de organizar-se perante o mundo
que a cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de
movimentá-las.
* Estrutura Temporal - é a capacidade de situar-se em função: da
sucessão dos acontecimentos, da duração dos intervalos, da renovação cíclica
de certos períodos, do caráter irreversível do tempo.
* Ritmo – é a força criadora que está presente em todas as atividades
humanas e se manifesta em todos os fenômenos da natureza
Os conceitos relacionais permeiam as relações de um corpo que se
expressa, que dialoga e se comunica com outros corpos, que revela sua
personalidade, que se entrelaça na personalidade de outros, pelo movimento
desse corpo. São alguns conteúdos relacionais: a expressão, a afetividade, a
agressividade, a comunicação, a corporeidade e o limite.
A aprendizagem está relacionada à emoção, onde o vínculo com as
pessoas e com o conhecimento deve ter significado para quem aprende. E
também, esta aprendizagem depende das possibilidades de troca de pontos de
vista, de confronto no trabalho cooperativo e coletivo.
É necessário que a emoção, a vontade de partilhar idéias, brincadeiras e
materiais, a troca de olhares, os laços de afeto que envolvem respeito e
compromisso estejam presentes no processo de ensino-aprendizagem. Desta
forma, acreditamos que a aprendizagem interativa permite que o
desenvolvimento avance. Através de experiências de aprendizagem
compartilhadas, atua-se na zona de desenvolvimento proximal, de modo que
funções ainda não consolidadas venham a amadurecer. Para Góes(1991):
“A boa aprendizagem é aquela que consolida e sobretudo cria zonas de desenvolvimento proximal sucessiva”
(Góes,1991:20)
Ressaltando a importância das trocas interpessoais na constituição do
conhecimento, Vygotsky mostra, através do conceito de zona de
desenvolvimento proximal, o quanto a aprendizagem influência o
desenvolvimento pois aquilo que a criança realiza hoje com a ajuda dos
demais, estará realizando sozinha amanhã.
Segundo Vygotsky, a aprendizagem favorece o desenvolvimento das
funções mentais:
“O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer.” (Vygotsky,1987:101)
A aprendizagem implica apropriação de conhecimentos, que exigem
planejamento e reorganização contínua de experiências significativas.
Para que todo este processo tenha condição de se consolidar, o diálogo
deve permear constantemente o trabalho escolar, para Vygotsky a linguagem é
a ferramenta psicológica mais importante.
Conhecemos a função comunicativa da linguagem que permite ao
homem vivenciar um processo de interlocução constante com seus
semelhantes. No entanto a linguagem não exerce apenas o papel de
instrumento de comunicação. Ela permite ao homem formular conceitos e,
portanto abstrair a realidade, através de atividades mentais complexas.
Vygotsky(1987) afirma que:
“A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à associação de imagens, à inferência, ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais, controlamos o
seu curso e as canalizamos em direção à solução do problema que enfrentamos.”
(Idem,1987:50)
Segundo Vygotsky, a linguagem se constitui como processo social,
numa relação mediada pelo outro, possuindo duas funções distintas: a
comunicação externa com outras pessoas e a articulação interna de nossos
pensamentos, já que à medida em que se internaliza, a linguagem assume a
função planejadora.
No início da vida de uma criança a linguagem possui um caráter prático,
ligada a gestos e sons, cujo significado prende-se à ação realizada.
Até certo momento do desenvolvimento infantil a fala da criança é pré-
intelectual. Quando a criança descobre a função simbólica das palavras, a fala
passa a servir ao pensamento.
A palavra, portanto, indica não apenas o objeto que está presente, mas
passa a representá-lo na sua ausência. A palavra não só nomeia algo como
também abre as portas das significações, articulando e trazendo outras
palavras, outras idéias numa seqüência interminável de combinações e
construções de diferentes sentidos e significados. É através do discurso que a
língua assume sua natureza social, torna-se viva e permite ser usada,
estudada a partir de situações de uso pelos falantes.
A aprendizagem da escrita para Vygotsky(1987) enquanto sistema
simbólico de representação da realidade está estreitamente associada a
questões centrais de sua teoria(linguagem, mediação simbólica, uso de
instrumentos). Logo, não podemos dissertar sobre a importância do
desenvolvimento psicomotor na aquisição da escrita e seus processos de
aprendizagem, sob a ótica da teoria vygotskyana sem antes fazermos esta
abordagem sobre linguagem.
Segundo Bueno(1988) a educação psicomotora:
“Abrange todas as aprendizagens da criança, processando-se por etapas progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepções vivenciadas, com uma intervenção direta a nível cognitivo, motor e emocional, estruturando o indivíduo como um todo”
(Bueno,1988:84)
III A AQUISIÇÃO DA ESCRITA 3.1 Evolução Histórica
A escrita é uma produção social e, como tal, sofreu inúmeras
transformações ao longo da história da humanidade. A escrita, observada no
seu conjunto, sem seguir uma linha cronológica de nenhum sistema
especificamente, caracteriza-se como tendo três fases distintas: a pictória, a
ideográfica e a alfabética.
A fase pictórica se distingue pela escrita através de desenhos ou
pictogramas. Para representar um objeto qualquer usava-se um desenho
convencionado (mas reconhecível) desse objeto . O pictograma representava o
próprio objeto e não estava associado a um som, mas à imagem do que se
queria representar. A escrita pictográfica, portanto, só permitia a representação
dos objetos que se podia desenhar.
Um outro sistema de escrita da mesma natureza, contudo mais
avançado é o ideográfico. A fase ideográfica se caracteriza pela escrita através
de desenhos especiais chamados ideogramas. Esse sistema de escrita foi
muito difundido na antigüidade pelos egípicios e continua existindo atualmente
na escrita chinesa. A diferença entre um pictograma e um ideograma é que,
apesar de ambos representarem o objeto a que se referem o fazem de forma
diferente : o ideograma é uma convenção, refere-se ao objeto por analogia .
Isto é, ele dá idéia do objeto representado e, para ser lido, precisa ser
aprendido. Em chinês, a cor vermelha é representada pela montagem de
quatro outros ideogramas: rosa, cereja, ferrugem e flamingo. Quatro objetos
cujo atributo comum é a cor vermelha (Gelb,1976) .
Cagliari(1986) nos aponta que ainda usamos escritas ideográficas nos
sinais de trânsito, nos logotipos, na escrita dos números e nas notações
científicas.
“ Uma escrita ideográfica traz consigo em geral significados mais abrangentes do que outros sistemas de escrita. Pelo que tenho observado, a unidade semântica menor que esse sistema de escrita traduz è a palavra(morfema).”
(Cagliari,1986:115)
A origem dos sistemas ideográficos é pictórica, e suas formas lembram
coisas do conhecimento do escritor e do leitor. Na própria combinação de
caracteres icônicos surgiu a possibilidade de escrita motivada foneticamente.
Como se pode perceber, a escrita ideográfica é muito menos limitada
que a pictográfica. Gelb (1976), em sua “História da Escrita”, mostra que uma
das dificuldades dos povos antigos era a escrita dos nomes próprios e que foi
por aí que se iniciou a fonetização.
Essa mudança, a fonetização da escrita, desenvolveu-se rapidamente
na direção das escritas silábicas. Esse sistema de escrita, silábico,
desvencilhou-se completamente do desenho e passou a trabalhar com sinais
inteiramente arbitrários, um para cada sílaba. Nesse momento, a escrita passa
a representar o desenho sonoro das palavras. E só nesse instante da história
da escrita que aparece a necessidade de valores sonoros convencionais
estáveis, das convenções de orientações e direção da escrita e,
principalmente, da ordem da grafias que precisavam corresponder à ordem de
emissão da fala.
No decorrer da história da humanidade, vários sistemas ideográficos
modificaram-se e incorporaram muitos elementos da escrita fonográfica. As
letras do nosso alfabeto vieram dessa evolução. Logo, a fase alfabética tem
como característica o uso das letras que tiveram sua origem nos ideogramas,
mas perderam o valor ideográfico, assumindo uma nova função escrita: a
representação puramente fonográfica. O ideograma perdeu seu valor pictórico
e passou a ser uma representação fonética. Segundo Cagliari(1989):
“A variação lingüística histórica levou os sistemas ideogáficos ao alfabeto, mas a variação sociolingüística puxa os sistemas alfabéticos para se tornarem mais ideográficos. Observando hoje a forma ortográfica do português, por exemplo, notamos que as relações entre letra e som(base de qualquer escrita alfabética) são muito complexas em diversos pontos. Porque quem lê, lê no seu dialeto, e os dialetos vão se diferenciando com o tempo, as formas ortográficas passam a
ser lidas de maneiras diferentes e o sistema de escrita vai se tornando cada vez menos alfabético e mais ideográfico.” (Idem, 1989: 116)
A escrita alfabética evoluiu da escrita silábica. Antes que o alfabeto
tomasse a forma que conhecemos atualmente, passou por inúmeras
transformações. Primeiro surgiram os silabários, que formavam um conjunto de
sinais específicos para representar cada sílaba. Os desenhos usados referiam-
se às características fonéticas das palavras.
O sistema de escrita alfabética surgiu com os gregos quando adaptaram
o sistema de escrita fenícia juntando a ele as vogais.
Representar os fonemas em lugar das sílabas, significou uma enorme
economia, a começar da redução do número de sinais a se memorizado.
“A escrita alfabética é a que apresenta um inventário menor de símbolos e permite a maior possibilidade combinatória de caracteres na escrita.” ( Ibidem, 1989: 110)
A humanidade precisou de milhares de anos e muita reflexão para
construir o sistema alfabético de escrita.
O aspecto mais importante das idéias de Vygotsky sobre a língua
escrita é a consideração da escrita como um sistema de representação da
realidade e da alfabetização como domínio progressivo desse sistema.
Enfatizando assim a importância dos processos de aprendizagem no ensino da
escrita. Para ele, desde o nascimento da criança, o aprendizado está
relacionado ao desenvolvimento. Existe um percurso de desenvolvimento, em
parte definido pelo processo de maturação do organismo individual,
pertencente à espécie humana, mas é o aprendizado que possibilita o
despertar de processos internos de desenvolvimentos que, não fosse o contato
do indivíduo com certo ambiente cultural, não ocorreriam. Se pensarmos num
indivíduo que vive num grupo cultural isolado que não dispõe de um sistema de
escrita sabemos que se ele continuar ali, jamais será alfabetizado. Ou seja, só
o processo de aprendizado da leitura e da escrita(desencadeado num
determinado ambiente sócio-cultural onde isso seja possível) é que poderia
despertar os processos de desenvolvimento internos do indivíduo que
permitiriam a aquisição da leitura e da escrita.
3.2 A evolução da escrita na criança
A questão da evolução da escrita na criança e o processo de sua
aquisição, para Vygotsky e seus colaboradores, em especial Luria, perpassa
pelo estudo da ‘pré-história da linguagem escrita’, como ele mesmo chama, isto
é, o que se passa com a criança antes de ser submetida a processos
deliberados de alfabetização.
Como a escrita é uma produção social, a criança está exposta aos
diferentes usos da linguagem escrita e a seu formato, formulando diferentes
concepções a respeito dela ao longo de seu desenvolvimento.
Para que uma criança seja capaz de compreender adequadamente o
funcionamento da língua escrita é necessário que ela descubra que a língua
escrita é um sistema de signos que não têm significado em si. Os signos
representam outra realidade. O que se escreve funciona como um suporte para
memória e a transmissão de idéias e conceitos.
Dentro das pesquisas desenvolvidas por Luria(1987), ele solicitava para
crianças que não sabiam ler e escrever, que memorizassem uma série de
sentenças faladas por ele, o número de sentenças era maior do que aquele de
que a criança consegui lembrar então sugeria que, como ajuda para memória,
escrevessem estas frases. A partir desta pesquisa Luria classificou o percurso
da pré-história da escrita de crianças não alfabetizadas da seguinte forma:
1- Rabiscos mecânicos- imitam o formato da escrita do adulto,
produzindo rabiscos mecânicos sem nenhuma função instrumental.
2- Marcas Topográficas- distribuição dos rabiscos no papel
possibilitando uma espécie de mapeamento do material a ser lembrado. Essas
marcas ainda não são signos, mas fornecem pistas rudimentares que poderão
auxiliar na recuperação da informação. Neste ponto da escrita a criança já
descobriu a necessidade de trabalhar com marcas diferentes em sua escrita
que possam ser relacionadas com o conteúdo do que é dito. A criança
descobre assim, a natureza instrumental da escrita.
3- Representações pictográficas- desenhos estilizados usados como
forma de escrita. Os desenhos não são utilizados como forma de expressão
individual, como atividade que se encerra em si mesma, mas como signos
mediadores que representam conteúdos determinados.
Da representação pictográfica a criança passa à escrita simbólica,
inventando formas de representar informações difíceis de serem desenhadas.
Para a criança que vive numa cultura letrada e será submetida a
processos de alfabetização, o próximo passo envolve a assimilação dos
mecanismos de escrita simbólica culturalmente disponíveis.
Este percurso não se dá de forma independente do contexto. Ao
contrário a criança interage com os usos da língua escrita que ela observa na
vida cotidiana com o formato que os adultos chamam de escrita e com as
situações de aprendizagem do sistema pelas quais ela passa .
Assim, por exemplo, a criança pode assimilar bem cedo a diferença
entre desenhar e escrever e não chegar a utilizar a representação pictográfica
por não aceitá-la como escrita. Pode, também, se souber grafar letras utilizar a
mesma letra como marca não diferenciada para registrar informações
diferentes. Logo, o percurso proposto sofrerá variações conforme a experiência
concreta das crianças.
Hoje em dia, temos maior dificuldade de verificar esse percurso em
crianças urbanas de grupos culturais escolarizados pois além dessas crianças
entrarem mais cedo para a escola, elas vivem num meio onde a presença da
língua escrita é muito marcante. Assim sendo, o sistema simbólico da escrita
interfere antes e fortemente no processo de desenvolvimento da criança.
É importante mencionar ainda, que como a aquisição da língua escrita é,
para Vygotsky, a aquisição de um sistema simbólico de representação da
realidade, também contribuem para esse processo o desenvolvimento do
gesto, dos desenhos e do brinquedo simbólico, pois essas são também
atividades de caráter representativo, isto é, utilizam-se de signos para
representar significados.
IV O DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR NA CRIANÇA DE 6 A 8 ANOS
4.1 O que é o desenvolvimento psicomotor A atuação da criança no mundo é feita por meio de seus movimentos se
utilizando de suas capacidades motoras, intelectuais e afetivas. Segundo
Bueno (1998) entende –se por desenvolvimento humano:
“ O desenvolvimento integrado do crescimento, da maturação, das experiências pela quais o indivíduo passa e a adaptação desse corpo no ambiente, respeitando- se as individualidades de cada pessoa, sua herança única, bem como as condições ambientais nas quais esse indivíduo esta inserido. Esse desenvolvimento humano inclui os aspectos físico ou motor, afetivo – social e cognitivo.”
( Bueno,1998:20) Logo o desenvolvimento psicomotor caracteriza–se pelo
amadurecimento que integra o movimento, o ritmo, a construção espacial, o
reconhecimento dos objetos, das posições, a imagem do nosso corpo e a
palavra. De acordo com a maioria dos teóricos o desenvolvimento motor segue
alguns princípios básicos, pois referem –se a qualquer indivíduo, que são:
Desenvolvimento céfalo –caudal – as mensagens se iniciam no cerebelo
e evoluem em direção aos pés.
Desenvolvimento próximo – distal – o controle processa –se do tronco
para as extremidades.
Desenvolvimento geral para específico – os movimentos vão ser simples
e generalizados no princípio e específicos e refinados futuramente.
O processo de desenvolvimento motor revela –se a princípio através das
mudanças de comportamento motor. Abordaremos algumas características
psicomotoras padrão nas crianças de 6 a 8 anos ( Bueno 1998).
A criança de 6 anos:
- apresenta experimentação do corpo - dissociação manual e digital já estão firmadas (apresentam possibilidades de escrever). - atitudes sociais bruscas - orientação nobre distingue os dois lados (lateralização) - não faz laços ( faz algumas tentativas) - distingue fantasia da realidade claramente - anda de bicicleta - início dos jogos heterossexuais - desenvolve com maior facilidade jogos de competição e raciocínio
A criança de 7 a 8 anos: - plena integração do corpo, aperfeiçoamento das
habilidades adquiridas anteriormante - a dissociação estende-se para todo o corpo - reconhece a lateralização no outro - noção de temporalidade bem definida (passado, presente e futuro) - sabe ver horas - instala –se fortemente a conduta ética, a importância de valores e normas - aparece a reprodução rítmica
V A INFLUÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA ESCRITA NA CRIANÇA DE 6 A 8 ANOS
Nosso sistema lingüístico não possui uma única forma de representação
gráfica ( existem vários tipos de traçados diferentes para mesmos sons) e,
além disso, não é completamente alfabético como pensamos.
Como nos explica Bastos(2001) para que uma criança esteja pronta para
integração com o mundo é necessário que tenha o desenvolvimento integrado
das etapas psicomotoras de forma global. A noção de esquema corporal, como
sabemos, não está unicamente ligada à atividade motora, relaciona-se também
com os aspectos emocionais e com as necessidades biológicas.
A educação psicomotora é uma ação pedagógica e psicológica que
abrange todas as aprendizagens das crianças, acontecendo por progressões
bem específicas e cujas etapas psicomotoras são necessárias.
Na aprendizagem da escrita o que se observa, de início, é que exigimos
das crianças um trabalho dobrado: primeiro, aprender a escrever em letra de
forma. É mais fácil, mais compreensível, aparece nos textos, rótulos... Logo, de
imediato passamos a exigir que a criança passe a escrever em letra cursiva,
mais complicada, de mais difícil leitura e de caráter individual e idiossincrático:
cada usuário adota seu próprio traçado, coloca suas nuances, mostra sua
personalidade. Mas a nossa sociedade e a nossa cultura consideram
importantíssimo, fundamental mesmo, saber escrever “emendado”.
É necessário que se perceba que o domínio do gesto, a estimulação
espacial e a orientação temporal precisam estar presentes, quando ensinamos
a escrita. Logo os exercícios de pré- escrita e de grafismo fazem com que a
criança atinja a percepção e a compreensão da imagem a reproduzir .
A escrita pode ser um fator importante para que se estabeleça e se
mantenha um dialeto como padrão, pois goza de prestígio. Graficamente
representada, uma língua tem mais possibilidade de servir de modelo pela
estabilidade que adquire, devidamente registrada.
A escrita é mais cuidadosa que a fala e, portanto, mais permanente e
torna mais evidente os problemas que se constituem distúrbios de grafia:
disgrafia.
Uma criança em processo de construção da escrita naturalmente
apresenta dificuldades no traçado das letras, até dominá-lo corretamente.
Durante esse período, o professor deverá orientar os alunos a realizarem
adequadamente a escrita para evitar a permanência de traçados incorretos e,
conseqüentemente, a disgrafia. Entende-se por disgrafia a pertubação da
escrita no que diz respeito ao traçado das letras e a disposição do conjuntos
gráficos no espaço utilizado. Relaciona-se, portanto, a dificuldades motoras e
espaciais.
Pode-se apontar como causas prováveis da disgrafia os distúrbios de
motricidade ampla e especialmente, fina, os distúrbios de coordenação
visomotoras, a deficiência da organização temporoespacial, os problemas de
lateralidade e direcionalidade e o erro pedagógico.
Detalha-se a seguir alguns comentários que a nosso entender são
indispensáveis em relação a estas causas:
DISTÚRBIOS NA MOTRICIDADE AMPLA E FINA
Freqüentemente , observamos que, em algumas crianças, existe um
determinado potencial ou um certo conjunto de habilidades não desenvolvidas.
Neste caso , é possível constatarmos uma ou outra ou várias disfunções
psiconeurológicas ou anomalias no sistema nervoso central, tornando-se
evidente, na maior parte das situações , a falta de coordenação entre o que a
criança de propõe a fazer e a respectiva ação .Ocorre o que Pain(1989) afirma
ser um verdadeiro hiato que resulta em dificuldade ou, mesmo, impedimento de
expressão por meio do corpo.
Essa falta de sintonia entre o pretendido e o realizado provoca
desequilíbrio , especialmente afetivo, com repercussões de ordem social , nas
áreas motora e perceptiva. Na área motora , aparecem a hiper ou a
hipoatividade, as perturbações de ritmo, a incoordenação excessiva,
prejudicando a postura, a locomoção, os movimentos dos braços, pernas,
mãos, pés e a respiração. Na área perceptiva, evidenciam-se desordem
perceptovisual, de orientação e estruturação espacial, perturbações do
esquema corporal e da lateralidade .
Tais perturbações interferem, sensivelmente, em todos os campos de
ação da criança, que muitas vezes, apesar da sua boa capacidade intelectual,
estará sujeita a um mau rendimento, uma vez que um bom rendimento requer
atenção e concentração da criança . Se não houver domínio do corpo, se faltar
autonomia , automatismo e precisão no gesto, a atenção será desviada e
absorvida no necessário controle do movimento.
Para que a criança adquira os mecanismos da escrita , além da
necessidade de saber orientar-se no espaço (motricidade ampla) , deve ter
consciência de seus membros , da mobilização dos mesmos , e saber fazer
agir, independentemente , o braço em relação ao ombro, a mão em relação ao
braço e ter a capacidade de individualizar os dedos (motricidade fina) para
pegar o lápis e riscar, traçar, escrever, desenhar o que quiser.
DISTÚRBIOS NA COORDENAÇÃO VISOMOTORA
A coordenação visomotora está presente sempre que um movimento
dos membros superiores ou inferiores ou de todo o corpo responde a um
estímulo visual de forma adequada.
Ao traçar uma linha, por exemplo, a criança, ao mesmo tempo que
segue, com os olhos, a ação de riscar, deve ter em mira o alvo a atingir. Isso
implica sempre ter atenção a algo imediatamente posterior à ação que está
realizando no instante presente.
A criança com problemas de coordenação visomotora não consegue,
por exemplo, traçar linhas com trajetória predeterminadas, pois, apesar de todo
esforço, a mão não obedece ao trajeto previamente estabelecido.
Esses problemas repercutem negativamente nas aprendizagens,
uma vez que para aprender e fixar a grafia é indispensável que a criança tenha
conveniente coordenação olho/mão, da qual depende a destreza manual.
Os esforços para focalização visual distraem a sua atenção e ela
perde a continuidade do traçado das letras e suas associações.
DEFICIÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO TEMPORO ESPACIAL
Quando fala-se em organização temporo espacial nos referimos à
orientação e à estrutura do espaço e do tempo: É o conhecimento e o domínio
de direita/esquerda, frente/ atrás/lado, alto/baixo, antes/depois/durante,
ontem/hoje/amanhã, etc, que a criança deve ter desenvolvido para construir
seu sistema de escrita .
A criança com problemas de orientação e estruturação espacial,
normalmente, apresenta dificuldades ao escrever, invertendo letras,
combinações silábicas, sob ponto de vista de localização, o que denota uma
insuficiência da análise perceptiva dos diferentes elementos do grafismo. Ela
não consegue, também, escrever obedecendo ao sentido correto de execução
das letras, nem orientar-se no plano da folha, apresentando má utilização do
papel e ou escrevendo fora da linha. É natural, ainda, que encontre dificuldade
na leitura e na compreensão de sentido de um texto, como decorrência da
desorganização temporo espacial .
PROBLEMAS DE LATERALIDADE
Segundo Oliveira (1997), os distúrbios de motricidade manifestam-se,
principalmente, por meio dos gestos imprecisos, dos movimentos
desordenados, da postura inadequada, da lentidão excessiva, etc. Entre as
crianças com dificuldades motoras, muitas podem apresentar problemas
relativos a lateralidade e que podem provocar ou ser provocados por
perturbações do esquema corporal, pela má organização do espaço em
relação ao próprio corpo ou, ainda, por problemas de ordem afetiva.
As perturbações da lateralidade podem apresentar-se de várias
maneiras:
*Lateralidade mal estabelecida – Caracteriza-se pela não definição da
dominância, em especial, da mão direita ou esquerda. Nesse caso a criança
vive uma permanente incerteza quanto ao uso das mãos, tornando-se, por isso,
confusa e pouco eficiente no desempenho das atividades motoras. Uma
dominância não claramente definida pode ser, também, causa de certas
dificuldades, como, por exemplo, inversão de letras de grafismos parecidos,
mas com orientação espacial diferente( por exemplo: b/ p - bato/ pato). O que
conhecemos como escrita espelhada também pode ser decorrência da
lateralidade mal estabelecida( b/d bato/dato).
* Sinistrismo ou canhotismo – É a dominância do uso da mão esquerda.
A eficiência da mão esquerda , nas crianças canhotas é inferior à da mão
direita nas destras, tanto pela velocidade quanto pela precisão, em geral.
Podemos observar que estas crianças, bem como as destras, podem
apresentar, muitas vezes, problemas de orientação e estruturação espacial
que tendem a acentuar-se com a idade, durante um certo período de seu
desenvolvimento. Na verdade, um canhoto pode escrever com a mesma
destreza e facilidade de um destro. Porém, para chegar aos mesmos
resultados, a criança canhota deve percorrer uma série diferente de
movimentos e de ajustamentos motores. Sua tendência natural e espontânea,
no plano horizontal, é escrever da direita para a esquerda. É, pois, tarefa do
professor auxiliá-la e incentivá-la para que ela possa com a maior brevidade
encontrar seus padrões motores.
* Lateralidade Cruzada – Caracteriza-se pela dominância da mão direita
em conexão com o olho esquerdo, por exemplo, ou da mão esquerda com o
olho direito. Esse tipo de lateralidade heterogênea – olho/ mão – tem sido
pesquisado por muitos estudiosos que levantam a hipótese de que a
lateralidade cruzada pode ser, em certos casos causa de desequilíbrios
motores que dificultam o aprendizado e o desenvolvimento da leitura e da
escrita.
* Sinistrismo ou Canhotismo contrariado: A dominância da mão
esquerda contraposta ao uso forçado e imposto da mão direita pode
comprometer a eficiência motora da criança, na orientação em relação ao
próprio corpo e na estruturação espacial. Alguns autores admitem que, em
determinados casos, a gagueira, por exemplo, seja conseqüência de
sinistrismo contrariado e, no caso aconselham que a criança volte a usar a mão
dominante. Afirmam, também, que os canhotos tendem a apresentar o traçado
gráfico que conhecemos como escrita espelhada .
ERRO PEDAGÓGICO
Geralmente, as dificuldades que os alunos apresentam na escrita se
devem a falhas no processo de ensino, nas estratégias inadequadas
escolhidas pelos docentes ou por desconhecimento do problema ou por
despreparo.
Os cuidados que o professor das séries iniciais deve ter quando seus
alunos começam a aprender a escrever não devem resumir-se à ortografia
mas, também, à legibilidade.
Cagliari(1989) nos diz que preparar um aluno para escrever com
correção e legibilidade é trabalhar com ele, desde o início, atentando para a
grafia correta das palavras, a forma das letras, a uniformidade no traçado, o
espaçamento, o ligamento e a inclinação da escrita em relação ao espaço onde
ele está escrevendo.
A legibilidade é uma qualidade complexa que se constitui na soma
desses vários aspectos, dentre outros considerados importantes:
*Formas das Letras- Cada letra tem uma forma característica. A clareza
de traçado então reside em escrever cada letra na sua forma exata. A letra
cursiva deformada pode ser a causa mais poderosa de ilegibilidade, por
exemplo, alguns alunos escrevem n como u, outros adquirem o hábito de
escrever rr como u, entre outros. Esses exemplos são suficientes para
demonstrar a importância do formato da letra para a legibilidade da escrita.
*Uniformidade- A letra cursiva, em nosso alfabeto, apresenta quatro
características no traçado em relação à linha:
- só há uma letra cujo traçado sobe e desce- f
- há seis letras com haste ascendente- b, d, h, k, l, t
- há seis letras com haste descendente- g, j, p, q, y, z
- há treze letras que chamamos de pequenas- a, c, e, i, m, n, o, r, s, u, v,
w, x
Aprender a manter a uniformidade no traçado significa formar hábitos de
escrita que obedeçam as quatro características apontadas.
*Espaçamento- O espaçamento é importante fator que concorre para a
legibilidade. É preciso verificar:
- se há espaço entre uma letra e outra na palavra
- se há espaço entre uma palavra e outra
- se há espaço entre uma frase e outra
- se há espaço entre parágrafos
Quando os espaços entre as letras não são uniformes, há prejuízo na leitura.
*Ligamentos- Na letra cursiva, os ligamentos também são fatores
importantíssimos para a legibilidade: letras que formam uma palavra devem ser
ligadas entre si. A omissão de ligamentos provoca no leitor uma tendência à
leitura de uma palavra por partes, simulando diferentes palavras.
*Inclinação- A letra cursiva de uma pessoa de uma pessoa destra se
apresenta ligeiramente inclinada para a direita. Isto favorece a leitura.
A inclinação da letra pode depender da posição que se adota para
escrever mas, essencialmente, depende da posição em que se coloca o papel
onde vai-se escrever.
Outro aspecto a ser observado é a passagem de um sistema de
escrita(letra de forma) para outro(letra cursiva), por exemplo. É preciso realizar
um trabalho bem planejado, de comum acordo com os alunos, de modo
sistemático e cuidadoso.
A letra cursiva exige maior esforço mental e físico da criança porque
apresenta complexibilidade de movimentos.
De preferência, o professor deve procurar realizar um atendimento
atento às dificuldades que irão surgir, incentivando todos os alunos, em geral, e
cada um, em particular, para que se evitem sérios problemas posteriormente.
VI CONCLUSÃO Foram apresentadas ao longo do estudo, questões que envolvem a
escola, a aprendizagem, a criança, o educador e a aquisição da escrita e de
como a psicomotricidade e as funções psicomotoras adquirem a dimensão
educativa.
Como propósito principal observa-se a presença da psicomotricidade
e das funções psicomotoras nas atividades de alfabetização e sua significância
para a aquisição da escrita, e de como os profissionais de educação interferiam
na relação entre o aluno, o lúdico e a alfabetização.
Na fundamentação teórica utilizou-se da contribuição de Vygotsky na
relação das brincadeiras e das construções mentais. Na pesquisa, por sua vez,
foi utilizada a observação das turmas de alfabetização de uma escola da Rede
Pública Municipal de Educação do Rio de Janeiro e os estudos sobre
psicomotricidade traçando paralelos de atuação.
Através da análise dos processos educativos, buscou-se a
compreensão do conhecimento articulado em atividades diárias dessas turmas.
Verificou-se a criança utilizando suas potencialidades motoras e expressivas ao
relacionar-se com o outro, na investigação, no crescimento individual e na sua
conscientização grupal levando-a assim a aquisição da escrita.
No professor, que utilizava a psicomotricidade com aulas que
incorporavam a atenção, a concentração, o desenvolvimento motor, as
brincadeiras.
A partir dessas observações, nas considerações finais, constatou-se o
emprego das funções psicomotoras, recobertas de valor didático é de grande
relevância na aquisição da escrita, do conhecimento, nos jogos e na
descoberta da fantasia e da imaginação infantil.
Os resultados foram demonstrados no transcorrer da pesquisa e
concluiu-se que ensinar a ler e escrever continuará sendo uma tarefa bem
significativa, e a aprendizagem só se dará se tiver sentido e prazer para a
criança.
Dessa forma compreendeu-se o funcionamento da língua escrita e de
como utilizá-la de forma prazerosa, criativa e lúdica.
VII . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e Emoção. 1ª ed. Rio de Janeiro: Wak,2003.p. 16-19, 131-135.
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