a teoria da perda de uma chance

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1 FACULDADE DE EDUCAÇÃO SANTA TEREZINHA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS GILMAR NUNES PEREIRA OS PRECEDENTES DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE SEGUNDO ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA

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Page 1: A Teoria da Perda de Uma Chance

1

FACULDADE DE EDUCAÇÃO SANTA TEREZINHACURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

GILMAR NUNES PEREIRA

OS PRECEDENTES DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE SEGUNDO ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA

BRASILEIRA

IMPERATRIZ2010

Page 2: A Teoria da Perda de Uma Chance

2

GILMAR NUNES PEREIRA

OS PRECEDENTES DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE SEGUNDO ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA

BRASILEIRA

Monografia apresentada à Faculdade de Educação Santa Terezinha como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas.

Orientador: Prof. Thiago Vale Pestana

IMPERATRIZ2010

Page 3: A Teoria da Perda de Uma Chance

3

GILMAR NUNES PEREIRA

OS PRECEDENTES DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE SEGUNDO ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA

BRASILEIRA

Monografia apresentada à Faculdade de Educação Santa Terezinha como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas.

Aprovada em: 12 de Fevereiro de 2011.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________Prof. Esp. Thiago Vale Pestana (Orientador)

Esp. em Direito Civil e Processual Civil - UNAMAEsp. em Direito Tributário – IUL/LFG

_____________________________________________

Profª. Esp. Vilmária Cavalcante Araújo Mota (1º Examinador) Esp. em Direito Processual - UNIMONTES

_____________________________________________

Profª. Esp. Nara Cristina Batista Sampaio (2º Examinador)Esp. em Direito e Processo do Trabalho - UNIDERP

Page 4: A Teoria da Perda de Uma Chance

4

Dedico esse trabalho a toda minha família, em especial aos meus pais, Raimundo Henrique Pereira (in memorian), a quem não vejo mais sinto e a minha mãe Geneci Nunes Pereira, que sempre me deram estímulo para que continuasse em busca dos meus sonhos.

Page 5: A Teoria da Perda de Uma Chance

5

AGRADECIMENTOS

A Deus por lembrar-se de mim, concedendo-me o precioso dom da vida,

por ter me proporcionando durante todos esses anos, vitórias nas grandes lutas

traçadas, sem Ti, nada sou e nada posso. Aos meus pais, Raimundo Henrique

Pereira (in memorian) e Geneci Nunes Pereira, pelo exemplo de pugna e moral, por

me ensinarem a viver com honra, dignidade e valor; por me conduzirem com afeto e

dedicação para que trilhasse caminhos sem medo, e com esforço e perseverança

alcançasse o objetivo com êxito.

A todos os meus familiares e amigos, pela força e pelo encorajamento.

Em especial aos meus irmãos, por existirem em minha vida. A minha amável

esposa, KARLENES DINIZ, e minha linda e maravilhosa filha, ANA CLARA,

mulheres, de valor sem igual, muito obrigado pela compreensão.

Aos meus amigos de curso, EVA TUANA, DOUGLAS BARROS, PAULO

HENRIQUE, JAMES, MARCELO MOTA, DARIO DE MACEDO E MIGUEL

PINHEIRO, pérolas de valor suntuoso, que guardarei para sempre no coração, que

compartilharam comigo esses cinco anos de luta acadêmica; na busca incessante

por conhecimento. Terei sempre as lembranças perfeitas de grandes amigos, por

este motivo, as emoções se afloram e a voz se embarga ao saber que chegamos no

fim de uma estrada e que cada um seguirá seu destino, realizará seus sonhos,

vencerá suas batalhas e escreverá os novos capítulos de sua história. Reflito

profundamente no valor de um amigo, Ao saber que nos foi dado a chance de poder

ir muito além de uma simples amizade, experimentamos a grandeza de viver como

irmãos.

“O tempo muito nos ensinou. Ensinou a amar a vida, não desistir da luta,

recomeçar na derrota, renunciar as palavras e pensamentos negativos, enfim,

acreditar nos valores humanos”. Ser Otimista!!! (Cora Coralina). Lutar sempre!.

Aos Professores, eternos mestres possuidores de uma magnitude de

conhecimento incontestável, indispensável na minha vida acadêmica e profissional.

Ao meu orientador Professor. Esp. THIAGO VALE PESTANA, pela

colaboração na realização deste trabalho, profissional admirável tanto pelo ser

humano que é, quanto pela maestria na qual exerce sua profissão.

A todos muitíssimo Obrigado!

Page 6: A Teoria da Perda de Uma Chance

6

Não será demasia acentuar que o sentido jurídico de chance ou oportunidade é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo. Salienta-se que não se busca o ressarcimento pela vantagem perdida, mas sim pela perda da oportunidade de conquistar aquela vantagem ou evitar um prejuízo, totalmente desvinculada do resultado final, no caso, o provimento jurisdicional.

Sergio Savi

Page 7: A Teoria da Perda de Uma Chance

7

RESUMO

O presente trabalho trata da aplicação da teoria francesa da responsabilidade civil pela perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, frisam-se os precedentes da aplicação da teoria apresentando um breve estudo sobre as principais questões levantadas acerca da teoria da perda de uma chance, tendo como referência as principais posições doutrinárias acerca da questão. Inicialmente procurou-se analisar os fatos e atos jurídicos. Na seqüência, buscou-se analisar a responsabilidade civil e sua evolução histórica e ainda a classificação da responsabilidade civil. Feito isso, analisou-se os aspectos acerca do instituto da perda de uma chance sua origem e o direito que dela resulta, sua Aplicação nas cortes internacionais como sua natureza jurídica, seus precedentes e admissão no ordenamento jurídico, reparações e problemas quanto a fixação do quantum indenizatório e em especial, sua aceitação pela mais alta Corte em matéria infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça. Não tendo sido possível, exaurir completamente o tema, até em razão de serem muitas as matérias que este envolve, contudo, dentro do possível, realizou-se uma apresentação geral sobre a questão. O levantamento bibliográfico consistiu em pesquisa na literatura disponível buscando uma análise qualitativa do tema proposto.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Perda de Uma Chance. Precedentes de Aplicação Jurisprudencial. Reparação do Dano.

Page 8: A Teoria da Perda de Uma Chance

8

ABSTRACT

The present work concerns the application of the theory of the French Civil Liability for Loss of Chance in the Brazilian legal system, in particular, they cite the precedent of the application of the theory by presenting a brief study of the main questions raised about the theory of a loss chance, with reference to the major doctrinal positions on the issue. Initially we attempted to analyze the facts and legal acts. Subsequently, we sought to examine the civil liability and its historical evolution and even the classification of liability. That done, we analyzed the aspects about the institute a chance of losing your home and the right it conveys, its application in international courts as a legal nature, and his previous admission to the legal system, repairs and fixing problems as quantum indemnity and in particular, its acceptance by the highest court on infra, the Superior Court. Was not possible, you have fully exhausted the subject, even since they may be many matters that this involves, however, insofar as possible, there was a general presentation on the issue. The literature search consisted of searching the available literature in a qualitative analysis of the proposed topic.

Keywords: Civil Liability. Loss of a chance. Application of judicial precedent. Repairing the damage.

Page 9: A Teoria da Perda de Uma Chance

9

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................11

2 NOÇÕES DE ATO-FATO JURÍDICO.........................................................................13

2.1 Ato Jurídico..............................................................................................................15

2.2 Fato Jurídico............................................................................................................18

3 EVOLUÇÂO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL.....................................21

3.1 Conceito de Responsabilidade Civil.........................................................................25

3.2 Elementos da Responsabilidade Civil .....................................................................26

3.2.1 Conduta Humana..................................................................................................27

3.2.2 Espécie de Dano: Moral e Material.......................................................................29

3.2.3 Nexo de Causalidade............................................................................................30

3.3 Das Excludentes da Responsabilidade Civil............................................................31

4 CLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS QUE ABORDAM A RESPONSABILIDADE

CIVIL..............................................................................................................................34

4.1 Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual...............................................34

4.2 Responsabilidade Civil Objetiva...............................................................................35

4.3 Responsabilidade Civil Subjetiva.............................................................................36

4.4 Responsabilidade Civil Objetiva e teoria do risco....................................................37

5 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE...................................................................40

5.1 A origem desta teoria e o direito que dela resulta....................................................41

5.1.1 Aplicação da teoria da perda de uma chance nas cortes internacionais..............44

5.2 Natureza da perda de uma chance..........................................................................47

5.3 Diferenças entre Dano Emergente, Lucro cessante e teoria da perda de uma

chance........................................................................................................................... 49

6 OS MOTIVOS PARA ADMISSÃO DA TEORIA NO BRASIL....................................52

6.1 Os motivos para a admissão da indenização das chances perdida no Brasil.........52

6.2 A reparação integral dos danos e a proteção da vítima pela perda da chance.......57

6.3 A problemática da fixação do quantum indenizatório a partir da seleção de

julgados oriundos da justiça estadual brasileira, em virtude das chances perdidas .....61

Page 10: A Teoria da Perda de Uma Chance

10

6.4 Os casos mais relevantes da aplicação da teoria da perda de uma chance no

entendimento da Justiça gaúcha...................................................................................67

6.5 Análise comentada dos primeiros casos de aplicação da teoria da perda de uma

chance e o acolhimento desta teoria de responsabilidade civil pelo Superior Tribunal

de Justiça.......................................................................................................................71

CONCLUSÃO................................................................................................................83

REFERÊNCIA................................................................................................................85

ANEXO..........................................................................................................................88

Page 11: A Teoria da Perda de Uma Chance

11

1 INTRODUÇÃO

No mundo jurídico, pode-se considerar responsabilidade como a

obrigação de reparar prejuízo decorrente de uma ação de que se é culpado, direta

ou indiretamente. A responsabilidade civil constitui um elemento chave de um

sistema jurídico, constitui fórmula pela qual o sistema jurídico procura reprimir no

interior da sua esfera os comportamentos contrários às regras, através da

assimilação do fato contrário ao direito.

A chamada teoria da perda de uma chance representa uma nova

compreensão acerca do instituto da reparação de danos que objetiva reparar a

perda da oportunidade na qual alguém deixa de obter algo em razão de ato ilícito

praticado por terceiro.

Parte-se aqui da idéia de que a teoria da perda de uma chance deve ser

abordada dentro da responsabilidade civil que assegura punição a pessoa que

provocar um dano a outrem, sendo esta obrigada a ressarcir e responder por

eventuais prejuízos que tenha causado.

Para a elaboração deste trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica

através da coleta de dados em livros, jornais, teses, artigos e através da utilização

do meio eletrônico. É importante observar que não se pretende realizar uma

pesquisa de campo e sim uma monografia de compilação, não havendo, portanto,

dados estatísticos ou campo geográfico de pesquisa.

Todo o trabalho será fundamentado nos estudos de grandes

pesquisadores, descritos somente em obras que contribuem de forma significativa

para a reflexão sobre o tema.

O problema em estudo desta temática parte da importância decorrente do

fato de que o dever de indenizar, bem como seus aspectos quantitativos (valor da

indenização), decorre essencialmente do fator dano e, indiretamente, dos fatos que

lhe deram origem. Assim, estudar responsabilidade civil é estudar, em primeiro

lugar, a ocorrência do dano a outrem, analisando, para tanto, os elementos que o

compõem e suas inter-relações. E quando não há como quantificar os elementos do

dano, determinando-o, mas há o real prejuízo à vítima, esta deve ser indenizada,

aplicando-se a Teoria da Perda de uma Chance.

Page 12: A Teoria da Perda de Uma Chance

12

O objetivo do presente estudo consiste especificamente na

responsabilidade civil pela perda de uma chance, buscando-se analisar os

precedentes da aplicação da mesma na justiça brasileira, ou seja, analisar as

situações nas quais se poderá atribuir o dever de reparação do dano pelo prejuízo

causado.

Assim, a metodologia adotada neste trabalho foi à análise e consulta a

textos, revistas, teses, artigos científicos, leis, doutrinas, julgados, meios eletrônicos

e livros em que se encontre uma maneira de sintetizá-los num texto que tenha o

caráter de objetividade e riqueza de dados, que possam ajudar no entendimento da

avaliação do tema proposto.

Page 13: A Teoria da Perda de Uma Chance

13

2 NOÇÕES DE ATO-FATO JURÍDICO

Todos os fenômenos existentes em uma sociedade pertencem ao mundo

dos fatos, sejam eles resultantes da natureza ou da conduta humana. Aqueles que

apresentam relevância tal, de forma a merecerem a tutela do Direito, passam a

integrar também, o mundo jurídico, através da incidência da norma sobre eles1.

Os direitos subjetivos e as obrigações dependem de pressupostos que a

doutrina francesa denomina por fatos jurídicos. Tais fontes, ou “pressupostos”, são

os fatos isto é, os acontecimentos a que o direito atribui conseqüências, aptos a

criar, modificar, transmitir ou extinguir relações jurídicas2.

Segundo Marcos Bernardes de Mello, somente o fato que esteja tutelado

pela norma jurídica pode ser considerado um fato jurídico, e somente eles possuem

efeito vinculante em relação à conduta humana3.

As relações jurídicas acompanham o ciclo da vida, pois nascem,

produzem efeitos e extinguem-se. Cada direito e dever pressupõem a ocorrência de

um fato e a existência de normas reguladoras; pressupõem a existência do fato

jurídico, que é a principal mola do intercâmbio jurídico4.

Os fatos jurídicos o são por vontade humana, pela imputação de caráter

jurídico aos simples fatos da vida. Os primeiros são fatos jurídicos em sentido amplo,

enquanto os segundos, em sentido restrito, denominados mais propriamente de atos

jurídicos, que produzem conseqüências jurídicas (atos lícitos e atos ilícitos).

Os atos jurídicos, no sentido de ato lícito subdividem-se em ato jurídico e

negócio jurídico.

O ato é determinado pela vontade do homem, com o propósito de obter

certos efeitos restritamente à sua pessoa. O fato jurídico, por sua vez, externa-se

como todo acontecimento emanado do homem ou das coisas e que produz

conseqüências jurídicas5.

1 FIUZA, Cezar. Curso Avançado de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.454.2 GUSMÃO. Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.171.3 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 7ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9.4 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.466.5 RIZZARDO, Arnaldo, Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.7

Page 14: A Teoria da Perda de Uma Chance

14

A distinção entre as duas espécies está no elemento vontade. O primeiro é

volitivo e o último, no sentido estrito, ocorre independentemente da vontade

humana6.

Negócio jurídico, enquadrado como uma espécie entre os atos jurídicos

equivale a uma declaração de vontade de uma ou mais pessoas capazes, com um

sentido ou objetivo determinado, visando à produção de efeitos jurídicos

relativamente a terceiros, desde que lícitos e não ofendam a vontade declarada e o

ordenamento jurídico7.

Não se pode olvidar que o Direito serve para adaptação social, ordenando

a comunidade e viabilizando a convivência. Traça, pois, regras de controle social,

dotadas de coercibilidade. É fenômeno, pois, típico do homo socialis, uma vez que

o  homo naturalis, isolado de tudo e de todos, não necessitaria de harmonização

social.

Vê-se, então, com clareza solar a importância dos fatos para a vida social.

Com efeito, é dos fatos que surgirá o Direito-organizado como ciência (ex facto ius

oritur, já dizia a parêmia latina).

2.1 Ato Jurídico

O ato jurídico é espécie do gênero fato jurídico. Em sentido amplo, é

determinação da vontade a que o ordenamento jurídico reconhece efeitos de Direito.

Dividem-se em atos lícitos e ilícitos8.

Os atos jurídicos stricto sensu subdividem-se em:

a) atos materiais; e

b) participações.

Os primeiros consistem numa atuação da vontade, que lhes dá existência

imediata, porque não se destina ao conhecimento de determinada pessoa. Trata-se,

em síntese, de um comportamento, ao qual o ordenamento jurídico atribui efeitos

invariáveis9.

6 RIZZARDO, Op. Cit., p.7.7 RIZZARDO, 2008, p.8.8 LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 28ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 60.9 GOMES, 2007, p.173.

Page 15: A Teoria da Perda de Uma Chance

15

As participações consistem em declaração para ciência de intenções ou

fatos. Sua existência consubstancia-se na destinação, no sentido de que o sujeito

pratica o ato para dar conhecimento a outrem de que tem certo propósito ou de que

ocorreu determinado fato. São atos que têm por fim fazer alguém ciente de uma

ocorrência ou de um intuito.

Os atos materiais são expressão de simples atuação da vontade,

manifestações do comportamento humano, nas quais o elemento intencional é

irrelevante, eis que não têm a finalidade de produzir evento psíquico na mente de

outrem. Não se destinam a ser levados ao conhecimento de outras pessoas. Não

têm destinatário em suma10.

As participações são declarações de vontade, sem intento negocial, que

visam a produzir in mente alterius um evento psíquico. Têm, necessariamente,

destinatário, sem se confundirem com as declarações de vontade dos negócios

jurídicos, porque estas são manifestações de um intento, enquanto as participações

consistem em simples comunicação.

Destarte, a manifestação ou atuação da vontade pode se fazer de acordo

com a ordem jurídica, quando se tipifica o ato jurídico ou ato jurídico lícito, ou ser

contrária ao direito, o que descortina o ato ilícito. Agora nossa atenção ficará voltada

ao ato jurídico lícito, para distinguirmos entre a manifestação volitiva que persegue

um resultado e aquela que é apenas conforme o ordenamento jurídico, encontrando

seus efeitos produzidos independentemente do querer do agente.

Porém, em ambas as situações a ação humana tem força jurígena,

diferenciando-se em que, em certos casos, os efeitos jurídicos se produzem sem

que o sujeito tivesse pretendido obtê-los determinantemente, sendo indiferente que

os tivesse visado; em outros, há combinação entre o querer individual com o

reconhecimento de sua eficácia pelo direito positivo11.

Assim, a ação humana busca efeitos jurídicos, que são queridos, ou a

produção de efeitos não corresponde a um querer efetivo, querido ou pretendido,

mas que se manifesta por força de determinação legal12.

Mas há casos em que a vontade atua visando a um fim protegido pelo

ordenamento jurídico. A ação humana busca como fim imediato adquirir, resguardar,

10 GOMES, 2007, p.173.11 VIANA, Marco Aurélio S. Curso de Direito Civil - Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.136.12 VIANA, Op. Cit., p.136.

Page 16: A Teoria da Perda de Uma Chance

16

transferir, modificar ou extinguir direitos. Sua atuação é consciente no sentido de

que é endereçado a um efeito determinado, que é querido e encontra tutela na

ordem jurídica13.

Assim, fica claro que os efeitos produzem-se ex lege ou ex voluntate. Se

estiverem preordenados tem-se o ato jurídico em sentido estrito; se eles são

queridos, tem-se o negócio jurídico14.

O negócio jurídico é então um ato jurídico, mas dirigido a um fim

determinado, previamente, pela vontade das partes contratantes. O ato jurídico em

si não visa uma declaração de vontade programada, com efeitos jurídicos

determinados, mas efeitos jurídicos de modo geral, e restritos na órbita pessoal do

indivíduo. Evidentemente, o contrato é enquadrado na categoria dos negócios

jurídicos15.

No terreno dos atos e negócios jurídicos, ou seja, dos atos de direito

privado, domina o princípio de autonomia da vontade, também denominada

autonomia privada, que é o poder de os particulares decidirem sobre os seus

negócios, de administrar e dispor livremente de seus bens através de atos e

negócios jurídicos. Autonomia, que se manifesta na liberdade contratual, que

permite a pessoa contratar na forma que melhor satisfaça a seus interesses, não

devendo sofrer coação de espécie alguma para celebrar contratos. Se sofrer, poderá

anulá-los16.

Os atos jurídicos supõem condições de validade, tais como: capacidade

jurídica e consentimento das partes, objeto lícito, e, para alguns atos, condições

relativas à forma que devem revestir: escritura pública (exemplo: na compra e venda

de imóvel a escritura pública), forma solene (no casamento, p. ex.). Faltando essas

condições, é passível de nulidade (nulidade absoluta) ou de anulação (nulidade

relativa). Nulo se faltar-lhes um de seus elementos essenciais (exemplo: capacidade

jurídica para praticá-lo) ou se for contrário à expressa disposição legal17.

Finalmente, o ato jurídico pode ser lícito, se for de acordo com o direito, e

ilícito, se for contra legem.

Ato ilícito gera a obrigação de indenizar ou a obrigação de sofrer uma

pena. Pode ser: ilícito penal se transgride norma penal, tendo como conseqüência 13 VIANA, 2004, p.136.14 VIANA, 2004, p.137.15 RIZZARDO, 2008, p.7.16 GUSMÃO. 2008, p.171.17 GUSMÃO. 2008, p.172.

Page 17: A Teoria da Perda de Uma Chance

17

jurídica à pena (restritiva da liberdade, pena pecuniária, pena de morte e pena

alternativa como serviço prestado à comunidade) aplicável ao delinqüente, e ilícito

civil, que consiste no descumprimento de dever legal ou de obrigação contratual,

causador de dano à pessoa ou a seus bens, que origina a obrigação de indenizar.

Só há, pois, ilícito civil se ocorrer dano, não exigível no ilícito penal. Este pode se

configurar pela tentativa, em que não há dano ou prejuízo, por não ter ocorrido o

evento, que só foi tentado. Dano punível é o dano injusto, pois o praticado no

exercício normal do direito é lícito18.

No ilícito, ao contrário do que ocorre nos atos lícitos, o agente persegue

fim ilícito, sendo a conseqüência jurídica (pena, reparação do dano) imposta pela lei,

contra a sua vontade e interesse.

Os atos ilícitos podem ser dolosos, se deliberadamente o agente causa o

evento (dano, lesão corporal, etc.) ou se assume o risco de produzi-lo, e culposos,

se produzidos sem intenção, por falta de diligência ou de prudência.

O ato ilícito é fonte de responsabilidade civil, isto é, da obrigação de

reparar o dano.

A ausência de uma previsão legal específica sobre o ato-fato jurídico tem

gerado um efeito comum em vários manuais de Teoria Geral de Direito Civil, que

praticamente ignoram o instituto.

Todavia não há como deixar de reconhecer a sua existência,

principalmente quando tomamos como base as obras fundamentais dos mestres

Pontes de Miranda e Marcos Bernardes de Melo. Com efeito, o ato-fato jurídico nada

mais é do que um fato qualificado pela atuação humana. Não seria uma contradição

dizer que se trata de um fato, mas mesmo assim, se exige a intervenção do

individuo?

No ato-fato jurídico, o ato humano é realmente da substância desse fato

jurídico, mas não importa para a norma se houve, ou não, intenção de praticá-lo. O

que se ressalta, na verdade, é a consequência do ato, ou seja o fato resultante, sem

se dar maior significância se houve vontade ou não de realizá-lo.

A idéia que deve presidir a compreensão dos atos-fatos jurídicos é a de

que, para sua caracterização, a vontade humana é irrelevante, pois é o fato humano,

por si só que goza de importância jurídica e eficácia social. O ato-fato jurídico é

aquele em que a hipótese de incidência pressupõe um ato humano, porém o seus

18 GUSMÃO. 2008, p.172.

Page 18: A Teoria da Perda de Uma Chance

18

efeitos decorrem por conta da norma, pouco interessando se houve, ou não, vontade

em sua prática (CHAVES e ROSENVALD, 2009).

2.2 Fato Jurídico

Nem todos os acontecimentos naturais são fatos jurídicos. Alguns não

têm importância para o Direito, outros gravitam fora da órbita jurídica. A morte é, por

exemplo, fato jurídico de suma importância, porque a lei lhe atribui, dentre outros, o

efeito de determinar a transmissão do patrimônio do finado aos sucessores19.

O primeiro autor a tratar do fato jurídico, segundo Marcos Bernardes de

Mello foi Savigny, que o conceituou como “os acontecimentos em virtude dos quais

as relações de direito nascem e terminam”20.

Betti, por sua vez, o define como “aqueles fatos a que o direito atribui

relevância jurídica, no sentido de mudar as situações anteriores, a que

correspondem novas qualificações jurídicas”21.

O fato jurídico se opera da seguinte maneira: na norma jurídica, há a

previsão de uma hipótese de fato e o tratamento apropriado a se aplicar, caso ela

ocorra concretamente22.

Verifica-se a vinculação de situações jurídicas: o nexo de causalidade

entre fattispecie e a correlativa disposição criam a causalidade jurídica e as novas

situações que daí se desenvolvam denominam-se efeitos jurídicos, que nada mais

são do que a resposta do ordenamento jurídico à verificação da hipótese prevista em

lei no mundo fático23.

Fato jurídico é uma espécie do gênero fato. Este é definido como

“qualquer transformação da realidade” ou “transformação do mundo exterior”. O

qualificativo jurídico significa que o fato concreto é regulado pelo Direito. Os fatos

19 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.159.20 MELLO, Op. Cit., p. 87.21 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Trad. Ricardo Rodrigues Gama, Campinas: LZN, 2003, v. 1. p. 12.22 FIUZA, 2009, p.455.23 Ibid., p.455.

Page 19: A Teoria da Perda de Uma Chance

19

jurídicos criam novas situações jurídicas, tanto em relação às pessoas de Direito

Privado, quanto às pessoas jurídicas de Direito Público24.

No sentido lato, o fato jurídico apresenta-se como a força de propulsão da

relação jurídica, por efeito da qual se movimentam as normas jurídicas adequadas.

Da lei não surgem diretamente direitos subjetivos; é preciso uma causa e essa

causa se chama fato jurídico25.

Nas relações de natureza pessoal o fato jurídico liga o sujeito ativo ao

sujeito passivo. Se alguém quer vender uma coisa a outrem, as duas declarações de

vontade, do vendedor e do comprador, tomam, juridicamente, o nome de contrato de

compra e venda que é fato jurídico da espécie negócio jurídico. É esse fato que

dispara as disposições legais sobre a compra e venda. Pelo contrato que celebram,

uma das partes obriga-se a transferir a propriedade da coisa vendida e a outra a

pagar o preço ajustado. Nascem, desse modo, direitos e obrigações correlatos26.

Nas relações de natureza real, o fato jurídico submete uma coisa

diretamente ao poder de uma pessoa. Se alguém encontra coisa sem dono, e dela

se apropria, esse fato, que em Direito se chama ocupação, dá nascimento ao direito

de propriedade, pelo qual o ocupante pode usar, fruir e dispor do bem subjugado,

por essa forma jurídica, ao seu poder, tendo todos o dever de respeitar o direito

assim adquirido. Esse fato é o elemento que propulsiona a relação jurídica de

domínio, pela qual o agente se torna proprietário do bem assim adquirido27.

Em suma, para Orlando Gomes, o fato jurídico exerce tríplice função: 1) a

constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica; 2) a substituição de

preexistente relação jurídica; 3) a qualificação de uma pessoa, de uma coisa ou de

outro fato. De acordo com o referido autor, não são fatos jurídicos os atos permitidos

que não provocam esses efeitos28.

Todo acontecimento, natural ou Humano, que determine a ocorrência de

efeitos constitutivos, modificativos ou extintintivos de direitos e obrigações, na órbita

do direito, denomina-se fato jurídico.

Com habitual sensibilidade, explica Caio Mário da Silva Pereira, ser o fato

“elemento gerador do direito subjetivo mesmo quando se apresenta tão simples que

má se perceba, mesmo quando ocorra dentro do ciclo rotineiro das eventualidades 24 NADER, 2007, p.466.25 GOMES, 2007, p.159.26 GOMES, 2007, p.160.27 GOMES, 2007, p.160.28 GOMES, 2007, p.161.

Page 20: A Teoria da Perda de Uma Chance

20

cotidianas de que todos participam sem darem atenção”. À luz aos ensinamentos de

Savigny, ressalta que o fato jurídico seria todo acontecimento em virtude do qual

começam ou terminam as relações jurídicas.

Nesse ponto, precisas são as palavras de Cristiano Chaves de Farias e

Nelson Rosenvald (2006, p. 309).

Todos os fenômenos até aqui descritos não se produzem sem uma causa, causa essa que são os fatos jurídicos, que nós clasificamos, na série infinita de eventualidades, como aqueles aos quais o ordenamento atribui a virtude de produzir efeitos de direto, ou seja eventualidades capazes de provocar a aquisição, a perda e a modificação de um direito.

A lei define comumente uma possibilidade, um vir a ser que se

transformará em Direito mediante a ocorrência de um acontecimento que converte a

potencialidade de um interesse, em direito individual.

Quando o Fato vem interferir no cotidiano da vida social de forma direta

ou indireta, de modo a afetar, de alguma maneira, o equilíbrio de posicionamento do

homem diante dos outros, a comunidade jurídica se manifesta editando normas que

passarão a regular o relacionamento inter-humano que geram efeitos no modelo de

convivência social.

Bem, se a norma jurídica qualifica os fatos, surge a óbvia conclusão de

que  o Direito, surgindo dos fatos que sucedem habitualmente no mundo, é

acontecimento rotineiro na vida humana. E, sendo acontecimento diário, não se

desenrrola senão através de uma série infinita de manifestações jurídicas. A norma

jurídica representa, pois,   a valoração dos fatos. Essa valoração é essencial para

conferir  coercibilidade.

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A análise de qualquer tema que se propõe estudar requer, por mais breve

que seja, uma reflexão sucinta de sua origem histórica, tratando-se do instituto da

responsabilidade civil não seria diferente.

Ao analisarmos o vocábulo responsabilidade veremos que sua origem

provém do verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de

assumir com os efeitos jurídicos de sua conduta, contendo ainda, a raiz latina de

Page 21: A Teoria da Perda de Uma Chance

21

spondeo, fórmula através da qual se vinculava no Direito Romano o devedor nos

contratos verbais.

Não se sabe exatamente o momento histórico em que se originou a

concepção de responsabilidade, tampouco, quando foi reconhecida juridicamente e

praticada nos moldes da atualidade. No entanto, podemos afirmar que desde o início

da civilização sempre existiu ao menos a noção desse instituto, revelada,

claramente, conforme a evolução social.

Estudos do Direito Romano indicam que nos primórdios da civilização, as

primeiras formas organizadas de sociedade tinham a concepção de

responsabilidade fundamentada na vingança coletiva, que se caracterizava pela

reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes.

Posteriormente, evoluiu para uma reação individual fundamentada pela

vingança privada, ou seja, havia o direito de reagir pessoalmente diante da ofensa

sofrida. É cristalina a forma rudimentar diante da postura admitida, porém

compreensível, se analisarmos a época dos fatos e a natureza humana sempre que

tenta se proteger do mal sofrido.

A primeira intervenção do Poder Público de que se tem história nos

moldes da vingança privada é a chamada Lei de Talião, que disciplinava os casos

em que era admitida ou excluída, no entanto, nesta fase não havia diferença alguma

entre responsabilidade civil e penal, e ao menos se cogitava a idéia de culpa, dada a

relevância de vingar.

De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção da vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2007, p. 10).

Neste período, a justiça era feita com as próprias mãos, onde se permitia

a reparação do mal pelo mal, ou seja, era sintetizada na fórmula “olho por olho”,

“dente por dente”, “quem com ferro fere com ferro será ferido”. O Poder Público

somente intervinha para coibir abusos e declarar quando e como a vítima poderia ter

o direito de retaliação.

Ao decorrer desse período surgiu a composição, diante da observância do

fato de que seria mais conveniente o autor da ofensa reparar o dano mediante o

pagamento de uma poena, ou seja, certa quantia em dinheiro. Sendo assim, a

cobrança ficaria a critério da autoridade pública se o delito fosse público, ou do

Page 22: A Teoria da Perda de Uma Chance

22

ofendido quando se tratasse de delito privado. A partir de então, as partes

envolvidas concluíram que ao praticarem a retaliação não se reparava dano algum,

pelo contrário, causavam duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor, depois de

punido.

Por consequência, surgiu a Lex Aquilia damno que estabeleceu as bases

da responsabilidade extracontratual, e segundo a doutrina, a partir desse momento

criou-se uma forma de indenizar o prejuízo com embasamento na fixação de seu

valor.

Ingressa na órbita jurídica após ultrapassada, entre os povos primitivos, a fase da reação imediata, inicialmente grupal, depois individual, passando pela sua institucionalização, com a pena do talião, fundada na idéia de devolução da injúria e na reparação do mal com mal igual, já que qualquer dano causado a outra pessoa era considerado contrário ao direito natural. (SILVA, 2010, p. 4).

Somente a partir desse momento, é que se formulou um conceito de

culpa, pelo qual foram estabelecidas algumas condutas delituosas e a respectiva

obrigação de reparar danos, sempre no aspecto econômico.

A maioria dos doutrinadores consagram a Lex Aquilia como um marco da

evolução histórica concernente a responsabilidade civil, pois através dela

ensejaram-se as primeiras noções e conceito da responsabilidade extracontratual ou

também denominada aquiliana. Nesse sentido está o entendimento do doutrinador

Silvio de Salvo Venosa:

A Lex Aquilia é o divisor de águas da responsabilidade civil. Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual (VENOSA, 2009, p. 17).O sistema romano de responsabilidade extrai da interpretação da Lex Aquilia o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual. Por essa razão denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade (VENOSA, 2009, p. 18).

Desse modo, todo aquele que causasse danos a outrem, seria obrigado a

ressarcir o prejuízo, mediante pagamento de uma contraprestação em dinheiro.

Passou-se a partir de então, a atribuir-se ao dano as condutas culposa (imprudência,

imperícia e negligência) e dolosa do agente.

Page 23: A Teoria da Perda de Uma Chance

23

A composição permaneceu no Direito Romano com o caráter de pena

privada e como reparação, pois, não havia distinção entre a responsabilidade civil da

pena.

Contudo, enorme controvérsia, divide os autores; segundo Pettefi da Silva

(2009, p. 06): “de um lado os que sustentam, com amparo nos textos, que a idéia de

culpa era estranha à Lei Aquilia; de outro lado, os que defendem a sua presença

como elementar na responsabilidade civil”.

Somente na Idade Média é que se estruturou a idéia de dolo e de culpa

stricto sensu, seguida de uma elaboração da dogmática da culpa, distinguindo-se a

responsabilidade civil da pena.

Entretanto, a teoria da responsabilidade civil somente se estabeleceu por

obra da doutrina, abstraindo-se a concepção de pena para substituí-la

paulatinamente pela idéia de reparação, do dano sofrido. Contudo, a teoria clássica

de culpa não conseguia atender todas as peculiaridades da vida em comum, diante

de diversos casos em que os danos se perpetuavam sem reparação pela

impossibilidade de comprovação do elemento fundamental.

Não obstante, houve também a expansão da responsabilidade civil no

que diz respeito à sua extensão ou área de incidência, aumentando-se o número de

pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da indenização e de fatos que a

ensejaram.

Em decorrência de tais fatos, iniciou-se dentro do próprio preceito a

ampliação do conceito de culpa e o acolhimento inusitado de novas teorias

dogmáticas, que propugnavam pela reparação do dano decorrente, exclusivamente,

pelo fato ou em virtude do risco criado.

Tais doutrinas, inclusive, encontraram amparo nas legislações mais

modernas, sem aversão total à teoria tradicional da culpa, sendo adotadas até

mesmo pelo Código Civil brasileiro de 2002.

Concernente a evolução histórica da responsabilidade civil no Brasil,

convém salientarmos, ainda que de modo sucinto, alguns de seus aspectos.

Considerando que a nação brasileira é se comparada às outras civilizações um país

novo, e por consequência influenciado por países estrangeiros em muitas áreas do

direito e demais ciências, entenderemos a razão da estruturação da

responsabilidade civil tal qual como é hoje regulamentada.

Page 24: A Teoria da Perda de Uma Chance

24

No início da formação de nossa sociedade, podemos observar que o

ordenamento jurídico brasileiro submetia-se quase que totalmente ao lusitano,

motivo pelo qual, no ordenamento colonial praticamente não havia distinções entre

as noções de pena, multa, e reparação.

Sobrevindo a independência, o Brasil foi gradativamente estruturando sua

legislação e doutrina, absorvendo paulatinamente, as inovações e influências dos

ordenamentos jurídicos de outros países que não Portugal.

Devemos registrar que, inicialmente havia ainda uma certa confusão entre

os aspectos civis e criminais, no entanto vigorava a premissa de reparação do dano

causado mediante a comprovação de culpa.

No entanto, nos dias atuais, a legislação brasileira adota e aplica na

prática as teorias objetiva e subjetiva, de acordo com as peculiaridades de cada

caso concreto, enfatizando acima de tudo, o que refere à modernização ao aplicar a

doutrina e os preceitos jurisprudências já existentes.

3.1 Conceito de responsabilidade Civil

Após breve análise dos aspectos históricos da responsabilidade civil,

apreciaremos os principais elementos que a compõe. Lembrando que, o tema

proposto constitui um dos mais problemáticos da atualidade jurídica ante a sua

admirável progressão no direito moderno, seus reflexos nas atividades humanas, em

sua repercussão em todas as ciências do Direito e na realidade social.

Em razão da imensidão de campo, não há entendimento uniforme

doutrinário e jurisprudencial quanto à definição de sua abrangência, à enunciação de

seus pressupostos e à sua própria textura. Por essa razão, o vocábulo

responsabilidade pode ser interpretado de várias formas, inclusive, tal entendimento

pode ocorrer no ordenamento jurídico. Vulgarmente analisando, podemos dizer que

responsabilidade é obrigação que alguém tem de responder pelas suas condutas.

Juridicamente, está vinculado ao surgimento de uma obrigação derivada,

ou seja, um dever legal sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico em

sentido amplo.

A responsabilidade jurídica apresenta-se, destarte, quando houver

Page 25: A Teoria da Perda de Uma Chance

25

prejuízo a um indivíduo, a coletividade, ou a ambos, desvirtuando a ordem social,

hipótese em que a sociedade reagirá contra esses fatos, coagindo o causador a

recompor o statu quo ante, a pagar uma indenização ou cumprir uma pena, com o

objetivo de impedir que ele torne a causar o desequilíbrio social e de evitar que

outras pessoas o imitem.

Fernando Noronha, (2007), assevera que o vocábulo “responsabilidade”

tem sua origem no termo latino spondeo, tirada do Direito Romano, a qual ligava o

devedor nos contratos verbais”.

O seu conceito legal, porém, vem disposto no artigo 927 do Código Civil

de 2002 que diz:

Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Interpretando o artigo em epígrafe, Maria Helena Diniz (2008, p. 30)

conceitua responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem uma

pessoa a reparar um dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de

ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a

ela pertencente ou de simples imposição legal.

Do referido conceito, verificamos que são duas as finalidades básicas da

responsabilidade civil; a obrigação de indenizar (reparar o dano), objetivando a

compensação da vítima pelo prejuízo sofrido; e a punição do agente ofensor, de

modo a convencer a não mais cometê-lo, sob pena de ter que repará-lo.

Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva (2010, p. 6), a responsabilidade

civil vem defendida por Savatier como obrigação que pode incubir uma pessoa a

reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou

coisas que dela dependam.

Convém observar que, o princípio que rege a responsabilidade civil é o

unuscuique sua culpa nocet, o que significa que dentro da doutrina subjetiva cada

um responde pela sua culpa, e por se tratar de Direito à pretensão reparatória,

caberá ao autor, sempre o ônus da prova de tal culpa do réu.

No entanto, existem situações em que o ordenamento jurídico confere a

responsabilidade civil a alguém por dano que não foi causado diretamente por ele,

Page 26: A Teoria da Perda de Uma Chance

26

mas sim por um terceiro com quem mantém algum tipo de relação jurídica. Nestas

hipóteses, trata-se de uma responsabilidade civil indireta, em que o elemento culpa

não é abandonado, mas sim presumido, em função do dever de vigilância a que está

obrigado o réu.

3.2 Elementos da Responsabilidade Civil

Consolidou-se no direito a exigência à reparação que necessita da

conjugação dos seguintes elementos: o dano, que se faz necessário, eis que, sem

dano não há responsabilidade civil; a ação: que envolve tanto o ato comissivo como

o ato omissivo e o nexo causal, ou seja, a relação de causalidade entre a ação e o

dano.

Observa-se que na linha de consideração que o princípio da culpa como

requisito do direito à reparação não pode mais ser considerado como algo

indispensável, eis que, como já fora afirmado anteriormente, a responsabilidade civil

subsiste em hipóteses culposas ou não-culposas, erigindo-se o risco como uma das

fundamentações de responsabilidade, tendo em vista certas atividades. Tornando-se

indispensável, o estudo dos elementos principais que compõe a responsabilidade

civil, para que possamos entender quando teremos direito à indenização do prejuízo

causado nas hipóteses do tema em questão.

Porém, a apresentação deste item visa apenas abordá-los de maneira

sucinta, sem adentrarmos em maiores detalhes. Assim, os pressupostos da

responsabilidade civil são: conduta humana (ação ou omissão do agente); nexo

causal ou relação de causalidade; dano material ou moral. Note-se que não

incluímos a culpa entre os elementos da responsabilidade civil, pois como iremos

verificar no tópico seguinte, a responsabilidade objetiva é presumida ou sequer

questionada.

Isto porque, a culpa integra apenas as teorias de responsabilidade

subjetiva, o que significa que não é prescindível, sendo, entretanto, muitas vezes

secundária.

A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta

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27

humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade (GAGLIANO; PAMPLONA, 2003, p. 29).

A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral,

dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou

má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na

conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio (PEREIRA, 2006, p.

391).

Genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura encontram-se dois elementos: o objetivo, expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica à vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico (DIAS, 2006, p.121).

A culpa é a falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é,

o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com

resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na

consideração das consequências eventuais da sua atitude (DIAS, 2006, p. 123).

3.2.1 Conduta Humana

O primeiro elemento da responsabilidade civil é a conduta humana. Ou

seja, é necessária a existência de uma ação voluntária do agente, seja ela positiva

ou negativa (omissiva), pois somente o homem através de seus atos ou por meio

das pessoas jurídicas que forma, poderá ser civilmente responsabilizado.

Para os doutrinadores Glagliano e Pamplona Filho (2007, p. 30), o núcleo

fundamental da noção de conduta é “a voluntariedade, que causa exatamente a

liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter

consciência daquilo que faz”.

O ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado (DINIZ, 2010, p. 37).

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Donde concluímos que o ato que gera o dano pode ser uma ação ou

omissão do agente, com ou sem culpa, conforme se configure responsabilidade

subjetiva ou objetiva. Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 37) prefere não diferenciar

ação comissiva de omissiva, chamando a ambas simplesmente de conduta humana

“porque abrange as duas formas de exteriorização da atividade humana. Conduta é

gênero de que são espécies a ação e a omissão”.

A responsabilidade civil do agente só pode ser gerada por conduta

própria, de terceiros sejam filhos menores, tutelados, curatelados, educandos ou

empregados que estejam sob sua responsabilidade, ou por danos causados por

animais ou coisas sob sua guarda. Não havendo essa voluntariedade, portanto, não

há que se falar em ação humana, e, muito menos, em responsabilidade civil.

3.2.2 Espécies de Dano: Moral e Material

O segundo elemento constitutivo da responsabilidade civil é dano ou

prejuízo. Indistintamente da espécie, seja contratual ou extracontratual, objetiva ou

subjetiva, o dano é requisito indispensável para sua configuração, pois, o ato ilícito

somente reflete na esfera do Direito Civil se causar prejuízo a alguém.

Considera-se dano, toda lesão ou destruição advinda de um certo evento,

cujo resultado, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou

interesse jurídico, patrimonial ou moral.

Desta forma, somente será possível pleitear indenização, se houver um

prejuízo, uma violação ao direito, seja de natureza patrimonial ou não. Demais disso,

é necessário que o dano seja concreto, pois não há possibilidade de se indenizar

prejuízo incerto. Igualmente convém esclarecer que é preciso que o dano seja

subsistente, ou seja, continue a existir e lesar o ofendido no momento em que

estiver sendo exigida sua reparação em juízo.

Desta forma, o dano pode ser de duas vertentes: material e moral.

Contudo, independentemente do tipo de dano (se material ou moral, ou mesmo

ambos), dano é o que basicamente se configura como lesão aos interesses de

outrem, seja este causado direta ou indiretamente pelo agente, na chamada

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responsabilidade civil direta ou indireta, respectivamente.

O dano também pode ser direto ou indireto, a saber: pode ser dano

causado à própria vítima, ou a alguém de sua família ou terceiros que lhe digam

respeito, ou a objeto seu. Pode ser também direta ou indireta a causalidade, a

relação entre dano e consequência.

O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 40)

Os efeitos do dano, quando causam prejuízo direto à vítima, são

chamados de causalidade direta; se causarem prejuízos à vítima por seus efeitos ou

repercussões, ou bens que não diretamente relacionados ao fato lesivo, são de

causalidade direta.

Assim, o dano material, também chamado de dano patrimonial, é o de

maior evidência e o de mais fácil mensuração por se tratar de lesão que afeta o

patrimônio da vítima, seja extinguindo uma parte dele, diminuindo, ou deteriorando o

mesmo, é o dano passível de avaliação pecuniária. Neste tipo de dano, abrange-se

o dano chamado emergente (o patrimônio perdido) e o lucro cessante (aquele que a

vítima deixou de lucrar, ou não pode acrescer em seu patrimônio, em função do

dano causado).

Englobam-se no dano patrimonial a privação do uso de coisa, a

diminuição do seu uso, a diminuição da capacidade para o trabalho, a ofensa ou

calúnia que efetivamente reflitam na vida profissional ou negócios da vítima, em

critérios objetivos. Enfim, o dano material é objetivamente avaliado em dinheiro

(valor perdido ou que se deixou de auferir), e se não passível de reparação,

corresponde a uma indenização de valor idêntico à perda.

Nota-se que, o dano material pode, portanto, ser direto, quando causa

lesão ao patrimônio da vítima ou à sua pessoa de imediato, ou indireto, quando suas

consequências é que atingem a vítima. Já, o dano moral é mais subjetivo que o

dano material, consistindo na compensação pela perda, dor ou incômodo causado à

vítima a partir do dano. Pode-se concluir que o dano moral é a indenização que tem

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30

caráter de satisfação e compensação à vítima e vale como pena pecuniária adicional

para o agente.

Normalmente, o dano moral é de difícil mensuração devido à dificuldade

em se avaliar sua extensão, isto porque não podem pairar suspeitas de

enriquecimento sem causa por parte da vítima, ou, por outra, de seu sofrimento ou

padecimento. Outras dificuldades comuns estão em medir o tamanho do decoro, da

honradez, da dignidade atingidos. Assim, qual o efetivo valor destes sentimentos,

que variam imensamente em cada pessoa? E quando não é possível ou não ocorreu

o dano material, comprovar o dano moral e equacionar sua indenização é, pelas

características próprias, tarefa árdua.

3.2.3 Nexo de Causalidade

Como terceiro e último requisito à configuração da responsabilidade civil,

temos o nexo de causalidade. Entende-se como nexo de causalidade o elo

etiológico que une a conduta do agente (positiva ou negativa) ao dano,

conseqüentemente, apenas se poderá responsabilizar alguém cujo comportamento

houvesse dado causa ao prejuízo. Assim, o que se aplica, hodiernamente, em nosso

Direito é a adequação da causa ao dano, mencionado por Caio Mário Pereira:

Em linhas gerais e sucintas, a teoria pode assim ser resumida: o problema da relação de causalidade é uma questão científica de probabilidade. Dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições de necessariamente tê-lo produzido. Em consequência, a doutrina que se constrói neste processo técnico se diz da ‘causalidade adequada’ porque faz salientar, na multiplicidade de fatores causais, aquele que normalmente pode ser o centro do nexo de causalidade (PEREIRA, 2006, p. 79).

Salienta-se que, há casos em que prevalecem as excludentes do nexo

causal, como ocorre nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva

da vítima, as quais veremos no tópico seguinte.

3.3 Das excludentes da responsabilidade Civil

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31

Na responsabilidade civil, de forma geral, há algumas causas

excludentes, as quais não configuram culpa do agente.

A própria vítima pode provocar o dano, sendo apontada como a única

responsável. Assim, aquele que aparenta ser o agente causador não é mais que

mero instrumento do dano. Um exemplo simples seria o da vítima que se atira sob

as rodas de um carro. Seu atropelador não poderá ser responsabilizado, posto que

para isto não concorresse.

A boa técnica recomenda falar em fato exclusivo da vítima, em lugar da culpa exclusiva. O problema, como se viu, desloca-se para o terreno do nexo causal, e não da culpa. O direito italiano fala em relevância do comportamento da vítima para os fins de nexo de causalidade material (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 74).

O fato de terceiro é outro elemento afastado do nexo causal. É a pessoa

que efetivamente causou o dano, ainda que à primeira vista o agente seja o

causador do mesmo. Assim, suponhamos que no exemplo acima, o atropelador não

mate sua vítima, mas que, ao atropelá-la, ela termine por cair sob as rodas de outro

automóvel, que enfim, causa sua morte. Efetivamente quem causou a morte foi

terceiro alheio e este é o único causador do evento. Não resta ao primeiro motorista

responsabilidade sobre o fato gerado.

Por último, resta o caso fortuito ou força maior, que equivalem ao fato de

terceiro, tendo o mesmo efeito, o de desviar o nexo causal, deslocando-o do alcance

do agente do dano. Mantendo-nos no mesmo exemplo, equivaleria ao motorista

atropelador ter subitamente um pneu furado, ou verem-lhe faltar os freios, mesmo

com toda diligência com a mecânica do carro. Comprovando-se que tenha sido fato

inevitável, em que nada se poderia fazer para evitar o desfecho, desatrela-se a

relação de causalidade, e tem fim a responsabilidade civil.

Embora a legislação encare, praticamente, os dois termos como

sinônimos há uma diferença fixada. Segundo a melhor doutrina, caso fortuito é “todo

aquele imprevisível e, por isso, inevitável, sendo o caso de força maior aquele que

pode até ser previsível, porém é inevitável; por exemplo, os fenômenos da natureza,

tais como tempestades, furacões, e etc...” (PEREIRA, 2006, p. 81).

Força maior é “o evento humano que, por sua imprevisibilidade e

inevitabilidade, cria para o contratado impossibilidade intransponível de regular

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32

execução do contrato” (DINIZ, 2010, p. 48).

Assim, por exemplo, uma greve que paralise os transportes ou a

fabricação de um produto de que dependa a execução do contrato é força maior,

mas poderá deixar de sê-lo se não afetar totalmente o cumprimento do ajuste, ou se

o contratado contar com outros meios para contornar a incidência de seus efeitos no

contrato.

Caso fortuito é, por exemplo, um tufão destruidor em regiões não sujeitas

a esse fenômeno; ou uma inundação imprevisível que cubra o local da obra; ou

outro qualquer fato, com as mesmas características de imprevisibilidade e

inevitabilidade, que venha impossibilitar totalmente a execução do contrato ou

retardar o seu andamento, sem culpa de qualquer das partes.

A força maior evidencia um acontecimento resultante do ato alheio (fato de outrem) que supere os meios de que se dispõe para evitá-lo, isto é, além das próprias forças que o indivíduo possua para se contrapor, sendo exemplos: guerra, greve, revolução, invasão de território, sentença judicial específica que impeça o cumprimento da obrigação assumida, desapropriação, embargo para suspensão de uma obra etc. (STOCO, 2008, p. 125).

Encontramos no fato jurídico extraordinário: caso fortuito e força maior.

Os fatos jurídicos extraordinários caracterizam-se pela sua eventualidade, não

acontecendo necessariamente no dia-a-dia. Também não são provenientes da

volição humana, podendo, porém, apresentar a intervenção do homem em sua

formação. São eles: caso fortuito ou força maior e “factum principis”.

Como já foi visto caso fortuito ou força maior são fatos capazes de

modificar os efeitos de relações jurídicas já existentes, como também de criar novas

relações de direito. São eventualidades que, quando ocorrem, podem escusar o

sujeito passivo de uma relação jurídica pelo não cumprimento da obrigação

estipulada. É o caso, por exemplo, de uma tempestade que provoque o

desabamento de uma ponte por onde deveria passar um carregamento confiado a

uma transportadora.

É interessante falar que diante de tal situação e da impossibilidade da

continuação do itinerário, a transportadora livra-se da responsabilidade pela entrega

atrasada do material. Porém, para que determinado caso fortuito ou força maior

possa excluir a obrigação estipulada em um contrato, é necessária a observação de

certas circunstâncias, tais como a inevitabilidade do acontecimento e a ausência de

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33

culpa das partes envolvidas na relação afetada. Caso não haja a presença de

qualquer destes requisitos, não pode haver caso fortuito ou força maior que

justifiquem o descumprimento contratual.

4 CLASSIFICAÇÃO DAS TEORIAS QUE ABORDAM A RESPONSABILIDADE

CIVIL

São vários os critérios e os tipos de classificação da responsabilidade civil

apresentados pela doutrina, porém basicamente, e para os fins do presente estudo,

classifica-se a responsabilidade civil em responsabilidade contratual e

extracontratual, ainda em responsabilidade subjetiva e objetiva, destacando-se

também a responsabilidade pelo risco.

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4.1 Responsabilidade Civil Contratual e extracontratual

A responsabilidade contratual se origina da inexecução contratual. Pode

ser de um negócio jurídico bilateral ou unilateral. Resulta, portanto, de ilícito

contratual, ou seja, de falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de

qualquer obrigação. É uma infração a um dever especial estabelecido pela vontade

dos contratantes, por isso decorre de relação obrigacional preexistente e pressupõe

capacidade para contratar. A responsabilidade contratual é o resultado da violação

de uma obrigação anterior, logo, para que exista é imprescindível à preexistência de

uma obrigação.

A responsabilidade contratual, de que trata o artigo 389 do Código Civil,

não precisa o contratante provar a culpa do inadimplente, para obter reparação das

perdas e danos, basta provar o inadimplemento. O ônus da prova, na

responsabilidade contratual, competirá ao devedor, que deverá provar, ante o

inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou presença de qualquer excludente do

dever de indenizar, o mesmo deverá provar que o fato ocorreu devido a caso fortuito

ou força maior.

Art. 389. Não cumprida à obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (BRASIL, Codigo Civil, 2002).

Já, na responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana,

se resulta do inadimplemento normativo, ou seja, da prática de um ato ilícito por

pessoa capaz ou incapaz, da violação de um devedor fundado em algum princípio

geral de direito, visto que não há vínculo anterior entre as partes, por não estarem

ligadas por uma relação obrigacional.

A fonte desta inobservância é a lei. É a lesão a um direito sem que entre o

ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Aqui, ao contrário da

contratual, caberá a vítima provar a culpa do agente.

A princípio a responsabilidade extracontratual baseia-se pelo menos na

culpa, o lesado deverá provar para obter reparação que o agente agiu com

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35

imprudência ou negligência. Mas poderá abranger ainda a responsabilidade sem

culpa, baseada no risco. Duas são as modalidades de responsabilidade civil

extracontratual quanto ao fundamento: a subjetiva e a objetiva.

4.2 Responsabilidade Civil Objetiva

É a novidade introduzida pelo código Civil de 2002, quando se dispensa a

prova da culpa do agente. A culpa, na verdade, é presumida. A atitude seja dolosa

ou culposa do agente causador é irrelevante, bastando que haja relação entre o

dano experimentado e o ato do agente.

Caso clássico é o previsto no código de defesa do consumidor, onde a

loja, embora não fabrique o produto, tem a obrigação de trocá-lo ou indenizar o

cliente no caso de vício ou defeito. Outro, também comum, é o que vemos nos

estacionamentos de shoppings, quando um veículo é furtado. O estabelecimento

responde pelo dano mesmo não tendo concorrido para a culpa.

Dentro da modalidade objetiva de responsabilidade, temos a chamada

culpa presumida, ou responsabilidade objetiva imprópria, e a dispensa da culpa, ou

responsabilidade objetiva própria.

Entretanto, a lei impõe, a certas pessoas, em determinadas situações, a

reparação do dano cometido sem culpa. Estamos em face da responsabilidade legal

ou objetiva, onde o comportamento do agente é irrelevante, pois aqui vale a teoria

do risco e segundo esta, aquele que através de sua atividade cria um risco ou dano

para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, mesmo que não tenha agido

culposamente, bastando que exista relação de causalidade entre o dano

experimentado pela vítima e o ato do agente.

A responsabilidade será individual, podendo ser direita e indireta.

Segundo o que dispõe Maria Helena Diniz que “será direta, quando o agente

responder pelo ato próprio. Será indireta apenas nas situações previstas em leis,

nas quais se admite culpa presumida, operando-se conseqüentemente a inversão do

ônus probandi”.

Porém, relativamente à responsabilidade indireta, o imputado responderá

por até a terceira pessoa, com a qual tem o vínculo legal de responsabilidade (é o

Page 36: A Teoria da Perda de Uma Chance

36

que ocorre com, pais, tutores, curadores, etc), é por fato de animal ou coisas

inanimadas sob sua guarda (como sucede com danos ou detentores de animais,

donos de edifícios, habitantes de casas, pelas coisas caldas ou lançadas, etc). O

lesado será obrigado a provar a culpa do lesante na produção do dano (DINIZ, 2010,

p. 213).

4.3 Responsabilidade Civil subjetiva

Neste tipo de responsabilidade civil, consagrada em nosso ordenamento

pátrio desde o código anterior, a ideia central é a da formação da culpa, sem a qual

não há responsabilidade. Despiciendo dizer que falamos da abrangência civil, posto

que não existe este debate na área penal. Dentro desta, sem haver culpa, não há

ilícito, e não há responsabilidade penal.

Mas a responsabilidade penal, via de regra, se comprovada, fecha a

teoria da responsabilidade subjetiva, encerrando o processo na esfera civil: quem é

culpado na área criminal o será na área civil, cabendo, além da pena, indenização.

Voltemos à teoria subjetiva: neste caso, deve ser comprovada a culpa do

agente. A culpa gerará a obrigação de indenizar. O dolo não obrigatoriamente estará

presente, podendo ter ocorrido mera imprudência, por exemplo. Aqui se fala em

culpa lato sensu, conduta culposa, não em dolo ou culpa strictu sensu.

Segundo Gustavo Passarelli da Silva, (2010, p. 11) “a responsabilidade

subjetiva se inspira na idéia de culpa, de modo que a responsabilidade do agente

causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente”. Esta é a teoria

clássica, devendo haver prova da culpa como pressuposto da obrigação de

indenizar.

Deve a vítima provar a culpa e o dano causado pelo agente, ou seja, é a

ela que cabe o ônus probandi. Deve haver, evidentemente, nexo causal entre a ação

ou omissão do agente e o dano produzido. O elemento constitutivo desta teoria é o

dano: é o elemento ou requisito essencial na etiologia da responsabilidade civil. É

óbvio que não há responsabilidade civil onde não existe prejuízo.

Assim, dano é a lesão (destruição ou diminuição) que, devido a certo

evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer interesse ou bem

Page 37: A Teoria da Perda de Uma Chance

37

jurídico, moral ou patrimonial. Nem todo dano é ressarcível. Somente aquele que

preenche certos requisitos: certeza, subsistência e atualidade. A respeito do art. 944

do código civil brasileiro, e comentando a gradação culpa/indenização, Rui Stocco

sabiamente alerta:

Também o parágrafo único desse artigo, segundo nos parece, rompe com a teoria da restitutio integrum ao facultar ao juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização se houver ‘excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano’. Ao adotar e fazer retornar os critérios de graus da culpa obrou mal, pois o dano material não pode sofrer influência dessa gradação se comprovado que o agente agiu culposamente ou que há nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso, nos casos de responsabilidade objetiva ou sem culpa. Aliás, como conciliar a contradição entre indenizar por inteiro quando se tratar de responsabilidade objetiva e impor indenização reduzida ou parcial porque o agente atuou com culpa leve, se na primeira hipótese sequer se exige culpa? (STOCCO, 2008, p. 13)

Esta teoria, que obrigatoriamente envolve a prova da culpa, foi

largamente criticada, pela própria dificuldade que a vítima tem de provar a culpa do

agente. Por outro lado, provar a extensão do dano moral aduzido fica extremamente

prejudicado.

4.4 Responsabilidade Civil objetiva e teoria do risco

Confunde-se enormemente com a teoria objetiva da responsabilidade

civil. Na verdade, é dela (da responsabilidade objetiva) que brota. Senão, vejamos o

art. 927 do CC/2002:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, Codigo Civil, 2002).

No seu parágrafo único, o artigo prevê a obrigatoriedade de reparar o

dano, nos casos previstos em lei, o que corresponde à responsabilidade objetiva. No

entanto, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente implicar em

risco para direitos de outrem, e “causar a pessoa determinada um ônus maior do

que aos demais membros da coletividade” (BRASIL, Código Civil de 2002).

Page 38: A Teoria da Perda de Uma Chance

38

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, (2007), entende que “a

teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador

do dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente

com os riscos, na sua ausência deixa de ter fundamento à teoria”. Aqui se fala no

chamado risco-proveito, que tem fim lucrativo, pecuniário, e que a vítima deve

provar. Mas existem outras teorias de risco, como risco criado, risco integral, risco

profissional e risco excepcional.

Não importando qual a caracterização do risco, surgirá a obrigação

indenizatória ou reparatória à atividade do agente que tenha causado danos, e

exerça esta atividade de risco com fins lucrativos, pressupondo um meio de vida,

uma profissão, um grau de especialização. Isto induz a uma habitualidade, mas

também uma previsibilidade dos riscos que podem ferir direitos de terceiros.

Assim, verifica-se que questão é como interpretar a responsabilidade civil

sobre o risco assumido, sobre o risco habitual, que a lei deixou silenciosa. Fica à

mercê do magistrado, portanto, esta interpretação, levando em consideração o que é

atividade de risco, qual o grau assumido que independe de culpa, posto que aqui se

trata de responsabilidade objetiva.

Aqui não se trata simplesmente de responsabilidade objetiva, como no

código do consumidor, nos acidentes de trabalho e outros; trata-se de provar o dano

em função de um risco assumido pelo agente, e em que grau e com que nexo

ocorreu. Peca o Código Civil por uma falta de exatidão, posto que enquanto prevê a

responsabilidade objetiva e suas normas, não sistematiza a responsabilidade por

risco.

A teoria do risco não vem substituir a teoria subjetiva, mas sim completá-la, pois, apesar dos progressos da responsabilidade objetiva, que vem ampliando seu campo de aplicação, seja através de novas disposições legais, seja em razão das decisões dos nossos tribunais, por mais numerosas que sejam, continuam a ser exceções abertas ao postulado tradicional da responsabilidade subjetiva (FARIAS e ROSENVALD, 2006).

A responsabilidade civil não pode assentar-se exclusivamente na culpa ou

no risco, pois sempre existirão casos em que um destes critérios se revelará

manifestamente insuficiente.

Page 39: A Teoria da Perda de Uma Chance

39

5 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Por um longo período, o direito ignorou a possibilidade de se

responsabilizar o autor do dano decorrente da perda de alguém obter uma

oportunidade de chances ou de evitar um prejuízo, tendo como fundamento que

aquilo que não aconteceu não poderia nunca ser objeto de certeza ao ponto de

propiciar uma reparação.

Page 40: A Teoria da Perda de Uma Chance

40

Nesse sentido, os Tribunais costumavam exigir, por parte da vítima que

alegava a perda de uma chance, prova inequívoca de que, caso não tivesse ocorrido

o fato, teria conseguido o resultado que se dizia interrompido.

Todavia, já há algum tempo, a doutrina e a jurisprudência começaram a

perceber a importância da chamada responsabilidade pela perda de uma chance.

A teoria da perda da chance embasa o direito à reparação em virtude da

perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado

prejuízo. Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira (2006):

O problema surge, notadamente, quando o demandante, por sua culpa, priva o defendente de realizar um ganho ou evitar uma perda. Figura-se o fato de uma situação que já é definitiva e que nada modificará; mas por um fato seu o defendente detém o desenvolvimento de uma série de acontecimentos que poderiam oferecer a chance de ganhar ou de perder.

Quando se fala em chance, se está perante situações em que está em

curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no

futuro algo benéfico29. A partir dessa constatação se pode compreender a hipótese

de responsabilidade pela perda de uma chance que alguns autores classificam como

espécie de dano, outros relacionam com a questão do nexo causal, tendo, na

verdade, elementos e reflexos nesses dois pressupostos da responsabilidade30.

Segundo Vera Maria Jacob Fradera, (2004), concretiza-se a perda de

uma chance:

[...] quando determinado acontecimento não ocorreu, mas poderia ter ocorrido, por si mesmo ou através de intervenção de terceiro. O evento teria sido possível, mas a atuação do médico tornou-o impossível, provocou a perda de uma chance.

A perda de uma chance, em outras palavras, é a frustração de uma

expectativa, de uma esperança, na perda de uma probabilidade.

5.1 A origem desta teoria e o direito que dela resulta

29 NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 665.30 PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2007

Page 41: A Teoria da Perda de Uma Chance

41

A teoria da perda de uma chance tem sua origem na jurisprudência

francesa, quando da verificação da responsabilidade civil de um médico pela perda

da chance de cura ou de sobrevivência de um paciente.

Desse modo, a teoria é um legado dos tribunais franceses ao julgarem os

médicos daquele país sob o enfoque da responsabilidade civil. Aplicada à atividade

médica, a teoria ficou conhecida como teoria da perda de uma chance de cura ou de

sobrevivência, em que o elemento que determina a indenização é a perda de uma

chance de resultado favorável no tratamento. Importante frisar que: o que se perde é

a chance da cura e não a continuidade da vida. A falta, destarte, reside em não se

dar ao paciente todas as chances de cura ou de sobrevivência31.

Essa teoria busca, de maneira eficaz, indenizar um dano ocorrido ao se

considerar a perda de uma chance de se obter um lucro, ou de se evitar um prejuízo,

como um dano real, passível de reparação.

Para Caio da Silva Pereira, o problema surge, notadamente, quando o

demandante, por sua culpa, priva o defendente de realizar um ganho ou evitar uma

perda. Figura-se o fato de uma situação que já é definitiva e que nada modificará;

mas por um fato seu o defendente detém o desenvolvimento de uma série de

acontecimentos que poderiam oferecer a chance de ganhar ou de perder. Foi o que

decidiu a Corte de Cassação francesa. Afirmam os Mazeaud, dizendo que ‘o fato do

qual depende o prejuízo está consumado32.

Formulando algumas hipóteses de chances de ganho ou de perda, o que se configura na categoria de ‘perda de uma chance’ (perte d’une chance), discutem se há um dano reparável. E exemplificam: vencer uma corrida de cavalos, ganhar um concurso, ser vitorioso numa demanda. Indagam os Mazeaud: ‘Como avaliar então tal prejuízo?’ Respondendo, dizem eles que decidir assim seria ‘raciocinar mal’. (PEREIRA, 2006).

Desse modo, a idéia central da teoria consiste em explicitar

inconvenientes existentes na comprovação dos elementos formadores da

responsabilidade subjetiva (culpa, dano e nexo de causalidade), enfatizando o

resultado lesivo. Quando é difícil a prova do nexo de causalidade entre o ato ou

omissão culposos do médico e o dano experimentado pelo paciente, admite-se a

perda de uma chance de resultado favorável no tratamento, como elemento

prejudicial determinante da reparação.

31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007, p. 75.32 PEREIRA, 2006, p. 41.

Page 42: A Teoria da Perda de Uma Chance

42

Deve se frisar que a teoria da perda de uma chance ou perte d’une

chance tem origem na jurisprudência da Corte de Cassação Francesa, a qual se

relacionou, inicialmente, com questães, de responsabilidade civil por erro médico, da

possibilidade de reparação da vítima pela perda de uma oportunidade de cura ou

sobrevivência decorrente de omissão do médico.

A partir deste caso particular, a teoria rapidamente se expande, e passa a

constituir uma categoria autônoma de dano material, sendo progressivamente

assimilada pelas jurisprudências de diversos países. No Brasil, a teoria é hoje aceita

pela doutrina e jurisprudência majoritárias33.

No Brasil, a adoção da responsabilidade civil baseada na perda de uma chance, é relativamente nova. Seu estudo e aplicação ficam a cargo da doutrina e jurisprudência, uma vez que o Código Civil de 2002 não fez menção a ela. Existe, ainda, ausência de critérios argumentativos que tragam uniformidade aos casos (BRASIL, Código Civil, 2002).

Uma das primeiras questões que se coloca quando se trata da teoria é a

diferenciação entre lucros cessantes e perda de uma chance. Ambos dizem respeito

a algo que a vítima deixou de ganhar, mas, se no caso dos lucros cessantes o

resultado deve ser certo, no caso da perda de uma chance, não há necessidade de

certeza alguma, e o que se perde é apenas uma oportunidade. Assim, se alguém,

por conta de um acidente, deixa de prestar um concurso público no qual depositava

grandes expectativas profissionais, poderia integrar o dano sofrido a perda desta

chance.

Vale ressaltar que a incerteza deve dizer respeito apenas à ocorrência do

resultado. O nexo de causalidade entre a conduta e a perda da chance, por sua vez,

deve ser certo e aferível. A conduta, necessária à ocorrência do dano, deve direta e

33 Na doutrina brasileira, a responsabilidade civil por perda de uma chance foi objeto de análise, ainda que de forma sucinta, dentre outros, pelos seguintes autores: ALVIM, Agostinho. Da Inexe-cução das Obrigações e suas Consequências. 3. ed. atualizada, Rio de Janeiro - São Paulo: Editora Jurídica e Universitária, 1965, p. 190-193; AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil, 2 v., 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 296-297 e 720-721; SEVERO, Sérgio. Os Danos Extrapa-trimoniais, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 11-14; SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, 7. ed. revista e atualizada pelo Prof. José Serpa Santa Maria, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000, p. 391; SANTOS, António Jeová. Dano Moral Indenizável, 2. ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 108-112; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, 9. ed. ampliada, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 40-43; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 4. ed. revista, aumentada e atualizada de acordo com o novo Código Civil, Rio de Janeiro: Malheiros, 2003, p. 91-92; VENOSA, Sílvio. Direito Civil: responsabilidade civil, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 2829,178-179 e 197-201; MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, v. V, t. E: Do inadimplemento das obrigações, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.358-362; ANDRADE, Fábio Siebeneichler. Responsabilidade civil do advogado, in RT 697, p. 26-28.

Page 43: A Teoria da Perda de Uma Chance

43

imediatamente dar causa à perda de uma oportunidade. Assim, no caso do exemplo

apresentado, deve ficar comprovado que do acidente resultou a impossibilidade de

prestar o concurso.

Ademais, a chance deve ser séria e real. A probabilidade excessivamente

reduzida de ocorrência do evento gera a descaracterização do instituto, pois

nenhuma oportunidade palpável terá sido perdida.

A segunda questão de relevo que se coloca é a da quantificação da perda

de uma chance. Certo é que não deve ter por base apenas o evento futuro incerto,

mas sim a oportunidade perdida. Assim os possíveis ganhos patrimoniais deverão

ser ponderados pela probabilidade de ocorrência das demais circunstâncias que

levariam a sua efetiva percepção pela vítima.

Neste ponto é que se colocam as mais sérias dificuldades da teoria, uma

vez que tal probabilidade, na maioria dos casos, é um dado de difícil apuração. A

aplicação do instituto acaba por depender excessivamente da percepção subjetiva

do juiz, o que leva alguns doutrinadores a defender a abolição do instituto.

Partindo desta premissa, a Suprema Corte Suíça, na decisão de um

“leading case” em 17 de Junho de 2007, referente à responsabilidade por erro

médico, refutou a aplicação do instituto em prol de uma interpretação mais clássica

da legislação de responsabilidade civil suíça, baseando-se na necessidade de

certeza para caracterização do dano, e do nexo de causalidade.

Em face das dificuldades enfrentadas pelos aplicadores do instituto, a

teoria da perda de uma chance hoje enquadra o amplo rol de inovações feitas à

teoria clássica da responsabilidade civil com o objetivo de promover a ampla

reparação da vítima. Este processo, que atinge a teoria como um todo, indo desde a

relativização da culpa até flexibilização do nexo causal atinge também as

classificações clássicas do dano, incluindo categorias novas, dentre as quais figuram

com destaque a teoria da perda de uma chance e a teoria do dano punitivo.

5.1.1 aplicação da teoria da perda de uma chance nas cortes internacionais

Deve-se frisar que a Corte de Cassação francesa “pode ser considerada a

mais criativa em relação às possibilidades de utilização da teoria da perda de uma

chance”, que vem sendo objeto de julgamento na jurisprudência francesa.

Page 44: A Teoria da Perda de Uma Chance

44

São os citados casos de chances de lograr êxito em um jogo de azar ou

em uma competição esportiva, a perda de chances pela quebra do dever de

informar, chances perdidas de auferir melhor condição social no futuro e de obter

alimentos, além de vários outros casos julgados em matéria contenciosa e em

matéria empresarial.

No que concerne à reparação das chances perdidas em matéria

contenciosa na jurisprudência francesa, Peteffi (2009), relembra que “a primeira

utilização da noção de perda de uma chance de que se tem notícia foi observada

quando da falha de um auxiliar de justiça”.

A Corte de Cassação francesa se divide em duas correntes com relação a

estes casos. Para que haja a concessão da reparação de acordo com a primeira

corrente é suficiente à probabilidade de procedência da demanda perdida em razão

da falha profissional, mais para a outra corrente jurisprudencial francesa, “a fraqueza

da chance apresentada não é motivo suficiente para gerar a improcedência da

demanda, mas apenas um baixo valor de indenização”.

Kfouri (2002), complementa, com relação à aplicação da teoria da perda

de uma chance relativamente à área médica, que a jurisprudência civil francesa

“aplica a noção de perda de uma chance de cura ou sobrevivência, modo geral, a

todo caso de culpa médica, seja em se tratando de erro de diagnóstico, tratamento

ou cuidados médicos”. Para demonstrar como vem se dando esta aplicação, o autor

exemplifica:

A Corte de Cassação referendou julgado da Corte de Paris, condenou-se cirurgião que se fez assistir, durante a cirurgia, por outro médico não especialista em anestesia. Durante a indução anestésica, efetuada por este último, a paciente sofreu uma crise de apnéia, seguida de distúrbios cardíacos. Transportada, em coma, ao hospital, a mulher morreu dias mais tarde. A culpa do cirurgião foi reconhecida pelos peritos da Corte de Paris: por falta de diligência, o cirurgião ocasionou a perda de uma chance de sobrevivência à paciente.

Peteffi (2009), traz, a título exemplificativo, um julgado datado de 1966, da

Corte de Apelação de Paris:

Em 10 de março de 1966, a Corte de Apelação de Paris julgou um caso em que uma mulher, após dar à luz um bebê, foi acometida de forte hemorragia, em função da qual veio a falecer. A Corte entendeu que o médico que tratou a paciente foi negligente por tê-la deixado sem assistência adequada logo após o parto. Porém, não houve condenação integral porque os peritos afirmaram que, mesmo com a terapêutica correta, em torno de 20% das

Page 45: A Teoria da Perda de Uma Chance

45

pacientes nesse estado vem a falecer. Deste modo, a Corte decidiu por condenar o médico pela perda de 80% das chances de cura.

No entanto, apesar de seu surgimento na França e, portanto, do

pioneirismo do país no trato do instituto da perda de uma chance, sua utilização não

ficou restrita ao ordenamento francês, espalhando-se, inicialmente, por outros

países europeus e, atualmente, por outros continentes, conforme se perceberá.

Entre os italianos, a teoria, de início, encontrou alguns entraves. Os

primeiros estudiosos, Giovanni Pacchioni e Francesco Donato Busnelli,

consideravam que “uma simples possibilidade, uma chance, tem sim um valor social

notável, mas não um valor de mercado”.

Pacchioni, por exemplo, ao analisar algumas situações típicas de perda

de chance, como um jóquei cujo cavalo não é entregue a tempo de participar de

uma competição; um pintor cuja pintura é extraviada por culpa do correio, não

podendo participar de uma exposição e, por fim, um advogado que deixa transcorrer

o prazo para apelar sem, no entanto, interpor o recurso, fazendo com que o

constituinte perca a chance de ver seu pedido ser apreciado em instância superior,

concluiu que “em todas essas hipóteses as vítimas, teriam sem dúvida razão para se

queixar”.

No ano de 1965, o autor italiano Francesco Donato Busnelli passou a

analisar o tema, no entanto, mantendo o mesmo posicionamento de Pacchioni. Após

analisar um caso típico de perda de chance julgado pelo Tribunal de Apelação de

Paris, Busnelli enquadrou “a perda de chance como um mero interesse de fato e,

portanto, como um dano que não seria indenizável de acordo com o ordenamento

jurídico italiano”.

A teoria da perda de uma chance somente passou a ser corretamente

estudada e admitida através de Adriano de Cupis, ao publicar, em 1966, obra

denominada “Il Danno: Teoria Generale Della Reponsabilitá Civile”, o qual

“conseguiu visualizar um dano independente do resultado final e, portanto,

enquadrar a chance perdida no conceito de dano emergente e não de lucro

cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam”, completa o

doutrinador Savi (2009). Assim, o problema da incerteza do dano estava resolvido

naquele ordenamento.

De Cupis foi responsável pela fixação de importantes premissas

necessárias à admissão da indenizabilidade das chances perdidas, como requisitos

Page 46: A Teoria da Perda de Uma Chance

46

para a quantificação das chances perdidas e para sua indenização. Nesse sentido,

importante lição de Cupis, precursor da admissibilidade da teoria na Itália:

A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída; de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.

Bocchiola, em artigo publicado em 1976, foi o grande precursor na

adequada compreensão da teoria no ordenamento italiano, trazendo outros

importantes conceitos e fixando algumas importantes premissas na aplicação da

teoria da perda de uma chance. Vem de sua obra, por exemplo, imprescindíveis

conceitos na diferenciação entre o instituto da perda de uma chance e a espécie

lucros cessantes da responsabilidade civil geral.

Entretanto, como esclarece Savi, (2009), “apesar de reconhecer, em tese,

a possibilidade de indenizar as chances perdidas, Bocchiola deixa claro que tudo

dependerá do caso concreto”. E continua: “após longo trabalho de fixação das

premissas e de esclarecimentos dos conceitos, Bocchiola chega à conclusão de que

não há qualquer razão [...] que impeça a indenização das chances perdidas na

Itália”. Nos dizeres de Savi (2009):

Assim como na França, doutrina e jurisprudência italianas passaram a visualizar um dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Passou-se, então, a admitir o valor patrimonial da chance por si só considerada, desde que séria, e a traçar os requisitos para o acolhimento da teoria.

Muito embora já existisse todo esse trabalho doutrinário, apenas em 1983

a Corte de Cassação italiana julgou o primeiro caso favoravelmente à indenização

da perda de chance. Assim, trecho da lição de SAVI sintetizando as principais

premissas doutrinárias utilizadas pela Corte de Cassação italiana na aplicação da

responsabilidade civil por perda de chance:

Para tanto, seguindo as premissas fixadas pela Doutrina, inseriu a perda de chance no conceito de dano emergente, passou a exigir (na maioria dos casos) uma probabilidade superior a 50% (cinqüenta por cento) como prova da certeza do dano e, por fim, a liquidar o dano, partindo do dano final multiplicado pelo percentual de probabilidade de obtenção do resultado útil impedido pela conduta do ofensor.

Page 47: A Teoria da Perda de Uma Chance

47

Atualmente, pode-se afirmar que a jurisprudência italiana fez grandes

evoluções no que concerne à reparação das chances perdidas, pois, após acreditar

durante anos que, por se tratar de mera expectativa de fato, não seria dano

ressarcível, passou a reconhecer e, principalmente, indenizar o dano

consubstanciado na chance perdida.

5.2 Natureza da perda de uma chance

Diversas correntes doutrinárias discutem a natureza jurídica da perda

de chance. Segundo Rafael Peteffi da Silva (2009), para alguns autores a figura

não constitui um dano indenizável, mas utilização da causalidade parcial,

enquanto, para outros, a perda de chance configura dano autônomo e, portanto,

indenizável.

Como observa Peteffi da Silva, tanto o art. 402 (dano) quanto o art. 403

(nexo causal) ensejam a discussão do tema uma vez que a natureza das chances

perdidas pode apontar a uma espécie peculiar de dano e, também, a uma

aplicação da causalidade parcial34.

Alguns dos autores que reduzem a perda de uma chance a um

problema de dano, a qualificam como lucro cessante; outros a enquadram na

noção de dano emergente. Na doutrina brasileira não há unanimidade sobre a

natureza da perda de uma chance. De acordo com Eduardo Abreu Biondi, para os

adeptos da corrente tradicional, tendo em vista não haver a possibilidade de se

determinar qual seria o resultado final, não se cogita em dano pela perda da

chance, pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual35.

Jorge Cesar Ferreira da Silva prefere abordar o tema no comentário ao

art. 402, ponderando que “o elemento de discussão mais relevante parece ser a

aceitação da perda da chance como verdadeiro dano” 36. Já Fernando Noronha

aborda o tema no âmbito da causalidade37.

34 SILVA, 2007, p. 214-21635 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil. Disponível em: http://www.pesquisedireito.com/tpcrc.htm. Acesso em 24 de novembro de 2010. 36 FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesar. Inadimplemento das Obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 17337 NORONHA, 2003, p. 664.

Page 48: A Teoria da Perda de Uma Chance

48

Na doutrina francesa Jacques Boré e na doutrina do Common Law,

John Makdisi afirmam que a perda de uma chance não constitui um dano

autônomo e somente poderia auferir reparação se fosse utilizada a causalidade

parcial38.

De acordo, ainda, com Peteffi da Silva, na doutrina estrangeira

predomina o entendimento “que apenas algumas modalidades de utilização da

perda de uma chance utilizam-se da causalidade parcial, sendo que a chance

perdida representa, na maioria dos casos, um novo tipo de dano indenizável” 39.

Segundo Biondi, não se pode vincular a chance perdida com o eventual

resultado final, destacando que a oportunidade de ganho ou de se evitar um

prejuízo, por si só, já é incorporada no patrimônio jurídico do indivíduo, sendo

assim, a sua violação ensejará indenização. Conclui o autor que a chance não

pode ser analisada como a perda de um resultado favorável, mas sim como a

perda da possibilidade de angariar aquela vantagem, ou seja, além da

indenização material, a vítima pode vir a sofrer o dano imaterial 40.

5.3 Diferenças entre Dano emergente, Lucro cessante e Teoria da Perda de

uma chance.

Inicialmente convém explicar que o dano emergente, como entendido

pacificamente na doutrina, importa numa efetiva e imediata diminuição do patrimônio

da vítima, naquilo que ela efetivamente perdeu o que hoje está consagrado no artigo

402 do Código Civil vigente. Já os lucros cessantes, na definição legal, são aquilo

que a vítima razoavelmente deixou de lucrar; é a perda do lucro esperável. É,

portanto, algo quase certo, que somente precisa ser quantificado.

38 SILVA, 2007, p.52.39 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade pela Perda de uma Chance, In: Questões Controvertidas no Novo Código Civil, 1ª ed., São Paulo, Editora Método, 2006, p. 44440 BIONDI, 2010, p.2.

Page 49: A Teoria da Perda de Uma Chance

49

Em consonância com o acatado, serve como exemplo o caso clássico do

motorista de táxi que tem o seu veículo abalroado injustamente por outrem. Em

razão do evento, esse motorista sofre um prejuízo imediato, consistente nos danos

causados ao seu veículo: dano emergente. Além disso, ele sofre outro prejuízo,

classificado como lucro cessante, consistente na perda de ganhos com as corridas

durante o período em que o veículo ficar paralisado para conserto.

Portanto, esse prejuízo será aquilatado aplicando-se uma média diária

dos seus ganhos, que serão provados nos autos. A dificuldade na quantificação do

lucro cessante existe, mas é bem menor do que na situação de perda de uma

chance, diante da incerteza de obtenção do resultado esperado.

Não é mansa e pacífica na doutrina pátria o entendimento da perda de

uma chance como dano certo e determinado, pois insistem ainda alguns autores em

não admitir a cisão entre a possibilidade de ganho ou de se evitar um prejuízo com o

resultado final.

Para os adeptos da corrente tradicional, como inexiste possibilidade de se

determinar qual seria o resultado final, não se cogita em dano pela perda da chance,

pois esta recai na seara do dano hipotético, eventual. Parece ser equivocada a

afirmativa de vincular a chance perdida com o eventual resultado final. Vale dizer

que a oportunidade de ganho ou de se evitar um prejuízo, por si só, já é incorporada

no patrimônio jurídico do indivíduo, sendo assim, a sua violação ensejará

indenização.

Pode-se dizer, com toda a convicção que a chance não pode ser

analisada como a perda de um resultado favorável, mas sim como a perda da

possibilidade de angariar aquela vantagem. Convém ressaltar ainda que além da

indenização material, a vítima pode vir a sofrer o dano imaterial.

Para a maioria da doutrina, a perda da chance configura-se um dano

material e autônomo, posto que se baseia na perda da oportunidade de obter um

lucro (vantagem) ou evitar um dano. Esta perda apenas ocorre porque um fato lícito

ou ilícito interrompe o curso normal dos acontecimentos antes da concretização da

oportunidade. Todavia, parte da nossa doutrina entende que se trata de uma

espécie de lucro cessante; outra, de dano emergente.

Assim, se a perda de uma chance for enquadrada como dano emergente

ou lucro cessante, terá o autor da ação que comprovar de forma inequívoca que,

não fosse a existência do ato danoso, o resultado teria se consumado, com a

Page 50: A Teoria da Perda de Uma Chance

50

obtenção da chance pretendida, o que é impossível. Ora, se a vitória não pode ser

provada e confirmada, o mesmo ocorre em relação ao insucesso da obtenção do

resultado esperado.

Portanto, o enquadramento desse dano não cabe exatamente no dano

emergente nem nos lucros cessantes, ante a probabilidade e não certeza de

obtenção do resultado aguardado, entendendo alguns autores que se trata de uma

terceira espécie intermediária de dano, entre o dano emergente e o lucro cessante.

Por outro lado, o que não se pode é dizer que a indenização pela perda

de uma chance é de natureza moral, apenas. É claro que, além da indenização

material, enquadrada nessa terceira e sui generis espécie, a vítima pode sofrer dano

moral, também passível de reparação. Igualmente não se pode esquecer de que o

ato ilícito que gerou a indenização pela perda de uma chance pode acarretar outros

prejuízos materiais por dano emergente propriamente dito, passível de reparação.

Consoante noção cedida, interessante se faz assinalar o exemplo de um

atleta corregedor que está a poucos metros da bandeirada final que lhe daria, com

séria chance, a vitória em primeiro lugar, mas que é agarrado por uma pessoa que o

impede de continuar na disputa. Com esse ato retira se lhe a oportunidade de ser

vitorioso. Há prejuízo pela perda da chance e por danos morais, mas esse atleta

pode ainda ficar traumatizado e doente e ter que se submeter a sério tratamento

médico e psicológico para poder voltar a correr, pois o abalo foi tão grande que

atingiu a saúde física e psíquica do mesmo. Com as despesas desse tratamento

deverá arcar o autor do ato, como é evidente, que tem natureza de dano emergente.

Sabido é que o dano patrimonial deve sempre ser atual e certo, de modo

a se identificar com clareza os danos emergentes e lucros cessantes no momento

da indenização. A perda de uma chance é considerada por muitos doutrinadores,

como Sílvio de Salvo Venosa, uma terceira modalidade de dano patrimonial -

intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Este doutrinador baseia-se

no posicionamento de que “a vantagem que se espera alcançar é atual; no entanto,

é incerta, pois o que se analisa é a potencialidade de uma perda e não o que a

vítima efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante) ou o que efetivamente perdeu

(dano emergente)”.

Para outros doutrinadores, como Sérgio Savi, a perda de uma chance é

modalidade de dano material, enquadrando, contudo, espécie de dano emergente,

Page 51: A Teoria da Perda de Uma Chance

51

visto que a chance já existe no patrimônio da vítima quando do momento da

ocorrência da lesão.

Existem também decisões de tribunais que concedem a indenização pela

perda da chance como forma de lucro cessante, visto que são espécies de danos

muito verossimilhantes.

Cumpre destacar ainda que, a doutrina que considera o dano pela perda

de uma chance de natureza jurídica patrimonial, reconhece que nada impede que a

prática do ato ilícito ou lícito provoque, além do dano pela perda da chance, um dano

moral à vítima.

Por fim, observa-se no que tange às chances perdidas, apesar das

diversas tipificações estipuladas, seja como dano emergente, lucro cessante ou até

mesmo dano moral, torna-se possibilitada a interpretação de que, havendo uma

oportunidade perdida, desde que séria e real, ela integrará o patrimônio da vítima,

podendo ser indenizada.

6 OS MOTIVOS PARA ADMISSÃO DA TEORIA NO BRASIL

6.1 Os motivos para a admissão da indenização das chances perdida no Brasil

O ordenamento jurídico brasileiro não prevê de modo expresso a

possibilidade de reparação por perda de uma chance, contudo, a partir da noção

de responsabilidade civil é possível aplicar a teoria da perda de uma chance no

ordenamento jurídico nacional, uma vez preenchidos os elementos necessários.

Nas palavras de Noronha:

Page 52: A Teoria da Perda de Uma Chance

52

No Brasil, a responsabilidade por perda de chance ainda é quase desconhecida, os advogados raramente a invocam, os juízes ainda mais raramente a reconhecem; em geral a justificativa invocada para a negação é tratar-se de situações em que o dano é incerto. Somente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul existe uma jurisprudência mais aberta à admissibilidade da figura jurídica, possivelmente por influência de uma conferência proferida na Faculdade de Direito da UFRGS em maio de 1990 por François Chabas, que na França é um dos juristas que melhor estudaram a matéria. Como se trata de instituto de grande valia, é de se esperar que, de futuro, a situação na jurisprudência seja modificada41.

O fim da responsabilidade civil é a restituição do lesado ao estado em

que se encontraria se não tivesse havido o dano. Indenizar significa tornar indene

a vítima; reparar todo o dano por ela sofrido. Por isso, mede-se a indenização

pela extensão do dano, ou seja, há de corresponder a tudo aquilo que a vítima

perdeu, ao que razoavelmente deixou de ganhar e, ainda, ao dano moral 42.

O dano rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente

entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer

esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo

ante. Limitar a reparação é impor à vítima que suporte o resto dos prejuízos não

indenizados.

De acordo com Sérgio Savi o conceito de dano previsto no Código Civil

é o mais amplo possível, abarcando em sua vasta amplitude todas as espécies

de danos, dentre os quais o dano da perda de uma chance43.

Por outro lado, a lei civil, em seu art. 186, dispõe sobre uma cláusula

geral de responsabilidade civil, in verbis:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral, comete ilícito.

Na mesma direção dispõe o art. 927 do CC ao tratar das

conseqüências do ato ilícito, a saber: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),

causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Observa-se, desse modo, que o Código Civil Brasileiro adota um

conceito amplo de dano, sem delimitar quais seriam os tipos de danos abrangidos

41 NORONHA, Fernando. Responsabilidade por perda de chances. Revista de Direito Privado. São Paulo, ano 6, n. 23, p. 30, jul./set. 2005.42 DIREITO, Carlos Alberto Menezes e CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao Novo Código Civil - Volume XIII. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.179. 43 SAVI, 2006, p.83.

Page 53: A Teoria da Perda de Uma Chance

53

pelo conceito. Estabelece ainda a chamada cláusula geral de responsabilidade

civil, em que prevê a indenização de qualquer espécie de dano sofrido pela

vítima, inclusive o decorrente da perda de uma chance que, em determinados

casos concretos preencherá os demais requisitos exigidos para o surgimento do

dever de indenizar. Tem-se aqui o princípio da reparação integral dos danos, já

anteriormente mencionado.

O chamado princípio da reparação dos danos, de acordo com o já

abordado, objetiva a reparação plena ou integral de todo dano causado, gerado

por inadimplemento contratual, atos ilícitos, lícitos e atividades perigosas. Esse

sistema se sustenta nos princípios fundamentais de justiça, eqüidade e

seguridade44. De acordo com Maria Celina Bodin de Moraes:

A Constituição Federal de 1988 fortaleceu, de maneira decisiva, a posição da pessoa humana, e de sua dignidade, no ordenamento jurídico. Colocou-a no ápice da pirâmide que, plasticamente, dá forma ao sistema normativo. Em consequência este é apenas o reverso da medalha, logrou implicitamente determinar a cabal reparação de todos os prejuízos causados injustamente à pessoa humana. A base legal encontrase na cláusula geral de tutela da pessoa, que contém, nela implícito, o milenar preceito neminem laedere.45.

Diante disso, se a própria Constituição Federal determina que a

reparação deva ser justa, eficaz e, dessa maneira, plena, não se pode negar a

necessidade de indenização nas hipóteses em que alguém perder uma chance ou

oportunidade em razão de ato de outrem.

No entanto, para que haja a reparação do dano, será necessário

provar, para além da seriedade das chances perdidas, a adequação da

indenização à álea inerente às chances perdidas e a perda da “aposta” (ou

vantagem) esperada pela vítima.

Segundo Cavalieri, deve ser pela perda da oportunidade de obter uma

vantagem e não pela perda da própria vantagem. Há que se fazer a distinção

entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo46.

De acordo com Gondim, o propósito desta teoria da perda de uma

chance é “reparar a vítima que teve um efetivo ganho frustrado, repudiando-se

44 VIEIRA, 2004, p.33.45 MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana, uma leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Ed Renovar: Rio de Janeiro. 2003.46 CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 75.

Page 54: A Teoria da Perda de Uma Chance

54

casos hipotéticos que possuem o único objetivo de criar uma gama de pretensões

indenizatórias sem fundamento”47. Ainda segundo Gondim (2005):

Em virtude da necessidade de certeza e atualidade no prejuízo sofrido pela vítima, a fim de que este seja ressarcido, muitos doutrinadores admitem a existência de uma “zona gris, na qual se localiza a teoria da perda de uma chance, pois não se trata de um dano certo e atual, mas sim, de probabilidades”. O que ocorre é que a conduta do agente faz com que uma certeza deixe de se realizar48.

Com efeito, a teoria da perda de uma chance encontra o seu limite no

caráter de (a) certeza e, (b) de atualidade que deve apresentar o dano reparável.

a) Perda de uma chance e certeza do dano. Para que a demanda do

réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito

mais do que uma simples esperança subjetiva deve apresentar chances sérias e

reais, sendo o critério da “observação da seriedade e da realidade das chances

perdidas” o mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos

potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais

e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada49. Nas palavras de Godim

(2005):

Assim, a reparação não é do dano, mas sim da chance. Não se admitem as expectativas incertas ou pouco prováveis, que são repudiadas pelo nosso direito. Com efeito, a chance a ser indenizada deve ser algo que certamente iria ocorrer, mas cuja concretização restou frustrada em virtude do ato danoso. [...] A chance perdida a ser indenizada não pode, em hipótese alguma, ser meramente hipotética, devendo existir a atual certeza de que houve uma impossibilidade de realizar um ganho ou evitar uma perda. Esta certeza reside na comprovação de que a oportunidade que se perdeu em virtude da conduta do agente se concretizaria. Por óbvio que a certeza não é totalmente absoluta, mas também não pode ser fundada em dados hipotéticos; trata-se do grau de probabilidade que deverá ser analisado pelo juiz50.

Para Venosa (2009):

Se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza, segundo avaliamos. [...]. O julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta,

47 GODIM, 2005, p.25.48 GODIM, 2005, p.17.49 SILVA, 2007, p.134.50 GODIM, 2005, p.23.

Page 55: A Teoria da Perda de Uma Chance

55

mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da ‘chance51.

Nesse sentido já se manifestou a jurisprudência:

RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAL E MATERIAL. NEGLIGÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO. RECOLHIMENTO A MENOR DE TRIBUTO DE RESPONSABILIDADE DA AUTORA. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO GERA LESÃO MORAL À HONRA OBJETIVA DA EMPRESA. TEORIA DA PERDA DE CHANCE. FRUSTRADA PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DANO.RESULTADO MERAMENTE HIPOTÉTICO DA PARTICIPAÇÃO NO CERTAME. DANO MATERIAL ACOLHIDO. RECURSO DESPROVIDO.

A oportunidade (chance) perdida só é possível de produzir dano, e gerar, conseqüentemente, direito à indenização, quando o ato ilícito praticado ocasionar prejuízo concreto, o que não sucede quando a possibilidade que se frusta situa-se no campo da mera hipótese ou cuja ocorrência é um prognóstico de difícil e incerta probabilidade de êxito52.

b) Perda de uma chance e danos futuros. O dano pela perda de uma

chance em regra é dano presente, uma vez que nos casos tradicionalmente

lembrados (advogado que perde o prazo do recurso de apelação; empresário que

não pode participar de licitação; cavalo impedido de correr no páreo) “as

conseqüências da perda da chance já foram totalmente observadas no momento

da sentença”53. Porém, se podem verificar modalidades de danos futuros em

espécies de perda de uma chance, como no caso do acidentado no trânsito que

perde a chance de obter um emprego mais lucrativo no futuro. O importante,

porém, é tendo em conta o critério da data da decisão judicial que apreciará a

demanda saber se “os efeitos do dano já se esgotaram ou se continuarão a se

fazer sentir no futuro” 54. Nesse sentido já se manifestou o STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CONDENAÇÃO A RESSARCIR DANO INCERTO. PROCEDÊNCIA.

Os arts. 1.059 e 1.060 exigem dano “efetivo” como pressuposto do dever de indenizar. O dano deve, por isso, ser certo, atual e subsistente. Incerto é dano hipotético, eventual, que pode vir a ocorrer, ou não. A atualidade exige que o dano já tenha se verificado. Subsistente é o dano que ainda não foi

51 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 4. p. 184.52 TJ-SC, Apelação Cível nº 2007.052625-1. Rel. Eládio Torret Rocha. Julgamento em: 30/09/201053 SILVA, 2007, p.109.54 SILVA, 2007, p.110.

Page 56: A Teoria da Perda de Uma Chance

56

ressarcido. Se o dano pode revelar-se inexistente, ele também não é certo e, portanto, não há indenização possível.A teoria da perda da chance, caso aplicável à hipótese, deveria reconhecer o dever de indenizar um valor positivo, não podendo a liquidação apontá-lo como igual a zero.Viola literal disposição de lei o acórdão que não reconhece a certeza do dano, sujeitando-se, portanto, ao juízo rescisório em conformidade com o art. 485, V, CPC. Recurso Especial provido55.

Para Peteffi Silva (2007), o dano provocado pela perda da chance será

indenizável quer se trate de dano presente, quer se trate de dano futuro, tendo

em vista que:

[...] apesar do lapso temporal entre o evento danoso e o momento em que as chances seriam utilizadas ser um critério importante, haverá casos em que a reparação será concedida mesmo com o aludido lapso temporal dilatado, pois outros fatores poderão indicar a seriedade da chance perdida56.

Sobre a questão, manifesta-se Kfouri Neto:

São numerosos os casos em que uma pessoa se queixa de haver perdido uma chance (probabilidade) por culpa de outra. Encarregado de conduzir ao hipódromo um cavalo de corridas ou a seu jóquei, o transportador se atrasa, fazendo que cheguem depois do início da corrida; por isso, o proprietário perde a chance e ganhar o prêmio. Notário, negligente no cumprimento do mandato que lhe havia sido conferido pelo cliente, faz com que este perca a probabilidade de adquirir uma propriedade. Auxiliar de escritório de advocacia, encarregado de protocolar apelação, ou advogado, que deveria recorrer, perdem os prazos; seus clientes perdem a chance de que se modifique a decisão contrária. […] Todas essas espécies e muitas outras surgem na jurisprudência. Os tribunais não têm vacilado em conceder reparação. Sem dúvida, não era certo que o cavalo ganharia a corrida, ou que o recurso seria provido […]. Mas é inegável que havia uma chance. E esta chance se perdeu, existe aí um prejuízo, que não é hipotético […]57.

6.2 A reparação integral dos danos e a proteção da vítima pela perda da

chance

55 STJ, REsp 965758 / RS. Rel. Ministra Nancy Andrighi. Julgado em: 19/08/2008. DJe 03/09/2008.56 SILVA, 2007, p.141.57 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus da prova e consentimento informado – responsabilidade civil em pediatria e responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 96-97.

Page 57: A Teoria da Perda de Uma Chance

57

Ao elevar a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do

Estado brasileiro, a Constituição Federal aguçou a sensibilidade dos juristas

quanto à necessidade de se tutelar os direitos da personalidade, ampliando-se a

tipologia dos danos indutores da indenização58.

A reparação dos danos nasce com a necessidade de delimitação de

uma política social, no sentido de que nenhuma vítima deve ser deixada à sua

sorte, ou azar, sem uma reparação adequada, recaindo, afinal, sobre a sociedade

o encargo de suportar a carga ressarcitória.

O Direito, por mais que seja ou deva ser fundamentado na “diretriz da

concretude”, não se pode afastar de certas ficções, e as perdas e danos, em

certos casos, constituem mais uma delas: seu escopo é o de “recolocar a vítima

na situação em que estaria se o prejuízo não tivesse sido produzido”, mas,

conforme a natureza das coisas, esta “recolocação” opera de forma apenas

aproximativa ou conjectural59.

Alguns danos são irreversíveis, sejam de ordem patrimonial ou

extrapatrimonial, bastando pensar no “dano morte”, ou em certos danos à saúde,

ou mesmo no que tem a sua casa destruída por um incêndio, ou no cliente que vê

a sua causa frustrada pela negligência do advogado que perdeu um prazo. Não

obstante tais vicissitudes, o critério da justiça comutativa impõe que a vítima seja

indenizada na medida o mais próxima possível do prejuízo sofrido.

Como ensina Pontes de Miranda, “indenização é o que se há de prestar

para se por a pessoa na mesma situação patrimonial, ou por incremento do

patrimônio, no mesmo estado pessoal em que estaria se não se houvesse

produzido o fato ilícito (lato sensu) de que se irradiou o dever de indenizar”. Essa

“medida o mais próxima possível” é indicada por um princípio, denominando

“princípio da reparação integral”, agora expresso com todas as letras no caput do

art. 94460.

Por este princípio se compreende que todo o dano, mas nada mais que

o dano, deve ser indenizado. A caracterização do dano independe de sua

58 NADER, 2009, p. 94.59 REALE, Miguel. Verdade e Conjetura. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.60 Apud MARTINS-COSTA, 2009, p.487.

Page 58: A Teoria da Perda de Uma Chance

58

extensão. Tanto os prejuízos de pequeno porte como os de grande expressão

são suscetíveis de reparação61.

A fórmula é bastante sintética e não tem valor absoluto: é sintética por

indicar que o responsável está obrigado a reparar todo o dano que tenha relação

adequada e necessária com o fato principal (art. 403), independentemente da

circunstância de o dano ter sido produzido por um obrar culposo, doloso ou

mesmo sem culpa, nos casos de imputação objetiva; e não tem valor absoluto

seja porque por vezes é possível diminuir a indenização, seja porque há

excessiva desproporção entre a culpa do autor do dano e o valor do prejuízo (art.

944, parágrafo único), seja porque verifica-se a tendência ao acolhimento, por via

jurisprudencial, do dever de mitigar quando o credor não tomou as providências

razoáveis para diminuir o prejuízo62.

De qualquer forma, a fórmula “todo o dano, mas nada mais que o dano”

é expressiva para indicar que o lesado não deve nem receber menos nem mais

do que efetivamente perdeu, indicando aquilo que é a função precípua da

responsabilidade civil, a saber: a reparação dos prejuízos injustamente sofridos, o

que afasta das perdas e danos o intuito punitivo que, por vezes, verifica-se na

indenização por dano extrapatrimonial63.

Dano suscetível de reparação é o praticado contra ius, ou seja, o dano

injusto, o não amparado pelo ordenamento64. Assim sendo, se o agente,

autorizado pela ordem jurídica, exercita o direito de retenção, causando prejuízos

a outrem, não estará praticando ilicitude. O art. 188 do Código Civil dispõe sobre

as excludentes do ato ilícito.

O princípio da reparação total do dano tem por finalidade garantir que

seja estabelecido o equilíbrio entre o dano e a reparação, como forma de

assegurar, sempre que possível, o retorno ao status quo ante. A importância

deste princípio no estudo da responsabilidade civil é destacada, uma vez que tem

a grande virtude de assegurar o direito da vítima de ser ressarcida de todos os

danos sofridos, colocando-a na mesma posição que estaria se o fato danoso não

tivesse acontecido.

61 NADER, 2009, p. 93.62 MARTINS-COSTA, 2009, p.488.63 MARTINS-COSTA, 2009, p.488.64 NADER, 2009, p. 93.

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59

O dano deve ser certo, o que significa dizer que não pode ser uma

mera hipótese. Porém, pode haver um prejuízo futuro que seja certo, e não mera

hipótese é o caso abrangido justamente pela expressão “lucro cessante”, já

analisado, que é a perda do ganho esperável, da expectativa de lucro ou a

diminuição potencial do patrimônio da vítima.

Os casos de prejuízo futuro, porém certo, são bastante freqüentes na

prática. Ocorrem, por exemplo, quando um acidente corporal faz nascer uma

incapacidade e essa evolui ao longo do tempo, muitos fatores podendo influir

nessa evolução, como a idade da vítima, sua longevidade, decorrente de

paradigmas genéticos, situação financeira, profissão etc. Em todos esses casos a

área que afeta o quantum indenizatório do dano não deve ser obstáculo ao

princípio da reparação. A questão que se coloca, portanto, é a de saber o que é,

juridicamente, um dano futuro e um dano atual, pois nem sempre a linguagem

leiga tem a mesma acepção da linguagem técnico-jurídica65.

Sabe-se que todo dano, além de certo, deve ser atual. Não há dúvidas

de que, cronologicamente, todo dano é, necessariamente, posterior ao eventus

damni, uma vez que todos os danos são, sempre, conseqüência ou efeito do

evento que os causou, a lógica evidenciando que o prejuízo é sempre posterior,

no tempo, à sua causa66.

Muitas vezes há de ocorrer como que uma “instantaneidade” entre a

causa e o efeito, porém, por mais veloz que seja o efeito, ele sempre se produz

num momento “futuro” em relação à causa geradora. Por outras vezes essa

instantaneidade não se verifica: as conseqüências danosas se projetam ao longo

do tempo, às vezes por períodos muito extensos, como sucede com a invalidez

permanente de alguém prejudicado no âmbito de um contrato de transporte ou de

serviços médicos67.

Assim sendo, para qualificar um dano como “atual” ou, diversamente,

como “futuro”, não é o momento da produção do dano que se leva em conta,

porém, o momento posterior à decisão do magistrado na ação em que a vítima

reclamou a reparação: “o paradigma que se utilizará é o do momento da decisão

65 MARTINS-COSTA, 2009, p.547.66 MARTINS-COSTA, 2009, p.548.67 MARTINS-COSTA, 2009, p.548.

Page 60: A Teoria da Perda de Uma Chance

60

do magistrado”, assim compreendida a decisão final, pois o juiz, em sua decisão,

se deve referir ao que foi alegado e comprovado68.

O critério é: constituem danos presentes ou atuais aqueles

efetivamente ocorridos, isto é, os já verificados no momento em que são

apreciados; logo, são danos futuros os que só ocorrerão depois desse momento,

embora ainda como conseqüência adequada do fato lesivo, não sendo uma mera

probabilidade, mas uma certeza, isto é: o dano ainda não existente (no momento

da decisão judicial), mas cuja realização “seja certa em virtude do desenrolar de

uma situação já existente”69, aparecendo aos juízes “como a prolongação certa e

direta de um estado de coisas atual, sendo suscetível de estimação imediata” 70.

De acordo com o já mencionado, na perda de uma chance, está-se

diante de uma situação na qual está em curso um processo que propicia a uma

pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. A responsabilidade

pela “perda de uma chance” deriva do acolhimento, no Direito, dos progressos no

estudo da probabilidade, na Estatística.

Na responsabilidade pela perda de uma chance, o que é indenizado é

justamente a chance de não alcançar determinado resultado, ou de auferir certo

benefício, chance que foi perdida pela vítima em razão de ato culposo do lesante.

As chances devem ser “sérias e reais”, como no caso de alguém que ingressa em

juízo, mas, no curso da lide, o advogado incorre em negligência grave (p. ex.,

perde o prazo para recorrer), extinguindo, assim, qualquer chance de a ação vir a

ser julgada procedente. Neste caso, não se trata de uma mera e subjetiva

“esperança de vencer a causa”, nem se indeniza o fato de ter perdido a causa: o

que se indeniza é, justamente, a chance de o processo vir a ser apreciado por

uma instância superior71.

6.3 A problemática da fixação do quantum indenizatório a partir da seleção de

julgados oriundos da justiça estadual brasileira, em virtude das chances

perdidas.

68 SILVA, 2007, p. 107.69 NORONHA, 2003, p. 578.70 SILVA, 2007, p. 108.71 SILVA, 2007, p. 134.

Page 61: A Teoria da Perda de Uma Chance

61

Apesar de alguns tribunais pátrios ainda não terem se ocupado da teoria

da responsabilidade civil por perda de uma chance, pode-se dizer que o tratamento

jurisprudencial atualmente dispensado à matéria “se caracteriza pela ebulição da

teoria da perda de uma chance em alguns tribunais brasileiros”, nas palavras de

Peteffi (2009).

Pode-se afirmar que não apenas os magistrados vêm reconhecendo a

aplicabilidade da teoria nos mais variados contextos, como os advogados já pugnam

pela indenização da chance perdida por seu constituinte, também em uma variada

gama de situações.

Assim, não só o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul72, o qual se

mostra pioneiro em muitas ocasiões ante os demais tribunais brasileiros, assim o

sendo também relativamente à aplicação da responsabilização da perda de chance,

como o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça do Paraná,

Tribunal de Justiça de São Paulo, de Minas Gerais mostram que a teoria vem se

tornando cada vez mais presente e aplicada no ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda, apesar do escasso número de casos que reconhecem a teoria da

perda de uma chance, pode-se citar o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o

Tribunal de Justiça de Goiás, do Distrito Federal, os quais, apesar da escassa

aplicação, também já demonstraram o acolhimento da teoria.

Com muita propriedade, o Superior Tribunal de Justiça, além de se

mostrar inteiramente favorável à aplicação da teoria no ordenamento jurídico pátrio,

também vem dispensando um tratamento crescente à matéria e demonstrando um

aprofundamento no estudo de suas principais características.

Deste modo, a teoria vem sendo aplicada na esfera da responsabilidade

civil dos advogados, dos médicos, em casos de perda de chance de realizar

concurso, perda de chance de realização de negócios como venda de imóveis,

perda da possibilidade de conseguir um novo emprego, entre inúmeras outras

situações.

Por óbvio, como afirmou Peteffi73, “mesmo avançando a passos largos,

seria impróprio afirmar que a teoria da perda de uma chance já goza de aplicação

72 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 589069996, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990. 73 PETTEFI DA SILVA, Rafael. Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance. São Paulo: Atlas, 2007.

Page 62: A Teoria da Perda de Uma Chance

62

geral e irrestrita, por parte da jurisprudência brasileira”, devido ao fato de, como

afirmado acima, muitos tribunais demonstrarem falta de conhecimento acerca da

existência da matéria.

O julgado pioneiro a referir-se à teoria francesa, no ordenamento jurídico

brasileiro, foi a Apelação Cível n. 58906999697 do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul74, relatada pelo Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, e

datada de 12 de junho de 1990.

O caso referia-se a uma ação de indenização por danos decorrentes de

falha médica em uma cirurgia para correção de miopia. Da cirurgia, resultou

hipermetropia e cicatrizes nos olhos do requerente. Apesar de no caso, não ser

reconhecida a perda de uma chance, pois o Tribunal entendeu que existia

causalidade entre o dano final e a ação médica, o acórdão tratou da existência do

instituto de forma pioneira na jurisprudência brasileira.

No mesmo ano, em 29 de outubro, a mais alta Corte em matéria

infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, referiu-se à perda de chance pela

primeira vez, ao analisar o Agravo Regimental n. 4364/SP.

Tratava-se de um caso de indenização pela chance perdida de vencer

uma licitação pública, movida por uma distribuidora de combustíveis, a qual alegava

que a autorização para a instalação de postos de abastecimento ao longo de uma

rodovia pública deveria ser precedida de licitação. Não ocorrendo o certame,

sustentava sua perda de chance com relação aos lucros que poderia auferir com os

postos de combustíveis.

O relator, Ministro Ilmar Galvão, admitindo o valor econômico da chance

perdida, demonstra sua aceitação pela indenizabilidade desta espécie de dano. Em

suas palavras:

Como se sabe, não são raras as cessões de direito de ação, o que

demonstra que se trata de mera chance com valor econômico. Frustrada a chance

de vencer, por culpa do advogado, é inegável que remanesce um direito de

ressarcimento, que se restringe, entretanto, ao simples valor pago pela cessão, e

não pelo resultado da causa.

Em 29 de agosto de 1991, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul75,

ao julgar a Apelação Cível n. 59106483799, de relatoria do Desembargador Ruy

74 RIO GRANDE DO SUL, op. Cit p. 1.75 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 59106483799, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990.

Page 63: A Teoria da Perda de Uma Chance

63

Rosado de Aguiar, conferiu indenização por perda de chance pela primeira vez no

ordenamento brasileiro.

Tratava-se de um caso clássico de perda de chance, de responsabilidade

profissional de advogado por extravio de autos relativos a pedido de pensão em face

do INSS. O requerente reclamava por indenização em desfavor do mandatário

negligente por dano decorrente do fato de não ter ele restaurado os autos do

processo que haviam sido extraviados, sequer dando ciência ao seu constituinte da

ocorrência deste fato, situação que se manteve por doze anos, não tendo o

advogado tomado qualquer providência durante todo este período.

Assim, o Eminente Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em

análise dos fatos, concluiu que o cliente havia perdido uma possibilidade de ver sua

pretensão apreciada pelo órgão judiciário. Admitindo o Tribunal, desta forma, a

indenizabilidade das chances perdidas, o acórdão foi ementado da seguinte forma:

Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do

processo judicial e não comunica o fato a sua cliente e nem trata de restaurá-los,

devendo indenizar o mandante pela perda da chance.

O apelo foi provido, ao final, atentando ao fato de que “o dano

corresponde apenas à perda da chance”.

Atualmente, como já aduzido acima, a teoria da perda de uma chance

vem tendo crescente aplicabilidade e reconhecimento por parte da doutrina e

jurisprudência brasileiras. Grandes partes das Cortes demonstram interesse pelo

assunto, concedendo indenizações por chances perdidas nas mais variadas

ocasiões.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Rio de

Janeiro, por terem se mostrados pioneiros na aplicação do novo instituto da

responsabilidade civil vem trabalhando o assunto com mais propriedade, conforme

se poderá perceber na análise dos julgados dos Tribunais pátrios, apesar de ainda

incorrerem em erro em algumas situações.

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná76 conferiu

indenização por chance perdida no julgamento da Apelação Cível n. 0471982-0102,

de relatoria do Desembargador Rogério Ribas, a qual tratava de pedido de

76 PARANÁ, Tribunal de Justiça do Paraná, Apelação Cível n. 0471982-0, 5ª Câmara Cível, Rel. Des. Rogério Ribas, julgado em 18/11/2008.

Page 64: A Teoria da Perda de Uma Chance

64

ressarcimento de danos materiais e morais, em virtude do extravio de obra de arte

no transporte para um evento cultural.

No referido caso, o requerente ajuizou ação de indenização por danos

morais e materiais contra a empresa transportadora, reclamando ressarcimento não

só pelo valor do contrato realizado com esta, remessa e embalagem, mas também

quanto aos insumos gastos para a confecção da obra de arte. Houve a condenação

da empresa transportadora no juízo monocrático, ao que esta apelou, ascendendo

os autos ao Tribunal de Justiça do Paraná.

A Corte paranaense, em julgamento, confirmou a sentença de primeiro

grau, mantendo a condenação da transportadora, por entender que, ainda que

recuperado o bem transportado, restara comprovada sua imprestabilidade por não

ter chegado ao destino a tempo, sendo devida indenização pelo valor gasto com sua

confecção e não só com o que foi gasto com o transporte.

O Tribunal de Justiça paranaense convenceu-se, ainda, de que, havendo

probabilidade de o autor findar o concurso entre os três melhores trabalhos,

caracterizado estava a necessidade de indenização por perda de uma chance de

lograr êxito no referido concurso.

Este entendimento é perfeitamente demonstrado, conforme se pode

depreender de trecho retirado do acórdão prolatado pela referida Corte, por meio do

Eminente Desembargador Rogério Ribas:

Contrato de transporte. Obras de arte que deixaram de chegar a tempo de concorrer a prêmios em mostra cultural. Ausência de responsabilidade da entidade realizadora do evento. Responsabilidade contratual somente da empresa transportadora. Indenização devida não só pelo valor do contrato (remessa e embalagem), mas também quanto aos insumos gastos para confecção da obra de arte. Concurso que exigia obra inédita. Imprestabilidade desta após a ocorrência da mostra. Indenização ainda pela “perda de uma chance”. Doutrina da “perte d`une chance”. Acolhimento pelo superior tribunal de justiça. Autor com probabilidade efetiva de findar o concurso entre os três melhores trabalhos. Indenização calculada de acordo com a chance matemática de êxito.

Há casos, contudo, em que, em razão de um ato ilícito ou quebra de

contrato alguém fica privado da oportunidade de obter determinada vantagem. Isso é

que dá ensejo a um pleito de indenização pela perda de uma chance. Em suma, por

muito tempo o Direito Brasileiro ignorou esta modalidade de responsabilidade civil,

ao argumento de que o fato inocorrente não é certo e, portanto, não gera direito à

reparação.

Page 65: A Teoria da Perda de Uma Chance

65

O entendimento da admissibilidade da indenização do dano

consubstanciado na perda de chance de obter uma vantagem ou de evitar um

prejuízo restou confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode

depreender acima. Atualmente, a utilização da teoria por esta Corte vem sendo

intensificada, o que resulta em uma compreensão adequada dos mais variados

aspectos do instituto e na sua consequente aplicação às mais variadas situações.

Pode-se concluir, portanto, da análise dos julgados colacionados, que a

teoria da chance perdida vem sendo amplamente aceita no Brasil, não só doutrinária

como jurisprudencialmente, a começar pela Corte máxima em matéria

infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça, que não só lhe vem concedendo

ampla aceitação, como a vem aplicando corretamente nos seus mais variados

aspectos e em uma variada gama de situações.

É da autoria de Peteffi (2009), a obra brasileira mais completa em termos

de quantificação das chances perdidas, seguindo a sistemática utilizada no sistema

da Common Law, por ser este “mais sofisticado do que o sistema francês”. Assim, é

o civilista quem estabelece as mais importantes premissas a serem utilizadas pelos

juristas pátrios quando da estipulação do valor a ser arbitrado a título de indenização

por perda de chance.

Peteffi, (2009), seguindo o mesmo caminho depois trilhado por

NORONHA e Savi, preleciona que “a regra fundamental a ser obedecida em casos

de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da

chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e

definitivamente perdida pela vítima”, acrescentando que “mesmo nas espécies de

dano moral, tal regra deve ser obedecida”.

Sendo assim, estabelecendo a autonomia das chances perdidas como o

grande referencial a ser utilizado na quantificação da perda de chance, o autor

exemplifica:

Tem-se aquele do proprietário de um cavalo de corrida que esperava ganhar a importância de R$ 20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse à falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de aposta mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$ 4.000,00.

Page 66: A Teoria da Perda de Uma Chance

66

E traz à colação lição de Jean-Pierre Couturier, o qual assevera que “a

função chance perdida” é a derivada da função vantagem esperada (dano final)” e

acrescenta que aquela “varia conforme esta, mantendo a sua autonomia”.

Peteffi (2009) alega, ainda, que a jurisprudência norte-americana segue o

mesmo caminho das Cortes francesas, exemplificando com alguns julgados. Entre

estes, colaciona um pretório analisado por Joseph King Jr, o qual, em função de sua

complexidade, convém que se analise:

Imagine-se um paciente que é morto devido a uma dose excessiva de medicação (overdose). Sem a presença da falha médica, o paciente possuía quarenta por cento (40%) de chances de curar-se e viver mais trinta e cinco anos. Mesmo que a aludida cura não se concretizasse, o paciente certamente teria mais seis meses de vida, caso a falha médica (overdose) não tivesse ocorrido. [...] Dessa forma, os herdeiros da vítima receberiam indenização pelos seis meses de vida que ela certamente teria, mesmo com a provável (60%) subsequente morte pela doença. Em outro momento, após os seis meses, a perda da chance de sobreviver seria quantificada, ou seja, quarenta por cento do valor de a vítima viver trinta e quatro anos e seis meses.

Pelo fato já destacado de o sistema da Common Law de quantificação

das chances perdidas serem o mais completo atualmente, Peteffi (2009), baseia

seus estudos na sistemática estabelecida por aquele ordenamento como uma

proposta de importação dos principais conceitos para o sistema jurídico. Isto porque,

como visto, ele carece de uma sistematização quanto ao método de quantificação

deste novo conceito alargado de dano, sendo esta a única forma de mitigar-se os

grandes equívocos ainda cometidos aqui na aplicação da estudada teoria.

6.4 Os casos mais relevantes da aplicação da teoria da perda de uma chance

no entendimento da Justiça gaúcha

O tribunal gaúcho é um dos precursores na aplicação da teoria da perda

de uma chance, tendo utilizado a mesma em diferentes oportunidades. Dentre os

casos mais relevantes pode-se destacar:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO NÃO CONFIGURADO.

Page 67: A Teoria da Perda de Uma Chance

67

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. O dano, em si, não será imputado ao agente, pois pode haver outras causas; o agente será responsável, isso sim, pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho que foi encerrada por sua conduta. Os elementos que caracterizam a perda de uma chance são: a conduta do agente; um resultado que se perdeu, podendo ser caracterizado como o dano; e o nexo causal entre a conduta e a chance que se perdeu (assim, essa teoria não dispensa o nexo de causalidade, mas o analisa sob uma perspectiva diferente). O nexo causal deverá existir entre o fato interruptivo do processo e o suposto dano e assim será caracterizado se for suficiente para demonstrar a interrupção do processo que estava em curso, por um fato ilícito, e que poderia levar ao resultado pretendido (...)77.

  

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. ABORTO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO MORAL CONFIGURADO.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. A teoria da perda de uma chance surgiu na França no contexto de casos de responsabilidade médica em que, embora constatada a ocorrência de conduta culposa do agente e de um dano efetivo para a vítima, não era possível demonstrar o nexo de causalidade entre ambos, restando o lesado sem o devido ressarcimento. Em razão das dificuldades presentes nessas demandas, a jurisprudência francesa criou essa teoria, objetivando o ressarcimento da vítima, ainda que não seja integral, ou diretamente ligado à lesão, mas de forma que compense as chances de recuperação perdidas pelo lesado. O dano, em si, não será imputado ao agente, pois podem haver outras causas; o agente será responsável, isso sim, pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho que foi encerrada por sua conduta. Assim, em que pese não haja nos autos comprovação de que eventual presteza no deslocamento da gestante no veículo disponibilizado pelo Município teria evitado com certeza o abortamento, é aplicável ao caso em tela a teoria da perda de uma chance, na medida em que a conduta omissiva do demandado certamente subtraiu da autora a chance de evitar o resultado danoso (...)78.

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS CAUSADOS EM RAZÃO DE MANDATO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. NEGLIGÊNCIA. PERDA DE CHANCE.

Teoria da perda de chance é utilizada para calcular indenização quando há um dano atual, porém incerto, dito; dano hipotético. O que se analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Ausência de produção de prova testemunhal na ação trabalhista patrocinada e a conseqüente insuficiência de demonstração da justa causa, sendo que o advogado tinha perfeitas condições de fazê-lo. Ocorrendo a perda da chance, nisso já reside o prejuízo (...)79.  

RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. RECÉM-NASCIDO. RETINOPATIA DA PREMATURIDADE. FALHA NO ACOMPANHAMENTO

77 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70025179458, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgamento em: 17/12/2008.78 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70023576044, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgamento em: 26/11/2008.79 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70025788159, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgamento em 23/07/2009.

Page 68: A Teoria da Perda de Uma Chance

68

POR OFTALMOLOGISTA. CEGUEIRA SUPERVENIENTE. CARGA DINÂMICA DA PROVA.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MATERIAIS E MORAIS. No caso dos autos, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva, qual seja, no fato de não ser providenciado exame oftalmológico no recém nascido prematuro o qual, estatisticamente, seja pelo peso ao nascer, seja pelo tempo gestacional, se inseria entre aqueles com maior incidência da chamada retinopatia da prematuridade, cuja possibilidade de tratamento, com resultados satisfatórios, está ligada ao tempo do diagnóstico em sua fase inicial e a implementação do tratamento necessário, o qual, se não inibe algum defeito visual, pode impedir que se instale a cegueira, como consequência possível e provável de um descolamento de retina total. A dúvida que não restou esclarecida, e nesse ponto o ônus de provar a correta prestação de serviços seria da ré, é se haveria ou não condições de o menor suportar algum procedimento oftalmológico dadas as suas precárias condições de saúde. O que é certo é que não houve registro dessa impossibilidade no prontuário e esta condição haveria de resultar de consenso entre os especialistas. E mais ainda, tudo isso pressuponha que houvesse sido no mínimo disponibilizado esse acompanhamento, e isso, sem dúvidas, não aconteceu. Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, o que, entretanto, não retira a gravidade da doença (retinopatia da prematuridade - ROP) e suas reservas quanto à evolução da visão, sendo que em muitos casos outros prejuízos, tais como miopia, estrabismo são percentualmente significativos no quadro. Típico caso, pois de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza a cegueira, ou perda da visão, mas sim a perda da oportunidade de cura. A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade da cura, que, como se viu, não se mostrava aleatória. Perda da chance que se aplica tanto aos danos materiais como aos morais, indenizando-se a probabilidade e não o dano final. Quantificação dos danos morais. Readequação dos valores, que são reduzidos. Pensionamento ajustado80. 

RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. MÉDICO. RECÉM-NASCIDO. SOPRO CARDIÁCO. FALHA NO DEVER DE INFORMAR AOS EFETIVOS RESPONSÁVEIS PELO BEBÊ SOBRE A NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO, E CUIDADOS QUANTO A EVENTUAL SINTOMATOLOGIA. MORTE QUE SOBREVÉM, POUCOS DIAS APÓS A ALTA, POR PROBLEMAS CARDÍACOS.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS TIPIFICADOS. No caso dos autos, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva, qual seja, na ausência de informação aos efetivos responsáveis pelo bebê, do possível sopro cardíaco constatado e dos cuidados a serem observados quanto à sintomatologia evolutiva e investigação. Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, se mais precocemente fosse o menor encaminhado a avaliação cardiológica, que, quiçá, ainda que com procedimentos mais invasivos, teriam evitado o seu óbito. Típico caso, pois, de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza a morte, mas sim a perda da oportunidade de cura. A indenização deve ser graduada tendo em vista a

80 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70030588370, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgamento em 02/09/2009.

Page 69: A Teoria da Perda de Uma Chance

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probabilidade da cura, que, no caso, não se mostrava aleatória, porém também não era certa. Denunciação da lide acolhida81.

 

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GRAVIDEZ. MEDICAÇÕES PRESCRITAS. TROCA DE MEDICAMENTO QUANDO DO FORNECIMENTO PELO AGENTE PÚBLICO. ABORTO. ATO ILÍCITO E DANO COMPROVADOS. NEXO CAUSAL.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. No caso dos autos, o ato ilícito se tipificou basicamente na forma comissiva do preposto do ente público, qual seja, no fornecimento incorreto de medicação à paciente grávida. Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto ao nascimento da criança esperada (feto), mas a chance que adviesse, caso não houvesse sido ministrado medicação não indicada para gestantes. Típico caso, pois, de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza a morte, no caso o aborto, mas sim a perda da oportunidade do nascimento do primeiro filho. A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade do nascimento, que, no caso, não se mostrava aleatória, porém também não era certa. DANOS MORAIS. VALOR A SER REPARADO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. EXPLICITAÇÃO. MANUTENÇÃO. VERBA HONORÁRIA. FIXAÇÃO EM PERCENTUAL. CONSEQUENTE MAJORAÇÃO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA82.  

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC. COBRANÇAS DE DÍVIDA ADIMPLIDA. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS REALIZADAS PARA O LOCAL DE TRABALHO DO AUTOR. PERDA DE UMA CHANCE CONFIGURADA. DANO MORAL MANTIDO. VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. SUCUMBÊNCIA MANTIDA. O autor logrou provar fato constitutivo de seu direito, no sentido de que a requerida realizava ligações para seu local de trabalho, cobrando dívida adimplida. Provou, ainda, a perda da chance de ser promovido. Para ser devida a indenização pela perda de uma chance, não basta alegação de mera probabilidade de alcançar um objetivo, mas deve ser provada a perda de uma chance concreta. Os danos morais restaram comprovados, devendo ser mantidos. Quantum indenizatório reduzido, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. APELO PARCIALMENTE PROVIDO83.

Observa-se que nos julgados supracitados, o tribunal explicita que a

teoria da perda de uma chance visa não a indenização do dano em si, porém sim a

perda de uma oportunidade, ou ainda, a perda de uma chance. Tal perda, por sua

vez, pode dar ensejo a danos de natureza material ou moral.

81 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70030146138, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgamento em 28/10/2009.82 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70034816306, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgamento em 01/09/2010.83 TJ-RS, Apelação Cível Nº 70038084646, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgamento em 29/09/2010.

Page 70: A Teoria da Perda de Uma Chance

70

6.5 Análise comentada dos primeiros casos de aplicação da teoria da perda de

uma chance e o acolhimento desta teoria de responsabilidade civil pelo

Superior Tribunal de Justiça

Analisam-se abaixo alguns casos os quais o Superior Tribunal de

Justiça aplicou e acolheu a teoria da perda de uma chance nos seus julgados,

dentre os quais se ressalta o caso de maior recursão que foi o “Show do Milhão” um

programa televisivo da televisão aberta brasileira que será relatado neste capitulo.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. Não verificada a obscuridade apontada no acórdão embargado, mesmo que para efeito de prequestionamento, não merece guarida a pretensão recursal do autor. OMISSÃO VERIFICADA. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. PERDA DE UMA CHANCE. RETENÇÃO PELO ADVOGADO DE NUMERÁRIO DO CLIENTE SACADO MEDIANTE ALVARÁ. REPASSE SOMENTE DEPOIS DE NOVE MESES. Verificada a omissão relativamente ao pedido indenizatória sobre a rubrica perda de uma chance vertida na inicial, impõe-se o acolhimento dos aclaratórios para supri-la. A perda de uma chance reclamada pelo autor, por não estar devidamente explicitada e por constar na inicial referência expressa ao artigo 402 do Código Civil, tem contornos de indenização pelos danos materiais (lucros cessantes). Sem a prova efetiva do dano, impõe-se a rejeição. Ademais disso, ainda que se admitisse estar o autor a tratar da teoria francesa homônima, também sob este viés não mereceria prosperar a pretensão, pois não implementados os requisitos autorizadores. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO RÉU DESACOLHIDOS E DO AUTOR ACOLHIDOS84.

No julgamento no AG nº 272.635-RJ, ocorrido em 1/2/2005, o Ministro

Eduardo Ribeiro esboçou mostrar-se favorável à indenização da chance perdida em

caso de responsabilidade civil do advogado que perde o prazo para a interposição

de recurso contra a sentença desfavorável aos interesses-de seu constituinte.

Observa-se no caso analisado, o prejudicado com a perda do prazo para

a interposição do recurso ajuizou uma ação requerendo a condenação do advogado

negligente ao pagamento de tudo aquilo que receberia se a sua reclamação

trabalhista tivesse sido julgada procedente.

Com base nos casos estudados e citados neste trabalho cientifico,

observa-se que mesmo se o recurso tivesse sido interposto tempestivamente

ninguém poderia afirmar com certeza que o mesmo seria provido. Não sendo

84 Embargos de Declaração Nº 70019251370, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 30/05/2007.

Page 71: A Teoria da Perda de Uma Chance

71

possível determinar se o recurso seria ou não provido, não há como se fixar a

certeza do dano consistente na vitória e, com isso, o pedido de indenização assim

formulado não teria como ser acolhido, como de fato não foi.

No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que o autor da

ação deveria ter requerido a indenização pelo fato de ter perdido a chance de

ganhar a ação em razão da perda por seu advogado do prazo para a interposição do

recurso contra a sentença de improcedência e com esta afirmação o Ministro

Eduardo Ribeiro pareceu concordar, conforme se extrai do trecho de seu voto a

seguir transcrito em sua inicial, pediu o autor que “a indenização pelos danos

suportados com a conduta desidiosa dos advogados fosse equivalente ao que

pleiteava na ação trabalhista”.

O tribunal de origem entendeu que, embora provada a culpa do primeiro

réu, o pedido seria improcedente porque incertos os danos pleiteados. Concluiu-se

que o autor deveria ter requerido indenização pelo fato de ter perdido a chance de

ser vencedor em sua demanda.

De fato, houve-se com acerto a corte estadual. A condenação em perdas e danos pressupõe a prova efetiva do gravame suportado pelo requerente. No presente caso, não há como se estabelecer se o autor teria sua pretensão julgada procedente em sua totalidade. É possível que sua vitória fosse apenas parcial. Do mesmo modo, a outra parte poderia ser a vencedora. Está-se, portanto, diante de uma possibilidade de dano, mas não há certeza quanto a sua efetiva ocorrência, ou quanto à sua extensão, razão pela qual há de ser mantida a decisão recorrida (SAVI, 2009, p.78).

Esta decisão do Ministro Eduardo Ribeiro demonstra que o Superior

Tribunal de Justiça estaria disposto a indenizar o dano da perda da chance se este

tivesse sido o pedido formulado pelo autor da ação. Deve se destacar, contudo, que

a noção de perda da chance não integra a ementa do acórdão e, por este motivo, a

concordância do Ministro com a teoria não pode ser afirmada com absoluta certeza.

É de fundamental importancia atentar para uma interessante questão

ligada a este julgado. Se o juiz, diante de um pedido certo de indenização por lucros

cessantes formulado pelo autor da ação, chegar à conclusão de que o caso é de

perda de chance (dano emergente), poderá ele conceder uma indenização a este

título?

Entende-se que, o juiz deverá verificar cuidadosamente qual foi a real in-

tenção do autor. Se foi a indenização por perda da chance, ainda que a tenha

Page 72: A Teoria da Perda de Uma Chance

72

qualificado equivocadamente como lucro cessante, o juiz deverá, em respeito à

vontade do autor, julgar o pedido procedente, mesmo que o qualifique como dano

emergente. Neste caso, contudo, o juiz deverá, em atenção aos princípios do

contraditório e da ampla defesa, dar ao réu a oportunidade de se defender dessa

nova qualificação jurídica.

Com base na da leitura da petição inicial restar claro que o autor somente

pretendia indenização que tivesse por fundamento lucros cessantes, então o juiz,

entendendo que a perda de chance não caracteriza lucros cessantes, não poderá

acolher o pedido e deve julgá-lo improcedente.

Entende-se, portanto, que em uma ação indenizatória desta natureza o

autor deva formular pedidos alternativos. O primeiro de indenização pelos lucros

cessantes e, alternativamente, para o caso de o juiz não entender pela certeza,

ainda que relativa, daqueles, de indenização pela perda da chance.

De volta ao posicionamento do STJ, no julgamento do Recurso Especial

n° 57.529-DF, apesar de o dano da perda de chance não ter sido indenizado em

razão da limitação da responsabilidade do transportador aéreo pela Legislação

especial, tanto o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, como o Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira manifestaram-se, expressamente, pela possibilidade de

indenização das chances perdidas.

Porém, o caso supra julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, pode ser assim descrito: um representante de uma determinada empresa

fabricante de alimentos realizou uma viagem de Brasília a Belo Horizonte, com o

propósito de participar de uma concorrência pública para a aquisição de alimentos,

levando consigo as amostras necessárias para participar do certame. Com base no

posicionamento de Rodrigo Xavier Leonardo (2004):

Penso que esta segunda orientação, restritiva da aplicação do iura novit cúria, é mais coerente com o princípio da demanda, que confere ao autor o poder de fixar os limites objetivos e subjetivos da demanda e conseqúentemente com a própria liberdade das partes. Conforme reiteradamente assinalado no curso deste estudo, o litígio posto em juízo não é o litígio in natura, mas aquele configurado pelos delimitadores fáticos e jurídicos estabelecidos pelo autor, mesmo porque o objeto da jurisdição civil não são os fatos, mas o pedido. Ao autor deve ser reservado o poder de limitar a demanda fática e juridicamente. Mas, sem dúvida, quando houver falta de clareza ou precisão na qualificação jurídica, o juiz deve ir em busca da essência da manifestação de vontade do autor, e não da aparência. Na dúvida, o juiz deverá pedir ao próprio autor - e deverá fazê-lo logo, porque inepta a petição inicial (CPC, artigo 295, parágrafo único, inciso III) - que esclareça a sua manifestação de vontade, assegurando desse

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73

modo que eventual requalificação atenda efetivamente à verdadeira intenção do autor. Em qualquer caso, sobre a nova qualificação jurídica deverá ter o réu nova e ampla oportunidade de oferecer alegações e de propor e produzir provas, como consequência dasgarantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Desta forma o acórdão está assim ementado: “TRANSPORTE AÉREO. É

limitada, nos termos da legislação especial, a responsabilidade da empresa

transportadora, em caso de extravio de bagagem durante a execução do contrato de

transporte. Recurso especial não conhecido. Maioria.” STJ, Recurso Especial nº

57.529-DF, Quarta Turma, Rei. Para o acórdão Ministro Fontes de Alencar, julgado

em 7/11/2004.

Diante de tais fatos, a fabricante ajuizou uma ação contra a empresa

aérea pleiteando indenização pelo dano decorrente do extravio da bagagem,

despesas com a viagem inútil, além de indenização pela perda da concorrência, que

certamente venceria em razão dos menores preços que ofereceu, conforme

documentação acostada aos autos do processo.

Tal sentença julgou os pedidos parcialmente procedentes para condenar

a empresa aérea ao pagamento de 150 BTNs, na forma dos artigos 248 e 260, do

Código Brasileiro de Aeronáutica. Quando do julgamento da apelação interposta

pela Autora, a Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal deu

provimento parcial ao recurso apenas para elevar a condenação para 925 BTNs,

ajustando o disposto na Lei n. 7.565/86, que previa o limite de 150 OTN, à Lei n a

7.801/89, que extinguiu aquele título, substituindo-o pelo BTN, à razão de l OTN por

6,17 BTNs.

Da fundamentação deste acórdão extrai-se que o Tribunal de Justiça do

Distrito Federal entendeu que a responsabilidade do transportador aéreo encontra-

se limitada pelo disposto no artigo 260 do Código Brasileiro de Aeronáutica e que,

ainda que não fosse o caso de limitação, o pedido de indenização por lucros

cessantes encontraria óbice na exigência de certeza dos danos para serem inde-

nizados, uma vez que não havia como assegurar que a autora sairia vencedora da

licitação da qual participaria se as suas amostras não tivessem extraviado durante o

transporte aéreo. Ou seja, aquele tribunal entendeu que o pedido de lucros

cessantes, na realidade, se referia a um dano hipotético, que não era certo e, por

este motivo, não poderia ser indenizado.

Diante deste acórdão, a autora da ação interpôs recurso especial

alegando violação aos artigos 159, 1059, 1521, III, 1542 e 1553, do Código Civil de

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1916 e ao artigo 260 do Código Brasileiro de Aeronáutica. Para tanto, alegou que

para a indenização dos lucros cessantes pleiteados, o Código Civil deveria ser

concorrentemente aplicado o Código Brasileiro de Aeronáutica e, ainda que afastada

a incidência deste último diploma legal, os lucros cessantes deveriam ser compostos

em face da previsão dos artigos acima mencionados.

O recurso especial foi distribuído ao Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que

conhecia do recurso e lhe dava provimento, por entender ser o caso de indenização

pela perda da chance e, portanto, que o acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito

Federal, ao não reconhecer a possibilidade de indenizar este dano, violou o artigo

159 do Código Civil de 1916.

Por ser um dos primeiros acórdãos do Superior Tribunal de Justiça em

que a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance foi frontalmente en-

frentada, cumpre transcrever, ainda que parcialmente, o voto do Ministro Ruy

Rosado de Aguiar que, não obstante a maestria, restou vencido por questões outras

que não a admissibilidade da teoria. Confira-se:

A autora pretende a indenização pela perda da chance. O tema tem sido versado em outros países, especialmente na França, onde a doutrina, in-centivada por decisões da Corte de Cassação, admite a necessidade de ser responsabilizado o autor da ação ou da omissão que causa a outrem a perda de uma oportunidade real de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, nas mais diversas situações jurídicas, seja no tratamento médico, na disputa judicial, na vida social, profissional ou comercial. A jurisprudência francesa registra inúmeros precedentes: perda da chance de ser laureado pela pintura não exposta a tempo por culpa do transportador; perda da chance de um proveito na bolsa por causa de execução tardia de ordem pelo agente de câmbio; perda da chance de melhoria na carreira; perda da chance de ganhar um processo por incompetência do advogado ou falta de recurso; perda da chance de obter um emprego pela liberação tardia do diploma; perda da chance de prosseguir nos trabalhos de laboratório etc.

Mais adiante, em seu voto, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar transcreve a

defesa feita por Geneviève Viney às objeções opostas a esta hipótese de

responsabilização:

O caráter futuro do dano não se constitui em empecilho para que se admita a responsabilidade civil, sendo comum nos casos de danos contínuos, como na indenização por incapacidade física, ou por morte do obrigado a prestar alimentos etc. A oportunidade, a chance de obter uma situação futura é uma realidade concreta, ainda que não o seja a real concretização dessa perspectiva; é um fato do mundo, um dado da realidade, tanto que o bilhete de loteria tem valor, o próprio seguro repousa sobre a ideia da chance. A dificuldade de sua avaliação não é maior do que avaliar o dano moral pela

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75

morte de um filho, ou o dote devido à mulher agravada em sua honra (art. 1.548 do CC). É preciso, porém, estabelecer linhas limitadoras: a chance deve ser real e séria; o lesado estar efetivamente em condições pessoais de concorrer à situação futura esperada; deve haver proximidade de tempo entre a ação do agente e o momento em que seria realizado o ato futuro; a reparação deve necessariamente ser menor do que o valor da vantagem perdida (Viney, Geneviève, La responsabilité, in Traité de Droit Civil, Jacques Ghestin, LGDJ, 1982, 341 e seguintes).

A conclusão do voto do Ministro Ruy Rosado é no sentido de se indenizar

a chance perdida pela empresa fabricante de alimentos. Confira-se:

Penso eu que tal decisão causa ofensa ao disposto no artigo 159 do Código Civil, cláusula geral que contempla inclusive a hipótese da perda de uma real oportunidade de obtenção de uma certa vantagem. Não se indeniza a vantagem de quem venceria a concorrência, mas a perda real da oportunidade de concorrer, que é um fato provado, causador de prejuízo de não concorrer, e por isso, incluído no âmbito do artigo 159 do Código Civil, pois foi causado por culpa da transportadora.

Isto posto, conheço do recurso especial, por violação ao artigo 159 do CC e lhe dou parcial provimento, a fim de deferir a indenização pela perda da chance de participar da concorrência, cujo valor deverá ser objeto de liquidação por arbitramento, o qual não poderá ser superior a 20% do lucro líquido que teria se vencesse o certame.

Após pedir vista dos autos, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,

apesar de concluir pela impossibilidade de majoração da indenização concedida

pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal tão somente pelo fato de entender apli-

cável, in casu, a limitação da responsabilidade prevista no Código Brasileiro de

Aeronáutica, reconheceu, expressamente, a possibilidade de se indenizarem as

chances perdidas, conforme se verifica do seguinte trecho de seu voto:

Em primeiro plano, sem embargo da inexistência de norma específica em

nosso ordenamento positivo no que diz respeito à perda de uma “chance”, tenho

igualmente como assente que tal reparação se encontra compreendida no universo

amplo do art. 159, do Código Civil.

A conclusão do acórdão foi a de se negar a indenização dos lucros

cessantes, pelo fato de a maioria da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça

ter entendido que a responsabilidade do transportador aéreo é limitada, nos termos

do artigo 264, do Código Brasileiro de Aeronáutica.

Porém, conforme se constata dos votos dos Ministros Ruy Rosado de

Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira, ambos admitem a aplicação da teoria da

responsabilidade civil por perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro.

Page 76: A Teoria da Perda de Uma Chance

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Os dois outros casos em que a teoria da perda da chance foi enfrentada

pelo Superior Tribunal de Justiça são muito parecidos e podem ser facilmente

compreendidos pela simples leitura das ementas:

AGRAVO REGIMENTAL. DESPACHO QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO INTERPOSTO DE DECISÃO INDEFERITÓRIA DE RECURSO ESPECIAL. Frustração do direito de participar de concorrência pública, tida por indispensável. Prejuízo meramente hipotético, já que fundado em mera expectativa de fato, não abrangida pelo art. 1.050 do Código Civil. A mera chance de vencer o certame só seria passível de indenização, se demonstrado fora que possuía, por si só, expressão patrimonial. Agravo desprovido.ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DISPENSA DE LICITAÇÃO OBRIGATÓRIA PARA A CESSÃO DE USO DE BENS PÚBLICOS. HIPÓTESE EM QUE O DIREITO DE TERCEIROS, INTERESSADOS NESSE USO, NÃO VAI ALÉM DA ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. Se o Estado dispensa a licitação para a cessão de uso de bem público, as empresas assim alijadas da concorrência devem atacar o ato administrativo que deixou de seguir o procedimento próprio; sem a anulação deste, o hipotético lucro que teriam se vencessem a licitação não é indenizável, na medida em que o artigo 1.059 do Código Civil supõe dano efetivo ou frustração de lucro que razoavelmente se poderia esperar - circunstâncias inexistentes na espécie, em razão da incerteza acerca de quem venceria a licitação, se realizada. Recurso especial do Estado de São Paulo conhecido e provido; prejudicado o recurso interposto pela Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga85.

Pelo o que se pode perceber dos votos dos Ministros relatores, em ambos

os casos não se indenizou à chance perdida pelo fato de esta não ter sido

considerada séria e real, tendo características de mera possibilidade.

Ficou claro que em ambos os casos se sustentam a agravante que a

autorização de implantação de postos de abastecimento ao longo da rodovia haveria

de ser precedida de licitação. Admitido, entretanto, que tivesse condições de

participar do certame, possuía ela, então mera expectativa de fato em relação ao

lucro produzido pelos postos de serviço em referência, isto é, mera esperança de vir

a adquirir um direito, que não rende direito a indenização.

Fica claro que o prejuízo indenizável deve ser certo, como o que seria

sofrido pela agravante se já houvesse vencido a licitação. Nas condições descritas

nos autos, o alegado prejuízo é meramente hipotético, imaginário, suposto, não se

compreendendo no comando da norma do art. 1.059, do Código Civil.

Observa-se que, ao aventar o despacho agravado a possibilidade de

indenização de mera chance, quis referir hipótese em que esta chance, por si só,

apresenta valor económico, como é o caso do exercício do direito de ação. Como se

85 Supremo Tribunal Federal, Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Sálvio de Figueiredo Teixeira, 2007.

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sabe, não são raras as cessões de direito de ação, o que demonstra que se trata de

mera chance com valor económico. Frustrada a chance de vencer, por culpa do

advogado, é inegável que remanesce um direito de ressarcimento, que se restringe,

entretanto, ao simples valor pago pela cessão, e não pelo resultado da causa.

No caso dos autos, conforme se afirmou no despacho em referência, não

ficou demonstrado que a mera possibilidade de concorrer na licitação dos postos,

caso houvesse sido aberta, possuía algum valor económico, razão pela qual não se

pode sequer falar em indenização do direito de concorrer, o que é o mesmo dizer,

em indenização de mera chance.

A dispensa da licitação frustrou uma expectativa de lucro da Companhia

de Petróleo Ipiranga, nunca de um lucro previsível, isto é, decorrente da marcha

normal dos acontecimentos; desfeita a indigitada cessão de bens públicos, ela ainda

teria de vencer a licitação - só depois disso haveria lucro previsível, presunção que

se atribui aos resultados dos negócios de empresas bem administradas e já

posicionadas no mercado. Fora daí, se tem lucro hipotético, dependente de variável

incerta: se a licitação tivesse sido aberta aos interessados e, se, afinal, o respectivo

objeto lhe tivesse sido adjudicado, ela teria lucro.

Conforme demonstrado ao longo desta pesquisa meras possibilidades

não são passíveis de indenização. A chance perdida há de ser séria e real, sempre

com no mínimo 50% de probabilidade de se verificar. Como pode se observar nos

casos supra às chances não foram consideradas sérias pelo Superior Tribunal de

Justiça, entendemos que esta Corte aplicou-se corretamente a teoria.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO NÃO CONFIGURADO. O dano, em si, não será imputado ao agente, pois podem haver outras causas; o agente será responsável, isso sim, pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho que foi encerrada por sua conduta. Os elementos que caracterizam a perda de uma chance são: a conduta do agente; um resultado que se perdeu, podendo ser caracterizado como o dano; e o nexo causal entre a conduta e a chance que se perdeu (assim, essa teoria não dispensa o nexo de causalidade, mas o analisa sob uma perspectiva diferente). O nexo causal deverá existir entre o fato interruptivo do processo e o suposto dano e assim será caracterizado se for suficiente para demonstrar a interrupção do processo que estava em curso, por um fato ilícito, e que poderia, levar ao resultado pretendido. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE NA OMISSÃO. A mera omissão na anuência para a efetivação do registro imobiliário subseqüente à carta-contrato na condição de credor hipotecário do imóvel em que projetado o empreendimento, não constitui causa adequada, com probabilidade próxima à certeza, no sentido do aumento do risco de falência da empresa incorporadora de propriedade dos autores. Nexo de causalidade afastado. 3. No caso concreto, os autores limitam-se a afirmar

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que o dano sofrido seria decorrente do descumprimento do disposto na carta-contrato cujo conteúdo em nada pressupõe a assunção concreta e efetiva, por parte do banco réu, de deveres para com a empresa dos autores no sentido de autorizar, na condição de credor hipotecário, qualquer iniciativa para a anuência com o registro do loteamento. É dizer, a causalidade necessária entre o dano e a conduta não ficou demonstrada, considerando que não ficou evidenciada a relação que deveria haver entre a não anuência da instituição financeira ré para registro do loteamento dos imóveis e a subseqüente falência da empresa MARSIAJ, com a indisponibilização dos bens dos autores. Vários outros fatores podem ter concorrido para esse fato não necessariamente a negativa do banco em anuir com o empreendimento. Ademais, os fatos narrados na exordial remontam à 1994 e 1995, e já a decretação de falência da empresa, a fevereiro de 199886.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS CAUSADOS EM RAZÃO DE MANDATO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. NEGLIGÊNCIA. PERDA DE CHANCE. Teoria da perda de chance é utilizada para calcular indenização quando há um dano atual, porém incerto, dito dano hipotético. O que se analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Ausência de produção de prova testemunhal na ação trabalhista patrocinada e a conseqüente insuficiência de demonstração da justa causa, sendo que o advogado tinha perfeitas condições de fazê-lo. Ocorrendo a perda da chance, nisso já reside o prejuízo. QUANTUM CONDENATÓRIO. Critérios para mensuração. Inexistência de parâmetros legais, sendo deixada ao prudente arbítrio do julgador. Deve atentar este para a função reparadora da indenização, que, antes de tudo, demanda a aplicação do princípio da eqüidade, a fim de que a parte sofredora do abalo moral não venha a locupletar-se com enriquecimento indevido. Julgada parcialmente procedente a demanda. Invertidos os ônus da sucumbência87.

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. GRAVIDEZ. MEDICAÇÕES PRESCRITAS. TROCA DE MEDICAMENTO QUANDO DO FORNECIMENTO PELO AGENTE PÚBLICO. ABORTO. ATO ILÍCITO E DANO COMPROVADOS. NEXO CAUSAL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. No caso dos autos, o ato ilícito se tipificou basicamente na forma comissiva do preposto do ente público, qual seja, no fornecimento incorreto de medicação à paciente grávida. Frisa-se, outrossim, a inexistência de certeza quanto ao nascimento da criança esperada (feto), mas a chance que adviesse, caso não houvesse sido ministrado medicação não indicada para gestantes. Típico caso, pois, de responsabilidade por perda de uma chance, havendo os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que não se indeniza à morte, no caso o aborto, mas sim a perda da oportunidade do nascimento do primeiro filho. A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade do nascimento, que, no caso, não se mostrava aleatória, porém também não era certa. DANOS MORAIS. VALOR A SER REPARADO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. EXPLICITAÇÃO. MANUTENÇÃO. VERBA HONORÁRIA. FIXAÇÃO EM PERCENTUAL.

86 APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70025179458, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/12/2008)87 DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.. (Apelação Cível Nº 70025788159, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 23/07/2009)

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CONSEQUENTE MAJORAÇÃO. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA. APELAÇÃO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDA88.

Um dos casos de maior repercussão de aplicação da teoria da perda

de uma chance aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça foi no julgamento em

Recurso Especial sob relatório do Min. Fernando Gonçalves, em que apreciou o

caso do “Show do milhão” e reafirmou entendimento favorável ao acolhimento da

teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance através do Recurso

Especial nº 788.459-BA, Quarta Turma, Rei. Ministro Fernando Gonçalves, julgado

em 8 de novembro de 2005, DJ em 13/3/2006.

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido89.

De acordo com o regulamento do programa, o participante teria que

responder a uma série de perguntas e, a cada resposta certa na seqüência,

aumentava o montante do prêmio, até chegar à penúltima pergunta, para atingir o

valor de R$ 500.000,00. Na continuidade, seria feita a pergunta do milhão, a qual,

se respondida de modo correto, daria ao candidato o direito de receber o prêmio

máximo de um milhão de reais. Na hipótese de responder incorretamente, o

candidato perderia tudo que conquistou até então, ou seja, os R$ 500.000,00. E

se o candidato preferisse não responder à pergunta do milhão, receberia o prêmio

acumulado, de meio milhão de reais.

No caso em tela, a candidata, autora da ação tinha logrado êxito em

todas as respostas e chegou à pergunta do milhão, contudo, optou por não

respondê-la, por entender que não existia resposta correta.

Nesse sentido, a análise das regras do jogo e o conteúdo da última

pergunta formulada levaram à conclusão de que a pergunta havia sido

deliberadamente elaborada de uma forma que não poderia ser respondida, por

88 Apelação Cível Nº 70034816306, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 01/09/2010.89 STJ-REsp. Nº 788459/BA; Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJU de 13/03/2006, p. 334.

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inexistir resposta correta, inviabilizando, desse modo, a possibilidade da autora

de ganhar o prêmio máximo.

Em primeira instancia, acolheu-se a teoria da responsabilidade civil

pela perda da chance e concedeu o pedido de R$ 500.000,00. Apesar de ter

aplicado a teoria da perda de uma chance, o juiz de primeiro grau fixou

equivocadamente a indenização, pois levou em conta não a possibilidade de a

autora acertar a resposta da pergunta e ganhar o prêmio total, porém a própria

chance, ou seja, o resultado esperado.

De fato, o valor da indenização não poderia ser o prêmio perdido, tendo

em vista que não se poderia afirmar que a autora realmente acertaria a resposta,

se a pergunta tivesse sido formulada corretamente. Assim sendo, a indenização a

ser fixada deveria ser inferior ao montante final que a autora receberia, se tivesse

tido êxito.

O STJ, que apreciou o Recurso Especial e aplicou a teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance e entendeu que as chances

matemáticas que a autora tinha de acertar a resposta da pergunta do milhão, se

formulada a questão corretamente, eram de 25%. Assim, reduziu a condenação

para R$ 125.000,00. Eis, a seguir, importantes fundamentos do voto vencedor,

relatado pelo ministro Fernando Gonçalves:

Na hipótese dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à “pergunta do milhão” (...) Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. Resta, em conseqüência, evidente a perda da oportunidade pela recorrida (...). Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado da outra. A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00) – equivalente a um quarto do valor em

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81

comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de acerto da questão de múltipla escolha com quatro itens, reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.

Raimundo Simão Melo destaca como sendo os principais pontos

abordados no acórdão pelo STJ:

a) A incerteza do acerto da resposta foi fato inviabilizador da

condenação do réu no pagamento integral do valor que ganharia a autora, se

obtivesse êxito na pergunta final. Isto porque o que se indeniza não é a chance

em si, ou seja, o resultado final, porém, a perda da oportunidade de se tentar

chegar àquele resultado;

b) A chance de ganhar o prêmio máximo já se integrara ao patrimônio

da autora quando do ato danoso do réu, que formulou incorretamente a questão

final. Eis, portanto, a razão do acolhimento da tese da responsabilidade de o réu

indenizar o prejuízo causado à autora.

c) Por fim, o tribunal aceitou o entendimento de que a indenização será

sempre inferior ao valor do resultado final esperado, aplicando o critério

matemático de 25%, proporcional às possibilidades que tinha a candidata, ao

responder uma das quatro alternativas90.

Assim senso, no que concerne à quantificação da chance perdida, o

juiz deverá basear-se no critério da probabilidade para a aferição do montante da

oportunidade perdida. Nesse sentido manifesta-se Rafael Peteffi da Silva:

Pode-se afirmar que a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda da chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima91.

Na mesma direção se manifesta Gondim:

Não há que se cogitar uma reparação equivalente ao benefício que provavelmente ocorreria, devendo o valor ser apurado pela chance e não pela perda, não podendo ser avaliado o dano causado, mas apenas a chance, tendo em vista que esta é comprovadamente a lesão do ofendido. O prejuízo da vítima é considerado como o evitamento do dano. Isto porque, o que será ressarcido não é a morte do paciente, por exemplo, mas sim a sua impossibilidade de sobrevivência92.

90 MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível em: http://boletimjuridico.com/doutrina/texto.asp?id=1785. Acesso em 24 de novembro de 2010.91 SAVI, 2006, p.235.92 GONDIM, 2005, p.33.

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CONCLUSÃO

A amplitude e complexidade do tema objeto do presente trabalho tornam a

elaboração de uma síntese conclusiva uma tarefa árdua. Observou-se que no direito

brasileiro, o instituto da responsabilidade civil passou e ainda é alcançado por

inúmeras modificações e reformulações, mormente no que se refere aos seus

requisitos ou elementos indispensáveis.

Nos dias atuais, a responsabilidade civil é contemplada como um fenômeno

global, ou seja, presente tanto em casos particulares como no conjunto da

sociedade. A contemplação de forma global dos danos tem proporcionado a

incorporação de elementos de reflexão de ordem moral e ética no campo da

disciplina legal, nas decisões judiciais e também na análise doutrinária do direito de

responsabilidade civil.

O objetivo da justiça e o anseio da reparação integral dos prejuízos sofridos

pelo lesado levaram a doutrina e a jurisprudência a criarem instrumentos e artifícios,

juridicamente respaldados, para aumentar as possibilidades de reparação efetiva

dos danos. Dentro desses instrumentos, surgiu a corrente jurisprudencial e

doutrinária calcada na reparação dos danos decorrentes da perda de uma chance.

Igualmente, para que exista o dever de indenizar devem estar presentes os

requisitos da responsabilidade civil, ou seja: uma conduta; um dano, caracterizado

pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo; e um

nexo de causalidade entre os primeiros.

Contudo, na hipótese em estudo, a reparação não é do dano, porém sim da

chance. Não se admitem, por outro lado às expectativas incertas ou pouco

prováveis. Dessa maneira, a chance a ser indenizada deve ser algo que certamente

iria ocorrer, porém cuja concretização foi frustrada pelo fato danoso.

Por tudo o que foi abordado, espera-se, enfim, ter conseguido contribuir, de

algum modo, para a compreensão do tema que, cada vez mais, vem sendo

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83

apreciado pelos tribunais que já adotaram posicionamento favorável ao acolhimento

da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance na esteira da

existência, em nosso ordenamento jurídico, de uma cláusula geral de

responsabilização civil, do princípio da plena reparação dos danos e, em sede

constitucional, da obrigatoriedade de indenização da vítima de um dano injusto.

O presente estudo, não teve qualquer pretensão de esgotar o tema da teoria

da perda de uma chance, mas sim, repassar, em linhas gerais, algumas questões

que nos pareceram relevantes para a compreensão do assunto.

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REFERÊNCIAS

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Page 87: A Teoria da Perda de Uma Chance

87

ANEXO – A: OUTROS JULGADOS RECENTES DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA

PERDA DE UMA CHANÇE

1º APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. ABORTO. FALHA

NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO

MORAL CONFIGURADO.

RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. CONDUTA OMISSIVA. O

sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado

sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal

no art. 37, § 6º, da CF/88. Todavia, quando o dano acontece em decorrência de uma

omissão do Estado, é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Hipótese

dos autos em que restou comprovada a omissão consistente na deficiência na

prestação do serviço público por parte do Município, o sofrimento durante duas

horas da gestante e o subseqüente dano abortamento.

NEXO DE CAUSALIDADE NA OMISSÃO. CAUSALIDADE HIPOTÉTICA

E AUMENTO DO RISCO. A causalidade na omissão é entendida como um juízo

hipotético, não de eliminação, mas de colocação da ação: a omissão será causal

quando, ‘posta’ mentalmente a ação não executada, desapareceria o resultado. A

inserção do critério do aumento do risco no setor da causalidade implica que será

causal a omissão quando a não execução da atividade possível para evitar o

resultado, tenha diminuído as chances de impedir o resultado, isto é, tenha

aumentado o risco de sua produção, no caso em tela, além do intenso sofrimento

durante horas, do aborto.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. A teoria da perda de uma

chance surgiu na França no contexto de casos de responsabilidade médica em que,

embora constatada a ocorrência de conduta culposa do agente e de um dano efetivo

para a vítima, não era possível demonstrar o nexo de causalidade entre ambos,

Page 88: A Teoria da Perda de Uma Chance

88

restando o lesado sem o devido ressarcimento. Em razão das dificuldades presentes

nessas demandas, a jurisprudência francesa criou essa teoria, objetivando o

ressarcimento da vítima, ainda que não seja integral, ou diretamente ligado à lesão,

mas de forma que compense as chances de recuperação perdidas pelo lesado. O

dano, em si, não será imputado ao agente, pois podem haver outras causas; o

agente será responsável, isso sim, pela chance perdida, ou seja, a certeza de ganho

que foi encerrada por sua conduta. Assim, em que pese não haja nos autos

comprovação de que eventual presteza no deslocamento da gestante no veículo

disponibilizado pelo Município teria evitado com certeza o abortamento, é aplicável

ao caso em tela a teoria da perda de uma chance, na medida em que a conduta

omissiva do demandado certamente subtraiu da autora a chance de evitar o

resultado danoso.

INDENIZAÇÃO PELO SOFRIMENTO. A inicial não deduz como única

causa de pedir o abortamento, em razão da ausência de pronto atendimento, pois a

demandante também busca a indenização pelos transtornos advindos da falha do

serviço, representada pela inocorrência de pronto atendimento, resultando em

sofrimento físico e moral desnecessário, até que fosse devidamente atendida.

Deficiência na prestação do serviço público que causou sofrimento à autora, em

razão da ansiedade e dor física que passou enquanto aguardava por atendimento e

via o seu estado de saúde se agravar durante o longo trajeto percorrido. Dano moral

caracterizado.

QUANTUM INDENIZATÓRIO. A indenização por dano moral deve

representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o

sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para

proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um

enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador

do mal, a fim de dissuadi-lo de novo atentado.

Por outro lado, na reparação do dano certo causado pela perda de uma

chance, o valor da indenização será arbitrado não em função do resultado lesivo

final abortamento mas, sim, em função da perda da chance de evitar o abortamento

e em função do sofrimento a que a autora foi submetida em razão da deficiência na

prestação do serviço. Evidente que, quando não se tem a certeza de que a atuação

nos padrões exigidos conduziria ao resultado diverso, o dano deve ser mitigado. 6.

Verba sucumbencial invertida. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.

Page 89: A Teoria da Perda de Uma Chance

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(Apelação Cível Nº 70023576044, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 26/11/2008)

2º RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. RECÉM-NASCIDO. RETINOPATIA

DA PREMATURIDADE. FALHA NO ACOMPANHAMENTO POR

OFTALMOLOGISTA. CEGUEIRA SUPERVENIENTE. CARGA DINÂMICA DA

PROVA. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MATERIAIS E MORAIS.

No caso dos autos, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva,

qual seja, no fato de não ser providenciado exame oftalmológico no recém nascido

prematuro o qual, estatisticamente, seja pelo peso ao nascer, seja pelo tempo

gestacional, se inseria entre aqueles com maior incidência da chamada retinopatia

da prematuridade, cuja possibilidade de tratamento, com resultados satisfatórios,

está ligada ao tempo do diagnóstico em sua fase inicial e a implementação do

tratamento necessário, o qual, se não inibe algum defeito visual, pode impedir que

se instale a cegueira, como consequência possível e provável de um descolamento

de retina total.

A dúvida que não restou esclarecida, e nesse ponto o ônus de provar a

correta prestação de serviços seria da ré, é se haveria ou não condições de o menor

suportar algum procedimento oftalmológico dadas as suas precárias condições de

saúde.

O que é certo é que não houve registro dessa impossibilidade no

prontuário e esta condição haveria de resultar de consenso entre os especialistas. E

mais ainda, tudo isso pressuponha que houvesse sido no mínimo disponibilizado

esse acompanhamento, e isso, sem dúvidas, não aconteceu. Frisa-se, outrossim, a

inexistência de certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, o que,

entretanto, não retira a gravidade da doença (retinopatia da prematuridade - ROP) e

suas reservas quanto à evolução da visão, sendo que em muitos casos outros

prejuízos, tais como miopia, estrabismo são percentualmente significativos no

quadro. Típico caso, pois de responsabilidade por perda de uma chance, havendo

os danos serem estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira, que

Page 90: A Teoria da Perda de Uma Chance

90

não se indeniza a cegueira, ou perda da visão, mas sim a perda da oportunidade de

cura.

A indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade da cura,

que, como se viu, não se mostrava aleatória. Perda da chance que se aplica tanto

aos danos materiais como aos morais, indenizando-se a probabilidade e não o dano

final. Quantificação dos danos morais. Readequação dos valores, que são

reduzidos. Pensionamento ajustado. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

(Apelação Cível Nº 70030588370, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 02/09/2009)

3º RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL. MÉDICO. RECÉM-NASCIDO.

SOPRO CARDIÁCO. FALHA NO DEVER DE INFORMAR AOS EFETIVOS

RESPONSÁVEIS PELO BEBÊ SOBRE A NECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO, E

CUIDADOS QUANTO A EVENTUAL SINTOMATOLOGIA. MORTE QUE

SOBREVÉM, POUCOS DIAS APÓS A ALTA, POR PROBLEMAS CARDÍACOS.

TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS TIPIFICADOS.

No caso dos autos, o erro se tipificou basicamente na forma omissiva,

qual seja, na ausência de informação aos efetivos responsáveis pelo bebê, do

possível sopro cardíaco constatado e dos cuidados a serem observados quanto à

sintomatologia evolutiva e investigação. Frisa-se, outrossim, a inexistência de

certeza quanto à cura, mas a chance que adviesse, se mais precocemente fosse o

menor encaminhado a avaliação cardiológica, que, quiçá, ainda que com

procedimentos mais invasivos, teriam evitado o seu óbito.

Típico caso, pois, de responsabilidade por perda de uma chance,

havendo os danos ser estabelecidos por arbitramento, sopesando-se, sobremaneira,

que não se indeniza a morte, mas sim a perda da oportunidade de cura. A

indenização deve ser graduada tendo em vista a probabilidade da cura, que, no

caso, não se mostrava aleatória, porém também não era certa. Denunciação da lide

acolhida. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70030146138, Nona Câmara

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em

28/10/2009)

Page 91: A Teoria da Perda de Uma Chance

91

4º APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO DE CONSUMO.

APLICAÇÃO DO CDC. COBRANÇAS DE DÍVIDA ADIMPLIDA. LIGAÇÕES

TELEFÔNICAS REALIZADAS PARA O LOCAL DE TRABALHO DO AUTOR.

PERDA DE UMA CHANCE CONFIGURADA. DANO MORAL MANTIDO. VALOR

DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. SUCUMBÊNCIA MANTIDA.

O autor logrou provar fato constitutivo de seu direito, no sentido de que a

requerida realizava ligações para seu local de trabalho, cobrando dívida adimplida.

Provou, ainda, a perda da chance de ser promovido. Para ser devida a indenização

pela perda de uma chance, não basta alegação de mera probabilidade de alcançar

um objetivo, mas deve ser provada a perda de uma chance concreta. Os danos

morais restaram comprovados, devendo ser mantidos. Quantum indenizatório

reduzido, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70038084646, Quinta

Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho,

Julgado em 29/09/2010).

5º RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA

CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO

CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE

INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA

RECONHECIDO.

A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) visa à

responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de

Page 92: A Teoria da Perda de Uma Chance

92

lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda

da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se

alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance –

desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é

considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao

perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos

acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.

Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas

apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem

não experimentada, as demandas que invocam a teoria da “perda de uma chance”

devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais

possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do

causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a

contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que

enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma

chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se

supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. Assim, a pretensão à

indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui

causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo

que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por

danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na

teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por

danos morais. Recurso especial conhecido em parte e provido.

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos

termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel

Gallotti e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,

justificadamente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Drª. DEMETRYUS

EUGENIO GRAPIGLIA, pela parte RECORRIDA: ONOFRE DAL PIVA.

6º PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE

ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA

CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE.

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93

DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO

CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ.

APLICAÇÃO. A responsabilidade do advogado na condução da defesa

processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo

resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no

exercício do mandato.

Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação,

recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as

chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de

sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto,

de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir

ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir

plenamente de sua chance.

A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos

morais. A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já

tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado

por deficiência na fundamentação do recurso especial.

A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

Aplicação da Súmula 7, STJ. Não se conhece do Especial quando a decisão

recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange

todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.

Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros

da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos

e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do

recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros

Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com a Sra. Ministra Relatora.