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1 A TEORIA BEHAVIORISTA E OS MODELOS DO HOMEM Albert Bandura American Psychologist, 1974, Dezembro, pp.859-869 Discurso presidencial de posse no encontro da Associação Americana de Psicologia, Nova Orleans, agosto de 1974. Copyright, 1974, pela Associação Americana de Psicologia. Impresso sob permissão. Tradução: Mônica C. Pecegueiro do Amaral Resumo da tradução e revisão: Eliane Falcone A preocupação com o controle e a manipulação derivados da psicologia provém principalmente das concepções do behaviorismo. Essas preocupações são expressas por escritores populares e por teóricos, e são contestadas pelos fatos empíricos do comportamento humano. No decorrer dos anos, os termos “behaviorismo” e “condicionamento” passaram a ser associados a imagens terríveis, incluindo cães salivantes e manipulações de animais. Assim, para aqueles que desejam depreciar idéias e práticas que desaprovam, basta rotulá-las de behavioristas ou precursoras pavlovianas de um estado totalitário. De início, julgava-se que o condicionamento ocorria automaticamente. Após observações mais cuidadosas, constatou-se que ele era mediado cognitivamente, ou seja, a pessoa reconhece que os eventos estão correlacionados e aprende a predizê-los e a ter reações antecipatórias compatíveis. A capacidade de se aprender com experiências correlatas reflete sensibilidade, mas como Pavlov demonstrou pela primeira vez esse fenômeno com cachorros, esse tipo de aprendizagem passou a ser encarado como um processo animal inferior. Se ele tivesse optado por estudar a hiperatividade fisiológica associada a estímulos relacionados à tensão, ou ao desenvolvimento de reações empáticas a expressões de sofrimento em seres humanos, o condicionamento teria sido encarado de modo mais esclarecido. Esperar que as pessoas permaneçam insensíveis a experiências assustadoras, humilhantes, repulsivas, tristes ou agradáveis é exigir que elas sejam sub-humanas. Assim como as experiências contíguas do tipo direto ou vicário podem promover efeitos negativos como temores e aversões, elas também promovem algumas das qualidades dignificantes do homem. As avaliações depreciativas dos princípios da aprendizagem, que aparecem com freqüência em

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A TEORIA BEHAVIORISTA E OS MODELOS DO HOMEM

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Page 1: A TEORIA BEHAVIORISTA E OS MODELOS DO HOMEM

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A TEORIA BEHAVIORISTA E OS MODELOS DO HOMEM

Albert Bandura American Psychologist, 1974, Dezembro, pp.859-869

Discurso presidencial de posse no encontro da Associação Americana de Psicologia, Nova

Orleans, agosto de 1974. Copyright, 1974, pela Associação Americana de Psicologia.

Impresso sob permissão.

Tradução: Mônica C. Pecegueiro do Amaral

Resumo da tradução e revisão: Eliane Falcone

A preocupação com o controle e a manipulação derivados da psicologia provém

principalmente das concepções do behaviorismo. Essas preocupações são expressas por

escritores populares e por teóricos, e são contestadas pelos fatos empíricos do

comportamento humano.

No decorrer dos anos, os termos “behaviorismo” e “condicionamento” passaram a ser

associados a imagens terríveis, incluindo cães salivantes e manipulações de animais. Assim,

para aqueles que desejam depreciar idéias e práticas que desaprovam, basta rotulá-las de

behavioristas ou precursoras pavlovianas de um estado totalitário.

De início, julgava-se que o condicionamento ocorria automaticamente. Após

observações mais cuidadosas, constatou-se que ele era mediado cognitivamente, ou seja, a

pessoa reconhece que os eventos estão correlacionados e aprende a predizê-los e a ter

reações antecipatórias compatíveis.

A capacidade de se aprender com experiências correlatas reflete sensibilidade, mas

como Pavlov demonstrou pela primeira vez esse fenômeno com cachorros, esse tipo de

aprendizagem passou a ser encarado como um processo animal inferior. Se ele tivesse

optado por estudar a hiperatividade fisiológica associada a estímulos relacionados à tensão,

ou ao desenvolvimento de reações empáticas a expressões de sofrimento em seres

humanos, o condicionamento teria sido encarado de modo mais esclarecido. Esperar que as

pessoas permaneçam insensíveis a experiências assustadoras, humilhantes, repulsivas,

tristes ou agradáveis é exigir que elas sejam sub-humanas. Assim como as experiências

contíguas do tipo direto ou vicário podem promover efeitos negativos como temores e

aversões, elas também promovem algumas das qualidades dignificantes do homem. As

avaliações depreciativas dos princípios da aprendizagem, que aparecem com freqüência em

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publicações especializadas e leigas, degradam tanto a ciência da psicologia quanto o público

que essa retórica ofensiva pretende influenciar.

Nas teorias que reconhecem apenas o papel das conseqüências externas proximais e

afirmam que elas determinam o comportamento de forma automática, as pessoas são

encaradas como joguetes mecânicos das forças ambientais. Porém, ainda que muitas vezes

influentes, as conseqüências externas não são os únicos determinantes do comportamento

humano, nem operam automaticamente.

Através da observação do efeito de suas atitudes, os indivíduos acabam por distinguir

quais comportamentos são apropriados em quais situações. Então, esta informação

adquirida serve como um guia para o comportamento. Contrariamente ao que indicam as

metáforas mecanicistas, nos seres humanos as conseqüências alteram o comportamento

através da influência mediadora do pensamento.

Além de informativas, as conseqüências funcionam como motivadores, devido ao seu

valor incentivador. Por representarem simbolicamente conseqüências previsíveis, as

conseqüências futuras podem ser transformadas em motivadores do comportamento

presente. Muitas das coisas que fazemos visam obter benefícios futuros e evitar problemas

futuros. Nossas altermativas de ação estão em grande parte sob o controle previsivo. Assim,

a proposição, amplamente aceita, de que o homem é governado pelas conseqüências de

suas respostas, aplica-se melhor às conseqüências antecipadas do que às conseqüências

reais. Quando a suposição difere da realidade, o que não é raro, é pequena a influência do

controle das conseqüências reais sobre o comportamento, até que experiências repetidas o

impregnem de expectativas realistas (Bandura, 1971; Kaufman et al., 1966).

Se os homens fossem governados somente pelas conseqüências imediatas, há muito

eles teriam se tornado peças de museu em meio a outras espécies extintas. Não que o

nosso futuro esteja indiscutivelmente assegurado. Nas sociedades que só visam lucros a

curto prazo, as conseqüências imediatas desse estilo de vida destrutivo põem em perigo as

chances de sobrevivência do homem a longo prazo. Porém, a não ser que sejam

extraordinariamente poderosas, as conseqüências imediatas não pesam necessariamente

mais que as conseqüências remotas (Mischel, 1974). Nossos descendentes continuarão a ter

um futuro somente porque aqueles que prevêem conseqüências adversas das práticas atuais

a longo prazo mobilizam a opinião pública no sentido de apoiar contingências que favoreçam

o comportamento de sobrevivência. Por exemplo, os pesticidas perigosos são geralmente

proibidos antes que as populações sejam afetadas por seus resíduos tóxicos. A capacidade

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que os homens possuem de processar informações proporciona a base para o

comportamento perspicaz. A capacidade dos homens de fazer com que conseqüências

remotas recaiam sobre o comportamento atual através do pensamento preditivo reforça

ações previstas.

As explicações sobre o reforçamento originalmente pressupunham que as

conseqüências reforçam o comportamento sem um envolvimento consciente. A idéia de que

os reforçadores podem agir sub-repticiamente ainda prevalece e provoca temores de que

técnicas de reforçamento mais desenvolvidas possam permitir que as autoridades

manipulem as pessoas sem que elas saibam ou consintam. Embora a questão empírica

ainda não esteja totalmente resolvida, há poucos dados que indiquem que as recompensas

funcionam como fortalecedores automáticos do comportamento humano. O comportamento

não é muito afetado por suas conseqüências sem a consciência do que está sendo reforçado

(Bandura, 1969; Dulany, 1968). Depois que os indivíduos distinguem a relação instrumental

entre a ação e a conseqüência, recompensas condicionais podem levar a um comportamento

conformado ou contestador, dependendo de como eles avaliam os estímulos, os

influenciadores e o próprio comportamento, e de como os outros reagem. Assim, o

reforçamento, na medida em que veio a ser mais bem sucedido, passou de um simples

reforçador mecânico do comportamento para uma influência informativa e motivadora.

Considerando-se que as pessoas não vivem isoladamente, elas podem observar o

comportamento dos outros e se beneficiar com as conseqüências observadas, tanto quanto

com as suas próprias experiências (Bandura, 1971b). O reconhecimento do comportamento

vicário pressupõe a existência de capacidades de avaliação, na atuação das influências

reforçadoras. As pessoas comparam as conseqüências do próprio comportamento com

aquelas que advém do comportamento dos outros em uma situação semelhante. Assim, a

mesma conseqüência pode ser considerada como recompensa ou punição, dependendo dos

referenciais usados para a comparação social.

Pode-se explicar melhor a conduta humana pela influência da relação entre

conseqüências observadas e conseqüências diretas do que por qualquer um desses fatores

isoladamente. Entretanto, o comportamento não é totalmente predizível a partir de um

coeficiente relacional, porque as justificativas sociais alteram o impacto das disparidades nas

conseqüências. Reforçamentos injustos são prontamente aceitos quando as pessoas são

categorizadas em níveis sociais e recompensadas segundo sua posição, e não segundo o

seu desempenho. Injustiças arbitrárias também podem ser toleradas, se os desprivilegiados

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são levados a acreditar que possuem atributos que fazem com que tenham menos direito a

um tratamento igualitário. As injustiças persuasivamente justificadas têm efeitos mais nocivos

sobre o indivíduo do que os atos reconhecidamente injustos, uma vez que levam a uma auto-

desvalorização por parte dos menos favorecidos. Reações negativas a reforçamentos

injustos, reconhecidamente injustificados, podem igualmente ser reduzidas através de

contemporizações. Se as pessoas são levadas a crer que o tratamento injusto será corrigido

num futuro previsível, este se torna menos repulsivo para elas.

As pessoas regulam suas ações, em parte por conseqüências que elas mesmas

produzem (Bandura, 1971b; Thorensen e Mahoney, 1974). O desenvolvimento de funções

auto reativas propicia ao homem a capacidade de autogoverno. Eles fazem coisas que levam

à auto satisfação e à auto valorização e evitam agir de modo que leve à auto punição.

As fontes de auto reforçamento ou de reforçamento externo podem funcionar como

influências suplementares ou opositoras sobre o comportamento. Assim, os indivíduos

costumam entrar em conflito quando são recompensados por condutas que eles

pessoalmente condenam. Quando as conseqüências que nós condenamos possuem mais

influência do que os incentivos recompensadores, as influências externas são relativamente

ineficazes. Por outro lado, se certas atividades produzem recompensas mais fortes do que a

auto censura, o resultado é uma aceitação sem entusiasmo. Entretanto, quando o amor-

próprio é ferido devido a condutas condenáveis, ele pode ser restabelecido através de auto

justificativas. Voltaremos a essa questão brevemente.

Outro tipo de conflito entre conseqüências externas e internas surge quando os

indivíduos são punidos por comportamento que eles têm em alta consideração. Os

dissidentes e não conformistas freqüentemente se encontram nessa situação. Um

comportamento pessoalmente apreciado só é expresso se seu preço não for muito alto.

Quando as conseqüências ameaçadoras são sérias, a pessoa inibe atitudes que considera

louváveis, mas que estão sob alto risco de punição. Por outro lado, essas atitudes são

prontamente executadas quando a possibilidade de punição é reduzida. Entretanto, existem

indivíduos cuja auto-imagem depende de tal modo de determinadas convicções, que eles se

submetem prolongadamente a maus tratos, mas não aceitam o que para eles é injusto ou

imoral.

As conseqüências externas exercem uma maior influência sobre o comportamento

quando são compatíveis com as internas. Isto se dá quando atos responsáveis são uma

fonte de auto estima, e atitudes puníveis, uma fonte de auto censura. Para aumentar a

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compatibilidade entre influências sociais e pessoais, as pessoas escolhem amigos que

compartilhem de padrões de conduta semelhantes aos seus, e assim garantem um apoio

social para seu sistema de auto reforçamento.

As teorias individualistas da moralidade dos atos pressupõem que a internalização de

padrões de comportamento cria um mecanismo de controle permanente dentro do indivíduo.

Daí em diante, as restrições da consciência atuam como controles permanentes de

comportamentos repreensíveis. Entretanto, a realidade do comportamento humano contradiz

esta teoria. Muitos dos sofrimentos e maus tratos de que se tem notícia são, na verdade,

impostos por pessoas decentes e honestas. E algumas das mais impressionantes mudanças

na conduta moral, como por exemplo, no caso da violência política e militar, são feitos sem

se alterarem as estruturas da personalidade e os padrões morais. Sem dúvida, o controle

pessoal é mais complexo e flexível do que as teorias indicam.

Embora as influências auto reforçadoras sirvam como reguladores do comportamento,

elas podem ser separadas dos atos consumáveis, através de práticas autojustificativas

(Bandura, 1973). Uma técnica consiste em tornar um comportamento desumano pessoal e

socialmente aceitável, definindo-o em termos de altos princípios morais. As pessoas não

realizam atos que normalmente considerem maléficos ou destrutivos, a menos que

justifiquem essas atividades como servidoras de um propósito moral. No decorrer dos anos,

muitas crueldades foram cometidas em nome de princípios religiosos, ideologias sinceras

reguladoras. Comportamentos que o próprio indivíduo censura também podem ser

parcialmente justificados ao serem contrastados com outras desumanidades flagrantes.

Justificativas morais e comparações paliativas são especialmente eficazes porque elas não

somente eliminam barreiras impostas pelo próprio indivíduo, mas também porque empregam

a auto recompensa a serviço de atitudes repreensíveis. O que antes era normalmente

inaceitável se torna uma fonte de orgulho.

Uma prática dissociativa comum é a de ocultar e de distorcer a relação entre as

atitudes e suas conseqüências. As pessoas fazem coisas que normalmente repudiam se

uma autoridade legítima as sancionar e assumir a responsabilidade pelas conseqüências. Ao

lançar a responsabilidade sobre outra pessoa, os participantes não se julgam mais

responsáveis pelo que fazem, e assim não caem em reações de auto proibição. A ausência

de auto censura também pode ser facilitada com a divisão da responsabilidade pelo

comportamento culpável. Através da divisão do trabalho, da divisão da responsabilidade pela

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tomada de decisões e de cooperação, as pessoas podem concorrer em práticas prejudiciais,

sem se sentirem pessoalmente responsáveis ou se auto condenarem.

Um outro recurso utilizado é a atribuição da culpa à vítima. As vítimas são culpadas

por elas próprias incorrerem em maus tratos, ou circunstâncias extraordinárias são evocadas

como justificativas por atitudes questionáveis. Assim, não precisamos nos censurar por

cometermos atos determinados pelas circunstâncias. Um outro método de se amenizar a

auto punição é o de desumanizar a vítima. Fazer mal a pessoas consideradas sub humanas

ou degradadas causa menos auto reprovação do que se elas fossem consideradas seres

humanos dotados de sensibilidade.

Dada a variedade de técnicas autodesinibidoras, uma sociedade não pode depender

exclusivamente do controle pela consciência para garantir um comportamento ético e moral.

Embora o controle pessoal geralmente sirva como uma força auto-diretiva, ele pode ser

invalidado por sanções sociais que levam à destruição. A doutrinação e as justificativas

sociais dão sentido aos acontecimentos e criam antecipações que determinam o

comportamento. O controle pela informação, que está enraisado em processos cognitivos, é

mais geral e poderoso do que o condicionamento pela contiguidade de eventos. Assim, além

de códigos pessoais benevolentes, o cultivo do humanitarismo requer que o sistema social

contenha salvaguardas que neutralizem práticas sancionadoras prejudiciais e preservem o

comportamento compassivo.

Uma orientação conceitual não apenas determina quais facetas do homem serão

estudadas a fundo, mas também como se empreendem mudanças no comportamento

humano. Por exemplo, as aplicações iniciais dos princípios de reforçamento foram guiadas

pela idéia, então largamente difundida, de que as conseqüências alteram o comportamento

automática e inconscientemente. Uma vez que o processo era supostamente mecânico, para

serem eficazes, os reforçadores tinham que ocorrer imediatamente. Assim, os participantes

dos programas de mudança de comportamento não sabiam por que estavam sendo

reforçados e, num esforço para garantir que os efeitos fossem imediatos, os reforçadores

eram introduzidos assim que as respostas requisitadas eram emitidas. O efeito geral foi um

tedioso processo de modelagem que produziu, na melhor das hipóteses, resultados

medíocres de modo eticamente questionável. Em muitos círculos públicos e profissionais, o

reforçamento ainda implica num controle sub-reptício, muito embora a teoria e as práticas do

reforçamento tenham se desenvolvido muito além desse nível.

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A compreensão de que o reforçamento é um modo desarticulado de indicar condutas

apropriadas levou ao uso de fatores cognitivos na modificação do comportamento. Não é de

surpreender que as pessoas mudem mais rapidamente se lhes forem dito quais

comportamentos são passíveis de recompensa e quais são passíveis de punição, do que se

tiverem que descobri-los observando as conseqüências de seus atos. Capacidades que não

fazem parte de seu repertório podem ser desenvolvidas com muito mais facilidade com a

ajuda de instrução e modelação do que pela confiança única e exclusiva nos sucessos e

fracassos de um desempenho não orientado.

À medida em que pesquisas posteriores revelaram que os reforçadores funcionam

como motivadores, reconheceu-se que as conseqüências servem como fontes de motivação

que, para sua eficácia, dependem amplamente das preferências por certos estímulos por

parte daqueles que estão se submetendo à mudança. Portanto, as pessoas não absorvem

indiscriminadamente as influências que incidem sobre elas. As conseqüências de certos atos

não necessariamente ocorrem de imediato. Os homens sabem reduzir cognitivamente

atrasos entre o comportamento e os reforçadores subseqüentes, sem com isso reduzir a

eficácia das estimulações.

Neste segundo estágio evolutivo, as práticas de reforçamento passaram do controle

unilateral ao contrato social. Acordos positivos atestam que, se as pessoas fizerem certas

coisas, elas terão direito a certas recompensas e privilégios. No caso de sanções negativas,

condutas repreensíveis levam à punições. O processo é definido em termos de reforçamento,

mas a prática é a da relação social. A maioria das interações sociais é governada por

acordos condicionais, embora geralmente não sejam expressas em termos de reforçamento.

Entretanto, descrevê-las de um outro modo não altera a sua natureza.

Refletindo os valores mais importantes da nossa sociedade, as práticas de

reforçamento tradicionalmente favorecem formas utilitárias de comportamento . Mas a

situação está mudando. Com a crescente reticência quanto a estilos de vida materialistas, as

práticas reforçadoras estão sendo cada vez mais usadas para desenvolver potencialidades

pessoais e qualidades humanistas. Essas novas mudanças no compromisso com valores

provavelmente ocorrerão mais rapidamente na medida em que as pessoas dedicarem

menos horas ao trabalho visando a obtenção de renda e mais tempo ao lazer para o auto

enriquecimento.

Outra mudança de certa importância é a renovada preocupação com os direitos

individuais. As pessoas buscam um papel de colaboração no desenvolvimento de

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contingências sociais que afetem o curso e a qualidade de suas vidas. Como parte dessa

tendência social, até as atitudes tomadas em nome da psicoterapia estão sendo examinadas

quanto a sua ética e seus propósitos sociais. Essas preocupações deram impacto a

prescrições que garantam que as técnicas de reforçamento sejam usadas a serviço do

desenvolvimento humano e não como instrumentos de controle social.

Um assunto também intimamente ligado a isso é a relativa atenção dedicada a

questões de mudar pessoas ou alterar instituições sociais para enriquecer a vida. Se os

psicólogos quiserem ter um impacto significativo nos problemas comuns da vida, eles devem

aplicar suas medidas corretivas às práticas sociais prejudiciais, ao invés de se limitarem a

tratar as vítimas de tais práticas. É claro que é mais fácil falar do que fazer isso. Os

profissionais, quaisquer que sejam suas especialidades, são mais fortemente reforçados por

usarem seus conhecimentos e suas habilidades a serviço de operações existentes do que

para mudá-las.

Os métodos de mudança do comportamento discutidos até aqui recaíam sobre as

conseqüências externas das ações. A evidência de que as pessoas podem exercer algum

controle sobre seu próprio comportamento incentivou mais mudanças ainda nas práticas de

reforçamento. O interesse começou a transferir-se de controlar o comportamento para o

desenvolver a capacidade de auto governo. Nesta última visão, o controle é transferido em

grande parte para as mãos das próprias pessoas: elas arranjam o incentivo ambiental para

um comportamento desejado; elas avaliam seu próprio desempenho e servem como seus

próprios agentes reforçadores (Goldfried e Merbaum, 1973; Mahoney e Thorensen, 1974).

Certamente as funções auto reforçadoras são criadas e ocasionalmente mantidas por

influências externas. Mas o fato de terem uma origem externa não anula o fato de que, uma

vez estabelecida, a auto influência determina em grande parte que atitudes uma pessoa

tomará.

O reconhecimento das capacidades auto governantes representa um avanço

substancial da dependência exclusiva do controle ambiental. Mas essas práticas auto

influenciadoras que estão surgindo ainda estão profundamente enraizadas em transações

físicas - as conseqüências auto aplicadas são, na maioria das vezes, materiais. Mudanças na

forma e na fonte do reforçamento tendem a aparecer na medida em que a deficiência de

conseqüências materiais for reconhecida. A maioria das pessoas valoriza seu amor-próprio

acima de bens materiais. Elas se baseiam largamente em suas próprias auto exigências e

em sua auto aprovação como guias para seu comportamento. Ignorar o papel importante do

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auto reforçamento encoberto na regulação do comportamento é rejeitar uma capacidade

exclusivamente humana.

Aqueles que reconhecem apenas as conseqüências externas limitam suas pesquisas

e práticas dessas influências e assim, acabam por conseguir evidências que reforçam suas

concepções. Aqueles que também reconhecem as influências pessoais tendem a escolher

métodos que revelem e desenvolvam as capacidades de auto governo do homem. A visão

do homem contida nas tecnologias behavioristas é, portanto, mais do que simplesmente uma

questão fisosófica. Ela afeta quais potencialidades serão cultivadas e quais serão

esquecidas.

Nossas teorias custaram muito a reconhecer que o homem pode aprender através da

observação, tanto quanto pela experiência direta. Este é um outro exemplo de o quanto um

forte apego a paradigmas ortodoxos torna difícil uma transcendência dos limites do

compromisso conceitual. Tendo relegado os determinantes cognitivos, os primeiros

behavioristas propuseram a idéia de que a aprendizagem só pode ocorrer quando

apresentamos respostas e experimentamos seus efeitos. Essa herança ainda está muito

conosco. A forma rudimentar de aprendizagem baseada na experiência direta foi

exaustivamente estudada, enquanto que a aprendizagem observacional, um aprendizado

mais profundo e mais forte, foi amplamente ignorado.

A capacidade de representar simbolicamente atividades moldadas permite ao homem

adquirir novos padrões de comportamento através da observação sem desempenho

reforçado. Ao observarmos o comportamento de outras pessoas, formamos uma idéia sobre

como um certo comportamento é apresentado e em ocasiões futuras usaremos essa

informação como um guia para a nosa própria conduta. Na verdade, pesquisas conduzidas

segundo os princípios da teoria da aprendizagem social mostram que virtualmente, todos os

fenômenos provenientes da experiência direta podem ocorrer numa base vicária pela

observação do comportamento de outras pessoas e de suas conseqüências (Bandura,

1969). A modelação elimina o tempo perdido com o desempenho de respostas

inapropriadas. Uma vez que erros podem causar conseqüências sérias, senão fatais, as

perspectivas de sobrevivência seriam mínimas se as pessoas tivessem que contar apenas

com os resultados de suas próprias ações para informá-las quanto ao que fazer.

Além de fornecer padrões de respostas específicas, as influências adquiridas com a

modelação podem gerar um comportamento produtivo e inovador. Nesse último processo, os

observadores extraem aspectos comuns de várias respostas aparentes e formulam regras

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gerais de comportamento que lhes permite ir além do que já viram ou ouviram. Pela síntese

de aspectos de diferentes modelos, em novos amálgamas, os observadores podem adquirir,

pela modelação, novos estilos de pensamento e ação. Uma vez iniciadas, as experiências

com esses novos padrões propiciam mudanças evolutivas posteriores. O que era um

pequeno distanciamento da tradição finalmente se torna uma nova visão.

A idéia equivocada de que a modelação produz simplesmente mimetizações de ações

específicas é contestada pela crescente evidência de que a observação de modelos

abstratos é um meio altamente eficaz de se chegar a um comportamento cognitivo de

autogoverno (Bandura, 1971c; Zimmerman e Rosenthal, 1974). Baseadas em regras

extraídas das observações, as pessoas mudam seus juízos de valor, seus esquemas

conceituais, seus estilos lingüísticos, suas estratégias de processamento de informação e

outras formas de funcionamento cognitivo. Contudo, avaliações equivocadas continuam a ser

tomadas como pontos vulneráveis da teoria.

Nos últimos anos, a aprendizagem observacional tornou-se mais amplamente aceita,

mas alguns teóricos só querem dar-lhe respeitabilidade científica se ela for reduzida ao

desempenho. Como conseqüência, são usados paradigmas de comportamento que estão

enraizados na premissa tradicional de que as respostas devem ser apresentadas antes de

serem aprendidas. A reprodução instantânea de respostas observadas é favorecida,

diminuindo assim o papel de funções cognitivas que têm atuação extremamente importante

quando se trata de reter as respostas durante um período de tempo mais longo.

Quando a aprendizagem é estudada através da modelação, uma gama maior

de determinantes e mecanismos intervenientes ganha importância. A aprendizagem

observacional é governada por quatro processos: (a) as funções de atenção regulam a

entrada sensorial dos estímulos e a percepção da ação a ser modelada; (b) através da

codificação e de ensaios simbólicos, as experiências transitórias são transformadas, para

efeito de representação na memória, em guias duradouros do comportamento; (c) processos

de reprodução motora integram atos constitutivos em novos padrões de resposta; e (d)

processos de incentivo e motivação determinam se as respostas adquiridas pela observação

serão postas em prática. Estudada sob esta perspectiva, o aprendizado observacional

aparece, não como um processo mecânico de reprodução, mas sim como um processo

construtivo que envolve o julgamento.

Uma vez que a aprendizagem observacional envolve uma série de subfunções que se

desenvolvem com a maturidade e a experiência, obviamente ela depende de um

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desenvolvimento prévio. Diferenças em perspectivas teóricas determinam diferentes

metodologias para o estudo de como a capacidade de aprendizagem observacional é

adquirida. Quando a modelação é definida em termos de formação de cadeias estímulo-

resposta, os esforços visam aumentar a probabilidade de respostas imitativas através do

reforçamento. A modelação pode ser fortalecida, recompensando-se comportamentos

semelhantes, mas essas demonstrações não ajudam muito na identificação precisa do que

está sendo adquirido durante o processo, ou na explicação de falhas na imitação sob

condições favoráveis de reforçamento. Do ponto de vista da aprendizagem social, a

capacidade para a aprendizagem observacional é desenvolvida através da aquisição de

habilidades de observação discriminativa de codificação da memória, da coordenação dos

sistemas ideomotor e sensoriomotor e da avaliação das prováveis conseqüências para um

comportamento semelhante. Entender como as pessoas aprendem a imitar passa a ser

entender como as devidas subfunções se desenvolvem e operam.

No decorrer dos anos, defensores das formas mais radicais do behaviorismo não só

não se interessaram por processos mentais, como também enumeraram uma série de

razões pelas quais os eventos cognitivos são inadmissíveis em análises causais. Disseram, e

ainda dizem, que as cognições são inacessíveis, a não ser através de auto relatos pouco

confiáveis, que elas são inferências a partir de efeitos, que são epifenomenais ou que são

simples menteficcionais. Diziam que os progressos na análise experimental do

comportamento iriam finalmente mostrar a sua inutilidade. As evidências, entretanto, provam

exatamente o contrário. Existe agora um vasto campo de pesquisa no qual a cognição é

ativada instrucionalmente com resultados impressionantes. As pessoas aprendem e fixam

melhor com auxílios cognitivos do que através da repetição de ações reforçadoras (Anderson

e Bower, 1973; Bandura, 1971c). À medida em que aumentam os dados indicando que a

cognição tem uma influência causal sobre o comportamento, os argumentos contra os

determinantes cognitivos estão perdendo sua força.

Os últimos avanços transferiram a ênfase do estudo da aprendizagem de respostas

para a análise da memória e da cognição. Através desse esforço, obtivemos uma melhor

compreensão dos mecanismos pelos quais a informação é adquirida, arquivada e

recuperada. Porém, o aprendizado envolve muito mais do que somente a aquisição e fixação

de informações. As teorias behavioristas se dirigiram para o comportamento, mas ignoraram

determinantes internos, enquanto que as abordagens cognitivas ficavam imersas no

pensamento, mas dissociadas do comportamento. Num estudo completo do comportamento

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humano, os processos internos devem estar ligados às ações. Assim, explicações de como a

informação resulta em atos capazes devem ainda se preocupar com a organização e a

regulação do comportamento. A aprendizagem social engloba tanto os processos internos do

organismo quanto os determinantes relativos às ações.

Especulações sobre a natureza humana inevitavelmente levantam questões

fundamentais sobre o determinismo e a liberdade humana. Ao examinarmos essas questões,

é fundamental fazermos uma distribuição entre os aspectos metafísicos e os aspectos

sociais da liberdade.

Consideremos primeiramente a liberdade no sentido social. Considerar a liberdade

uma ilusão, como alguns escritores afirmam, ou uma realidade social de considerável

importância, depende de como a interpretamos. Dentro da perspectiva da aprendizagem

social, a liberdade é definida em termos do número de opções à disposição das pessoas e

do seu direito de exercê-las. Quanto mais alternativas de comportamento e prerrogativas

sociais as pessoas têm, maior é a liberdade de ação.

A liberdade pessoal pode ser limitada de vários modos. Deficiências comportamentais

restringem as possibilidades de escolha e assim reduzem as oportunidades de realizarmos

nossas preferências. Deste modo, a liberdade pode ser ampliada cultivando-se

competências. Auto-repressões que provém de temores injustificados e a autocensura

severa restringem a gama de atividades que o indivíduo pode exercer ou até almejar. Neste

caso, a liberdade é restabelecida com a eliminação das auto-repressões disfuncionais.

Para maximizar a liberdade, uma sociedade deve estabelecer certos limites ao

comportamento, uma vez que a licença total por parte de um indivíduo certamente esbarrará

na liberdade de outro. Proibições sociais contra comportamentos que são socialmente

prejudiciais criam restrições adicionais ao comportamento. Os conflitos quanto a restrições

do comportamento geralmente surgem quando vários membros de uma sociedade

questionam as práticas convencionais e quando sanções legais são usadas mais para

fortalecer um certo tipo de moralidade do que para proibir comportamentos que sejam

socialmente prejudiciais.

Deixar que os indivíduos se envolvam em atividades que são prejudiciais para eles

próprios, mas não para a sociedade, é uma questão que tem sido amplamente discutida nos

últimos anos. Aqueles que são contra essa posição, alegam que é difícil uma pessoa, que

não viva reclusa, prejudicar a si mesma sem prejudicar outras. Se estas atividades levarem a

incapacidades, a sociedade acabará por sustentar o seu tratamento e a sua subsistência. Os

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que são à favor não acham que esta alegação seja suficientemente convincente para

justificar uma proibição específica, já que algumas das atividades prejudiciais que a

sociedade aprova são tão nocivas, ou piores, do que aquelas que ela proíbe. As mudanças

normativas referentes ao comportamento individual têm tendido a favorecer uma ética

individualista. Conseqüentemente, muitas atividades que eram proibidas por lei estão isentas

de sanções legais.

Alguns grupos têm a sua liberdade cerceada por discriminações socialmente aceitas.

Neste caso, as alternativas de uma pessoa são limitadas pela cor da pele, pelo sexo, pela

religião, pelo passado étnico, ou pela classe social, independentemente das suas

capacidades. Quando a autodeterminação é prejudicialmente restringida, aqueles que sofrem

essas restrições eliminam as injustiças mudando as práticas que comprometem ou

contemporizam os ditos valores da sociedade.

A liberdade tem a ver tanto com direitos, quanto com opções e restrições do

comportamento. A luta do homem pela liberdade visa principalmente a estruturação de

contingências sociais a fim de que certas condutas sejam isentas de controle aversivo.

Depois que leis protetoras são implantadas no sistema, existem certas coisas que uma

sociedade não pode fazer a um indivíduo, não importa o quanto queira. As proibições legais

ao controle social geram liberdades que são realidades, não apenas sentimentos ou estados

de espírito. As sociedades diferem umas das outras nas suas instituições de liberdade e no

número e tipos de condutas que são oficialmente isentos de controle punitivo. Por exemplo,

sistemas sociais que protegem jornalistas de controle punitivo são mais livres do que aqueles

que permitem que o poder autoritário seja usado para silenciar suas críticas ou seus veículos

de comunicação. As sociedades que possuem um sistema judiciário independente garantem

mais liberdade social do que aquelas que não possuem.

Nos discursos filosóficos, a liberdade é freqüentemente considerada como a antítese

do determinismo. Quando definidos em termos de opções e direitos, não há qualquer

incompatibilidade entre a liberdade e o determinismo. Segundo esta perspectiva, a liberdade

não é definida negativamente como a ausência de influências ou simplesmente como a falta

de restrições externas. Ao contrário, ela é definida positivamente em termos das habilidades

que uma pessoa possui sob seu controle e do exercício de auto-influência da qual a

liberdade de escolha dependem.

Análises psicológicas de liberdade levam, em última instância, a discursos sobre a

metafísica do determinismo. Será que as pessoas são determinantes parciais do seu próprio

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comportamento, ou será que elas são dirigidas exclusivamente por forças alheias ao seu

controle? A antiga polêmica sobre esta questão foi revivida pela alegação de Skinner (1971)

de que, afora as contribuições genéticas, o comportamento humano é controlado

exclusivamente por contingências ambientais. Por exemplo, “uma pessoa não age sobre o

mundo. O mundo é que age sobre ela” (p.211). O maior problema desse tipo de análise é

que ela trata o meio-ambiente como uma força autônoma que automaticamente modela e

controla o comportamento. O meio tem causas tanto quanto o comportamento. Geralmente,

o meio ambiente é apenas uma potencialidade até que seja efetivado e informado por ações

apropriadas. Os livros não influenciam ninguém, a menos que alguém os escreva e outros os

escolham e os leiam. Recompensas e punições ficam ao nível das potencialidades até que

ações apropriadas as efetivem. É verdade que o comportamento é regulado por suas

conseqüências, mas as contingências são, em parte, criação da própria pessoa. Através dos

seus atos, as pessoas exercem um papel ativo na produção de contingências reforçadoras.

Assim, o comportamento, em parte, cria o meio e o meio influencia o comportamento,

reciprocamente. À famosa expressão, mudam-se as contingências e muda-se o

comportamento, deveria ser acrescentada a recíproca, muda-se o comportamento e mudam-

se as contingências.

A imagem de eficácia do homem, que provém da pesquisa psicológica, depende de

qual aspecto do sistema de controle recíproco decidimos analisar. No paradigma que

favorece o controle ambiental, os pesquisadores analisam como o meio altera o

comportamento [C=f(M)]. Por outro lado, o paradigma do controle pessoal examina como o

comportamento determina o meio [M=f( C)]. No primeiro caso, o comportamento é o efeito e

no segundo, a causa. Embora as fontes recíprocas de influências possam ser separadas

para fins experimentais, no dia-a-dia o controle de ambas as operações se dá

concomitantemente. Em intercâmbios contínuos, o mesmo evento pode assim ser um

estímulo, uma resposta, ou um reforçador ambiental, dependendo do lugar na seqüência

onde decidamos começar a análise.

Uma pesquisa da literatura sobre o reforçamento confirma até que ponto nos

aprisionamos a um paradigma unilateral para representar um processo bilateral. O controle

ambiental é exageradamente estudado, enquanto que o controle pessoal tem sido

relativamente ignorado. Para citar apenas um exemplo, existem inumeráveis demonstrações

de como o comportamento varia sob diferentes padrões de reforçamento, mas não existem

quase estudos sobre como as pessoas, individual ou coletivamente, conseguem dar forma

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aos padrões de reforçamento segundo seu próprio gosto. A escassez de pesquisas sobre

controle pessoal se dá, não porque as pessoas não exerçam influência sobre o seu meio ou

porque esses esforços sejam infrutíferos. Muito pelo contrário, o comportamento é um dos

determinantes mais importantes das futuras contingências. Como revelam as análises de

intercâmbio seqüenciais, indivíduos agressivos, através de sua conduta, transformam o meio

em que vivem num meio hostil, enquanto aqueles que demonstram uma resposta favorável,

produzem um meio agradável, dadas as mesmas condições (Raush, 1965). Todos

conhecemos indivíduos problemáticos que, com seu comportamento hostil, instalam um

clima social negativo por onde passam.

Deve-se salientar que, algumas doutrinas que atribuem um controle proeminente no

meio ambiente, em última instância, fazem uma ressalva ao reconhecerem que o homem

pode exercer um certo grau de contra controle (Skinner, 1971). O conceito de interação

recíproca, entretanto, vai muito além da idéia do contra controle. O contra controle mostra o

meio ambiente como uma força instigante à qual os indivíduos reagem. Como já vimos, as

pessoas efetivam e criam o meio assim como o rejeitam.

As pessoas podem ser consideradas parcialmente livres, na medida em que podem

influenciar as condições futuras, dirigindo o seu próprio comportamento. Embora a escolha

de certas atitudes seja determinada pelas alternativas existentes, os indivíduos podem

exercer algum controle sobre os fatores que governam suas escolhas. Nas análises

filosóficas, todos os eventos podem ser submetidos a uma cadeia infinita de causas. Estas

discussões geralmente enfatizam o modo como as ações humanas são determinadas por

condições prévias, mas ignoram a parte recíproca do processo que mostra que as próprias

condições são, em parte, determinadas pelas ações prévias do homem. As aplicações de

práticas de auto controle demonstram que as pessoas são capazes de dirigir seu próprio

comportamento como as convier, dispondo das condições ambientais que mais seguramente

o principiem e administrando conseqüências auto-reforçadoras que o sustentem. Elas podem

receber instruções de como fazê-lo e algum apoio externo inicial pelo seu esforço, mas as

influências que elas mesmas produzem contribuem significativamente para a obtenção de

seus objetivos futuros.

Alegar, como os deterministas ambientais fazem, que as pessoas são controladas por

forças externas e assim postular que elas reorganizam a sociedade aplicando a tecnologia

comportamental arruina a premissa básica do argumento. Se os seres humanos fossem de

fato incapazes de influenciar suas próprias ações, eles poderiam descrever e prever eventos

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ambientais, mas dificilmente poderiam exercer qualquer controle intencional sobre eles. No

que se refere à defesa da mudança social, entretanto, deterministas ambientais radicais

tornam-se defensores fervorosos do poder do homem de transformar o meio na busca de

uma vida melhor.

Nas análises causais retrospectivas, as condições são geralmente mostradas como

dirigindo o homem, enquanto que projeções de análises deterministas do estabelecimento e

obtenção dos objetivos revelam que as pessoas podem alterar as condições segundo seus

propósitos. Algumas fazem isso melhor do que outras. Quanto maior a sua antecipação, a

sua proficiência e a sua auto-influência, maior será o progresso na direção de seu objetivo.

Devido à capacidade de influência recíproca, as pessoas, ao menos parcialmente, modelam

seus destinos. Não é o determinismo que está em questão, mas o fato dele ser tratado como

um processo de controle unívoco ou biunívoco. Considerando-se a interdependência do

comportamento e das condições ambientais, o determinismo não satisfaz a visão fatalista de

que o homem é somente um objeto de influências externas.

As perspectivas psicológicas do determinismo, como outros aspectos teóricos,

influenciam a natureza e o alcance da prática social. Os deterministas ambientais tendem a

usar seus métodos basicamente a serviço de padrões de comportamento institucionalmente

recomendados. Os deterministas pessoais têm mais tendência a cultivar as potencialidades

de autogoverno do homem. Esta última perspectiva behaviorista tem muito em comum com o

humanismo. Os teóricos do behaviorismo, entretanto, reconhecem que a “auto-realização”

não está de modo algum confinada às virtudes humanas. As pessoas possuem inúmeras

potencialidades que podem ser realizadas para o bem ou para o mal. No decorrer dos anos,

os homens têm sofrido consideravelmente nas mãos de tiranos auto-realizados. Assim, uma

ética egocêntrica de auto-realização deve ser temperada com uma preocupação com as

conseqüências sociais do comportamento. Os behavioristas geralmente enfatizam as fontes

de controle ambientais, enquanto os humanistas tendem a restringir seus interesses ao

controle pessoal. A aprendizagem social engloba ambos os aspectos desse processo de

influência biunívoco.

Quando o meio-ambiente é considerado como um determinante influenciável, dá-se

menos valor às qualidades humanas dignificantes e às suas realizações. Se a inventividade

deriva de circunstâncias externas, devia-se creditar ao meio-ambiente os sucessos das

pessoas e responsabilizá-lo pelos seus fracassos ou desumanidades. Em contraposição à

visão unilateral, as realizações dos homens resultam da interação recíproca das

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circunstâncias externas, com uma enorme variedade de determinantes pessoais, incluindo

potencialidades naturais, competências adquiridas, ponderação e um alto nível de auto-

iniciativa.

Os compositores, por exemplo, ajudam a formar os gostos musicais com seus

esforços criativos e o público, por sua vez, prestigia suas apresentações até que

representantes de um novo estilo criem novas preferências por parte do público. Todas as

formas de arte subseqüentes resultam de um processo biunívoco semelhante, pelo qual nem

os artistas nem as circunstâncias são responsáveis isoladamente.

Realizações superiores em qualquer campo requerem considerável autodisciplina.

Depois que os indivíduos adotam padrões avaliativos, eles dedicam muito tempo a melhorar

o seu desempenho até que sejam satisfeitas suas próprias exigências. Neste nível de

atuação, a persistência está amplamente sob o controle do auto-reforçamento. As

habilidades são aperfeiçoadas, tanto para a auto-satisfação, quanto para satisfazer às outras

pessoas.

Sem influências autoproduzidas seria difícil manter a maioria dos esforços inovadores.

Isto se dá devido ao fato de que, a princípio, o não convencional é rejeitado, e só é aceito à

medida em que prova ser funcionalmente útil e ganha defensores de prestígios. Como

resultado, os primeiros esforços dos inovadores são rejeitados e não são recompensados

nem reconhecidos. Na história dos esforços criativos, é comum artistas e compositores

serem desprezados quando se distanciam muito do convencional. Alguns ganham

reconhecimento mais tarde em suas carreiras. Outros estão tão convencidos do valor de seu

trabalho que trabalham incansavelmente durante toda a vida. Os avanços ideológicos e

tecnológicos, em menor proporção, seguem um curso semelhante. A maioria dos esforços

inovadores recebe algum apoio nos estágios iniciais, mas as condições ambientais por si só

não são especialmente favoráveis a desenvolvimentos não convencionais.

A ação da influência recíproca também criou uma preocupação geral de que os

progressos no campo da psicologia levarão a um aumento na manipulação e no controle das

pessoas. Uma resposta comum a essas apreensões é afirmar que todo comportamento é

inevitavelmente controlado. Assim, as influências sociais não dizem respeito ao

estabelecimento de controle onde antes não havia nenhum. Este tipo de argumento é válido

no sentido de que toda a ação tem uma causa. Mas não é o princípio da causalidade que

preocupa as pessoas. No nível social, suas apreensões se concentram na distribuição do

poder de controle, nos meios usados, nos propósitos para os quais serão usados, e na

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existência de mecanismos com capacidade de exercer controle recíproco sobre práticas

institucionais. No nível individual, elas estão apreensivas com as implicações da psicoterapia

na programação das relações humanas.

Possíveis saídas para o uso exploratório das técnicas psicológicas são geralmente

discutidas em termos de salvaguardas individuais. Um maior conhecimento sobre os modos

de influência é proposto como a melhor defesa contra manipulações. Quando as pessoas

sabem de que modo o comportamento pode ser controlado, elas tendem a resistir às

tentativas evidentes de influência, tornando assim a manipulação mais difícil. Esse

conhecimento por si só, entretanto, é de pouca utilidade.

Já foi possível impedir esse tipo de exploração antes mesmo que existisse a disciplina

da psicologia para formular princípios e práticas de mudança do comportamento. A mais

segura fonte de oposição ao controle manipulativo encontra-se nas conseqüências

recíprocas das interações humanas. As pessoas resistem à exploração e continuarão a

resistir no futuro, porque a aceitação produz conseqüências desfavoráveis para elas.

Tentativas sofisticadas de influência de modo algum reduzem a relutância em ceder ao que é

pessoalmente prejudicial. Devido às conseqüências recíprocas, ninguém é capaz de

manipular os outros indiscriminadamente e todos vivenciam algum sentimento de importância

quando se trata de conseguir o que querem. Isto acontece em todos os níveis de atuação,

quer individual, quer coletivo. Os pais não conseguem que os filhos façam tudo o que eles

querem e os filhos, por sua vez, sentem-se impelidos pelos pais de fazer o que eles próprios

desejam. Nas universidades, os administradores, o corpo docente, os alunos e ex-alunos,

todos acham que os outros grupos têm excessiva influência na promoção de seus interesses,

mas que seus próprios grupos não têm poder suficiente para alterar as práticas institucionais.

Na arena política, o Congresso acha que o poder executivo tem poder demasiado e o

executivo, por sua vez, acha que suas iniciativas de implementação de suas políticas são

frustradas por ações contrárias do Congresso.

Se a proteção contra a exploração contasse apenas com as salvaguardas individuais,

as pessoas continuariam sujeitas a pressões coercitivas. Deste modo, elas criam sanções

institucionais que impõem limites ao controle do comportamento humano. A integridade dos

indivíduos é garantida em grande parte por salvaguardas sociais que restringem práticas

impróprias e incentivam a reciprocidade através do equilíbrio de interesses.

O fato de os indivíduos estarem familiarizados com as técnicas psicológicas não lhes

permite usá-las com os outros. Por exemplo, os industriais sabem perfeitamente bem que a

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produtividade é maior quando os trabalhadores são pagos pelo trabalho produzido do que

pelo tempo de trabalho. Entretanto, eles não podem usar o sistema de reforçamento mais

vantajoso para eles. Quando os industriais possuíam autoridade exclusiva, eles pagavam aos

trabalhadores por peça. A disparidade do poder entre os empregadores e os empregados

resultou num enfraquecimento gradual dos níveis de produção. À medida em que o

trabalhismo adquiriu força econômica de persuazão através da ação coletiva, foi possível

negociar salários garantidos primeiramente em termos diários, depois semanais e mensais, e

finalmente anuais. De tempos em tempos, novas contingências contratuais mutuamente

aceitas são adotadas. Com o passar do tempo, a medida em que melhores meios de ação

conjunta foram desenvolvidos, outros grupos usarão sua influência para modificar acordos

que beneficiam certos setores da indústria e do trabalho, mas que afetam de modo negativo

a qualidade de vida de outros setores da sociedade.

Como o exemplo anterior demonstra, um maior conhecimento de como influenciar o

comportamento não eleva necessariamente o nível de controle social. Ao contrário, nos

últimos anos, testemunhamos uma difusão do poder, criando maiores oportunidades para

influências recíprocas. Isto permitiu às pessoas contestar injustiças sociais, provocar

mudanças nas práticas institucionais, reagir contra violações dos seus direitos e aumentar as

queixas e processos legais contra contextos sociais que até então operavam sob controle

unilateral. O fato de mais pessoas exercerem o poder por si não garante uma sociedade

mais justa. Numa análise final, a consideração importante refere-se a que propósitos o poder

serve, não importando de que forma esteja distribuído. Tampouco o conhecimento dos meios

de influência necessariamente produz respostas mecânicas nas relações pessoais.

Quaisquer que sejam suas orientações, as pessoas imitam, exteriorizam e reforçam aquilo

com o que se identificam. Um comportamento resultante do planejamento e do compromisso

não é menos autêntico do que uma ação improvisada.

O clichê de 1984 e seus mais recentes similares desvia a atenção do público das

influências reguladoras que impõem ameaças constantes ao bem estar da humanidade. A

maioria das sociedades instituiu sistemas recíprocos protegidos por códigos legais e sociais

para prevenir o controle ditatorial do comportamento humano. Embora surjam abusos do

poder institucional, não é um governo totalitário que constitui o perigo imediato. Há mais

riscos na busca de proveitos pessoais, quer materiais, quer não, do que no controle pela

coerção. As práticas sociais prejudiciais surgem e resistem a mudanças, mesmo no âmbito

de uma sociedade aberta , quando muitas pessoas delas se beneficiam. Para dar um

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exemplo comum, tratamentos injustos de grupos desprivilegiados com vistas a lucros

particulares têm aceitação geral sem precisarem de um controle despótico.

É claro que o homem tem muito mais contra o que lutar do que somente contra as

desumanidades que cometem entre si. Quando as conseqüências negativas de estilos de

vida que seriam recompensadores se acumulam e não são imediatamente percebidas, as

pessoas se tornam elas próprias agentes de autodestruição. Assim, se várias pessoas se

beneficiam com atividades que progressivamente degradam o seu meio ambiente, elas

acabarão por destruí-lo. Embora os indivíduos contribuam para o problema de modo diverso,

todos sofrerão igualmente as conseqüências prejudiciais. Com o crescimento populacional e

a disseminação de estilos de vida extravagantes, sobrecarregando recursos limitados, as

pessoas terão que aprender a lidar com novas realidades da existência humana.

A psicologia não pode dizer às pessoas como elas devem viver suas vidas. Contudo,

pode dar-lhes meios de operar mudanças sociais e pessoais. E pode ajudá-las nas suas

escolhas de valor avaliando as conseqüências de estilos de vida alternativos e de práticas

institucionais. Como uma ciência preocupada com as conseqüências sociais da sua

aplicação, a psicologia deve também cumprir ainda uma obrigação maior para com a

sociedade, fazendo com que as influências se enquadrem no sistema público de modo a

garantir que suas descobertas sejam usadas a serviço do bem da humanidade.

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QUESTÕES SOBRE O TEXTO DE BANDURA 1) Quais as funções das conseqüências do comportamento? 2) As relações entre as conseqüências diretas e as conseqüências observadas podem ser

incongruentes. Como isso acontece e quais as conseqüências? 3) Que mecanismos as pessoas utilizam para manter o auto-reforçamento? 4) Que mudanças estão sofrendo as práticas reforçadoras? 5) Em que consiste o auto-governo? 6) Quais as vantagens da modelação?