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Page 1: A Supervisão na Escola -coordenadores

A Supervisão na Escola – o papel do gestor intermédio

Ana Margarida PenhaProfessora do 3º ciclo

Mestranda em Supervisão e Coordenação da Educação

Resumo: o interesse pela supervisão surge entre nós numa fase relativamente recente e, ainda assim, bastante limitado, sobretudo inicialmente, ao acompanhamento de estágios de formação inicial de professores. No entanto, alterações recentes na legislação que regula o Estatuto da Carreira Docente, a Avaliação de Desempenho do Pessoal Docente e as propostas de alteração ao Regime de Autonomia e Gestão das Escolas vêm colocar em relevo as funções supervisivas, nomeadamente ao nível das estruturas de gestão intermédia, funções essas que não faziam parte do quotidiano das escolas e não têm sido objecto de estudos aprofundados entre nós.

Palavras-chave: supervisão; gestão intermédia; escola reflexiva; desenvolvimento profissional

“ Os supervisores do ensino terão que ir ao baile e conduzir a dança”

Harris (2002, p.197)

Introdução:

Embora tradicionalmente a noção de supervisão educativa em Portugal tenha

estado ligada quer à formação inicial de professores, quer à função de carácter inspectivo

realizada por elementos exteriores à escola, alterações recente ao Estatuto da Carreira

Docente, à Avaliação de Desempenho dos Professores Auto-avaliação e Avaliação

Externa das escolas e até a proposta de alteração ao regime de gestão dos

estabelecimentos de ensino e sua autonomia, vieram colocar em relevo as funções de

liderança ou gestão intermédia. Este nível intermédio de gestão, no que respeita à

supervisão educativa engloba funções que, embora já contempladas em normativos

anteriores, não estavam presentes nas práticas quotidianas das escolas nem

tradicionalmente documentadas em estudos efectuados entre nós.

Neste sentido, é nosso propósito proceder a uma curta análise da literatura

relativa à supervisão a nível da escola, em especial no que concerne às funções a nível

da referida gestão intermédia. Assim, procuraremos numa primeira fase estabelecer a

evolução do conceito de supervisão entre nós, para posteriormente analisarmos as

tendências emergentes e suas potencialidades para o desenvolvimento dos professores,

das organizações escolares e da qualidade do ensino.

A evolução do conceito de supervisão

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O interesse pela supervisão surge, entre nós, numa fase que podemos considerar

recente, sobretudo se comparada com países como os Estados Unidos da América e a

Austrália. Com efeito Alarcão e Tavares referem que a primeira edição, datada de 1987,

da obra Supervisão da Prática Pedagógica. Uma Perspectiva de Desenvolvimento e

Aprendizagem, não suscitou aparentemente grande interesse junto do público num

primeiro momento, tendo no entanto, e posteriormente, vindo a ser progressivamente

procurado de tal forma que se tornou necessária uma 2ª edição. As explicações que os

autores apontam para o facto revelam-nos bastante sobre a evolução que o conceito tem

tido entre nós. Referem que, num primeiro momento, o termo supervisão teria

provocado algumas reacções adversas quer pela sua utilização na esfera educativa, quer

por desconhecimento do conceptualismo que encerra. Na sua opinião a designação

comportava conotações de poder e de formas de relacionamento sócio-profissionais a ele

ligadas pelo que, a sua aceitação relacionada com a formação de professores ou

“orientação da prática pedagógica”, foi um processo gradual e lento e ainda não

completo. Ainda no âmbito da história da supervisão entre nós os autores atribuem a

alteração de interesse e procura pela obra ao facto de os contextos supervisivos, à data da

1ª edição da obra, estarem limitados ao acompanhamento dos estágios de formação

inicial, e de não existir formação em supervisão, situação que se alterou profundamente

nos anos 90 com a criação de cursos de mestrado, de formação especializada, pós-

graduada, de doutoramentos e mesmo a publicação de livros e artigos científicos,

considerando que os portugueses distinguem hoje os dois sentidos do termo: a função de

fiscalização e superintendência, e a ideia de acompanhamento do processo formativo.

Os investigadores portugueses contribuíram para desenvolver quadros de referência

próprios, apesar de influenciados pelos contextos do mundo anglo-saxónico, mas

contextualizando-os à realidade portuguesa. A conceptualização sobre supervisão e a sua

prática estendeu-se então a outras áreas profissionais, com destaque para a formação em

enfermagem, e o tema conheceu um grande desenvolvimento que acompanhou as

abordagens de formação de professores, e ganhou também relevância no que respeita aos

processos de desenvolvimento profissional, adquirindo uma dimensão reflexiva e auto-

formativa e de investigação das próprias práticas de cada um. Assim, para os autores, e

neste prefácio à segunda edição da obra, “a supervisão é uma actividade que visa o

desenvolvimento e a aprendizagem dos profissionais”(Alarcão e Tavares, 2003, pp. 3-6).

Por outro lado, as mudanças ocorridas na sociedade no sentido de uma maior

complexidade e heterogeneidade tiveram reflexos na escola e nas actuações dos seus

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profissionais – professores e outros agentes. À semelhança do que sucede actualmente

em várias outras profissões, a actuação do professor tem de ser realizado em equipa, e o

seu saber profissional deverá emergir do diálogo com os outros e através da adopção de

objectivos comuns. Assim, o individualismo que tem caracterizado a profissão deverá

ser abandonado, e a aprendizagem e desenvolvimento profissional deverá ser

estabelecido com base na partilha, no confronto com os outros, e no contexto

profissional.

Ora, como refere Alarcão (2001, p.18): “A supervisão em Portugal tem sido

pensada, sobretudo, por referência ao professor (em formação inicial) e a sua interacção

pedagógica em sala de aula.” No entanto defende que a actual conjuntura implica que a

supervisão adquira também a dimensão colectiva no sentido da melhoria da qualidade

não só na sala de aula, mas em toda a escola. Assim sendo, a autora procede ao que

denomina de uma reconceptualização da supervisão, cujo objectivo passa a considerar

ser “o desenvolvimento qualitativo da organização escola e dos que nela realizam o seu

trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa através de acções individuais e

colectivas, incluindo a formação de novos agentes” (ibidem). Por sua vez, considera que

o supervisor, fruto desta reconceptualização, surge como um “líder ou facilitador” (idem,

p.19) de uma uma escola enquanto comunidade que aprende. A acção deste supervisor,

poderá estender-se desde o nível de integração de novos professores na profissão,

incluindo estagiários, até ao nível do departamento curricular, ou de qualquer outra

comunidade que se constitua com objectivos de desenvolvimento profissional. Dado que

lhe compete “facilitar, liderar ou dinamizar (consoante os casos), comunidades

aprendentes no interior da escola”, (Alarcão, 2002, p.232) e para que possam manter em

equilíbrio a tensão entre as forças opostas – liberdade individual dos profissionais e

organização sistémica – a autora defende que os supervisores terão necessariamente de

conhecer bem o “pensamento institucional estratégico e saber estabelecer as relações

entre reflexão, planificação, acção, avaliação e monitorização. (ibidem)

Quanto às funções de supervisão no contexto actual, e dado que os supervisores

fazem parte de uma equipa na qual colaboram mas cujo responsável último é o gestor, a

autora desdobra aquela que considera a função macroscópica – fomentar ou apoiar

contextos de formação que se traduzam numa melhoria da escola com reflexos no

desenvolvimento profissional dos agentes educativos e na aprendizagem dos alunos –

nas seguintes: a) colaborar no projecto de desenvolvimento da escola; b) colaborar no

processo de auto-avaliação institucional e analisar as suas implicações; c) criar ou apoiar

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condições de formação através da identificação e resolução de problemas específicos da

escola preferencialmente através da metodologia de investigação-acção; d) acompanhar

a formação e integração de novos agentes educativos; e) colaborar no processo de

avaliação de desempenho de professores e funcionários; f) dinamizar atitudes de

avaliação dos processos educativos e dos resultados de aprendizagem dos alunos (idem,

p.233).

Também Oliveira-Formosinho, (2002) considerando que, em vários países

europeus e americanos, e após as fases anteriores de preocupação com a formação inicial

de professores, e posteriormente com a formação contínua, ambas considerando o

professor de forma isolada na sua sala, se assiste ao surgimento da noção de necessidade

de uma formação “centrada na escola”, que vê o professor integrado no seu

departamento, grupo e escola, ou seja, o professor como um actor organizacional, refere

ter chegado o tempo de uma supervisão que se coloca

“(…) em papel de apoio e não de inspecção, de escuta e não de definição prévia, de

colaboração activa em metas acordadas através da contratualização, de envolvimento na acção

educativa quotidiana (através de pesquisa cooperada), de experimentação reflectida através da

acção que procura responder ao problema identificado.” (idem, pp. 12, 13)

A autora sublinha ainda que, uma supervisão assim concebida, não dispõe de

muitos estudos sobretudo em Portugal. Neste âmbito refere a recensão da obra

Handbook of Research on School Supervision editada por Firth e Pajak na editora

MacMillan em 1998, na qual sublinham a possível contribuição da Teoria da

Organizações para o domínio científico da supervisão, e apresentam quatro tendências

na supervisão, que identificaram na obra: i) a deslocação do foco do indivíduo para o

foco do grupo; ii) a deslocação da preocupação com a avaliação e a inspecção para

função de facilitação do desenvolvimento profissional; iii) a deslocação do foco numa

conceptualização micro para uma conceptualização macro do contexto de supervisão e

iv) a ênfase na criação de comunidades de aprendizes ao longo de todo o ciclo de vida,

onde uma supervisão reconceptualizada pode ter um papel central. (idem, p.14)

A Supervisão na escola

A importância da supervisão nas escolas viu-se acrescida com o movimento que

visa promover a autonomia destas instituições. Assim, e como resultado de vários

diplomas legais, abriram-se às escolas as possibilidades de tomarem decisões em vários

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domínios, nomeadamente o estratégico e o pedagógico, no âmbito dos seus projectos

educativos e dos restantes instrumentos de autonomia: Regulamento Interno, Plano

Anual de Actividades, e Projecto Curricular.

Com efeito, e apesar de há cerca de uma década a bibliografia portuguesa sobre

supervisão num âmbito que ultrapassasse a formação inicial e a profissionalização em

serviço parecesse quase inexistente (Oliveira, 2000, p.45), mais recentemente vários

autores passaram a considerar o gestor intermédio da escola como um supervisor. De

facto, a própria legislação (DL nº 115-A/98 e Decreto Regulamentar nº 10/99) sublinha

as responsabilidades das Estruturas de Orientação Educativa enquanto estruturas de

gestão intermédia, definindo as funções dos titulares de cargos de coordenação e

estabelecendo o tipo de formação que os docentes preferencialmente deverão possuir

para o desempenho dessas funções. Assim, ao coordenador de departamento curricular,

o qual deverá possuir, preferencialmente, formação especializada em organização e

desenvolvimento curricular ou em supervisão pedagógica e formação de formadores,

compete entre outras funções: i) promover a troca de experiências e a cooperação entre

todos os docentes que integram o departamento curricular; ii) assegurar a coordenação

das orientações curriculares e dos programas de estudo, promovendo a adequação dos

seus objectivos e conteúdos à situação concreta da escola; iii) promover a articulação

com outras estruturas ou serviços da escola ou do agrupamento de escolas, com vista ao

desenvolvimento de estratégias de diferenciação pedagógica; iv) propor ao conselho

pedagógico o desenvolvimento de componentes curriculares locais e a adopção de

medidas destinadas a melhorar as aprendizagens dos alunos; v) cooperar na elaboração,

desenvolvimento e avaliação dos instrumentos de autonomia da escola ou do

agrupamento de escolas; e vi) promover a realização de actividades de investigação,

reflexão e de estudo, visando a melhoria da qualidade das práticas educativas.

Para Oliveira (idem, pp.46,47), e apesar de, em Portugal, tradicionalmente

circunscrita à formação inicial, a supervisão escolar, “entendida como um processo de

coordenação, apoio e decisão nas áreas pedagógicas, curriculares e de desenvolvimento

profissional” dos professores e outros agentes educativos, enquadra completamente, no

seu domínio, o perfil e o conjunto de competências que o desempenho das funções de

gestor intermédio requer. No seu entender, o desejado desenvolvimento da autonomia

das escolas, passa pela atribuição de poderes de liderança e decisão aos actores

educativos que desempenham funções de gestão intermédia nestas instituições. Estes,

independentemente dos títulos atribuídos aos cargos que desempenham, poderão ser

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considerados supervisores sempre que se envolvam em actividades de acompanhamento

e supervisão de um conjunto de projectos e de actividades, bem como do grupo de

professores que os concretizam, e quando promovem “ o ensino através da assistência

directa a professores, desenvolvimento curricular, formação contínua, desenvolvimento

de grupo e investigação-acção (Glickman, 1985, cit. por Garmston, Lipton e Kaiser,

2002).

O desenvolvimento da autonomia das escolas passa, naturalmente, pela maior

responsabilização desta, nomeadamente no que respeita à qualidade pedagógica do seu

projecto educativo, na observância da conformidade das práticas educativas com esse

mesmo projecto, e na assunção da responsabilidade de formação dos seus actores

educativos, assumindo-se como um contexto de formação. Nesse âmbito, caberá aos

gestores intermédios identificarem, sobretudo a partir do acompanhamento que

efectuam aos colegas, as suas necessidades de formação específicas, e proporcionarem

processos formativos diversos.

Consequentemente, e como anteriormente referido, é hoje reconhecida a

necessidade de uma formação especializada para os docentes aos quais são atribuídos

cargos determinantes para, em colaboração com os órgãos de gestão da escola, se

concretizar o projecto educativo e conseguir a qualidade da escola. A legislação relativa

a este domínio também o reconhece, nomeadamente o Despacho Conjunto nº 198/99,

que estabelece áreas de formação especializada em vários domínios da acção escolar:

educação especial, administração escolar e educacional, animação sociocultural,

orientação educativa, organização e desenvolvimento curricular, supervisão pedagógica

e formação de formadores, entre outras, ao afirmar:

“A afirmação desta escola de qualidade passa necessariamente pelo reforço da

autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino (…) e depende, em grande medida, da

criação de condições para o exercício de tal autonomia, designadamente do domínio da

formação de pessoal docente devidamente qualificado para o exercício de cargos e funções de

administração e gestão das escolas”

(Despacho Conjunto nº 198/99)

Pela análise mais atenta do diploma, designadamente no que respeita aos perfis

de competência dos titulares desses cursos, é possível salientar que lhes são atribuídas,

entre outras, competências de formação, supervisão e avaliação.

As funções dos gestores intermédios requerem pois profissionais com

qualificação e formação adequadas para o desempenho de tarefas de planificação,

organização, liderança, apoio, formação e avaliação que incidem sobre a organização

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escolar com vista à sua qualidade e à consecução conjunta dos seus objectivos. Por

outro lado, de entre as múltiplas funções atribuídas aos actores escolares, aqueles que

têm mais responsabilidades ao nível da coordenação e liderança pedagógica e curricular

(coordenador de ano, ciclo ou curso e estruturas de orientação educativa) e

responsabilidades de acompanhamento e orientação profissional (coordenador de

departamento, delegado de disciplina, e orientador de estágio) desempenharão sempre

cargos com uma vertente de supervisão. (Oliveira, 2000, pp. 49-51).

Novas Tendências na Supervisão

Garmston, Lipton e Kaiser (2002), defendem que, no futuro, o efeito mais

profundo e duradouro da supervisão escolar será dependente da atenção que ela dará ao

crescimento dos indivíduos que fazem parte da organização, e que, deste ponto de vista,

será fundamental a compreensão dos padrões e estádios de desenvolvimento humano.

Tomando por referência diversos estudos que têm por base realidades bastante diversas

da nossa, os autores referem que, a partir da década de 90, durante a qual dominou o

modelo clínico de supervisão, emergiram vários modelos e configurações de supervisão

as quais, embora englobando aspectos do modelo clínico, dele se diferenciaram

sobretudo pelo aparecimento da escolha do professor. Designados por “planos de

crescimento profissional” ou “supervisão para o crescimento” permitem aos professores

fazerem uma selecção a partir de várias opções tais como: supervisão clínica tradicional,

treino de pares, treino cognitivo, investigação-acção, recolha e organização de dados

através de portfolios ou planos de crescimento personalizados, definidos a partir do

contexto. Estes novos modelos têm como enfoque dominante, segundo os autores, o

desenvolvimento do professor, estando em consonância com o trabalho de Adler,

Maslow, Piaget, Erickson, Kohlberg, Kegan e outros no que respeita ao papel

preponderante do crescimento e da mudança na natureza humana.

Embora a nossa realidade tenha sido, até há pouco tempo, e como já referido,

bastante diversa, situando-se o conceito de supervisão ligado quase exclusivamente a

situações de formação inicial e profissionalização em serviço, cremos que, mudanças

recentes quer no Estatuto da Carreira Docente, quer em legislação relativa a diferentes

domínios da organização escolar, bem como o movimento de autonomia, e

consequentemente maior responsabilização das escolas, trará para o nosso quotidiano

necessidades de práticas de supervisão até agora pouco sentidas, pelo que será

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importante analisar, embora com a brevidade que o âmbito deste trabalho exige, estas

novas tendências e o seu potencial.

Assim, os autores estabelecem uma relação entre a supervisão e os estádios de

desenvolvimento do adulto, e ainda entre o desempenho do professor e as fases do seu

desenvolvimento, dado que, o conhecimento das mudanças desenvolvimentais, poderá

fundamentar as decisões acerca das necessidades, preocupações, interesses e

capacidades dos professores em vários momentos do seu desenvolvimento,

possibilitando assim a definição de objectivos profissionais e de programas de

desenvolvimento profissional (Garmston, Lipton e Kaiser, 2002, pp. 62,63).

Com efeito também Garcia (1999, p.60), e numa obra aprofundada sobre

Formação de Professores, alerta para o facto de que “não podemos pensar nos

professores como um colectivo homogéneo, mas sim que existem diferentes níveis de

maturidade pessoal e profissional (…)”. Assim, segundo o autor, as várias teorias sobre

as etapas de desenvolvimento cognitivo dos professores, de diferentes autores ( Hunt,

Kohlberg e Loevinger), apresentam a evolução dos professores como pessoas adultas,

até níveis cada vez mais elevados de maturidade. O autor refere Pickle (1985) para

quem

“(…) a maturidade dos professores é atingida através de um processo de evolução que

vai desde uma concepção técnica e instrumental do conhecimento até uma concepção mais

científica ou filosófica. Desde uma preocupação pela sobrevivência e pela imitação dos

“superiores”, até uma maior compreensão de si mesmo e dos outros, assim como através do

desenvolvimento de um estilo pessoal”

Garcia, (1999, p.61)

À medida que se desenvolvem profissionalmente também os professores

demonstram diferentes competências, comportamentos, atitudes e preocupações

relativamente às suas carreiras. Garmston, Lipton e Kaiser (2002, p.64) referem que, os

vários estudos efectuados por diversos investigadores, indicam que os professores que

funcionam em níveis conceptuais mais elevados demonstram maior complexidade em

situação de sala de aula, sendo geralmente capazes de assumir várias perspectivas e de

recorrer a uma variedade de estratégias e diferentes modelos de ensino. Assim, a

compreensão destes aspectos poderá ajudar a direccionar as práticas de supervisão no

sentido do crescimento desenvolvimental. Por outro lado os autores referem a

abordagem construtivista-desenvolvimental ao desenvolvimento do adulto de entre

cujos conceitos fundamentais salientam dois aspectos: i) o crescimento não é

automático, ocorrendo apenas com mediação ou interacção/experiência adequada entre

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o indivíduo e o ambiente; e ii) o comportamento poderá ser compreendido à luz do

estádio desenvolvimental particular em que o indivíduo se encontra (Sprinthall e

Sprinthall, 1980, cit. por Garmston, Lipton e Kaiser, idem, p.66). Assim, para estes

autores, a supervisão deveria ser encarada como uma actividade de mediação do

desenvolvimento organizacional e profissional, a qual requer conhecimento pedagógico,

competências linguísticas e sensibilidade às relações humanas. Com efeito, o repertório

de competências necessárias ao supervisor vai para além da observação de

comportamentos, seu relacionamento com a aprendizagem dos alunos e investigação

sobre práticas eficazes. Estas competências incluem ainda “estratégias de mediação

concebidas para facilitar a construção e expansão das capacidades reflexivas do

professor e dos seus processos de compreensão e interpretação” (idem, p.102). Desta

forma, os supervisores mais eficazes serão capazes de utilizar diferentes abordagens

tendo por base as diferenças desenvolvimentais de cada indivíduo pelo que, para os

autores, essa eficácia está largamente dependente da fluência do supervisor ao nível do

conhecimento das necessidades e estádios de desenvolvimento do adulto, bem como das

estratégias de intervenção adequadas a cada estádio.

Com o intuito de poderem servir de critérios para a organização e selecção de

práticas de supervisão, Garmston, Lipton e Kaiser propõem os nove princípios de

mediação do desenvolvimento profissional e que são os seguintes: i) Cada pessoa

percebe o mundo a partir da sua estrutura de referência única, pelo que o mediador deve

tentar perceber como o mundo surge ao outro, através da recolha de dados, sem

qualquer tipo de julgamento; ii) As interacções, quer planeadas, quer espontâneas são

mais eficazes quando têm um objectivo de transcendência, isto é, qualquer que seja o

objectivo a curto-prazo da supervisão mediadora, o objectivo mais lato é o

desenvolvimento contínuo e a integração de novo conhecimento; iii) A interacção

mediadora deve ir ao encontro da outra pessoa na sua própria estrutura de referência,

mas este é meramente um ponto de partida; iv) As pessoas fazem as escolhas mais

acertadas para si próprias a qualquer momento, de acordo com o seu modelo do mundo.

Assim, a função de supervisão deve libertar-se de julgamento e avaliações que iriam

limitar a capacidade do sistema para trabalhar construtivamente com os professores; v)

Proporcionar escolha – os mediadores eficazes consideram e oferecem opções; vi)

Respeitar todas as mensagens – os mediadores competentes sabem que a comunicação

ocorre simultaneamente a diferentes níveis e respeitam as mensagens verbais e não-

verbais; vii) Os recursos de que cada pessoa necessita encontram-se na sua própria

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neurologia ou história pessoal – a supervisão pode facilitar o acesso a esses recursos

internos e mediar o crescimento desenvolvimental; viii) Quanto maior a adaptabilidade

e flexibilidade do mediador, mais eficaz será a sua acção numa relação que resulte em

crescimento. O facto de as mediações falharem deve-se, muitas vezes à incapacidade do

mediador para ter a flexibilidade necessária; ix) Os resultados da supervisão mediada

são tingidos ao nível psicológico. Este tipo de interacção proporciona o

desenvolvimento ao longo do continuum de construção de significado. (Garmston,

Lipton, e Kaiser, 2002, pp.106-109)

Para além deste aspecto, os autores prevêem também que, e numa era de

desenvolvimento das organizações para a aprendizagem, a supervisão se desenvolva

para além da sala de aula como principal contexto do desenvolvimento do professor,

para abarcar toda a escola como local de aprendizagem do adulto. Assim, o supervisor

torna-se um ecologista social que utiliza os recursos do sistema para o tornar mais

adaptável e promover a aprendizagem contínua. O perfil deste supervisor será então o

de alguém familiarizado com a pedagogia e com a psicologia das intervenções

mediadas, mas também que compreenda as escolas como sistemas que influenciam e

são influenciados pelas acções e escolhas de todos os que a compõem. Este supervisor

trabalha com o objectivo de diminuir a fragmentação, a competição e a reactividade, e

alimenta a colaboração, a experimentação e a reflexão profissional. Neste contexto e nas

palavras dos autores:

“ (…) A colaboração torna-se tão importante quanto a competitividade o foi no

passado. Parecer bom torna-se menos importante do que ser, de facto, bom. Nas comunidades de

aprendizagem os professores e supervisores admitem o desconhecimento, a procura de ajuda

junto de outros e a procura de aprendizagem.”

Garmston, Lipton e Kaiser (2002, p.112)

No que concerne às competências do supervisor neste tipo de organização que

Alarcão apelida de “escola reflexiva”, e dado que ele se define como um profissional do

humano, a autora destaca as competências interpretativas, de análise e de avaliação, de

dinamização da formação e relacionais. Na sua opinião, estas justificam-se dado que

“fazer supervisão não é um processo meramente técnico” (Alarcão, 2002, p.234), mas

sim um processo no qual se conjugam as dimensões cognitiva e relacional, em função

dos dois objectivos fundamentais que são: o desenvolvimento da escola como

organização e o desenvolvimento profissional dos professores e funcionários.

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Já no que respeita aos conhecimentos necessários para o desempenho das novas

funções que propõe para os supervisores, Alarcão considera que estes se devem situar a

diferentes níveis, tendo elencado os seguintes: i) conhecimento da escola como

organização, com uma missão, um projecto e um determinado nível de

desenvolvimento; ii) conhecimento dos membros da escola e das suas características

como indivíduos e como grupos; iii) conhecimento das estratégias de desenvolvimentos

institucional e profissional; iv) conhecimento do fenómeno da aprendizagem

qualificante, experiencial e permanente; v) conhecimento de metodologias de acção-

investigação-formação; vi) conhecimento de metodologias de avaliação da qualidade

(das aprendizagens, do desempenho, institucional); e vil) conhecimento das ideias e das

políticas actuais sobre educação.

Finalmente, e para além das competências e conhecimentos referidos, a autora

considera essencial que, e como condição necessária para poder eficazmente auxiliar a

formação de professores enquanto profissionais em permanente aprendizagem e

desenvolvimento, o supervisor, ele próprio, tenha interiorizado a atitude de se encontrar

em formação constante.

Considerações finais

Tendo-nos proposto percorrer e analisar, embora de forma breve, a literatura

relativa à supervisão ao nível da escola e, em particular ao nível da gestão intermédia,

dado a sua crescente relevância não só no contexto internacional mas, e muito

particularmente, na situação mais recente entre nós, procurámos encontrar respostas

para a necessidade de definição de um perfil do supervisor nesta nova concepção da sua

função. Verificámos pois que se trata de um papel exigente, que requer a mobilização de

conhecimentos, competências e atitudes que se situam a um nível diferente da mera boa-

vontade, ou disponibilidade para o cargo. Daí que a necessidade de formação, referida

pelos autores, seja sublinhado nestas notas finais. Com efeito pudemos constatar que ser

supervisor é uma tarefa difícil e de grande responsabilidade. E, se bem que num cenário

futuro ideal cada um pudesse vir a apresentar capacidades de reflexão e de auto-

supervisão, nos tempos mais próximos subsiste a necessidade de que alguns elementos

da comunidade escolar assumam essas responsabilidades supervisivas. Assim, e como

ficou patente, os estudos em áreas como a psicologia social, o modo como os adultos

aprendem e se desenvolvem, a gestão de recursos e de estratégias, as técnicas de

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observação, avaliação e dinâmicas de grupo, bem como o desenvolvimento curricular,

são aspectos que um supervisor deve conhecer (Alarcão, 2003, p.155).

Finalmente será importante relembrar que, e apesar de os normativos recentes e

os que aguardam publicação apontarem para formas de trabalho colegial nas escolas, às

quais a supervisão ao nível dos cargos de liderança intermédia não pode ficar alheia,

esta legislação, por si só, não produzirá grandes mudanças se os diferentes actores, a

nível da organização escola, não actuarem no sentido dessa mudança. E, como lembra

Oliveira:

“A construção de uma cultura colegial é um processo longo, não isento de dificuldades

e conflitos, e que requer a criação de condições várias, nomeadamente de espaços e tempos

destinados ao trabalho em comum e de recursos financeiros, mas essencialmente formação e

apoio continuado com vista ao desenvolvimento de atitudes e competências no domínio da

formação e da supervisão. De facto, todos os professores poderão, potencialmente, ser

formadores e supervisores dos seus colegas e dos candidatos a professores”.

Oliveira (2000, p.52.)

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